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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO O papel da Linguagem e da Leitura Literária no desenvolvimento da escrita em crianças a frequentar o 4º Ano de Escolaridade: Análise de recontos de textos literários. Filipa Alexandra dos Santos Pinto MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO Área de especialização em Educação e Leitura 2009

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

O papel da Linguagem e da Leitura Literária no desenvolvimento da escrita em crianças a

frequentar o 4º Ano de Escolaridade: Análise de recontos de textos literários.

Filipa Alexandra dos Santos Pinto

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Área de especialização em Educação e Leitura

2009

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

O papel da Linguagem e da Leitura Literária no desenvolvimento da escrita em crianças a

frequentar o 4º Ano de Escolaridade: Análise de recontos de textos literários.

Filipa Alexandra dos Santos Pinto

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Área de especialização em Educação e Leitura

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Justino de Magalhães e

pela Professora Doutora Otília da Costa e Sousa

2009

AGRADECIMENTOS

O caminho percorrido para a elaboração do presente estudo foi muito motivado ora

pelos encontros científicos ora pelos colegas e amigos que de alguma forma, mais ou menos

activa, deixaram a sua marca. A todos eles expresso os meus sinceros agradecimentos.

Ao Professor Doutor Justino de Magalhães, orientador do mestrado, devo a motivação

e a orientação que me deu para dar continuidade ao projecto inicialmente delineado.

À Professora Doutora Otília Sousa, que muito me honra pela sua orientação, incentivo

e estímulo intelectual. Devo-lhe a disponibilidade que me deu na orientação da minha

dissertação.

À minha colega de agrupamento e amiga, Manuela Coelho, que muito me apoiou e

incentivou na revisão bibliográfica.

À Margarida Tomaz pela força, pelo apoio e carinho que me deu ao longo da

investigação.

Aos meus alunos, do 1º C, que terei o privilégio de acompanhar até ao 4º ano de

escolaridade, que foram fenomenais, tanto no comportamento como nas aprendizagens não

esquecendo o carinho com o qual fui presenteada ao longo do ano, um grande beijinho da

professora que tanto vos adora.

Aos meus familiares mais próximos (o meu pai, a minha irmã e o meu irmão) devo-

lhes a compreensão, o carinho e o estímulo para levar até ao fim esta batalha.

À D. Céu, ao Sr. Fernando e ao João um sincero agradecimento por toda a força que

me deram no decorrer deste meu projecto.

Ao Tomé, que me acompanhou em todos os momentos pelos quais passámos e que

sempre me apoiou na concretização deste meu mestrado.

A todos um MUITO OBRIGADA.

Resumo

Os primeiros contactos verbais da criança surgem cedo. Para se expressar, tentando

imitar o adulto, a criança utiliza sons vocálicos que com o desenvolvimento vocabular se

traduzem em palavras e frases.

À entrada para a escola a criança aprenderá e desenvolverá novos conceitos, relativos

à linguagem escrita. Estes primeiros contactos levá-la-ão a aprofundar os seus conhecimentos

proporcionando-lhe novas aprendizagens. A leitura passará a estar incluída no seu quotidiano

escolar.

Com a entrada para o primeiro ciclo desenvolverá hábitos de leitura que conduzirão a

novas aprendizagens. A leitura de obras literárias, como base de novas aprendizagens,

fomenta a compreensão textual e suscita o interesse, na criança, de que ler não é só explorar o

texto, é compreendê-lo, é pensar mais além. Todavia, estarão as crianças aptas em adquirir um

tipo de linguagem mais formal? Conseguirão reescrever obras de autor utilizando uma

linguagem mais próxima e adequada?

A criação de hábitos de leitura é uma maneira de promover uma maior consciência

textual e linguística. A criança que lê mais fluentemente produzirá textos mais complexos.

O reconto oral tem sido uma demanda na minha docência. Neste sentido, senti

necessidade de explorar a reescrita das crianças e verificar o tipo de linguagem que elas

utilizam na reescrita de uma obra de autor. A procura de similitudes, linguísticas e textuais,

com o texto de autor faz repensar que a linguagem é muito importante no desenvolvimento da

escrita, da criança. É através das narrativas das crianças que verificamos a sua compreensão

textual.

Este estudo teve como ponto de partida verificar a linguagem que as crianças utilizam

na reescrita de obras de autor. A partir da análise de um corpus de textos narrativos,

reescritas, procurei aferir se a estrutura das narrativas foi respeitada, pelo encadeamento dos

diferentes episódios da narrativa, e se foi utilizada uma linguagem próxima da obra de autor.

A exploração da linguagem textual foi, também, um factor importante para a

realização deste estudo. Nele foi possível comprovar que as reescritas, do grupo em estudo, do

4º ano de escolaridade, se encontram ricas em componentes textuais. Esta experiência revelou

que a exploração de obras literárias, em contexto escolar, e o seu reconto escrito, promovem

escritas estruturadas e ricas em vocábulos e expressões. Adquirem maior consciência dos

tipos de discurso e estruturação frásica a utilizar na descrição dos diferentes episódios da

narrativa.

Palavras-Chave: Linguagem escrita, leitura, literatura infantil, reescrita

Abstract

The child’s first verbal contacts appear early. As the child expresses herself, trying to

imitate the adult, she uses vocal sounds that as the vocabulary develops, translate into words

and phrases.

As the child begins school learns and develops new concepts related to written

language. This early contacts will take her to deepen their knowledge and provide them new

skills. Reading will be included their everyday schooling.

As the child enters primary school acquires reading habits that will lead the child to

new learning skills. Reading literary work as base of new learning skills increases the text

comprehension and the child’s interest as she learns the skill of obtaining information from

printed or written words. However, are these children able to acquire a more formal type of

language? Are they able to rewrite this literary works using a language closer and appropriate

to their age?

Creating reading habits is a way to promote a better textual and linguistic awareness.

The child that reads more fluently produces more complex texts.

The oral recount has been a quest in my work as a schoolteacher. So I felt the need to

explore the children’s rewrite and study the type of language that they use when rewriting a

literary work. The search for linguistic and textual similarities with the literary work makes us

rethink the importance of language on developing the child’s writing. Through narrative we

verify her textual comprehension.

This research started by checking the language that children use as they rewrite literary

work. As the analysis of these rewrites I studied their ability to maintain the structure, to order

the events as they happen and the use of language similar to the literary work.

Another important factor for this research was the exploration of textual language. The

rewritings of the studied group (fourth year of primary school) where rich in textual

components. This experience revealed that the exploration of literary work in school context

and its writing recount promotes structured writing and awareness of different speeches to use

on the rewriting of the different episodes of the narrative.

Key-words: Written language, reading, children’s literature, rewriting.

