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AJES - FACULDADE DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS E ADMINISTRAÇÃO DO VALE DO JURUENA CURSO: FINANÇAS, AUDITORIA E CONTROLADORIA 9,0 A LAVAGEM DE DINHEIRO E A CUMPLIANCE FLORISMALDO FERREIRO [email protected] ORIENTAÇÃO: ME. WILSON ANTUNES DE AMORIM ARIPUANÃ-MT/2011

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AJES - FACULDADE DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS E ADMINISTRAÇÃO DO VALE

DO JURUENA

CURSO: FINANÇAS, AUDITORIA E CONTROLADORIA

9,0

A LAVAGEM DE DINHEIRO E A CUMPLIANCE

FLORISMALDO FERREIRO

[email protected]

ORIENTAÇÃO: ME. WILSON ANTUNES DE AMORIM

ARIPUANÃ-MT/2011

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AJES - FACULDADE DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS E ADMINISTRAÇÃO DO VALE

DO JURUENA

CURSO: FINANÇAS, AUDITORIA E CONTROLADORIA

A LAVAGEM DE DINHEIRO E A CUMPLIANCE

FLORISMALDO FERREIRO

[email protected]

ORIENTAÇÃO: ME. WILSON ANTUNES DE AMORIM

Monografia apresentada à diretoria de pós-graduação da Faculdade de Ciências Contábeis de Administração do Vale do Juruena, como quesito parcial para a obtenção do título de Especialista Lato Sensu em Contabilidade Pública, Finança, Auditoria e Controladoria, com orientação da Professor Me. Wilson Antunes de Amorim

ARIPUANÃ-MT/2011

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao corpo docente da AJES - Faculdade de Ciências

Contábeis e Administração do Vale do Juruena, que entre outras coisas,

possibilitaram minha formação em Pós-Graduação, além da formação moral, que

inequivocamente transmitiram ao longo de todos estes módulos.

Agradecemos às nossas famílias, que durante dois anos sempre nos

incentivaram a prosseguir para a conclusão desta Pós-Graduação. Assim

agradecemos a Deus, que durante todos os anos de nossas vidas, escorou-nos na

benignidade.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia primeiramente a Deus, à meus familiares, meus

amigos, e aos professores da AJES. Nesses momentos de alegria não podia deixar

de citar a colaboração de minha esposa senhora Edina Goedert, pela compreensão

de me tranqüilizar nos momentos mais difíceis dessa jornada de estudos.

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RESUMO

As ações de lavagem de dinheiro, por envolverem uma série de atos coordenados,

fazendo com que o capital ilícito transite por instituições financeiras, empresas,

organizações não governamentais, dentre outras pessoas jurídicas, tornam-se

suscetíveis de investigação à medida que tais organizações adotem métodos de

controle do trânsito de capitais, verificando a origem e o destino de cada transação,

ocorrendo no momento dessas operações financeiras as maiores possibilidades de

obstacularização à atividade das organizações criminosas. Sob este aspecto, o

presente estudo visa apresentar, de maneira clara, o estudo dos mecanismos:

nacionais e internacionais de combate à “lavagem de dinheiro”, interpretando-se a

origem deste fenômeno, os tratados e convenções internacionais relacionados, bem

como as Leis nº 9.613/98 e as alterações promovidas pela Lei nº 10.701/03 para

identificar um dos crimes que mais cresce em nosso país. Busca-se no presente

trabalho realizar um levantamento em obras existentes, de modo a definir o que vem

a ser o crime de lavagem de dinheiro, apresentando suas peculiaridades, quais

sejam, a criminalidade transnacional não pode ser confrontada à luz das regras de

direito tradicional. Por respeito à soberania das nações, há limitações fronteiriças

que permite que o crime se difunda pelos mais diversos países, o que limita a

aplicabilidade da lei penal. O combate a esse tipo de crime somente teria eficácia

através de tratados multilaterais. Foram encontradas duas falhas na 9.613/98:

ausência de um critério diferenciador entre a receptação e a lavagem de dinheiro e

ausência de um conceito ou a definição de elementos constitutivos do crime

organizado.

Palavras-Chave: Lavagem de Dinheiro; Compliance; Crimes Empresariais;

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ABSTRACT

The shares of money laundering, because they involve a series of coordinated

actions, making the illicit transit capital by financial institutions, businesses,

nongovernmental organizations, among other entities, become susceptible research

as organizations adopt such methods control the transit of capital, verifying the origin

and destination of each transaction, occurring at the time the largest financial

transactions of these possibilities obstacularização the activity of criminal

organizations. In this respect, this study aims to present in a clear way, the study of

mechanisms: national and international combat "money laundering", interpreting the

origin of this phenomenon, international treaties and conventions related, as well as

the Laws No. 9613/98 and the changes introduced by Law No. 10,701 / 03 to identify

one of the fastest growing crimes in our country. Search in the present study to

conduct a survey on existing works, in order to define what has to be the crime of

money laundering, with its peculiarities, namely, transnational crime can not be

confronted under the rules of traditional law. Out of respect for the sovereignty of

nations, there are constraints that allow border crime is disseminated by several

countries, which limits the applicability of the criminal law. The fight against this type

of crime would effectively only through multilateral treaties. Two faults were found in

9613/98: the absence of a differentiating criterion between the receiving and

laundering money and lack of a concept or definition of constituent elements of

organized crime.

Keywords: Money Laudering; Compliance; Enterprise crimes;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 7

CAPITULO I - REFERENCIAL TEÓRICO............................................................... 10

1.1 A Era Digital e o Dinheiro Eletrônico................................................................. 10

CAPITULO II - METODOLOGIA............................................................................. 14

2.1. Caracterização de estudo...............................................................................

144

2.2 Coleta de dados................................................................................................

144

2.3. Critérios de Inclusão e Exclusão......................................................................

155

CAPITULO III – .ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS......................................

166

3.1 A Lei Nº 9.613/98 E Normatização................................................................... 16

3.2. Definições de Lavagem de Dinheiro................................................................

177

3.3 Lavagem de Dinheiro no Brasil e no Mundo..................................................... 17

3.4. Órgãos Responsáveis e Reguladores no Brasil e no Mundo..........................

220

3.5. O Crime que Cresce com um País Omisso.....................................................

272

3.6. Tipificações de Crimes de Lavagem de Dinheiro............................................ 29

3.7. Compliance......................................................................................................

311

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................

Erro! Indicador não definido.7

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 39

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INTRODUÇÃO

Nos últimos tempos o crime organizado adquiriu proporções transnacionais,

em especial o crime de lavagem de dinheiro, o qual se globalizou, atingiu os

contextos sociais e econômicos de quase todos os países.

Esse tipo de delito se utiliza dos serviços de profissionais capacitados, com

ferramentas de avançada tecnologia, podendo o dinheiro “sujo” ser transferido

rapidamente para os quatro cantos do planeta, visando à aparente legalidade.

No Brasil a nº Lei 9.613/98 tipificou o crime de lavagem de dinheiro ou

ocultação de bens, direitos e valores, com propósito de legalização de recursos

provenientes dos crimes antecedentes previstos na mesma.

A lei em comento é fruto do compromisso assumido com a assinatura da

Convenção de Viena de 1988, onde o Brasil tipifica em seu ordenamento jurídico o

crime de lavagem de dinheiro e estabelece medidas que atribui maior

responsabilidade a intermediários econômicos e financeiros. Bem como, instituir o

Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Ao longo do tempo essa lei sofreu acirradas críticas e por isso visando o seu

melhoramento nasce a Lei nº 10.701 de 09 de julho de 2003. Esta, que integra a

anterior Lei nº 9.613/98, inseriu diversas modificações com a intenção de unificar

esforços no combate ao crime de lavagem de dinheiro.

No que tange o aspecto internacional desse crime, existem cinco

organismos internacionais responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro, são

eles: FATF – Financial Action Task Force on Money Laundering; UNODC – United

Nations Office Drugs and Crime; CICAD – Comissão Interamericana para o controle

do abuso de drogas da Organização dos Estados Americanos; Gafisud – Grupo de

Acción Financera de Sudamerica contra el lavado de Actios; e Grupo Egmont.

Imperativo que se reconheça a importância das Leis nº 9.613/98 e

10.701/03, que são importante passo pela busca da institucionalização das ações

repressoras, imprescindíveis ao combate à lavagem de dinheiro, um crime cujo

combate redunda, indubitavelmente, na redução dos índices da criminalidade de

impacto. A legislação, talvez por inspiração estrangeira, contém dispositivos de

constitucionalidade questionáveis segundo parte da doutrina, em especial no que diz

respeito ao estreitamento de garantias fundamentais individuais. Porém, necessita

se reconhecer que a criminalidade transnacional não pode ser confrontada à luz das

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regras do direito tradicional, e sim por meio de uma efetiva cooperação entre os

países. Pois, enquanto a lei penal, por respeito à soberania das nações, esbarra nas

limitações das fronteiras, por sua vez, o crime não encontra qualquer empecilho em

se difundir países afora.

