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R. L. De Campos 1 Financiamento: FAPEG O AGROSEBRAE: um recorte na região de Araraquara - São Paulo/Brasil RESUMO: A proposta de comunicação visa apresentar e debater as relações entre produção, reprodução e apropriação do conhecimento a partir de pesquisa sobre agricultura alternativadesenvolvida no interior do estado de São Paulo no Brasil, e dum programa específico do SEBRAE Sistema Brasileiro de Apoio ás Micro e Pequenas Empresas chamado AGROSEBRAE. Uma opção diante á produção massificada e as conseqüências e efeitos negativos da agricultura convencional ou agronegócio que na busca pela maximização dos lucros e hegemonia de mercado traz como conseqüência, dentre outras, o uso excessivo de agrotóxicos, agressão ao meio ambiente, doenças, padronização de gostos e sentidos, etc. Palavras Chave: capitalismo cognitivo, agricultura alternativa, subjetividade, saber e conhecimento. 1 Sociólogo, professor da UFG Universidade Federal de Goiás na FCS Faculdade de Ciências Sociais de Goiânia e professor colaborador junto ao programa de Pós Graduação da UNESP Universidade Estadual Paulista, FCL/Campus Araraquara, Contato: [email protected] 16, 17 e 18 de Julho de 2015

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R. L. De Campos1

Financiamento: FAPEG

O AGROSEBRAE: um recorte na região de Araraquara - São

Paulo/Brasil

RESUMO: A proposta de comunicação visa apresentar e debater as relações entre produção, reprodução

e apropriação do conhecimento a partir de pesquisa sobre agricultura “alternativa” desenvolvida no

interior do estado de São Paulo no Brasil, e dum programa específico do SEBRAE – Sistema Brasileiro

de Apoio ás Micro e Pequenas Empresas chamado AGROSEBRAE. Uma opção diante á produção

massificada e as conseqüências e efeitos negativos da agricultura convencional ou agronegócio que na

busca pela maximização dos lucros e hegemonia de mercado traz como conseqüência, dentre outras, o uso

excessivo de agrotóxicos, agressão ao meio ambiente, doenças, padronização de gostos e sentidos, etc.

Palavras Chave: capitalismo cognitivo, agricultura alternativa, subjetividade, saber e

conhecimento.

1 Sociólogo, professor da UFG – Universidade Federal de Goiás na FCS – Faculdade de Ciências Sociais

de Goiânia e professor colaborador junto ao programa de Pós Graduação da UNESP – Universidade

Estadual Paulista, FCL/Campus Araraquara, Contato: [email protected]

16, 17 e 18 de Julho de 2015

Instituto de Ciências Sociais (ICS-UL)

AGROSEBRAE: a case in the region of Araraquara - São Paulo/Brazil

Abstract: This paper presents and discusses linkages between production, reproduction and

appropriation of knowledge, Based upon empirical research on “alternative agriculture” in rural areas of

the state São Paulo (Brazil). Specifically, our focus is put in analyzing AGROSEBRAE, one of the

programmers’ of SEBRAE ( Brazilian System of Support to Micro and Small Companies). Data analysis

infers that this is one option facing massified production and the consequences and effects of

conventional agriculture. This latter form, also known as agro-business, in its’ quest for profit and market

hegemony, brings forward, among other aspects, the excessive use of toxic substances, aggressions over

the environment, health issues, standardization of taste and senses, etc.

Keywords: Cognitive capitalism, alternative agriculture, subjectivity, knowledge

Introdução

O Brasil assim como outros países ditos desenvolvidos ou vis-à-vis em vias de

desenvolvimento passa por transformações resumidas como sendo resultados da crise

do chamado capitalismo industrial ou sociedade salarial. Esta nova organização

produtiva “recupera na transformação” saberes e conhecimentos, conforme aparece na

proposta de Gorz, (2005), e que são valorizados no ou pelo circuito de mercados. Ou

então, uma nova organização produtiva mais flexível, plural, dispare e que

sugestivamente se estrutura valorizando elementos de subjetividade como gostos,

sabores, qualidade de vida, dentre outros.