Índice

INTRODUÇÃO 1

I – Linguagem 7

1- A aquisição da linguagem 7

2- A linguagem oral e a linguagem escrita 10

3- A linguagem e a imagem 12

II – Leitura 14

1- A leitura e a criança 14

2- Dificuldades da leitura 20

3- A leitura e a escrita 25

III – Escrita 30

1- A criança e a linguagem escrita 30

2- Escrever para aprender 35

3- A Literatura Infantil e a escrita da criança 39

3.1- O reconto como produção de narrativas 41

IV – Análise linguística 44

1- Definição do problema 44

2- Metodologia 45

2.1 – Opções metodológicas 45

3- Caracterização do campo de investigação 47

3.1 – Processo de recolha de documentação 47

3.2 – Critérios de selecção das turmas 48

3.3 – Caracterização das turmas 48

3.4 – Metodologia do estudo da obra 49

3.5 – Observação da tarefa 50

3.6 – Tratamento de dados 52

3.7 – “As aventuras de Engrácia” – Texto narrativo 53

3.7.1 – Descrição da obra 54

3.7.2 – Diferentes episódios da obra 56

3.8 – Análise da estrutura dos recontos das crianças 58

3.9 – Análise da linguagem das reescritas 65

4- Conclusões 81

5- Linguística Textual 82

5.1 – Tempos verbais 82

6- O Presente Narrativo no texto estímulo 85

6.1 – O Presente Narrativo no texto estímulo 85

7- Discurso Relatado 88

7.1 – Verbos introdutores de discurso directo 89

7.2 – Verbos introdutores do discurso indirecto 93

8- Conclusão 95

V- Considerações finais 96

BIBLIOGRAFIA 103

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Tabela sumária das reescritas, referentes ao 1º capítulo. 60

Tabela 2 – Tabela sumária das reescritas, referentes ao 2º capítulo. 63

Tabela 3 – Tabela sumária das reescritas, referentes ao 3º capítulo. 64

Tabela 4 – Frequência dos tempos verbais nos 3 capítulos. 83

Tabela 5 – Tabela sumária dos verbos introdutores do discurso directo e do discurso indirecto,

ao longo das reescritas. 93

ÍNDICE DE ANEXOS

Anexo 1 – Reescritas dos alunos da turma 1

Anexo 2 – Reescritas dos alunos da turma 2

Anexo 3 – Grelhas de análise da estrutura das narrativas

Anexo 4 – Grelhas de análise da linguagem

Anexo 5 – Despacho número

Anexo 6 – Decreto-lei 319/91

Introdução

O presente estudo ocupa-se das relações entre a leitura e a escrita. Numa turma do 4º

ano de escolaridade básica, tentámos verificar de que modo as crianças, após a leitura de um

texto literário, se apropriam do texto e das construções nele presentes ao construírem os seus

textos.

A leitura é um factor importante no desenvolvimento colectivo da uma comunidade. É

também importante no desenvolvimento das capacidades do indivíduo pois a leitura permite-

lhe aceder ao conhecimento e partilhá-lo.

Enquanto o modo oral é adquirido de forma natural e espontânea, o modo escrito

necessita de ensino formal. O ensino da leitura deverá ser iniciado com estratégias que

contemplem o reconhecimento global de palavras, de sílabas e descriminação fonémica

suportando-se na linguagem escrita. A criança que aprende a ler descobre na leitura o

significado da mensagem escrita e contacta com um input linguístico, rico, complexo e

variado.

A leitura compreende não só num processo de descodificação de símbolos gráficos

como também a actividade de compreensão textual. Através da leitura a criança ganha

habilidade que lhe permite participar na sociedade em que está inserida. É fundamental que

atinja um nível elevado de proficiência na leitura, permitindo uma compreensão dos textos,

global e de qualidade. Sendo a leitura um bem essencial na formação da cidadania, do

pensamento crítico, no enriquecimento vocabular e no acesso à informação, é necessário que

esta competência seja adquirida por todos os alunos.

A leitura é uma competência que a criança vai desenvolvendo ao longo da

escolarização. Segundo Sousa (2007:46)

“Aprender a ler não é um processo homogéneo do início até a uma

leitura madura e competente mas um processo qualitativamente

diferente à medida que o leitor se torna mais capaz e proficiente.”

Saber ler é uma competência essencial para a criança aceder a outros mundos. Como

tal, o Governo, através do Ministério da Educação e em articulação com o Ministério da

Cultura e o Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares, implementou o Plano Nacional

de Leitura, doravante PNL, (2007/2011) considerando-o um desígnio nacional. O PNL “(…)

concretiza-se num conjunto de estratégias destinadas a promover o desenvolvimento de

competências nos domínios da leitura e da escrita, bem como o alargamento e

aprofundamento dos hábitos de leitura, designadamente entre a população escolar.”1

A implementação do PNL visa reforçar as aprendizagens das crianças, levando-as a

adquirir hábitos de leitura. Esta constatação fundamenta-se no pressuposto que a aquisição de

um novo vocabulário e a compreensão textual se repercute na escrita das crianças, ainda que

não haja investigação suficiente para atestar tal ligação.

Tendo em perspectiva as aprendizagens dos alunos, a revalorização do ensino,

implementando hábitos de leitura com, entre outros, o PNL, dá-se acesso aos membros da

comunidade escolar o desenvolvimento de competências leitoras e à consequente formação de

leitores.

Além do papel da escola, é reconhecido o papel da família na criação de bons leitores.

Os contactos precoces e continuados com obras literárias quer na escola, quer em casa

revelam-se “(…) fundamentais para a formação de leitores literários.” (Balça, 2007:131).

A criança ao entrar na escola, se for exposta a textos de diferentes géneros e a obras

literárias, se aprender a ler bem e a gostar de ler, terá na leitura uma competência fundamental

na construção dos seus conhecimentos quer do mundo que a rodeia, quer da linguagem. Não

sentirá dificuldades em compreender a funcionalidade do acto de ler e em intencionalizar o

que necessita de aprender. O contacto sucessivo com diferentes tipos de escritos, o ouvir

sucessivamente contar histórias, o ensinar a ler para a aquisição de informação reforça a

aprendizagem das crianças.

Se a escola precisa de ter um papel mais activo na formação de leitores hábeis,

também a escrita precisa de ser reforçada, no mesmo meio. Advogamos uma abordagem

1 Nota retirada do sumário executivo que se encontra na página do Plano Nacional de Leitura

(http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt) – acedido no dia 12 de Maio de 2009 pelas 23:03)

metodológica em que interagem as duas vertentes do modo escrito (leitura e escrita) no ensino

destas duas competências (Cardoso et al., 2009). Tal como preconiza o PNL, na abordagem

integradora no ensino da leitura e da escrita, “revela-se indispensável para a [sua]

apropriação do processo de escrita em si e para a consequente produção de textos, com uma

estrutura na sua composição cada vez mais sólida.” (Balça; 2007:134)

Se, por um lado, a criança necessita de ter representações sobre escrita para aprender a

ler e a escrever, por outro precisa de ter desenvolvido competências de textualização que lhe

permitam aceder ao mundo dos textos na dupla versão da compreensão e da produção.

Especificando o ensino da escrita, os modelos usados deverão direccionar as

aprendizagens das crianças para o ensino das diversas componentes do processo de escrita:

planificação, textualização e revisão de texto.

Os hábitos de leituras literárias e o constante contacto com a leitura e o livro parecem-

nos decisivos para o desenvolvimento da escrita das crianças. A riqueza dos textos literários,

quer a nível lexical, quer a nível retórico pode constituir-se como modelar na construção dos

textos das crianças.

Título, objectivos e organização do estudo.

Nesta dissertação focalizamos o tipo de linguagem escrita que as crianças utilizam, na

reescrita de um texto narrativo, de uma autora maior da literatura portuguesa para a infância:

Maria Alberta Menéres. Esta abordagem surgiu da necessidade em verificar, como docente, o

impacto que a leitura pode ter nas produções escritas das crianças. Para isso seleccionámos

uma obra literária, inserida no PNL e trabalhada em contexto escolar.

A orientação das nossas pesquisas centrou-se nas questões:

• De que modo as crianças se dão conta da estrutura da narrativa do texto original?

• Como se encontra estruturada a linguagem escrita das crianças do 4º ano de

escolaridade, no reconto de uma obra literária?

• De que modo as crianças se apropriam de expressões e termos usados pela autora.

