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APONTAMENTOS SEM FRONTEIRAS António Filipe Garcez José www.cogitoergosun5.no.sapo.pt 1 FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DO DIREITO Universidade Autónoma de Lisboa Ano lectivo 2006/2007 Aulas teóricasμ ..............................Dra. Ana Paula Sousa Aulas práticasμ………………...................Dra. Rita Ramalho Bibliografia : António Braz Teixeira “Sentido e Valor do Direito” – Imprensa Nacional Casa da Moeda; Luís de Cabral Moncada “Filosofia do Direito e do Estado”; António Castanheira Neves “τ Direito Hoje e com que sentido? τ problema actual da autonomia do direito” Apontamentos e resumos do curso, não isentos de eventuais erros ("errare humanum est") "destilados" por António Filipe Garcez José, aluno n° 20021078, Como seria bom que os juristas renunciassem ao seu desprezo pela Filosofia e compreendessem que, sem ela, a maior parte dos seus problemas são labirintos sem saída !! (Leibniz)

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APONTAMENTOS SEM FRONTEIRAS António Filipe Garcez José

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FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DO DIREITO

Universidade Autónoma de Lisboa Ano lectivo 2006/2007 Aulas teóricasμ …..............................Dra. Ana Paula Sousa Aulas práticasμ………………...................Dra. Rita Ramalho

Bibliografia : António Braz Teixeira – “Sentido e Valor do Direito” –

Imprensa Nacional Casa da Moeda; Luís de Cabral Moncada – “Filosofia do Direito e do Estado”; António Castanheira Neves – “τ Direito Hoje e com que sentido? τ problema actual da autonomia do direito”

Apontamentos e resumos do curso, não isentos de eventuais erros ("errare humanum est") "destilados" por António Filipe Garcez José, aluno n° 20021078,

Como seria bom que os juristas renunciassem ao seu desprezo pela Filosofia e compreendessem que, sem ela, a maior parte dos seus problemas são labirintos sem saída !! (Leibniz)

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Filosofia (do grego Φιλοσοφία: philia - amor, amizade + sophia - sabedoria) modernamente é uma disciplina, ou uma área de estudos, que envolve a investigação, análise, discussão, formação e reflexão de ideias (ou visões de mundo) numa situação geral, abstracta ou fundamental. A interrogação filosófica resulta das aporias, ou seja, das

perplexidades do pensamento em frente da realidade ou em frente de si próprio, da irredutibilidade do ser ao pensamento, do desacordo entre o “onto” e o “logos”.

A Filosofia não é solucionante, é interrogativa, problemática e aporética.

A Filosofia não é um conjunto articulado de soluções, mas sim uma actividade permanente de interrogações sobre o próprio saber, seu valor e seus fundamentos.

A essência da Filosofia é a busca constante e sempre recomeçada da verdade e não a sua posse.

A Filosofia vale pelos esforços e não pelos resultados (Paulo da Cunha)

A Filosofia é a reflexão crítica e interrogativa, no espaço e no tempo, que permite a um homem e a uma civilização ascender à consciência de si, distinguir entre os verdadeiros e os falsos valores, pôr-se em questão para se renovar e ultrapassar !!!

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CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA

Racionalidade A Filosofia tem um carácter reflexivo, na medida que é interrogativa e problemática sobre a própria existência humana e a realidade. Universalidade Nada e tudo é objecto da Filosofia, pois ela abarca a globalidade do universo Historicidade A Filosofia é um saber histórico, pois não podemos compreender um pensamento dissociado do tempo e da sociedade em que ele se insere. Diversamente do que acontece com os restantes tipos de saber... A Filosofia é essencial, radicalmente interrogativa,

problemática, aporética e não solucionante. A Filosofia é reflexão ou pensamento reflexivo, especulação

ou pensamento especulativo.

A Filosofia tem como origem a inquietação gerada pela curiosidade humana em compreender e questionar os valores e as interpretações correntemente aceites sobre a sua própria realidade. As interpretações correntemente aceites pelo homem constituem inicialmente os alicerces de todo o conhecimento. Estas interpretações ocorreram inicialmente através da observação dos fenómenos naturais e sofreram influência das relações humanas estabelecidas até à formação da sociedade, isto em conformidade com os padrões de comportamentos éticos ou morais tidos como aceitáveis em determinada época por uma determinado grupo ou determinada relação humana.

A partir da Filosofia surge a Ciência, pois a partir da inquietação, o homem através de instrumentos e procedimentos equaciona o campo das hipóteses e exercita a razão. São organizados os padrões de pensamentos que formulam as diversas teorias agregadas ao conhecimento humano. Neste contexto a filosofia surge como "a mãe de todas as ciências".

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DIMENSÕES DA FILOSOFIA

Desde que o homem começou a pensar, nunca ele deixou de reflectir sobre estas quatro questões, simultaneamente simples e terrivelmente complexas (Luís Cabral de Moncada):

1 – Que é o “ser” do mundo que rodeia o homem e quem é ele no meio desse mundo?

2 – Até onde pode ir esse “conhecimento” ?

3 – Como “deve” ele comportar-se na sua acção sobre as coisas e os outros homens, e que “fins” deve propor-se?

3 – Qual a significação que tudo isso terá no terreno global da sua existência e nas relações desta com algo que porventura a transcenda?

Primeiro, estará sempre o buscar a verdade e só no fim a verdade, na medida em que esta possa ser alcançada pelo homem.

Estes são os inevitáveis capítulos do estudo da filosofia :

1 – Ser...

2 – Conhecimento...

3 – Valor...

4 – Absoluto...

4 perspectivas ...

1 – Ontológica – Teoria da essência das coisas, que estuda o ser em si, as suas propriedades e os modos por que se manifestam

2 - Gnoseológica - Teoria do conhecimento, trata da crença, da justificação e do conhecimento de determinada realidade.

3 – Axiológica - Teoria dos valores, trata do valor das coisas, do certo e do errado, do bem e do mal.

4 – Metafísica – Teoria do sentido último das coisas, para lá da Física

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A FILOSOFIA DO DIREITO ... ... é uma disciplina autónoma que pode ser vista tanto a partir de um prisma filosófico quanto de um prisma jurídico, normalmente incluindo os problemas da relação do direito com a justiça.

O termo justiça, de maneira simples, diz respeito à igualdade de todos os cidadãos. É o principio básico de um acordo que objectiva manter a ordem social através da preservação dos direitos na sua forma legal (constitucionalidade das leis) ou na sua aplicação a casos específicos (litígio). Sua ordem máxima, representada em Roma por uma estátua, com olhos vendados, visa seus valores máximos onde "todos são iguais perante a lei" e "todos têm iguais garantias legais", ou ainda, "todos têm iguais direitos". A justiça deve buscar a igualdade entre os cidadãos. Segundo Aristóteles, o termo justiça denota, ao mesmo tempo, legalidade e igualdade. Assim, justo é tanto aquele que cumpre a lei (justiça em sentido universal) quanto aquele que realiza a igualdade (justiça em sentido estrito).

Comentário [Filipe1]: Direito é o ramo das ciências sociais aplicadas que tem como objeto de estudo o

conjunto de todas as normas (regras e

princípios) coercitivas que regulamentam as relações sociais, ou seja, são normas que disciplinam as relações entre os indivíduos, desses

para com o Estado e do Estado para

com seus cidadãos, por meio de normas que permitam solucionar os

conflitos.

Dividido em dois grandes ramos —

público e privado — e em diversas

especialidades, o Direito constitui-se

numa das Ciências Sociais cujo objeto

não está no indivíduo, diretamente, mas no estudo das regras e princípios que disciplinam as relações humanas.

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Justitia era a deusa romana que personificava a justiça. No dia da Justitia, 8 de Janeiro, (também o dia de aniversario do Tonybrussel,

tinha que ser !!) é usual acender um incenso de lavanda para ter a justiça sempre a favor. A deusa deveria estar de pé durante a exposição do Direito (jus), enquanto o fiel da balança deveria ficar vertical, direito (directum). Os romanos pretendiam, assim, atingir a “prudentia”, ou seja, o equilíbrio entre o abstracto (o ideal) e o concreto (a prática).

Sócrates (470 a. C. - 399 a. C.) Sócrates foi um filósofo ateniense e um dos mais importantes ícones da tradição filosófica ocidental ( nada a ver com um certo Sócrates

nacional). Um dos principais pensadores da Grécia Antiga. Dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem recompensa alguma. Não se sabe ao certo quem foram os seus professores de Filosofia. O que se sabe é que Sócrates conhecia as doutrinas de Parmênides, Heráclito, Anaxágoras e dos sofistas.

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Enquanto os filósofos pré-Socráticos, chamados de naturalistas, procuravam responder à questões do tipo: "O que é a natureza ou o fundamento último das coisas?" Sócrates, por sua vez, procurava responder à questão: "O que é a natureza ou a realidade última do homem?" A resposta de Sócrates, é a de que a natureza do homem é a sua alma - psyché, por quanto é a sua alma que o distingue de qualquer outra coisa, dando-lhe, em virtude da sua história, uma personalidade única. E por psyché, Sócrates entende que é a nossa sede racional, inteligente e eticamente operante, ou ainda, a consciência e a personalidade intelectual e moral. Esta colocação de Sócrates acabou por exercer uma influência profunda em toda a tradição europeia posterior, até hoje. Segundo Sócrates, ... ... a alma seria imortal e condenada a reencarnar tantas vezes quantas fosse necessário até que ela se aperfeiçoasse de tal forma que não precisasse mais voltar a este planeta. Em seu método, chamado de maiêutica, ele tendia a despojar a pessoa da sua falsa ilusão do saber, fragilizando a sua vaidade e permitindo, assim, que a pessoa estivesse mais livre de falsas crenças e mais susceptível à extracção da verdade lógica que também estava dentro de si. Sócrates costumava comparar a sua actividade com a de trazer ao mundo a verdade que há dentro de cada um. Ele nada ensinava, apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias e limpas de falsos valores

O processo de aprender é um processo interno, e tanto mais eficaz quanto maior for o interesse de aprender.

Assim, as finalidades do diálogo socrático são a catarse e a educação para o auto-conhecimento.