Busca-se no presente trabalho realizar um levantamento em obras

existentes, de modo a conceituar o que são crimes financeiros e como a lavagem de

dinheiro se enquadra nesse tipo de crime.

Segundo Unisvienna (2005) a lavagem ou Branqueamento de capitais vem a

ser uma das formas mais frequente de crime econômico e financeiro, sendo o

mesmo baseado na necessidade quanto à limpeza do dinheiro obtido através de

práticas ilegais, ou seja, as atividades criminosas produzem lucros ilegais, quais

precisam ser branqueados, para que possam ser integrados ao sistema financeiro,

deste modo à lavagem ou branqueamento fornece aos criminosos a liquidez dos

capitais para que possam ser reinvestidos.

De acordo com autores como Santos (2004); Mink (2005); Carli (2006) e

Amorim (2007) os mecanismos mais empregados no processo de lavagem de

dinheiro possuem três etapas independentes, quais podem vir a ocorrer de forma

simultânea, sendo as mesmas a colocação; a ocultação e a integração.

Nas últimas décadas a prática da Lavagem de dinheiro tornou-se um dos

principais desafios a ser enfrentado por parte dos Governos dos vários países do

mundo, pois tal prática tem acarretado em um grande prejuízo para a economia

mundial, sendo responsável por movimentar o montante de aproximadamente US$

500 bilhões por ano, o equivalente a 2% do PIB Mundial. Tal representatividade

demonstra a atual dimensão do problema, pois inicialmente a mesma era vista como

uma pratica própria da máfia norte-americana nos anos de 1920, sendo ela

posteriormente adotada tanto por narcotraficantes, como por organizações

criminosas voltadas a crimes como seqüestros, extorsão, trafico de armas e

munições, falsificação e crimes contra o sistema financeiro, sendo aqui também

incluso a pratica de atos terroristas (MINK, 2005).

Devido à importância evidenciada desta prática criminal na economia das

organizações e dos países, busca-se assim através deste estudo responder as

seguintes questões-problemas: O que vem a ser a lavagem de dinheiro, e qual o

impacto desta pratica nas empresas e na economia? Como pode a organização

fazer uso da Função de Compliance para combater a lavagem de dinheiro,

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minimizando assim os riscos financeiros e mercadológicos por ela ocasionados?

O estudo encontra-se estruturado da seguinte maneira: o Primeiro Capítulo

apresenta o Referencial Teórico. No Segundo Capítulo aparece a Metodologia o

estudo. O Terceiro Capítulo foi reservado a uma reflexão sobre a LEI Nº 9.613/98 e

normatização. O Quarto Capítulo traz uma abordagem sobre a lavagem de dinheiro

no Brasil e no Mundo. Nas Considerações Finais são apresentados os resultados

alcançados na pesquisa.

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CAPITULO I

REFERÊNCIAL TEÓRICO

1.1 A Era Digital e o Dinheiro Eletrônico

Estamos hoje em uma sociedade aonde a tecnologia da informação vem a

assumir um papel cada vez mais significativo na vida das pessoas. Alguns

especialistas descrevem que a humanidade esta vivendo o que denominam de “era

digital”, na qual a tecnologia esta revolucionando as economias, seja num contexto

estreito quanto amplo, onde abrange desde a atuação de um individuo, ou então

uma pequena empresa, influenciando também as economias de países e mercados

internacionais. Isso pode ser observado no trecho a seguir em que GARCIA (2004)

alerta que

Vivemos numa época de revolução tecnológica. A internet cresce dia-a-dia, modificando o cotidiano das pessoas e incorporando-se à vida de cada uma. Este moderno paradigma tem proporcionado o surgimento de uma nova sociedade, sem fronteiras, constituída de estratos culturais bem heterogêneos (GARCIA, 2004, p.1).

Não só os processos industriais têm sido alterados, mas também as

operações comerciais e financeiras, as quais mudam a cada momento. Nesta nova

realidade, até mesmo o dinheiro tem sofrido mudanças em sua natureza, de modo

que as transações financeiras são hoje realizadas de modo puramente eletrônico,

atingindo estas operações velocidades elevadas. Segundo Carli (2006) o dinheiro

hoje “atinge a velocidade da luz e é pura energia”, sendo sua função nesta nova

realidade relacionada a evidenciar e designar as operações digitais do computador,

dentre as quais, se podem citar às compras via internet, as transações bancárias,

etc.

À medida que o dinheiro se torna mais leve, oferecendo menos resistência à velocidade das transações, seu significado transfere-se do material para o simbólico. O dinheiro não é mais, hoje, dinheiro real, moeda ou cédula, mas informação sobre dinheiro (CARLI, 2006, p.55).

Apesar dos grandes benefícios que a tecnologia da informação está

provendo à sociedade, existe também uma série de problemas que estão se

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desenvolvendo ou ganhando maior espaço junto a sociedade. O direito mais do que

nunca precisa passar por um processo de evolução, pois as mudanças

proporcionadas pelo avanço tecnológico acabam que por exercer um grande

impacto sobre a matéria do Direito, obrigando-o a se adaptar à nova realidade da

sociedade, de modo que o mesmo continue a regular as relações sociais de forma

eficiente.

Devido a esta nova natureza que o dinheiro vem adquirindo, tal condição

tem contribuído para o crescimento de práticas ilícitas por uma parcela cada vez

maior da população. A cada dia que passa, o crime organizado cresce e se

aperfeiçoa, principalmente em relação a pratica de crimes financeiros, os quais pelo

volume exorbitante, ganham maior destaque, acarretando em grandes prejuízos

para a economia mundial.

Deste modo, os indivíduos estão se aproveitando da tecnologia para criar

novas formas de obter ganho financeiro através de práticas ilícitas, como afirma

UNISVIENNA (2005) segundo o qual, com a internet e o seu alcance mundial, “[...] a

sofisticação crescente do setor bancário e outras evoluções tecnológicas criaram

novas oportunidades para os grupos criminosos organizados mais sofisticados”.

Cita-se, por exemplo, a utilização fraudulenta de cartões de credito ou de debito, a

fraude de identidade vem a ser outra área que apresentou expressivo crescimento.

De acordo com a UNISVIENNA (2005), pode-se definir o crime econômico

ou financeiro, de um modo geral, como uma forma de crime não violento, o qual

resulta em uma perda financeira, englobando esta prática uma vasta gama de

atividades ilegais, como a fraude, a evasão fiscal e o branqueamento de capitais.

Sua interpretação difere de país para país, porém existe uma unanimidade quanto

ao crescimento que esta prática vem assumindo. Vale aqui citar DIAS e ANDRADE

apud VIEIRA (2008) que discursam a respeito do papel do Direito Penal Econômico

nos crimes financeiros. Segundo esses autores,

[...] “pela dimensão dos danos materiais e morais que provoca, pela sua capacidade de adaptação e sobrevivência às mutações sociais e políticas, pela sua aptidão para criar defesas frustrando as formas de luta que lhe são dirigidas, a criminalidade econômica é uma ameaça séria a minar os alicerces de qualquer sociedade organizada. Daí que a invenção de formas eficazes de luta seja hoje preocupação das instâncias governativas, judiciais, policiais etc. de todos os países” (DIAS e ANDRADE, 2000 apud VIEIRA, 2008, p.2).

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Diversos países têm sofrido grandes perdas e prejuízos com a prática de

crimes financeiros. Toma-se, por exemplo, o caso da Alemanha que no ano de 2007,

através de uma pesquisa realizada pelo escritório de Investigação Criminal Alemã

(BKA), foi possível identificar 88 mil crimes financeiros, que acarretaram em um

prejuízo de 4,1 bilhões de euros ao país, representando esta prática uma perda

financeira equivalente à metade dos danos derivados de toda a atividade criminal do

país (PORTAL CLICK RBS).

Dentre os crimes financeiros existentes, um que tem despertado muito a

atenção dos governos devido a sua criticidade e ao impacto negativo que exerce

tanto sobre a economia, como sobre o desenvolvimento de outras práticas

criminosas na sociedade, é o crime de lavagem de dinheiro. Este é o foco do

presente estudo.

Quanto a sua origem AMORIM (2007), relata que existem varias teorias

acerca de sua origem, porém uma teoria trazida por MANDINGER e ZALOPANY,

retrata que a lavagem de dinheiro surgiu na Inglaterra no século XVII através da

pirataria realizada pelas embarcações, devido ao alto custo da manutenção de um

navio, como despesas com tripulação armas, dentre outros.

Segundo BRASIL (2005) os crimes de lavagem ou ocultação de Bens,

Direitos e Valores ocorrem segundo o art. 1° da Lei n° 9,613 de 3 de março de 1998,

quando se realiza a “ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores” sendo estes

provenientes de forma direta ou indireta dos crimes de:

I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II - de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003); III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa; VIII - praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei no 2.848,de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002) (BRASIL, 2005, p.15).