Estas questões abarcam três campos que passaremos a assinalar:

- Verificação do tipo de estrutura utilizada nos recontos;

- Tipo de linguagem empregue no reconto, se esta se aproxima da obra de autor e se utilizam

expressões do texto trabalhado;

- Uso de verbos na introdução do discurso directo, bem como o uso de sinais gráficos verbais

– Focalizámos em particular os verbos introdutores do discurso e o uso dos tempos verbais.

Procurando dar resposta às questões inicialmente formuladas, formulámos os seguintes

objectivos, como suporte à nossa investigação:

* Verificar o tipo de estrutura narrativa das reescritas e as similaridades com a obra de

autor;

* Analisar os recontos quanto à linguagem textual empregue para recontar a obra,

trabalhada em contexto escolar.

Considerámos que a metodologia mais adequada para a realização deste trabalho seria

desenvolver uma investigação de natureza qualitativa. Para tal recorremos à recolha de

recontos escritos2, elaborados por alunos.

O estudo consistiu na exploração, em sala de aula, da obra “As aventuras de Engrácia”

de Maria Alberta Menéres, seguida de reconto pelas crianças.

Na análise de textos produzidos por alunos do 4º ano do 1º Ciclo, procurámos, numa

primeira instância, verificar a estrutura das narrativas, por considerarmos importante aferir se

nos recontos era mantida a mesma estrutura do texto de autor.

Num segundo momento, procurámos, também, verificar a apropriação da linguagem

da autora. A análise da linguagem suscitou interesse por haver curiosidade em aferir até que

ponto as crianças são sensíveis à linguagem literária. Por nos parecer importante, salientámos,

também, os tempos verbais utilizados na reescrita, o presente narrativo, os verbos introdutores

do discurso directo e do discurso indirecto.

Este estudo poderá também contribuir para novas abordagens e constituir o ponto de

partida para outras investigações, que focalizem a interacção leitura/escrita.

O universo em estudo é composto por duas turmas de uma escola do ensino básico 1º

ciclo do Agrupamento de Escola Carlos Paredes. Os grupos são compostos por trinta e quatro

alunos, do 4º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os 9 e os 10 anos de idade.

2 Ainda que tenham acepções diferentes usaremos indiferenciadamente reconto e reescrita para referir os

textos das crianças.

Os textos produzidos foram sujeitos a um estudo qualitativo, como já foi referido.

O sucesso educativo depende das aprendizagens anteriores à entrada na escola. Os

contactos precoces com a linguagem, leitura e escrita promovem as aprendizagens nos vários

domínios, nomeadamente a escrita. Por serem fundamentais no desenvolvimento das crianças,

considerámos pertinente fazer uma revisão bibliográfica em torno das temáticas que

influenciam as aprendizagens.

Como tal, o estudo que aqui apresentamos encontra-se estruturado em quatro

capítulos, ocupando-se os três primeiros da revisão bibliográfica sobre a linguagem, a leitura e

a escrita.

No primeiro capítulo dedicámo-nos a questões referentes ao desenvolvimento da

linguagem. Procedemos a um levantamento sobre a importância da linguagem no

desenvolvimento dos jovens e dos factores que condicionam a sua aquisição. Neste domínio,

procurámos verificar a influência que as aprendizagens e o desenvolvimento da leitura têm na

linguagem escrita das crianças. Por ser, também, influente nas aquisições linguísticas e no

desenvolvimento linguístico considerámos importante referir o meio socioeconómico. No

âmbito da aprendizagem da leitura debruçámo-nos sobre a importância do texto icónico na

formação de leitores.

No segundo capítulo, reflectimos sobre a questão da leitura e a influência desta em

relação à escrita das crianças. Referimos, igualmente, os factores que condicionam as

aprendizagens da leitura.

No terceiro capítulo, abordamos a questão da escrita e a relação desta com o

desenvolvimento da linguagem da criança.

O quarto capítulo corresponde à apresentação da investigação empírica, ou seja, à

análise dos textos das crianças, com particular incidência na sua estruturação e na recriação da

linguagem.

Ainda neste capítulo, o primeiro momento foi dedicado à análise da estrutura das

narrativas das crianças, procurando verificar se estas se aproximavam da estrutura do texto de

autor. No segundo momento, e respondendo à questão inicial, procurámos verificar

similitudes entre o tipo de linguagem das crianças e o tipo de linguagem, vocábulos ou

expressões, utilizadas nas reescritas. No terceiro momento, centrámo-nos em algumas formas.

Nele analisámos os modos de relatar discurso e o uso do presente narrativo.

Para analisarmos a estrutura das narrativas das crianças foram utilizadas tabelas com a

seguinte nomenclatura:

X- Desenvolveu o episódio;

*- Faz referência ao episódio embora não o desenvolva;

- - Não escreveu sobre o episódio, em questão.

Na análise feita à temática, verbos introdutores do discurso directo e sinais gráficos,

foram aceites as diferentes formas que as crianças utilizaram para assinalar o DD e o DI.

Na conclusão, sintetizámos os resultados da nossa investigação procurando sempre

cruzá-los com o enquadramento teórico. Neste capítulo deixámos ainda algumas questões a

desenvolver em futuras investigações.

Em anexo incluiremos:

ANEXO I - Despacho nº 19575/2006

ANEXO II - Decreto-Lei 319/91

ANEXO III - Reescritas das crianças

ANEXO IV – Tabelas utilizadas na análise da estrutura das narrativas

ANEXO V – Tabelas utilizadas na análise da linguagem das crianças.

1ª Parte

Capítulo 1 - Linguagem

1. A aquisição da linguagem

Desde que nasce, paulatinamente e em interacção com os adultos que a rodeiam, a

criança vai desenvolvendo competências comunicativas.

A linguagem verbal, comum a todas as crianças, permitir-lhe-á contactar com o

próximo expressando-se. Numa primeira fase de desenvolvimento da linguagem, lalação, a

criança formulará sons caracterizadores do que pretende expressar. Estes vão evoluindo,

tornando-se mais longos e com uma acústica mais elevada, ao longo dos primeiros meses de

vida. A progressão vocal surge da necessidade em produzir sons com os quais está habituada

a conviver e de que já tomou consciência da sua importância para comunicar com o mundo

circundante. Tal como Rebelo, 1990, afirma:

“ Desde os primeiros dias de vida o recém-nascido encontra-se em

situação “comunicativa”, contactando directamente com a mãe:

vocalizações (chamar, pedir), movimentos da boca, dos olhos, gestos da

mãe para captar a atenção do seu filho. Durante o período sensório-

motor a criança vai construindo o seu conhecimento da realidade física,

agindo sobre ela, vai conhecendo situações e aprendendo técnicas de

comunicação. É por intermédio do adulto que descobre o mundo físico

e as suas propriedades, é no contacto com o adulto, que lhe desperta a

atenção, a orienta, a estimula mediante a linguagem, que aprende certas

características da realidade.” (p.60)

Numa segunda fase, surgirá a produção da palavra, que embora desfasadas, vai

juntando consoantes e vogais, formando palavras e frases rudimentares. Outras características

como a entoação frásica e a acentuação das palavras começam a ser usadas nesta fase.

A criança aprende que “as sequências de sons podem comportar significados

distintos, que permanecem assaz constantes, apesar das mudanças no contexto social e

linguístico.” (Rebelo, 1993:29).

Por volta dos quatro anos é já bastante competente. Utiliza “os diferentes níveis

linguísticos: o fonético, o morfológico, o sintáctico e o semântico.” (Rebelo, 1993:33),

embora nem todas as crianças se encontrem ao mesmo nível linguístico.