Comentário [u2]: Purificação

emocional

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Dialogar com Sócrates era se submeter a uma "lavagem da alma" e a uma prestação de contas da própria vida. O resultado é que o indivíduo sentia uma verdadeira sensação de iluminação, de descoberta, de ter dado à luz algo de valioso que havia dentro de si, mas de que não tinha a mínima consciência. Os ensinamentos de Sócrates que encontramos foram escritos pelos seus discípulos, nomeadamente Platão e Xenofonte. Outra fonte importante são as várias referências feitas a Sócrates na obra de Aristóteles. A contribuição da obra de Sócrates à filosofia ocidental foi essencialmente de carácter ético. Seus ensinamentos visavam chegar ao entendimento de conceitos como o de justiça, amor e virtude, procurando definições gerais para tais ideias. O Método Socrático é uma abordagem para a geração e validação de ideias e conceitos baseada em perguntas, respostas e mais perguntas. Maiêutica - É o método que consiste em parir ideias complexas a partir de perguntas simples e articuladas dentro dum contexto. A maiêutica é o momento do "parto" intelectual da procura da verdade no interior do Homem. A auto-reflexão, expressa no "conhece-te a ti mesmo", põe o Homem na procura das verdades universais que são o caminho para a prática do bem e da virtude.

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Platão (427 a.C. — 347 a.C.)

Platão foi um filósofo grego. Discípulo de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles. Sua filosofia é de grande importância e influência. Platão ocupou-se com vários temas, entre eles ética, política, metafísica e teoria do conhecimento. Ética é um ramo da filosofia, e um sub-ramo da axiologia, que estuda a natureza do que consideramos adequado e moralmente correcto. Ética é, portanto, uma Doutrina Filosófica que tem por objecto a Moral no tempo e no espaço, sendo o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana. Axiología (do grego ά ι ς valor, dignidade + λόγ ς estudo, tratado). Teoria do valor, ramo da Filosofia que tem por objecto o estudo da natureza dos valores e juízos valorativos, especialmente, os morais. Política é derivado do grego antigo π λιτεία (politeía), indicava todos os procedimentos relativos à polis, ou cidade-Estado. O livro de Platão traduzido como "A República" é, no original, intitulado "Πο ι εία" (Politeía) . Metafísica é uma palavra originária do Grego ( ε α [meta] = depois de/além de e Φυ ις [physis] = natureza ou físico). É um ramo da filosofia que estuda o mundo como ele é, o estudo do sentido último das coisas.

Comentário [Filipe3]: O espaço e tempo na concepção de percepção finita são elementos, segundo alguns, além da compreensão humana. Sob a perspectiva cósmica, qualquer objetivo

de todas as civilizações em todos os

tempos é insignificante. Muitos milênios passaram desde o início da evolução,

porém esta segue seu passo.

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A Metafísica ocupa-se em procurar responder perguntas tais como: O que é real ( realidade)? O que é natural (naturalismo)? O que é sobrenatural (milagres)?. O ramo central da metafísica é a ... ontologia, que investiga em quais categorias as coisas estão no mundo e quais as relações dessas coisas entre si. A metafísica também tenta esclarecer as noções de como as pessoas entendem o mundo, incluindo a existência e a natureza do relacionamento entre objectos e suas propriedades, espaço, tempo, causalidade, e possibilidade. Ontologia (grego ontos+logoi = "conhecimento do ser") é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos entes; trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres. A lógica é um ramo da ciência de índole matemática e fortemente ligada à Filosofia. Já que o pensamento é a manifestação do conhecimento, e que o conhecimento busca a verdade, é preciso estabelecer algumas regras para que essa meta possa ser atingida. Assim, a lógica é ... o ramo da filosofia que cuida das regras do bem pensar, ou do pensar correcto, sendo, portanto, um instrumento do pensar. A aprendizagem da lógica não constitui um fim em si. Ela só tem sentido enquanto meio de garantir que nosso pensamento proceda correctamente a fim de chegar a conhecimentos verdadeiros. Podemos, então, dizer que ... a lógica trata dos argumentos, isto é, das conclusões a que chegamos através da apresentação de evidências que a sustentam. O principal organizador da lógica clássica foi Aristóteles, com sua obra chamada Organon. Ele divide a lógica em formal e material. Um sistema lógico é um conjunto de axiomas e regras de inferência que visam representar formalmente o r.

Comentário [Filipe4]: Realidade

significa a propriedade do que é real. O real é tido como aquilo que existe, fora da mente. Mas como só pela mente pode ser apercebido, torna-se

sinónimo de verdade. A relação íntima entre realidade e verdade, o modo em

como a mente interpreta a realidade, é uma polémica antiga. O problema, na cultura ocidental, surge com as teorias

de Platão e Aristóteles sobre a

natureza do real (o idealismo e o

realismo). No cerne do problema está presente a questão da imagem (a

representação sensível do objecto) e a da ideia (o sentido do objecto / objeto),

a sua interpretação mental. Em senso comum, realidade significa o

ajuste que fazemos entre a imagem e a

ideia da coisa, entre verdade e

verosimilhança. O problema da

realidade é matéria presente em todas as ciências e, com particular

importância, nas ciências que têm como objecto de estudo o próprio homem : a antropologia cultural e todas

as que nela estão implicadas : a

filosofia, a psicologia, a semiologia e

muitas outras, além das técnicas e das

artes visuais.

Na interpretação ou representação do

real, (verdade ou crença), a realidade

está sujeita ao campo das escolhas, isto é, determinamos parte do que consideramos ser um facto / fato, um

acto acto / ato ou uma possibilidade,

algo aquirido a partir dos sentidos e do

conhecimento adquirido. Dessa forma,

a construção das coisas e as nossas relações dependem de um intrincado

...

Comentário [Filipe5]: O Naturalismo

é a radicalização do Realismo. (1880)

Essa nova escola literária baseava-se

na observação fiel da realidade e na experiência, mostrando que o indivíduo é determinado pelo ambiente e pela hereditariedade. O naturalismo

expandiu-se para outras artes.

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Tradicionalmente, lógica é também a designação para o estudo de sistemas que definem como se "deveria" realmente pensar para não errar, usando a razão, dedutivamente e indutivamente. A lógica filosófica lida com descrições formais da linguagem natural. A maior parte dos filósofos assumem que a maior parte do raciocínio "normal" pode ser capturada pela lógica, desde que se seja capaz de encontrar o método certo para traduzir a linguagem corrente para essa lógica. Verdade significa o que é verdadeiro. Esta qualificação implica as de real e de imaginário, de realidade e de ficção, questões centrais tanto em antropologia cultural como na filosofia. Nietzsche pretende que a verdade é um ponto de vista. Ele não define nem aceita uma definição da verdade, porque diz que não se pode alcançar uma certeza sobre isso. A filosofia estuda a verdade de diversas maneiras. A metafísica ocupa-se da natureza da verdade. A lógica ocupa-se da preservação da verdade. A epistemologia ocupa-se do conhecimento da verdade. O primeiro problema para os filósofos é estabelecer que tipo de coisa é verdadeira ou falsa, qual o portador da verdade. Depois há o problema de se explicar o que torna verdadeiro ou falso o portador da verdade. Há ainda o problema epistemológico do conhecimento da verdade. O modo como sabemos que estamos com dor de dente é diferente do modo como sabemos que o livro está sobre a mesa. A dor de dente é subjectiva, talvez determinada pela introspecção. O facto do livro estar sobre a mesa é objectivo, determinado pela percepção, por observações que podem ser partilhadas com outras pessoas, por raciocínios e cálculos. Há ainda a distinção entre verdades relativas à posição de alguém e verdades absolutas.

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Podemos dizer que a epistemologia se origina em Platão. Ele opõe a crença ou opinião ("doxa", em grego) ao

conhecimento. A crença é um determinado ponto de vista subjectivo. O conhecimento é crença verdadeira e justificada. A teoria de Platão abrange o conhecimento teórico, o saber que. Este conhecimento consiste em descrever, explicar e predizer uma realidade, isto é, analisar o que ocorre, determinar por que ocorre dessa forma e utilizar estes conhecimentos para antecipar uma realidade futura. Há outro tipo de conhecimento, não abrangido pela teoria de Platão. Trata-se do conhecimento prático, o saber como. Epistemologia também estuda a evidência (entendida não como mero sentimento que temos

da verdade do pensamento, mas sim no sentido forense de prova), isto é, os critérios de reconhecimento da verdade.

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Ante a questão da possibilidade do conhecimento, o sujeito pode tomar diferentes atitudes: Dogmatismo atitude filosófica defendida por Descartes segundo a qual podemos adquirir conhecimentos seguros e universais, e ter absoluta certeza disso. Cepticismo atitude filosófica oposta ao dogmatismo a qual duvida de que seja possível um conhecimento firme e seguro, esta postura foi defendida por Pirro. Relativismo atitude filosófica defendida pelos sofistas que nega a existência de uma verdade absoluta e defende a ideia de que cada indivíduo possui sua própria verdade. Esta verdade depende do espaço e o tempo. Perspectivismo atitude filosófica que defende a existência de uma verdade absoluta, mas pensa que nenhum de nós pode chegar a ela senão que chegamos a uma pequena parte. Cada ser humano tem uma visão da verdade. Esta postura foi defendida por José Ortega y Gasset Em Filosofia, opinião é a forma que cada um tem de expressar suas ideias. Realidade (do latim 'realitas', isto é, "coisa")

Significa a propriedade do que é real. Significa em uso comum «tudo o que existe». Em seu sentido mais livre, o termo inclui tudo o que é, seja ou não perceptível, acessível ou entendido pela ciência, filosofia ou qualquer outro sistema de análise. O real é tido como aquilo que existe, fora da mente. Mas como só pela mente pode ser apercebido, torna-se sinónimo de verdade. A relação íntima entre realidade e verdade, o modo em como a mente interpreta a realidade, é uma polémica antiga.

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O problema, na cultura ocidental, surge com as teorias de Platão e Aristóteles sobre a natureza do real (o idealismo e o realismo). No cerne do problema está presente a questão da imagem (a representação

sensível do objecto) e a da ideia (o sentido do objecto), a sua interpretação mental. Em senso comum, ... Realidade significa o ajuste que fazemos entre a imagem e a ideia da coisa, entre verdade e verosimilhança. O problema da realidade é matéria presente em todas as ciências e, com particular importância, nas ciências que têm como objecto de estudo o próprio homem: a antropologia cultural e todas as que nela estão implicadas : a filosofia, a psicologia, a semiologia e muitas outras, além das técnicas e das artes visuais. Na interpretação ou representação do real, (verdade ou crença), a realidade está sujeita ao campo das escolhas, isto é, determinamos parte do que consideramos ser um facto, um acto ou uma possibilidade, algo adquirido a partir dos sentidos e do conhecimento adquirido. Dessa forma, a construção das coisas e as nossas relações dependem de um intrincado contexto, que ao longo da existência cria a lente entre a aprendizagem e o desejo: o que vamos aceitar como real? A verdade pode, às vezes, estar próxima da realidade, mas depende das situações, contextos, das premissas de pensamento, tendo de criar dúvidas reflexivas. As vezes, aquilo que observamos está preso a escolhas que são mais um conjunto de normas do que evidências.

