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As Grandes Economias Departamento de Prospectiva e Planeamento FINLÂNDIA: UMA APOSTA NA GLOBALIZAÇÃO E NA TECNOLOGIA Factores de Sucesso e Desafios Futuros Carlos Figueiredo; João Dias 9 1. INTRODUÇÃO Após severa crise no início dos anos 90, a Finlândia entra num período de acelerado crescimento económico na segunda metade da década que se mantém até ao momento presente (desde 1994 a Finlândia tem crescido aproximadamente a uma taxa anual de 5%), com crescimentos de produtividade acima mesmo dos EUA e conquistando nos rankings internacionais o estatuto de uma das economias mais competitiva do mundo. Segundo o World Competitiveness Yearbook 2003 do Institute for Management Development (IMD), a Finlândia foi considerada a terceira economia mais competitiva do mundo, caindo em 2004 para o oitavo lugar 10 . Em termos sociais, a Finlândia é dos países desenvolvidos que apresenta uma distribuição mais igualitária do rendimento. E ao contrário dos EUA, a transformação para a sociedade da informação na Finlândia não aumentou o nível de injustiça ou exclusão social. Sendo a Finlândia, à semelhança de Portugal, um país pouco povoado, com cerca de 5,5 milhões de habitantes (metade da população portuguesa) e relativamente periférico, o estudo das razões do “milagre económico” finlandês revela-se de extrema importância para a economia portuguesa. A ideia não é olhar para o caso finlandês como um modelo a copiar, mas sim tentar ver em que medida a experiência de sucesso daquele país pode ajudar Portugal a encontrar o seu próprio caminho no sentido de um crescimento sustentável. Do estudo que temos vindo a realizar da economia finlandesa, quatro grupos principais de razões parecem-nos explicar este “milagre económico”, são elas: (i) circunstâncias históricas que explicam o enraizamento de determinados valores na população finlandesa; (ii) aposta nas TIC, considerada como desígnio nacional; (iii) existência das social capabilities necessárias ao investimento e exploração das novas tecnologias (por um lado, um quadro 9 [email protected] e [email protected] Os autores agradecem a excelente colaboração prestada pelo Núcleo de Informação e Comunicação em todo o trabalho de edição do texto, bem como ao Dr. Félix Ribeiro e Dr. Paulo Carvalho pelos valiosos contributos prestados. 10 Esta descida deve-se essencialmente a ter passado da segunda posição no critério business eficiency, em 2003, para décimo no ano seguinte.

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As Grandes Economias

Departamento de Prospectiva e Planeamento

FINLÂNDIA: UMA APOSTA NA GLOBALIZAÇÃO E NA TECNOLOGIA Factores de Sucesso e Desafios Futuros

Carlos Figueiredo; João Dias9

1. INTRODUÇÃO

Após severa crise no início dos anos 90, a Finlândia entra num período de acelerado crescimento económico na segunda metade da década que se mantém até ao momento presente (desde 1994 a Finlândia tem crescido aproximadamente a uma taxa anual de 5%), com crescimentos de produtividade acima mesmo dos EUA e conquistando nos rankings internacionais o estatuto de uma das economias mais competitiva do mundo. Segundo o World Competitiveness Yearbook 2003 do Institute for Management Development (IMD), a Finlândia foi considerada a terceira economia mais competitiva do mundo, caindo em 2004 para o oitavo lugar10.

Em termos sociais, a Finlândia é dos países desenvolvidos que apresenta uma distribuição mais igualitária do rendimento. E ao contrário dos EUA, a transformação para a sociedade da informação na Finlândia não aumentou o nível de injustiça ou exclusão social.

Sendo a Finlândia, à semelhança de Portugal, um país pouco povoado, com cerca de 5,5 milhões de habitantes (metade da população portuguesa) e relativamente periférico, o estudo das razões do “milagre económico” finlandês revela-se de extrema importância para a economia portuguesa. A ideia não é olhar para o caso finlandês como um modelo a copiar, mas sim tentar ver em que medida a experiência de sucesso daquele país pode ajudar Portugal a encontrar o seu próprio caminho no sentido de um crescimento sustentável.

Do estudo que temos vindo a realizar da economia finlandesa, quatro grupos principais de razões parecem-nos explicar este “milagre económico”, são elas: (i) circunstâncias históricas que explicam o enraizamento de determinados valores na população finlandesa; (ii) aposta nas TIC, considerada como desígnio nacional; (iii) existência das social capabilities necessárias ao investimento e exploração das novas tecnologias (por um lado, um quadro

9 [email protected] e [email protected] Os autores agradecem a excelente colaboração prestada pelo Núcleo de Informação e Comunicação em todo o trabalho de edição do texto, bem como ao Dr. Félix Ribeiro e Dr. Paulo Carvalho pelos valiosos contributos prestados. 10 Esta descida deve-se essencialmente a ter passado da segunda posição no critério business eficiency, em 2003, para décimo no ano seguinte.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 10

macroeconómico estável e os incentivos para o investimento nas novas TIC, por outro, níveis educação e competência técnica elevados que permitem a efectiva exploração destas tecnologias) e (iv) papel crucial da Nokia que enquanto actor de referência à escala global no sector das telecomunicações foi determinante para a afirmação do cluster TIC na Finlândia.

No resto do artigo discorreremos pelos quatro pilares do modelo económico finlandês,

começando pelas circunstâncias históricas (ponto 2), seguindo-se a aposta nas TIC como

desígnio nacional (ponto 3), a existência de social capabilities (ponto 4), o papel da Nokia

enquanto actor fundamental para afirmação do cluster das TIC finlandês (ponto 5) e, antes

de concluir (ponto 7), abordaremos alguns riscos que podem ameaçar a continuação do

sucesso económico da Finlândia, bem como a sua liderança enquanto sociedade de

informação (ponto 6).

Quadro 1

COMPETITIVIDADE DA FINLÂNDIA MEDIDA SEGUNDO O IMD

ECONOMIC PERFORMANCE 31

Economia Doméstica 19

Comércio Internacional 41

Investimento Internacional 11

Emprego 46

Preços 35

EFICIÊNCIA DO GOVERNO 4

Finanças Públicas 10

Política Fiscal 37

Enquadramento Institucional 4

Legislação Económica 6

Enquadramento Societal 1

EFICIÊNCIA EMPRESARIAL 10

Produtividade 15

Mercado de Trabalho 22

Área Financeira 10

Práticas de Gestão 6

Atitudes e Valores 1

INFRA-ESTRUTURA 7

Infra-estrutura Básica 21

Infra-estrutura Tecnológica 11

Infra-estrutura Científica 10

Saúde e Ambiente 16

Educação 1

Fonte: IMD – World competitiveness Yearbook 2004.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 11

Gráfico 1

Fonte: Castells e Himanen (2002).

Nota: Injustiça Social medida pelo rácio dos 20% mais ricos sobre os 20% mais

pobres. Quanto maior o valor, mais desigual a distribuição de rendimento no país. As

duas últimas colunas foram calculadas como médias simples dos países para os

quais haviam dados disponíveis.

2. HISTÓRIA E VALORES

2.1. Um pouco de história

Até meados do século XII, a área geográfica correspondente à actual Finlândia era um vácuo

político; no entanto, apelativo tanto para o seu vizinho ocidental – a Suécia e a respectiva

Igreja Católica – como para o vizinho oriental – Novgorod (Rússia) e a respectiva Igreja

Ortodoxa Grega. A Suécia acabou por levar a melhor na disputa por aquele território e, em

1323, é assinado um tratado de paz entre os dois países que atribui apenas a Finlândia

oriental à Novgorod. As partes ocidental e a sul da Finlândia ficaram ligadas à Suécia e à

esfera cultural da Europa Ocidental. A cidade de Turku, fundada em meados do século XIII,

tornou-se o centro mais importante da Finlândia

A Reforma iniciada por Lutero no início do século XVI atingiu também a Suécia e a Finlândia,

acabando a Igreja Católica por perder a sua influência a favor do Luteranismo. A Reforma

contribuiu bastante para o florescimento da cultura linguística finlandesa. O Novo

Testamento foi traduzido para finlandês em 1548 e a Bíblia completa em 1642.

Durante o período de 1617-1721 a Suécia tornou-se uma grande potência, estendeu a sua

influência ao longo do Báltico e conseguiu, graças à fraqueza Russa, empurrar a sua fronteira

oriental mais para leste. No século XVII, a autoridade Sueca foi estendida a toda a Finlândia.

Os altos cargos da administração pública eram na maioria das vezes atribuídos a Suecos, o

que contribuiu para a afirmação da língua Sueca na Finlândia.

Injustiça Social

3,6

9 9,6

5,8

13,5

0

2

4

6

8

10

12

14

Finlândia EUA Singapura Ec.Desenv. Resto Mundo

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 12

Quando a Suécia perdeu o estatuto de grande potência no início do século XVIII, a pressão

Russa sobre a Finlândia aumentou, e a Rússia acabou por conseguir a Finlândia na guerra de

1808-09 contra a Suécia.

Durante o período de dominação Sueca a Finlândia não era mais do que um conjunto de

províncias, muito longe de uma verdadeira entidade nacional. A Finlândia era então

governada de Estocolmo – a capital das províncias Finlandesas na altura. Num balanço

destes séculos de domínio sueco pode afirmar-se que a Finlândia permaneceu relativamente

pobre e subdesenvolvida em comparação com maioria dos restantes países da Europa

continental. Houve, no entanto, impactos positivos da ligação à Suécia que importa referir.

Na verdade, foi por graças à Suécia que a Finlândia entrou em contacto com a Reforma

Luterana, adquiriu à semelhança dos seus vizinhos ocidentais uma administração moderna,

bem como uma agricultura baseada num campesinato independente.

Quando a Finlândia foi anexada à Rússia em 1809 tornou-se num Grão-ducado autónomo,

tendo como Grão-duque o imperador Russo Alexandre I (de 1809-25) que, por sua vez,

tinha um Governador Geral como seu representante na Finlândia.

O Senado era a principal instituição governativa da Finlândia, e os seus membros eram

finlandeses. Todas as matérias respeitantes à Finlândia eram apresentadas directamente ao

imperador em St. Petersburgo, ficando as autoridades russas completamente afastadas

deste processo.

O imperador Russo e Grão-duque da Finlândia Alexandre I concedeu, deste modo, ampla

autonomia à Finlândia. A Igreja Luterana manteve a sua influência no país, bem como o

sueco, mantido como língua oficial11. Em 1812, Helsínquia tornou-se a capital da Finlândia e

a universidade, que tinha sido fundada em Turku em 1640, mudou-se para Helsínquia em

1828. Neste quadro de autonomia a Finlândia teve possibilidade de construir de forma

independente as suas próprias instituições nacionais: moeda, legislação e administração,

etc..

No entanto, até 1860s, a Finlândia permaneceu um país fundamentalmente pobre e agrícola,

no qual milhares de pessoas morriam à fome (Kasvio, 2001)12. Só posteriormente se deu a

Revolução Industrial, que teve especial impacto nas serrações de madeira – indústrias que

registaram maior crescimento. Um pouco mais tarde também as produções de pasta e papel

arrancaram. O período de expansão industrial continuou até à I Guerra Mundial, altura em

que a máquina de guerra russa precisava de praticamente tudo o que as fábricas finlandesas

conseguiam produzir.

Ao longo do século XIX, a língua e cultura finlandesas começaram a florescer e o sentimento

nacional finlandês foi subindo de tom, bem como as reivindicações de independência política.

11 Embora em 1863 o finlandês se tenha tornado língua oficial, o sueco manteve a sua posição dominante até ao início do século XX. 12 Historical roots of the Finnish Information Society, p. 3.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 13

Ao responder com medidas repressivas, a Rússia só contribuiu para intensificar o movimento

nacionalista.

Em 1906 a Finlândia conseguiu estabelecer uma nova constituição baseada em sufrágio

universal – as mulheres finlandesas foram as primeiras da Europa a ter direito de voto. Após

a Revolução Russa de Outubro de 1917, a Finlândia declarou-se independente em Dezembro

desse mesmo ano.

Apesar da separação da Rússia ter decorrido de forma pacificada, uma sangrenta guerra civil

entre a burguesia e as forças socialistas estoirou na Finlândia. Depois da guerra a Finlândia

passou a estar orientada principalmente para a Alemanha, ao passo que novos mercados de

exportação para a indústria florestal finlandesa foram encontrados fundamentalmente no

Reino Unido e noutros países da Europa ocidental. Na verdade, a economia finlandesa

encontrava-se muito concentrada em torno da exploração dos ricos recursos florestais do

país. E como o país permanecia fundamentalmente agrícola, com a maior parte da população

a viver no campo, não havia dimensão para desenvolver a indústria de bens de consumo de

larga escala.

2.2. A política Externa

Em termos de política externa, após ter conseguido a independência a Finlândia começou por

seguir uma política baseada na cooperação com a Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia; a Liga

das Nações já era o pilar da política de segurança finlandesa nos anos 1920s. Quando a

incapacidade da Liga das Nações para assegurar a paz no mundo se tornou evidente nos

anos 1930s, a Finlândia reorientou-se para a Escandinávia.

Em 1939, a Alemanha e a Rússia assinaram um pacto de não agressão que incluía um

protocolo secreto relegando a Finlândia para a esfera de interesse soviética. Quando a

Finlândia recusou à União Soviética a construção de bases militares no seu território, os

segundos violaram o pacto de não-agressão de 1932 e atacaram a Finlândia no final de

Novembro de 1939. Esta “Guerra de Inverno” terminou com a assinatura de um tratado de

paz em Março de 1940, cedendo à União Soviética a parte sudeste da Finlândia.

Quando a Alemanha invadiu a União Soviética no verão de 1941, a Finlândia entrou na

guerra como cooperante com a Alemanha. Esta guerra, designada “Guerra de Continuação”,

acabou com um armistício em Setembro de 1944.

Durante a II Guerra Mundial a Finlândia bateu-se por manter a sua independência nas duas

guerras face a Rússia. Desde o final da II Grande Guerra, a Finlândia tem prosseguido uma

política de neutralidade e de alianças não militares.

2.3. A Economia Finlandesa: do pós II GM ao fim de 1980s

No final da II Guerra Mundial cerca de metade da população finlandesa vivia das indústrias

primárias e o nível de urbanização era baixo. A Finlândia era um país relativamente pobre,

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 14

especialmente quando comparado com a vizinha Suécia. No entanto, por volta dos anos

1950s e 1960s o país passou por um acelerado processo de modernização industrial, que foi

complementado por uma extensiva migração de populações do norte e leste rural para áreas

urbanas situadas nas partes mais a sul e ocidente do país (Kasvio, 2001, p. 5)13. Como o

nível educacional destas pessoas era muito baixo, foi criado um amplo sistema de educação

geral e vocacional. O nível de investimento na economia finlandesa foi bastante elevado

nestas décadas (apenas atrás do Japão de entre todos os países industrializados) e o ritmo

de crescimento económico situou-se acima da média Europeia. A indústria florestal continuou

a ser o sector exportador dominante. Contudo, no pós II Guerra Mundial ocorreu uma

diversificação da estrutura industrial finlandesa associada ao desenvolvimento das indústrias

de bens de consumo modernas e à exportação para os mercados de leste (Kasvio,

2001, p.5).

Uma dupla especialização caracteriza o padrão de relações comerciais externas da Finlândia

nas décadas posteriores à II Guerra Mundial. A Finlândia exportava para os mercados

ocidentais produtos da sua indústria florestal e maquinaria relacionada, enquanto para os

mercados de leste as exportações consistiam em inúmeros produtos de engenharia, barcos,

têxteis, etc.. As importações finlandesas do ocidente consistiam de diferentes tipos de

produtos tecnológicos sofisticados e bens de consumo de alto nível, ao passo que petróleo,

matérias primas e produtos industriais mais robustos constavam entre as principais

importações do leste. Como o comércio com o leste era baseado em acordos bilaterais de

longa duração, as exportações para o leste acabam em parte por compensar as flutuações

sazonais nos mercados ocidentais (Kasvio, 2001, p.5).

No pós II Guerra Mundial o Estado Finlandês começou a produzir telecomunicações

principalmente para o exército finlandês e mercados civis, bem como para exportação para a

União Soviética. O crescimento da industria electrónica de consumo na Finlândia deveu-se à

rápida expansão da procura interna nos finais dos anos 1950s, que ganhou novo fôlego com

a expansão da produção de TVs a cores nas décadas de 1970s e 1980s. Por essa altura

surgiram também um conjunto de novas empresas que começaram a produzir diferentes

tipos de produtos electrónicos. Ainda assim, o peso da indústria electrónica na sua totalidade

permaneceu bastante marginal em relação às engenharias e indústria florestal.

2.4. A crise económica do início dos 1990s

A Finlândia atravessou uma grave crise económica no início dos anos 1990s. Os primeiros

sinais começaram mesmo em 1990, quando as principais empresas finlandesas começaram a

perder quota nos seus mercados de exportação e os seus resultados entraram no vermelho.

O desabamento aconteceu mesmo em 1991, aquando do colapso do império Soviético e a

Finlândia perdeu quase totalmente os seus mercados de exportação. A incerteza que na

altura reinava na região levou muitos investidores a adiar, ou mesmo cancelar, os

investimentos previstos. As empresas começaram a reduzir o número de trabalhadores e a

13 Historical roots of the Finnish Information Society, p. 3.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 15

encerrar actividades não rentáveis. O PNB em 1991 caiu mais de 6%, a taxa de desemprego

aumentou de menos de 4% para mais de 10%. As contas públicas, até então superavitárias,

passaram rapidamente a apresentar um défice profundo. A moeda finlandesa, o Markka, saiu

também fortemente afectada, em pouco tempo perdeu perto de 40% do seu valor.

Esta súbita desvalorização da moeda apanhou de surpresa particulares e empresas que

tinham contraído grandes empréstimos no exterior, confiantes que estavam que o Markka

iria continuar a valorizar-se. Este quadro conduziu a banca finlandesa para uma grave crise,

tendo o Estado de intervir, concedendo avolumados subsídios, para salvar a solvabilidade de

muitos bancos, o que agravou ainda mais o já acentuado défice público (Uusitalo, 1996).

2.5. Sistema de Valores

Contrariamente à maioria dos economistas do mainstream, que tendem a ignorar a

importância dos factores culturais nos processos de desenvolvimento económico,

defendemos aqui que determinadas circunstâncias da história da Finlândia levaram ao

enraizamento de certos valores e atitudes no seio da sua população e sociedade favoráveis

ao desenvolvimento económico.