A flexibilização, conforme compreendida por David Harvey (2008) possibilita a

reflexão e a valorização da diversidade (sabores, estética etc.) rompendo com o conceito

“padrão” e massificado de produção e consumo de massas. Na esteira deste processo as

instituições de maneira geral são permeadas por transformações que buscam captar este

potencial produtivo traduzindo em representação. No Brasil, grosso modo, o SEBRAE é

a instituição modelo que capta este novo potencial produtivo transformando em

representação.

O SEBRAE foi criado em 1972 como entidade privada sem fins lucrativos tendo

como objetivo fomentar o empreendedorismo. A proposta desde então é trabalhar com o

potencial produtivo dos pequenos e médios empreendimentos que se auto-organizam

valorizando o conhecimento. Canalizar estes conhecimentos e viabilizá-los em pequenas

e médias empresas é o objetivo do SEBRAE enquanto instituição. O slogan do

SEBRAE instituído oficialmente em 2008 é: “Quem tem conhecimento vai para frente”.

Trata-se de fomentar o desenvolvimento via matrizes duma nova economia com valores

como preservação ambiental, cooperativismo, participação social, emprego, qualidade

de serviços, desenvolvimento local e principalmente empreendedorismo. A aposta do

SEBRAE é que a nova economia que se forma com a crise da sociedade salarial funda-

se no conhecimento e na capacidade empreendedora de transformar este conhecimento

em produtos aceitos pelo mercado e nucleados como empresas que se relacionam num

mix de cooperação e competição.

O maior capital de uma empresa é o conhecimento. E a capacidade de usá-lo

para desenvolver produtos, idéias e serviços é o melhor diferencial

competitivo. Há uma grande quantidade de informação disponível nos mais

diferentes meios (jornais, revistas, rádio, televisão, bibliotecas, internet etc.).

Essas informações, quando úteis e aplicáveis, geram conhecimento dentro da

empresa, o que é fundamental para a inovação de produtos, serviços,

processos, marketing e organizacional. Para melhorar a utilização desse

conhecimento, os pequenos negócios podem implementar a gestão do

conhecimento. Ela nada mais é do que o conjunto de atividades e práticas que

permitem à empresa criar, registrar, compartilhar, proteger e usar os

conhecimentos mais importantes para gerar inovações e trazer benefícios

econômicos para ela mesma. (SEBRAE, 2014.)

Foi em 1997 quando o SEBRAE, diante da verificação de potencial produtivo e

a explosão de pequenas empresas ligadas á agricultura e de alguma maneira as

sociedades rurais, propõe a experimentação do programa piloto SAI – Sistema

Agroindustrial Integrado. O objetivo inicial era expandir a metodologia, princípios e

objetivos da instituição á experiências agrícolas ou mais propriamente pequenos e

médios empreendimentos agrícolas. O desafio era adequar sua ação – gerenciamento,

planejamento produtivo, inovação, captação de recursos, marketing, etc.- a um público

novo. E, diga-se de passagem, um público nada acostumado a receber políticas públicas

de desenvolvimento, haja vista que no Brasil historicamente o desenvolvimento agrícola

e agrário foi pensado e praticado a partir dos grandes empreendimentos monocultores

encerrados em latifúndios e em grandes investimentos de capital.

As primeiras experiências foram avaliadas pela instituição como positivas.

Todavia, conforme prática corrente da instituição, carecendo de mais experiências de

campo, de mais “experimentação”. Após anos de experiências trabalhadas com grupos

de produtores em diferentes partes do Estado de São Paulo o SAI passa por

reformulações principalmente em 2001 e 2009. A guisa dos resultados alcançados com

o projeto piloto, o SAI atua flexibilizando aplicativos de acordo com cada caso em

específico avaliando e considerando realidades difusas avaliadas e trabalhadas sempre

em proveito da instituição e dos objetivos do programa.

O AGROSEBRAE posto em prática em 2011 nada mais é que o resultado de

anos de experiência com o SAI que passou por seguidas reformulações que

incorporaram positivamente ás experiências de campo com os produtores agrícolas. O

AGROSEBRAE é o resultado das “missões” com o projeto piloto seguindo a mesma

matriz metodológica do SAI, porém, melhor adequada e transformada com vistas á cada

realidade concreta “experimentada.

