fiz parte desse show - cazuza - livro - ana maria costa

36

Upload: axtrovix

Post on 13-Jun-2015

6.181 views

Category:

Documents


503 download

DESCRIPTION

O testemunho de uma enfermeira cristã que acompanhou o cantor Cazuza no palco do drama de seu sofrimento e morte, como vítima da AIDS.

TRANSCRIPT

Page 1: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa
Page 2: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

Revisão: H.D.SilvaDiagramação: A.PS.Iustração & Capa: Luciana MarinhoImpressão e acabamento: Ed.Betãnia.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

COSTA. Ana Maria da.Fiz parte desse ·'Show'·. Ana Maria da Costa Curitiba·

ADSANTOS EDITORA. 1999. .

Si/e: wv.w.adsantos.com.bre-mail.pedidoséa>adsantos.com.br

PERFIL DAAUTORA

Ana Maria da Costa, enfermeira gra-duada pela Faculdade de Enfermagem Luízade Marillac (RJ), Bacharel em Educação Re-Íigiosa pelo Instituto Batista de EducaçãoReligiosa (RJ), membro da Primeira IgrejaBatista no Andaraí (RJ), formada no cursode Clínica Pastoral (Capelania) pelo Semi-nário Teológico Batista do Sul do Brasil, ten-do como professor o Dr. Jack Young.

Realizou estágio no Hospital Batista emFortaleza (Ceará) entre outros ... Supervisorade turma de Técnico de Enfermagem do Co-légio Bezerra de Araújo no Hospital Cardo-so Fontes (RJ).

Missionária efetiva pela Junta de Mis-sões Mundiais junto ao Centro Médico Ba-tista em Assunção (Paraguai), onde come-çou trabalho em início de outubro de 1995,trabalhando também no interior do Paraguai;levando o Evangelho de Jesus às pessoascarentes. Atuando também com o trabalhosocial há três anos.

Page 3: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

AGRADECDVIENTOS

Agradeço pela concretização destaobra, inicialmente aos meus pais, por teremme trazido ao mundo e incentivado o meucrescimento intelectual;

Aos meus queridos irmãos e sobrinhos;À amiga Maria da Penha Souza Pai-

xão, pela ajuda e incentivo;À minha querida Primeira Igreja Batis-

ta no Andaraí;Ao pastor Marcos Stíer Calixto e

Silvana Leoni Calixto, pelo incentivo e esti-mável ajuda prestada.

Este trabalho é o resultado de uma ex-periência de um ano e três meses acompa-nhando o cantor e compositor Cazuza noperíodo de sua enfermidade, e que veio afalecer em 07/07/90 vítima da AIDS.

Para a honra e glória do nosso Deus,resolvi escrever este testemunho vivo rela-tando os momentos difíceis que passei.

Essa trajetória, embora difícil, valeu

Page 4: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

muito para o meu crescimento espiritual eexercício de minha fé, porque foi enfrentadacom os olhos espirituais e discernimento.Tenho certeza que o será para você também,leitor.

A autora aborda situações concretas.Analisando-as você terá um grande auxíliopara enfrentar estas e outras situações.

Enfermeira Ana Maria da Costa, for---~~...---....----;----:~::;--;;;-------;------

mada pela Faculdade de Enfermagem LUlzade Marillac (RJ), professora de Saúde Pú-..blica.

Bacharel em Educação Religiosa comhabilitação em Missões pelo IBER - Institu-to Batista de Educação Religiosa - RJ.

Missionária pela Junta de MissõesMundiais. Atuando no Paraguai já há trêsanos como Missionária Enfermeira e Capelã

Jiospitalar, atuando como Capelã Transc~l-tural no Hospital Barrio Obrero (Paragual).

PREFÁCIO

Foi com muita satisfação que recebide Ana Maria a grata incumbência e o privi-légio honroso de escrever o prefácio do seulivro. Tive o privilégio de conhecê-Ia emnosso primeiro ano de IBER (Instituto Batis-ta de Educação Religiosa), onde fizemos ocurso de Bacharel em Educação Religiosa.Nossa amizade foi sendo cultivada a cadadia desde então tenho acompanhado seu tra-, ~balho e a dedicação com a qual ela o temdesempenhado no decorrer dos anos.

A autora é uma profissional distinta,que tem abraçado grandes causas, dand~-seaos outros com sinceridade, amor e dedIca-ção.

Louvo ao meu Senhor, que a inspirou acompartilhar com outras pessoas sua grandeexperiência profissional e espiritual vividacom o cantor e compositor Cazuza, tornan-do-se sua amiga de cabeceira, apresentan-do-lhe Jesus Cristo sem nenhum constrangi-

Page 5: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

mento, dando-lhe exemplo de vida e aman-do-o incondicionalmente durante um ano etrês meses.

Aninha realmente fez parte desse"show", e tem falado em muitas Igrejas e amuitos estudantes, e neste livro está deter-minada a ajudá-Ia a ter convicções de fé,atender ao chamado do Mestre, tornando-seuma influência positiva de Deus para os seusamIgos.

Este livro é rico pelo relato de umaexperiência viva e foi preparado para ajudá-10 a pensar realisticamente acerca de comoviver sua vida da maneira que Deus gostariaque você vivesse.

Reitero a minha gratidão, rogando aoSenhor da Seara que continue abençoandoricamente a vida da Aninha e o seu ministé-rio com os pacientes que têm o vírus HIV

,SUMAmO

INTRDDUÇÃO 1

O INÍCIO DE UMA JORNADA 3

TENHO ESPERANÇA. FIZ O QUE PUDE 51

DOIS MESES APÓS SUA MORTE 57

Page 6: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

-INTRODUÇAO

Bem que ele tentou. Lutou até o fim,desafiou meio mundo, mas a doençao venceu. A AIDS fez mais uma ví-

tima famosa. Levou Cazuza. Um fenômenoda música brasileira, um cantor e composi-tor que fazia a gente pensar. Não era um sim-ples "fazedor" de música, mas um pensadorque retratava de maneira ousada e arrojadaas suas idéias, filosofia e ideais. Erainconformado com os menos favorecidos,fazia denúncias e protestava muito usandosuas músicas e poesias como armas. Cazuzafoi, mas a sua obra continuará. As gravado-ras fizeram álbuns especiais que estão fa-zendo de Cazuza uma eterna lembrança.

Particularmente, eu admirava as músi-cas de Cazuza. E acho uma pena ele termorrido tão cedo. Sinto que ele poderia es-tar entre nós hoje, se tivesse escolhido umoutro tipo de vida. No entanto, o grande com-positor, cantor e poeta teve sua escolha de-

Page 7: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

2

mocrática de vida. O mundo inteiro lamentae chora a sua partida.

Ele não morreu, continua vivo atravésde músicas que revelam a inquietação destageração.

Na sua busca, Cazuza incomodou muitagente. Disse tudo o que tinha direito ..Mastambém sabia ouvir a Palavra de Deus,

Hoje, para honra e glória do nossoDeus, resolvi escrever sobre a experiênciavivida durante um ano e três meses acompa-nhando o Cazuza no Rio de Janeiro, SãoPaulo e Estados Unidos.

Neste livro relato um testemunho vivodo meu-trãbalho com o Cazuza.

,O INICIO DE UMA

JORNADA- RIo DE JANEIRO -

Dezessetede março de 1989. Lembro-me claramente, era uma tarde linda

de domingo. Acabara de chegar daEBD e culto da manhã quando o telefonetocou. Era Ilda, uma amiga de trabalho queme ligara para saber se eu podia ficar umanoite com um paciente na Clínica São Vicente.Disse-lhe que sim, e às 18:30 já estava acaminho da clínica. Lá chegando, Ilda merevelou que~ paciente com o qual eu iriaficar era portador do vírus HIV e se tratavaCazuza. Perguntou-me se eu tinha algum pre-concêlto (pois naquela época a pesquisasobre o virus HIV estava ainda em fase ini-

cial e o esclarecimento sobre a doença era'PõUco, o que fazia com que até pessoas daárea de saúde tivessem receio de trabalhar~ f

Page 8: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

4

com esses pacientes), disse-lhe que não, en-o tão ela pediu-me que fosse ao quarto 207.

Caminhei segura até o paciente, poisnão seria a primeira vez que iria trabalharcom um portador do HIV Logo que chegueià porta, uma senhora bastante educada veiome receber.

- Boa noite. Você é a enfermeira queirá ficar com o paciente?