Adoptámos um pouco a linha defendida pelo famoso historiador económico, David S. Landes

no seu livro “The Wealth and Poverty of Nations: Why Some Are So Rich and Some So Poor”

(1998), que propõe como principal resposta para a questão levantada no livro o facto de um

pequeno número de características culturais gerais contribuir para o florescimento económico

de determinado país. Assim, as sociedades que valorizam fortemente atributos como o

trabalho, poupança, honestidade, paciência e persistência tendem a ser bem sucedidas,

enquanto sociedades com valores e hábitos menos disciplinados podem não prosperar

mesmo que disponham de boas condições naturais.

As instituições (formais), entendidas como as regras do jogo ou a estrutura de incentivos

existentes numa sociedade, influenciam certamente o comportamento/atitude dos agentes

económicos. Contudo têm de ser criadas, implementadas e o seu cumprimento fiscalizado. É

possível que com o tempo, e caso os indivíduos tenham sido envolvidos na sua definição

e/ou concordem com as regras em questão, elas venham a ser interiorizadas, dispensando a

sua monitorização. O que David Landes nos diz, à semelhança de Douglass North, é que

nalgumas sociedades estas instituições são informais, estão interiorizadas no sistema de

valores das pessoas, o que as torna muito mais efectivas, pois podem dispensar a sua

definição formal sob a forma de lei, bem como o seu enforcement pelos tribunais e policia. E

isto apenas para aquelas regras que podem ser estabelecidas por decreto; há muitos

atributos/valores favoráveis ao bom funcionamento de uma economia e sociedade que não

podem ser impostos, têm antes de ser cultivados lenta e de forma reforçada no seio da

comunidade. As sociedades em que isto sucede possuem um poderoso activo designado na

literatura de capital social.

Mas que heranças do processo de evolução histórica da Finlândia podem ajudar a explicar o

milagre económico ocorrido neste país durante os últimos 10 anos?

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 16

A Finlândia tem sido habitada por imigrantes vindos de vários destinos e com diferentes

linhas genéticas: não apenas do Leste, mas também do ocidente e sul. Deste modo, em

termos genéticos os finlandeses não diferem muito dos restantes europeus ocidentais.

Assim, a diferença entre os finlandeses e países da Europa ocidental é cultural e não

genética.

A localização geográfica da Finlândia, bem a norte, e as austeras condições físicas nas quais

os Finlandeses foram forçados a viver exigiram-lhes disciplina e empenho para conseguirem

sobreviver em tais condições. Por outro lado, tornaram-nos muito mais solidários entre si. Na

altura em que a agricultura era a principal actividade económica, (sobre)viver num país com

tão árduas condições climatéricas não era possível senão mediante intensa solidariedade e

cooperação. Talvez o facto de os finlandeses terem, desde sempre, sido forçados a ser

solidários e a cooperar entre si explique aspectos da sociedade finlandesa como o apoio da

população a um sistema de welfare generoso e a sua capacidade para se concertarem e

chegarem a consensos em matérias determinantes da vida nacional. Por outro lado, para

além da apetência para cooperarem, levou ao desenvolvimento de elevados níveis de

confiança entre os vários actores sociais, gerando um valiosíssimo capital social que constitui

uma importante mais valia para o funcionamento de uma economia de mercado, na medida

em que reduz substancialmente a incerteza e minimiza os custos de transacção.

Os finlandeses desde há muito têm demonstrado uma enorme curiosidade e interesse por

inovações tecnológicas, que prontamente se têm disponibilizado a integrar no seu

quotidiano. Por exemplo, uma linha telegráfica foi construída de São Petersburgo a

Estocolmo ao longo da costa a sul da Finlândia logo no início do século XIX. As primeiras

demonstrações do telefone por Alexander Bell em Filadélfia contaram com a presença de

finlandeses em 1876, e pouco depois as primeiras linhas telefónicas eram instaladas na

Finlândia.

A electrificação começou igualmente bastante cedo naquele país; o terceiro gerador eléctrico

de Thomas Edison foi instalado em Tampere em 1882 para produzir corrente para alimentar

a primeira fábrica têxtil a electricidade da Europa. Na viragem do século dezenas de

associações ou empresas telefónicas independentes encontravam-se já a operar em

diferentes partes do país (Kasvio, 2001, p. 2-3)14.

Esta tradição cultural de grande receptividade a novas tecnologias pode em certa medida ser

explicada pelo facto de em condições climatéricas e físicas difíceis como as da Finlândia

(longas distâncias, baixa densidade populacional e invernos rigorosos), a sobrevivência

requerer que as pessoas sejam inovadoras e usem todos os instrumentos e/ou técnicas

possíveis de modo a conseguirem explorar da melhor forma possível os recursos da região.

14 Information society as a national project – analysing the case of Finland.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 17

Um outro traço cultural importante prende-se com o carácter igualitário da sociedade

finlandesa, que poderá ter facilitado o desenvolvimento e adopção de novas formas de

comunicação baseadas em contactos directos entre as pessoas independentemente da idade,

género, estatuto ou posição hierárquica.

Outra característica típica da Finlândia, que resulta da sua história muito marcada por longos

períodos de dominação estrangeira, diz respeito ao facto de as condições de existência

terem, por muitas vezes, mudado abruptamente em pequenos períodos de tempo. Como

país pequeno, os finlandeses foram forçados a avaliar as condições prevalecentes de forma

realista e a estar permanentemente preparados mesmo para reajustamentos radicais.

Esta capacidade estratégica de adaptação voltou a ser importante quando a Finlândia após a

grave crise de início dos anos 1990s deliberadamente se decidiu transformar numa sociedade

da informação avançada. Por outro lado, uma história marcada por sucessivos ataques à

soberania nacional desenvolveu um poderoso sentimento de patriotismo que viu na

afirmação económica um meio de fortalecer a autonomia e independência nacional. Este

aspecto poderá explicar a notável capacidade que a sociedade finlandesa teve de se

mobilizar em torno de uma estratégia/desígnio nacional, como foram as TICs15.

3. APOSTA NO CLUSTER TIC

Antes da aposta nas TIC que teve lugar nos anos 90, predominavam na Finlândia um

conjunto de clusters tradicionais muito centrados nos recursos naturais e factores

geográficos, com destaque para o florestal, minas/metalurgia, naval e energia16.

O cluster florestal era o mais importante e complexo. Desenvolve-se basicamente em torno

da transformação de madeira, com destaque para os produtos: pasta de papel, papel, cartão

e madeira serrada; e por uma presença cada vez mais forte em todos os segmentos de

equipamentos e maquinaria relacionados.

Para a viragem para as TIC contribuiu decisivamente a grave crise económica no início dos

90 que, ao tornar urgente uma solução, acabou por pressionar a adopção de uma opção que

havia já algum tempo vinha sendo pensada, mas que de outro modo não teria avançado de

forma tão acelerada e intensa.

Na verdade, algum investimento nas TIC vinha já desde os anos 80s, sendo concretizado

(como veremos adiante quando analisarmos a política tecnológica no ponto 4.3. (Sistema de

Inovação). A história do cluster TIC na Finlândia não começou só nos anos 90. Também já na

década de 80 a elite dirigente e intelectual discutia se a aposta nas TIC poderia, ou não,

constituir uma verdadeira opção estratégica. A crise, ao exigir uma solução, acabou, deste

modo, por impelir a arriscar na opção que estava mais na forja – as TIC.

15 Tecnologias de Informação e Comunicação.

16 A este propósito veja-se Luís, 2002, p. 351-57.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 18

A emergência do cluster TIC, para além de prioridade estratégica logo nos anos 80, tem

raízes bem mais profundas, nomeadamente na longa tradição finlandesa em matéria de

telecomunicações.

3.1. Tradição de liderança nas telecomunicações

A Finlândia desde cedo se tornou num dos mais competitivos mercados de operadores de

telecomunicações e produtores de equipamento. Os mercados de equipamento de

telecomunicações foram desde logo abertos aos produtores estrangeiros. E em 1930

existiam já cerca de 800 operadores privados de telecomunicações na Finlândia. Mesmo hoje

em dia existem por volta de 40 operadores com algum significado.

As origens desta excepcional estrutura de mercado remontam ao “Decreto Telefonia” de

1886, que distribuiu inúmeras licenças para operadores privados. Aquando da independência

em 1917, um operador telefónico público e regulador foi implementado para operar o

telégrafo e a rede telefónica militar deixada pelos russos.

Uma vez que os mercados de operadores de telecomunicações se encontram há já algum

tempo quase completamente desregulamentados e liberalizados (levando a Finlândia pelo

menos um avanço de cerca de três anos em relação aos restantes países industrializados),

as empresas finlandesas de TIC acumulam uma longa experiência de operar/funcionar num

ambiente competitivo, ao contrário da maioria dos sues competidores.

A estrutura de mercado com múltiplos operadores de pequena dimensão e apetência dos

finlandeses para este tipo de tecnologias tornou a Finlândia num excelente laboratório

experimental das mais avançadas tecnologias.

Quadro 2

DOMÍNIO ESTRANGEIRO DO MERCADO DE EQUIPAMENTOS (Quotas de mercado em 1975)

Ericsson (Suécia) 60%

Siemens (Alemanha) 25%

Televa (Finlândia) 8%

ITT (EUA) 7%

Fonte: Case Study: Little Finland’s Transformation to a Wireless Giant.

Para além de muito bem posicionada no mercado das telecomunicações, a Finlândia possuía

igualmente algum domínio das tecnologias digitais17 – ambos absolutamente vitais para a

erupção do GSM.

17 A digitalização representou um importante salto tecnológico em termos de voz, armazenamento, processamento e transmissão de dados.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 19

A tecnologia rádio, a par das telecomunicações e tecnologias digitais, foi um dos pré-

requisitos na construção de um sistema de telefones móveis. A este propósito importa referir

que o ensino universitário de tecnologia rádio havia começado já em 1920s (Rouvinen & Ylä-

Anttila, 2003, p.100)18.

3.2. O sector TIC

Tanto a estrutura industrial como a estrutura das exportações finlandesas sofreram uma

profunda mudança nos anos 90. Para além de crescer a um ritmo acelerado, chegando

mesmo a ultrapassar os EUA no final dos 90s (ver Gráfico 2), a indústria finlandesa sofreu

igualmente uma importante alteração qualitativa.

Gráfico 2

PRODUÇÃO INDUSTRIAL

(Finlândia, EUA, UE e Japão)

Fonte: Confederation of Finnish Industry and Employers.

O gráfico abaixo serve apenas para mostrar como, ao contrário do que aconteceu em países

como Portugal, o sector da construção perdeu importância face à restante indústria.

18 Case Study: Little Finland’s Transformation to a Wireless Giant.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 20

Gráfico 3

OUTPUT TOTAL POR GRANDES SECTORES DE ACTIVIDADE

Fonte: Confederation of Finnish Industry and Employers.

A estrutura industrial finlandesa, até ao início dos anos 90 intensiva em matérias primas,

capital, energia e escala, passou a ser em primeira instância intensiva em conhecimento. O

boom da electrónica foi de tal ordem que em menos de uma década este sector se tornou

simultaneamente o principal sector produtivo e exportador.

Gráfico 4

EXPORTAÇÕES FINLANDESAS POR RAMOS DE ACTIVIDADE

Fonte: Confederation of Finnish Industry and Employers.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 21

Estudos internacionais mostram que a Finlândia na dimensão tecnológica se encontra pelo

menos tão avançada como o Silicon Valley. Quando comparados usando o UN Technology

Achievement Index, a Finlândia lidera o ranking, ligeiramente à frente dos EUA.

Gráfico 5

Fonte: UNDP (2001).

Nota: O índice é composto por quatro componentes: criação de tecnologia, difusão de inovações recentes, difusão de inovações maduras (telefones, electricidade) e nível educacional.

A conjugação de vários factores conduziram ao boom das TIC na Finlândia. Havia um

ambiente fértil, um enorme potencial de expertise em áreas relacionadas com as TIC e, a

juntar a isto tudo, uma empresa que teve a visão e a capacidade de aproveitar uma

oportunidade e fazer as coisas acontecerem – a Nokia.

O cluster TIC centra-se na produção de equipamento de comunicações e fornecimento de

serviços. Na sua base encontram-se:

(i) uma multiplicidade de prestadores de serviços de telecomunicações e internet

(operadores de telecomunicações fixos e móveis, Internet Service Providers (ISP),

entre outros. Refira-se que estes actores e serviços correspondentes atravessam

uma fase caracterizada por uma elevada convergência, i.e. tem-se actores a oferecer

uma multiplicidade de serviços que resultam da convergência de serviços que no

passado se encontravam separados: TIC, serviços informáticos (softwares),

conteúdos e multimédia e internet);

(ii) um conjunto de empresas de electronic manufacturing services (EMS) [estas

empresas tendem a centrar as suas competências e actividades nucleares na procura

da optimização da eficiência produtiva, na gestão da cadeia de fornecimentos de

amplitude global e nas etapas relacionadas com o New Product Introduction (NPI)]

que fornecem a fabricantes originais de equipamentos (OEM) serviços de fabrico de

componentes e subsistemas, bem como de integração de sistemas complexos;

Desenvolvimento Tecnológico

0,744 0,733

0,585 0,581

0,279

00,10,20,30,40,50,60,70,8

Finlândia EUA Singapura Ec.Desenv. RestoMundo

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 22

(iii) um grupo de OEM de equipamento e software de telecomunicações que na Finlândia

é dominado pela Nokia, cujas competências nucleares se centram nas actividades de

concepção e desenvolvimento e na capacidade de afirmação de marcas próprias do

mercado (se pensarmos nas comunicações móveis, existem OEMs que concebem e

oferecem terminais móveis como a Nokia, a Samsung, e a Motorola, e OEMs

centradas na fabricação de circuitos integrados como a Texas, a Philips, a

STMicroelectronics e a Samsung);

(iv) produtores de software e conteúdos (sistemas operativos, aplicações empresariais e

de entretenimento/multimédia, jogos, entre muitos outros) para as

telecomunicações móveis/internet;

(v) empresas de consultoria e serviços informáticos, nomeadamente as especializadas no

e-business19.

A Figura 1 ilustra de forma esquemática o cluster TIC. As empresas incluídas nas key

industries formam o núcleo duro do cluster. As supporting industries asseguram inputs

personalizados e serviços, particularmente na subcontratação de determinadas partes e

componentes, electronic manufacturing services (EMS), instrumentos de automação e

precisão e canais de distribuição global eficientes. As universidades e centros de investigação

têm sido bem sucedidos na provisão de recursos humanos qualificados e I&D para uso do

cluster.

As indústrias relacionadas, com destaque para a de conteúdos digitais, e os utilizadores

finais, importantes por proporcionarem aos produtores de TIC e fornecedores de serviços um

mercado doméstico avançado para o desenvolvimento de produtos finais, constituem outro

importante pilar do cluster TIC.

19 Luís, 2002, pp. 360-61.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 23

Figura 1

O CLUSTER TIC

O cluster TIC ganhou, de facto, um grande peso na economia Finlandesa ao longo da década

de 90 (de 4% para 10%). A Nokia, que por si só é responsável por cerca de 1/5 das

exportações finlandesas, foi absolutamente crucial na afirmação do cluster TIC neste país.

Ainda que a acentuada dependência da Nokia constitua um risco efectivo, pelo menos a

economia finlandesa tem sido pioneira no aproveitamento/exploração da nova onda

tecnológica das TIC, com ganhos comprovados em termos de criação de riqueza/crescimento

económico, pelo menos a economia finlandesa passou a ter um segundo pilar para além das

tradicionais indústrias florestais. A Finlândia deu provas de se conseguir adaptar e de se

libertar da dependência dos recursos naturais. Para além de que sendo as TIC um sector

transversal pode facilmente ser aplicado noutros sectores.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 24

Gráfico 6

PRODUÇÃO INDUSTRIAL POR SECTORES

Fonte: Confederation of Finnish Industry and Employers.

Conjugando isto com o facto dos ganhos em crescimento económico e produtividade na

Finlândia terem sido essencialmente obtidos à custa da produção de TIC, e não tanto à sua

utilização (como aliás aconteceu nos EUA), persiste ainda uma boa margem de crescimento

com base numa maior utilização destas tecnologias, que passará pela sua aplicação a outros

sectores. Vários estudos mostram que a excepcional posição da Finlândia enquanto produtor

de TICs não tem equivalente enquanto utilizador.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 25

Quadro 3

SECTORES COM MAIOR CRESCIMENTO, 1993-2001

Indústria % (PIB)

1998

Cresc. Anual Productiv. % (horas trab.)

Cresc. anual produção % (v. acresc.)

Produtor TIC Equip. rádio e comunicações 3,5 15,3 35,1

Utilizad. TIC Activ. Complem. de financiamento 0,2 10,5 22

Produtor TIC Correios e telecomunicações 2,7 9,6 10,9

Utilizad. TIC Intermediação financeira 2,7 6,1 1,8

Forn. electricidade, água e gás 2,3 5,2 1,7

Prod/Utl TIC Maquinaria e equipam. eléctrico 0,9 4,7 7,7

Agricultura e floresta 3,7 4,7 1,7

Química 1,5 4,2 4,8

Metais de base 1,1 4,1 5,0

Outros veículos 0,3 3,7 8,9

Utilizad. TIC Gráfico e editor 1,5 3,4 3,2

Produtos derivados madeira 1,2 3,3 5,9

Produtos alimentares 1,9 3,1 1,5

Papel e paste de papel 4,1 3,1 3,9

Utilizad. TIC Outra maquinaria e equipamento 2,9 3,0 6,4

Utilizad. TIC Comércio por grosso e retalho 10,5 3,0 4,8

Minas 0,2 2,8 2,8

Total 41,4 5,1 7,1

Fonte: Ministry of Trade and Industry (2004).

No entanto, apesar de se ter alargado um pouco mais nos últimos anos, o cluster TIC

continua ainda algo especializado nas comunicações móveis. Por outro lado, à medida que a

inovação tecnológica e o investimento se difundem no cluster TIC finlandês, este acabará por

se tornar cada vez mais diversificado.

O facto de nos últimos anos a Finlândia ter atraído actividades de I&D de empresas como a

Ericsson, Fijitsu, IBM, HP, e Siemens, pode ser interpretado como um sinal da viabilidade do

seu cluster TIC.