O modelo SEBRAE de gestão e organização funciona ás avessas da organização

produtiva vigente no capitalismo industrial. Ao invés de vender força de trabalho na

condição de executor de tarefas pré-programadas alheias á cognição de quem executa, o

agente da produção passa a ser ele próprio uma empresa sendo que a vida torna-se

mercadoria nos elementos mais periféricos, “supérfluos” e fluídicos. O consumidor é

agente ativo determinando o consumo. Detentores de capacidade ou conhecimento

produtivo, vis-à-vis prescindem do comando empreendendo e conciliando trabalho

(execução) com conhecimento (concepção). Conforme Gorz (2005):

A pessoa deve, para si mesma, tornar-se uma empresa; ela deve se tornar,

como força de trabalho, um capital fixo que exige ser continuamente

reproduzido, modernizado, alargado, valorizado. Nenhum constrangimento

lhe deve ser imposto do exterior, ela deve ser sua própria produtora, sua

empreendedora e sua própria vendedora, obrigando-se a impor a si mesma

constrangimentos necessários para assegurar a viabilidade e a

competitividade da empresa que ela é. (p. 23)

O alvo do SEBRAE é justamente este público de “trabalhadores produtores”

auto-empreendedores. O SEBRAE atua metodologicamente e em várias frentes

(organização, marketing, gestão, gerenciamento, captação de recursos, etc.) exatamente

reunindo maneiras de codificar, portanto de transformar, o saber em conhecimento. Ao

contrario das instituições burocratizadas do período industrial o SEBRAE transforma o

saber produtivo destes agentes mediante participação e métodos difusos em resultados

valorizados pelo mercado. Lembrando que no limite, e mesmo por definição, instituição

alguma produz conhecimento, quem produz conhecimento é quem executa o trabalho

reunindo as condições cognitivas e materiais para sua efetivação. Ou então:

No sistema fordista, a comunicação quando entrava diretamente na produção,

desempenhava um papel perturbador, desestabilizante, de bloqueio da

produção. Ou trabalhava-se silenciosamente, ou, quando havia comunicação,

a atividade produtiva era suspensa. No sistema pós-fordista, ao contrário, a

inclusão da comunicação tem um valor diretamente produtivo.

O AGROSEBRAE atua captando este potencial produtivo que se constitui em

novos mercados formado por pequenos e médio empresários. Atua mais comumente nos

nichos de produção que normalmente, quer no sistema de produção, como caso mais

emblemático dos produtos orgânicos, quer na recuperação de sabores e valores ligados

aos alimentos e a alimentação como no caso do movimento slow food, se apresentam

como alternativa a produção e ao consumo de massa. O AGROSEBRAE se estrutura

como instituição de nova ordem que valoriza, promove e capita este potencial produtivo

formado em circuitos de comunicação de produtores. Como a produção dita alternativa

aparece primeiro como um nicho, algo pequeno que cresce e se desenvolve como “fuga”

e alternativa ás mazelas da sociedade industrial (uso excessivo de agrotóxicos,

intensificação da produção, padronização da produção, gostos, sabor, etc.) o

AGROSEBRAE capta este novo potencial. Ainda que esta fosse uma vertente do evento

auto-empreendedor que quiçá seja o elemento central mais emblemático da crise da

sociedade salarial e do regime fordista de produção.

Tomo, portanto, o termo “agricultura alternativa” como prática (ação) agrícola

permeada e carregada de significados e saberes humanos, o que por definição se

contrapõe á agricultura convencional pensada como produção de alimentos e, portanto,

apenas como “calorias e comodites”. Dentre as definições, ao que parece, aquela

proposta pelo movimento slow food, inclusive recuperando a autoria do interessante

conceito de “ato agrário”, é a que melhor se aproxima desta abertura de possibilidades

que permeia as possibilidades duma agricultura alternativa.

O consumidor orienta o mercado e a produção com suas escolhas e,

aumentando sua consciência sobre estes processos, ele ou ela assumem um

novo papel. O consumo se torna parte do ato produtivo e o consumidor se

torna então um co-produtor. O produtor exerce um papel importante no

processo, trabalhando para alcançar a qualidade, tornando sua experiência

disponível e acolhendo os conhecimentos e saber-fazer dos outros.