- Sou eu mesma.- Meu nome é Lucinha Araújo. Sou a

mãe do paciente. Pode entrar, ele já está teesperando (no quarto além do Cazuza en-contravam-se alguns amigos dele. A apre-sentação foi amigável, já cheguei brincando,pois ele estava bem queimado de praia eperguntei-lhe como podia ter aquela cor sesua mãe era bastante branca).

- Puxei a meu pai, ele é negro (falou-me sério, dias depois quando conheci seuJoão Araújo, vi que a música "Exagerado"fazia jus a Cazuza. Seu João Araújo era sim-plesmente moreno). Mas voltando ao assun-to principal desta primeira parte, que é a apre-sentação. Horas após, seus amigos foram em-bora. Cazuza levantou-se da cama e foi parauma mesinha onde, muito agitado, fumava

5

muito e escrevia a letra de "Cobaias deDeus", música do LP (Burguesia), seu últi-mo trabalho em vida. Sentado em uma ca-deira um pouco distante, eu lia um livro e,de vez em quando, observava aquela agita-ção. Em certo momento ele parou de escre-ver e bastante explosivo gritou comigo.

- Por que está me olhando? É bom vocêficar sabendo que não gosto que ninguémme observe quando estou trabalhando!

Respondi-lhe a altura:- Não grite comigo! Se você sabe que

estou te olhando é porque você também estáme olhando.

Com o barulho da conversa donaLucinha Araújo que dormia na sala ao ladoentrou assustada no quarto.

- O que está acontecendo?- Nada mãe, só que ela está me olhan-

do e eu não gosto de trabalhar com ninguémme olhando.

- Porque você não vai dormir meu fi-lho, já são 01: 10 da manhã.

Já calmo.- Tá, eu vou escrever mais um pouco

depois eu deito (após ela retirar-se do quar-to fui atrás dela e expliquei-lhe o ocorrido).

Page 9: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

- Desculpe-me dona Lucinha Araújo,mas foi necessário responder à altura paraque haja respeito, pois fiquei sabendo queele é um paciente bastante rebelde e não deixaãs enfermeiras cuidarem dele; se eu demons=-•trar fraqueza, ele jamais deixará que eu omedique como a doença pede.

- Não, tudo bem, não há do que vocêpedir desculpas, foi bom você agir assim,pois houve uma enfermeira que tinha medodele, daí ele tomou conta da situação, jog;-va o termômetro para cima, não deixava afe-rir a pressão e jamais tomava o comprimidona hora certa. Acredito que você dará certo.

Quando voltei para o quarto já o en-contrei dormindo. Na manhã seguinte elelevantou como se nada tivesse acontecido,foi ao banheiro, lavou o rosto e veio tomar ocafé. Nesse momento desci ao refeitório.Após também tomar o meu café, subi para

.i.espedir-me e qual foi a minha su'rpresa vê-10 tomar a minha mão, alisá-Ia e pedir qmvoltasse no dIa seguinte, pois gostara mUltodo meu trabalho. Cna eu dentro de mim que

r após aquel~ente e pela fama de impli-cância com as enfermeiras q~e tinha, quejamais voltaria a ficar com ele, porém, já na

porta escutei-o falar c~m a m~e: ._ Ah mãe! GosteI, essa e das mInhas!

Vou levá-Ia para casa. Vou precisar mesmode uma enfermeira para me acompanhar.

Na noite de terça-feira quando voltei àclínica São Vicente, encontrei-o bastante dis-posto e já com promessa de alta hospitalar.Conversamos muito e no meio da conversaele me perguntou se eu aceitaria continuar aser sua enfermeira particular, assim que eledeixasse a clínica.

- Se você quer, eu aceito.- Talvez amanhã você nem precise vir

à clínica, já pode ir direto lá para casa, mi-nha mãe depois lhe passará o endereço.

- Eu vou passar o endereço Cazuza,mas é bom a Ana ligar para confirmar sevocê realmente teve alta.

- É mesmo Ana, você liga antes.- Está certo, eu ligo para cá.- Cazuza eu havia esquecido de lhe

contar: seu médico achou por bem vocêmudar de apartamento pelo fato de ser duplexe as paredes serem de vidro, daí eu conseguium apartamento no Leblon, aqui perto. Ama-nhã iremos vê-lo, se você gostar faremos amudança.

Page 10: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

Quando Cazuza teve alta nós já fomosdireto para esse apartamento que ficava naRua Visconde de Albuquerque. Uma noiteficava eu e na outra Dona Dulce (enfermeiraque dividia os plantões comigo). .

Dulce era uma pessoa maravilhosa, jáquase chegando à casa dos cinqüenta, o quefazia nutrir por Cazuza um tratamento quasematemo, o que o fez muitas vezes reclamarcomigo do serviço dela. Apesar de ser únicofilho, criado no meio da classe média alta esaber de todas as regras que a boa etiquetapede, Cazuza era uma pessoa muito simplese vivia bem com todas as classes. Certa vez,conversando comigo, disse-me: "Ana, eu soumesmo é do asfalto", e realmente eu pudecomprovar ISSO.

Com o passar de um mês, a Dulce re-solveu não acompanhá-Io mais e no lugardela entrou a Márcia que, de cara, ele apeli-dou de Ed Morta, devido a semelhança como cantor.

a tem o foi assando e cada dia cres-cia mais a amizade entre eu e azuza, e, com-a nossa amizade crescendo, pude admirar ca-

•.racterísticas dele, principalmente sua inde-pendência, que era um ponto muito marcante.

9

Sentindo-me já à vontade com ele, eu-começava a preparar-me para o momento emquê meu Deus dana a oportunidade do amor~ansfonnador de Jesus. Foi numa tar- -(iê(feãbril que Deus me concedeu essa pri-meira oportunidade. Após o almoço, Cazuzame chamou para irmos à gravadora Polygramna Barra da Tijuca, onde ele estava gravan-do o LP "Burguesia". Assim que lá chega-mOSeu começei a notar que ele estava commuita febre. Pedi que desse um tempo e de-pois entrasse no estúdio, porém respondeu-me que não podia parar. Certa altura faltouenergia elétrica e os músicos saíram todospara lanchar ficando apenas nós dois no es-túdio, ele veio e deitou num sofá que osmúsicos improvisaram especialmente paraele; mediquei-o e após a febre ter passadoele abriu os olhos e me disse:

- A energia não voltou. Acho melhorirmos embora. .

- Também acho, está ficando tarde.- E aí, você está gostando das músi-

cas?- Estou sim, as letras são profundas .- Você já conhecia o meu trabalho an-

Page 11: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

- Sabia que você existia, que era doBarão Vermelho, mas nunca parei para ob-servar o seu trabalho.

- Por favor, me pegue um copo d' água.- ...(Após tomar a água). Você é tão

calma, eu não. Sou agitadíssimo! Você sabiaque eu fumei o meu primeiro cigarro demaconha com 12 anos? (saiu nas revistasContigo, Amiga e Veja).

- Sério?- Eu estudava no Colégio Santo Inácio

em Botafogo, era colégio de padre, aí já dápara imaginar. Eles eram super rígidos, masisso que era o barato da coisa. Sei que tam-bém não era o único a aprontar, existiam unsquinze que odiavam os estudos, iam para ocolégio só para deixar os padres de cabeloem pé (ficou olhando para o teto). Eu sem-pre fui muito maluco desde quando fazia oginásio. Minha mãe tinha um fusquinha o qualela deixava eu dirigir, meu pai vendo a mi-nha loucura pelo carro me fez uma proposta.Caso eu passasse no vestibular ele me dariaum carro. Estudei feito um bom garoto. Nodia anterior ao vestibular fui para a farra echeguei em casa às quatro da manhã no mai-or porre e tinha que estar às seis em pé; re-

11

sultado: minha mãe me levou arrastado parao local da prova, porém para surpresa delaeu fui aprovado, ganhei meu carro, assistiuma semana de aula e nunca mais coloqueios meus pés lá.

- Que loucura!- É, realmente eu sempre fui muito lou-

co, eu sempre gostei de me sentir solto, donoda minha vida; um dos meus maiores praze-res era ficar nos bares do baixo Leblon atéque todos fechassem as portas ... Morei naCalifórni a, cidade muito promíscua onde asgarotas e garotos de programa te abordam acada segundo nas ruas, já fui preso junto como Barão ... uma vez por porte de maconha.Você sabia que eu sou bissexual? Pois sou.Sempre andei a 1000 p/h. Eu tenho consci-ência porque peguei AIDS, essa malditadoença sem volta ... eu estou falando muito,e você? Me fale sobre você.