O exame é amanhã e eu ...só sei que nada sei...

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Aristóteles (384–322 a.C.) Aristóteles foi um filósofo grego nascido em Estagira, um dos maiores pensadores de todos os tempos e considerado o criador do pensamento lógico. Suas reflexões filosóficas acabaram por configurar um modo de pensar que se estenderia por séculos. Prestou inigualáveis contribuições para o pensamento humano, destacando-se: ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural e outras áreas de conhecimento humano. É considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental. Por ter estudado uma variada gama de assuntos, e também por ter sido um discípulo que em muito sentidos ultrapassou seu mestre, Platão, é conhecido também como o filósofo O pensamento aristotélico A tradição representa um elemento vital para a compreensão da filosofia aristotélica. Em certo sentido, Aristóteles via o seu próprio pensamento como o ponto culminante do processo desencadeado por Tales de Mileto. Sua filosofia pretendia não apenas rever como também corrigir as falhas e imperfeições das filosofias anteriores. Ao mesmo tempo, trilhou novos caminhos para fundamentar suas críticas, revisões e novas proposições.

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Lógica Para Aristóteles, a Lógica é um instrumento, uma propedêutica para as ciências e para o conhecimento. Baseia-se no ... Silogismo o raciocínio formalmente estruturado que supõe certas premissas colocadas previamente para que haja uma conclusão necessária. O silogismo parte do universal para o particular; dessa forma, se forem verdadeiras as premissas, a conclusão, logicamente, também o será. A indução, ao contrário, parte do particular para o universal. Física A concepção aristotélica de física parte do movimento, elucidando-o nas análises dos conceitos de crescimento, alteração e mudança. A teoria do acto e potência, com implicações metafísicas, é o fundamento do sistema. Acto e potência relacionam-se com o movimento enquanto que a matéria e forma com a ausência de movimento. Para Aristóteles, os objectos caíam para se localizarem correctamente de acordo com sua natureza: o éter, acima de tudo; logo abaixo, o fogo; depois a água e, por último, a terra. Psicologia A psicologia é a teoria da alma e baseia-se nos conceitos de alma (psykhé) e intelecto (noûs). A alma é a forma primordial de um corpo que possui vida em potência, sendo a essência do corpo. O intelecto, por sua vez, não se restringe a uma relação específica com o corpo; sua actividade vai além dele. O organismo, uma vez desenvolvido, recebe a forma que lhe possibilitará perfeição maior, fazendo passar suas potências a acto. Essa forma é alma. Ela faz com que vegetem, cresçam e se reproduzam os animais e plantas e também faz com que os animais sintam. No homem, a alma, além de suas características vegetativas e sensitivas, há também a característica da inteligência, que é capaz de apreender as essências de modo independente da condição orgânica.

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Ela acreditava que a mulher era um ser incompleto, um meio homem. A mulher seria passiva, ao passo que o homem seria activo. Metafísica O conceito de metafísica em Aristóteles é extremamente complexo e não há uma definição única. O filósofo deu quatro definições para metafísica:

- a ciência que indaga causas e princípios; - a ciência que indaga o ser enquanto ser;

- a ciência que investiga a substância e ...

- a ciência que investiga a substância supra-sensível.

Os conceitos de acto e potência, matéria e forma, substância e acidente possuem especial importância na metafísica aristotélica. Ética No sistema aristotélico, a ética é uma ciência menos exacta na medida em que se ocupa com assuntos passíveis de modificação. Ela não se ocupa com aquilo que no homem é essencial e imutável, mas daquilo que pode ser obtido por acções repetidas, disposições adquiridas ou de hábitos que constituem as virtudes e os vícios. Seu objectivo último é garantir ou possibilitar a conquista da felicidade. Partindo das disposições naturais do homem (disposições particulares a

cada um e que constituem o carácter), a moral mostra como essas disposições devem ser modificadas para que se ajustem à razão. Estas disposições costumam estar afastadas do meio-termo, estado que Aristóteles considera o ideal. Assim, algumas pessoas são muito tímidas, outras muito audaciosas. A virtude é o meio-termo e o vício se dá ou na falta ou no excesso. Por exemplo: coragem é uma virtude e seus contrários são a temeridade (excesso de coragem) e a covardia (ausência de coragem).

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As virtudes se realizam sempre no âmbito humano e não têm mais sentido quando as relações humanas desaparecem, como, por exemplo, em relação a Deus. Totalmente diferente é a virtude especulativa ou intelectual, que pertence apenas a alguns (geralmente os filósofos) que, fora da vida moral, buscam o conhecimento pelo conhecimento. É assim que a contemplação aproxima o homem de Deus. Política Na filosofia aristotélica a política é o desdobramento natural da ética. Ambas, na verdade, compõem a unidade do que Aristóteles chamava de filosofia prática. Se a ética está preocupada com a felicidade individual do homem, a política se preocupa com a felicidade colectiva da pólis. Desse modo, é tarefa da política investigar e descobrir quais são as formas de governo e as instituições capazes de assegurar a felicidade colectiva. Trata-se, portanto, de investigar a constituição do estado. Acredita-se que as reflexões aristotélicas sobre a política originam-se da época em que ele era preceptor de Alexandre. Retórica Aristóteles considerava importante o conhecimento da retórica, já que ela se constituiu em uma técnica (por habilitar a estruturação e

exposição de argumentos) e por relacionar-se com a vida pública. O fundamento da retórica é o entimema (silogismo truncado, incompleto), um silogismo no qual se subentende uma premissa ou uma conclusão. O discurso retórico opera em três campos ou géneros:

- género deliberativo, - género judicial e ... - género epidítico (ostentoso, demonstrativo).

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FILOSOFIA DO DIREITO Filosofia do Direito A Filosofia do Direito sendo uma parte da Filosofia, é uma reflexão filosófica sobre o Direito. Sendo reflexão filosófica sobre o Direito, a Filosofia do

Direito é Filosofia e, como tal, não é reconduzível ou assimilável à Ciência Jurídica ou à Teoria Geral do Direito.

A Ciência jurídica e a Teoria Geral do Direito partem sempre do Direito positivo, vigente numa determinada sociedade e numa determinada época, de um sistema jurídico-normativo concreto.

Já a Filosofia do Direito, porque é Filosofia, ... ... interroga-se sobre :

- a essência do Direito - o valor do Direito e o seu fim - o ser do Direito ou o Direito enquanto ser - a justiça que o garante - o valor gnoseológico do saber do Direito dos juristas - O fundamento e valor da própria Ciência jurídica

A Filosofia do Direito não é disciplina jurídica, mas é a própria Filosofia enquanto voltada para uma ordem da realidade, que é a realidade jurídica.

O Direito é realidade universal e é por ser um fenómeno universal que é susceptível de indagação filosófica (M.Reale)

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A PROBLEMÁTICA FILOSÓFICO-JURÍDICA Qual é o problema nuclear da Filosofia do Direito? O problema da Filosofia do Direito é .... Em primeiro lugar ...

- o próprio problema da Filosofia Num segundo momento ...

- O problema do Direito enquanto ser ... e, - O problema da Justiça enquanto fim do Direito.

O problema nuclear da Filosofia do Direito consiste na resposta a uma dupla interrogação, de natureza simultaneamente ontológica e axiológica :

- O que é o Direito ? (ontologia) - Qual o sentido do Direito e qual o seu valor ? (axiologia)

esta questão prolonga-se numa outra de natureza metafísica, sobre o fundamento último e radical do princípio de que o Direito depende.

Pensamento jurídico Denomina-se pensamento jurídico o modo próprio de pensar, de raciocinar, de argumentar do jurista, o método ou métodos de que este se serve para conhecer o Direito. Existe uma íntima relação entre o pensamento jurídico e a

Filosofia do Direito; o pensamento jurídico pressupõe sempre um determinado

conceito de Direito e ... a Filosofia do Direito, não deve ignorar os modos próprios

de conhecimento do jurídico, contribuindo para a rigorosa determinação das categorias próprias desse conhecimento.

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Apesar desta íntima relação entre o pensamento jurídico e a Filosofia do Direito, não é possível pretender identificar estes dois tipos de saber acerca do Direito ou de saber sobre o conhecimento do Direito.

A Filosofia do Direito desenvolve a reflexão filosófica sobre o Direito e a Justiça, à volta de ... três temas nucleares : 1 – O que é o Direito ? (problema ontológico)

Pressupõe o conhecimento dos modos como o direito se revela, a sua fenomenologia, e a necessária consideração do seu fundamento antropológico

2 – Porque é o Direito ? (fundamento axiológico)

Interrogação sobre o seu valor, qual o seu fundamento axiológico, que se reconduz ao problema do Direito natural e ao Problema da Justiça

3 – Como é o Direito ? (Interrogação gnoseológica) Inquire sobre as formas próprias da racionalidade jurídica e de que se ocupam a lógica, a retórica e a hermenêutica jurídicas.

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ONTOLOGIA DO DIREITO Nesta perspectiva, vamos ...

- indagar o que é o Direito, - determinar o conceito de Direito

Questões que constituem o cerne da ontologia jurídica:

- Que tipo de realidade humana é o Direito? - Que domínio da vida humana é o seu?

- Que atributos o individualizam?

Direito do pensamento filosófico-jurídico contemporâneo Algumas das formas de conceber e definir o Direito:

- O Positivismo jurídico (Thomas Hobbes e Hans Kelsen)

- O realismo jurídico escandinavo (Karl Olivecrona)

- A teoria tridimensional do Direito (Miguel Reale)

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POSITIVISMO JURÍDICO Características gerais do Positivismo jurídico O único Direito existente é o direito positivo. Recusa da ideia de Direito Natural Recusa de qualquer jusnaturalismo Atitude anti-metafísica Elementos definidores e individualizadores do positivismo jurídico Voluntarismo Concepção voluntarista do Direito, que identifica a vontade criadora do Direito com a vontade do soberano ou detentor do poder. Imperativismo A concepção da norma jurídica como comando. Coactividade Definição do Direito em função da coacção Normativismo ou legalismo A redução do Direito à lei, da qual passa a depender a validade das restantes fontes de Direito, que só enquanto por ela reconhecidas ou aceites serão relevantes Formalismo Uma concepção meramente formal da validade do Direito e a consequente separação radical entre Direito e Moral Plenitude A concepção do ordenamento jurídico como algo dotado de coerência e plenitude Mecanicismo Como decorrência lógica de tudo o que antecede, uma visão mecanicista e meramente lógico-declarativa da interpretação jurídica e da actividade judicial.