Para além do forte peso que o cluster TIC ocupa na economia finlandesa, importa considerar

igualmente o investimento que há já algum tempo vem sendo feito nas biotecnologias, cujo

pólo principal se localiza na cidade de Turku. Assim, se a próxima “onda tecnológica” a

rebentar for a das biotecnologias, a Finlândia vai estar logo desde início na crista da onda,

aproveitando ganhos exclusivos dos first-movers, e o cluster das biotecnologia poderá

constituir o próximo motor de crescimento, tal como tem sido o das TIC na década de 90.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 26

A preocupação muitas vezes manifestada por vários analistas em torno da excessiva

dependência finlandesa face ao cluster TIC, deixaria no cenário acima mencionado de ter

razão de ser. Por outro lado, sendo a Finlândia um país pequeno não poderá aspirar nunca a

possuir um portfolio muito diversificado de actividades competitivas à escala global. Apostas

têm necessariamente de ser feitas, e de preferência boas apostas, pois delas depende o

sucesso económico do país e o nível de vida da sua população.

Quadro 4

PRINCIPAIS PARQUES DE C&T NA FINLÂNDIA

(TIC E Biotecnologias/Tecnologias da Saúde)

Fonte: Luís, A. (2002), p. 348.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 27

3.3. O Papel da Prospectiva na definição da estratégia de desenvolvimento

A prospectiva desempenhou um papel fundamental na definição de uma estratégia de

desenvolvimento nacional em torno das TIC.

Em 1992, com o País bem mergulhado numa severa crise socio-económica, a maioria dos

membros do Parlamento aprovou uma moção legislativa que passou a obrigar o Governo a

elaborar e fornecer ao Parlamento, em cada legislatura, um relatório prospectivo (a 5-15

anos) sobre a estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo. Em 1993, o Governo

entregou o primeiro relatório e o Parlamento nomeou um Comité do Futuro numa base

temporária com o objectivo de avaliar e comentar o relatório do governo20. O documento

prospectivo de desenvolvimento estratégico publicado em 1995 faz já referência à

necessidade da Finlândia se desenvolver com base no conhecimento e fazendo uso das

modernas tecnologias de informação e comunicação.

De 1993 a 2000 o Committee for the Future funcionou numa base temporária, adquirindo a

partir daí um estatuto permanente. Define-se como um “semi-political think-tank”, é livre

para definir a sua agenda de trabalhos e recorre muito a experts nacionais e estrangeiros. A

missão fundamental do comité é desenvolver e cultivar junto dos deputados, e na sociedade

em geral, uma nova forma de pensar e olhar para a realidade. De outro modo, o comité visa

alargar o campo de visão dos decisores políticos e ajudá-los a colocar as questões correctas.

A importância de pensar o futuro de forma sistematizada, de modo a suportar a elaboração

de uma estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo, revista regularmente, está

tão bem patente na sociedade finlandesa que se encontra até institucionalmente formalizada.

Para além da obrigatoriedade de elaboração e discussão de um relatório prospectivo em cada

legislatura no Parlamento, vinculando os decisores políticos a pensar a longo prazo, existem

muitas outras iniciativas do género para além das paredes do Parlamento. Uma delas,

terminada em 2003, é o projecto “Finland 2015”.

“Finland 2015” trata-se de um programa de formação e desenvolvimento para altos

decisores finlandeses em matérias relacionadas com o futuro da Finlândia. Visa alertar para

questões como: “que tipo de país queremos, nós finlandeses, no futuro?”, e “já estaremos a

tomar as decisões que terão efeitos tangíveis nas nossas vidas em 2015?”. O objectivo é

fazer da Finlândia uma das três mais bem sucedidas economias do mundo em 2010.

O programa inclui representantes dos diferentes segmentos da sociedade finlandesa, desde a

política, administração pública, sector empresarial, ONGs, media e investigação e

desenvolvimento. Foi o próprio Primeiro Ministro a dirigir os convites. Iniciado em 2000,

levou três anos a concluir e incluiu seis rounds em diferentes partes do mundo (Washington

20 Actualmente, o Comité é também responsável pelo Technology Assesment.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 28

D.C., São Francisco, Silicon Valley, Pequim, Berlim, Moscovo e Finlândia), nos quais

participaram cerca de 150 (25 por round) decisores de topo da sociedade finlandesa (líderes

nas respectivas áreas), bem como experts internacionais nas diversas matérias.

Do programa resultaram um conjunto de forças, fraquezas e ameaças, e tendências com que

o país se deverá defrontar nos próximos anos. Foi ainda apresentado um conjunto de acções

concretas que melhor permitem posicionar a Finlândia face a cada tendência.

Um projecto desta natureza – que coloca os mais altos representantes dos vários segmentos

da sociedade finlandesa a reflectir sobre que tipo de país quer a Finlândia ser no futuro e que

medidas deve desde já começar a tomar para atingir esse fim, tendo em conta as tendências

pesadas que deverão estruturar a economia mundial nos próximos anos – tem o mérito de

traçar uma orientação (para onde o país se quer dirigir nos próximos anos) e envolver os

principais decisores nesta reflexão, para que todos os sectores da sociedade congreguem

esforços e convirjam para um mesmo rumo.

Numa economia globalizada em frequente mudança, só uma condução com um olhar atento

em frente, e não apenas para o retrovisor, pode levar um país a ser bem sucedido.

4. SOCIAL CAPABILITIES

O conceito social capabilities contempla basicamente dois grupos de requisitos necessários

para um país poder tirar partido das tecnologias mais avançadas. Por um lado, um quadro

macro-económico estável que proporcione os incentivos certos para os agentes económicos

investirem no estado da arte da tecnologia, por outro, as competências educacionais e

técnicas necessárias à utilização dessas soluções tecnológicas. Decidimos ainda incluir uma

brevíssima referência ao welfare state finlandês, por pensar, à semelhança de Castells e

Himanen21, que o sistema de protecção social finlandês facilitou a transição para a economia

da informação. Deste modo, vamos de seguida olhar para a envolvente macro-económica da

economia finlandesa, bem como para o sistema de educação, de inovação e para o welfare

state.

4.1. Quadro Macro-económico

A Finlândia tem demonstrado uma excelente performance económica desde a severa crise

económica por que passou no início dos anos 90. O crescimento do PIB em termos reais no

período 1994-2000 atingiu quase 5% ao ano. A inflação manteve-se moderada, entre 1-3%

e as contas públicas têm sido nos últimos anos superavitárias. A balança comercial foi-se

tornando ao longo da década de 90 cada vez mais excedentária (ver Gráfico 7). Apesar da

Finlândia ter aderido à União Europeia apenas em 1995, foi dos primeiros países a cumprir

todos os critérios de convergência.

21 The Information Society and the Welfare State.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 29

Gráfico 7

Fonte: Realizado a partir de dados do Eurostat.

Gráfico 8

EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES DE BENS

Fonte: Bank of Finland.

Apesar do enquadramento externo desfavorável, a economia finlandesa continuou com um

desempenho comparativamente razoável nos anos 2001-02. Para o corrente ano prevê-se

uma aceleração do ritmo de crescimento que, segundo estimativas do FMI, se deverá situar

nos 2,6%22.

22 FMI (2003), Article IV Consultation with Finland.

Taxa Crescimento PIB Real

-2-101234567

95 96 97 98 99 0 01 02 03

UE 15FinlândiaEUAJapão

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 30

A produtividade registou também um crescimento espectacular nas últimas duas décadas.

Aliás, o acelerado crescimento económico na segunda metade dos anos 90 deve-se

precisamente à pesada contribuição da produtividade total dos factores. Desde 1980, a

produtividade cresceu a uma média de 2,6% comparada com 1,8% na vizinha Suécia e 1,5%

na zona Euro23. A Finlândia foi igualmente dos poucos países da OCDE que na década de 90

registou um surto no crescimento da produtividade.

Tanto o extraordinário crescimento do produto como da produtividade devem-se quase

exclusivamente ao sector das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) – a grande

aposta da economia finlandesa para superar a crise económica em que se encontrava

mergulhada no início dos anos 1990s. Pairam, contudo, algumas dúvidas quanto à

possibilidade deste sector continuar nos próximos anos a desempenhar o papel de motor de

crescimento. É de esperar que muito do ritmo de crescimento da economia finlandesa vá

depender da dinâmica que o sector das TIC apresentar à escala global, em particular, do

sucesso da telefonia móvel de terceira geração (UMTS-3G).

De referir que a existência de um justo e eficiente quadro legislativo e judicial têm sido

determinantes para a dinâmica de investimento em geral, e nas TIC em particular.

Acontece porém que enquanto o crescimento económico nos EUA na década de 90 se deveu

essencialmente à utilização das novas TIC, o extraordinário crescimento finlandês da

segunda metade dos anos 1990s teve na sua origem o dinamismo do sector responsável pela

produção das TIC; o nível de aplicação destas tecnologias na economia finlandesa pode

mesmo considerar-se decepcionante. Ora, resulta daqui que na maior utilização das TIC

reside ainda um considerável potencial de crescimento que pode, à priori, ser explorado com

relativa facilidade dada a elevada literacia tecnológica da população finlandesa.

Um dos desafios para a economia finlandesa passa, precisamente, pela sua capacidade de

utilização generalizada das TIC no processo produtivo.

Por outro lado, a economia finlandesa é capaz de não estar tão dependente das TIC como se

poderia, à partida, pensar. Para além do sector TIC, fortemente implantado na cidade de

Tampere, a Finlândia vem já apostando há algum tempo nas biotecnologias, cujo respectivo

cluster se encontra localizado na cidade de Turku. As autoridades finlandesas parecem

conscientes de que este investimento nas biotecnologias se trata de um investimento de

longa duração, que não dará frutos no muito curto prazo. Contudo, não deixa de ser

interessante esta aposta atempada, que permitirá à Finlândia marcar posição num sector que

poderá vir a ser um importante motor de crescimento a prazo. Este país parece seguir um

modo de desenvolvimento regional policêntrico, com diferentes clusters localizados em

diferentes partes do território, com especializações distintas e que funcionam como vários

23 OECD (2003), Economic Surveys – Finland, p.92.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 31

motores de crescimento económico. Por isto, somos levados a crer que o sucesso económico

da Finlândia, mesmo que abrande com um certo esgotamento da onda tecnológica das TIC,

estará assegurado no futuro assim que uma nova vaga associada às tecnologias da vida

emirja.

Recuando mais um pouco na cadeia de causalidade, na origem do acelerado crescimento do

produto e da produtividade está a ênfase colocada na ciência e tecnologia. No ranking da

OCDE designado Ciência, Tecnologia e Industria a Finlândia situa-se entre os países que mais

investem em I&D, cerca de 3,5% do PIB, bem como quando se considera o investimento em

conhecimento, que entra em consideração com as despesas com o ensino superior24. Os

gastos privados em I&D no sector das TIC em 2000 ultrapassaram 1% do PIB, a maior

percentagem de todos os países da OCDE. Do mesmo modo, a percentagem de inovações

relacionadas com as TIC no total de patentes registadas é a mais elevada de entre os países

da OCDE.

Uma das características, e factores de competitividade, das indústrias baseadas no

conhecimento é a sua rápida capacidade de inovação. Assim, para que estas industrias

floresçam é fundamental que as autoridades providenciem um ambiente favorável à

inovação. Como veremos adiante a Finlândia possui todo um conjunto de instituições que

tornam o enquadramento geral claramente favorável à inovação. O principal ponto negro

reside na elevada tributação incidente sobre o trabalho que reduz a atractividade do país

enquanto plataforma de localização de actividades baseadas em conhecimento e inovação,

bem como afugenta os trabalhadores altamente qualificados que vêm os seus salários

fortemente penalizados pela elevada progressividade do sistema fiscal.

Apesar do quadro macro-económico ser altamente favorável ao investimento, em geral, e ao

investimento em actividades intensivas em conhecimento, em particular, persistem na

economia finlandesa dois problemas que exigem respostas sérias em termos de política

económica – são eles o elevado nível de desemprego e o rápido envelhecimento da

população.

A taxa oficial de desemprego encontra-se acima dos 9%. O quadro resulta mais grave pelo

facto da grande maioria do desemprego ser considerado estrutural. Para tal contribuiu a

pesada tributação sobre o trabalho e a fraca diferenciação salarial, que tornam o trabalho

pouco qualificado comparativamente caro e, por conseguinte, difícil de reintegrar no mercado

de trabalho.

A população finlandesa está a envelhecer mais rápido do que em qualquer país da zona Euro,

ao passo que a idade efectiva de reforma é baixa. Isto, em conjugação com uma elevada

taxa de desemprego estrutural, restringe a oferta de trabalho (tanto mais que na Finlândia a

24 OECD (2003), Economic Surveys – Finland, p. 92.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 32

imigração tem pouco peso), prejudicando o crescimento da economia. Daí a necessidade de

aumentar a taxa de emprego, o que passa por reduzir a tributação sobre o trabalho (que é

muito elevada face aos padrões internacionais), aumentar a flexibilidade salarial para que os

salários espelhem melhor as condições de mercado, fomentar a empregabilidade dos

trabalhadores pouco qualificados, aprofundar a reforma das pensões e limitar a generosidade

e duração dos subsídios de desemprego de modo a melhorar os incentivos para trabalhar.

O rápido envelhecimento da população e as pressões orçamentais que daí resultarão tornam

urgente a reforma do sistema de pensões; reforma esta que começará a ser implementada

já em 2005 e terá como principais pilares:

(i) a eliminação progressiva das reformas antecipadas. Até então tem sido permitido aos

trabalhadores reformarem-se na prática aos 55 anos, bastando para tal reclamar o

subsídio de desemprego até formalmente se qualificarem como pensionistas. O FMI e

OCDE alertam para o perigo desta medida levar em alternativa ao recurso a

esquemas de invalidez, donde recomendam um maior aperto nos critérios de

elegibilidade destes esquemas. Contudo, o alcance desta medida será algo limitado,

uma vez que a geração do baby-boom não será fortemente afectada, dado esta

medida só se aplicar aos indivíduos nascidos após 1950.

(ii) o aumento dos incentivos para adiar a idade de reforma, aumentando a permanência

no mercado de trabalho e reequilibrando o rácio entre trabalhadores e pensionistas.

No seu conjunto, espera-se que estas medidas aumentem a idade de reforma em 2 a 3 anos.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 33

O Sistema de Pensões Finlandês

A provisão de pensões na Finlândia assenta essencialmente na pensão com base nos ganhos do indivíduo enquanto trabalhador e na pensão nacional para os residentes não trabalhadores. Estes dois programas constituem o primeiro pilar. O segundo pilar (pensão baseada em acordos no mercado de trabalho ou employer-specific pension) e o terceiro pilar (pensão voluntária baseada em seguro privado) são bastante raros na Finlândia em comparação com outros países europeus. A razão para isto deve-se, entre outras, ao facto de o esquema de pensões baseado nos ganhos do primeiro pilar não ter um limite máximo em Euros para a pensão a receber.

Na Finlândia todo o emprego pago tem direito a pensão. A última alteração ocorreu em 1998 e estendeu a provisão de pensões aos contratos de trabalho com duração inferior a um mês.

As pensões com base nos ganhos e a pensões nacionais são em grande medida semelhantes. Asseguram subsistência na velhice, na incapacidade para trabalhar (invalidez), na morte do “chefe” de família ou quando a pessoa idosa fica desempregada. No entanto, o esquema de pensões com base nos ganhos permite que o indivíduo trabalhe em part-time e receba uma pensão parcial para evitar a redução do rendimento.

O esquema de pensões com base nos ganhos são financiadas conjuntamente por patrões e empregados. Em compensação, o Estado participa no financiamento das pensões dos trabalhadores por conta própria e pescadores. As pensões nacionais são financiadas unicamente com base nas contribuições patronais e receitas fiscais.

O objectivo da provisão de pensões na Finlândia é cobrir cerca de 60 por cento do nível de rendimentos antes da reforma. Para os baixos rendimentos a pensão nacional suplementa as pensões com base nos ganhos de modo a que o valor global da pensão não seja muito inferior ao nível de rendimento anterior à reforma.

Nos próximos anos a provisão de pensões com base nos ganhos sofrerá algumas das alterações mais radicais da sua história. O pacote de reformas a ser implementado gradualmente a partir de 2005 terá como grande objectivo adiar a idade efectiva de reforma.

Fonte: Hietaniemi, M. & Vidlund, M. (2003), The Finnish Pension System. Finnish Centre for Pensions.

4.2. O Sistema de Educação Finlandês25

Ao longo das últimas décadas a Finlândia construiu um amplo e quase exclusivamente

público sistema de educação que fornece educação básica para a larga maioria dos cidadãos.

Com a crise de início dos anos 1990, o sistema de educação finlandês sofreu uma ampla

reforma estrutural.

O sistema de educação finlandês é composto por 9 anos de escolaridade obrigatória (dos 7

aos 16 anos), 3 anos de educação secundária superior geral ou vocacional, educação

superior (6 anos nas universidades e 3.5 a 4 anos nos politécnicos) e educação para adultos.

Existe ainda a opção pré-escola para crianças de 6 anos, que mais de metade das crianças

frequenta, bem como para idades compreendidas entre os 1 e 5 anos. As crianças até á

idade de 1 ano estão normalmente em casa com os seus pais que podem beneficiar de

25 Com base em Ministry of Education Finland: www.minedu.fi/minedu/education/.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 34

licença de maternidade/paternidade até um ano, com garantia de regresso ao trabalho.

Como a maioria das mulheres finlandesas trabalha fora de casa, as crianças são deixadas em

centros de dia assim que fazem um ano.

O ensino elementar garante 9 anos de escolaridade obrigatória, com início aos 7 anos, para

todos os alunos em idade escolar.

A educação secundária de nível superior dura 3 anos e pode ser geral ou vocacional, ambas

qualificando os alunos para o acesso ao ensino superior. Desde que as escolas sigam o

currículo nacional comum, são livres de ensinar da forma que quiserem. Podem escolher os

livros de texto que quiserem, ensinar na sala de aula ou ao ar livre, agrupar as crianças em

pequenos ou grandes grupos. Como não há programas para crianças sobredotadas, pelo que

os professores têm de ser criativos em encontrar formas de desafiar a inteligência destes

alunos. Os melhores alunos ajudam a ensinar os alunos médios. As aulas duram 45 minutos,

findos os quais as crianças têm 15 minutos de intervalo. Tem havido uma preocupação

especial em integrar os alunos com necessidades especiais. Os alunos devem aprender duas

línguas estrangeiras: o sueco é obrigatório por lei e, na maioria das vezes, o inglês. Arte,

música, educação física e trabalhos manuais com madeira e têxteis são obrigatórios para

rapazes e raparigas. As escolas oferecem (gratuitamente) uma refeição quente (almoço) por

dia. Todas as escolas têm computadores e acesso à Net. Os alunos têm à disposição, após a

escola, grupos de apoio para a realização dos trabalhos de casa.

Predomina em todo o sistema uma atitude de disciplina e autoridade. Os trabalhos de casa

diários são comuns desde o início, e tanto alunos como pais levam a escola a sério.