- Eu não tenho muita coisa a falar. Euestudo, faço seminário, gosto muito da mi-nha profissão e quando estou de folga, o queé raro, gosto muito de um teatro ou um cine-ma... gosto muito de trabalhar com gente.

- Dá para ver. Você sabe ouvir. Sãoraras as pessoas que sabem ouvir, por exem-

Page 12: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

12

pIo: eu tenho um bando de amigos, mas nun·ca neriIíum deles parou para me ouvir com;-

.JLõCê está fâzendo agora. ~- É verdade, eu gosto muito de ouvir.

Inclusive eu tive um paciente com essa do-ença.

- Pode falar AIDS. Que mania que aspessoas têm de ficar falando "essa doença".

- Pois é, eu cuidava desse paciente comAIDS e também gostava muito de ouví-Io.

- (Silêncio na sala) ... Pois é Ana, resu-mindo, nessa corrida toda, eu me esbarreicom a AIDS. Como te falei estou ciente deque eu vacilei, eu sou um pecador, um gran- 'de pecaâor.

- - Realmente você é um pecador comovocê próprio está dizendo, mas isso não im-porta. Existe uma pessoa que te ama muito.

- Uma não, várias, meu pai, minha mãe,você, meus amigos ...

- Não são dessas pessoas que eu estoufalando! Estou falando de alguém superior atodos nós. Essa pessoa é Jesus. Ele abominao pecado, mas ama o pecador, Ele ama aspessoas como elas são, não é necessário umamudança primeiro; essa mudança acontece apartir do verdadeiro convívio com Ele. Je-

sus te ama muito e eu também._ Ah! Quer dizer que você é crente ...

Eu não gostava de pessoas crentes, sabeporquê? . o'

- Não faço ldela.- Porque elas se julgam melhores que

os outros. Um certo crente entrou em minhacasa e disse-me que eu era um maconheiroperdido; que eu precisava mudar de vida paraDeus me amar.

- Agora você vem e me fala diferentedesse mesmo Deus.

- Parece um paradoxo, mas é verdade.Por pior que seja o pecado, Jesus ama opecador.

~- Então é verdade, os crentes me amammesmo! Você vai ver quando chegarmos em_Easa, vou te mostrar um monte de fitas, dis-.E,.ose Bíblias que eles me mandaram. Só .

.liíblia são umas quinze. \- Realmente eles te amam, ainda mais

agora que você declarou a sua situação àimprensa, todos eles estão orando por vocêe eu também estou orando muito por você.

- Desculpe-me, mas preciso interrom-per a conversa de vocês por uns minutos.

- Fique à vontade.

Page 13: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

- Cazuza, como a energia não chegouainda, resolvemos marcar outro dia para darcontinuidade à gravação. Só falta a sua opi-nião.

- Por mim tudo bem. Vamos emboraAna.

Depois daquele dia surgiu uma novafase em nosso relacionamento, ele me mos-trou as Bíblias que ganhara e ficou fácil es-tudarmos juntos.

Ele mesmo separou uma Bíblia e colo-cou iiã cabeceira de sua cama. Eu com~

- sentir-me fortalecida a falarãCada oportuni-dade do amor de Cristo, principalmente pe-las cartas que eu e ele recebíamos com men-sagens bíblicas e dizendo que estavam oran-do por ele e pelo trabalho que eu estava re-alizando, eram cartas de todo Brasil que che-gavam todos os dias e tenho certeza que fo-ram as orações desses irmãos que me sus::-

. tentaram em muItas sÜuaçQes diflcels qúé.-- --------------'-----~:.-----'passei em companhia de Cazuza. Uma des-

~s situaçõ~conteceu no mês de abril, numdos plantões de Márcia. Cazuza concedeuuma entrevista a uma jornalista da revistaVeja a qual falou do seu último trabalho e da

sua convivência com o vírus do HIV Forauma das raras entrevistas que ele concederanO seu período da doença, entrevista essaque gerou um grande problema.

No dia 26 de abril, data em que a re-vista contendo a reportagem chegou nas ban-cas, estávamos em Petrópolis no sítio dosseuS pais, além de nós havia ainda algunsamigos íntimos dele como Bineco e o Zeca.Era uma tarde de domingo, estávamos co-mendo um churrasco e Cazuza estava muitobem, ria e brincava o tempo todo até queestacionou o carro do pai dele e de dentrosaiu Fernanda (secretária do Cazuza) com aedição 1077 da revista Veja, na qual trazia afoto do Cazuza e o título "Cazuza - Umavítima da AIDS agoniza em praça pública".

'--:--...--------..---..,.,.-------,,....-:;-Após pegar a reVIsta das mâos de Fernandae ler o título da reportagem ~trou para oquarto e minutos após, chorava muito e nin-guém entendia nada, pois Cazuza não era de

:..seaerxar abat~~ por nada que a imprensapublicasse a seu respeito, mas eu já perce-bia que a causa era o conteúdo da reporta-gem que fora bastante cruel.

Logo apareceu a febre que aumentavaa cada minuto, então resolvi descer com ele

Page 14: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

para o Rio, pois a situação estava se agra-vando e ali no sítio não tínhamos aparelhosnecessários para socorrê-Io. O colocamosdentro do carro e descemos a serra e cadavez mais a situação se agravava. Em deter-minado momento, ele perdeu o sentido.>pa-....ralisou todo o corpo. A caseira que nos acom-

lJaruíava começou a chorar. Falei com elaque orasse a Deus" pois ele é o único que

~'pode reverter esse quadro clínicQ. Pedi a;---Bineco que parasse o carro e lhe apliqueiuma injeção. Esta injeção fez com que seusrins voltassem a funcionar e o pacienteretomou suas funções. Ao chegannos na clí-nica São Vicente fomos logo para a emer-gência e minutos após a injeção fez efeito eele retomou a si já brincando.

- Gente! O que aconteceu comigo deveter sido grave, pois olhe para o Bineco, depreto ficou vermelho.

Sorrimos todos aliviados, me afastei doquarto e~i .aDeus por mais uma vitó-ria. No dia seguinte toda edição da revista

"i'õ'rarecolhida das bancas.Desde o momento que aceitara o con-

vite para estar acompanhando Cazuza, esta-va ciente que junto aceitara enfrentar todas

17

aS ciladas que Satanás iria investir sobre aminha vida e não foram poucas as vezes queele tentou prejudicar o meu relacionamentocom Cazuza a ponto de colocar desânimo

"'"em m1Ill.-- No auge do sucesso do LP "O temponão pára", Cazuza completava 32 anos deidade e quis dar uma festa em seu aparta-mento, na qual foi bastante gente do meioartístico. À certa altura da festa, o ambientenão me deixava à vontade. Deixei a sala efui para o quarto onde peguei um livro ecomecei a folhear. Minutos após entrouCazuza com um copo de whisky me pedindoum comprimido de AZT para tomar, pois suamedicação era de seis em seis horas e jáestava passando do horário.

- Não Cazuza, você não pode tomar oremédio com a bebida.

- Eu tomo com o que eu quiser. Pega oAZT!

- Eu não vou fazer isso. Ou o remédioou a bebida.

- Você não manda na minha vida. Vocêjá conviveu comigo o bastante para saberque eu odeio que me dêem ordem.

- Eu não estou lhe dando ordens, estou

Page 15: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

18

lhe proibindo de fazer uma loucura e temmais, pode ser o presidente da república, seestiver sob os meus cuidados vai ter quereceber a minha medicação.

- Se exploda com sua medicação.Virei as costas e voltei a folhear o li-

vro. Ele ficou calado por algum tempo.Após, sentou-se e pediu que eu jogasse ocopo com whisky e tudo pela janela do apar-tamento, pois não iria mais beber e queriatomar o remédio.

- Você deve estar querendo que eu vápresa, nem o whisky eu posso jogar, mas vouabrir uma exceção para você.

- Você está chateada comigo Aninha?- Só um pouco.- Este pouco não vai fazer você ir em-

bora, ou vai?- Não meu garotinho (era assim que às

vezes eu o chamava).- Ainda bem.Começamos a sorrir e o clima pesado

que havia surgido logo desapareceu. No fun-do, essas desavenças, quando vistas aos olhosespirituais e enfrentadas com discemimento,só serviram para aumentar nossa amizade.Muitas vezes, até fora do meu plantão, Cazuza

19

me ligava para passar o fim de semana empetrópolis com ele me chamando "para pe-gar um frio" como costumava falar. Eu jánão o via como um paciente e sim como umgrande amigo e tenho certeza que era recí-proco. Ele gostava muito da minha presençae isso me deixava à vontade.