Na concepção de CARLI (2006) na lavagem de dinheiro ocorre nada menos

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do que o ato de encobrir o dinheiro decorrido de outros delitos, visando apagar suas

evidências, ocorrendo assim dois atos, primeiramente busca-se negar o crime

realizado anteriormente, sendo a negação na visão de FENICHEL apud CARLI

(2006, p. 69) o mecanismo mais primitivo, onde “la negacíon optativa de las

realidades displacentes es um hecho muy común y nada más que la expression de

la vigencia del principio de placer”, envolvendo assim alguns atos complexos, tais

como: contratos jurídicos, simulações de operações financeiras licitas, estas

voltadas a conferir licitude aos bens, aos valores e aos direitos provenientes do

crime.

Segundo Brasil (2005), o crime de lavagem de dinheiro como visto ocorre da

prática de crimes antecedentes, os quais já foram apresentados anteriormente,

sendo a lavagem a ocultação ou dissimulação da utilização dos bens, direitos e

valores, realizando as seguintes ações:

I. Os converte em ativos lícitos;

II. Os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda,

tem em depósito, movimenta ou transfere;

III. Importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos

verdadeiros;

IV. Utilizam na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores

que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes

referidos neste artigo;

V. Participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que

sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes

previstos nesta Lei.

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CAPÍTULO II

METODOLOGIA

O método é o conjunto de atividades sistemáticas e racionais que, com

maior segurança e economia, permite alcançar os objetivos, por meio de

conhecimentos válidos e verdadeiros, traçando o caminho a ser seguido. Já a

pesquisa bibliográfica é utilizada para resolver não somente problemas já

conhecidos, como, também, para explorar novas áreas onde os problemas não

cristalizaram suficientemente, o que permitiu o reforço paralelo na análise das

informações obtidas, permitindo o exame do tema sob o novo enfoque ou

abordagem das questões de pesquisa adotadas no estudo.

2.1. Caracterização de estudo

Para a classificação desta pesquisa, têm-se como base os critérios

estabelecidos por Appolinário (2006). Sendo assim, esta pesquisa possui as

seguintes características quanto à (ao):

— Finalidade: fundamental pura, que objetiva o avanço do conhecimento

teórico em determinada área, mas não visa à aplicabilidade imediata;

— Tipo: descritiva, onde pretende descrever e interpretar a realidade,

sem nela interferir; não estabelecendo relações de causalidade;

— Origem dos dados: bibliográfica ou documental, onde os dados são

provenientes de fontes documentais, como obras literárias e artigos científicos;

— Natureza: qualitativa, que prevê a análise hermenêutica dos dados

coletados, ou seja, interpreta o sentido das palavras ou textos descritos.

2.2. Coleta de dados

Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, ainda no que se referem à

elaboração da fundamentação teórica, os dados foram provenientes de fontes

documentais, como obras literárias, jurisdições e artigos científicos, sendo estes

últimos obtidos nos bancos de dados da literatura especializada. Destaca-se que

para este estudo o recorte escolhido contempla publicações dos últimos 10 anos.

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2.3. Critérios de Inclusão e Exclusão

Foram selecionados artigos encontrados com texto completo ou somente

resumo, disponíveis em meio eletrônico na língua portuguesa, espanhola e

inglesa, envolvendo os Descritores em Ciências Jurídicas.

Foram considerados os artigos listados na ordem em que apareciam nos

bancos de dados supramencionados em função da temática e da data de

publicação e também utilizados artigos mencionados nos estudos utilizados a

priori.

Como fatores de exclusão foram descartados os artigos que não

possuíam os descritores envolvidos na temática aqui tratada e não se

encontravam entre o período de publicação mencionado.

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CAPITULO III

ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS

3.1 A Lei Nº 9.613/98 E Normatização

Depois da realização de dois colóquios internacionais realizados no Rio de

Janeiro na década de oitenta, surgiu pela primeira vez a Lei 7.492, de 16.06.1986,

que “[...] define os crimes contra o sistema financeiro nacional (...)”. Na década de

noventa, foram elaboradas as Leis 8.137, de 27.12.1990, que “[,,,] define crimes

contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo”, a 8.176, de

08.02.1991, que “[...] define crimes contra a ordem econômica”, a 8.884, de

11.06.1994, que “Dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem

econômica” e a 9.613, de 13.03.1998, que “Dispõe sobre os crimes de lavagem ou

ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema

financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei”.1

Na ordem constitucional brasileira, há notícia de previsão da ordem

econômica e social desde a Constituição de 1946, passando pela Constituição de

1967 e Emenda Constitucional 1 de 1969, redundando, na ordem vigente, uma

gama de situações jurídicas protegidas pela Carta Magna.2 Nesse sentido, manteve-

se atento o legislador pátrio às evoluções do direito, tendo buscado através da Lei

9.613/98 a incriminação da conduta de lavagem de dinheiro. Embora haja os que

considerem incorreta esta terminologia3, foi adotada a terminologia já consagrada

em âmbito internacional e que se refere a todas as fases do procedimento de

reciclagem de ativos, desde a fase de ocultação até a fase de integração ao local de

origem. Ainda neste sentido, a denominação em questão é também a utilizada pela

Convenção de Viena.

No Brasil a expressão lavagem de dinheiro (money laudering) já havia

encravado raízes profundas nos sistemas financeiro e econômico e, vale frisar que,

bem antes da edição da lei, sua utilização já era popular. Decorrendo daí as

condições favoráveis para a sua escolha, nada obstante, preferível ao 1 COMPARATO, Fábio Konder. A Constituição Mexicana de 1917. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/mex1917.htm. Acesso em: 17 jan. 2011. 2 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, p. 717-725. 3 MAIA, Rodolfo Tigre. O Estado desorganizado contra o crime organizado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 54.

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“branqueamento”, cujo vocábulo poderia dar vez à imprópria e indesejável colocação

racista, segundo cautelosamente assinalou o então, Ministro do Supremo Tribunal

Federal, Nelson Jobim, cuja pessoa desempenhou papel de destaque na elaboração

do projeto do qual resultou esta lei.4

3.2. Definições de Lavagem de Dinheiro

Dentre as inúmeras definições doutrinárias do procedimento da lavagem de

capitais, a primeira notícia histórica que se tem a respeito de definição legal, tomada

por organismo supranacional5, foram as conclusões da Convenção da Organização

das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias

Psicotrópicas6, realizada na Cidade de Viena, Áustria, no ano de 1988, cuja Carta

leva o nome da cidade onde foi realizado o encontro: Convenção de Viena/88.

A problemática decorrente das ações de lavagem de capitais é muito mais

ampla do que a consequência imediata da ocultação da origem ilícita deste capital,

passando necessariamente pela potencialização que esta atividade criminosa traz

para todo e qualquer tipo de atividade ilícita e principalmente para as ações das

chamadas organizações criminosas. Desde os mais simplórios até os mais refinados

criminosos não há dúvida de que o objetivo dos infratores da lei penal, via de regra,

caracteriza-se pela busca de ganho fácil e o enriquecimento à custa da ilegalidade.

Nesse sentido, os proventos adquiridos em decorrência da atividade

criminosa hão de ser transformados em valores monetários de suposta origem lícita,

habilitando-os à utilização sem a pecha de sua origem. Este procedimento de

atribuição de legitimidade ao capital ilícito tem diferentes denominações na

legislação penal de diversos países.

Em função do resultado da ação, diz-se na França e Bélgica “blanchiment

d’argent”, na Espanha “blanqueo de dinero” e em Portugal “branqueamento de

dinheiro”. Quanto à natureza da ação praticada diz-se nos países de língua inglesa

4 BARROS, Marco Antonio. Lavagem de Dinheiro. Implicações Penais, Processuais e Administrativas. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 6. 5 Que pertence a um organismo ou a um poder posto acima do governo de cada nação. 6 A “Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas”, aprovada em Viena, Áustria, em 1988, no âmbito das Nações Unidas, mais conhecida como “Convenção de Viena”, teve como propósito promover a cooperação internacional no trato das questões ligadas ao tráfico ilícito de entorpecentes e crimes correlatos, dentre eles a lavagem de dinheiro. Trata-se do primeiro instrumento jurídico internacional a definir como crime a operação de lavagem de dinheiro. O Brasil ratificou a Convenção de Viena através do Decreto 154 de 26.06.1991.

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18

“money laudering”, na Argentina “lavado de dinero”, na Suíça “blanchissage d’argent”

e na Itália “Reciclaggio”.7

A terminologia “lavagem de dinheiro” segundo anota CERVINI8 tem sua

origem ligada à atuação das organizações criminosas norte-americanas9 ou “máfias”

que, na década de 20, criaram lavanderias de roupa para que pudessem através

dessa atividade mascarar os ganhos advindos de suas atividades ilegais.

Para a atividade criminosa tradicional e em especial os crimes contra o

patrimônio, o caminho natural dos proventos adquiridos em decorrência da ação

criminosa é o da recolocação dos bens novamente no mercado numa prática que

acaba por redundar em outro crime que o legislador chamou de receptação, descrito

em nosso ordenamento contemporâneo no art. 180 do Código Penal, por exemplo,

“Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio,

coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro de boa-fé a adquira,

receba ou oculte”. Desta forma, em poucas palavras, pratica a receptação o agente

que, dolosa ou culposamente adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, gratuita

ou onerosamente, bem que seja produto de crime10, ou mesmo influa para que

terceiro o faça.