O ensino secundário finlandês foi considerado pela OCDE, na revisão de Setembro de 2003, o

melhor do mundo. O ranking foi construído a partir da realização de testes de leitura,

matemática e ciências a crianças de 15 anos a frequentar tanto escolas públicas como

privadas. No estudo PISA 2004 da OCDE recentemente divulgado, que compara as

competências de alunos de 15 anos provenientes de 41 países em termos de literacia em

matemática, ciências e leitura, os alunos finlandeses obtiveram a primeira posição do

rankings nas três áreas de competência avaliadas.

Um aspecto interessante que distingue a Finlândia da maioria dos outros países prende-se

com o facto do estatuto de professor na Finlândia ser altamente respeitado. Ser professor é

o sonho da maioria dos adolescentes e a maioria dos alunos que terminam o liceu pretendem

licenciar-se em ciências da educação.

O ensino obrigatório na Finlândia é público e completamente gratuito. Todos os custos de

educação, incluindo livros, refeições e mesmo checkups médicos são financiados pelas

autoridades locais. Aquando da crise de início dos anos 1990s, foi o ensino básico aquele que

sofreu os maiores cortes orçamentais. Em contrapartida, os governos locais passaram a ter

mais autonomia na definição do nível de serviços educativos a prestar.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 35

Relativamente ao ensino vocacional, existem 25 ramos básicos de formação vocacional,

perfazendo cerca de 220 linhas de especialização que preparam os alunos para entrar

directamente no mundo laboral ou os qualificam para receberem formação adicional a um

nível mais avançado. A maioria dos cursos vocacionais incluem também disciplinas gerais

como línguas, matemática e ciências sociais e cívicas.

Estes programas são igualmente grátis e incluem uma refeição quente diária, transporte de e

para a escola de autocarro e, muitas vezes, alojamento. Os únicos custos que os alunos

suportam são os livros e os uniformes ou equipamentos exigidos.

Os 25 ramos principais são: Cuidados de Saúde; Agricultura; Indústria Leiteira; Floresta;

Têxteis; Tipografia; Climatização; Água e Ventilação; Engenharia Eléctrica; Levantamento

Topográfico; Tratamento de Superfícies; Processamento Alimentar; Economia Institucional e

do Lar; Comércio e Administração; Serviços Sociais; Horticultura; Pesca; Artes Manuais e

Industriais; Comércio de Vestuário; Engenharia Mecânica; Veículos e Transporte;

Construção; Trabalhos com Madeira; Engenharia Química; Serviços Hoteleiros e Catering e

Navegação. Cada um destes ramos oferece uma possibilidade enorme de especializações.

O Ensino superior é assegurado por 20 universidades e 30 politécnicos. As universidades –

actualmente todas públicas – são financiadas pelo orçamento do Estado. A reestruturação do

ensino superior que teve lugar nos anos 90, deu às universidades mais autonomia quanto à

forma de utilizarem os seus recursos, mas acabou por resultar em pequenos ajustamentos

estruturais26. O aumento da competitividade entre universidades e entre departamentos

dentro da mesma faculdade veio trazer um novo dinamismo ao sistema universitário (Kasvio,

2001, p. 9)27. As transferências do Estado para as universidades passaram a fazer-se com

base em critérios de competitividade.

Os politécnicos foram criados na sequência da reestruturação do ensino superior na década

de 90. Foram constituídos a partir da melhoria e fusão de instituições especializadas que

ofereciam educação vocacional superior.

O ensino nos politécnicos concentra-se numa determinada área de competência profissional

e contempla estreitos contactos com empresas, indústria e serviços, especialmente ao nível

regional. Os cursos são desenhados de modo a ir ao encontro às necessidades da vida

profissional em constante mudança, terem uma forte vertente profissional, e formarem

licenciados competentes nas respectivas áreas. Os politécnicos também realizam I&D mas

com uma orientação marcadamente aplicada e prática.

Para além dos politécnicos, outra importante área de reforma foi o desenvolvimento da

educação ao longo da vida. Por exemplo, os sindicatos têm promovido activamente novos

26 A grande transformação foi a criação dos politécnicos, de que falaremos de seguida. 27 Finland a Society of Knowledge and Learning?, in Toward a Wireless Information Society: The Case of Finland.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 36

seguros de saúde e licenças para estudos de modo a permitir às pessoas em meio de

carreira poderem actualizar os seus conhecimentos.

Outro aspecto importante da reforma foi a tentativa de reajustamento entre a oferta e

procura de qualificações. Foram tomadas medidas no sentido de incrementar a produção de

novos licenciados, especialmente nas áreas da engenharia electrónica, tecnologias de

informação, programação e novos media.

As novas tecnologias de informação e comunicação têm vindo a ser integradas nas escolas

de forma bastante activa. Ao longo dos anos 1990s as autoridades responsáveis pela

educação implementaram ambiciosos programas de modo a garantir que as escolas tivessem

um papel activo no desenvolvimento da sociedade da informação. Com bases nestes planos

as escolas puderam dispor de recursos adicionais para adquirir novos computadores e

software, ligarem-se à Internet28 e assegurar formação adicional para os professores.

(Kasvio, 2001, p. 7)29.

Persistem, no entanto, alguns problemas no seio do sistema universitário finlandês. Os

estudantes finlandeses demoram mais tempo a formar-se (6,5 anos, em média) do que na

maioria dos restantes países. A transição dos licenciados das universidades para o mercado

de trabalho tem registado algumas dificuldades. A orientação programática das

universidades finlandesas difere, segundo a OCDE, dos restantes países. A Finlândia produz

relativamente mais licenciados em engenharia e ciências sociais, enquanto que o peso das

ciências jurídicas e de gestão permanece reduzido.

Por outro lado, os licenciados finlandeses são, segundo alguns estudos, os menos

empreendedores da OCDE (Kasvio, 2001, p. 9)30. Os esforços de internacionalização das

universidades finlandesas têm ficado aquém das expectativas. A incapacidade para atrair

alunos estrangeiros deixa a Finlândia no último lugar entre os países da OCDE quanto à

percentagem de alunos estrangeiros a frequentar as universidades nacionais.

28 Em 2000, praticamente todas as escolas se encontravam ligadas à Internet.

29 Finland – a society of knowledge and learning?

30 Finland – a society of knowledge and learning?

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 38

4.3. Sistema de Inovação31

Os pilares do sistema de inovação finlandês

A inovação é a principal fonte primária de crescimento da produtividade; seja inovação de

produto, processo ou organizacional.

Na base do sistema de inovação finlandês estão, para além de uma população educada, um

sistema financeiro eficaz e uma cultura de inovação, como refere Castells32, encontra-se

também um desenho institucional que, como veremos de seguida, promove e estimula a

inovação, acrescentamos nós.

Na verdade, não basta ter uma população educada e dinheiro disponível para investir em

I&D; uma cultura de inovação é igualmente imprescindível. É o que Himanen designa de

“hacker ethic” para se referir às pessoas que desejam concretizar o seu potencial criativo.

Um “hacker” é uma pessoa cuja realização pessoal é algo de extrema importância em si

mesmo, que ambiciona permanentemente superar-se a si mesma utilizando ao máximo as

suas capacidades criativas para produzir trabalho criativo.

Enquanto na era industrial, o sucesso do trabalho era função do esforço, na sociedade da

informação o determinante para o sucesso é a criatividade33. Assim, o crescimento

económico é, em última instância, função da criatividade ou inovação.

Contudo, o processo de inovação é potenciado em sistemas abertos, onde predomina a troca

de informação e a interacção entre diferentes actores ou núcleos. Assim, a nível nacional o

determinante vai ser o tipo de rede de inovação que o sector público e privado irão formar

em conjunto.

As políticas de ciência e tecnologia

A institucionalização e fortalecimento das políticas de ciência e tecnologia começaram no

início dos anos 60. O principal objectivo dessas políticas era solidificar a base científica e

tecnológica da indústria. Nas décadas seguintes tiveram lugar uma série de transformações

que contribuíram para um padrão de crescimento baseado no conhecimento e na expansão

do sector TIC, em particular. (Rouvinen & Ylä-Anttila, 2003, p. 100)34.

31 Science and Technology policy Council of Finland: http://www.research.fi/innojarj_en.html

32 Castells, &Himanen p. 46.

33 A ética protestante que foi muito importante na era industrial de pouco serve aqui.

34 Case Study: Little Finland’s Transformation to a Wireless Giant

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 39

A Finlândia adoptou o conceito de “Sistema Nacional de Inovação”35 no início dos anos 1990s por iniciativa da entidade governamental responsável pela condução da política de inovação – o Science and Technology Policy Council. A inovação passou então a ser vista como tendo um caracter sistémico, por oposição ao modelo linear de inovação tradicional. Esta nova concepção promoveu a cooperação entre as várias entidades da área/envolvidas.

No seu programa da altura o Science and Technology Policy Council defendia que a Finlândia se deveria tornar numa “sociedade do conhecimento e aprendizagem”. Para atingir este alvo, foi decidido em 1996 que as despesas de I&D deveriam atingir os 2,9% do PIB em 199936.

Atormentada com o processo de desindustrialização que tinha atingido o país nos anos 1980s, a política de inovação finlandesa passa a colocar toda a sua ênfase na investigação tecnológica.

As políticas de ciência, inovação e tecnológica são formuladas pelo Science and Technology Policy Council (fundado em 1963 e reformulado posteriormente em 1983), que trabalha sob alçada directa do Primeiro Ministro. As organizações primeiras responsáveis pelas políticas de ciência e tecnologia são o Ministério da Educação e o Ministério do Comércio e Indústria. O Ministério da Educação é responsável por matérias relacionadas com a educação e formação, política científica, ensino superior e a Academy of Finland (cuja organização e financiamento foram renovados em 1969). O Ministério do Comércio e Indústria lida com matérias relacionadas com as políticas industrial e tecnológica, com a Agência Nacional para a Tecnologia (Tekes), e o Centro de Investigação Técnica da Finlândia (VTT). Perto de 80% dos recursos públicos destinados à investigação são canalizados por estes dois Ministérios37.

Desenho institucional do sistema de inovação finlandês

Quatro entidades públicas constituem os principais actores do sistema de inovação finlandês, são eles: Science and Technology Policy Council, Sitra, Tekes e Academy of Finland.

Science and Technology Policy Council38

É o principal responsável pelo prosseguimento de uma política de I&D consciente e

contínua. Tem sido o grande defensor do investimento nas bases financeiras e humanas

que suportam a inovação, enfatizando a necessidade de educação universitária de

35 O conceito de “Sistema Nacional de Inovação (SNI)” contempla muito mais do que as instituições científicas e as suas relações com o mundo empresarial, para abarcar o quadro societal, institucional, e cultural no qual as novas ideias são produzidas e aplicadas. Assim, aparecem como elementos fundamentais do SNI a educação e formação (considerados extremamente relevantes para a adopção, difusão e utilização de novas tecnologias), a investigação e desenvolvimento, os sectores intensivos em conhecimento, o sistema financeiro e o capital de risco, etc.. Fundamental para o bom funcionamento do sistema de inovação é a estreita cooperação e colaboração entre os vários elementos que o compõe, bem como com outros sectores da sociedade. 36 Veja-se The Finnish Science and Technology Policy Council de 1996. 37 Informação mais detalhada sobre o Sistema de inovação Finlandês pode ser encontrada em http://www.research.fi/innojarj_en.html 38 http://www.minedu.fi/tiede_ja_teknologianeuvosto/eng/

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 40

elevada qualidade e investigação no campo da tecnologia, bem, como a necessidade de

um quadro regulador que fomente uma cultura de inovação aberta. Dois aspectos tornam

singular o modo de funcionamento deste conselho, em comparação com os conselhos de

política científica que muitos países possuem. Por um lado, depende directamente do

primeiro-ministro, que preside às respectivas reuniões.

Não se trata, portanto, de mais um comité que produz inúmeros documentos, mas de um verdadeiro órgão de definição da política cientifica e tecnológica composto por oito ministros (o Ministro da Educação e o Ministro do Comércio e Industria são os vice-presidentes), dez dos mais altos representantes das universidades finlandesas (reitores e investigadores de top), industria (por exemplo, Nokia), a Academy of Finland, Tekes e organizações de trabalhadores e patronato. A segunda marca distintiva do comité de política cientifica e tecnológica finlandês prende-se precisamente com o facto da ciência e tecnologia serem tratadas em conjunto, ao contrário do que acontece na maioria dos restantes países. (Castells & Himanen, p. 50-51).

Tekes39

O Tekes (The National Technology Agency) tornou-se no principal canal para a

investigação pública orientada para o mercado. Basicamente faz a selecção dos projectos

tecnológicos, especialmente na área das tecnologias de informação e comunicação, cuja

comercialização (transformação da invenção em inovação) será apoiada pelo Estado. Os

investigadores/inventores apresentam as suas invenções ao Tekes que fará a avaliação e

selecção daqueles que apresentam maior potencial de mercado e os quais irá financiar. O

facto do Tekes ter financiado todas as empresas tecnológicas bem sucedidas nalgum

ponto do seu desenvolvimento, demonstra bem a importância do papel desempenhado

por esta agência.

O Tekes foi estabelecido em 1982 para coordenar o financiamento de I&D público e os

programas tecnológicos nacionais associados. A transferência de tecnologia e a

comercialização de inovações foram desde logo também enfatizados.

Uma das razões de sucesso do Tekes reside na sua autonomia. Ao contrário da maioria

dos restantes países, onde actividades semelhantes ficam a cargo do parlamento ou do

ministério relevante, o Tekes é soberano na decisão de que projectos financiar; apesar de

se encontrar sob alçada do Ministério do Comércio e Indústria, este não tem qualquer

interferência naquele processo. Esta independência permite ao Tekes actuar de forma

muito mais rápida e com uma perspectiva de mais longo prazo do que se estivesse

envolvido numa estrutura política. (Castells & Himanen, p. 52).

O próprio Tekes, através dos seus programas tecnológicos (desenhados em conjunto com

universidades e empresas), identifica novas áreas que necessitam de investigação e

desenvolvimento. No entanto, o Tekes encontra-se também aberto a propostas para além

39 http://www.tekes.fi/

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 41

dos seus programas tecnológicos, e financia-os desde que cumpram o duplo critério de

serem simultaneamente tecnológica e economicamente viáveis e incluírem cooperação

entre universidades e empresas. O trabalho em rede é um critério altamente valorizado

pelo Tekes no financiamento de projectos tecnológicos. (Castells & Himanen, pp. 52-53).

Como resultado das suas funções o Tekes vem acumulando um leque precioso de conhecimentos, nomeadamente sobre a investigação e desenvolvimento que está sendo realizada nas universidades e empresas, bem como as áreas com maior potencial no futuro.

Sitra40

O Sitra (The Finnish National Fund for Research and Development), foi fundado em 1967 e desde a criação do Tekes deixou de apoiar a investigação e desenvolvimento de tecnologia per si, transformando-se num fornecedor de capital de risco que financia o arranque e expansão de start-ups. Deste modo, o Tekes e o Sitra, que cooperam bastante entre si, formam uma dupla crucial no apoio à inovação em fases iniciais. Cerca de 95 por cento das empresas que o Sitra financiou, tinham antes sido apoiadas pelo Tekes (Castells & Himanen, p. 54).

40 http://www.sitra.fi/eng/index.asp

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 42

O Sitra foi muito importante na definição de uma política tecnológica. Um dos seus projectos, “tecnology assessment” em 1976, inaugurou a discussão em torno do papel da política tecnológica em períodos de recessão. Esta porta entretanto aberta traduziu-se na criação de inúmeros comités, entre os quais, o Tecnology Committee em 1979, e na tomada de consciência da necessidade de uma política tecnológica nacional deliberadamente definida.

Para além de ser o principal fornecedor de capital de risco do país, o Sitra é também um think-tank que desenvolve novas ideias e financia investigação aplicada, bem como a educação em áreas chave para o desenvolvimento da Finlândia. Uma das funções principais do Sitra passa também pela promoção de formação estratégica a segmentos de topo da sociedade e administração finlandesa relativamente aos possíveis desafios futuros com que se poderá defrontar a economia finlandesa (de que é exemplo o projecto “Finland 2015”, abordado no ponto 3.3.).

Apesar do Sitra ser tutelado pelo Parlamento finlandês, preserva um estatuto autónomo. E tal como o Tekes, o Sitra é mais uma organização em rede, do que uma grande instituição.

A Academy of Finland dedica-se basicamente à investigação fundamental e mantém ligação estreita com o Tekes.

Olhando para as datas de fundação das entidades referidas, podemos constatar que o quadro institucional do sistema de inovação finlandês foi lançado na década de 60.

Em 1982 o governo tomou a decisão de aumentar o investimento nacional em I&D de 1,2% do PIB para 2,2% em 1992. Em 1992, este objectivo foi de facto atingido, e um novo objectivo foi definido. Em 1996, o governo, decidiu aumentar o investimento em I&D para 2,9% do PIB em 1999, apesar de estar simultaneamente a reduzir a despesa pública. Este objectivo acabou por ser atingido logo em 1998 e actualmente o investimento em I&D anda à volta dos 3,5%, fazendo da Finlândia, juntamente com a Suécia, os líderes mundiais do investimento em I&D em percentagem do PIB.

A interacção entre os sectores público e privado tem sido o principal dinamizador de inovação tecnológica. Tanto as universidades, no fornecimento de recursos humanos bem qualificados, como o Tekes e o Sitra, na concessão de financiamento para projectos de inovação, o Science and Technology Policy Council, na definição da política cientifica e tecnológica global, o Estado na promoção de uma cultura de inovação, que liberalizando, desregulamentando e privatizando criou um quadro institucional aberto à inovação, o sector privado por si mesmo que, de forma independente e por razões de competitividade, aumentou o investimento em I&D (actualmente, o sector privado é responsável por 70% das despesas totais de I&D), e a própria sociedade civil, que muitas vezes surpreendeu alargando o âmbito de uso das novas tecnologias41, todos contribuíram para a dinâmica de inovação que se vive na Finlândia.