Certo sábado, quando estava de plan-tão, o Gilberto Gil ligou para convidá-Io paraa festa de aniversário da Flora Gil sua espo-sa. Logo ele me chamou para acompanhá-Io.Como eu estava de tênis e jeans, pedi-lheemprestado o motorista e o carro para bus-car em minha casa roupas adequadas. Elelamentou.

- Puxa se o Gilberto tivesse ligado an-tes, nós poderíamos ter saído e eu lhe com-prava algumas roupas numa dessas boutiquesaí de Ipanema. Você não precisa ir para suacasa, minha mãe pode ajudá-Ia.

A princípio fiquei constrangi da, masdona Lucinha Araújo que estava presente medisse:

- Isso! Vamos lhe fazer a vontade. Va-mos lá no meu guarda roupa e escolha a rou-pa e o sapato que quiser.

Não teve jeito, fui à festa com as rou-

Page 16: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

20

pas dela, assim que me viu pronta foi logodizendo:

- Ana, você está linda, parece umarainha! A rainha do Mississipi.

Em Jeremias 33:3 diz: "Clama a mim eresponder-te-ei e anunciar-te-ei coisas gran-.....des e firmes ue não sabes". Esse foi o me~versículo base em certo período que passeicom ele, que foi quando alguns amigos ochamaram para freqüentar uma seita deno-minada Santo Daime. Ele concordou e sem-pre ía às reuniões da seita e isso me deixavatriste, pois além de o estar evangelizando,ele voltava fisicamente mal, sem contar olado espmtual que só regredia. Comecei aorar muito para que Deus não o deixasse serenganado por Satanás. Certa noite, quandocheguei para o meu plantão, não o encontrei.Quem veio atender a porta foi a Márcia queestava bastante nervosa.

- Cadê o nosso paciente?- Saiu desde cedo e não quis que eu

fosse com ele, pois iria com os amigos parao tal de Santo Daime.

- Novamente essa seita?- O robl m é ue uando ele vai

essa seita, volta para casa péssimo, com di---------------'

21

arréia, dor de cabeça, febre, sem contar comõCfifde raiz que é só ele tomar e começar apassar mal.

_ O certo seria ele parar de freqüentaressas reuniões.

- Mas quem vai convencê-l o disso, ~próprios pais dele são con~ra ele fre ,üentaressa seiill. No fun o acredito que ate ele; o~oblema da insistência é a vontade de sercurado.

Assim que terminamos o assunto elechegou bastante mal, sudorese intensa e bas-tante febril. Demos-lhe um banho, adminis-tramos analgésico e logo ele adormeceu.Assim que Márcia foi para casa, li. uns tre:-chos da Bíblia e pedi a Deus para que falas-seão coração do Cazuza mostrando-lhe que'à seita Santo Daime não era o caminho certoe que o fizesse desistir de freqüentá-Ia. Aca-bei minha oração e fiquei sentada ao ladodele. De madrugada ele acordou já dispos-to.

- A Iracema (empregada) já está dor-mindo?

- Claro Cazuza, já são duas e cinco damanhã.

- Você sabe fazer mingau?

Page 17: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

- Sim!- Mas, não é aquele de mamadeira não',

eu quero aquele de maisena, mas bem duri~nho com canela em pó por cima.

- Eu sei sim, aguarde uns minutos quevou na cozinha fazer.

- Ah! Faz dois, um para mim e outropara você.

No momento em que tomávamos omingau colocamos um filme no vídeo e en-quanto assistíamos conversávamos sobrevários assuntos e aos poucos levei a conver-sa para a seita do Santo Daime.

- Hoje você não dorme mais, quase oitohoras dormindo.

- Como no meu natural.- Seu natural? Não entendi!- É fácil. Conhece essa música? "Pro

dia nascer feliz, pro dia nascer feliz. O mun-do inteiro acordar e a gente dormir, dormir".Por isso é que eu e o Fernanda gostamosdessa música, que é a nossa cara.

- Concordo contigo, mas deixe eu afe-rir sua temperatura pois ontem quando vocêchegou estava bastante mal.

- É verdade?- É sim, toda vez que você volta do

Daime chega péssimo, com febre, diarréia,sudorese ... Olha, vou ser sincera contigo ...sou sua amiga e só quero o seu bem e nãoconcordo nada com suas idas às reuniões doDaime, pois isso está prejudicando a suasaúde, pois todo o cuidado que temos com asua saúde aqui, você perde nessas reuniõespois vem com diarréia e sudorese fortíssimae você não pode perder líquido, ao contráriovocê tem é que ingerir, senão daqui a poucovamos ter que lhe internar para tomar soro.

_ É, você está com a razão Ana. Se euquero viver, eu não posso correr atrás dealgo que só me prejudica. O pessoal vai fi-car aborrecido comigo, mas eu vou dizer-lhes que não irei mais; me faça um favor,pegue aqueles vidros cheios <k- ervas que

_eles me venderam e jogue-os fora.-h partir daquele dia Cazuza nunca mais

freqüentou a seita Santo Daime e eu pudesentir que era mais uma vitória de Deus na-~---~------------quele meu ministério, pois várias foram aspessoas que pediram para ele não freqüentara seita, inclusive seus pais, que ao saberemda decisão dele, ficaram muito felizes. Tudoisso acontecendo me animava cada vez mais

Page 18: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

24a evangelizá-Io e eu não desperdiçava asoportunidades.

CUIDANDO DOCORPO E DA ALMA

- SÃO PAULO -

São Paulo surgiu por acaso em nossocaminho, pois Cazuza não tinhaplanos de fazer tratamento naquele

estado, mas para mim pessoalmente foi umabênção, pois naquele período que ali passa-mos Cazuza deixou mostrar que o Espírito- ~-------"-----'~-Santo estava modificando a sua vida.--- Nossa ida para São Paulo começounuma tarde, quando Cazuza me chamou parair ao seu quarto e me disse:

- Ana, essa equipe médica que acaboude me ligar agora, é de São Paulo. Eles que-rem que eu vá para lá testar umas vacinas,essas vacinas não são específicas para AIDS.São vacinas para câncer. O pai da Flora (es-posa do Gilberto Gil) está tomando destasvacinas e está sentindo um efeito maravilho-so, pois como disse o médico: ela renova as

Page 19: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

26

células e a partir daí a gente vai tendo célu~Ias novas. Você como enfermeira sabe dis~so... então o vírus continua mas é como Se

estivesse zerado no corpo da gente, pois bem,essa equipe já me liga há meses, eu até con~versei com meu médico pois estou com umcerto medo de deixar o AZT, afinal foi gran-de a burocracia que enfrentei para ter o di~reito de usá-Io. Até nos Estados Unidos pre-cisei ir só para assinar os papéis de autoriza~ção,gois fui o primeiro brasileiro a utiljzar Q...

AZT e por ser algo inédito no Brasil só o'---.---,,-...:;;--,-----.::.._------~-próprio paciente assmandº-< então isso meamedronta porque querendo ou não, o AZTtem me segurado até hoje e você sabe queeu quero VIver.

- Isso é verdade.- Pois é isso Ana, mas o que eu queria

saber de você é se caso eu decida ir paraSão Paulo, você estaria disposta a ir comi-go?

- Bom meu amigo, isso eu não possolhe dizer pois eu estou com a minha vidatoda aqui no Rio de Janeiro. Você sabe quetudo o que eu mais quero é te ver com saú-de... bom, você ainda não decidiu, não é?

- Ainda não.

_ Então até lá a gente decide, ok?E foi assim, a equipe médica ligou vá-

rias vezes, vieram até a casa do seu JoãoAraújo marcaram a entrevista com Cazuza ea partir dali ele começou a ter vários encon-troS com essa equipe médica que vendo aânsia dele de lutar pela vida se prontificarama lutar junto com ele.

Não demorou muito os médicos adqui-riram a confiança de Cazuza e uma tardequando cheguei para ficar com ele recebi anotícia que ele iria para São Paulo testar essavacina. De início não pude acompanhá-l o,mas dias depois me ligaram pedindo para euencontrar-me com ele.