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!!! Nem todos os positivistas acolhem necessariamente todas estas teses, nem a maioria delas é exclusiva do positivismo jurídico !!!

THOMAS HOBBES (1588-1679)

O pensamento político de Thomas Hobbes

Thomas Hobbes quis fundar a sua filosofia política sobre uma construção racional da sociedade, que permitisse explicar o poder absoluto dos soberanos. Mas as suas teses, publicadas ao longo dos anos, e apresentadas na sua forma definitiva no Leviatã, de 1651, não foram bem aceites, nem por aqueles que, com Jaime I, o primeiro rei Stuart de Inglaterra, defendiam que «o que diz respeito ao mistério do poder real não devia ser debatido», nem pelo clero anglicano, que já em 1606 tinha condenado aqueles que defendiam «que os homens erravam pelas florestas e nos campos até que a experiência lhes ensinou a necessidade do governo.» A justificação de Hobbes para o poder absoluto é estritamente racional e friamente utilitária, completamente livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder. O que Hobbes admite é a existência do pacto social. Esta é a sua originalidade e novidade.

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Hobbes não se contentou em rejeitar o direito divino do soberano, fez tábua rasa de todo o edifício moral e político da Idade Média. A soberania era em Hobbes a projecção no plano político de um individualismo filosófico ligado ao nominalismo, que conferia um valor absoluto à vontade individual. A conclusão das deduções rigorosas do pensador inglês era o gigante Leviatã, dominando sem concorrência a infinidade de indivíduos, de que tinha feito parte inicialmente, e que tinham substituído as suas vontades individuais à dele, para que, pagando o preço da sua dominação, obtivessem uma protecção eficaz. Indivíduos que estavam completamente entregues a si mesmos nas suas actividades normais do dia-a-dia. Infinidade de indivíduos, porque não se encontra em Hobbes qualquer referência nem à célula familiar, nem à família alargada, nem tão-pouco aos corpos intermédios existentes entre o estado e o indivíduo, velhos resquícios da Idade Média. Hobbes refere-se a estas corporações no Leviatã, mas para as criticar considerando-as «pequenas repúblicas nos intestinos de uma maior, como vermes nas entranhas de um homem natural». Os conceitos de «densidade social» e de «interioridade» da vida religiosa ou espiritual, as noções de sociabilidade natural do homem, do seu instinto comunitário e solidário, da sua necessidade de participação, são completamente estranhos a Hobbes. É aqui que Hobbes se aproxima de Maquiavel e do seu empirismo radical, ao partir de um método de pensar rigorosamente dedutivo. A humanidade no estado puro ou natural era uma selva. A humanidade no estado social, constituído por sociedades civis ou políticas distintas, por estados soberanos, não tinha que recear um regresso à selva no relacionamento entre indivíduos, a partir do momento em que os benefícios consentidos do poder absoluto, em princípio ilimitado, permitiam ao homem deixar de ser um lobo para os outros homens. Aperfeiçoando a tese de Maquiavel, Hobbes defende que o poder não é um simples fenómeno de força, mas uma força institucionalizada

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canalizada para o direito (positivo), - «a razão em acto» de R. Polin - construindo assim a primeira teoria moderna do Estado. Deste Estado, sua criação, os indivíduos não esperam a felicidade mas a Paz, condição necessária à prossecução da felicidade. Paz que está subordinada a um aumento considerável da autoridade - a do Soberano, a da lei que emana dele. Mas, mesmo parecendo insaciável, esta invenção humana com o nome de um monstro bíblico, não reclama o homem todo. De facto, em vários aspectos o absolutismo político de Hobbes aparece como uma espécie de liberalismo moral. Hobbes mostra-se favorável ao desenvolvimento, sob a autoridade ameaçadora da lei positiva, das iniciativas individuais guiadas unicamente por um interesse individual bem calculado, e por um instinto racional aquisitivo.

Folha de rosto da edição de 1642 do Leviatã de Hobbes O LEVIATÃ Apresentação No Leviatã Hobbes parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades, defendo por isso que no Estado Natural, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se segue é a «guerra de todos contra todos», na célebre formulação de Hobbes, em que por isso não pode haver comércio, indústria ou civilização, e em que a vida do homem é

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«solitária, pobre, suja, brutal e curta.» A luta ocorre porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem que o resultado interesse a alguém. Como é que se pode terminar com esta situação ? A solução não é apelar à moral e à justiça, já que no estado natural estas ideias não fazem sentido. O nosso raciocínio leva-nos a procurar a paz se for possível, e a utilizar todos os meios da guerra se a não conseguirmos. Então como é que a paz é conseguida ? Somente por meio de um contrato social. Temos que aceitar abandonar a nossa capacidade de atacar os outros em troca do abandono pelos outros do direito de nos atacarem. Utilizando a razão para aumentar as nossas possibilidades de sobrevivência, encontrámos a solução. Sabemos que o contrato social resolverá os nossos problemas. A razão leva-nos a desejar um tal acordo. Mas como realizá-lo ? A nossa capacidade de raciocinar diz-nos que não podemos aceitá-lo enquanto os outros o não fizerem também. Nem um contrato prévio, muito menos a promessa, são suficientes para pôr em prática o acordo. É que, baseando-nos no nosso próprio interesse, só manteremos os contratos ou as nossas promessas se for do nosso interesse. Uma promessa que não pode ser obrigada a ser cumprida não serve para nada. Assim ao realizar o contrato social, temos que estabelecer um mecanismo que o obrigue a ser cumprido. Para o conseguirmos temos de entregar o nosso poder a uma ou a várias pessoas que punam quem quebrar o contrato. A esta pessoa ou grupo de pessoas Hobbes chama soberano. Pode ser um indivíduo, uma assembleia eleita, ou qualquer outra forma de governo. A essência da soberania consiste unicamente em ter o poder suficiente para manter a paz, punindo aqueles que a quebram. Quando este soberano - o Leviatã do título - existe , a justiça passa a ter sentido já que os acordos e as promessas passam a ser

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obrigatoriamente cumpridos. A partir deste momento cada membro tem razão suficiente para ser justo, já que o soberano assegura que os que incumprirem os acordos serão convenientemente punidos.

O Positivismo jurídico de Thomas Hobbes Foi no pensamento filosófico de Thomas Hobbes que o positivismo encontrou a sua primeira expressão especulativa. O Direito aparece, pela primeira vez, concebido de um modo... formalista Com total indiferença pelo seu conteúdo Imperativistíco Como um comando do ou dos que detêm o poder soberano, dirigido aos seus súbditos, publicamente promulgado, determinando o que aqueles podem fazer ou devem abster-se de fazer. Legalista Vendo na certeza o objectivo primordial da ordem jurídica, afirma ...

- a supremacia da lei sobre o costume e as decisões judiciais

- opõe-se à força obrigatória dos precedentes

- não reconhece a doutrina como fonte de Direito

Thomas Hobbes desenvolve a ... Teoria declarativa do Direito Considera os juizes como delegados do soberano, cuja função é apenas a de aplicar a lei e não a de criar Direito, e sustenta que o costume só vale como fonte de Direito na medida em que seja expressa ou tacitamente aceite ou reconhecido pelo soberano. Thomas Hobbes desenvolve a ... Teoria coactiva do Direito Concebe o Direito como um conjunto de normas que têm a possibilidade de ser impostas por meio da força, entendendo,

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assim, que é o aspecto imperativo ou coactivo do Direito que constitui a sua natureza própria. Thomas Hobbes desenvolve a ... Concepção legalista da Justiça Segundo a qual serão justos os actos conformes à lei e injustos os que a contrariem. Thomas Hobbes foi o primeiro formulador das teses essenciais do positivismo jurídico, mas foi também um dos primeiros representantes do jusnaturalismo racionalista e antropológico, fundado na ideia de... Contrato social A ideia de contrato social conduziria a que os direitos naturais de que no primitivo estado de natureza, os homens eram detentores houvessem sido integralmente transferidos para o Estado, concebido como Estado absoluto, não lhes restando, por isso, actualmente, outro direito senão o de obedecer aos ditames do Estado ou do soberano, deste modo se conciliando, no seu pensamento filosófico-jurídico, um inicial jusnaturalismo com uma concepção juspositivista.

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HANS KELSEN (1881-1973)

Nasceu no dia 11 de outubro de 1881, em Praga, região da Checoslováquia, então pertencente ao Império Austro-Húngaro. Viena era, nessa época, a capital cultural da Europa, posição que perderia para Berlim, nos anos 20. Kelsen ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Viena em 1900, e doutorou-se em 1906. Em 1908, torna-se bolsista da Universidade de Heidelberg, onde estudou sob orientação de Georg Jellineck. Destacou-se como um pensador progressista e pluralista, o que o levou a abandonar o judaísmo e converter-se ao cristianismo, como medida atenuadora do preconceito anti-semita. Quando de sua nomeação como professor extraordinário da Universidade de Viena, já era um jurista de renome e em 1918 é chamado a elaborar a Constituição Federal da Republica da Áustria, na qual introduz uma democracia parlamentar, moderada por um Tribunal Constitucional, guardião da Constituição. Neste período cria a chamada "Escola de Viena", tendo como discípulos Alf Ross, Lecaz y Lacambra e Recasens Siches, entre outros. Em 1930 é aceite como professor da Universidade de Colónia, onde recebe Carl Schmitt, e este não lhe retribui o apoio quando de sua expulsão, por sua origem judaica. Deixa a Europa, que sucumbe ao jugo nacional-socialista, e fixa-se nos EUA em junho de 1940. Em 1941, ingressa na Universidade

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O Positivismo jurídico de Hans Kelsen Kelsen e a Teoria Pura do Direito A Teoria Pura do Direito é a mais importante obra de Hans Kelsen. No início do século XX, o jurista filósofo apresenta, por intermédio desta obra, uma concepção de ciência jurídica segundo a qual o Direito celebraria um corte epistemológico relativamente à moral e qualquer outra disciplina, visando torná-lo num saber objectivo e exacto. Preterindo a importância do jusnaturalismo como teoria válida para o Direito, o ousado objectivo de Kelsen é alcançar a pureza do Direito, dele varrendo tudo o que entrou pela mão do Positivismo Empírico. Hans Kelsen no intento de construir um sistema racional autónomo do Direito, prescindindo de todo o conteúdo ético ou de qualquer pressuposto histórico ou sociológico, formulou na sua... Teoria Pura do Direito um sistema puramente racional do Direito ou uma ordem jurídica inteiramente conforme com os ditames da “recta razão natural”. A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, teoria do positivismo jurídico, ... Preocupava-se em responder às perguntas...