41 Por exemplo, enfatizando a utilidade de um telefone móvel em situações de emergência na estrada.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 43

Apesar de nem todos os factores enunciados terem o mesmo nível de importância, a marca

distintiva do sistema de inovação finlandês reside na combinação de todos aqueles factores,

ou seja, no seu carácter holístico. Factores esses que se encontram ligados em rede e

interagem entre si. Esta organização em rede dos principais componentes do sistema de

inovação finlandês, e que constitui a sua imagem de marca, ao permitir a troca de ideias e a

transferência de conhecimentos e pessoas de uma área para a outra, muito explica do seu

sucesso. A existência de instituições, ainda que informais, que promovam o funcionamento

em rede de elementos do governo, indústria, universidades e sociedade civil constitui um

trunfo do sistema finlandês. Figura 2

Fonte: http://www.research.fi

Parques de Ciência e Tecnologia

A política de inovação finlandesa apostou na criação de Parques de C&T em torno das

principais universidades, politécnicos, e centros de I&D com competências nos domínios das

TIC e da Saúde/Biotecnologia. Estes Parques de C&T visam estreitar as relações entre as

empresas existentes e as instituições de investigação, bem como, promover empresas que

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 44

transformem investigação inovadora em oportunidades de negócio, ajudando-as a nascer,

crescer e industrializar-se.

Existem 22 Parques de C&T em cidades universitárias associados numa rede de cooperação

nacional – The Finnish Science Park Association TEKEL42.

Nestes Parques de C&T existem cerca de 1600 empresas e outras organizações, que

agregam 32000 especialistas a trabalhar em diferentes domínios tecnológicos como

informação, telecomunicações, ambiente, energia, saúde e tecnologia médica e ciências da

vida.

O TEKEL presta vários serviços às empresas, nomeadamente formação e consultoria nas

seguintes áreas: constituição de nova empresa; gestão do negócio, financiamento, serviços

legais, marketing, comunicações; bem como, incubadoras, transferência de know-how,

contactos na Finlândia e no estrangeiro, entre outros.

Os Parques de C&T que constituem esta rede TEKEL são empresas independentes fundadas

numa base regional. Têm uma gestão local e um conselho que representa os vários sectores,

nomeadamente o privado, a universidade, a investigação e a autarquia. O TEKEL representa

e promove ainda os Parques de C&T a nível internacional.

Mapa 1

LOCALIZAÇÃO DOS PARQUES DE C&T NA FINLÂNDIA

Fonte: www.tekel.fi

42 http://www.tekel.fi/english/

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 45

Desempenho do sistema de inovação finlandês

De acordo com comparações internacionais, a performance do sistema de inovação finlandês

tem sido excepcionalmente boa durante os anos 1990s. Tal pode ser visto tanto no aumento

de recursos afectos à investigação como em termos de resultados, cada vez com maior

visibilidade internacional. Pode igualmente ser confirmado pelo aumento da produção de alta

tecnologia na Finlândia.

As orientações de política em matéria de I&D têm ido no sentido de facilitar o investimento

em I&D por parte do sector privado. Embora os gastos públicos em I&D sejam, em termos

internacionais, comparativamente elevados, não representam uma grande proporção da

actividade global de I&D. Aliás, na Finlândia os gastos em I&D do sector privado pesam mais

do que em muitos outros países43. Além do mais, existe uma forte cooperação entre as

empresas, os centros de investigação públicos e a investigação académica nas

universidades; as empresas financiam uma parte significativa da investigação pública e

académica, e a maioria das empresas tem qualquer tipo de acordo de cooperação com

institutos de investigação não privados.

Apesar do panorama altamente favorável em matéria de investigação e inovação, não

deixam de existir alguns riscos potenciais. Um diz respeito a alguma falta de diversificação

da actividade de I&D, dado o elevado peso da componente TIC, que nalguns casos se

encontra francamente dependente de uma só empresa – a Nokia. O desempenho da

Finlândia em matéria de investigação e inovação deteriorar-se-ia bastante caso algumas

empresas optassem por transferir parte das suas actividades de I&D para o exterior. Kasvio

alerta precisamente para o facto do crescimento e internacionalização das empresas

finlandesas ter aumentado as suas expectativas face ao sistema de inovação nacional, e se

estas não forem satisfeitas, há o perigo de no futuro os investimentos de I&D de algumas

destas empresas se deslocarem para o estrangeiro (Kasvio, 2001, p.11)44.

4.4. O Welfare State

As principais componentes do welfare state finlandês têm sido45:

(i) educação livre – inexistência de propinas desde o pré-escolar até à universidade,

livros e refeições grátis até ao liceu e ainda auxílio para aprofundamento dos

estudos;

(ii) serviços de saúde extremamente baratos – centros de saúde praticamente grátis,

hospitais a custo reduzido, medicamentos comparticipados e apoio domiciliário;

43 OECD (2003), p.98.

44 Finland – a society of knowledge and learning?

45 Castells & Himanen, p. 81.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 46

(iii) protecção social através de transferências monetárias – reformas, subsídio de saúde,

invalidez, desemprego, apoio infantil e complemento de rendimento.

Para além da gratuidade, uma outra importante característica do sistema é a sua

universalidade: todos os direitos de protecção se baseiam na cidadania, logo o nível de

protecção a que uma pessoa tem direito não depende em primeira instância do seu

rendimento (embora rendimento e necessidade sejam tidos em consideração). A terceira

característica distintiva do sistema é a sua natureza marcadamente pública: praticamente a

totalidade do ensino e 76% da despesa em saúde são públicos.

É este sistema que está por detrás dos baixos níveis de injustiça e exclusão social na

Finlândia.

A crise económica do início dos anos 90 constituiu a prova de fogo do welfare state. O facto

de ter resistido a uma situação de grave crise económica demonstra que o welfare state está

bem sedimentado no seio da sociedade finlandesa. Apesar de ter sofrido alguns ajustes ao

longo da década de 90 – cortes na despesa social e de saúde e introdução de algumas

restrições no uso de determinados serviços – as principais prestações em termos de

educação, saúde e serviços sociais do welfare state finlandês permaneceram relativamente

inalteradas.

A protecção colectiva da força de trabalho constitui também um aspecto característico do

sistema social finlandês; na verdade os sindicatos têm historicamente constituído uma

importante fonte de protecção social. Para além de defenderem os interesses dos seus

membros, constituem uma importante rede de segurança social para os desempregados.

O sistema de relações industriais caracterizado pela negociação colectiva anual entre

patrões, empregados e governo permanece ainda em vigor.

Como Castells e Himanen referem46, o modelo finlandês tem a particularidade de combinar

uma força de trabalho flexível (absolutamente necessária à nova economia do conhecimento)

com protecção colectiva do trabalho. Ainda segundo os mesmo autores, foi a existência de

um welfare state eficaz que facilitou da parte dos trabalhadores a aceitação da flexibilidade

requerida pela economia do conhecimento; de outro modo, a transformação da economia

finlandesa numa sociedade da informação só foi possível porque o welfare state tornou o

desenvolvimento socialmente aceitável47. O modelo finlandês é, assim, visto como o

resultado do circulo virtuoso formado pelo welfare state e economia do conhecimento.

46 pp.86-87.

47 Este argumento percebe-se melhor se tivermos presente que estamos perante uma sociedade largamente homogénea e igualitária.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 47

5. NOKIA – A ESTRELA GLOBAL DO “MILAGRE FINLANDÊS”

Tivemos já a oportunidade de sublinhar o importante papel do sector das TIC na promoção

da produtividade e do próprio desenvolvimento industrial da Finlândia nas duas últimas

décadas, mas valerá a pena enfatizar mais uma vez o exercício sistemático e permanente da

prospectiva e, em particular da prospectiva tecnológica, levado a cabo pelos poderes

públicos em articulação com o sector privado, o que poderá ajudar-nos a compreender

melhor as especificidades do modelo finlandês de desenvolvimento, nomeadamente no que

se refere aos bem sucedidos sistemas de educação e inovação que muito contribuíram para o

sucesso das TIC e muito especialmente da própria Nokia.

Deste modo, importa assinalar a aposta deliberada e consistente do país nas TIC a que não

será porventura alheia a existência de uma empresa como a Nokia com um interessante

historial e que procuraremos, nesta secção, evidenciar alguns dos seus momentos

marcantes. Tal aposta, em nossa opinião, representou não só um sinal decisivo para o

sucesso das TIC na sociedade finlandesa, como também constituiu um estímulo forte para a

própria reorientação estratégica da empresa que lhe permitiu tornar-se um inquestionável

líder global na indústria de comunicações móveis.

Procuraremos, portanto, destacar nesta secção do texto as trajectórias e os vectores que

poderão ser considerados os verdadeiros momentos de viragem estratégica da empresa na

sua rota de ascensão e de integração plena no mercado global das comunicações móveis,

não esquecendo naturalmente as possíveis ameaças e principais desafios que se começam a

desenhar no tempo presente e futuro.

5.1. A Nokia – uma empresa líder global nas Telecomunicações Móveis

A Nokia é uma verdadeira instituição nacional na Finlândia, tendo em consideração o seu

impacto significativo na economia do país e o seu complexo percurso histórico até se

transformar num dos maiores actores globais na indústria de telecomunicações.

Desde muito cedo, a Nokia assumiu uma posição relevante em toda a história industrial da

Finlândia. É, contudo, a partir de 1980 que ganha progressivamente um lugar de maior

destaque no desenvolvimento industrial na Europa e, nos anos 90, consegue posicionar-se

como uma empresa líder a nível global.

A visão estratégica que sustentou a dinâmica evolutiva da Nokia e as suas decisões

estratégicas de gestão tornaram possível que uma empresa de um pequeno país periférico

da Europa Ocidental crescesse tão rapidamente e se transformasse numa força global.

Na verdade, a Nokia é a primeira marca finlandesa reconhecida pelo público em todo o

mundo e mantinha-se, em 2004, no grupo das 10 marcas mundiais com maior valor,

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 48

ocupando precisamente a 8ª posição no ranking anual elaborado pela empresa americana

Interbrand48.

Para compreendermos melhor esta trajectória de sucesso da Nokia, valerá a pena fazermos

uma pequena incursão pelo desenvolvimento da indústria de telecomunicações na Finlândia

que tem algumas especificidades únicas no panorama europeu e que explicam o processo de

aproximação e convergência gradual da Nokia à indústria electrónica e de telecomunicações.

Com efeito, de acordo com Haikio, Martti (2002) a Nokia atingiu o estatuto de empresa

global de 1ª linha na segunda metade dos anos 90 apoiada essencialmente pelo crescimento

do sector das TIC de que importa relevar os seguintes vectores fundamentais:

◆ a desregulamentação dos operadores de telecomunicações que proporcionou a

abertura da concorrência a nível do equipamento de telecomunicações, o que

anteriormente era controlado completamente pelos diferentes monopólios nacionais;

◆ a tecnologia analógica de comunicações que evoluiu para a tecnologia digital,

possibilitando aos operadores de telecomunicações a disponibilização de novos

serviços e a exploração de um mercado potencial em expansão;

◆ o novo standard de redes de telefones celulares GSM (Global System for Mobile

Communications) pan-europeu operacionalizado a partir de 199149, o qual revelou um

extraordinário crescimento, não só em termos geográficos, como também no que se

refere a novas funcionalidades disponibilizadas ao mercado.

Deste modo, não nos deverá surpreender muito a vertiginosa afirmação do fenómeno Nokia

que beneficiou, sem dúvida alguma, de condições ímpares no seu país de origem para testar

tecnologias e equipamentos num ambiente competitivo e de uma expressiva cultura

tecnológica na área das telecomunicações, permitindo-lhe construir assim uma matriz de

competências técnicas e de credibilidade empresarial que se haviam de revelar elementos

fulcrais para o sucesso da sua própria internacionalização.

Em paralelo, importa sublinhar igualmente o impulso tecnológico e de liberalização do sector

das telecomunicações que determinaram, no essencial, a explosão do mercado de

telecomunicações e, em particular, das comunicações móveis que revolucionaram por

completo o lifestyle na sociedade moderna e, como consequência, determinaram igualmente

mudanças muito profundas nas preferências dos consumidores.

48 Ver www.interbrand.com.

49 A Radiolinja comprou à Nokia o sistema de rede digital GSM e, após ter obtido o respectivo licenciamento, procedeu ao seu lançamento em 1991, sendo assim o primeiro operador no mundo a lançar serviços para GSM.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 49

Neste particular aspecto, parece concentrar-se toda a atenção dos players globais das

telecomunicações, designadamente porque os terminais móveis transformaram-se já num

bem estandardizado de consumo e, por conseguinte, a oferta sistemática e crescente de

novos serviços e novas funcionalidades técnicas vem também a estimular a concorrência

entre operadores e entre fabricantes de equipamentos que procuram desesperadamente

ganhar quota de mercado, o que propicia cada vez mais a segmentação dos clientes

potenciais e o desenvolvimento de produtos de nicho tecnológico.

Assim sendo, a Nokia que dispõe de cerca de 1/3 do mercado global de telemóveis

confronta-se cada vez mais intensamente com o desafio de permanecer como líder global

neste mercado, o que torna muito mais exigente e flexível a sua gestão para conseguir

preservar o seu posicionamento global com a performance de rentabilidade a que os seus

accionistas se habituaram nos últimos anos.

5.2. Breve historial do percurso empresarial da Nokia

A história empresarial da Nokia remonta a 1865 quando Frederik Idestam, um engenheiro de

minas que estudara no estrangeiro e se havia familiarizado na Saxónia com as técnicas de

produção de papel, fundou uma fábrica de produção de papel junto ao rio Nokia, designação

que passou a ser o nome oficial da empresa.

Em 1898, começou a operar uma outra empresa no mesmo local, a Finnish Rubber Works

(Fabricação de Artigos de Borracha), e em 1912 constituiu-se a Finnish Cable Works

(Fabricação de Cabos Eléctricos) que se localizou em Helsínquia.

Após a I Guerra Mundial, a empresa Rubber Works adquiriu a maioria do capital das outras

duas empresas, mas a fusão efectiva (ver Figura 3) só se concretizaria muitos anos depois,

ou seja, em 1967, constituindo-se assim o conglomerado industrial mais importante da

Finlândia – Oy NOKIA Ab – em cujo capital estavam igualmente representados os dois

maiores bancos comerciais do país – o SYP ( Suomen Yhdyspankki ou Union Bank of Finland

–UBF) e o KOP (Kansallis-Osake-Pankki), embora nenhum deles tivesse uma posição

dominante como sucedia habitualmente com as maiores empresas finlandesas naquela

altura.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 50

Figura 3

PERCURSO HISTÓRICO DO GRUPO NOKIA

Nokia Forest and Power 1865-1966

Finnish Rubber Works1898-1966

Finnish Cable WorksSuomen Punomoteh-das Osakeyhtiö 1912-1916 Suomen Kaapelitehdas Osakeyhtiö 1917-1966

Nokia Forest and Power

Finnish Rubber Works

Finnish Cable Works

1918 1922

Nokia Corporation(Oy Nokia Ab

1966-1997 Nokia Oyj 1.9.1997-)

Nokia Ventures Organization (NVO)

Nokia Research Center (NCR)

Nokia Mobile Phones (NMP)

Nokia Networks (NET)

Nokia Mobile Phones 1989- Nokia-Mobira 1986-1989 Mobira 1979-1986

Nokia Networks 1999- Nokia-Telecommunications 1992-1999 Telenokia 1981-1992 Televa 1976-1981

NOKIA E SUAS ANTECESSORAS

TRÊS EMPRESAS INDEPENDENTES

1865 1898 1912

Fonte: Martti Häikiö − Nokia. The Inside Story, 2001

PROPRIEDADE DO GRUPO: RUBBER WORKS

FUSÃO OFICIAL EM 1967

A EMPRESA NOKIA EM 2002

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 51

Para entender melhor a aproximação da Nokia ao sector das TIC, importa observar a

evolução da unidade Cables Works após a II Guerra Mundial com um crescimento rápido da

sua produção para responder a uma procura crescente no plano interno e externo,

designadamente nos mercados do leste europeu, sem que tal tivesse inicialmente uma

ligação estreita com a electrónica.

Todavia, o CEO50 da empresa, Bjorn Westerlund, ao aperceber-se da invenção dos

semicondutores teve a visão intuitiva de que com o desenvolvimento da electrónica e uma

utilização crescente das frequências rádio, os cabos tradicionais tornar-se-iam naturalmente

obsoletos.

Assim, a empresa criou no início da década de 1960 um departamento de electrónica que

cooperava com universidades e centros de investigação para desenvolver o know-how nesta

indústria e produzir os correspondentes produtos e serviços para o mercado. Nesta fase

inicial, começou a sua actividade comercial pela importação de computadores, tendo criado

igualmente um Centro de Computação que permitia fornecer às principais empresas

finlandesas um serviço de processamento de dados e, por outro lado, constituir uma

plataforma de suporte à sua própria força de vendas.

Posteriormente, a Nokia inicia a produção de computadores51, bem como de outro tipo de

equipamento electrónico (p.ex. terminais, écrans, televisores a cores, etc.). Todavia, a mais

importante e estratégica decisão da Nokia nos anos 70 consistiu em iniciar a produção de

centrais telefónicas digitais, visto que o mercado potencial destas últimas era maior do que

os mercados para o equipamento de transmissão e, por outro lado, a empresa já detinha

uma experiência acumulada na tecnologia de computadores.

Por via de aquisições de empresas e joint-ventures (ex. Televa, Telenokia, Tandy, etc.), a

Nokia alargou o seu espaço de actividades à própria fabricação de equipamentos de

telecomunicações, bem como à denominada electrónica de consumo com as aquisições de

unidades fabris na Finlândia (ex. Salora) mas também na Suécia, na Alemanha e em França

(ex. Luxor Ab, Sonolor e Televisso da Electrolux Standard Electrik Lorenz (SEL) da Alcatel,

Océanic, etc.). Com esta vaga de aquisições a Nokia passava a ser o terceiro maior produtor

de televisores a cores a par da Philips e da Thomson.

Nos anos 80, a Nokia adquiriu também a Mobira que detinha a maior produção de telefones

móveis, permitindo-lhe consolidar uma posição de liderança nesta actividade através da sua

Unidade de Telefones Móveis.

50 Chief Executive Officer.

51 Em 1971 foi desenvolvido o primeiro computador – o Mikko que é o acrónimo finlandês para o microcomputador.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 52

Nesta altura, saíram da Mobira alguns dos colaboradores que haviam desenvolvido os

primeiros telefones móveis NMT e fundaram uma nova firma denominada Benefon que se

mantém no mercado.

Mas, no final dos anos 80 e o início da década de 90, a Nokia iria enfrentar uma das suas

maiores crises de sempre e isto por duas razões principais:

a) Primeiro, a actividade de fabricação de aparelhos de televisão a cores registava

enormes prejuízos que contribuíam fortemente para o agravamento da situação

económico-financeira da empresa, até porque se tratava do seu maior negócio no

final dos anos 80 e, por isso, era absolutamente necessário reequacionar a

orientação estratégica da empresa que ganhara já uma inquestionável dimensão

europeia que correspondia, aliás, à visão estratégica assumida no inicio da década

pelo CEO Kari Kairamo52.

b) Segundo, após o extraordinário investimento realizado na sua internacionalização,

a Nokia enfrentou, em 1991, não só os efeitos directos resultantes do colapso do

comércio com a União Soviética que atingiu fortemente a indústria de cabos e de

telecomunicações, como também os efeitos decorrentes da recessão económica

interna e da desaceleração do crescimento das economias europeias.