Como minha vida aqui no Rio estavatoda compromissada, eu ficava com ele ape-nas nos finais de semana e nos dias úteisvoltava para o Rio, porém como disse antes,havia surgido um elo de amizade muito gran-de entre Cazuza e eu, e sempre me chamavapara ficar direto. Quando chegou o mês deagosto ele meio sem graça, me chamou edisse:

- Ana, sei que é pedir demais e vocêtem todo o direito de dizer não, mas será quedaria para você trancar sua matrícula e ficar

Page 20: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

28de vez comigo aqui em São Paulo, pois atéagora eu não consegui adaptar-me com ne-nhum enfermeiro, já com você é diferente, agente se entende. Caso você aceite, você tirauma licença no seu serviço da prefeitura,papai é amigo do prefeito e resolve isso paravocê.

- Tudo bem, eu vou para o Rio, resolvotudo e quando voltar já fico de vez.

_A m~de vez para São Paulo merendeu vários momentos emoclOriãírtes. Um--._----------_:-..:.~~deles foi assim que cheguei com as m~as.Estava uma noite muito fria em São Paulo eantes, no avião, a secretária havia comenta-do que Cazuza estava inquieto com medo deeu desistir e não mais querer ir para SãoPaulo e eu pude sentir o quanto ele gostavade mim; no exato momento em que entrei nacasa, pois logo perguntei a seu João Araújoque estava sentado junto à lareira: "Cadê omeu gatinho 7". Logo ele apareceu com umsorriso lindo, cheio de felicidade e me disse:

- Seu gatinho está aqui e ele é todo

Isso me emocionou muito, pois eu sen-ti o quanto ele se apegara a mim ~ semp~que co to isso em meus testemUIÍhospelo

29

Brasilafora, me emociono pois esse momento~marcou profundamente~s vacinas, com o passar do tempo,começaram a apresentar efeitos positivos.Já era visível uma pequena melhora noCazuza e isso alegrava a todos, os dias erammais felizes, nós atravessávamos com espe-rança e isso era bom para todos. Vê-Io maisdisposto voltando a fazer planos, tudo issoera gratificante.

Como eu expus atrás, em São Pauloaconteceram várias coisas que me alegra-ram, mas também presenciei momentos deprofunda tristeza. Um desses fatos aconte-ceu quando vim ao Rio de Janeiro ver minhafamília e encontrei-me com o Pastor Jorge,da Igreja Nova Vida, o qual me disse que hámuito tempo vinha orando pelo Cazuza e ti-nha um grande desejo de visitá~lo e se eupoderia ajudá-Io nesse seu desejo. Disse queiria conversar com ele e lhe daria um retor-no. Eu já tinha ouvido pela própria boca doCazuza que não gostava de pastores e pa-dres, mas em nome da nossa amizade resolvilhepedir esse favor. Não foi dificil convencê-10, pensou, pensou, porém logo disse:

- Tudo bem Aninha, diga para seu ami-

Page 21: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

30

go pastor que ele pode vir me visitar, desdeque ele não venha fazer como aqueles cren.tes que me procuravam para dizer que eu eraum pecador, que eu ia para o inferno, qUetodo bissexual é do demônio.

- Pode ficar tranqüilo que ele não en.trará aqui para te julgar.

- Então está bom. Liga para ele e manode-o vir.

Fiquei muito feliz e logo liguei para opastor que já estava em São Paulo e pedique viesse, quando o relógio marcava 13 :40que era mais ou menos o horário que nóshavíamos marcado. Dona Lucinha Araújo,mãe do Cazuza entrou no quarto e escutounossa conversa sobre o pastor e ficou saben-do que ele iria visitá-Io. Logo demonstrou-se contra, disse que pastor não seria uma

jJoa, que as experiêncIas com outros nao fo--!.,amagradáveis e que era melhor não recebê-.10. Tentei convencê-Ia explicando que essepastor era jovem, cabeça aberta, mas ela nãovoltou atrás e para minha tristeza Cazuzapediu que eu desmarcasse a visita. Fiqueitriste e muito chateada em de repente me vernuma situação bastante constrangedora, deter que dizer que Cazuza voltara atr~s e não

31

iriarecebê-Io. Sendo mais clara me senti der-rotada, mas clamei por Jesus; e disse a Sata-

nás:_ Você teve esse jovem muito tempo

em s~as mãos, fez o que bem quis com a_~ dele, mas agora a história é outra, Jesus,mecolocou no caminho dele, me ensinou a~á-Io. Escuta bem Satanás! Nada fará com~desista de lhe falar da força poderosae transformadora do amor de Jesus.

E graças a Deus, o Senhor me fortale-cia a cada dia; ele havia levado a Bíblia e demadrugada, quando todos Ja tinham ido dor-mir entre um filme e outro nós pegávamos a,~------~--~---=='-----Bíblia, líamos e após, eu lhe explicava o quesle que~saber. Uma noite, lendo o Evange-lho de Mateus, eu lhe expliquei sobre osensinamentos de Jesus, mostrando-lhe a im-portância de saber perdoar, não guardar ran-~or, a valorização do prÓXImoe ele prestavamuita atenção em tudo que eu lhe falava.Passado alguns dias após aquela noite euentrei no quarto dele e o encontrei abraçadoa uma tia a qual fazia algum tempo que elesnão se falavam, assim que me viu sorriu edisse.

-_Aninha:3.m cá, aprendi na Bíbli:

Page 22: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

32

.!9bre O perdão e perdoei a minha tia em nomeâe Jesus. ~

Assistindo aquela cena, senti que el11momento algum Deus estava me deixandosó. Eu estava sendo um canal dEle para falardo amor do seu Filho Jesus Cristo e senti.me feliz em ter trancado a matrícula no IBER,faltando apenas poucos meses para me for.mar; em ter deixado meus familiares paraestar em São Paulo, tudo isso passou a serum nada quando vi o Espírito Santo agindonaquela vida.

A partir daí ficou muito mais fácilevangelizá-lo, entramos finnes e a curiosi-dade dele era imensa, era como uma criançana Escola Dominical, me e ia de pergun-

. tas: porque eu estudava Teologia? o eraDeus? E Maria Madalena, como era o amordela por Jesus? Se Jesus era homem ou Deusquando estava com ela, porque pelo que eleentendia achava que Maria Madalena eraapaixonada por Jesus. Resumindo, eram as

"perguntas mais loucas que se podia f~Notava-se que ele era leigo em todos os as·pectos quando o assunto era Deus. E eu tiveque abordar o método que se adota quandose vai evangelizar uma criança e aí foi o

período que mais líamos a Bíblia juntos...---Porem, msso tudo havia algo que meincomodava. Cazuza já havia falado parartÚ1Il e declarado à imprensa que era bissexuale eu queria achar uma forma de mostrar-lheque Deus não aprovava isso; comecei a oraJíe uma certa noite ele mesmo tocou no assun-

to.- Ana, o que a Bíblia diz sobre o

homossexualismo?- A Bíblia não aprova. Deus abomina.

Quando Ele criou a humanidade, criou ape-nas dois sexos: o homem e a mulher.

- Você pode me provar pela Bíblia?- Claro. Existem vários outros capítu-

los da Bíblia que falam a respeito, eu ireiprocurar e depois lhe mostro, mas no mo-mento abra sua Bíblia em Romanos 1,versículos 18 a 32 e leia.

- ... É realmente aqui na Bíblia estáfalandO:-e se esta escrito eu acredito ... E vocecasaria com um blssexual?

- De Jeito nenhum.- Vocês é que estão certos, pelo m~

não ficam expoStõs ao vírus da AlDS ... Puxa,seeu te coÍiliecesse há mais tempo talveznão c egasse onde cheguei.

---------- 1

Page 23: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

- Quem sabe?.- Eu quis viver 100 ou 1000 anos em.

.!!inta. Quis fazer tudo, tanta loucura~poderia estar casado, ter um filho para quemdeixar minhas coisasl minhas músicas. Re:-

=-conheço que vacilei, minha vida é um.---'"apocalipse. Estou no fim ...J.Sabe Ana, hoje

tenho uma idéia diferente dos crentes,eu-imaginava que ser crente era ser bobo, queos crentes eram pessoas analfabetas, queviviam de um lado para outro com a Bíbliaembaixo do braço dizendo que tudo é peca-do. Imaginava que fossem pessoas que nãoiam à luta, e você sabe que sou super a favordas pessoas que remam contra a maré. láaí! Eu agora passei a admirar os crentes, tiroo chapéu para vocês.