O esforço deve ser comum e deve ser feito com a mesma consciência e

espírito interdisciplinar, como a ciência da gastronomia.

Cada um de nós é chamado a praticar e disseminar um novo, mais preciso e

ao mesmo tempo mais amplo conceito de qualidade do alimento, baseado em

três pré-requisitos básicos e interconectados. A qualidade do alimento deve

ser: bom, limpo e justo.

A escolha dos alimentos é um ato produtivo que aproxima o agente social dum

produtor-consumidor. O produto acaba permeado por valores como dotados de senso

estético, valores morais e consciência ética. O produtor é um produtor de alimentos e

mais do que isso de “modo de vida”. A pratica duma agricultura alternativa ligada à

percepção do ato-agrário 2 é expressão deste novo momento de subjetivação que

acontece com a crise do fordismo e do modelo de produção e consumo rígidos.

Distintas: agricultura biodinâmica, agro ecologia, ecogastronomia3, produção orgânica,

fair trade, organizações como o movimento slow food, Terra Madre ou Arca do gosto,

ou mesmo outras mais ligadas às técnicas de produção como sistema mandala 4 ,

permacultura5, etc.

O AGROSEBRAE e a experiência Brasileira

A região de Araraquara é compreendida dentro da antiga divisão agrícola de

Ribeirão Preto a qual se destaca como região de forte vocação agrária. Uma região

marcada pelo assalariamento agrícola promovido pelos grandes complexos produtivos,

2 Ato que congrega a figura do produtor e do consumidor com forte potencial de subjetividade atinente á

escolha. Para o movimento Slow food comer de maneira limpa, justa e com sabor (bom) é um ato

produtivo em si. O termo é atribuído ao poeta agricultor norte americano Wendel Berry que aponta que

“comer é um ato-agrário”, pois produzir alimentos é uma prática cheia de significados e deve ser

considerado um ato gastronômico. 3 Movimento que prega o uso de alimentos saudáveis, produzidos de maneira sustentável e sem uso de

agrotóxicos ou mesmo conservantes químicos. Valoriza sabores e saberes locais via preservação e

conscientização ambiental, biodiversidade e responsabilidade social. 4 Trata-se de sistema de produção sustentável e com pouca necessidade de energia. Produção em círculos

concêntricos tendo na base o reservatório de água donde são criados peixes. A partir deste centro se

distribui a água e irriga as diversas e combinadas culturas produzidas em círculo por vários motivos além

da irrigação também a construção de barreiras naturais que impede o dificulta a permeabilidade de pragas

favorecendo o controle biológico. 5 Trata-se de sistema de produção agrícola criada por ecologistas australianos Bill Mollison e David

Holmegren na década de setenta. A idéia básica é trabalhar com a natureza se aproveitando desta força

sem contrariar. Trata-se dum sistema holístico de produção agrícola. É sustentável e economicamente

viável trabalhando com três princípios básicos: o cuidado com a terra, com as pessoas e a partilha de

excedentes.

principalmente da cana-de-açúcar. Segundo dados do Projeto LUPA 2007/2008 6 :

Censo Agropecuário do Estado de São Paulo (2009) existem um mil cento e cinqüenta

propriedades rurais no município, das quais 47,04% variam entre 10 e 20 hectares

representando um total de 541 propriedades. Um percentual bastante alto se comparada

com outras regiões e municípios do Estado (LUPA, 2009). Este mesmo Lupa de

2007/2008 apontava mudanças em relação comparativa com o levantamento anterior de

1995/96. Este indica aumento significativo do número de propriedades entre um e

quinhentos alqueires7 enquanto as propriedades de quinhentos até dez mil alqueires

sofreram significativa diminuição. O maior aumento, da ordem de 27,3% no período,

foi de propriedades que variavam entre cinco e dez alqueires seguida com 24,7% das

propriedades que têm entre dez e vinte alqueires. Ocorre que as propriedades entre um e

dois alqueires aumentou 27% no período, o maior aumento, praticamente igual àquelas

entre cinco e dez alqueires. (LUPA, 2009). As propriedades entre cem até duzentos

alqueires aumentaram apenas 3,1% e entre duzentos e quinhentos alqueires 2,3%.