Em 1992, Jorma Ollila que já tinha sido o responsável da pequena mas lucrativa Unidade de

Telefones Móveis, foi eleito o novo CEO da Nokia. Foi então revista toda a estratégia da

empresa e o focus passava a estar totalmente centrado na produção de equipamento de

telecomunicações de modo a alcançar uma posição de destaque a nível global. Para tal,

contribuíram dois factores de fundamental importância: por um lado, uma tendência

continuada do crescimento das vendas dos telefones GSM da Nokia que lhe permitiu

aumentar a sua performance de rentabilidade e, por outro lado, a decisão de alienar as

outras actividades não estratégicas nomeadamente aquelas que se relacionavam com a

produção de TV a cores e isto para retomar a confiança dos mercados.

Iniciava-se assim uma nova fase na trajectória evolutiva da Nokia marcada essencialmente

pelos desafios colocados pela revolução digital em curso, o que se encontra exemplarmente

expresso na formulação de uma nova estratégia para a empresa que Jorma Ollila, em 1994,

teve oportunidade de desenvolver e que assentava em dois vectores cruciais: abandonar os

negócios tradicionais e focalizar-se progressivamente nas telecomunicações.

O passo seguinte seria dado em 1995 quando a Nokia foi admitida na Bolsa de Nova Iorque,

o que contribuiu para introduzir profundas alterações na estrutura accionista da empresa53 e

52 Kari Kairamo suicidou-se em 1988.

53 Actualmente cerca de 90% do capital da Nokia é detido por investidores internacionais, não obstante a empresa continuar a preservar uma imagem de marca claramente finlandesa.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 53

da sua própria governabilidade empresarial (eliminação das tradicionais divisões entre

direitos de votos e tipos de participações sociais no capital).

Deste modo, a Nokia posicionou-se nos mercados de capitais com ímpeto de atractividade

dos investidores institucionais que contribuíram progressivamente para que fosse uma das

empresas globais com excelentes índices de capitalização bolsista, projectando-a obviamente

para um novo patamar de referência mundial.

5.3. A trajectória do sector TIC e o fenómeno Nokia

Vimos anteriormente que o sector das TIC na Finlândia encontra as suas raízes no final do

séc. XIX quando foram estabelecidas as primeiras companhias de telefones no país. Desde

logo, o elevado número de operadores privados contribuiu para alimentar o mercado de

equipamentos que era essencialmente dominado por fabricantes estrangeiros (Ericson,

Siemens, ITT, Alcatel) até ao surgimento e afirmação gradual de uma indústria doméstica de

equipamentos de comunicações nos anos 1960.

Com efeito, ao contrário de outros países europeus, na Finlândia, a rede telefónica nunca foi

monopolizada pelo Estado. Inicialmente, a estrutura de mercado excessivamente

fragmentada resultava objectivamente de uma decisão política relacionada essencialmente

com o facto da Finlândia, antes da sua independência em 1917, ser um Grande Ducado

Russo e, por isso, para dificultar a dimensão potencial de uma rede telefónica controlada

pelo Czar, o senado finlandês atribuiu muitas licenças para a operação telefónica a nível

local54.

Logo que o país se tornou independente foi estabelecido um operador público nacional de

telecomunicações (PTO – Post and Telegraph Operator) a fim de intervir na rede herdada do

período czarista e proceder à reorganização e harmonização da correspondente infra-

estrutura de suporte. Em 1921, as empresas privadas constituíram a Associação de

Empresas de Telefone visando uma maior cooperação administrativa e, ao mesmo tempo,

congregar esforços para enfrentar o operador público PTO que desempenhava também

funções de regulação do mercado e procurava estimular o upgrading técnico da infra-

estrutura de rede, bem como a concentração gradual de múltiplos de operadores de âmbito

local.

Convirá sublinhar que, em 1930, existiam aproximadamente 815 empresas privadas para a

operação de serviços de telefone a nível local, tendo a partir daí o seu número declinado

gradualmente por força de regulamentação estrutural do PTO que determinava a ocorrência

de processos de fusão das companhias mais pequenas55.

54 Imperial Telephony Decree 1886.

55 Ver Paija, Laura (2001), ob. citada.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 54

O mercado finlandês de telecomunicações era um mercado aberto à concorrência em

contraste com outros mercados europeus mais proteccionistas e, além disso, oferecia a

vantagem de dispor de um elevado número de operadores privados, o que permitiu, desde

muito cedo, atrair importantes fabricantes estrangeiros, tais como: Siemens, Ericson, ITT –

os quais acabaram por implantar unidades de produção na Finlândia, o que, por outro lado,

constituía um vector de concorrência acrescida com a indústria doméstica emergente.

No que se refere à indústria finlandesa de radiotelefones, importa destacar essencialmente

três empresas-chave que tiveram um papel decisivo e embrionário no desenvolvimento

daquela indústria56:

◆ Salora (criada em1928) : a actividade principal consistia na produção de aparelhos

de rádio e televisão, mas envolveu-se igualmente no desenvolvimento de

radiotelefones (iniciado em 1964);

◆ Suomen Kaapelitehdas (Finnish Cable Works, ltd. – 1917): produção de cabos para

telecomunicações, tendo o comércio com a União Soviética constituído um impulso

fundamental para o desenvolvimento e consolidação das competências técnicas da

empresas nesta actividade produtiva;

◆ Valtion Sahkopaja (State Electric Works – 1945; ex-laboratório de rádio do

Ministério da Defesa – 1925): empresa pública criada para reforçar a produção de

tecnologia estratégica de rádio. Mais tarde, as suas actividades foram industrializadas

e passaram a integrar a unidade de I&D do Operador Público de Telecomunicações

(PTO). Em 1962, a empresa passou a designar-se Televa e, em 1976, Televa Oy.

Por outro lado, valerá a pena sublinhar a iniciativa promovida pelo Exército finlandês, em

1963, alicerçada no lançamento de um concurso para o fornecimento de um radiotelefone, o

que constituiu uma oportunidade ímpar paro o desenvolvimento simultâneo da tecnologia

rádio e da própria indústria de comunicações finlandesa (apresentaram-se ao concurso cinco

empresas: Televa, Kaapelitehdas, Salora, Vaisala, Sonab).

Tratava-se, na verdade, de criar uma oportunidade e um incentivo para as empresas que já

detinham muito know-how acumulado na indústria electrónica e de comunicações poderem

materializá-lo em produtos físicos funcionais. Acontece que não houve capacidade de

disponibilizar os fundos financeiros necessários para garantir as encomendas do

radiotelefone, mas as empresas aproveitaram os respectivos protótipos para desenvolverem

novos telefones portáteis e converteram-nos em novos produtos de exportação.

Na década de 1970, a denominada Conferência Nórdica de Telecomunicações que

envolveu as Administrações de Correios e Telégrafos dos países Nórdicos e a indústria a fim

de desenvolverem conjuntamente um projecto de investigação sobre uma rede de telefone

56 Paija, Laura (ed.), ETLA, ob. citada.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 55

móvel automática para aqueles países (NMT – Nordic Mobile Telecomunications), pode ser

considerado o ponto de partida para o arranque das comunicações móveis orientadas para o

mercado e o consumidor final.

A introdução da rede NMT em 1981/82 sustenta o desenvolvimento de uma nova indústria e

os países escandinavos passam a ser olhados como o maior mercado de comunicações

móveis a nível mundial.

Por isso, passaram também a constituir um autêntico pólo de atractividade de muitos

operadores privados que pretendiam explorar as oportunidades comerciais do mercado

emergente de telecomunicações e obter experiência e competências tecnológicas acrescidas

neste verdadeiro laboratório de ensaio na zona do Báltico para intervirem mais eficazmente

no futuro mercado global

Tal sistema tornou-se um standard e permitiu o transporte de um país para outro através do

denominado roaming internacional que, baseado no princípio “calling party pays”, contribuiu

fortemente para a difusão generalizada dos números de telefones móveis, o que constituía

uma enorme vantagem em termos de mobilidade e facilidade nos contactos telefónicos. Em

contrapartida, nos EUA, o recebedor das chamadas telefónicas é corresponsabilizado no seu

pagamento, pelo que a difusão dos correspondentes números de telefone estava muito mais

dificultada57.

O sucesso do sistema NMT permitiu também um assinalável crescimento da unidade de

Telefones Móveis da Nokia que apostou na produção de centrais telefónicas NMT, registando

o seu primeiro contrato firme em 1986, o que simbolicamente ilustra o fim da monopólio

virtual da Ericson no fornecimento de redes NMT no mercado global. De referir que o NMT,

tendo como característica-chave a mobilidade internacional, permitiu à Nokia alcançar, pela

primeira vez, uma quota de mercado num segmento produtivo verdadeiramente global e, ao

mesmo tempo, aquela característica das redes NMT iria constituir um dos elementos

importantes da próxima geração de rede de telefones móveis GSM.

Baseando-se na sua experiência anterior, os países nórdicos desempenharam um papel

muito activo na iniciativa promovida pela Conferência Europeia das Administrações de

Correios e Telecomunicações (CEPT) que lançou um programa para a generalização da

2ª geração de telefones móveis através do denominado Groupe Spécial Mobile (GSM)58 em

1982, cujo objectivo consistia em criar um comprimento de banda comum que facilitasse o

roaming pan-europeu e, ao mesmo tempo, contribuísse para a massificação dos mercados

que deveria implicar a queda dos preços das chamadas telefónicas, abrindo assim a

possibilidade de alargamento da rede móvel pan-europeia.

57 Haikio, Martti (2002).

58 Designação que mais tarde seria alterada para Global System for Mobile Telecomunications correspondendo ao standard GSM utilizado na Europa.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 56

Após algumas hesitações na inauguração do novo sistema comum, foi dado um passo muito

importante, em Outubro de 1987, por parte de um grupo de 13 países europeus que

estabeleceram definitivamente as condições e o calendário de implementação do standard

GSM.

Entretanto, a Associação de Empresas de Telefone da Finlândia fundou, em 1988, uma

joint-venture – a Radiolinja Oy – para operar uma rede privada de GSM, o que

consubstanciou mais um novo ímpeto de liberalização do mercado de telecomunicações que

se desenvolveria até 1994. A Radiolinja foi o primeiro operador a nível mundial a

disponibilizar serviços comerciais em plataforma GSM.

Através da leitura da Figura 4 e de acordo com Paija, L. (2001) podemos observar a

dinâmica dos posicionamentos empresariais no contexto evolutivo da indústria de

comunicações móveis e da importância da Nokia que passou a estar numa posição central na

matriz industrial do cluster TIC. Vejamos então alguns dos registos mais significativos que

importa sublinhar para uma obtermos uma melhor percepção do processo de formação da

Nokia tal como hoje se nos apresenta.

Assim, no decorrer da década de 1970, começa a constatar-se que o mercado é demasiado

pequeno e os recursos escassos para o desenvolvimento em paralelo de centrais telefónicas

digitais na Televa e na Nokia, pelo que ambas as firmas congregaram esforços no sentido de

reunirem as actividades de I&D e marketing no domínio da tecnologia de transferência digital

e constituíram uma joint-venture – a Telefonno Oy – que teve o mérito de introduzir, em

1982, a primeira central digital doméstica, pouco tempo depois da Ericson, da Alcatel, da ITT

e da Siemens. Esta foi a sua primeira central digital instalada em toda a Europa, o que se

revelou determinante para convencer o mercado das competências técnicas finlandesas face

aos outros fabricantes estrangeiros. Durante muito tempo, a central digital foi o produto de

exportação da Nokia com maior sucesso comercial.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 57

Figura 4

ARQUITECTURA EVOLUTIVA DA INDÚSTRIA DE COMUNICAÇÕES MÓVEIS E DA NOK

A EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DE COMUNICAÇÕES MÓVEIS

Fonte: Adaptado de HÄIKIÖ (1998) e citado por Laura PAIJA (ed.) in Finnish Ict Cluster in the Digital Economy , 2001

1986 Nokia Mobira Oy

1997 Microcell

2003 Flextronics Singapura

1989 Nokia Mobile

Phones

1992 Nokia

Telecommunications

1999 Nokia Networks

1988 Benefon

1991 Aquis. Technophone

1992 Tandy-Nokia joint venture nos EUA

1994 Nokia aquis.

100% da jv com a Tandy

1987 Nokia 100%

Desenvolvimento de redes

Desenvolvimento das centrais de

comutação Radio-telefones

1928 Nordell & Koskinen

1945 Salora

1981 Telenokia

Nokia (51%), Finlândia

1977 Telefenno 1979

Mobira

1925 Radio Laboratory

M. of Defense

1945 State Electric

Works

1962 Televa

1976 Televa Oy

1967 Nokia Corp.

1865 Nokia

1889 Finnish Rubber

Works

1917 Finnish Cable

Works

50%

1984 Nokia 100%

Tandy-Mobira jv na Coreia

1983 Rádio-

telefones

50%

50%

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 58

Em 1979, a Nokia e a Salora juntaram os seus recursos complementares e criaram a Mobira

que se lançou no mercado para desenvolver a tecnologia rádio, nomeadamente o terminal

NMT, tendo o design deste standard permitido uma estreita cooperação das administrações

europeias de telecomunicações. Por outro lado, o operador finlandês de telecomunicações

(PTO) pressionava a indústria doméstica para desenvolver uma central celular, o que se

concretizou, em 1981, na estação-base produzida pela Mobira.

De acordo com a sua visão de comunicações móveis globais, a Mobira assumiu riscos no

desenvolvimento da tecnologia e na expansão do mercado – a empresa chegou a produzir

equipamento para 5 standards diferentes, o que só foi conseguido pela Motorola que

suportou este número de standards. Em 1985, a empresa tinha já uma posição líder nos

mercados externos e aliou-se a actores estrangeiros que lhe ensinaram, entre outras coisas,

a importância estratégica da marca para explorar o reconhecimento dos seus produtos nos

mercados.

A partir de 1986, o know-how das telecomunicações finlandesas passou a estar organizado

numa gestão única quando a Nokia assumiu a propriedade plena da Mobira e da Telefonno.

Todavia, ao procurar um crescimento rápido e uma forte presença global através de uma

impressionante vaga de aquisições de empresas, a Nokia confrontou-se com uma das suas

maiores crises de sempre, para o que contribuiu também a emergência de dois choques

adversos a que tivemos oportunidade de nos referir anteriormente59.

Contudo, esta crise possibilitou também uma ampla reestruturação da empresa,

designadamente através de desinvestimentos controlados de alguns sectores do negócio, tais

como: papel, artigos de borracha, equipamento de cabos e electrónica de consumo,

preservando exclusivamente o sector das telecomunicações considerado já como o seu core

business estratégico. O estímulo da procura global de equipamento móvel digital, conjugado

com a posição da Nokia a nível global nos anos 80, evitou o pior para a empresa, salvando-a

provavelmente de um afundamento eminente.

A banalização do telefone portátil associada a um novo design do produto, bem como a

disponibilização de interfaces com o utilizador mais amigáveis contribuíram para a Nokia

entrar em força no mercado de consumo. Sobretudo na segunda metade dos anos 90 e

muito especialmente nestes últimos anos, a empresa tem procurado destacar as

características de lifestyle das comunicações móveis na sua criação de marca – uma

estratégia que explica em boa medida o seu avanço tecnológico e de mercado.

Na verdade, operaram-se recentemente mudanças muito significativas no telefone móvel

que colocam novos desafios tecnológicos e de mercado para o futuro até porque estão muito

associados a comportamentos de maior exigência por parte dos consumidores. Assim,

verifica-se que o telefone já não é apenas um instrumento para falar, pois os utilizadores

hoje valorizam muito mais do que no passado as características visual e de entretenimento,

59 Referimo-nos ao colapso do comércio bilateral com a Rússia e à recessão económica interna no inicio dos anos 90.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 59

isto é, o discurso encontra-se cada vez mais subordinado à imagem e, por isso, é natural

que os telefones multimédia que permitem a captação/transmissão de imagens a cores da

realidade ganhem um novo ímpeto no mercado.

Do mesmo modo, o acesso à internet em ambiente wireless permitirá desenvolver uma gama

muito variada de serviços úteis às pessoas e às empresas, mas os procedimentos de

segurança neste tipo de comunicações irá seguramente constituir uma área de novas

oportunidades para uma oferta estruturada de serviços qualificados, mas também um

domínio de intensa concorrência entre os vários operadores e empresas de telecomunicações

e electrónica.

Neste contexto, a Nokia tem procurado resistir à forte concorrência dos principais players

globais – Motorola, Siemens, Samsung, etc. – e manter-se como uma marca global líder nas

telecomunicações, podendo observar-se que continua a ser a única marca europeia presente

nas Top 10 marcas mundiais mais valiosas no ano de 200460.

5.4. A Nokia no centro do cluster TIC e do sistema de inovação

Tivemos oportunidade de verificar que o desenvolvimento dos standards NMT e GSM,

permitiu um forte impulso do sector TIC finlandês liderado essencialmente pela Nokia, o qual

se alicerçou numa fase inicial no seu próprio mercado doméstico que serviu como laboratório

de ensaio para estruturar as mais diversas actividades que constituem hoje um verdadeiro

cluster da indústria de comunicações da Finlândia.

É evidente que tal só foi possível graças a um esforço continuado das autoridades

finlandesas e das empresas no apoio sustentado à sua internacionalização e ao estímulo

persistente ao desenvolvimento do sistema educativo e das actividades de I&D. Esta situação

contribuiu para a densificação do relacionamento universidade-empresa, propiciando assim

um funcionamento mais articulado e eficaz do sistema de inovação.

A Nokia possui uma posição relevante no sistema de inovação do cluster TIC, operando na

dupla qualidade de utilizador e produtor de recursos de inovação. Com efeito, a análise do

ecosistema da Nokia em matéria da sua inserção no sistema nacional de inovação, permite

identificar como elementos centrais do sistema as universidades e centros de I&D, bem como

os seus fornecedores e clientes. Os factores chave do sistema são a transferência de know-

how, o ensino e a busca incessante de inovação.

