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    AUGUSTO DE FRANCOVida humana & convivncia social nos novos

    Mundos Altamente Conectados do Terceiro Milnio

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    Hipertema

    Fluzz o fluxo, que no pode ser aprisionado por qualquer mainframe.Porque fluzz do metabolismo da rede. Ah!, sim, redes so fluies.

    Fluzz evoca o curso constante que no se expressa e que no pode sersondado, nem sequer pronunciado do lado de fora do abismo: ondehabitamos. No lado de dentro do abismo no h espao nem tempo, ou

    melhor, h apenas o espao-tempo dos fluxos. de l que aquilo (aquele)que flui sem cessar faz brotar todos os mundos.

    Muitos mundos, isso mesmo. No existe um mundo que se possa dizer omundo, a no ser por efeito de hierarquizao.

    Pensar e falar do mundo tentar impingir um s mundo. Pois os mundosso muitos. Um s mundo uma inveno do broadcasting. Broadcasting um para muitos , obviamente, centralizao, quer dizer, hierarquia.Tirem as TVs, os jornais e revistas, as agncias de notcias, talvez o cinemae no sobrar mais um s mundo. Sem o broadcasting j teremos mltiplosmundos: cada qual configurado pelas nossas conexes. Com a internetesses mundos se multiplicam velozmente, mas no por difuso e sim porinterconexo. Desse ponto de vista, interconnected networks (internet) ,na verdade, interconnected worlds. E fluzz o vento que varre essesinumerveis interworlds.

    No mundo hierrquico, no h interface para fluzz. Mas quando fluzz for doregime dos mltiplos mundos interconectados, esses mundos sero os

    novos Highly Connected Worlds do terceiro milnio.

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    Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milnio, vida humanae convivncia social se aproximaro a ponto de revelar os tanques axlotlonde somos gerados como seres propriamente humanos. Todoscompreenderemos a nossa natureza de gholas sociais.

    Os tanques onde somos formados como pessoas so clusters, regies darede social a que estamos mais imediatamente conectados.

    Um tipo especial de ghola: no um clone de um indivduo, mas um clonede uma configurao de pessoas. Toda pessoa, como dizia Novalis (1798), uma pequena sociedade; quer dizer, pessoa j rede! Pessoa um entecultural que replica uma configurao. um ghola social.

    O que fazer ento?

    No h nada a fazer. Deixem fluzz soprar para ver o que acontece. (Naverdade, dizer deixem fluzz soprar apenas uma maneira de dizer, poisfluzz j o sopro).

    Quando fluzz soprar, pr que ensino, pr que escola? Quando fluzz soprar,pr que religio, pr que igreja? Quando fluzz soprar, pr que corporao,pr que partido? Quando fluzz soprar, pr que nao, pr que Estado?

    Oh! claro que todas essas instituies perduraro: como remanescncias.

    No sero mais prevalecentes. Alis, como j se prenuncia, elas secontaminaro mutuamente: naes sero religies, escolas sero igrejas,Estados sero corporaes... e tudo ser, afinal, o que sempre a mesmacoisa: programas verticalizadores que rodam na rede social instalandoanisotropias no espao-tempo dos fluxos.

    Enquanto isso, porm, crescem subterraneamente as hifas, por toda parte.Os alicerces das organizaes hierrquicas vo sendo corrodos e seumuros, antes paredes opacas para se proteger do outro, vo agora virandomembranas, permeveis interao e vulnerveis ao outro-imprevisvel.

    Pessoas conectadas com pessoas vo tecendo articulaes que despedaamo mundo nico imposto em mirades de pedaos, no pelo combate, maspela formao de redes. E outras identidades mais-fluzz vo surgindonos novos mundos altamente conectados do terceiro milnio.

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    Mas o terceiro milnio ainda no comeou. Sobre a primeira dcada destesculo, que ora se esvai, podemos afirmar que o que nela vivemos foi, emgrande parte, uma espcie de rescaldo do sculo 20.

    A despeito do inegvel avano econmico-quantitativo dos ltimos dias, sob

    vrios aspectos pode-se afirmar que os anos 2000 significaram umretrocesso em relao dcada anterior.

    Grandes verdades do final sculo 20 no foram ainda revistas, conquantono faltem evidncias de seu envelhecimento. Quatro exemplos eloqentes:

    O mundo virou uma aldeia global? No. Est virando mirades dealdeias globais.

    Pensar globalmente e agir localmente? No. Pensar e agirglocalmente!

    Sustentabilidade resguardar recursos para as futuras geraes?No. aprender a fluir com o curso...

    Pobreza insuficincia de renda? No. falta de conexes e atalhosentre clusters.