Segundo HUNGRIA (1952): “A receptação pode ser definida como o crime

que acarreta a manutenção, consolidação ou perpetuidade de uma situação

patrimonial anormal, decorrente de um crime anterior praticado por outrem. É um

crime paralisatário de outro crime”.11

Da mesma forma, os ganhos obtidos através de atividades criminosas

sofisticadas ou de crimes como o tráfico de drogas e a corrupção também

necessitam dessa roupagem lícita de forma a proporcionar sua utilização tranquila.

O que, entretanto, torna-se mais penoso é a atribuição à origem desse capital, posto

7 SILVA, Antônio César. Lavagem de Dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 33. 8 CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, Willian Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 9 A origem dessas organizações criminosas está ligada à entrada em vigor da 18ª Emenda à Constituição norte-americana, promulgada em janeiro de 1919 e do “Volstead Act”, ou chamada “Lei Seca”, em 1920, que proibiu a fabricação, a venda e o transporte de bebidas alcoólicas. Essa legislação, quando em vigor, possibilitou não só a criação e o desenvolvimento de incontestáveis organizações criminosas, como também propiciou a geração de um mercado de fornecimento de produtos e serviços ilegais que movimentava milhões de dólares. MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 26. 10 Via de regra, o crime antecedente da receptação é o crime contra o patrimônio. Nada obsta, contudo, seja outro crime, por exemplo, contra a Administração Pública como a receptação. 11 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed., Rio de Janeiro: Revista Forense, 1952. v. VII, p. 301.

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que o produto do crime não é, via de regra, um bem material propriamente dito, mas

quantia em dinheiro cuja recolocação indiscriminada no sistema financeiro facilita o

trabalho das autoridades policiais.

Igualmente a receptação apresentou tipificação específica à lavagem de

capitais, face sua natureza estritamente relacionada às atividades criminosas

organizadas, também fez jus à edição de legislação própria e aprofundados estudos

a respeito de suas características, técnicas e formas de realização.

O processo de lavagem de capitais é um procedimento dinâmico que

envolve várias fases tencionadas a disfarçar a origem dos lucros ilícitos sem

comprometer os envolvidos, iniciando-se pelo distanciamento do capital de sua

origem ilícita, evitando uma associação direta deles com o crime, passando pelo

disfarce de sua circulação pelo mercado financeiro, dificultando seu rastreamento e

por último, a disposição do capital novamente para os criminosos, depois de ter sido

suficientemente movimentado no ciclo de lavagem, podendo então ser considerado

“limpo”. Este procedimento, via de regra, segue inúmeras fases, existindo na

doutrina a anotação de inúmeras subdivisões, que em muitas das vezes se

confundem entre si.12

MAIEROVITCH apud VILARDI (2004), por exemplo, defende a idéia de que

“[...] a denominada lavagem de dinheiro passa por dois estágios: money laudering e

recycling, sendo a primeira fase marcada pela preocupação de apagar a mancha

caracterizadora da origem ilícita, enquanto a segunda etapa consiste no reingresso

dos capitais lavados no circuito econômico-financeiro e para emprego em negócios

ilícitos13 por sua vez, assevera MAILARD:

A tipologia universalmente admitida divide a lavagem de dinheiro em três fases: investimento, armazenamento e integração. Essa classificação confunde as funções com as etapas. Estas são fonte de erros de compreensão que dificultam a luta contra a lavagem de dinheiro. Tanto a fiscalização quanto os operadores de direito deveriam adotar uma tipologia estratégica que permitisse a implementação de dispositivos pró-ativos na luta contra essa prática nos diferentes níveis de reciclagem dos produtos criminosos na economia e nas finanças legais.14

12 CALLEGARI, André Luís. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro. Aspectos Criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 13 MAIEROVITCH, Walter Fanganiello Apud. VILARDI, Celso Sanches. O crime de lavagem de dinheiro e o início de sua execução. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 47, p. 13. 14 MAILLARD, Jean de. As tipologias da Lavagem de Dinheiro. In: Trabalho apresentado no Simpósio Internacional de Combate ao Crime Organizado – Defesa da ordem democrática, realizado em Brasília/DF de 03 a 06.06.2003.

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3.2.1 Lavagem de Dinheiro no Brasil e no Mundo

Na economia que o Mundo conhece, existe uma subdimensão que se

desenvolve à margem do enquadramento normativo vigente, afirmando-se

atualmente que essa economia, usualmente conhecida por subterrânea, tem

aspecto importante e movimenta recursos humanos e físicos bastante volumosos.

Tal fenômeno tornou-se o centro das atenções e para os analistas econômicos,

possui uma variedade de denominações, tais como, “submersa”, “paralela”, “oculta”,

“escondida”, “informal”, “não oficial”, “negra”, “não observada”, “não mensurada”,

“não registrada”, “sombra”, “ilegal”, “criminal”, “segunda”, “clandestina”, entre outras.

Este interesse surgiu em primeiro lugar nos países ocidentais e desenvolveu-se,

sobretudo, a partir da segunda metade dos anos 70, centrando-se nos fenômenos

irregulares no mercado de trabalho e na questão da evasão fiscal e respectivas

consequências.

Nas economias ocidentais, desde o final da Segunda Guerra Mundial,

assistiu-se não só ao desenvolvimento do chamado Estado-Providência, como

também ao aparecimento de múltiplos mecanismos de intervenção administrativa e

de regulamentação de mercados. A dinâmica das crises – quer as dos anos setenta,

quer as mais atuais – provocou uma expansão considerável das atividades não

declaradas, uma vez que deu origem a reações defensivas por parte dos agentes

econômicos por forma a defrontarem os efeitos da crise econômica. Por outro lado,

assiste-se atualmente a um choque da oferta, induzido externamente pelo

encarecimento dos preços das matérias-primas, em especial do petróleo, que induz

os empresários a procurarem soluções alternativas para fazer face à subida dos

custos de produção.

Num contexto de elevada rigidez, não só no mercado de trabalho como

também no monetário e no de bens e serviços, a reação da classe empresarial,

passa inevitavelmente por uma profunda mudança da tecnologia, que aumente os

níveis de produção e melhore a competitividade do aparelho produtivo. Todavia, esta

estratégia não é viável para todas as unidades produtivas (dados os custos

associados ao desenvolvimento de novas tecnologias), como também a sua

concretização não é imediata. Para as pequenas e médias empresas, a necessidade

de manterem os níveis de competitividade, dada a quase impossibilidade de, a

médio e curto prazo, acederem a novas tecnologias, conduz à procura de soluções

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alternativas, que passam muitas vezes pela redução dos respectivos custos

variáveis.

Mas, perante a rigidez do quadro institucional, afigura-se como uma

possibilidade a transgressão das normas, isto é, a deriva para as atividades

econômicas ditas subterrâneas. Adicionalmente, os beneficiários de rendimentos de

variadíssimas categorias, perante a estagnação e mesmo diminuição dos mesmos

em termos reais, começam a adotar comportamentos no sentido de encontrar fontes

alternativas geradoras de receitas. Estes agentes econômicos diante da referida

rigidez institucional, poderiam oferecer a sua capacidade de trabalho à margem dos

canais oficiais, no sentido de manter a tendência, gerada nas décadas anteriores de

crescimento econômico, de aumento dos rendimentos reais. E tal tendência está

ameaçadas pela crise econômica e pelas políticas anti-inflacionistas adotadas para

controlar. Se conjugar ambos os tipos de reações, que acabam por refletir os

interesses das empresas (necessidade de manutenção de elevados níveis de

competitividade, contrariada quer por obstáculos de natureza tecnológica, quer pelo

peso dos encargos sociais e dos impostos) e os interesses dos trabalhadores

(necessidade de complementar a inexistência, ou insuficiência, das respectivas

remunerações), resulta uma grande cumplicidade face à persecução de uma

atividade oculta, desenvolvida à margem da regulamentação social e fiscal, a qual

tende, em face de elevadas taxas de desemprego, a ser grandemente tolerada pela

opinião pública.