60 Vimos anteriormente que a Nokia detinha a 8ª posição no ranking anual de marcas realizado pela Interbrand.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 60

Figura 5

A NOKIA NO SISTEMA DE INOVAÇÃO DA FINLÂNDIA

É sabido que a Nokia domina em dimensão e impacto no cluster TIC finlandês. A produção

doméstica da empresa é cerca de 45% do valor da produção do cluster, mas a participação

da Nokia nas exportações do cluster era de 70% em 1999. Além disso, embora sendo uma

empresa global continua a realizar cerca de 60% do seu investimento em I&D na Finlândia61.

Todavia, importa referir que a par da Nokia existem outras empresas que detêm importantes

quotas no mercado global de determinados nichos da indústria de telecomunicações e

electrónica, nomeadamente no domínios wireless e tecnologia Internet. A título meramente

ilustrativo, indicam-se no Quadro 5 algumas dessas empresas e indicadores económicos com

referência ao ano 2000, segundo as diferentes áreas de actividade do sector das TIC.

61 Paija, Laura(ed.), 2001, ob.citada.

Universidades e Instituições de Investigação

− Know-how − Aplicações

práticas − Financiamento

I&D − Know-how − Requisitos

técnicos

− Marketing − Aplicações

Outros sectores públicos

− Know-how− I&D − Pessoal

qualificado

Clientes da Nokia

− Know-how − Soluções de

equipamentos e sistemas

− Financiamento Tekes

− Investmentos pelas municipalidades

−−−− Impostos

Fornecedores associados da

Nokia

− Know-how − Componentes − Produtos

intermédios

Fonte: ALI-YRKKÖ, Jyrki, & HERMANS, Raine (2002), Nokia in the Finnish Innovation System, ETLA

NOKIA

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 61

Quadro 5

PRINCIPAIS EMPRESAS DO CLUSTER TIC – ANO 2000

Empresas Actividades Vendas (mEur)

Pessoal (nº trab.)

Conteúdos digitais/Embalagem

Sanoma-WOY Oyj Media house 1 448 10 350

eQ Online Oyj Mobile brockerage services 17 173

Infra-estrutura e Terminais

Nokia Oyj Mobile phones /networks systems 30 376 58 708

Tell abs Inc Network access/transfer systems 3 640 8 643

Telest Oyj Access networks 92 562

Benefon Oyj Mobile phones 59 377

Electro bit Oyj Network equipment 37 550

Aplicações de Software

TietoEnator Oyj Enabling solutions 1120 9 934

Tecnomen Oyj Unified messaging solutions 66 484

Comptel Oyj Mediation device solutions 60 426

Sam link Oy Electronic banking systems 45 243

F-Secure Oyj Secure network solutions 41 399

Operação de Telecomunicações

Sonera Oyj Telecom and mobile operator 2 057 10 305

Elisa Communications Oyj Telecom and mobile operator 1 244 6 166

Radiolinja Oyj Mobile operator 614 1 058

DNA Finland* Telecom and mobile operator -- --

Jippii Group Oy (Internet) Internet service provider 35 387

Componentes/Fabric. de Equip.

Elcotec Network Oyj Electronic manufacturing services 2 214 9 630

Perlos Oyj Mobile phones enclosures 452 3 503

NK Cables Oy Communications cables 286 800

Flextronics Finland Electronic manufacturing services 253 532

Aspocomp Oyj Printed circuit boards 240 2 007

JOT Automation Group Oyj Industry automation 140 746

PKC Group Oyj Data transfer systems 129 730

Filtronic LK Oy RF filters, access products, antennas

90 883

Wecan Electronics Oyj Telecom network electronics 47 457

Consultadoria TIC

Satama Interactive Oyj Internet consultancy 30 414

TJ Group Oyj Internet consultancy 29 404

(*) Empresa criada em 2001. Dados não disponíveis

Fonte: Adaptado de Paija, Laura (ed.), 2001, ob. citada.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 62

Não obstante se tratar de empresas essencialmente mergulhadas no mercado global, as suas

actividades nucleares (actividades de I&D) encontram-se predominantemente localizadas na

Finlândia, o que poderá resultar de uma forte cultura tecnológica e uma longa tradição em

matéria de cooperação inter-institucional espelhada no funcionamento do sistema nacional

de inovação que favorece a ancoragem das empresas na sua base doméstica.

A título ilustrativo, refira-se que em 2000, havia mais de 100 operadores de

telecomunicações na Finlândia, a maior parte dos quais actuavam sob capacidade de rede

concessionada, mas o mercado era dominado pelos grupos Sonera (ex-PTO) e Finnet (ex-

Associação de Empresas de Telefones criada em 1921). No conjunto, estes dois últimos

grupos detinham aproximadamente 95% da facturação de serviços de telecomunicações.

Nos serviços móveis, o maior concorrente da Sonera é a Radiolinja que é propriedade do

maior operador privado Elisa Communications. O outro é a sueca Telia que opera nas

maiores cidades finlandesas através de redes próprias e no resto do país tem um contracto

de aluguer com a Radiolinja. O terceiro operador de serviço móvel nacional é a DNA Finland

que foi criado em 2001 por um grupo de operadores privados. De salientar que a Finlândia

foi o primeiro país a conceder, em 1999, licenças UMTS aos quatro operadores GSM.

Nestes últimos anos e segundo Paija, L (2001), observaram-se profundas alterações nas

estratégias das empresas de telecomunicações, as quais podem ser sintetizadas do seguinte

modo:

◆ a queda tendêncial das receitas associadas aos serviços básicos de telefone tem

impelido os operadores a refocalizar as suas actividades e iniciar uma fase de

alargamento dos seus serviços através do seu próprio reescalonamento empresarial

por via de aquisições, fusões e alianças estratégicas de incidência sectorial;

◆ a oferta de serviços a nível da rede e da infra-estrutura tendem a constituir áreas de

negócio distintas para cada operador, visto a capacidade de rede estar acessível a

qualquer fornecedor de serviços, pelo que alguns destes operadores estão mesmo a

equacionar a hipótese de abandonar a propriedade da rede, tendo em consideração as

perspectivas de retorno do investimento.

◆ a liberalização e as novas oportunidades de negócio a nível global propiciaram que os

maiores operadores realizassem investimentos nos mercados internacionais62, o que

reflecte também a necessidade de procurar parceiros globais que permitam assegurar

a partilha de risco face a um futuro incerto.

62 Por exemplo, a Sonera dispõe de 5 licenças UMTS e tem 12 joint ventures com estrangeiros na área das comunicações móveis. O operador Elisa Communicationos tem avançado com aquisições no mercado alemão.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 63

5.5. A Nokia à conquista do mercado americano

É sabido que a partir do início dos anos 90, as redes GSM tiveram um extraordinário sucesso

comercial e tecnológico não só na Europa, mas também a nível mundial. Todavia, o

verdadeiro impulso observado na difusão dos equipamentos associados ao standard GSM a

nível global, verificou-se por volta de 1994/95 quando se opera a sua massificação em larga

escala.

Neste contexto, a Nokia que já havia iniciado a penetração no promissor mercado dos EUA63,

pretendia agora intensificar os esforços para realizar definitivamente uma conquista

significativa de quota neste grande mercado.

Contudo, a Nokia tinha pela frente um poderoso concorrente – a Motorola – que detinha uma

posição claramente dominante no mercado dos telefones móveis e que constituía a sua

principal referência de benchmarking.

Mas, para prosseguir tal objectivo estratégico, tornava-se necessário reduzir quase em

simultâneo, por um lado, a sua própria vulnerabilidade pelo facto de ser vista como uma

empresa baseada quase exclusivamente num único produto com alguns modelos de

terminais e, por um lado, estabelecer-se de forma mais expressiva no próprio território

americano de modo a atenuar os constrangimentos existentes.

Efectivamente, tal acabou por suceder no preciso momento em que a Nokia não só

estabeleceu uma joint-venture64 no Texas, em 1992, como assumiu dois anos mais tarde a

propriedade plena daquela empresa, o que era perfeitamente compatível com a estratégia

que havia anteriormente delineado para conquistar o mercado americano e enfrentar o

gigante Motorola.

Acresce referir que esta situação não poderá dissociar-se das características nucleares para a

massificação dos terminais móveis que emergem no mercado no final de 1992 –

portabilidade e embaratecimento unitário – as quais, na prática, operaram uma deslocação

rápida da electrónica profissional para o mercado de consumo satisfazendo as necessidades

individuais dos consumidores65.

É evidente que a partir daqui, a Nokia expande enormemente as suas vendas de terminais,

mas ao mesmo tempo a empresa irá preparar-se para enfrentar uma concorrência muito

mais forte em que a vertente design será bem mais importante no sucesso comercial dos

diferentes modelos.

63 Em 1984, a Nokia estabeleceu a Tandy Mobira Corporation (TMC) na Coreia para fabricar os telefones analógicos AMPS, os quais seriam vendidos no mercado americano através da cadeia de distribuição da rádio Shack nos EUA.

64 Tandy Nokia Corporation (TNC).

65 Haikio, Martti (2001) ob. cit.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 64

É, aliás, neste contexto que valerá a pena sublinhar a importância crescente que o design do

produto foi assumindo no seio da empresa à medida que avançava a miniaturização dos

terminais e esta foi uma grande viragem na estratégia de design industrial da Nokia segundo

Frank Nuovo66, o director de design da Nokia 67.

Na verdade, F. Nuovo foi um dos impulsionadores de todo este novo processo de design que

valorizou o elemento visual, a harmonia e a simplicidade funcional do produto no seu

conjunto. De facto, ele trabalhara como consultor da Nokia até 1995, ano em que foi mesmo

contratado pela empresa, tendo estabelecido o Centro de Design da Nokia em Los Angeles,

onde desenhou o modelo 101 e dirigiu o design inúmeros outros dos modelos de telefones

móveis (ex. mod. 232, 2110, 2120,.., 6110,..6800, 6200, etc.).

A Nokia contratou então muitos jovens designers saídos das escolas de arte por forma a

acompanhar as tendências de mercado que são tanto mais importantes quanto a

concorrência se intensifica entre os operadores de comunicações móveis e produto telemóvel

em se banaliza cada vez mais e se associa também a uma espécie de imperativo de moda.

A sua carreira e experiência profissionais abrangem uma gama vasta e muito diversificada de

produtos que vão desde o mobiliário, interiores do automóvel até aos computadores, e que

naturalmente tiveram uma significativa influência na afirmação da marca Nokia no mercado

americano, onde conseguiu mesmo superar a Motorola no final dos anos 90, atingindo

sensivelmente uma confortável quota de 36% em 1998, enquanto o concorrente Motorola

não ultrapassava os 26% nesse mesmo ano.

Não obstante, as diferenças substanciais entre os mercados americano e europeu,

nomeadamente em matéria de avanço da digitalização, estava consumada a conquista e a

liderança da Nokia no mundo das comunicações móveis digitais, não apenas nestes dois

continentes, mas principalmente a nível mundial68.

Da leitura do Gráfico 9 podemos facilmente observar que os EUA continuam a ser o primeiro

mercado de exportação da Nokia, representando no conjunto deste grupo dos 10 maiores

mercados da empresa aproximadamente 1/4 das vendas neles realizadas no ano de 2003.

Importa registar igualmente a importância nos mercados europeus do Reino Unido e

Alemanha ( respectivamente com os valores de 15% e 13%), bem como o mercado da China

(11,3%), revelando neste conjunto de mercados uma certa regressão da sua expressão

relativa desde 2001, ano em que apresentava um valor da ordem dos 18,3%.

66 Frank Nuovo é italo-americano oriundo de Monterrey, Califórnia (EUA). Trabalhou durante 10 anos na BMW Group Designworks USA e está na Nokia desde 1995.

67 Haiko, Martti (2001), ob. cit.

68 Segundo Haikio,M. (2001), a Nokia estabeleceu uma organização regional na qual a China surge como um dos principais mercados da empresa.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 65

Tal situação mostra-nos o surgimento de dificuldades concorrenciais neste mercado face aos

grandes players globais da indústria de telecomunicações que têm vindo a dar uma atenção

muito especial a este novo mercado asiático com um incontornável potencial de crescimento.

Gráfico 9

ESTRUTURA DE DISTRIBUIÇÃO DO VOLUME DE VENDAS DA NOKIA NOS SEUS 10 PRINCIPAIS MERCADOS EM 2003

Unid.: em %

Fonte: Relatório Anual da Nokia, 2003.

Os próximos desafios e eventuais sucessos ou insucessos da Nokia dependerão agora da sua

maior ou menor capacidade de aproveitar as oportunidades de mercado resultantes do ritmo

de crescimento e das possíveis mudanças tecnológicas características da indústria de

telecomunicações móveis, tendo por adquirido que uma nova era está a emergir e que nos

surge muito associada às comunicações multimédia e wireless e internet.

Neste quadro, a Nokia terá obviamente de reflectir sobre a sua própria estratégia de

aquisições e/ou joint-ventures com outros parceiros para se sintonizar mais estreitamente

com as novas tendências tecnológicas em curso, mas sobretudo repensar o seu modelo

organizativo interno para ser capaz de responder com eficácia e flexibilidade aos desafios do

novo momentum que se atravessa e do(s) futuro(s) possíveis.

5.6. A Reestruturação da Nokia – Solução para os Novos Desafios?

Uma década após a aposta nas telecomunicações móveis, a Nokia sentiu necessidade de

repensar a estratégia da empresa.

Isto porque as receitas da Nokia depois de dispararem cerca de 54% em 2000, iniciaram um

ciclo de significativo abrandamento do seu ritmo de crescimento conforme se poderá

facilmente inferir da leitura do Quadro 6, tendo registado em 2003 uma queda de cerca de

2% relativamente ao ano anterior. Esta evolução caracteriza igualmente as diferentes áreas

de negócio da Nokia, embora com intensidades de variação diferenciadas.

25,1%

15,1%

12,9%11,3%

10,6%

5,9%

5,6%

4,9%

4,5% 4,2%

EUA RU Alemanha China UAE India Itália França Brasil Espanha

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 66

De idêntico modo, o comportamento evolutivo dos restantes indicadores económicos

(Resultados Operacionais e Despesas de I&D) seguem uma tendência similar, embora no que

se refere às despesas de I&D o seu ritmo de variação interanual tenha sido globalmente

bastante menos afectado (em 2000 a variação era de 47,2% e em 2003 registava uma

variação anual de 23,2%), constatando-se mesmo uma melhoria substancial no segmento

estratégico da Nokia Networks que evidencia uma variação anual em 2003 de 54,8%,

quando em 2000 registava um crescimento nominal de 30,4% face ao ano anterior.

A empresa passou então a enfrentar a concorrência de rivais deixados para trás anos antes,

bem como a ameaça posta pelos fabricantes asiáticos, desde o gigante coreano Samsung

Electronics ao novo produtor chinês TCL Holdings. Para além disso, persiste o desafio do

monstro do software Microsoft. A sua investida para que os fabricantes de telemóveis

adoptem uma versão light do seu software windows ameaça corroer o domínio da Nokia.

Quadro 6

ALGUNS INDICADORES ECONÓMICOS DA NOKIA NO PERÍODO 1999/2003

1999 2000 Var. % 2001 2002 2003 Var. %

1 1 3=2/1 4 5 6 7=6/5

1. Nokia Mobile Phones

Volume de vendas 13 182 21 887 66,0 32 158 23 211 23 618 1,8

Resultado Operacional 3 099 4 879 57,4 4 521 5 201 5 483 5,4

Despesas de I&D 835 1 306 56,4 1 599 1 884 2 064 9,6

2. Nokia Networks

Volume de vendas 5 673 7 114 36,0 7 534 6 539 5 620 -14,1

Resultado Operacional 1 082 1 358 25,5 -73 -49 -219 346,9

Despesas de I&D 777 1 013 30,4 1 135 995 1 540 54,8

3. Nokia Ventures Organisation

Volume de vendas 415 854 105,8 585 459 366 -20,3

Resultado Operacional -175 -387 121,1 -855 -141 -161 14,2

Despesas de I&D 110 235 113,6 221 136 124 -8,8

4. Grupo Nokia (consolidado)

Volume de vendas 19 772 30 376 53,6 31 191 30 016 29 455 -1,9

Resultado Operacional 3 908 5 776 47,8 3 362 4 780 5 011 4,8

Despesas de I&D 1 755 2 584 47,2 2 985 3 052 3 760 23,2

Unid.: milhões de Euros.

Fonte: Relatório Anual da Nokia, 2003.

A Nokia tem o reconhecimento dos analistas e seus rivais por ter sido a primeira a

vislumbrar que os telefones celulares se estavam a tornar itens de consumo. Em meados dos

90s, começou a segmentar a sua linha de produtos por “estilos”, tais como o Básico, o

Clássico e da Moda. Mas a unidade de telefones móveis manteve-se sempre unificada. Agora

essa estrutura tradicional desapareceu, tendo sido substituída por um conjunto de mini-

Nokias.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 67

Existem, no entanto, sinais preocupantes de que a Nokia está a perder a liderança. Foi

ultrapassada nos telefones de ecrã colorido, por exemplo, pela rival Sony Ericsson Mobile

Communications (a joint-venture do gigante Sueco Ericsson e do Japonês Sony).

Mas este não foi o único falhanço da Nokia. Tem seguido, arrastada, a Motorola que entretanto ressurgiu com telemóveis com GPRS, uma melhoria face ao standard GSM dominante na Europa. Tem menos de 10% da quota de mercado de telefones CDMA, um segmento em rápido crescimento dominado por rivais como a Samsung. E a maioria de telefones com câmara fotográfica – que digitalizam imagens e as enviam sem fios – vêm de produtores japoneses, como a NEC. Esta constitui uma grande fraqueza, uma vez que a incorporação de câmaras fotográficas digitais nos telemóveis acabou por se generalizar e a Nokia não esteve em posição de apanhar o grosso desta oportunidade de negócio.

Perante o quadro traçado, a Nokia sentiu necessidade de se reestruturar, e em Maio de 2001, dividiu a sua unidade de telefones móveis em nove, ficando cada uma com a incumbência de melhorar a posição da companhia num mercado particular. Houve por parte da gestão de topo a percepção de que “ser demasiado grande constituía um perigo real”69. Logo, “havia que partir a empresa de forma racional para manter o impulso empreendedor que tivemos nos anos 90.”