Aos cinco anos de idade a criança já possui um discurso estruturado. Em contexto

escolar aprenderá a compreender os diferentes tipos de textos que lhe são apresentados e deles

retira a mensagem principal. A sua capacidade de compreensão e de retenção da informação

desenvolver-se-á gradualmente.

Aos seis anos as crianças chegam à escola com níveis de desenvolvimento da

linguagem oral muito distintos. Quanto maior for o desenvolvimento linguístico e da

consciência linguística, nomeadamente consciência fonémica, lexical e morfo-sintáctica, mais

fácil será a aprendizagem do modo escrito. Assim, o desenvolvimento linguístico e a

capacidade de pensar sobre a língua (consciência linguística) serão factores de sucesso na

alfabetização da criança.

Segundo Mejia e Eslava-Cobos (1989), citado por Pinto (1994),

“ (…) quando a criança chega à escola, domina o código oral, que

continuará obviamente a enriquecer com base nas suas novas

experiências, seguindo um processo contínuo, que dependerá das

oportunidades a que cada um pode ou não estar exposto (p. 21).

Um domínio deficiente da língua materna tem consequências não só a nível escolar

como pessoal. O meio envolvente será decisivo nas aprendizagens das crianças. Factores

como local de nascença e meio socioeconómicos marcam a competência linguística

interiorizada (Ferraz, 2007).

Se for um meio empobrecido culturalmente, a criança estará mais limitada nas suas

aprendizagens, i.e., aprenderá um conjunto limitado de vocábulos e estabelecerá um diálogo

pobre com o adulto. Se, por outro lado, a criança viver num meio mais privilegiado, terá um

repertório de habilidades mais alargado. O contacto estabelecido com o próximo fará com que

aprenda mais facilmente novos conceitos semânticos, morfológicos e fonológicos, que

facilitarão a sua entrada para o meio escolar.

O acto de comunicar, de partilhar ideias sobre as suas experiências pessoais ou,

mesmo, troca de conhecimentos faz com que a criança se torne mais desenvolta,

diversificando o seu diálogo. A diversificação do diálogo promoverá a inserção de novos

conceitos, vocábulos e uma estrutura linguística mais elaborada. Esta habilidade em

comunicar leva à monitorização de léxico diversificado que, numa fase posterior, se tornará

útil à sua escrita.

A criança ao conversar com o adulto adquirirá um vocabulário diversificado, alargará

os seus conhecimentos e aprenderá a estruturar as suas ideias. O seu discurso torna-se mais

coeso, será compreendido por todos, dando-lhe uma maior auto-estima e força de vontade

para expor as suas ideias.

Um meio pobre em trocas verbais não estimula a criança e esta chega à escola com

deficit de linguagem (Bernstein, 1990; Chall e Jacobs 2003). Este deficit influenciará as

aprendizagens, condicionando o desenvolvimento da descodificação, da compreensão leitora,

da importância do acto de ler e consequente da funcionalidade da leitura.

A falta de hábitos de leitura é um factor que limita a competência de leitura. Por outro

lado, o ouvir ler/contar histórias e a exploração da oralidade, pela troca de informações e

ideias entre pares e familiares, produzem efeitos benéficos sobre este domínio.

Já em meio escolar, a oralidade, além do meio de interacção, será o meio de

aprendizagem da criança. Outro factor promotor de um maior desenvolvimento das

aprendizagens é o constante contacto com a linguagem escrita. Este contacto surge associado

às aprendizagens escolares que promovem a aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem

escrita.

Na escola, ao conviver com outras crianças expande o universo das suas aprendizagens

e obviamente o seu conhecimento e domínio oral da língua. As diferentes actividades de

desenvolvimento linguístico, promovidas em contexto escolar, reforçarão as aprendizagens

das crianças. Ao contactarem com outras experiências, farão novas aprendizagens que

enriquecerão os seus conhecimentos.

O envolvimento das crianças na leitura aproximá-las-á a um novo tipo linguístico,

mais cuidado, mais elaborado. A grande preocupação centra-se nas interacções e nos

processos pedagógicos, nomeadamente da leitura, que irão auxiliar o desenvolvimento da

criança. O discurso dos agentes educativo deverá ser acessível a todos, independentemente do

nível cultural, das crianças, para garantir que a mensagem seja compreendida por todos. O

professor ao interagir com um grupo composto por alunos de diferentes níveis culturais, terá

de ter atenção que o seu discurso terá de ser acessível a todos, levando-os a compreender o

que pretende dizer. O ensino direccionado para a compreensão fonológica leva a uma maior

consciencialização das palavras, das sílabas e dos fonemas.

2. A linguagem oral e a linguagem escrita

Como acabámos de ver, o desenvolvimento linguístico e comunicativo da criança é

fundamental na construção do sucesso escolar. Além deste desenvolvimento, a transição da

linguagem oral à escrita é no processo que requer do aprendiz o desenvolvimento das suas

capacidades motoras “em particular a sua motricidade fina no acto de segurar o lápis e de o

movimentar, actividades que o olho e a mão controlam.” (Rebelo, 1993:49). Um maior

domínio da motricidade fina e do desenvolvimento ocular permite desenvolver, mais

rapidamente, certas aprendizagens das crianças, tais como a rapidez na leitura e uma

consciencialização da linguagem escrita. Estas aprendizagens requerem um estímulo exterior

para o seu aperfeiçoamento. Este é introduzido, para muitas crianças, aquando a sua entrada

para o pré-escolar e em alguns casos para o 1º ciclo.

Sendo a linguagem um factor importante no desenvolvimento cognitivo das crianças,

dever-se-ia propor um trabalho mais exigente dentro da comunidade escolar, nomeadamente o

ensino explícito e sistemático do modo oral, desenvolvendo e aperfeiçoando as suas

capacidades comunicativas e de partilha.

Ainda que o oral seja uma aquisição natural, espontânea, a escola precisa de focalizar

aspectos do oral que ajudarão não só na aprendizagem da escrita, mas também na capacidade

de intervenção do aluno no meio que o rodeia. Os textos escritos e, em particular, os textos

literários constituem um input fundamental no desenvolvimento da linguagem. Quando o

contacto, com obras literárias, é frequente denota-se um maior desenvolvimento linguístico e

comunicativo.

No espaço escolar, a diversidade linguística faz com que a leitura de obras literárias

nem sempre seja recebida da mesma forma. O hábito de leitura de obras literárias e a

qualidade de leituras que são dadas a conhecer leva-as a um maior aperfeiçoamento dos seus

conhecimentos.

Num meio escolar estimulante, a criança desenvolverá um conjunto de situações que

permitirão desenvolver um discurso menos centrado na sua pessoa, direccionando-o para o

social. Este discurso social ocorrerá pelas suas experiências e pela pressão social que de

alguma forma influi no desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança.

Um maior domínio da linguagem suscita o desenvolvimento da sua auto-estima e

competências ao nível social. A criança criará elos de ligação com as competências básicas da

vida, a comunicação, que lhe proporcionarão o sucesso escolar e o crescimento cognitivo.

É consensual que ler e ouvir ler é muito importante no desenvolvimento global da

criança. Em particular, o modo escrito constitui-se como um input de desenvolvimento da

linguagem e como meio de aproximação da criança ao discurso da comunidade escolar. No

que concerne aos textos literários, o método utilizado no estudo da obra, em contexto

pedagógico, desenvolverá a oralidade de modo a que a criança, ao expor as suas ideias, ao

falar em público, discorrerá com mais facilidade, utilizando um discurso organizado e rico em

conceitos e estruturas. As metodologias aplicadas podem, ainda, incidir sobre o

desenvolvimento dos conhecimentos semânticos e morfológicos. A criança usará noções que

se encontram relacionadas com o título, a constituição do texto e determinadas unidades do

discurso, i.e., empregará expressões do próprio texto no reconto da obra trabalhada.