- O que é o Direito ? (Questão ontológica) - Como é o Direito? (Questão gnoseológica) A Teoria Pura do Direito manifestava um total desinteresse

relativamente à questão axiológica, por considerar a Justiça um ideal irracional, inacessível ao conhecimento.

Uma Teoria Pura do Direito, seria a que libertasse a ciência jurídica de elementos estranhos, tanto de ordem sociológica como de ordem metafísica.

O Direito positivo, único objecto do conhecimento jurídico, é norma, concebida como resultado da criação de um acto de vontade;

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O Direito é composto por normas que consistem em juízos hipotéticos, que ligam um facto condicionante com uma consequência condicionada.

O dever-ser (a norma), para Kelsen, é concebido como categoria puramente formal, sem referência a nenhum conteúdo específico.

A anti-juricidade deve ser concebida como simples condição da coacção e não como atributo próprio da conduta, na sua referência a valores éticos transcendentes ao direito positivo.

O único critério de validade que o Positivismo Jurídico pode aceitar é de natureza formal.

A Teoria Pura do Direito atende somente ao modo de produção das normas que constituem a ordem jurídica, desinteressando-se por completo do respectivo conteúdo.

O Direito é uma mera técnica social de organização da coacção

A ordem jurídica é um sistema de normas, cuja realidade se encontra na referência de todas e cada uma dessas normas a uma única norma, a norma fundamental, que constitui o fundamento último da sua validade formal.

Qualquer norma pertencerá a uma determinada ordem jurídica se a respectiva validade formal puder ser referida à norma fundamental dessa mesma ordem.

A norma fundamental é a regra primeira de acordo com a qual devem ser criadas todas as normas de uma determinada ordem jurídica.

A norma fundamental tem a natureza de um fundamento hipotético de validade da ordem jurídica.

Assim concebida a norma fundamental virá a coincidir com a Constituição do Estado cuja ordem jurídica esteja em causa.

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Evolução do fundamento de validade formal da norma fundamental 1 - Reconhecendo a incoerência com o princípio de que, do “ser” ou de um facto empírico (a primeira Constituição histórica) não pode deduzir-se um “dever ser” (uma proposição normativa), ... 2 - Kelsen na versão revista e ampliada da Teoria Pura do Direito, passa a afirmar que essa norma fundamental deverá ser “pressuposta”, visto não poder ser “posta” por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma mais elevada. 3 - No final da vida, Kelsen chegou a proclamar que a norma fundamental não era mais do que uma ficção, concluindo que não pode ser indagado o fundamento de validade da norma fundamental, porquanto ela não é positiva, não é estabelecida por um acto de vontade, mas apenas pressuposta no pensamento jurídico. Dinâmica jurídica segundo Hans Kelsen De início, temos a norma fundamental. Esta é diferente de todas das demais, por ser uma norma básica, não positiva, simples ponto de partida para a sustentação lógica das demais normas. É simples hipótese de ordem gnoseológica. A norma fundamental só diz que o primeiro legislador age com legitimidade e juridicidade. É apenas, uma norma pensada, hipoteticamente. Não tem existência objectiva. Para que os mandamentos legais possam ser considerados obrigatórios é indispensável supor a existência de uma norma fundamental, que admita a legitimidade do poder e o dever de obediência da comunidade. A posição de Kelsen, que se funda na concepção do Direito como ordem coactiva da conduta humana, se subsume num entendimento de ordem racionalista. O Direito contém normas que se encontram graduadas em escalões dentro de uma pirâmide hierárquica. Toda interpretação depende, em última análise, da colocação da norma na estrutura hierárquica. Uma norma depende de outra conforme a posição hierárquica. A norma fundamental é que dá origem à fundada e esta passa a ser a fundamental relativamente à inferior, e assim sucessivamente.

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Diversos extractos normativos da ordem jurídica Segundo Kelsen, qualquer ordem jurídica compreende ... diversos planos normativos:

1) A Constituição (em sentido material) 2) A legislação e o costume (criadores de normas gerais)

3) A jurisdição e a Administração (criadoras de normas individuais)

4) O negócio jurídico e o acto coactivo de sanção

O Estado, como pessoa não é mais do que a personificação da ordem jurídica e como poder, é a eficácia dessa ordem

CONTAMINAÇÃO DA CIÊNCIA DO DIREITO Criticas O triunfo do Positivismo na teoria Pura do Direito delimita a acção do jurista à lei, e a do filósofo à filosofia. No entanto, esta completa dicotomia parece-nos altamente criticável. O adágio latino “dura lex sed lex” afirma uma máxima positivista que, nos dias de hoje, não poderá de forma alguma valer em absoluto. Não obstante, várias disposições do nosso ordenamento jurídico formalmente consagram o inverso, como a obediência à lei dos tribunais, ainda que o preceito legal seja, na óptica do juiz, manifestamente injusto.

As críticas mais acesas ao formalismo normativista de Kelsen vêm sendo elaboradas na esteira do chamado... Movimento de Renascimento da Filosofia Jurídica, Após a trágica experiência histórica do Estado-assassino de Hitler. pareceu impossível, mesmo a positivistas declarados, continuar a defender a tese de que ‘lei é lei’, e que o juiz deve, em qualquer caso, conformar-se com ela.

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Centrado no propósito de alcançar uma objectividade e segurança no campo do Direito, Kelsen propõe a construção de uma teoria que excluísse quaisquer elementos de natureza metafísico-valorativa. Pretendia que, na sua actividade, o aplicador do Direito ficasse circunscrito a operações lógico-dedutivas, fruto de um sistema dinâmico de normas feitas pelo Estado, capaz de gerar uma norma individual como sentença para cada caso concreto. Novas abordagens epistemológicas Aparecimento de correntes que perspectivam a actuação do aplicador judicial como uma actividade criadora, assumindo real preponderância a hermenêutica e argumentação jurídica. Este movimento, denominado de Pós-Positivismo, denuncia a falibilidade do modelo lógico-dedutivo proposto pelo ideal kelseniano. Ressalta que o sistema jurídico é permeável, ou seja, que o Direito efectivo é algo de impuro porque é sempre contaminado pela interpretação. Kelsen e sua teoria pura partem de um pressuposto equivocado, que é a cisão absoluta dos planos do ser e dever-ser”. “Uma consequência paradoxal do relativismo na teoria pura”, “é a equiparação da decisão do juiz - autorizado pela normatividade a proferir, nos casos concretos, uma norma individual (sentença) - à decisão do legislador, que também autorizado pela normatividade, cria regras gerais. Ambos participam da dinâmica do Direito, havendo entre eles apenas uma diferença de grau”. Sendo ambos criadores de direito, ... .... Kelsen é forçado a reconhecer que existe a probabilidade de as decisões que realimentam o sistema serem contraditórias, já que elas são incontroláveis.

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Mais críticas à Teoria Pura do Direito Como é possível defender em absoluto o positivismo jurídico, quando recai sobre o juiz a proibição do non liquet, que o obriga a proferir sempre uma decisão para o caso concreto? O ideal positivista depara-se com iguais dificuldades no que concerne às lacunas do ordenamento, ou perante o frequente recurso, por parte do legislador, a cláusulas gerais e conceitos indeterminados, como a ordem pública, bons costumes, bom pai de família, etc. Nestas matérias, as concepções valorativas, envoltas por considerações de Direito Natural, frustram por completo a tentativa purificadora do Direito que Kelsen propõe, pois é impossível ao juiz, como ser humano que é, decidir sem a elas atender. Os Direitos Fundamentais são também fonte de problemas para a Teoria Pura do Direito. Embora teoricamente não colidam, na prática entram, não raras vezes, em confronto uns com os outros, tendo de ser sopesados (privacidade vs direito à informação). Tal tarefa é da responsabilidade do juiz, que caso se limitasse a uma operação lógico-dedutiva, não conseguiria nunca alcançar uma solução para o caso. Surge finalmente “a questão complexa, mas inevitável das normas injustas”, perante a qual o juspositivismo se detém. “munido de instrumentação meramente formal ou positiva, o julgador terá de procurar, noutras latitudes, as bases da decisão. A experiência, a sensibilidade, certos elementos extra-positivos e, no limite, o arbítrio do subjectivo, serão utilizados”. Temos de admitir os inconvenientes que daqui resultam, dos quais salienta a inviabilidade de controlo da decisão, por falta de uma fundamentação objectiva assente exclusivamente em considerações juspositivistas.

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REALISMO JURÍDCO (escola de Upsala)

Principais representantes desta escola:

- Axel Hägerström - Vilhelm Lundstedt

- Karl Olivecrona

- Alf Ross

O realismo jurídico é uma doutrina próxima do positivismo jurídico ...

- pela rejeição da metafísica e do jusnaturalismo. Mas o realismo jurídico criticou o positivismo jurídico por este...

- não se haver libertado de conceitos jurídicos de substância jusnaturalista

- se encerrar num normativismo formalista que ignorava a

verdadeira realidade psicológica e social do Direito. O Realismo jurídico escandinavo ...

- parte de uma atitude severamente crítica perante a metafísica

- Sustenta que só o que é real, o mundo empírico dado no

espaço e no tempo, pode ser objecto de conhecimento e de investigação científica

Metafísica É entendida, aqui, como toda a combinação de palavras cujo estatuto epistemológico não pode ser determinado por aquele que as emprega

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No plano axiológico ...

- defende que os juízos morais não indicam nenhuma qualidade dos objectos

- Os juízos morais apenas têm sentido na medida do

prazer ou dor que atribuímos aos actos ou objectos a que se referem.

- O valor é determinado pelo sentimento a que se acha

ligado o objecto, mas esse sentimento não define nenhuma qualidade do objecto, pois o conteúdo do sentimento não tem lugar no contexto espacial ou temporal

- Só o contexto espacial ou temporal define a realidade.

Projecção no domínio filosófico-jurídico do Realismo Jurídico Esta atitude especulativa traduz-se na...

- rejeição do Direito Natural das escolas racionalistas dos séc. XVII e XVIII.

- Defesa da existência de uma realidade efectiva,

absolutamente independente do sujeito que pensa, mas que obedece às leis fundamentais do pensamento, nomeadamente aos princípios da identidade e da não contradição

O pensamento filosófico-jurídico do realismo jurídico, não é apenas especulativo, mas assenta em fundamentos empíricos muito amplos.