Os meses foram passando e a vacinácomeçou a não mais fazer efeito por maisque tentássemos de tudo, não obtivemossucesso e Cazuza voltou a emagrecer, já nãoandava mais; seu quadro clínico estava cadavez pior. Num desses dias, estava aborreci-do, não queria receber ninguém e me cha-mando junto dele pediu:

- Puxa Ana, eu estou cada vez pior, sóemagrecendo, não ando mais, me faz um fa-

ar, ore para o seu Deus, no qual você con-~a tanto, peça a ele que ilumine a mente deúíUêientista maluco para ele encontrar a cura~DS, pois só Ele pode fazer isso.::.=---:--olheCazuza esse meu Deus pode sero seu Deus também.

- Eu sei, mas ore você.Com essa conversa pude ver que a

palavra de Deus estava cada vez mais viva,orei a Deus em cima do pedido dele, porémdaquele dia em diante ele foi ficando triste,deprimido, às vezes chorava, tinha crises eeu deixei de ler a Bíblia pois pensei estarforçando a barra e eu queria que fosse algoespontâneo, pois ele já sabia que Jesus oamava independente da situação dele e q~.-ria·IeVãf o Evangelho sem ser estressante eele passava pOÕllomentos delicados. Numãtarde ele estava muito arrasado, calado o,tempo todo, só olhando para o teto, quandosua mãe entrou no quarto dizendo:

- Cazuza está cheio de visitas na sala.Vamos levantar dessa cama ... Ana, ajeite acadeira para o levarmos para sala.

- Não precisa. Eu não vou para lugarnenhum. Não quero falar com ninguém.

- Que é isso meu filho. O pessoal veio

Page 24: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

36

do Rio só para te ver. Ânimo! Cadê aqueleCazuza alto astral?

- Eu não estou legal, não quero ver nin_guém. Não estou a fim.

- Tudo bem, eu vou ligar para umaamiga minha, ela é espírita; por telefonemesmo você conversa com ela e você vaireceber ânimo para sair dessa depressão.

_- Eu não quero falar com macumbeira. nenhuma. A Aninha vai orar comigo, nósvamos ler a Bíblia e eu vou melhorar, eratem feito isso e tem ~ ajudado muito, euquero ue ela fique no quarto e ore comi o':

~clusive ela aZIa ISSOto a noite, eu não sei_porqué ela parou. -

- Realmente eu parei por que você an-dava deprimido, chateado com Jesus achan-do que Ele não te dava a cura. Você estavàquestionando muito a Deus, aí eu parei, eunão quero te forçar a nada. Mas se você quer,eu fico feliz. Vamos fazer isso agora.

- Então fique com a Ana que eu voumandar as visitas esperarem. -.

- Ana, leia aquela passagem lá de João11, que Jesus visita Marta, Maria e Lázaro,eu gosto demais desta passagem.

- Puxa! Lázaro, já estava morto há qua-

37

tr0

dias, só Deus mesmo para ter. este poder._ Claro, Ele é o mesmo hOJe, ontem e

será eternamente._ Aproveitei e li em Reis 38 e Isaías

38 ... onde o Rei Ezequias pede a Deus maistempo de vida e Deus lhe concede mais 15anos de vida, ele olhou para mim e disse ..."Que legal! Ele ganhou 15 anos de vida, seráque Deus me daria só mais 2 anos, eu gosta-ria tanto de viver um pouco mais" ... Come-çamos a chorar e ele me disse:

_Eu queria apenas 2 ou 3 anos de vida,mesmo que fosse para ficar numa cadeira derodas eu gostaria de viver. Se esse Deus éverdadeiro, Ele pode me ajudar.

_ Verdadeiro Ele é. Agora se for parahonra e glória do nome dEle, ele pode te dara cura te tirar dessa cadeira de rodas, Ele é,o único que tem poder para isso. Não existeninguém maior que Deus. Mas isso não é omais importante, o mais importante é a vidaeterna, é ter a certeza que após ~sta vidaachare~os descanso ao lado de Jesus, é dis;so que voCê não deve abrir mão., A pãrtir daí nós oramos, ele sorriu, dis-se-me que já estava legal, que queria rece-ber os amigos e eu o levei para a sala, assim

Page 25: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

38

que dona Lucinha Araújo o viu sorrindo co-mentou:

- Olhe ele aí gente! Que sorriso bonito I

Eu ia pedir a uma amiga minha que é espíritaque conversasse com ele, mas ele preferiu----que a Ana orasse com ele e não é aue fez

erertõ! ~-----Aquela tarde foi uma vitória de Deus aquaCsenti fortemente o Espírito Santo trabã:lhando. Os dias passarãill e como já previaCazuza piorava cada vez mais. Um dia eleteve uma hemorragia digestiva que compli-cou muito seu quadro clínico a ponto domédico pedir sua internação com urgência,isso nos deixou tristes. No Hospital Novede Julho onde ele se internou, às vezes eu oolhava e pensava: "É amigo, está cada vezmais difícil você retomar para o Rio", mascontinuava orando pedindo a Deus que con-templasse o pedido dele.

Dias depois ele abriu os olhos e voltoua falar, porém o médico nos disse que eleteria que voltar para Boston, nos EstadosUnidos, pois só lá teria as medicações ade-quadas e que também estava surgindo umnovo remédio, o DDI, o qual zerava o víruse lá ele poderia tomar essa medicação tendo