(Teberosky, 2009).

A diversificação de estratégias deve aplicar o jogo como metodologia onde a criança

exercita a sua mente e desenvolve a sua linguagem através da troca de novas expressões.

Desinibir-se-á e exercitará a memória, a atenção e a criatividade. Ao lidar com o jogo, nas

suas brincadeiras, a criança desenvolverá a sua auto-confiança, a curiosidade e a iniciativa

experimentando “situações de aprendizagem que favoreçam a linguagem, o pensamento, a

concentração e a atenção (Cunha, 1998)” (Furtado, 2008:58).

Rabioglio (1995), citado por Furtado (2008), justifica que

“ o jogo tem um enorme potencial como recurso didáctico, que se deve

ao facto de reunir três aspectos fundamentais para o ensino para o

ensino escolar. São eles cultura (o jogo sociocultural histórico),

interesse do aluno (brincar é a actividade principal da criança) e

conteúdos curriculares (diferentes jogos expressam diferentes

conteúdos). Um quarto aspecto, não menos importante, são as relações

e interacções sociais individualizadas pelo jogar em grupo, na medida

em que nessa situação as crianças vivenciam regras, discutem, fazem

negociações, levantam e testam diferentes hipóteses e, sobretudo,

aprendem com o outro. (p. 152) ” (p.67).

Com o jogo de regras a criança terá a possibilidade de debater, de crescer socialmente,

de raciocinar e de questionar. Estas regras levá-la-ão a estruturar a sua linguagem, aprendendo

novos conceitos, e a organizar o seu pensamento, a compreender as mensagens transmitidas e

a dar a sua opinião. Na escrita expressará as suas aprendizagens, utilizando a sua memória, de

longo e de curto prazo, ao expor as suas ideias.

3. A Linguagem e a imagem

Se, segundo a investigação o jogo é importante na abordagem do escrito, também a

imagem pode ser um meio facilitador da compreensão do escrito. A linguagem verbal,

segundo Cornoldi et al (1996), é muito abstracta e lógica na comunicação estabelecida. A

imagem, por sua vez, é um modo mais concreto na representatividade da mensagem. Através

da imagem a criança desenvolverá a sua linguagem oral, explorará o seu vocabulário,

interiorizará as suas experiências, ou experiências que lhe foram contadas, na vida que dará

àquelas imagens. Assim, aliados a bons textos, devem-se privilegiar livros que possuam boas

imagens.

Estabelecendo uma ligação entre ambas, na estruturação do discurso e as imagens

textuais, apercebemo-nos que “(…) two codes are better than one (Paivio, 1991). (…) when

both codes (visual and verbal) are readily available, one should expect facilitation rather

than inference.”.3A criança, ao aprender, quando auxiliada por imagens, tenderá a visualizar

melhor o contexto da história, e a memorizar mais facilmente a mensagem, visto que esta é

veiculada por dois meios complementares.

3 Apud Cornoldi et al. (1996: 33). No seguimento desta perspectiva Paivio defende que a associação entre os

dois códigos, verbal e não verbal (imagem) permitem uma maior compreensão do discurso.

Nos anos oitenta, a imagem começou a ter um maior impacto na escrita. Nos livros

literários esta passou a ser inserida de modo a auxiliar a criança a compreender a mensagem

escrita. Com a imagem o escritor procurava, e ainda procura, cativar a criança a contactar

visualmente com o livro, em despertar a curiosidade em pegar no livro, abri-lo, e através delas

descobrir o que a história lhe transmitia. O uso de diferentes tonalidades, de instrumentos de

trabalho e o uso do computador “contribuíram para notáveis alterações no trabalho de

edição.” (Rocha, 2001:163).

A ilustração de histórias para as crianças tem primado na conquista dos mais jovens.

Com a evolução tecnológica tornou-se fundamental conquistar as crianças pelo visual. O uso

de determinadas características, cores, letras, estrutura da apresentação do que estão a ler tem

de se tornar necessária ao uso do livro.

Segundo Rocha (2001)

“(…) a imagem realiza, junto da criança , trabalho de apoio para a

passagem da leitura colectiva à leitura individual; tal como um grupo, a

sua falta não deve impedir a fala de cada um isoladamente, deve

enriquecer a leitura pessoal, não deve substitui-se dela.” (p. 26)

Da imagem também se pode retirar parte da essência da leitura. A criança pode

remeter as suas leituras, comentando, por exemplo, um outdoor ou uma fotografia do seu

álbum de infância. O texto icónico apoia a oralidade e desencadeia sequências de ideias,

enquanto a criança observa as imagens (Sobrino, 2000).

Através das imagens as crianças procuram encontrar um fio condutor com a

mensagem do texto. Com esta exploração inicial, caberá aos leitores, posteriormente,

completar o que os textos não dizem, embora sugiram, “com base nos seus conhecimentos do

mundo e nas suas competências enciclopédicas” (Sousa, 2008:76).

Ao depararmo-nos com uma diversidade de imagens que complementam os textos,

havendo os que não possuem uma história escrita e descritiva das diversas imagens

apresentadas, direccionamos as aprendizagens da criança para um mundo onde a exploração

oral será o passaporte para o desenvolvimento da linguagem. As imagens permitir-lhe-ão

expressar-se e deixar-se envolver num mundo fantasioso.

A percepção visual do que nos rodeia, as experiências que temos e o desenvolvimento

linguístico são necessários para que se compreenda a informação contida nas histórias lidas.

Capítulo II – Leitura

1. A leitura e a criança

Os últimos anos trouxeram uma grande alteração ao mundo, “(…) o mundo mudou,

encolheu e tornou-se um lugar vertiginosamente interessante e perigoso.” (Sim-Sim,

2006:11). A troca de informações, a sua rapidez e o fácil acesso a outros locais encurtou a

distância entre os leitores. Passou a haver uma maior troca de ideias e de experiências entre as

pessoas. Esta troca levou a que a criança necessite de aperfeiçoar a sua leitura. A criança terá

de desenvolver hábitos de leitura com o intuito de construir o seu conhecimento neste e deste

novo mundo.

O hábito de ouvir ler histórias, nos primeiros anos de vida, para muitos somente ao

nível do pré-escolar, fará com que a criança desde cedo contacte com a linguagem escrita.

Ouvir ler de uma forma específica, entoada e que leve a criança a uma compreensão mais

precisa da mensagem será uma etapa importante nas aprendizagens. O hábito regular desta

actividade proporcionará a interacção com o adulto, ou com quem a partilha, e a troca de

ideias através das suas experiências pessoais.

Tal como Mata (2008) refere

“A leitura de histórias é uma actividade de extrema importância, não só

por promover o desenvolvimento da linguagem, a aquisição do

vocabulário, o desenvolvimento de mecanismos cognitivos envolvidos

na selecção da informação e no acesso à compreensão, mas também

porque potencia o desenvolvimento das conceptualizações sobre a

linguagem escrita, a compreensão das estratégias de leitura e o

desenvolvimento de atitudes positivas face à leitura e às actividades a

ela ligadas.” (p. 72)

Ler, fluentemente, uma história ou ouvir um adulto a ler faz com que a criança tenha

uma maior proximidade com o livro. Com os sucessivos contactos aprenderão a

comportarem-se como leitores, quando vêem os livros, e a construírem as histórias pelas suas

vivências e pelas imagens (antes de conhecerem o significado do código escrito). Quando os

lêem (numa fase em que a criança já possui algum domínio do código escrito), apoderam-se

das diferentes escritas e das regras que a constroem, da forma como se escrevem textos ou

outras informações (Mata, 2008).