Em suma, nas economias ocidentais, foram vários os fatores que

contribuíram, direta ou indiretamente, para tal cenário, sendo alguns dos mais

importantes os seguintes:

i) A constatação do aumento do padrão de vida, sem que houvesse uma

justificação para tal desenvolvimento, num período de forte recessão econômica

generalizada;

ii) Apesar do aumento do desemprego, as associações sindicais mantêm o

seu poder intacto, consequentemente, detêm a sua posição de força para resistirem

a pressões no sentido da redução dos salários;

iii) Em alguns países, verifica-se uma queda abrupta do nível de emprego

feminino, o que contrasta com a situação noutros países desenvolvidos ocidentais,

em que uma maior atenção sobre o fenômeno veio a revelar que a força de trabalho

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feminina e mesmo parte da mão de obra masculina não se havia retirado do

mercado de trabalho, mas sim deslocado de atividades legais para não declaradas;

iv) O acréscimo da pressão dos impostos não gerou o aumento das receitas

previstas com base nos níveis de atividade esperado;

v) Para acelerar o respectivo crescimento, verificou-se que muitas empresas

empreendem processos de descentralização da produção – atribuídos a um rápido

crescimento dos custos da mesma – sem reflexos, quer em termos de alterações

radicais na estrutura produtiva, quer na ocorrência de um acelerado progresso

tecnológico. Tal descentralização é conduzida pelas empresas que passaram a

utilizar bens e serviços fornecidos por pequenas e médias empresas, algumas delas

parcialmente irregulares;

vi) Finalmente, assistiu-se a uma maior e crescente presença de

trabalhadores estrangeiros em vários países. Apesar desse fato não produzir

reflexos nas estatísticas e, menos ainda, nos pagamentos à segurança social.15

Apesar das implicações muito variadas deste fenômeno, a forma como a

opinião pública percebe a sua importância depende muito do modo como a imprensa

escrita, efetua o seu tratamento. É usual transparecerem nestes meios de

comunicação, por vezes de forma sensacionalista, notícias de fatos econômicos e

sociais revertíveis ao conceito de economia subterrânea, nomeadamente

ocorrências de caráter delituoso, tais como: apreensão de droga; casos de

corrupção na área administrativa pública; evasão e fraude fiscal; atividades de

fiscalização econômica, defesa da saúde pública e do meio ambiente, falsificações,

não observância de normas e especulação econômica.

3.4. Órgãos Responsáveis e Reguladores no Brasil e no Mundo

No âmbito nacional, o art. 14 da Lei 9.613/98 prevê a criação do Conselho

de Controle de Atividades Financeiras – COAF, órgão responsável por

disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividade ilícitas relacionada à lavagem de dinheiro, além do recebimento das Comunicações de Operações Suspeitas, obrigatórias às pessoas citadas no art. 9º da Lei 9.613/98”.

15 CALLEGARI, André Luís. Op. cit., p. 79.

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Neste sentido, configura-se o COAF como a Unidade de Inteligência

Financeira Brasileira, responsável imediato pelo processamento das informações

relacionadas a operações suspeitas bem como, pelo processamento e aplicação das

sanções administrativas. As regras de criação do COAF, bem como seu Regimento

Interno foram realizados através do Decreto 2.799 de 08.10.1998.

A Lei nº 9.613/98 trouxe notável inovação – a criação do Conselho de

Atividades Financeiras – COAF. Contudo, o aludido órgão teve a sua concretização,

tão somente, com a edição do Decreto. 2.799 de 08 de outubro de 1998, que

aprovou o estatuto do COAF.

Ao órgão desincumbe a missão de disciplinar, aplicar penas administrativas,

receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividade ilícitas

relacionadas à lavagem de dinheiro. Sua composição se deu pelos seguintes

órgãos: a Presidência, o Plenário e a Secretaria-Executiva, sendo que o Plenário é

constituído pelo Presidente, empossado pelo Presidente da República, por indicação

do Ministro de Estado da Fazenda, e por oito Conselheiros.

Ao COAF é permitido manter núcleos descentralizados, aproveitando-se da

infraestrutura de unidades regionais dos órgãos a que competem os Conselheiros,

para assim proporcionar uma vasta cobertura de todo território nacional. Até porque,

o Estatuto do COAF foi instituído e refletido no sentido de manter ligação entre este

e os demais órgãos que mantêm contato direto com os casos de lavagem de

dinheiro, levando a uma troca de informações com base em sua ligação suscitada

com a formação do Plenário, e assim, oportunizando a primeira de integração do

território nacional e, posteriormente, a integração deste ao restante do mundo, posto

que o COAF não aja sozinho, mas sim, reunido com todas as agências

internacionais que compõe o Grupo de Egmont e o GAFI.16

No âmbito internacional segundo consta nas recomendações da Convenção

de Viena somente uma atuação conjunta das nações pode ensejar um combate

eficaz à lavagem de dinheiro, e para tanto foram criados alguns organismos

supranacionais, cujo objetivo é a adoção de medidas no sentido de unificar

internacionalmente o combate à lavagem de dinheiro. Neste sentido, nascem alguns

organismos internacionais cujos integrantes trabalham no sentido da criação de

16 VIVIANI, Ana Karina. Combate à lavagem de dinheiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 684, 20 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6739>. Acesso em: 09 jan. 2011.

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modelos básicos de legislação de combate à lavagem de dinheiro, cabendo a cada

nação, através de suas unidades de inteligência financeira, a particularização desde

modelo internacional a sua realidade local.

A Financial Action Office Task Force on Money Laundering - FATF / GAFI

conhecida no Brasil como Força Tarefa Financeira de Ação (FATF/GAFI) foi o

primeiro organismo intergovernamental cuja finalidade vincula-se ao

desenvolvimento e à promoção das políticas, em níveis nacionais e internacionais,

de combate à lavagem de dinheiro, e ao financiamento da atividade terrorista. Esta

força tarefa é, consequentemente, um parâmetro de trabalho na geração e

incrementação da vontade política necessária para a realização das reformas

legislativas e regulatórias na legislações nacionais.

Atualmente a força tarefa conta com 34 (trinta quatro) membros17, 32 (trinta e

dois) países e governos e duas organizações internacionais. Conta ainda com mais

de 20 (vinte) observadores, 05 (cinco) organismos regionais e mais de 15 (quinze)

outras organizações internacionais ou organismos. Uma das características

interessantes do FATF/GAFI é a permanente auto-avaliação de seu papel,

realizando a cada 05 (cinco) anos uma revisão de sua atuação, tendo ocorrido a

última no fim de 2004.

Periodicamente o FATF/GAFI edita texto normativo contendo

recomendações a seus integrantes, tidas como uma “receita” básica para o efetivo

controle da lavagem de dinheiro, atualizando e melhorando as orientações da

Convenção de Viena.

Considerando que o tráfico de drogas é uma das condutas antecedentes

mais propícias às ações de lavagem de dinheiro, o combate efetivo a sua existência

é medida incidental que assume importância fundamental no controle da atividade

criminosa transnacional e que a era da globalização criou novas formas de crime

transnacional onde grupos criminosos organizados se proliferam com rapidez

alarmante, causando violência física, intimidação e corrupção de servidores

públicos, estabelecendo redes internacionais com tecnologia sofisticada para atuar

nos mercados ilegais, a Organização das Nações Unidades criou o “Escritório das

Nações Unidas contra Drogas e Crime – UNODC”, cuja função institucional está

17 África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Brasil, Bélgica, Canadá, Comissão Européia, Conselho de Cooperação do Golfo, China, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Honk Kong, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Reino Unido, Rússia, Singapura, Suécia, Suíça, e Turquia.

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relacionada ao combate à criminalidade transnacional. “Conta com aproximadamente

21 escritórios no mundo, a sede do UNODC é em Viena (Áustria) e atua em mais de

150 países trabalhando diametralmente com instituições governamentais, sociedade

civil e comunidades locais”.18 Como líder global na luta contra as drogas ilícitas e o

crime internacional, seu objetivo está relacionado ao desenvolvimento e

implementação de programas de combate aos problemas gerados pelas drogas e

pelo crime.

Através da Resolução 1.373 de 28.09.2001 do Conselho de Segurança das

Nações Unidas19 reconheceu a relação entre o terrorismo, o crime organizado

transnacional, as drogas ilícitas, a lavagem de dinheiro e o tráfico ilegal de armas,

criando, neste sentido, programas de combate a sua existência, bem como o

oferecimento de assessoria técnica e jurídica às nações interessadas.

As ações deliberadas em face ao crime organizado transnacional fazem

parte da agenda do UNODC no Brasil. Com o intuito de apoiar a formulação de

políticas integradas na área de segurança do cidadão, o escritório está trabalhando,

primeiramente, na consolidação de banco de dados com informações criminais

fornecidas pela União, Estados e Poder Judiciário. Tais ações serão desenvolvidas

dentro de um programa de segurança urbana que visa diminuir os índices de

violência e criminalidade no país.20

Contribui fundamentalmente a ONU – Organização das Nações Unidas no

sentido do combate à macro criminalidade na prevenção à lavagem de dinheiro. O

instrumento chave do Escritório das Nações Unidas – UNODC – é o Global

Programme against Money Laundering (GPML). Por intermédio do GPML, os países

integrantes da ONU encontram guarida para desenvolvimento e manutenção de

técnicas de combate à lavagem de dinheiro, agindo o programa como um

coordenador de iniciativas, proporcionando apoio técnico para treinamento de

agentes multiplicadores além de contribuição para realização de perícias técnicas e

judiciais.

Por sua vez, a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de

Drogas é um órgão ligado à Assembléia Geral da Organização dos Estados

18 Disponível em: http://www.unodc.org/brazil/pt/about_us.html. Acesso em: 22 de jan. 2011. 19 Introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto 3.976, de 18 de jan. 2011. 20 Disponível em: http://www.unodc.org/brazil/pt/about_us.html. Acesso em: 22 de jan. 2011.