    Ainda no logramos perceber o que est em gestao neste perodo. A

    revelia dos cegos lderes mundiais e alm da compreenso dos analistasde governos e corporaes, grandes movimentos subterrneos esto emcurso neste momento. De modo molecular, distribudo e conectado de sortea formar um feixe intenso de fluxos fluzz , esto se articulando e seexpressando glocalmente experincias inovadoras que tendem a alterar naraiz a estrutura e a dinmica da sociosfera. Eis quatro exemplos fulcrais doque est emergindo:

    No-Escolas: comunidades de aprendizagem (homescooling e,sobretudo, communityschooling, cada vez mais na linha de

    unschooling) em rede, sem currculo e sem professor e aluno.

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    No-Igrejas: formas ps-religiosas de espiritualidade, livres dasordenaes das burocracias sacerdotais.

    No-Partidos: redes de interao poltica (pblica) exercitando ademocracia local na base da sociedade e no cotidiano dos cidados.

    No-Estados-naes: cidades inovadoras que assumem a governanado seu prprio desenvolvimento em rota de autonomia crescente emrelao aos governos centrais que tinham-nas por seus domnios.

    Nada disso est sendo percebido pelos mantenedores do velho mundo queso, invariavelmente, net-avoids, ou seja, aqueles que desconfiam dasredes quando no deveriam faz-lo, posto que justamente em uma pocade transio para uma sociedade em rede. E estes so, quase sempre,hierarcas. No conseguem ver o que est ocorrendo porque, do lugar onde

    operam, objetivamente, contra os novos mundos que esto emergindo, amudana no pode mesmo aparecer. Alguns exemplos dessas categorias que freqentemente se misturam e incidem em alguma combinaoparticular sobre um mesmo indivduo vitorioso (segundo os critrios domilnio pretrito) merecem ser destacados: os ensinadores ou burocratassacerdotais do conhecimento, os codificadores de doutrinas, osaprisionadores de corpos, os construtores de pirmides, os fabricantes deguerras e os condutores de rebanhos.

    A resilincia dessas velhas funes, agenciadoras de um tipo de mundo que

    teima em no desaparecer, no est conseguindo impedir o surgimento denovos papis sociais que antecipam uma nova poca.

    Caminhando fora dos trilhos estabelecidos, emergem a cada dia novosatores do mundo glocalizado. Sim, eles j esto entre ns. No soconhecidos porquanto no so pessoas que ficaram famosas segundo o queat ento era considerado indicador de sucesso: pelo seu poder, pela suariqueza ou pelo seu conhecimento atestado por ttulos. Quem so? Ora soos mltiplos annimos conectados, habitantes de uma diversidade incrvelde Highly Connected Worlds, que no foram produzidos por broadcasting.

    So como aquele personagem do romance Distraction de Bruce Sterling(1998) que, para se identificar, afirmou: No temos razes. Somos pessoasda rede. Temos antenas.

    Tais papis inditos que esto sendo produzidos pela (ou em) rede sotambm mltiplos. Por enquanto s conseguimos divisar alguns. Trsexemplos marcantes so os hubs, os inovadores e os netweavers.

    Nas prximas dcadas, ao que tudo indica a livre interao de mltiplos

    mundos altamente conectados, estruturados com outras topologias eregidos por outras dinmicas, vai substituir processualmente as

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    remanescncias deste mundo aprisionado, sob o influxo de velhasnarrativas ideolgicas totalizantes, em grandes ou pequenas estruturashierrquicas unificadoras top down.

    A nova integrao ser fractal. Os novos sistemas de governana confluiropara uma ecumene planetria, ao mesmo tempo global e local. Teremosno uma aldeia global, mas mirades de aldeias globais. E cada localconectado ser o mundo todo.

    Essa ser a consumao da promessa do terceiro milnio prefigurado pelosonho de tantos humanos. Quando ele comear. Quando acabarem de cairos muros.

    Em 1989 foi a primeira queda: a do Muro de Berlim. O episdio, pleno designificado simblico, assinalou o incio de uma poca de mudanas nospadres de relao entre Estado e sociedade. Um processo at ento ocultode mudana social tornou-se visvel de repente. Embora fugaz, o momentoabriu uma brecha pela qual se pode ver um novo tecido societrio emgestao, uma nova topologia - mais distribuda - da rede social sendotramada. Com efeito, nos anos seguintes, como se diz, "o mundo mudou":a internet (com a world wide web) nos anos 90 expressou aspectosimportantes dessa mudana profunda. Estvamos no outono das redes.

    Os anos 2000, contrariando uma srie de profecias futuristas, no raroinspiradas por algum tipo de milenarismo, e frustrando as mais animadorasexpectativas da New Age, no consumaram o que foi prefigurado. Aprimeira dcada do sculo 21 - marcada indelevelmente pela queda dastorres gmeas do World Trade Center- conquanto tal evento tambm sejariqussimo de significado simblico (mstico, como revela a famosa Carta 16do Tarot; e ideolgico: o que ruiu foi um centro mundial de comrcio, dandoa alguns a impresso, no raro regressiva, de que a prevalncia dadinmica reguladora do mercado estava com os dias contados), no foi ovestbulo de entrada para aquele terceiro milnio imaginrio desejado.