Mata (2008) defende

“ A leitura de histórias pode (…) ser uma actividade muito agradável,

fonte de inúmeras reflexões e partilhas e um elemento central na

formação de “pequenos leitores envolvidos” que conseguem aproveitá-

la para irem muito mais além do que aquilo que está escrito nas páginas

que a registam.” (p. 80)

Os hábitos de leitura, adquiridos com o constante ouvir ler, e o tipo de linguagem

utilizado entre a criança, os seus progenitores e o meio circundante reflectir-se-ão ao longo

das suas aprendizagens. As crianças que não desenvolvem apetências para a leitura, mais

tarde revelam algumas dificuldades em compreender a essência que reside na escrita.

Pensa-se que as diferentes leituras, que a criança faz, reflectem-se na escrita. A criança

com hábitos de leitura terá uma maior facilidade em escrever contrariamente à criança que

não desenvolveu o gosto pela leitura. O trabalho feito, em sala de aula, no estudo das obras

literárias, fará com que o aprendiz a leitor tome consciência da estrutura das narrativas, do

registo literário, do vocabulário cuidado.

Os primeiros contactos com obras literárias facultam novas aprendizagens. Será com

os seus conhecimentos e a prática das leituras que se tornará num leitor fluente e crítico. No

texto literário a palavra “atinge a sua plenitude e dá lugar, por isso, ao prazer e ao

conhecimento.” (Alarcão; 2005: 23)

A leitura é um gosto, um ensinamento, uma compreensão que vai crescendo e se vai

desenvolvendo pela partilha de conhecimentos. Os hábitos que a criança vai adquirindo, vão

sendo moldados pelos hábitos dos outros que a rodeiam e são estes que impulsionam o seu

desenvolvimento sócio-afectivo.

A motivação intrínseca, para a leitura, surge essencialmente do prazer em ouvir ler.

Esta motivação vai surgindo e desenvolvendo-se sempre que a criança contacta com a leitura.

A atenção, dada à leitura, molda-se pelas actividades propostas, pelos estímulos positivos que

reforçam as suas aprendizagens e pelo gosto em ler e ouvir ler.

As práticas orais que eram muito comuns há alguns séculos, que se podiam observar

em algumas comunidades ainda há alguns anos, têm sido esquecidas. A transmissão de

histórias, contadas em serões familiares, tem sido trocada por serões televisivos e silenciosos.

Tal como o contar de histórias, o uso das bibliotecas para ler livros tem saído das práticas e

hábitos da vida quotidiana do jovem leitor.

A participação da família e a continuidade da leitura noutros ambientes permitem um

maior envolvimento no acto de ler. Estas leituras, quando constantemente exercitadas,

promoverão novas aprendizagens e estimularão interesses diversificados, criando hábitos

necessários às aprendizagens.

A capacidade da criança aprender a ler não surge, somente, na junção das diferentes

vogais e consoantes que a criança aprende ao longo do 1º ano de escolaridade, a

descodificação da representação escrita, do ensino básico. É fundamental um contacto,

anteriormente proporcionado, directo com a escrita. Um contacto sistemático que cause um

determinado impacto e vontade em querer compreender o que está escrito. Esta compreensão

é muitas vezes confrontada com a interpretação que se faz do texto, i.e., a criança ao ler irá

interpretar o texto de acordo com as suas necessidades.

O processo de aquisição da linguagem escrita encontra-se fortemente vinculado a uma

condição cognitiva e cultural. A criança para ter acesso à compreensão da literatura necessita

de possuir conhecimentos culturais, ser capaz de compreender e saber identificar a mensagem

necessária à compreensão do que lê.

“ (…) a aprendizagem da língua escrita envolve um processo de

aculturação – através, e na direcção das práticas discursivas de grupos

letrados - , não sendo, portanto, apenas um processo marcado pelo

conflito, como todo o processo de aprendizagem, mas também um

processo de perda e de luta social (…) (Kleiman, 2001, p. 271)”4

Há uma grande necessidade em proporcionar aos leitores uma leitura agradável,

cativante e até emocionante. É fundamental cativar os leitores, jovens ou adultos, àqueles

pontos pretos e brancos, cheios de signos, repletos de significados que enchem o olhar das

4 Cit in Colello, (s/d)

crianças de magia, de alegria, despertando-lhes a vontade de ler, de pegar noutro livro

continuar a tão doce melodia, que é a leitura.

Sobrino (2000) afirma que “(…) o acto de ler, longe de ser mecânico, é uma operação

que envolve a totalidade da pessoa: inteligência e vontade, fantasia e sentimentos, passado e

presente.” (p. 31). Ao ler, envolver-se-á no que o escrito lhe proporciona, embarcará numa

viagem onde a sua imaginação a leva.

Os modelos de iniciação à leitura devem ser tidos como imprescindíveis no

desenvolvimento da criança, pois através deles a criança assimila o gosto pela leitura e

encontra-se mais propensa à compreensão da importância da linguagem escrita.

A entrada para o 1º Ciclo e a aprendizagem da leitura e da escrita serão decisivas nas

aprendizagens das crianças. É no ensino que se notarão as dificuldades da criança em dominar

o mecanismo da leitura. A não compreensão do acto de ler levará a criança a não se sentir

motivada. Esta desmotivação interferirá nas aprendizagens e na compreensão dos conteúdos

temáticos.

A importância que a criança dará à leitura poderá surgir de diferentes aspectos. Pode

ocorrer da necessidade em adquirir informação e em comunicar com o adulto ou com os seus

pares. Participar em actividades que proporcionem prazer são metodologias a aplicar na

promoção da leitura.

O aluno que não possua hábitos de leitura e que tenha dificuldades em ler e

compreender os diferentes tipos de texto, terá mais dificuldades na escola. Se no seu meio

familiar não houver espaços geradores de hábitos de leitura será influenciado pelo ambiente

não leitor, com o qual contacta diariamente (Sim-Sim, 2001). Ao viver num meio não leitor a

criança terá dificuldades na aquisição de hábitos de leitura.

Segundo o estudo do Pisa 2000, as crianças em situação escolar demonstram um nível

muito baixo de literacia. Foram traçados perfis que levaram à conclusão, deste estudo, que a

rapidez de leitura e as estratégias aplicadas na leitura, a pré-leitura e a selecção da informação

importante, diferem nas crianças.5

Nas escolas a promoção da leitura, as actividades propostas para a promoção e

aprendizagem da leitura de obras literárias são tidas como factores influentes nas

aprendizagens das crianças. As aplicabilidade de actividades que propiciem as aprendizagens

5 A informação acima referida, está de acordo com os resultados do Estudo Internacional - PISA 2000.

dos jovens torna-os mais propensos a aprender, a compreender e a explorar a compreensão

literária.

O acto de ler para a criança, a leitura que fará em voz alta ou de forma silenciosa, as

rotinas que a criança deverá ter em relação à leitura envolvê-la-ão, levando-a a uma maior

assimilação da estrutura textual e a um maior enriquecimento vocabular. “(…) a leitura de

histórias tem um papel essencial na promoção de hábitos de leitura.”(Mata, 2008: 72). O uso

de diferentes tipos de textos, a leitura de contos, a memorização de pequenos trechos

(quadras, diálogos), comentários, jogos de linguagem e referências a livros são actividades

que poderão desenvolver o gosto pela leitura bem como desenvolver a consciência fonológica.