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Americanos – OEA, e propende, especialmente, cuidar da prevenção à utilização

das substâncias entorpecentes, tendo como seus fundamentos:

I – Prevenir y tratar el abuso de drogas; II – Reducir la oferta y disponibilidad de drogas ilícitas; III – Fortalecer las instituciones y mecanismos para el control de drogas; IV – Mejorar las leyes de control y su aplicación en el tema de armas de fuego y lavado de activos; V – Desarrollar fuentes alternas de ingresos para cultivadores de coca, amapola y marihuana; VI – Asistir estados miembros a mejorar la colección y análisis de datos sobre todos los aspectos del tema de las drogas; VII – Asistir a estados miembros y al hemisferio en general a medir el progreso en la lucha contra el problema de las drogas.21

Considerando que a lavagem de dinheiro é uma das atividades criminosas

incidentes que mais se relacionam com o tráfico de drogas, a CICAD/OEA acordou

entre seus integrantes uma série de recomendações vinculadas à prevenção e ao

combate da lavagem de dinheiro. O objetivo destas recomendações é o de oferecer

aos integrantes da CICAD/OEA assistência técnica para elaboração de normas bem

como, orientação quanto à utilização de técnicas para detecção de operações

suspeitas.

O Grupo Sul-Americano de Ação Financeira contra a Lavagem de Ativos é

uma entidade supranacional criada formalmente em 08.12.2000 pelos governos da

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai o

Gafisud tem como principal objetivo à adaptação das regras do GAFI/FATF e do

Gafisud à realidade regional de seus membros.

Levando-se em conta a ameaça que representam as atividades de lavagem

de dinheiro, bem como, o interesse na proteção do sistema econômico-financeiro

que deve ser transparente e seguro, os integrantes do Gafisud firmaram

compromisso no sentido de assumir que a cooperação internacional é crucial no

combate à lavagem de dinheiro. Deste modo, embora não tenha o Gafisud

documentos próprios contendo recomendações a serem seguidas pelos países-

membros, sua importância maior é a da tomada de posição dos países sul-

americanos no sentido de que só uma ação conjunta desses países é efetiva à

prevenção à ação dos criminosos.

Nesse contexto, a prática de reuniões conjuntas dos integrantes do Gafisud

serve, principalmente, para a troca de experiências, informações e estratégias que 21 Disponível em: http://www.cicad.oas.org/nuevo/esp/. Acesso em: 14 jan. 2011.

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cada um dos países vem adotando, tornando o combate à lavagem de dinheiro

uniforme e, com efeito, eficaz.

Contrariamente as entidades anteriores cuja essência é formal, dispondo de

uma direção administrativa fixa, eleita pelos membros integrantes, o Grupo de

Egmont é uma organização informal que reúne as Unidades de Inteligência

Financeira22 de cada país em reuniões anuais onde são refletidas as experiências

locais de cada nação integrante. Como não é um grupo formalmente constituído, a

administração de sua Secretaria cabe a cada país onde são realizados os

conclaves.

Presentemente, o Grupo de Egmont computa 94 (noventa e quatro)

membros, abrangendo o Brasil, e sua principal característica é a de que suas ações

são muito mais repressivas do que preventivas. Nas reuniões anuais, cada país

integrante é responsável pela elaboração de relatório das atividades de sua Unidade

de Inteligência Financeira e de outras entidades co-responsáveis pelo combate à

lavagem de dinheiro. Estes relatórios são confrontados, e a partir daí é realizada

uma auditoria que objetiva localizar eventuais operações ilícitas cuja extensão é

transnacional.

3.5. O Crime que Cresce com um País Omisso

Este estudo se justificou pela observação do gradativo avanço da

criminalidade, caracterizado principalmente pela imensa capacidade de fraude difusa

e de estreita relação com os poderes constituídos e pode ser explicada pelo análogo

incremento das relações sociais e comerciais, tornando, a cada dia, mais fácil a

reciprocidade empresarial. Igualmente, o enriquecimento do relacionamento global

implicou necessariamente o avanço da criminalidade que se organizou nos mesmos

moldes, tornando as facções criminosas verdadeiros conglomerados empresariais,

cuja organização se estrutura em caracteres de inspiração puramente capitalista,

visando o lucro a todo custo.

Cumpre destacar que hoje, diante da Revolução Tecnológica, a distância

física entre as nações reduziu-se ao tamanho de uma tela de computador, onde os

conceitos de soberania e independência das nações parecem cada vez mais se

22 A Unidade de Inteligência Financeira brasileira é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.

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dissipar, criando, com isso, vias de tráfego de capitais, em um montante que, com

um simples teclar de computador, pode levar à falência toda uma nação, pois, como

dito anteriormente, a criminalidade organizada não encontra barreiras fronteiriças à

sua atuação, enquanto a organização judiciária das nações e o desempenho das

polícias repressivas tropeçam nas fronteiras limitadoras da competência e nos

antigos conceitos de soberania. Nesse contexto, o combate às organizações

criminosas é um dos grandes desafios da contemporaneidade, colocando-se ao lado

do terrorismo, como uma das maiores ameaças.

Um dos fundamentais focos de prevenção ao avanço da criminalidade

organizada caracteriza-se pela descoberta de como seus lucros são distribuídos,

pois, na medida em que a organização, cuja atuação funcional assemelha-se a uma

empresa de objetivos lícitos, passa a obter vantagens monetárias com suas

atividades, faz-se necessária a distribuição desses ganhos entre seus integrantes,

sendo imprescindível à necessidade de atribuir a estes ganhos uma roupagem lícita,

afastando das autoridades policiais e fiscais a isca para desbaratamento da

organização criminosa.

A essa atividade convencionou-se chamar de “lavagem de capitais”, que

nada mais é do que o conjunto de manobras financeiras que objetiva dar a

aparência de capital lícito aos lucros advindos de atividade criminosa. As ações de

“lavagem de capitais” envolvem uma série de atos coordenados, fazendo com que o

capital ilícito transite por instituições financeiras, empresas, organizações não

governamentais, dentre outras pessoas jurídicas, tornando-se suscetíveis de

investigação à medida que tais organizações adotem métodos de controle do

trânsito de capitais, verificando a origem e o destino de cada transação, ocorrendo

no momento dessas operações financeiras obstáculos a atividade das organizações

criminosas.

Com a edição da Lei nº 9.613/98 se materializou a intenção das autoridades

brasileiras em executar, com vigor, o combate à lavagem de capitais e todas as

atividades maléficas a ela ligadas, concebendo a regulamentação dos preceitos da

Convenção de Viena, realizada em junho de 1988 e ratificada em nosso

ordenamento 03 (três) anos após. E, muito embora parte da doutrina critique, o fato

da lei brasileira de combate à lavagem de capitais ter vindo com 10 (dez) anos de

atraso em relação às recomendações da Organização da Nações Unidas, patente a

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evolução que tal legislação representou para efeito de política criminal. Mas, ainda

há muito que ser feito.

3.6. Tipificações de Crimes de Lavagem de Dinheiro

Como já ressaltado inúmeras vezes em outras passagens, o crime de

lavagem de capitais de acordo com a Lei 9.613/98 é visto como a receptação (CP,

art. 182), crime acessório, ou seja, depende necessariamente da ocorrência de

crime prévio para que se viabilize sua ocorrência. Na esteira do que definiu a

Convenção de Viena surgiu o que se chamou de Primeira Geração de legislação de

combate à lavagem de dinheiro, onde a definição de crime antecedente limitava-se à

descrição da conduta do tráfico ilícito de entorpecentes. Sobre o assunto, colho a

lição de ARTZ apud MAIA

A fase em que o problema da “lavagem de dinheiro” não estava assentado nos termos em que hoje delimitamos, inexistindo um tipo penal específico, e a repressão da utilização de produto do crime, em particular o dinheiro oriundo do tráfico de entorpecentes, era executada através da imputação de crimes (conspiração e falsa declaração, prestada a funcionário nos EUA, receptação e favorecimento nos países de tradição romanista) cuja generalidade tornava factível tal medida (primeira geração).23

Por sua vez, a segunda geração alargou as hipóteses de ilícitos antecedentes

e conexos, dando ao combate a lavagem de dinheiro um caráter mais específico de

prevenção a higidez do sistema financeiro à medida que instituiu instrumentos de

perseguição ao capital ilícito (paper trail).24

A terceira geração, da qual faz parte a legislação brasileira25, fez a

desvinculação da lavagem de dinheiro como conduta estritamente advinda do tráfico

ilícito de entorpecentes e enumerou uma série de condutas antecedentes, dando

aspecto autônomo a tal atividade. Os mais recentes textos legais enumeram de

forma heterogênea o rol dos crimes antecedentes. Alguns países, entre os quais:

Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Itália, por exemplo, determinaram crimes

antecedentes como sendo aqueles cuja gravidade assim os caracterize, deixando de

enumerar taxativamente o rol de condutas incriminadas. Por sua vez, Portugal,

23 ARTZ, Günther apud MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 68. 24 ARTZ, Günther apud MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 68. 25 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 67.