O estudo que desenvolvemos indicava mais de duzentas pequenas e médias

empresas agrícolas na região, sendo que foram estimadas, por este mesmo levantamento

de amostragem, pelo menos quinhentas ocorrências do tipo. Dentre estas cerca de 20%

dos casos podem ser consideradas alternativas, a maioria delas ligadas á produção

orgânica. A condição de alternatividade é dada por características que envolvem

escolhas qualitativas. Produção alternativa (orgânica, fair trade, livre de agrotóxico,

etc.), ou mesmo com diferenciais de produção sustentável, sem agressão ao meio

ambiente, ou propondo diferentes formas de produzir (mandala, permacultura, sistemas

rotacionados, etc). O interesse foi atribuir valor qualitativo como diferencial do sistema

ou modelo de produção convencional. Uma característica marcante que define este tipo

de produção agrícola de tipo alternativa é que não existe choque ou incompatibilidade

de modelos, sugerindo inclusive, a interdependência simbiótica entre eles. No mais das

6 “Levantamento Censitário das Unidades de Produção Agrícola”. Trata-se do mais completo e importante

levantamento censitário do Estado de São Paulo, que é realizado a cada dez anos. O último LUPA

entrevistou 324.601 unidades de produção distribuídas em 645 municípios do Estado de São Paulo 7 No Brasil existe uma gama de medidas em alqueires como o “Alqueire Mineiro”, “Alqueire do Norte”,

“Alqueirão” ou “Alqueire Goiano” e o “Alqueire paulista”. O Ministério da Agricultura e Reforma

Agrária reconhece esta diversidade ainda que os dois mais utilizados são o Alqueire Mineiro com 48.400

mil metros quadrados e o Alqueire paulista com 24.200 metros quadrados. No caso nos referimos ao

alqueire paulista.

vezes a alternatividade é possibilitada pela garantia de renda com parte da propriedade

destinada ao modelo convencional8.

É neste cenário de “hegemonia” agroindustrial canavieira centrada em grandes

latifúndios produtores de açúcar e álcool que foi palco de um dos programas

AGROSEBRAE sobre o qual realizamos pesquisa financiada pela FAPESP – Fundação

de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo e que contou com grupo de jovens

estudantes bolsistas que realizaram pesquisa de campos com levantamentos e aplicação

de questionários.

A primeira premissa da pesquisa foi singularizar e especificar a atividade ou

trabalho agrícola. Premissa esta adotado pelo modelo do AGROSEBRAE desde a

experiência do SAI, ou seja, de que era preciso o “convívio” do trabalho de campo para

entender a atividade em si bem como as motivações e formas de atividades coletivas

que se organizam. O trabalho agrícola, conforme ponderam Hardt e Negri (2005) além

de se singularizar diante de todo e qualquer outro tipo de atividade se constitui no maior

desafio para pensar a ação coletiva do novo milênio.

O trabalho agrícola continua sendo extremamente diferente da mineração, do

trabalho industrial, do trabalho nos serviços e outras formas de trabalho. A

vida agrícola tem uma relação impar com a terra, desenvolvendo uma relação

simbiótica com a vida dos elementos – o solo, a água, o ar, a luz do sol. (E

aqui podemos reconhecer claramente o potencial de que a agricultura se torne

biopolítica). A agricultura é, e sempre será uma forma singular de produção e

de vida, e, no entanto – este tem sido nosso ponto primordial – os processos

da modernização têm criado relações comum de produção e troca que são

compartilhadas pela agricultura e outras formas de produção. (p. 165)

Um tipo de atividade ligada ao savoir-faire, e que tem, portanto, caráter vital

(dos elementos vitais: água, terra, ar, compondo um caráter afetivo: produção de valor

afeto). Portanto, o caráter biopolítico do trabalho agrícola permite a produção de afeto

circundante nos fluxos lingüísticos e no cotidiano da cooperação coletiva no fluxo do

trabalho, de mercados e enfim em toda forma da vida em comum.