A capacidade de ler fluentemente, quando a criança já efectua uma leitura não

silabada, facilitará na apreensão e compreensão textual. O nível de desenvolvimento

linguístico facilita a leitura e esta reforça hábitos de leitura que promovem novas

aprendizagens tanto ao nível da leitura, da aquisição de novos vocábulos como da

compreensão textual.

Sim-Sim (2006) afirma que

“(…) quanto maior domínio linguístico melhor compreensão de leitura

e, consequentemente, mais prática da leitura, o que resulta num

conhecimento mais aprofundado das estruturas da língua.”(p. 21)

O desenvolvimento da compreensão cognitiva, as aprendizagens da leitura e a

compreensão das estruturas textuais desenvolvem-se mediante hábitos de leitura que são

consolidados através de exercícios e práticas pedagógicas desenvolvidas pelo docente, na

iniciação à leitura.

O aparecimento da literatura Infantil fez com que se apostasse mais na leitura, no

ensino básico, levando a um aumento das impressões de textos. Esta evolução fez com que

toda a sociedade pudesse ter acesso à leitura, a qual até então era de acesso restrito ao adulto.

Se no início do séc. XX as leituras literárias eram direccionadas ao adulto, que nos

serões ia abordando as temáticas das suas leituras, em meados desse mesmo século, começa-

se a apostar, com maior incidência, nas obras para crianças. São propostos textos onde a

leitura se encontra mais direccionada para as crianças, os detentores de uma sabedoria

inovadora.

Com o texto impresso a leitura literária alargou o seu domínio às camadas mais jovens

que se interessavam pelas letras impressas, pelas histórias dramáticas, por todo o enredo que

circunda a história. A criança poderá passar a usufruir de um prazer que até então estava

direccionado para o adulto.

A leitura de obras literárias oferece um vasto leque de vocábulos e de expressões que

caracterizam determinadas acções. Primeiro, a leitura de obras literárias e a exploração textual

estimulam o interesse pela leitura. A boa compreensão do texto levará a uma maior

aproximação e compreensão textual, promovendo o interesse pela procura de outras leituras.

Segundo, ler em voz alta é um estímulo para as crianças. A leitura seguida da exploração oral

facilitará a compreensão e apropriação da estrutura do texto.

Tal como Sim-Sim (2006) refere:

“A compreensão da leitura não constitui uma realidade dicotómica

(compreende/não compreende), mas um produto variável que depende

da experiência do leitor, do conhecimento que possui sobre o assunto

que está a ler, do conhecimento linguístico da língua em que está a ler,

da capacidade de rapidez de descodificação e da eficácia de

mobilização de estratégias que activam a compreensão.”(p. 42).

A selecção de obras literárias, para o desenvolvimento das aprendizagens dos jovens,

implica que o adulto possua conhecimentos nesta área. Na sua escolha deverá ter em conta a

qualidade da materialidade da linguagem literária, procurará obras que cativem o

leitor/ouvinte para o seu conteúdo e para a sua linguagem. “ Um texto funciona literariamente

quando chama a atenção sobre a sua própria forma, i.e., quando a nossa atenção se dirige

para o texto mesmo e não somente para o que significa.” (Jackobson 1960; apud Fabb,

2001).6

Ler implica não só o conhecimento do grafema-fonema como também um bom

conhecimento da língua e uma boa compreensão do que lê: “Identificar palavras torna-se

inútil para a compreensão de um texto que se lê (Holmes, 1980)”.7

Alfabetizar é, cada vez, mais, uma necessidade em tornar as pessoas capazes de ler o

mundo em que vivem, de compreender o que as rodeia e torná-las capazes de responder às

exigências da sociedade em que estão inseridos. (Rebelo, 1993). Essa capacidade de aceder e

6 Citado por Angélica Sepúlveda na conferência dada no Plenário Regional do PNEP, no salão nobre, da ESE de

Lisboa a 18 de Abril de 2009. A temática desenvolvida é levada a cabo pelo estudo que Angélica Sepúlveda e

Ana Teberosky fazem à cinco anos, na faculdade de Barcelona. Este estudo dá ênfase à literatura infantil e a

importância desta nas aprendizagens das crianças. A imagem é, também, fundamental nas aprendizagens das

crianças pois através delas poder-se-á retirar informação do que se está a ler. 7 Cit. In Rebelo, 1990: 91

compreender o mundo é fortemente condicionada pelo acesso aos textos, daí a necessidade de

ensinar a ler: decifrar e compreender.

Na aprendizagem da descodificação a consciência fonológica tem um papel

fundamental de modo a que as crianças percebam a relação entre os sons que realizam e os

grafemas do modo escrito (Freitas et al., 2007).

Com a aprendizagem do código escrito a criança dará os primeiros passos na leitura.

Inicialmente fará uma leitura silabada e mais tarde notar-se-á uma maior rapidez na leitura.

A aprendizagem da leitura surgirá na entrada, da criança, para o primeiro ano da sua

vida escolar. Aprenderá a ler, a decifrar a junção das sílabas e das palavras que facultam

mensagens e que se tornam perceptíveis de memorização e de compreensão. Como já foi

referido anteriormente, as aprendizagens que a criança fez antes da entrada para a escola irão

ser decisivas e marcantes nas aprendizagens que fará nesta sua nova etapa.

Todo o conjunto de aprendizagens feitas na escola, aprender a decifrar os signos que

compõem as palavras são essenciais na formação do leitor. Todavia, nem sempre constroem o

bom leitor. O domínio do princípio alfabético é determinante na construção do leitor, porém

não garante a construção do leitor competente, aquele que para além de decifrar o código

escrito, compreende o que leu e relaciona-o com a sua mundividência. “Aprender a decifrar

não conduz à leitura e saber decifrar não significa que a criança saiba ler.” (Rebelo,

1990:73). É fundamental que se faça antecipação ao texto ou ao que se vai aprender

promovendo uma melhor compreensão leitora.

As aprendizagens do acto de ler não se poderão centrar no simples acto de transformar

a escrita em sons. Há uma primeira fase em que a criança conhece os grafismos, os símbolos,

que depois de conhecidos se transformam “em frases e em unidades mais amplas da

linguagem.” (Rebelo, 1990:89). Estas transformações levá-la-ão a interiorizar o que lê.

Quando há um conhecimento prévio da palavra lida a sua leitura será mais fluente e com

maior rapidez.

2. Dificuldades de Leitura

Com a inserção dos alunos no ensino básico e a aquisição do código escrito surgem as

dificuldades, ou não, da criança na aprendizagem da leitura e na sua formação de bom leitor.

A aprendizagem da leitura condiciona as aprendizagens futuras.

A grande diversidade de aprendizagens reflectir-se-á na leitura. Quando a criança

apresenta dificuldades em ler poder-se-á afirmar que esta situação ocorreu devido a problemas

quer ao nível das aprendizagens feitas na associação grafema-fonema ou ao nível da

percepção dos grafemas. Estas dificuldades verificam-se aquando da construção de palavras a

partir de sons isolados.8

As dificuldades de aprendizagem podem ter várias origens. Estas podem surgir do

meio social em que a criança está inserida, do seu desenvolvimento sensório-motor,

linguístico e intelectual e de estarem ou não motivados para a aprendizagem.

Tal como Rebelo (1993) afirma “(…) as dificuldades de leitura e de escrita

constituem um dos principais grupos de obstáculos que aparecem ao longo da

escolarização.” (p. 69).