39

mais chance de restabelecimento, então fi-camos até ele ter uma melhora para poder

~~~ .Eu não tinha pretensão nenhuma de sau

doBrasil, mas dona Lucinha Araújo me cha-moUdizendo que era necessário que eu ,fos-se, pois Cazuza se sentiria melhor e so eu ,tinhã esse carinho todo por ele. Isso me co--~u e decidi vir ao Rio dar andamento napapeladas que precisava para deixar o país.Após tudo pronto, ficamos espe~ando ele teruma melhora. Um dia encontreI-O acordadomuito disposto tentando decorar uma letrade música.

_ Oh! Minha coisinha, você está bem?Que bom!

_ (SolTiu) Só quem pode usar esse ter-mo é minha mãe.

_ Brinquei só para ver se você estavalegal e pelo visto está. .

_Aproveita que você está aqm e peguelápis e papel pois estou com a letra de umamúsica na cabeça.

- Pronto, pode falar._ Anote aí. "Eu acho que ele ficou

maluco ... de tanto voar e voar... nos cruzeI-ros malu ..."

Page 26: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

- Bem, gostei. Está a sua cara eSsamúsica.

- Você gostou mesmo?- Gostei sim!- Você já assistiu algum show meu?- Infelizmente não!- Pois então quando eu melhorar, irei

fazer um show especialmente para você.- Vou gostar muito, mas para que isso

aconteça nós temos que ir logo para os Esta-dos Unidos, assim você se recupera com maisrapidez e volta logo ao Brasil para fazer omeu show.

- ük! Você quem manda.- Já que eu mando, deixa eu ligar para

sua mãe para avisar que a "coisinha dela"está acordada e pronta para embarcar rumoà terrinha do Tio Sam.

Dois dias depois embarcávamos paraos Estados Unidos.

Eu pude ver como nunca o carinho dospais para com ele. Era grande a multidão defãs que o aguardavam na saída do hospital eo mesmo acontecia no aeroporto de Cumbica,onde embarcou para sua última viagem aoexterior.

V!AJAl\lDO NO"TREM" DA MORTE

- ESTADOS UNIDOS -

ossa viagem não podia ser em aviãode carreira, pois correríamos o riscode Cazuza piorar durante o trajeto.

Foi fretado um jato, mas mesmo assim eleteve seu quadro clínico abalado e quando láchegamos não lhe foi permitido o tratamentocom o remédio (DDI), pois ele estava com o"cito megalo-vírus", vírus que ocorre em pes-soas com baixa resistência, que não precisaexatamente estar com o vírus do HIV, masbasta estar com baixa resistência.

Resumindo, este cito megalo-vírus nãopermitiu que ele tomasse o DDI e isso odeixou bastante triste, pois a nossa ída paraos Estados Unidos com urgência tinha comometa o tratamento com o DDl. Então, pelofato de estar ocorrendo este imprevisto, os

Page 27: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

-l2

médicos do New England Medical Centeronde ele ficou internado, passaram a traba~lhar com o Gam-Ciclovir, pois esse remédiomata o cito megalo-vírus e era o que nós e

toda junta médica esperávamos acontecer omais rápido possível, porém não surtiu efei-to algum no organismo dele. Isso nos deixoudesanimados, pois os dias iam passando e oquadro clínico dele não nos trazia confiançae não foram poucas as vezes que ele me per-guntava:

- O que está acontecendo? Por que eunão iniciei a medicação com o DDI? Está

demorando demais. Me fale a verdade, euvou conseguir o remédio?

_Claro, (fui obrigada a omitir, devido aética profissional) é só ter um pouco de pa-ciência.

_ Pombas! Que paciência nada. Paci-ência, paciência! Todo mundo só entra naporcaria desse quarto para mandar eu terpaciência.

_ (Enfermeira do Medical Center en-trou no quarto neste momento). Oi, como estápassando?

_ Que pergunta idiota. O que vocêacha? Como uma pessoa que está morrendopode estar?

_ Desculpe-me; hoje ele não está bem._ Já percebi. Se precisar de alguma

coisa, me chame. Com licença._Cazuza você foi indelicado com a en-

fermeira._ Ora, ninguém está sendo indelicado

comigo me escondendo a verdade? Estou aquase cinco meses nesta cama sem aconte-cer nada.

_Mas Cazuza, tudo o que está ao nos-so alcance estamos fazendo.

_ Por isso mesmo, se o que vocês po-

Page 28: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

-+-+

dem fazer não resulta em nada (chorando)então porque insistir em me manter nestehospital? Já que tudo indica que estou mor-rendo, eu quero pelo menos ter o direito demorrer no meu país ... Por favor Ana, chameminha mãe.

- Um momento.- ...Pronto filho, o que você quer?- Eu quero que você ligue para o meu

pai, pois eu dou prazo até a semana que vempara iniciar essa medicação, caso contrárioeu quero que arrume minhas coisas e me le-vem para casa.

Todos nós ficamos sem reação, poisrealmente a situação era muito delicada enão queríamos levar ao conhecimento dele.

A situação foi amenizada pela equipemédica do Medical Center que teve umaconversa franca com ele, pedindo-lhe quetivesse paciência, o que ele acatou, pois jácalmo, pode enxergar que tudo o que acon-tecia fazia parte de uma luta incessante nabusca do bem estar dele.

Todos os dias, às 18:00 em ponto, afamília do Cazuza e os amigos subiam paraa capela do hospital onde ali davam-se asmãos e rezavam por ele. Isso me incomoda-

va, pois eu sentia que podia fazer algumacoisa para mostrar-lhe que Deus não se agra-da das orações decoradas e principalmenteconduzidas à imagens. Porém, por motivosque não sabia, eu jamais era co.nvidada par~essas reuniões, até que um dIa eu resolvIparticipar por conta própria.

Seguimos todos para a capela, apóstodos rezarem perguntei se podia ler a Bí-blia, o que me disseram que sim, abri e~Salmos 37 versículo 5: "Entrega o teu camI-nho ao Serilior,confia Nele e o mais EI~ -

Após explanar a leitura, expliqueI-lhe tam-

Page 29: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

-l6

bém como devemos falar com Deus, comodevem ser as nossas orações, todos ouviramcom muita atenção. Quando terminei, demosas mãos e eu fiz uma oração de intercessãoa favor do Cazuza. Após o término da ora-ção, todos estavam emocionados e o resul-tado da minha ousadia foi mais uma vitória ,pois a partir daquele dia eu passei a freqüen-tar todas as orações das 18:00.

Toda a equipe médica já tinha chegadoa um denominador comum de que as chancesque o Cazuza tinha de tomar o DDI eram asmais remotas possíveis, porém insistíamosem ver acontecer um milagre e enquanto es-perávamos trabalhávamos de todas as ma-neiras para deixá-l o à vontade. Nunca a mi-nha paciência de enfermeira fora posta à pro-va como naqueles dias.

Cazuza tinha uma dificuldade imensapara se alimentar e de uma hora para outranão quis mais a comida do hospital e atravésde amigos brasileiros consegui contratar E.,uma cozinheira brasileira que morava emSameville. Todos os dias eu ía até lá parabuscar o almoço dele, porém logo não quismais a comida dizendo sentir vontade de sealimentar com coisas diferentes. Mudamos

para comida t.ail~desa. e lá ia eu bus~ar .acomida. DepOls fOl a chmesa, francesa, ltah-ana e por fim nada mais o satisfazia. Houveum dia em que cheguei a trazer cinco pratosdiferentes e nem um foi aprovado. Por fim,já cansada, pedi a Deus que me desse umaluz e logo surgiu a idéia de trazer lagosta aqual ele aceitou e comeu com o maior pra-zer. Sua mãe, que neste meio tempo já esta-va irritada de me ver entrar e sair do hospi-tal, pois fazia 10° abaixo de zero, e toda horaeu tinha que colocar casacos e luvas, falou:

_ Você não pode fazer isso Cazuza. Ofrio lá fora está insuportável. Você tem quedecidir o que você quer ... Só você, Ana, parater essa paciência toda. E inacreditáve1 queum ser humano seja tão paciente.

... Apenas sorri e pensei: eu não sou pa-ciente, mas Cristo em mim me toma muitomais que paCIente e assim eu fui a cada diaexercitando a paCIência que Cristo me dera.... Era uma noite de segunda-feira quan-do Cazuza começou a tossir. No começo nãoestranhei pois era rotina, porém logo percebique cada vez mais ele perdia a respiração.Rapidamente coloquei-lhe a máscara de oxi-gênio, mas não surtiu efeito. Percebi que era

Page 30: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

algo muito mais sério. Apertei a campainhae logo chegaram no quarto duas enfermeirasqúe lhe aplicaram a medicação sas, espe~raram alguns minutos, como não houve rea-ção chamaram o médico o qual pediu Comurgência para colher uma gasometria, logosaiu o resultado que não foi favorável, omédico analisou, pediu a presença de toda aequipe que após conversarem entre si e tor-nar a examiná-Io chamaram em particular seuJoão Araújo e dona Lucinha Araújo e disse-ram-Ihes:

- a que nós podíamos fazer fizemos,porém fomos vencidos, ele só tem duas ho---------- --ras de vida.

Eu ainda não sabia da notícia, quandodona Lucinha Araújo me abraçou e choran-do falou-me:

- Ele não tem esse poder, disseram quemeu filho só tem 2 horas de vida ....

- Deus é vida e só Ele pode nos darprazo determinado para viver, não chore não.Vamos confiar Nele.

.- Eu não quero que meu filho morra,_por favor Ana, ore e peça a seu Deus ..

- a que mais eu tenho feito é isso.- (Limpando as lágrimas). Eu voú com

49

o João Araújo para o hotel, ele falou-me quenão quer ficar aqui vendo o filho morrer sempoder fazer nada. . .

- Isso, vá. Qualquer COisaeu aVISO.a clima era de total desespero, todos