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catalogou exaustivamente o rol dos crimes antecedentes, definindo tipos penais

específicos para tanto.26

A legislação brasileira, fugindo dos padrões estabelecidos no Direito

Comparado, estabeleceu o rol de condutas antecedentes, onde constam crimes

específicos como o tráfico ilícito de entorpecentes (inciso I) e o contrabando ou

tráfico de armas (inciso III); crimes indicados por sua classificação como contra a

administração pública (inciso V) e contra o sistema financeiro nacional (inciso VI);

segundo a forma de execução, como os praticados por organizações criminosas

(inciso VII) e ainda, conduta não especificamente prevista em nossa legislação27,

como o terrorismo e seu financiamento.28 A técnica utilizada pelo autor é a da lei

penal “em branco” onde o legislador define determinada circunstância do tipo penal

e remete a outro texto legal de mesma ou inferior hierarquia legislativa para a

definição pormenorizada de suas circunstâncias. Assim fez o legislador da Lei nº

9.613/98, definindo uma série de condutas antecedentes, remetendo cada qual à

respectiva legislação específica. O rol de crimes antecedentes previstos na

legislação pátria (art. 1º da Lei 9.613/98, alterado pela Lei 10.701/03).

O art. 2º da Lei 9.613/98 dispõe acerca do rito processual dos crimes de

lavagem, e aduz que estes obedecem às disposições relativas ao procedimento

comum dos crimes punidos com reclusão, na competência dos juízes singulares,

independentemente do processo e julgamento de seus crimes antecedentes, ainda

que praticados no estrangeiro. Desta forma, a apuração, o processo e o julgamento

dos crimes antecedentes são independentes dos do crime de "lavagem" em si, tendo

em vista a orientação da lei ser a subordinação ao princípio da autonomia do

processo.29 Ou seja, a conduta antecedente é configurada como elemento normativo

do tipo da própria ação, vez que para seu estabelecimento faz-se necessário apenas

indícios suficientes para que se possa alegar a ilicitude da origem dos bens, direitos,

valores e/ou recursos que estariam sendo "lavados". Conseqüentemente, nada

impede que se dê início à uma constatação de fatos nas esferas administrativas de

órgãos fiscalizadores e à investigação policial, assim que surjam as suspeitas sobre 26 Dec.-lei 325 de 02.12.1995, art. 2º. Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos: “Quem, sabendo que os bens ou produtos são provenientes da prática, sob qualquer forma de com participação, de crimes de terrorismo, tráfico de armas, extorsão de fundos, rapto, lenocínio, corrupção e das demais infrações referidas no n. 1. do art. 1º da Lei 36/94, de 29 de setembro [...]”. 27 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 69. 28 A expressão “seu financiamento” foi introduzida pela Lei 10.701 de 09.07.2003. 29 BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de dinheiro: implicações penais, processuais e administrativas. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.

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a "lavagem" de dinheiro, ficando apenas para o momento do oferecimento da

denúncia, qualquer consideração sobre os indícios da existência do crime anterior.

É de extrema importância a indicação da ocorrência de um crime anterior

para a perfeita integração do ilícito penal, em outras palavras, imprescindível se faz

a demonstração do elo com o crime anteriormente praticado. Ressalte-se ademais,

que a alusão feita aos crimes antecedentes não exaure o rol de crimes de lavagem,

pois a intricada redação do art. 1º, a lei ainda acresce a vedação de outros

comportamentos assemelhados, assim descritos nos parágrafos de referido artigo, e

conforme muito bem observa JESUS (2002)

§ 1º – quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo: I – os converte em ativos lícitos; II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros; § 2º – quem: I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo; II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.30

Resta concluir que, a infração antecedente deve ser crime.31 E pode ser resultante

dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, crime de terrorismo,

crime de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua

produção, crime de extorsão mediante sequestro, crime contra a Administração

Pública, crime contra o Sistema Financeiro Nacional e crimes praticados por

organizações criminosas.

3.7. Compliance

Como visto anteriormente a lavagem ou branqueamento de dinheiro vem a

ser um crime de caráter financeiro econômico, qual oferece às organizações uma

série de riscos estratégicos, relacionados à sua competitividade e valor de sua

imagem no mercado, e principalmente a expõe a riscos financeiros, principalmente

30 JESUS, Damásio E. de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2818>. Acesso em: 09 jan. 2011. 31 SADDI, Jairo. A nova lei de lavagem de dinheiro e sua constitucionalidade. In: Revista dos Tribunais. Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, a. 6, n. 23, p. 25-31, abr./jun. 1998.

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relacionado a Riscos de Liquidez, que podem prejudicar em muito a estabilidade

financeira da organização, podendo até levar a sua quebra. O crime de lavagem é

praticado atualmente em empresas dos mais diversos ramos ou setores, sendo

destacado por MINK (2005); CARLI (2006) e AMORIM (2007) os seguintes:

a) Instituições Financeiras – se uso se deve a grande velocidade com que

circula o dinheiro em suas operações, ocorrendo ali à mistura entre o

dinheiro ilícito com o dinheiro licito de outras organizações;

b) Paraísos Fiscais – consistem em países ou regiões aonde a tributação

da renda vem a ter uma alíquota inferior a 20%, e em alguns casos a

mesma nem chega a ser tributada;

c) Centros Off-shore - quanto aos centros Off-Shore, estes consistem em

centros bancários extraterritoriais que não se submetem ao controle de

autoridades administrativas de nenhum país, sendo deste modo isentos

de controle;

d) Bolsas de Valores – estas instituições por facilitar a compra e venda de

ações e direitos, oferecem favoráveis condições à realização de

operações de lavagem, devido ao fato de permitirem a efetuação de

negócios com características internacionais e possuírem alto índice de

liquidez;

e) Companhias Seguradoras – também muito utilizado para a lavagem de

dinheiro, pois ao se utilizar o dinheiro para adquirir um produto de seguro,

ao realizar o resgate deste investimento, obtém-se um retorno limpo

destes fundos, tendo o criminoso que arcar com alguns custos e perdas

financeiras, provenientes do cancelamento desta operação;

f) Mercado Imobiliário – neste setor os criminosos realizam diversas

operações de compra e venda de imóveis, sendo na sua maioria com

valores inflacionados, criando também falsas especulações imobiliárias,

visando dificultar a detecção de eventuais ilegalidades;

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g) Tráfico de Pessoas e Migrantes – neste caso utilizam-se os sistemas

alternativos de remessas, de cash couriers, ou até mesmo a própria vitima

do trafico vem a ser forçada a utilizar seus documentos e nome para

realizar as transações financeiras;

h) Outros meios – podem também ser empregados outros meios para

realizar a lavagem do dinheiro, dentre os quais podem ser citados a

utilização de Jogos de Azar e Sorteios; a Internet e o Comércio Eletrônico;

o Comércio de Obras de Arte, Antiguidades, Jóias, Metais, e Pedras

Preciosas; as Empresas Prestadoras de Serviços; O Subfaturamento e

Superfaturamento de Mercadorias e de Serviços no Comércio

Internacional; Exportação Fictícia de Bens; o envio Fracionado de

Dinheiro Ilícito através de Transferências Internacionais e o Mercado

Negro de Câmbio e Peso (MINK, 2005; CARLI, 2006 e AMORIM, 2007).

Para que estas instituições possam estar gerenciando estes riscos

financeiros provenientes da lavagem de dinheiro, as mesmas estão fazendo uso de

sistemas de governança corporativa, a qual segundo ABBI-Febraban (2004) tem sua

eficiência baseada na realização de uma criteriosa analise e posterior adequação

dos processos, da cultura e da disciplina organizacional, assim como dos recursos

humanos e da tecnologia, atuando ela na aplicação posterior de controles rigorosos,

voltados à detecção e prevenção dos Riscos que a organização esta sujeita.

Dentre as diversas ferramentas adotadas na prática da Governança

Corporativa está a função de Compliance, que se baseia na obtenção de um sistema

de controle interno da organização que lhe garanta conformidade com as

regulamentações existentes. De acordo com a ABBI-Febraban (2009) o termo

Compliance deriva do verbo inglês “to Comply”, que significa “cumprir, executar,

satisfazer, realizar o que lhe foi imposto”, desta forma, o autor descreve compliance

como sendo o dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir os

regulamentos internos e externos impostos as atividades da instituição.

“Ser compliance” é conhecer as normas da organização, seguir os procedimentos recomendados, agir em conformidade e sentir quanto é fundamental a ética e a idoneidade em todas as nossas atitudes. “Estar em compliance” é estar em conformidade com leis e regulamentos internos e externos. “Ser e estar compliance” é, acima de tudo, uma obrigação

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individual de cada colaborador dentro da instituição (ABBI-FEBRABAN, 2009, p.9, grifo nosso).