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    No entanto, subterraneamente, prosseguiu a gestao de novos padressocietrios. O mundo descobriu as redes. Entrou em francodesenvolvimento uma nova cincia das redes. E surgiram por toda partenovas plataformas tecnolgicas interativas de articulao e animao deredes sociais. As ferramentas comearam a ficar disponveis. Faltaram aoencontro apenas as pessoas, em grande parte ainda arrebanhadas ecercadas nos tradicionais currais organizativos.

    A despeito do fato, incontestvel, de a dinmica global da interao entre asvelhas instncias organizativas ter mudado, anunciando a emerso de umaverdadeira sociedade-rede, um novo padro de organizao distribudo nologrou se materializar no interior e no entorno das organizaesempresariais, governamentais e sociais, que continuaram ainda seestruturando de modo centralizado ou hierrquico. Ou seja, o muro que caiu

    em 1989, caiu para o mundo construdo pelo broadcasting como um nicomundo, sob o efeito das poderosas foras da globalizao (sobretudo daglobalizao das telecomunicaes e da globalizao dos mercados), masno chegou a se localizar nas organizaes realmente existentes em todosos setores. A mudana continuou acontecendo, mas os novos (e mltiplos)Highly Connected Worlds como que "cresceram escondidos" nesta poca demudana e no apareceram ainda luz do dia, de sorte a consumar o quepoderamos chamar de uma mudana de poca. Esses "mundos-bebs"esto agora em gestao. Estamos no final do inverno das redes.

    A primeira queda do muro foi uma queda no plano global, assinalando oincio de uma poca de mudanas nos padres de relao societrios. Mascomo o sentido do processo que estamos vivendo no apenas o deglobalizao e sim o de glocalizao, falta ainda uma segunda "queda domuro" no plano local para que se consume a j prenunciada mudana depoca.

    No ser mais, entretanto, uma (nica) queda, de um (nico) muro. Seromuitas quedas, provavelmente em cascata ou swarming, de muitos muros.Do ponto de vista dos movimentos invisveis que se processam no espao-

    tempo dos fluxos, naquele multiverso de conexes ocultas que "produzem"o que chamamos de 'social', 'muro' significa centralizao, obstruo defluxo. Onde quer que existam "muros" impedindo o livre curso de fluies, muros estes que caracterizam organizaes mais centralizadas do quedistribudas, poder haver uma "queda".

    A segunda queda do muro ser fractal. Cada mundo altamente conectadoque emergir aps a segunda queda, ser o mundo todo, como se fosseuma imagem hologrfica de uma nova matriz de mundo mais distribudo.

    No um mundo interligado - pois que isso j se materializou desde que aconexo global-local tornou-se uma possibilidade - e sim um mundo-

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    gerador intermitente de novos, inditos, mundos altamente tramados, parafora e para dentro, que emergiro a cada instante. Um mundo mais-fluzz,quer dizer, muitos mundos-fluzz. Essa ser, propriamente falando, aprimavera das redes.

    Os fenmenos acompanhantes desse global swarming serosurpreendentes. Alguns j comearam a se manifestar: uma tendnciaacentuada desobedincia dentro das organizaes hierrquicas, aincapacidade dessas organizaes de inovar no ritmo exigido pelasmudanas contemporneas (ou melhor, de se estruturar para inovarpermanentemente) e - o que mais drstico - as perdas irreversveis deoportunidades e condies de sustentabilidade para as organizaesfechadas que no forem capazes iniciar a transio do seu padro piramidalpara um padro de rede.

    Bem-vindos aos novos mundos-fluzz.

    Esqueam suas velhas idias e prticas de comando e controle. Abram mode suas noes-sculo-20 de participao. E se livrem da compulso degerir o conhecimento ou organizar contedos para os outros (ou juntamentecom eles). Preparem-se para entrar no multiverso das interaes.

    Nos mundos-fluzz no o contedo do que flui pelas conexes da rede a

    varivel fundamental para explicar o que acontece(r) e sim o modo-de-interagir e suas caractersticas, como a freqncia, as reverberaes, osloopings, as configuraes de fluxos que se constelam a cada instante, osespalhamentos e aglomeramentos (clustering), os enxameamentos(swarming) que irrompem, as curvas de distribuio das variaesaleatrias introduzidas pela imitao (cloning) que produzem ordememergente (a partir da interao), as contraes na extenso caractersticade caminho (crunch) dentro de cada cluster...

    Em vez de tentarem organizar a auto-organizao, construam interfaces

    para conversar com a rede-me, aquela que existe independentemente denossos esforos conectivos voluntrios e que, para usar uma imagem do

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    Tao, como o esprito do vale, suave e multfluo, [como] a mulhermisteriosa que age sem esforo ao se deixar varrer pelo sopro, ao serpermevel ao fluxo que no pode ser aprisionado por qualquer mainframe:fluzz.

    Oh!, sim, redes so fluies. Este livro sobre redes.

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