O direito positivo constitui um sistema de regras para os órgãos do Estado, definidos por essas mesmas regras, que asseguram determinadas vantagens aos indivíduos.

A realidade jurídica consubstancia-se na força aplicada pelos funcionários e na base psicológica da obediência.

O Direito configura-se como simples ameaça do uso da força.

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O realismo jurídico escandinavo opõe-se ao positivismo jurídico, criticando os conceitos jurídicos e o conceito de vontade como elementos definidores da essência do Direito.

Crítica dos conceitos jurídicos A crítica fundava-se na ideia de que os conceitos jurídicos não

são susceptíveis de alcançar o grau de universalidade que caracteriza os conceitos das ciências empíricas ou da realidade dada no espaço e no tempo, pois exprimem sentimentos, a que nenhuma realidade corresponde.

Crítica à teoria da vontade

Os realistas defendiam que não existia nem poderá existir qualquer “vontade do Estado”, “vontade geral” ou “vontade comum” expressões que reputavam de natureza metafísica;

KARL OLIVECRONA A lei resulta dum conjunto de forças sociais.

A lei é uma soma de preceitos que se fundam nos factos da vida colectiva.

Em toda a norma distinguem-se dois momentos:

1) a representação dum modo de actuar 2) a expressão imperativa que lhe vai associada na consciência

(o dever de acatamento daquela norma) Em toda a questão de Direito deve cindir-se o realismo da

metafísica, para ater-nos exclusivamente ao realismo. A Lei é realidade à qual nada corresponde fora da mesma

realidade (nem o Direito Natural apoiado por Deus) A Lei é uma categoria especial de imperativos; é um

imperativo incondicionado.

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A lei consiste em duas partes :

- o preceito e ... - a sanção (inerente à sua acção)

As leis cumprem-se inteiramente sem reflexões O carácter imperativo da lei provém da capacidade para

provocar reacção de obediência. A lei não é um mandato estrito nem vontade estatal, mas

simplesmente a conexão psicológica da qual flui a força coactiva da norma legal.

A força da lei é psicológica, real e humana, mas nunca metafísica.

Tanto os direitos como os deveres são simples concepções do cérebro dos homens que por fim se ajustam aos factos, de tal modo que adquirem valor jurídico na medida em que se acomodam aos factos.

O Direito acaba por identificar-se com o poder. A fortaleza dos direitos não é mais do que a capacidade que

eles têm para pôr em movimento o mecanismo legal duma sociedade determinada.

O Direito é uma força organizada Sendo o Direito um facto social, a lei torna-se força viva,

através dos factos sociais.

A lei é o conjunto de regras sobre o uso da força O uso da força é o instrumento que torna possível a existência

colectiva e sem a qual a sociedade desapareceria. Karl Olivecrona organizou em sistema a doutrina da escola de

Upsala

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Teoria Tridimensional do Direito (M Reale) A norma jurídica é uma realidade cultural, que não pode ser interpretada com abstracção dos factos e valores que condicionam o seu advento, nem dos factos e valores supervenientes, assim como da totalidade do ordenamento em que se insere. A norma é uma relação concreta surgida na imanência do

processo fáctico-axiológico, através da qual se compõem conflitos de interesse, segundo razões de oportunidade e de prudência.

Toda a norma jurídica assinala uma tomada de posição perante factos em função de valores.

Segundo o pensamento de Miguel Reale ... O Direito é uma realidade tridimensional, uma triunidade.

A tridimensionalidade do Direito é dinâmica e concreta O Direito é simultaneamente:

- Facto (a conduta ou o agir humano) - Valor (a que se refere esse facto e pelo qual ele se afere)

- Norma (que pretende ordenar o facto em função do valor)

Estas três dimensões do Direito encontram-se interligadas e co-implicadas, não tendo nenhuma delas um sentido separada das restantes

A teoria tridimensional do Direito perfilha um historicismo axiológico, de acordo com o qual o valor é uma intencionalidade historicamente objectivada no processo de cultura.

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A conduta jurídica (o facto) se individualiza perante as restantes condutas (religiosa, moral etc.), por se apresentar como um momento bilateral atributivo

O Direito é a integração normativa de factos segundo valores

O Direito é sempre , facto, valor e norma. Há três ordens de estudos distintos mas correlativos... Ciência do Direito....................facto valor norma Sociologia do Direito .............norma valor facto Filosofia do Direito ................ facto norma valor Ciência do Direito Visa-se atingir a norma, partindo do facto, para interpretá-la e aplicá-la. Sociologia do Direito Estuda o facto jurídico referindo-se a uma norma e ao valor que se visa realizar. Filosofia do Direito Ir do facto à norma, culminando no valor, é sempre uma modalidade do valor justo, objecto próprio da Filosofia do Direito;

O valor é o elemento de mediação dialéctica entre o facto e a norma

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CATEGORIAS ÔNTICAS DO DIREITO As categorias ônticas do Direito são as seguintes :

- Temporalidade - Historicidade

- Bilateralidade - Heteronomia - Positividade - Territorialidade

- Conteúdo axiológico

Temporalidade e historicidade Reportam-se à natureza do Direito, como criação do homem, que é marcada pelo tempo e pelo carácter histórico, pela presença do passado e pela intenção futurante e projectiva. Bilateralidade Refere-se à essencial dimensão social do Direito Heteronomia Decorre da existência de uma autoridade investida pela sociedade na função de estabelecer a ordem normativa das condutas humanas em interferência intersubjectiva. Positividade O atributo que é próprio do Direito de ser uma realidade “posta” por uma autoridade. Territorialidade A ordem normativa vigora apenas dentro do território em que exerce a autoridade. Sentido ou valor axiológico É a categoria do Direito que marca a sua essencial referência a valores, princípios ou ideias e a necessária relação que mantém com a Justiça, que é a sua razão de ser, a sua garantia e fundamento da sua validade.

Interconexas e interdependentes, reportam-se à natureza do Direito como realidade radicalmente humana

Elemento individualizador de todo o ser do domínio da cultura

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DIREITO E MORAL Distinção entre Moral e Ética A Moral deve entender-se como um ramo das ciências sociais, como ciência dos costumes, como saber ou conhecimento de como se comportam os homens. A Ética é a parte da Filosofia cujo objecto é a interrogação e a reflexão sobre a Moral, sobre o valor da conduta humana, sobre a virtude ou o recto agir, tendo como valor fundamental a ideia de Bem. A Moral tem como objecto uma realidade empírica. A Ética apresenta-se como uma ciência normativa, cujo objecto é um dever-ser da conduta em função do Bem, e não uma realidade empírica. Distinção conceitual entre Direito e Moral Há que considerar três atitudes :

- A doutrina do mínimo ético - A doutrina do entrelaçamento

- A doutrina da separação

M

D

Mínimo ético

M D

M

D

Entrelaçamento

M D

Separação

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Doutrina do Mínimo ético Esta teoria identifica o Direito com a Moral.

considera o Direito uma parte ou um aspecto da Moral. A teoria do mínimo ético, foi acolhida por boa parte do

jusnaturalismo clássico. A teoria do mínimo ético concebe o Direito como aquela parte

da Moral correspondente às normas de conduta cuja violação põe em perigo a vida e a subsistência da sociedade ou a ordem social e cujo cumprimento é assegurado coactivamente pelo emprego da força.

Críticas a esta Doutrina : 1ª Começando por afirmar uma unidade ou identidade entre as duas ordens normativas, acaba por negá-la, ao admitir haver dois tipos de normas de diversa natureza no âmbito da Moral:

- Normas autónomas - Normas heterónomas

Normas autónomas As consagradas pela consciência e cujo cumprimento depende exclusivamente do sujeito. Normas heteronomas As estabelecidas pelo poder público, pela autoridade, cujo cumprimento pode ser coactivamente imposto, independentemente da adesão íntima do sujeito ao respectivo conteúdo. 2ª A doutrina do mínimo ético ignora que nem todo o Direito é eticamente relevante, havendo vastas zonas do mundo jurídico cujo conteúdo é moralmente indiferente (normas processuais, técnicas, etc)

3° Na maioria dos casos em que o Direito atribui força jurídica a preceitos morais, fá-lo por razões diversas da Moral; fá-lo por essa conduta lesar ou pôr em perigo a convivência social.

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Doutrina da separação Defendida por Kant, Vicente Ferrer Neto Paiva, Kelsen

Esta doutrina procura fundamentar a separação entre as duas ordens normativas em dois planos:

- O domínio próprio de cada uma delas - A diversa natureza do dever moral e do dever jurídico

Quanto ao domínio próprio de cada...

A Moral tem o seu assento exclusivo na consciência individual O Direito refere-se únicamente a actos externos.

No Direito a validade das normas jurídicas, enquanto expressão da vontade do Estado, depende exclusivamente de critérios formais.

Na Moral, as normas atendem a critérios de universalidade , de valor, que permitem julgar o seu próprio conteúdo

Quanto à diversa natureza dos deveres... O dever Moral tem em si próprio o seu fundamento

O dever jurídico é sempre assistido pela coacção. Críticas a esta doutrina... Não só a intenção tem relevância jurídica, como a Moral se

não circunscreve ao domínio íntimo da consciência individual, valorando também os aspectos externos da conduta.

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Doutrina do entrelaçamento A Moral considera a conduta humana de um ponto de vista

absoluto e radical, no sentido que tem para a vida do sujeito. Ao Direito apenas importa a dimensão social da conduta, de

um ponto de vista relativo. A Moral apresenta um carácter eminentemente individual,

pois visa o bem pessoal de cada um. O Direito visa sobretudo o bem social ou colectivo A Moral caracteriza-se pela unilateralidade, só existem

deveres e não direitos O Direito caracteriza-se pela bilateralidade atributiva, em

que a cada direito corresponde sempre um dever e vice-versa A Moral caracteriza-se pelo seu carácter radicalmente

autónomo, pela imanência do critério moral. O Direito tem uma natureza heterónoma, que faz que a

realização dos seus comandos possa ser imposta às vontades individuais.