De acordo com SALGADO e CARETA (2010) a função de Compliance não é

uma novidade ou até mesmo uma função exclusiva das atividades bancárias. Estas

se encontram presentes em todos os segmentos, apresentando em alguns casos

diferentes denominações, pois “uma vez que todas as organizações procuram estar

em conformidade com as regras estabelecidas, internas ou externas, elas estão em

compliance”. Para o autor, a aderência com as leis e regulamentos aplicáveis é o

principal objetivo deste instrumento, responsáveis por assegurar que toda a

organização esteja sendo conduzida, conforme as leis e regulamentações

existentes, exigências da supervisão e procedimentos internos. Segundo MANZI

(2008) a missão da função Compliance vem a ser:

Na descrição MANZI (2008) a função de Compliance está relacionada a

gestão de Riscos, mais especificamente aos riscos legais ou a evitar sansões

regulatórias, de perda financeira e/ou de reputação, pois em uma sociedade

competitiva tais perdas podem representar um grande risco à sobrevivência da

organização. Por isto adota-se esta função com propósito de evitar a ocorrência de

falhas no cumprimento de leis, regulamentações, códigos de condutas e boas

práticas (Fig.1).

Figura 1 - Relação do Compliance e a Gestão de Riscos Fonte: MANZI (2008).

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Em sua obra CARLI (2006) descreve que segundo relatório do Banco

Interamericano de Desenvolvimento, a prática da lavagem de dinheiro pode

acarretar em quatro principais implicações, sendo elas:

• Distorções Econômicas – o responsável pela lavagem do dinheiro não

prima pela obtenção de lucro, mas sim por proteger os rendimentos de

sua atividade criminosa, deste modo os mesmos podem vir a aplicar seus

fundos em atividades ineficientes, quais podem vir a prejudicar o

crescimento econômico da economia;

• Risco à Integridade e à Reputação do Sistema Financeiro – esta

prática pode também acarretar em problemas de liquidez e corrida aos

bancos, a partir do momento em que grandes somas de dinheiro lavado

rapidamente aparecem ou desaparecem das instituições financeiras,

podendo sua prática levar até a quebra de bancos, de outras instituições

financeiras, promovendo até à crises financeiras;

• Diminuição dos Recursos Governamentais – ao contrário do que

ocorre na sonegação fiscal, onde o individuo realiza a ocultação das

receitas visando reduzir o pagamento de tributos, na lavagem o mesmo

muitas vezes chega a declara uma receita superior a efetivamente obtida

em um negócio legitimo, com propósito de juntar os rendimentos legítimos

com os ilícitos provenientes de prática criminosa, mesmo que para isto

pague maior carga tributária. Deste modo esta prática acaba que por

dificultar a arrecadação dos impostos, diminuindo assim a receita

tributária, pois suas transações normalmente ocorrem de maneira informal

ou ilegal;

• Repercussões Sócio-Econômicas – caso não seja combatida de forma

eficiente, esta contribui para o crescimento das atividades criminais,

resultando em maiores problemas sociais, aumentando assim os custos

implícitos e explícitos do sistema penal.

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Desta forma, a prática da lavagem de dinheiro acarreta em quatro principais

grupos de implicações, como visto anteriormente, impactando de forma negativa

tanto na área financeira da organização, quanto na sua imagem frente ao mercado

consumidor, devendo deste modo a organização mobilizar esforços para combater

tal prática, para garantir seus resultados. Como visto, a função Compliance está

relacionada à implantação de controles internos, voltados a garantir a conformidade

da organização frente ao cumprimento de normas e regulamentações existentes,

com o propósito de mitigar os Riscos que a mesma está sujeita.

Existem atualmente diversas normas e regulamentos, quais foram criadas

com o propósito de apoiar as organizações no combate à prática de lavagem de

dinheiro, no caso do Brasil destaca-se a Legislação Brasileira de Lavagem de

Dinheiro, que possui um conjunto de leis, regulamentos e decretos com o objetivo de

facilitar o trabalho das pessoas e organizações envolvidas no combate a estes

crimes. Destaca-se aqui a Lei 9.613 de 3 de março de 1998, responsável por definir

o arcabouço legal para o combate, assim como os mecanismos de proteção da

economia brasileira, principalmente o sistema financeiro (BRASIL, 2005).

Esta legislação assume fundamental importância no combate a Lavagem de

dinheiro nas organizações, assim como outros regulamentos e medidas, porem,

para que possam contribuir, as mesmas precisam ser implementadas de forma

eficiente, garantindo assim uma conduta propicia ao combate de tal prática. Neste

contexto se insere a função Compliance, pois sua atuação como visto visa garantir

tal feito, assegurando uma conduta em conformidade com tais leis e regulamentos,

mitigando assim os prováveis riscos decorrentes desta pratica ilícita.

Destarte, para que as organizações possam adquirir uma conduta que lhe

permita combater tal prática minimizando assim os riscos decorridos das lavagens

de dinheiro, faz-se necessário que esta adote um sistema que integre princípios da

Governança Corporativa, da Gestão de Riscos e do Compliance, sendo o

compliance fator chave no combate a esta prática criminosa. Com a adoção da

função de Compliance a organização será capaz de adotar uma conduta baseada

em leis e regulamentos que lhe garantam uma atuação mais eficiente no combate à

lavagem ou branqueamento de dinheiro, obtendo assim benefícios como ganhos de

valor frente ao consumidor, maior segurança financeiro e liquidez.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É indispensável que se reconheça que as Leis 9.613/98 e 10.701/03 são um

importante passo na busca da institucionalização das ações repressoras

indispensáveis ao combate da lavagem de dinheiro, um crime cujo combate

redunda, sem sombra de dúvidas, em redução dos índices da criminalidade de

impacto, mas ainda há muito que ser feito. Talvez por manifesta inspiração

estrangeira, a legislação brasileira abarca dispositivos de constitucionalidade

questionável, especialmente no relacionado ao estreitamento de garantias

fundamentais individuais. Contudo, deve ser reconhecido que a criminalidade

transnacional não pode ser confrontada à luz das regras de direito tradicional.

Enquanto a lei penal, por respeito à soberania das nações, esbarra nas limitações

das fronteiras, o crime não encontra empecilhos em difundir-se pelos mais diversos

países.

A adoção dos tratados e convenções internacionais não pode encontrar

obstáculo em considerações “nacionalistas” de ofensa à soberania, sendo que

somente uma ação conjunta dos países pode resultar em um combate efetivo à

lavagem de dinheiro.

Tendo em vista as limitações quanto à aplicação da lei penal, decorrentes da

soberania das nações, somente a existência de tratados multilaterais pode ensejar

ações eficazes de combate à criminalidade. E, tendo o crime organizado

transnacional característica empresarial, é indispensável que os ganhos advindos da

atividade ilícita sejam reciclados de forma a habilitá-los a uma utilização tranquila,

descaracterizada da pecha de ilegalidade.

Contudo, é de suma importância ainda destacar que são muitas ainda as

distorções da demanda internacional da lavagem de dinheiro e sua acomodação no

ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque as recomendações constantes da

normativa internacional, quando internalizadas e materializadas através de lei,

podem sofrer alterações, por diversas vezes necessárias e pontuais, para que não

ocorra ou para que ao menos sejam minimizados os conflitos com as normas

preexistentes em cada ordenamento.

Contudo, nem sempre tais conflitos entre a normativa internacional e o

direito interno conseguem ser resolvidos, causando distorções, imperfeições ou até

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mesmo contradições. Para que isso não ocorra o presente estudo primeiramente

visou destacar em diversas passagens os elementos diferenciadores da lavagem de

dinheiro e o crime de receptação. E nesse contexto, vale frisar que na lei de lavagem

de dinheiro encontram duas falhas cruciais. A primeira delas é a ausência de um

critério diferenciador entre a receptação e a lavagem de dinheiro, que não seja o rol

de crimes antecedentes. Isso pode inclusive servir para se questionar até que ponto

o Brasil estava a necessitar de uma lei de lavagem de dinheiro, já que a receptação

poderia abarcar as situações descritas para aquele tipo penal.

Mesmo assim, entende-se que a criminalização da lavagem de dinheiro é

necessária. Tratando-se de um delito mais específico, voltado a combater as

organizações criminosas, enquanto que o delito de receptação, por sua simplicidade,

jamais serviria para um combate apropriado a criminalidade organizada.

A segunda falha da lei foi não ter munido um conceito, ou definido os

elementos constitutivos do crime organizado, perdendo-se assim, uma grande

oportunidade de efetivamente criminalizar esses grupos.

Logo, se por um lado discorda-se absolutamente da ampliação dos delitos

precedentes da lavagem de dinheiro, da forma que foi proposta, por outro lado há de

se concordar que existem distorções na atual legislação brasileira.

Parece que um grande avanço seria inserir o conceito de crime organizado

na Lei de Lavagem de Dinheiro. Como o tipo prevê que será considerado, como

crime antecedente da lavagem de dinheiro, qualquer crime praticado por

organização criminosa, esta definição acabaria por ampliar de sobremaneira o rol de

crimes antecedentes. Portanto, qualquer crime desde que, praticado por

organização criminosa, seria passível de incidência da Lei nº 9.613/98, inclusive a

grande receptação praticada por organizações criminosas. Essa, indubitavelmente, é

a mais importante mudança que o ordenamento jurídico pátrio necessita, seja para

um real e efetivo combate as organizações criminosas, seja para dar eficácia à lei de

lavagem de dinheiro.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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