AGROSEBRAE e expropriação do conhecimento

8 A pesquisa demonstrou entre outras que a maior parte das produções que foram consideradas

alternativas apenas foi viabilizada dado que o proprietário garantiu sua sobrevivência inicial e a

manutenção dos gastos domésticos via produção convencional. No caso trata-se mais do fornecimento de

cana-de-açúcar ou arrendamento de terras para as usinas de produção de açúcar e álcool da região.

O programa AGROSEBRAE seguindo a metodologia SEBRAE já consolidada

no Brasil atua justamente na promoção (facilitação ou venda) de conhecimento.

Todavia, a tese central estruturadora da pesquisa é que o conhecimento é produzido pela

ação cotidiana e inventiva de quem trabalha e transforma á produção, para tanto

mobilizo o conceito francês que ao que parece melhor se aproxima desta definição-

savoir-faire. Outra premissa básica é que em principio, ou seja, no ato da produção

coletiva, o conhecimento não tem dono ou proprietário. Conforme pondera Gorz (2005):

Os saberes comuns ativados pelo trabalho imaterial não existem senão em

sua prática viva, e por ela.Eles não foram adquiridos ou produzidos em vista

de trabalho que podem realizar ou do valor que podem assumir. Eles não

podem ser destacados dos indivíduos sociais que os praticam, nem avaliados

em equivalente monetários, nem comprados ou vendidos. Os saberes

resultam da experiência comum da vida em sociedade e não podem ser

legitimamente assimilados ao capital fixo. (p. 33)

Resulta que a chamada “economia do conhecimento” se sustenta expropriando –

pilhando formas de vida, saberes comum que são experimentados no ato da sua criação.

Toda a metodologia AGROSEBRAE, filha dileta do antes programa SAI se estruturou

captando demandas e inventivas dos pequenos agricultores.

A prática do SAI consistia em “missões” de campo. Estas missões tinham como

objetivo captar “potencias produtivos”, organizações voluntárias, núcleos de

cooperação, etc. Num primeiro momento o que os agentes faziam era ira á campo

entender como os pequenos e médios produtores agrícolas se organizavam

coletivamente do ponto de vista da produção. Após captarem este potencial é que

propunham ações direcionadas para solução de problemas. Exemplo é quando

verificavam a carência de gestão racional da produção e passavam a vender técnicas de

gerenciamento; ou quando verificavam a carência de mercados curtos e estruturavam e

orientavam grupos de produtores já previamente organizados em torno da produção via

prefeitura, igreja ou poder público local.

O primeiro momento da metodologia SAI foi frutífero e produtivo considerando

os objetos do programa. Num segundo momento houve choque entre produtores e

agentes de campo uma vez que quando o SAI passa a atuar no direcionamento da

produção agrícola faz com agentes – técnicos recrutados na sociedade. Eram agentes

que incorporavam rapidamente técnicas de produção e a metodologia do SAI, mas não

podiam incorporar a vivência de campo, o envolvimento com a produção, pelo simples

fato de que não serem produtores. Os produtores não confiavam em agentes treinados

“em dois finais de semana” que lhes vinham ensinar a produzir. O programa incorpora

rapidamente esta nova demanda, e passa a recrutar agentes que tinham vivencia, prática

e comunicação compatível com a realidade dos pequenos produtores agrícolas.

O programa se estrutura o tempo todo incorporando práticas de campo. Um dos

principal feito do SAI foi detectar potencias produtivos e associativos, cabendo

posteriormente ao AGROSEBRAE (que trocou de nome para incorporar novas

experiências) atuar em grupos de produtores já formados, identificados e avaliados com

potencial.