Conclusão: Se bem que o Direito e Moral não se possam confundir ou identificar, é inegável que as concepções morais mais relevantes de uma determinada época se projectam no plano jurídico. Apesar de os preceitos morais e as regras jurídicas terem fundamentos diversos, as regras jurídicas não deixam de acolher em si e dar forma jurídica a certas concepções moorais

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AXIOLOGIA DO DIREITO

O Direito Natural O problema axiológico do Direito Constitui o Direito, em si, um valor? Tem o Direito, em si, o seu próprio fundamento? Ou .... Carece o Direito de fundar-se em algo de superior ou diverso de si, que será a sua “razão de ser e de valer” enquanto Direito? O problema axiológico do Direito reconduz-se ao problema do Direito Natural e das suas relações com a Justiça. A ideia de Direito Natural A ideia do Direito Natural consiste na ideia da existência de uma ordem normativa, imanente e manifestada na natureza ou na realidade, que é como que o paradigma ou arquétipo a que deve subordinar-se o direito positivo. O Direito Natural é concebido como algo tão permanente ou intemporal como permanente e intemporal é a ordem normativa que rege a natureza ou a realidade cósmica, social e humana. Função do Direito Natural O Direito Natural tem a função de fundamentar axiológicamente o direito positivo e estabelecer um princípio para a sua validade. No plano conceitual ... o Direito Natural apresenta-se como plurisignificativo, já que diversos têm sido os conceitos de Natureza e de Direito de que têm partido as várias correntes do pensamento jusnaturalista. A teoria do Direito Natural subentende uma dupla dependência:

- um determinado conceito de Natureza - um determinado conceito de Direito

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Quatro noções essenciais e complementares, comuns às várias doutrinas jusnaturalistas: a) Existência de uma Natureza permanente , constante e imutável. b) Essa Natureza contém em si, como seu elemento essencial e estruturante, uma determinada legalidade ou ordem normativa. c) a possibilidade que o homem tem de ascender ao conhecimento dessa legalidade ou dessa ordem normativa. d) o Direito positivo retira a sua validade da conformidade com essa legalidade ou ordem normativa natural, que deve ser o seu paradigma. A ideia de Natureza O termo natureza tem dois significados :

- cosmológico ( realidade física) - ontológico (realidade espiritual)

Sentido cosmológico Neste sentido o termo natureza reporta-se ao universo ou à realidade física, à realidade natural, ao mundo da matéria e da vida, contrapondo-se ao domínio psíquico ou espiritual. Sentido ontológico Neste sentido o termo natureza designa substância ou essência, aquilo que faz que cada ser ou ente seja o que verdadeiramente é (natureza humana ou natureza das coisas) Quatro formas essenciais da ideia cosmológica de natureza

- Concepção cosmológica grega - Concepção cosmológica escolástica (ou medieval)

- Concepção cosmológica moderna

- Concepção cosmológica contemporânea

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Concepção cosmológica grega Para os pensadores pré-socráticos, ... a natureza era vista como um mundo de corpos em movimento, sendo este movimento devido à presença nele de uma alma imanente ou “logos”, que era a fonte da ordem e da regularidade que se observava no mundo natural. A natureza como princípio do devir, vinha a ser, igualmente, a

essência de cada coisa. O homem era compreendido como um microcosmo, que fazia

parte do organismo total da natureza, encontrando-se, por isso, sujeito ao “logos” que a ela presidia, se bem que fosse dotado de movimento próprio e autónomo.

Platão distinguirá entre o ... mundo sensível (ou mundo da natureza) concebido como um organismo ou animal material, animado de um movimento espontâneo ... e o ... mundo inteligível (ou das ideias) concebido como um conjunto de formas dinamicamente relacionadas fora do espaço e do tempo Aristóteles A natureza é a essência dos seres que possuem em si próprios e enquanto tais o princípio do seu movimento, o que equivale a dizer que a natureza é simultaneamente, substância e causa, no duplo sentido de causa eficiente e de causa final Concepção cosmológica medieval Partindo de Aristóteles e acentuando a importância da causa final, o pensamento escolástico atribui ... três sentidos diferentes ao termo natureza (natura, fisis)

- Sentido físico - Sentido ontológico - Sentido cosmológico

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Sentido físico A natureza como princípio intrínseco do movimento Sentido ontológico A natureza como essência ou forma de uma coisa ou ente Sentido cosmológico A natureza como o conjunto ou o complexo de todas as coisas ou de todos os entes Por outro lado, .... enquanto o pensamento grego tendia a contrapor “fisis” a “nomos”, isto é, o que existe por natureza ao que existe por outras causas (ex: arte/tecnê), ... o pensamento escolástico dá primordial relevância à contraposição entre a natureza (criação) e Deus (criador). Primariamente,

o conceito de natureza é um conceito teológico que só por derivação adquire sentido cosmológico; A “natura” é entendida como o modo de ser próprio de cada coisa enquanto criada por Deus. Consequentemente, a “natura” é simultaneamente, cada coisa e todas as coisas enquanto criadas por Deus

!!! O princípio do movimento do mundo ou dos seres deixa de encontrar-se no próprio universo para passar a ser colocado em Deus !!!

Concepção cosmológica moderna Embora inicialmente aceitando que a ordem natural dimana da criação divina, prescindirá progressivamente da ideia de Deus, da Criação, da Providência, concebendo a natureza não já como uma ordem de seres mas como um conjunto de leis. A natureza é entendida como uma realidade mecânica e não

já orgânica

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A natureza como uma realidade mecânica, como uma máquina governada pelas leis da causalidade e do determinismo, em que a causa final cede o lugar à causa eficiente e a realidade natural se configura como complexo de quantidades.

Este conceito desenvolvido durante os séc. XVI e XVII, por Copérnico, Kepler, Galileu e Newton, num sentido declaradamente físico e cosmológico, como legalidade causal físico-matemática, irá fundar a contraposição Kantiana entre natureza e liberdade, entre o mundo empírico e o mundo racional. Concepção cosmológica contemporânea Actualmente o conceito cosmológico de natureza assentando no princípio de uma evolução criadora, encontra na história o seu paradigma e a fonte da ideia de tempo e mutação que a individualiza. Assiste-se ao regresso da teleologia, contra o causalismo ou

determinismo puro. Boutroux defendia que o carácter do conceito de lei natural

era contingente e não necessário. A evolução é progressiva e não cíclica ou repetitiva O universo se encontra em expansão mas não é eterno Recusa-se a ideia de que a natureza é mecânica, atribuindo

particular relevo ao elemento tempo na análise e construção do conceito natureza.

Abandona-se a concepção substancialista de natureza contrapondo as de “função” de “estrutura” e de “relação”

Ao mesmo tempo que a matéria se desmaterializa, convertendo-se em energia, e a natureza se dessubstancializa, o indeterminismo afirma-se na microfísica e na biologia, a cosmofísica revela-nos um universo em expansão e a evolução apresenta-se como uma criação contínua e em progresso para novas formas de ser e de realidade

De onde venho? Para onde vou? Porque é que a minha mãe me fez ?

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TIPOLOGIA DAS CONCEPÇÕES JUSNATURALISTAS

Existem três grandes concepções, que denominamos por essencialista, formalista e existencialista; na concepção essencialista ou substancialista destacamos três momentos distintos consoante a concepção de Direito Natural.

CONCEPÇÃO ESSENCIALISTA ou SUBSTANCIALISTA

Concepção cosmológica Esta concepção refere o Direito Natural à ideia de natureza como ordem cósmica, que contém em si a sua própria lei, fonte da ordem em que se processam os movimentos dos corpos ou em que se articulam os seus elementos constitutivos essenciais. Esta foi a noção cosmológica de natureza que marcou o pensamento pré-socrático. Anaximandro (610 a.C.)

Surge pela 1ª vez , entre os gregos, a ideia de infinito como princípio ou substância dos seres e não já qualquer elemento isolado (água, ar, terra, fogo). Seria desse princípio, substância ou natureza, que teriam surgido os entes, submetidos às leis da necessidade e sujeitos a um devir ou movimento perpétuo.

Essencialista ou substancialista Formalista Existencialista

Cosmológica Teológica Antropológica

Concepções jusnaturalistas

Anaximandro Parménides Heraclito Ésquilo Sóffocles

Santo Agostinho S.Tomás de Aquino Suarez

Grócio Hobbes Puffendorf

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Parménides (515 a. C.)

Para Parménides tudo se processava em função da necessidade, a qual consistiria numa conjunção de fatalidade, justiça e providência criadora do mundo, ou seja, que a lei natural seria imanente ao mundo ou lei cósmica. Heraclito

A lei é obedecer à vontade de um só, é proceder de acordo com a natureza, logo, as leis humanas se nutrem de uma só, divina, que tudo governa, podendo quanto quer, em tudo bastando, tudo excedendo. (Heraclito introduziu aqui um elemento teológico) O homem é um microcosmo, imagem do macrocosmo ou do universo, razão pela qual a vida humana tem necessidade de obedecer e respeitar os princípios eternos da ordem cósmica. A lei (nomos) deve exprimir e conformar-se com o “logos” ínsito na “físis”, pois as coisas humanas fazem parte e integram-se na grande ordem cósmica da necessidade.

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Concepção teológica Santo Agostinho (354/430)

Sustentou que a ordem universal é regida pela “Lei Eterna”, dimanada de Deus, cujas ideias são os arquétipos eternos das coisas. Distingue três espécies de leis : Lei Eterna Entendida como a razão divina ou a vontade de Deus que determina que se respeite a ordem natural e proíbe que a mesma seja perturbada; Lei natural Encontra-se impressa na alma humana e é entendida como participação do homem na “lei Eterna”; Lei humana as regras de conduta, as normas, as leis mais adequadas ao condicionalismo histórico que os legisladores devem extrair da lei natural. Distingue dois níveis de Direito : Direito natural primário Direito permanente e imutável, absolutamente válido. Direito natural secundário Este direito pode variar, dentro de certos limites e sempre com estrito respeito pelo Direito natural primário, para melhor se adequar ou adaptar às diferentes situações espácio-temporais.

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O augustinianismo jurídico traduz-se num voluntarismo: A única fonte de Direito é a vontade de Deus. A vontade de Deus é em geral insondável, mas revelada

parcialmente pelas escrituras e manifestada em cada momento pela ordenação providencial da história.

Daqui decorrem várias consequências: Primeira consequência, a inexistência de uma ordem jurídica objectiva, natural, na qual certos actos estivessem inevitavelmente condenados e outros necessariamente permitidos. Assim, Santo Agostinho acaba por admitir a legitimidade de certos actos (à primeira vista injustos) por se inserirem num plano divino da Salvação inacessível à razão humana. As coisas não são queridas por Deus porque sejam justas,

mas são justas porque queridas por Deus.

segunda consequência, a impotência da razão para atingir o critério da justiça com a consequente submissão aos Livros Sagrados e aos poderes constituídos na terra por graça da Providência. A aceitação dos poderes constituídos (postos) que retiram a sua autoridade de uma espécie de mandato divino (é por Mim que os tiranos

reinam), implica a aceitação dos direitos positivos terrenos (por injustos

e imorais que sejam), pois eles teriam uma razão de ser escondida, um sentido oculto, na história da Salvação. Voluntarismo, anti-racionalismo, positivismo ... são os ingredientes que o augustinianismo traz ao entendimento do direito da primeira parte da Idade Média.

a única actividade legítima do jurista era a leitura humilde e a submissão passiva em relação ao direito revelado ou positivo ("Aderindo a Ele viveremos com justiça; e somos tanto mais ou tanto menos justos, quanto mais ou menos a Ele aderimos".