Foram criadas as seguintes unidades, cada uma com a sua própria investigação e desenvolvimento e marketing70:

◆ Time-Division Multiple Access (TDMA) Unit: o objectivo é explorar ao máximo a quota que a Nokia tem neste mercado em declínio. Como os telefones TDMA continuarão a ter procura durante os próximos anos em mercados como a América Latina, a empresa poderá daí colher frutos sem que tenha de investir nesta tecnologia já fora de moda;

◆ Code-Division Multiple Access (CDMA) Unit – trabalhará para fomentar a desprezível quota de mercado de 9% da Nokia nos telefones CDMA. Esta tecnologia está a arrebatar a Ásia e nela reside a essência da terceira-geração (3G) de telefones móveis;

◆ Mobile Phones Unit – terá como foco o coração da actividade da Nokia: os telefones GSM e os seus sucessores. Esta unidade pode gerar mais de metade dos lucros operacionais totais da companhia nos próximos anos;

◆ Mobile Entry Products Unit – irá produzir telefones baratos para países em desenvolvimento como a China, Índia e Rússia. Irá também trabalhar com operadores móveis locais para fornecer serviços a baixos preços;

◆ Imaging Unit – responsável pelo lançamento do telefone câmara 7650, que conjuga ecrã colorido e software gráfico, entre outros;

69 BusinessWeek July 1, 2002, pp. 19.

70 BusinessWeek July 1, 2002, pp. 21.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 68

◆ Entertainment and Media Unit – a sua primeira função foi promover o 5510, um

telefone híbrido e aparelho de música que inicialmente não teve grande sucesso;

◆ Business Applications Unit – dirigida a clientes empresa, abarca tudo desde telefones

inteligentes a organizadores pessoais;

◆ Mobile Enhancements Unit – vai essencialmente promover acessórios;

◆ Mobile Services Unit – encarregue de gerir o clube Nokia, que contempla um serviço

online, um centro de informação para apoio tecnológico, download de toques, e

aplicações Java. Tratam-se de serviços populares entre os consumidores, que ajudam

também a cimentar a lealdade à marca.

Esta reestruturação da empresa acarreta consigo um grande simbolismo que pode ser visto

na passagem de uma estrutura unificada (que privilegiava as economias de escala), para

uma organização mais complexa de unidades de negócio separadas (que privilegia os nichos

de mercado).

Com a nova estrutura espera-se que a empresa se passe a mover mais rapidamente e com

maior flexibilidade. Tanto mais que a própria indústria de telefonia móvel está a passar por

uma transição histórica, marcada pela crise financeira (pós 2000) e rápida mudança

tecnológica.

Por outro lado, a posse de telemóvel está a atingir níveis de saturação no mundo

desenvolvido. Pensava-se, no entanto, que a rede sem fios iria estimular a procura de novos

terminais tipo computador, capazes de transmitir desde cotações a vídeo conferências em

tempo real. Mas a introdução da dita terceira geração está mais lenta do que o esperado.

Tradicionalmente os telemóveis permitiam falar – a qualquer hora e em qualquer lugar.

Agora estão-se a tornar em utensílios para enviar e receber dados também. A maioria dos

telemóveis vêm com browsers, câmaras digitais e aparelhos de música incluídos. Líderes do

negócio dos PCs, incluindo a Microsoft e a Intel, vêm este momento como a sua

oportunidade (de ouro) de entrarem neste ramo de negócio, vendendo processadores e

outra tecnologia aos fabricantes de telemóveis.

Enquanto no passado apenas a Nokia e poucos outros tinham as aptidões técnicas para

desenhar as componentes electrónicas necessárias à fabricação de telemóveis, actualmente

existe todo um leque de componentes produzidos para o mercado por inúmeros

fornecedores, e empresas como a Motorola, Texas Instruments e a francesa Wavecom estão

prontas para fazer a montagem dos kits telefónicos móveis.

A grande consequência disto é que se torna mais fácil do que nunca para os produtores de

baixo custo de origem asiática fabricar, ou melhor montar, telefones móveis, o que poderá

deixar a Nokia numa posição difícil. Para manter a liderança a Nokia deve cada vez mais

diferenciar o seu produto com base em melhores software e hardware. Em 2002, a Nokia

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 69

gastava já 60% das suas despesas de I&D em desenvolvimento de software, face a 30% 5

anos antes.

Na sequência da ampla restruturação da companhia iniciada em 2002, com a divisão da

unidade de Mobile Phones em nove unidades de negócios, no início de 2004 a Nokia introduz

novas alterações na sua organização, passando a empresa a contar com quatro grupos de

negócio, unidades comuns de tecnologia, fabricação, logística, marketing e vendas a

empresas, além de divisões de estratégia e investigação e desenvolvimento.

Com esta reestruturação a empresa conta melhor responder às exigências das novas áreas

de negócio emergentes na indústria das telecomunicações móveis, ao mesmo tempo que

continua a consolidar a sua liderança na comunicação móvel de voz. Todas as actividades

serão reunidas em quatro unidades de negócios, com o objectivo de optimizar a obtenção de

soluções à medida das necessidades de cada segmento71:

◆ Mobile Phones – oferecerá uma ampla e altamente competitiva linha de telemóveis

para uma grande variedade de segmentos de consumo;

◆ Multimedia – dedicar-se-á a levar a multimedia móvel aos consumidores na forma de

imagens, jogos, música e uma série de outros conteúdos atractivos;

◆ Networks – continuará a disponibilizar tecnologia de ponta para infra-estruturas de

redes e serviços relacionados, baseados nos principais padrões sem fio;

◆ Enterprise Solutions – oferecerá soluções de valor agregado às empresas ao promover

uma linha de terminais e soluções de conectividade móvel baseadas em arquitectura

de mobilidade ponta-a-ponta.

Para melhorar a sua eficiência e competitividade a Nokia estabeleceu também três funções

horizontais que servirão toda a companhia72:

◆ Operações com Clientes e Mercados – esta unidade inclui as organizações de vendas e

marketing da Nokia bem como as de fabrico, logística e aprovisionamento. Foram

organizadas globalmente para suportarem os três grupos de negócio relacionados com

telefones e dispositivos móveis: Telemóveis, Multimédia e Soluções Empresariais. O

grupo de negócios Redes continua a dispor das suas próprias actividades de vendas e

marketing, logística e aprovisionamento;

◆ Plataformas de Tecnologia – esta unidade fornece as mais recentes tecnologias e

plataformas aos grupos de negócios da Nokia e aos clientes externos. Por outro lado,

71 Nokia- Press Release [http://www.nokia.com.br/cda1?id=47148].

72 Retirado do site oficial da Nokia [http://www.nokia.pt/acercanokia/empresa/organization.html].

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 70

destina-se à indústria digital convergente em evolução, e fortalece a posição da Nokia

com a ajuda de tecnologias da concorrência;

◆ Investigação e Assunção de Riscos e Infra-estrutura do Negócio – para além do

desenvolvimento de produtos actual, o centro de investigação Nokia desenvolve

tecnologias de ruptura e cria competências nas áreas de tecnologia vitais para o futuro

sucesso da empresa. Também suporta os quatro grupos de negócio da Nokia

interagindo intimamente com eles para desenvolver novos conceitos, tecnologias e

aplicações:

o A assunção de riscos na Nokia contribui para a sua renovação por identificação e

desenvolvimento de novas oportunidades de negócio que ficam fora do âmbito

do foco actual das suas unidades de negócio. A Organização de Capital de Risco

da Nokia actua como incubadora, cuidando das ideias desde a fase de

desenvolvimento até à comercialização rentável;

o A infra-estrutura do negócio na Nokia é constituída pelos processos do negócio,

pelas aplicações que suportam esses processos e pelas plataformas de TI. Num

sentido mais vasto, também inclui as operações e o suporte. A infra-estrutura do

negócio é vista como um facilitador chave da eficiência operacional da Nokia.

Com uma infra-estrutura modular flexível e reconfigurável, constituída por

processos, aplicações e plataformas de TI, a empresa procura combinar

economias de escala e agilidade.

Inúmeros actores aguardam com um misto de curiosidade e ansiedade os resultados destas

reestruturações, nomeadamente em que medida permitirão à Nokia enfrentar com sucesso

os novos desafios que nos próximos anos se colocarão à indústria de telefones móveis. Pois

do sucesso da Nokia dependerá, pelo menos no futuro próximo, em maior ou menor grau a

continuação da performance económica da Finlândia.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 71

6. RISCOS

Apesar da excelente performance e bom posicionamento competitivo da economia finlandesa

na última década, alguns sinais deixam antever que a evolução dos últimos anos poderá não

se prolongar por muito mais tempo no futuro, a não ser que importantes reformas sejam

implementadas.

Nem todas as heranças culturais da Finlândia são necessariamente boas. O facto de ser um

país pequeno e relativamente isolado na periferia a norte faz com que a Finlândia não tenha

a tradição cosmopolita que têm a Holanda e Suécia, por exemplo. O risco de isolamento e

viragem para dentro que daqui pode resultar constitui certamente um obstáculo ao empenho

do país em defender e fortalecer as suas posições enquanto sociedade da informação

avançada.

O lifestyle finlandês é considerado muito pouco atractivo para a maioria dos estrangeiros,

tornando a Finlândia um local pouco apetecível para trabalhar e viver, como os próprios

finlandeses reconhecem. Esta não atractividade do lifestyle finlandês tem implicações a

vários níveis:

(i) muito sentido nas universidades que não são apelativas para estrangeiros e,

consequentemente, têm dificuldade em se internacionalizar;

(ii) faz com que a economia finlandesa não possa contar muito com a

imigração/contratação de trabalhadores estrangeiros para contrariar o

envelhecimento da população, a escassez da oferta de trabalho e a superação de

determinadas qualificações em falta na força de trabalho;

(iii) a não atractividade do lifestyle finlandês acrescida da elevada tributação do

rendimento explicam a dificuldade da Finlândia em atrair e reter talentos, bem

como IDE. Apesar de bem colocada nos rankings da competitividade, a fraca

atractividade de IDE continua a ser o “calcanhar de Aquiles” da economia

finlandesa.

O facto do leque salarial na Finlândia ser relativamente homogéneo faz com que os salários

de trabalhadores qualificados sejam comparativamente baixos, ao passo que os salários de

trabalhadores pouco qualificados sejam comparativamente elevados. Se juntarmos a esta

homogeneidade salarial a tributação elevada do rendimento (individual e empresarial), o

risco de deslocalização de actividades menos exigentes em trabalho qualificado para os

novos estados membros, com salários e impostos muito inferiores, ganha cada vez maior

importância. Num cenário com esta configuração a Finlândia ver-se-ia a braços com um

aumento de desemprego de trabalhadores menos qualificados, possivelmente de idade

avançada, que dificilmente poderiam ser reconvertidos e reintegrados no mercado de

trabalho, acabando assim por engordar a população desempregada e as respectivas

despesas sociais.

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 72

Para além dos factores já enumerados, outros dois contribuem igualmente para o fraco

desempenho na atracção de IDE e risco de deslocalização de algumas actividades, são eles a

burocracia que ainda persiste, por exemplo para montar uma empresa, e a inexistência de

um espirito empreendedor na população finlandesa, onde no seio de alguns grupos e

nalgumas regiões a obtenção do lucro não é considerado um fim minimamente nobre para

reger uma dada actividade (económica).

Por último, mas nem por isso menos importante, tem-se o papel preponderante que a Nokia

ocupa no seio do sector TIC (o motor de crescimento da economia na última década) e,

consequentemente, no total da economia. De tal forma que, se a Nokia perder o dinamismo,

isso terá um impacto imediato nas exportações finlandesas e, em resultado, no crescimento

do PIB. Esta situação leva alguns analistas a questionar até que ponto a performance da

economia finlandesa não estará demasiado dependente do dinamismo do seu “cavaleiro”

principal – a Nokia.

E como tivemos oportunidade de referir no ponto anterior, não são poucos, nem fáceis, os

desafios que o gigante das telecomunicações finlandês tem pela frente, dos quais se

destacam: (i) entrada de novos concorrentes, tanto fabricantes asiáticos capazes de produzir

telemóveis a custos muito reduzidos, como produtores de computadores portáteis que

certamente serão tentados a entrar no mercado das telecomunicações móveis; (ii) tendência

que coloca a ênfase do negócio cada vez mais na transmissão de dados (e que a Nokia

apenas percepcionou mais tarde do que alguns seus concorrentes), em detrimento da voz, e

(iii) alguma incerteza relativamente ao sucesso das comunicações móveis de terceira

geração.

A Finlândia enfrenta importantes desafios que podem condicionar o seu desenvolvimento

futuro; a resposta que lhes for dada vai determinar fortemente em que medida continuará,

ou não, o ritmo de desenvolvimento da última década.

O envelhecimento da população tenderá a tornar o welfare state finlandês ainda mais

dispendioso. Contudo, o facto do nível de tributação ser já bastante elevado, não deixando

margem para mais aumentos da carga fiscal sobre o rendimento, e a Finlândia enfrentar a

concorrência fiscal dos novos estados membros do leste europeu, coloca ao país um

imperativo de reforma do seu welfare state, sob pena do aumento dos impostos necessário

para o financiar prejudicar seriamente o dinamismo da actividade económica, favorecendo a

deslocalização de empresas e travando a já difícil atracção de IDE. Resta saber até que

ponto a população finlandesa aceitará cortes no welfare state.

A escassez de mão-de-obra, com todas as suas implicações, é outro dos desafios com que a

Finlândia terá de se confrontar num futuro próximo. A imigração poderia revelar-se uma

solução rápida, mas o “fechamento” da sociedade finlandesa (com leis estabelecidas

precisamente para vedar o acesso a estrangeiros) e a não atractividade do lifestyle finlandês

colocam-na fora de questão.

O sector TIC tem sido o grande responsável pelo extraordinário crescimento do produto e da

produtividade na última década. No entanto, ao contrário do que aconteceu nos EUA, a

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 73

utilização das TIC tem-se revelado bastante deficiente na Finlândia. Pensa-se, contudo, que

um novo surto de aumento da produtividade só poderá ser obtido, no curto/médio prazo, à

custa do alargamento da utilização/aplicação das TIC aos demais sectores produtivos. Assim,

outro dos desafios que se coloca à economia finlandesa passa, precisamente, pela sua

capacidade de utilização mais ou menos generalizada das TIC no processo produtivo.

7. CONCLUSÃO

Do exposto anteriormente podem-se deduzir algumas condições necessárias ao sucesso

económico finlandês:

(i) a existência de um conjunto de valores favoráveis ao desenvolvimento e uma

população homogénea caracterizada por uma forte coesão social (e capacidade de

obter consenso);

(ii) um sistema educativo de elevada qualidade. Nas décadas de 60 e 70 foram feitos

grandes investimentos em educação. Apostou-se num modelo educativo que

permitisse a mudança tecnológica. A educação básica continua a ser a pedra basilar

do sistema educacional finlandês. (Não é apenas a educação superior em ciências e

engenharia que é determinante; um nível de educação geral elevado é pelo menos tão

importante para a adopção e utilização de novas tecnologias);

(iii) décadas caracterizadas por um quadro político relativamente estável e por uma política

económica e consequentemente ambiente económico consistente e “previsível”. À

estabilidade do quadro político e da política económica, acresce uma visão nacional

partilhada de como construir o país, facilitada certamente pela homogeneidade da

população, mas para o que o instrumento da prospectiva também muito contribuiu;

(iv) Infra-estrutura de base sólida, constituída pelos serviços fornecidos pelo welfare state,

bem como um justo e eficiente quadro legislativo e judicial;

(v) aposta certeira e atempada nas TIC como motor do crescimento da economia nacional,

e papel determinante de um actor na afirmação internacional deste sector – a Nokia.

Este conjunto de condições criaram um ambiente interno extremamente fértil ao

desenvolvimento endógeno de actividades e actores, dos quais a Nokia representa o

expoente máximo; ao contrário de outros países, como a Irlanda, cujo modelo de

desenvolvimento recente se baseou na atractividade de actividades e actores estrangeiros,

via IDE.

Apesar da extraordinária performance da economia finlandesa na última década, o país

defronta-se com importantes desafios que, caso não sejam correctamente ponderados,

podem aniquilar a vaga de crescimento dos últimos anos. Entre os grandes desafios futuros

que colocam à economia finlandesa incluem-se: (i) uma população em envelhecimento e

Informação Internacional, Vol. I, 2004

Departamento de Prospectiva e Planeamento 74

com uma oferta de mão de obra cada vez mais escassa; (ii) necessidade de reforma do

sistema de welfare de modo a não penalizar a competitividade fiscal da economia, embora

sem defraudar demasiado as expectativas da população; (iii) homogeneidade salarial que

não reflecte a produtividade do trabalho menos qualificado, considerado caro em termos

internacionais, (iv) alargar a incorporação das TIC a outros sectores de actividade, e (v)

aposta continuada nas biotecnologia, de modo a tornar-se num first-mover caso esta vaga

tecnológica emirja. Da reposta a estes desafios dependerá a continuidade do crescimento da

economia finlandesa no futuro.

Olhando para a experiência finlandesa somos, naturalmente, tentados a dizer que na origem

do boom de crescimento iniciado por volta de 1994 está a aposta no cluster TIC. No entanto,

apesar da evidência do papel das TIC em todo este processo, o nosso argumento é de que

houve todo um trabalho de casa anterior que tornou o terreno fértil, sem o qual a aposta nas

TIC ou não teria sido possível, ou não teria dado os resultados a que acabámos por assistir.

Na verdade, apesar de não visível num primeiro olhar, nas raízes do “milagre finlandês”, e

do boom das TIC em particular, estão opções de política que remontam à década de 70, pelo

menos. Nos anos 1980s, muito antes de se falar da nova economia, já a política tecnológica

finlandesa tinha começado a dar prioridade às TIC.

Importa esclarecer que não houve um plano mestre para reestruturar a economia e

indústria, antes um conjunto de medidas concertadas apontando para um mesmo fim

durante um longo período de tempo. Só assim um verdadeiro processo de desenvolvimento

pode ser alcançado.

Talvez o facto de ser um país pequeno e homogéneo tenha ajudado a obter consenso em

torno de um projecto tecnológico nacional. Contudo, no nosso entender os exercícios de

prospectiva realizados, ao envolverem os diferentes actores sociais, funcionaram como um

eixo orientador e mobilizador de toda a sociedade em torno de um processo de

desenvolvimento conscientemente estabelecido.

O modelo finlandês não pode ser, obviamente, replicado. No entanto, há princípios gerais,

condições de sucesso, que podem bem ser aprendidas pela experiência de países terceiros.

Uma lição importante que ressalta da experiência finlandesa é a de que a política de

inovação deve ter uma perspectiva estratégica de longo prazo. Assim, é fundamental que as

políticas sejam consistentes e concertadas entre si durante um horizonte temporal longo e

não ditadas por ciclos temporais curtos ou considerações de natureza política. Neste sentido,

a prospectiva pode ajudar a funcionar como um instrumento que auxilia na definição de uma

visão estratégica para o país.

Finlândia: uma Aposta na Globalização e na Tecnologia

Departamento de Prospectiva e Planeamento 75

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