É justamente esta capacidade da apropriação e privatização do comum que

caracteriza historicamente o capitalismo. Cabendo, portanto, dialogar com a tese do

capitalismo cognitivo nas transformações estruturais que tem acontecido na matriz

produtiva. Recupero aqui a definição e o debate acerca do tema, postulando uma leitura

das transformações apontadas acima pela via da produção do conhecimento. Para

Bernard Paulré (2011), bem como para autores como, Christian Marazzi (2011); Toni

Negri (2011); André Gorz (2005), dentre outros, o capitalismo cognitivo pode ser

definido como:

(...) a acumulação essencial do capitalismo contemporâneo é a acumulação

cognitiva, assumida no sentido lato, compreendendo o conhecimento, a

informação, a comunicação, a criatividade, em suma, as atividades da mente. É

o papel central dessa acumulação que diferencia o capitalismo cognitivo do

período histórico do qual recentemente saímos, o capitalismo industrial. Nesse

último contexto, a acumulação é centrada principalmente no capital físico e na

organização do trabalho. No período pós industrial (ou cognitivo), o

investimento físico e a organização do trabalho não desaparecem, mas não são

mais centrais e não constituem mais a orientação essencial da acumulação e do

progresso. (p. 235-6)

Trata-se, portanto, dum postulado que enfatiza que a acumulação e a

expropriação do comum continuam sendo à base do capitalismo. O que muda com

relação á rigidez do capitalismo dito industrial é que agora o conhecimento apropriado

passa a ser valorizado e vendido. A base material continua existindo, sendo, todavia,

valorizada a idéia, a subjetividade, e no limite o conhecimento cristalizado em

determinado produto.

Para André Gorz (2005) o saber se constitui e se confunde com a identidade

cultural do sujeito, e que, portanto, faz dele (sujeito) que na new econome torna sua vida

um business:

O saber é, antes de tudo, uma capacidade prática, uma competência que não

implica necessariamente conhecimentos formalizáveis, codificáveis. (...) Eles

não são ensinados; aprendem-se-nos pela prática, pelo costume, ou seja,

quando alguém se exercita fazendo aquilo que se trata de aprender a fazer.

Sua transmissão consiste em apelar à capacidade do sujeito se produzir a si

próprio. (...) O saber é apreendido quando a pessoa o assimilou ao ponto de

esquecer que teve e aprendê-lo. (...) Os saberes comuns ativados pelo

trabalho imaterial não existem senão em sua prática viva, e por ela. Eles não

foram adquiridos ou produzidos em vista de trabalho que podem realizar ou

do valor que podem assumir. Eles não podem ser destacados dos indivíduos

sociais que o praticam, nem avaliados em equivalentes monetários, nem

comprados ou vendidos. (p. 32-3)

Temos, portanto, uma situação na qual o saber se distingue do conhecimento,

haja vista que este segundo pode ser codificado, portanto transmitido “em bloco” ou

apostilado. Com o saber, diferentemente isso não acontece. O melhor exemplo desta

diferença pode ser dado entre se conhecer a gramática (código) duma língua e saber

falar a língua produzindo o que ela tem de vivo que é a comunicação.

O AGROSEBRAE “vende” conhecimento. Capta o potencial produtivo dos

agentes no fluxo de suas ações, “digere”, transforma e transfere conhecimento

codificado.

Apontamentos finais

Se o trabalho na agricultura se singulariza e distingue de qualquer outra

atividade produtiva, pela própria necessidade de transformar sem aniquilar elementos

vitais, a agricultura alternativa é a expressão melhor acabada deste tipo de atividade pela

potencialidade subjetiva que carrega. Trata-se da composição imaterial e cognitiva de

um tipo de produção carregada de significados (sem agrotóxico ou agressão ao meio

ambiente, produzida á prezando “justo” recuperando ou preservando sabores, aparência,

estética, etc.).

Também, o lócus de manifestação destas experiências pode surpreender. No

caso da pesquisa realizada, trata-se de região propagada aos quatro cantos como de

monocultura canavieira. O que sugere o debate iniciado na década de setenta por Piore e

Sabel (1985) sobre a formação de aglomerados produtivos, convivendo ou até se

valendo da logística das grandes empresas.

No caso do AGROSEBRAE apresentado e discutido aqui como singularidade

composta por vertente agrícola do SEBRAE, trata-se de “instituição de novo tipo novo”

que succiona, para utilizar terminologia cara à sociologia empresarial de base

organizacional, transforma e potencializa o conhecimento. Posteriormente vende o

“saber” transformado para os agentes que produziram o conhecimento.

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