O augustinianismo está na origem do pensamento filosófico e filosófico-jurídico dos franciscanos Duns Scotto e Guilherme d'Occam, os quais estão na origem do pensamento jurídico moderno

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São Tomás de Aquino Para o pensamento escolástico, cuja figura maior é S. Tomás de Aquino, o direito contido nas Escrituras (direito divino) ou aquele editado pelos reis (direito positivo) não eram os elementos decisivos para encontrar o “iustum”, a solução justa, que constituía o corpo do direito (“ius est quod iustum est”, o direito é o que é justo). Esse iustum, esse direito decisivo, era anterior a todo o direito positivo, estava inscrito numa ordem natural, estabelecida por Deus, mas à qual Ele próprio obedecia (Teoria das causas segundas) E esta ordem era desvendável por um uso correcto da razão (recta ratio), por um uso da razão disciplinado por certas regras de discorrer. Teoria escolástica das "causas segundas" Teoria segundo a qual Deus, Causa Primeira de tudo, se abstém de agir sobre cada facto particular; como por economia de meios, entrega uma parte da Sua tarefa ao funcionamento automático das leis naturais que imprimiu na natureza, só as violando em caso de milagre. A solução jurídica deve ser encontrada em cada momento, através de uma específica e precisa técnica de investigação (ars inveniendi, arte

de encontrar) que concede um grande papel à investigação casuísticas. Na esteira de Aristóteles, São Tomás aceitava a existência de uma ordem natural das coisas, tanto físicas (entia physica) como humanas (entia moralia), ordem que era confirmada pela crença cristã num Deus inteligente e bom, criador e ordenador do mundo. teoria escolástica das "causas segundas" (continuação) A cada espécie teria atribuído Deus (“Causa Primeira”) uma lei natural ("causa segunda") - o fogo sobe, por natureza, os corpos pesados caem, etc. -, salvo caso de milagre (intervenção extraordinária de Deus). Estas naturezas das várias espécies harmonizar-se-iam todas em função do Bem Supremo, de tal modo que o mundo estaria cheio de ordem e os movimentos dos seres ou das espécies de seres obedeceriam a uma regulação cósmica. Também a espécie humana teria uma certa natureza, ou seja, estaria integrada de certo modo na ordem e no destino cósmicos.

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A ideia de direito natural Surge a partir de uma pesquisa dos fins do homem e do seu contributo para o plano da criação, elaborando as regras que deviam presidir à prática humana, de modo a que esta resultasse adequada aos desígnios de Deus quanto à vida em sociedade e quanto ao lugar do homem na totalidade dos seres criados. Tais regras, umas formuladas nas Escrituras (direito divino), outras daí ausentes mas manifestadas pela própria ordem do mundo e atingíveis pelo intelecto, se bem ordenado (recta ratio, boa razão), constituem o direito natural. São Tomás combinava a sua confiança na capacidade do homem para conhecer a ordem do mundo com o sentimento de que este conhecimento não podia ser obtido por processos estritamente racionais. Por um lado, a descoberta da ordem natural das coisas não podia provir de um acesso directo às ideias divinas, vedado ao homem, em virtude do pecado. Por outro lado, não seria atingida por uma especulação meramente abstracta. Começava por pressupor um trabalho de observação dos factos, dos resultados restritos e imperfeitos da nossa experiência. Esta observação devia ser orientada e complementada pela elaboração intelectual. Mas o intelecto não se compunha apenas de faculdades de raciocínio (razão), mas também de faculdades morais (virtudes). Nomeadamente, o raciocinar sobre a ordem das coisas dependia da virtude da bondade, ou seja da capacidade moral de perceber o sentido global da ordem e, por isso, de distinguir o justo do injusto. Daí que a razão tenha que ter um qualificativo moral para ser eficaz – tem que ser uma "boa razão" (recta ratio). Mais ainda, a mobilidade essencial das coisas humanas, provocada pela existência de liberdade no homem, levava a que não fosse possível encontrar princípios invariáveis de justiça. E, daí, que fosse impossível estabelecer uma ciência do direito natural que desembocasse na formulação de um código de regras permanentes. Tudo o que se podia afirmar, neste domínio, era a existência de um vago e formal princípio de que "se deve fazer o bem e evitar o mal".

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A lei era definida como ... ... “prescrição da razão prática, em ordem ao bem comum, promulgada por quem tem o cuidado da comunidade”. Toda a lei deriva da “lei Eterna”, na medida em que participa

da “recta razão” Lei natural A lei natural decorre da natureza humana, é participação da lei eterna na criatura racional, tendo sido promulgada através da sua impressão na mente do homem, pelo que é naturalmente cognoscível. Os preceitos da lei natural têm um fundamento comum.

A lei natural é a mesma para todos os homens. Resumindo... O pensamento medieval e escolástico na sua base teológica, tem uma concepção objectiva do Direito Natural, o qual se dirige ao legislador e não a cada um dos membros da comunidade. Existe uma distinção entre Direito Natural primário e secundário. Para além do necessário respeito por certos princípios gerais e comuns de valor universal, há lugar a adequar as regras naturais ao circunstancialismo de cada momento ou à especialidade de cada sociedade. Fiel à sua inspiração aristotélica,.... concebeu o homem como ser eminentemente social e político considerou o poder temporal como procedente imediatamente

dos homens, tendo embora em Deus o seu fundamento. Viu no bem comum da comunidade o seu fim e a sua razão

de ser e a fonte da legitimidade do respectivo exercício.

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Concepção antropológica (jus-racionalista) A versão antropológica do jusnaturalismo essencialista encontrou a sua mais significativa expressão no pensamento pós-renascentista, racionalista e iluminista, especialmente em Grócio, Hobbes e Puffendorf . O fundamento do Direito Natural deixa de ser Deus e a sua lei eterna, para passar a encontrar-se na razão humana ou na natureza racional do homem. Hugo Grócio (1583 – 1645)

O Direito Natural é algo que sendo produto exclusivo da

razão dedutiva, não só antecede toda a vontade humana e divina, como goza de uma validade que delas é independente.

O Direito natural seria tão imutável que nem Deus o poderia mudar (2 +2 será sempre =4); o Direito Natural é perpétuo e imutável.

O Direito Natural apresenta-se como um ditame da recta razão.

Os princípios do Direito Natural são quase tão claros e evidentes como os que percebemos pelos sentidos externos.

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Fundamento antropológico do Direito Natural (admite a origem divina) Entre as coisas que são próprias do homem está o desejo de

sociedade, segundo a condição do seu entendimento, com os que pertencem à sua espécie.

A conservação da sociedade, própria do entendimento humano, é a fonte do Direito, a qual implica:

- abstinência do que a outrem pertence - obrigação de cumprir promessas - reparação do dano causado culposamente e o ... - merecimento da pena

É conforme à razão humana seguir o juízo rectamente formado segundo a razão.

A matriz do Direito Natural é a natureza racional do homem ou a recta razão.

A legitimidade do direito positivo, porque tem na natureza racional do homem a sua razão de ser, retira a sua força e a sua validade do Direito Natural (cujos princípios foram inscritos em

nós por Deus). Grócio vem a atribuir à sociedade uma origem contratual, conferindo à ideia de contrato social carácter de realidade histórica e empírica. A ideia de pacto ou contrato social A ideia de pacto ou contrato social, modo encontrado para justificar racionalmente a existência da sociedade e do Estado, ... apresenta-se sob duas formas: A primeira Resulta da ideia de um estado de natureza anterior ao estado de sociedade A segunda Resulta da tradição segundo a qual a autoridade imperial retiraria a sua legitimidade da transmissão, através da “lex regia”, dos poderes do povo romano para o imperador.

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No pensamento de Grócio, o contrato social não deriva directamente da natureza humana, podendo por isso dar origem a qualquer forma de governo, não apresentando um conteúdo universalmente válido, nem constitua um critério superior, ou norma Thomas Hobbes

para Hobbes, filósofo de pendor materialista, causalista e determinista, o estado de natureza é concebido como situação de luta de todos contra todos, que só cessa pela celebração do pacto social e a transferência de toda a liberdade para o soberano. Os homens são iguais por natureza e esta deu todas as

coisas a todos os homens. Um direito de todos a todas as coisas é o mesmo que nenhum

direito a nada (pois o direito de cada um pode ser afectado por outro que

seja mais forte do que ele) O estado dos homens nesta liberdade natural é o estado de

guerra de todos contra todos, em que o homem será o lobo do homem.

A lei natural Hobbes define a lei natural como a regra geral encontrada pela razão, pela qual se proíbe ao homem...

- fazer aquilo que possa destruir a sua vida, pela qual, com força perceptiva, se aconselha ao homem...

- reconhecer a igualdade dos outros homens - respeitar a liberdade alheia - entregar a um árbitro a resolução dos litígios - usar em comum as coisas indivisíveis - respeitar os contratos que celebrou.

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O contrato social Segundo Hobbes, o reconhecimento destas leis naturais não é suficiente para fazer cessar o estado de guerra de todos contra todos. É necessário que os homens renunciem ao direito que têm

sobre todas as coisas (segundo a natureza) É necessário que por via de um contrato, acordem em

abandonar o estado de natureza e em estabelecer um poder comum.

É necessário que por meio desse poder comum possam estar obrigados tanto a manter a paz entre si como a unir as suas forças contra um inimigo comum.

O poder soberano é tão absoluto como aquele que, antes do pacto social, cada homem tinha.

Hobbes do contrato social retira duas conclusões :

- as leis da recta razão (leis escritas) só podem servir para resolver casos omissos.

- O costume só por si não cria direito, sendo valido

apenas quando aceite pelo soberano RESUMINDO as ideias essenciais do jusnaturalismo racionalista Os princípios do Direito natural gozam de uma evidência,

de uma independência e de uma necessidade análogas às da matemática, tendo a lei natural na razão uma fonte autónoma de conhecimento do justo, que não carece de qualquer apoio da Revelação divina.

Ao individualismo radical e abstracto anda ligada a ideia da origem contratual do Estado;