chorando desacreditados e eu pedindo aomeu Deus que me desse força no meio detanta fraqueza e suprisse a minha fé, onde jánão existia nada que me ajudasse a crer. Asduas horas da manhã dona Lucinha Araújome ligou e o quadro clínico era o mesmo,Eediu-me novamente que orasse, pOISo so-nho de Cazuza era morrer no Brasil, ais quede tanto amava. Fa ei para ela pedir a Deustambém ~onfiar. Deus ouviu nosso clamor.Quase às três da m~ã, ele abriu os olhos, eolhando-me falou:

- ai Ana, o que houve? Que horas são?- São duas e quarenta e cinco da ma-

_Loucura! Eu apaguei, perdi até o jan-

- É! Realmente você apagou e nos deuo maior susto, mas graças a Deus está me-lhor.

- Melhor e com fome. Descola alguma

~

Page 31: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

- Tudo bem, é para já.Ap~s alimentar-se, liguei para os pais

dele e deI a maravilhosa notícia, foi alegriato~al.para n6~ e espanto geral para a equipe~edIca que dIsse que era impossível ele estarVIVO,quando lhe deram apenas duas horasde vida ... Aleluia!.•..O Deus que eu sirvo é oDeus do impossível e onde o homem col"õ:car um ponto final, Ele, com suas mãos po-derosas, coloca uma vírgula.

TENHO ESPERANÇA.FIZ O QUE PUDE- RIo DE JANEIRO -

Como estava visível a todos nós, oquadro clínico de Cazuza dificilmen-te o deixaria iniciar a medicação com

o DDI. Resolvemos voltar para o Brasil. SeuJoão A;ãújo conversou com a equipeIDédi-ca e eles concordaram com a nossa decisãoe no dia 09 de março de 1990 chegamos ao-------------------....::::...----Rio de Janeiro. Fomos direto para o aparta-mento dos paIS, pois o do Leblon, donaLucinha Araújo resolveu entregar por nãoter mais condição dele residir lá sozinho.

Assim que se viu em seu país,_CazJlza....já demonstrou certa alegria gue não dernons-

1[;ra no período em que esteve nos EstadosUnidos. Era nítido a paixão exagerada queele tinha pelo Brasil.

- Não é patriotismo exagerado Ana, é

Page 32: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

amor mesmo. Não existe no mundo povomais caloroso que o brasileiro, não sei quan-to tempo eu ainda tenho de vida, por isso eunão quero perder tempo, quero passear emCopacabana, tomar água de coco, ir à Barrada Tijuca; eu quero sentir o meu país.

E realmente todos os dias à tarde eleme chamava para sair, íamos à Barra, tomá-vamos água de coco, em outros dias íamosao shopping, onde ele mesmo gostava de com-prar suas roupas, livrarias também freqüen-távamos muito, pois ele nunca abriu mão deuma boa leitura; assim eram os dias dele.Após voltar dos Estados Unidos era notávela sua sede de viver, parece que ele pressen-tia que era tudo ou nada.

No dia dois de julho, observando-o dor-mir, 'Seilti Deus falar dentro de mIm que osdIas estavam se findando. Logo que entreino quarto, o médico, me mostrou os examesque apontavam taxas muito baixas deplaquetas, glóbulos brancos e etc ...

- Ore para o seu Deus, porque as coi-sas estão ruins, eu já não acredito em melho-ras.

- Vamos orar, o Senhor também podeorar.

53

Após aquele relato fiquei muito preo-cupada e comecei a insistir para que ele to-masse uma decisão ao lado de Cristo. Nodia dois de julho saímos de carro com o se-gurança e alguns amigos em direção à Barrada Tijuca e São Comado. Em um momentoem que ninguém prestava atenção ele medisse:

- O dia está lindo!_ Realmente esta tarde está esplêndi-

_ Não sei, mas me deu saudades dotempo de criança, a gente cresce; é tão estra-nho. Olha quanta gente que vai e vem nessecalçadão, cada um teve uma infância, umahistória. O cenário da minha história é essalinda cidade, o Rio de Janeiro. E eu sintoque faltam poucas cenas para terminar essahistória, eu estou me despedindo do Rio deJaneiro.

- Que bobagem, pense positivo._ Fala baixo para que eles não escu-

Senti uma tristeza muito grande em seusolhos e falei novamente dO.J?lanode salva-_ção. No dia seis fiquei com ele durante a~ e percebi novamente aquela tristeza no

Page 33: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

54

olhar, voltei a falar-lhe de Jesus Cristo. Dis-se-lhe que o amava muito ~ que nós iríamosnos encontrar de novo no céu se ele aceitas-se a Jesus. Ele estava muito fraco e não r~pondeu, insisti.

- Cazuza escute, é importante que vocêtome uma decisão, tem que ser agora, temque ser já. Você está partindo e precisa deuma decisão ao lado de Cnsto. Você não-pode perder tempo.

- Eu sei. É importante dizer isso a você?- Não, Fale para Jesus que você o acei-

ta como Salvador e Senhor em seu coração~Ele balançou a cabeça e eu não insisti

mais, pois percebi que chorava, sentei juntoà cabeceira da cama e, passado algum tem-po, ele concluiu:

- Você me disse que o ladrão da cruzaceitoü a JesliSila ultIma hora. ------ Sim, é verdade.

Após essa nossa conversa ele ficou porum tempo em silêncio e logo adormeceu. Aoamanhecer entreguei o meu plantão e horasdepois fui para casa, mas algo falava dentrode mim: você caminhou a segunda milha.Sentia que era Deus quem me dizia tais pa-lavras. No dia 07 quando retomava ao apar-

tamento de seus pais, o porteiro me deu anotícia que ele havia falecido. Tornei o ele-vador e ao chegar ao 1T andar, a enfermeirame confirmara a notícia dizendo-me que elepassou muito mal durante a noite e mais oumenos às sete e dez da manhã faleceu. Logoapareceu dona Lucinha Araújo que me abra-çou chorando disse-me:

- É Ana, o NOSSO GAROTINHO sefoi, se foi ...

Todos que testemunharam sua morter-

_dizem que ele morreu tranqüilo. , -'

Page 34: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

DOIS MESES,APOS SUA MORTE

Umamigo da área de saúde me convi-dou para assistir uma palestra sobre

...A1DSno Hospital Albert Einstein emSão Paulo. Era uma tarde cinzenta, e cami-nhando pelas ruas de São Paulo eu recorda-va com saudades os meses que passei comCazuza naquela cidade.

Ao chegar naquele auditório, já reple-to, sentei-me e prestei atenção em tudo oque o palestrante falava. Já no final da pa-lestra ele fez um comentário sobre uma frase.Rue o Cazuza falara para ele: "Minha enfer-meira me transmite paz e só Jesus dá essapaz". Ao término, saí andando pela tardecinzenta de 'Sampa' com aquela frase repe-tindo em minha cabeça: "Minha enfermeira-me transmite paz e só Jesus dá essa paz".Sorri baixinho e disse:

- Obrigada Jesus ... Obrigada!

Page 35: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

Conviver com o Cazuza, no períodomais crítico de sua vida, foi para mim cami-nhar a segunda milha, como está escrito noevangelho de Mateus, capítulo 5, versículos40 e 41, que diz assim: "Ao que quiser plei-tear contigo e tirar-te o vestido, larga-lhe tam-bém a capa. E qualquer que te obrigar a ca-minhar um milha, vai com ele duas". Issoquer dizer que temos uma grande responsa-bilidade em cuidar do nosso próximo.

Jesus nos ensina que devemos amar opróximo como a nós mesmos. Mesmo queeu não fosse enfermeira, ainda assim, teria aresponsabilidade de falar do amor de Deusàs pessoas que não o conhecem. Hoje, Deuscontinua chamando pessoas como fez comAbraão: "Eu farei de ti uma grande nação;abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; etu, sê uma bênção. Abençoarei os que te aben-

Page 36: Fiz Parte Desse Show - Cazuza - Livro - Ana Maria Costa

çoarem e amaldiçoarei aquele que te amal-diçoar; e em ti serão benditas todas as famí-lias da terra" (Gênesis 12:2,3). ComoAbraão, ~cê também é chamado para ser

..Ema bênção no lugar onde está. No pas~do, Deus chamou Abraão, mas ele não foi oúnico ..'lHe recebeu de Deus destaque--.. --

A história bíblica conta de centenas dehomens e mulheres que foram chamados porDeus. Meus queridos irmãos, quando Deuschama, Ele o faz para abençoar ricamentesua vida. Portanto, seja você um represen-tante de Deus aqui-na terra, que pregue àSua Palavra com poâer, sem nenhum pre-conceito, aos homossexuais, prostitutas, vi-ciados em drogas, árabes, judeus, africa-nos, ... a qualquer pessoa, sem olhar a classesocial, raça ou crença. Enfim, fale do amorje Jesus a todas as nações.

Vivi momentos difíceis com o Cazuza.Uma pessoa pública, bisexual declarado,usou drogas ainda bem jovem. As gravado-ras fizeram álbuns especiais que estão fa-zendo de Cazuza uma eterna lembrança. Elemorreu; continua vivo através de músicas

. que revelam a inquietação desta geração.Com toda a sua inquietação, Ele parou para

61

ouvir e ouviu a Palavra de Deus., Após uma'crise respiratória, onde ele quase morreu,após melhorar, Cazuza confessou::'Eu que-ro aceitar Jesus" e orou comigo assim: "Eu,------ ----Cazuza, um pecador, me arrependo dos m~~cados. Nesse momento, reconheço queDeus enviou Seu Filho para morrer por mim.Agora eu entendo que Jesus morreu na cruz,derramando o seu sangue para me salvar.Nesse momento, eu te peço Senhor Jesus,que me receba como filho~s, eu te acei-to pela fé no meu coração":-

Dei graças a Deus quando Cazuza fezessa oração, mais ainda continuei falandodo amor de Deus a ele e à sua família. Nofundo, eu gostaria que houvesse tempo paraser publicado na imprensa essa decisão. Nãohouve tempo, por isso nos meus últimosmomentos com ele, ele me falou sobre o la-------------drão da cruz, que foi salvo por Jesus naque- ~le mesmo momento.

r Quero te convidar, prezado leitor, afazer como Cazuza. Aceite Jesus em seucoração, pela fé. Faça a oração que Cazuzafez, colocando o seu nome ...

Não deixe para o último~mento, ok? \~ -