Fernandez (1991) e Almeida et al. (1995), citado por Furtado (2008), defendem que os

distúrbios das crianças surgem por diversos factores, sejam eles internos ou externos e que

influenciam nas suas posturas, decisões e hábitos.

Os factores internos relacionam-se com o seio familiar, reflectindo-se, sobretudo, nas

vivências, nas experiências e na sua postura, em sociedade. Os factores externos têm a ver

com a vertente educacional. As aprendizagens, o sucesso escolar e pessoal, dependem das

aprendizagens que a criança fizer no início da sua escolarização e que for reformulando ao

longo do seu percurso de estudante.

Fernandez (1991), citado por Furtado (2008),

“(…) chama os factores externos de “problema de aprendizagem

reativa”, em que o fracasso do aluno é resultado de uma acção

educativa inadequada e, portanto, “não atrapalha a inteligência” do

aluno. Nesse caso, a intervenção psicopedagógica deveria

fundamentalmente sanar a instituição educativa (metodologia,

linguagem, vínculo). (p. 19)

O meio em que a criança vive é um factor influente. A criança, como já foi referido,

que vive num meio familiar destruturado, onde a linguagem é pobre e onde as estantes se

encontram vazias de livros é uma criança atreita a não fazer as aquisições necessárias a uma

8 Tema que Rebelo (1990) referiu no seu estudo.

boa aprendizagem. Esta criança fica susceptível a tornar-se num mau leitor, por não possuir

hábitos de leitura, hábitos que devem ser criados desde muito cedo.

O fraco contacto com a linguagem escrita, as escassas vivências e experiências

culturais e uma oralidade pouco desenvolvida tornam o processo de aprendizagem da leitura e

da escrita difícil. Nestas etapas, quando se deparam com obstáculos, os jovens criam barreiras

no desenvolvimento das suas capacidades.

Tal como Fijalkow (1989) refere:

“(…) si los malos lectores en su edad adulta demonstraram haber

superado sus dificultades iniciales en el aprendizaje de la lectura, este

echo defenderia la tesis según la cual las dificultades encontradas en la

edad escolar no son estructurales sino debidas a un retraso en la

maduración.” (p. 38)

Por sua vez, uma criança que tenha hábitos de leitura, em cujo seio familiar se utilize

um discurso rico e variado é uma criança que à partida se encontra munida de um instrumento

fundamental nas aprendizagens escolares: a linguagem. Assim, conseguirá compreender a

mensagem dos textos lidos, ou ouvidos, e acederá à informação neles contida.

A criança que habitualmente vê o adulto a ler, quererá imitá-lo fomentando a sua

curiosidade pelo simples acto de ler, de procurar compreender através das imagens a

mensagem escrita. Numa fase posterior, em que passará a utilizar a descodificação do código

escrito, a criança utilizará as regras fundamentais para a leitura, lendo da esquerda para a

direita, começando na parte superior do livro, descendo até à parte inferior deste. Este

processo revela conhecimentos da criança face à escrita e, com o conhecimento prévio das

letras, facilmente fará aprendizagens, relativas ao 1º ano. Para que as aprendizagens sejam

absolutas é fundamental que a criança tenha um conhecimento decorrente “(…) de vivências

complexas e integradas em torno da literacia e de uma verdadeira reflexão sobre a escrita e

o seu funcionamento.” (Mata, 2008:37)

Os contos orais, transmitidos de geração em geração, têm-se dissimulado, num local

obscuro. Não recontar tem proporcionado situações menos prazerosas e instrutivas entre

famílias. Tem-se esquecido a importância da troca de ideias, da partilha de informação, das

aquisições de um novo vocabulário e do alargamento das aprendizagens das crianças.

Não são só os factores cognitivos que influenciam a aprendizagem das crianças. O

local onde ocorre o ensino, as metodologias aplicadas e os materiais utilizados pelo docente

são decisivos nas aprendizagens das crianças. Outros factores externos à escola, familiares e

meio sociocultural, são também importantes na criação de obstáculos nas aprendizagens da

criança.

O fácil acesso aos livros, seja através de bibliotecas municipais ou de uma boa

biblioteca em casa, a disponibilidade dos adultos, com quem a criança vive, na promoção de

hábitos de leitura de livros ou de outro material literário são agentes fundamentais quer nas

aprendizagens da criança, quer na formação de leitores.

Já Furtado (2008) afirma, segundo Rebelo que há quatro factores que devem ser tidos

em atenção no processo de ensino/aprendizagem. Um desses factores remete-nos para a

atenção a ter à “ disposição da criança para aprender, o pessoal docente e o ambiente social

e físico da escola.”( Furtado, 2008:19).

Segundo Furtado (2008), Fonseca (1995), nos seus estudos, defende que as

aprendizagens dependem essencialmente de factores sociais e hereditários. Ainda que, assim

seja, não há dúvida que a escola tem um papel crucial no desenvolvimento da criança

levando-a a ultrapassar as suas dificuldades, constituindo-se como uma instância que pode

possibilitar a construção do sucesso e a promoção do indivíduo.

Como a criança passa grande parte do seu tempo na instituição escolar este é o local

propício para a motivação da leitura literária. Assim, o educador ou o professor, tornam-se os

promotores de leitura literária. Com as crianças explorarão os diferentes textos e deles

retirarão a informação textual. Esta condução pela exploração textual torna a criança mais

autónoma (Magalhães, 2008).

Para cativar as crianças para a leitura o local onde acontece a leitura terá de ser

cativante e terá de proporcionar à criança concentração, conforto, luminosidade e silêncio.

Muitas instituições escolares têm espaços próprios (bibliotecas escolares) dedicados

especialmente à leitura. Nestes locais a criança poderá escolher o que quer ler. Noutras

circunstâncias poder-se-ão, ainda, criar locais de leitura, no interior da sala de aula. Estes

locais estarão repletos de livros que as crianças trarão para poderem partilhar a sua leitura.

Proporcionar-se-ão momentos de partilha de livros e de promoção da leitura. Numa fase

posterior promover-se-ão actividades, sendo a troca de ideias a partilha que proporcionam

uma construção mais significativa do sentido da leitura pelas crianças.

Também a educação pré-escolar tem um papel importante. Aqui, serão introduzidos

diferentes modos de convívio com textos no quotidiano das crianças. A leitura de obras

literárias fará com que as crianças conheçam tipos de texto com uma linguagem diferente da

sua. O educador promoverá diferentes actividades, explorará a linguagem, explorando o

conteúdo textual. Esta exploração privilegiará tanto o texto como a imagem.

O constante contacto, com o ouvir ler histórias, favorece o treino da concentração. A

audição de histórias “pode ajudar a construir futuros leitores de narrativas, de quaisquer

narrativas (literárias ou não).” (Sousa, 2008: 63)

Os textos literários são um meio privilegiado para desenvolver o conhecimento, com

eles a criança crescerá conhecendo outros ideais, outras vivências, alargando o seu

conhecimento. Com eles compreenderá melhor a condição humana.

Tal como Rocha (2001) refere

“Não se trata de impor à criança o contacto com o real indesejado, mas

sim de lhe proporcionar elementos para uma leitura – que será sempre

personalizada – das realidades que não podem deixar de rodeá-la.” (p.

172)

Como temos vindo a referir, a aprendizagem da leitura não se limita só à

descodificação do material gráfico. Há que compreender o que se lê, saber associar a leitura

ao contexto e convocar uma grande diversidade de conhecimentos. Deve, também, estar-se

munido de informação, para uma melhor compreensão das mensagens que se encontram

transcritas nos textos.

Como referimos, tarefas como ler, escutar ou escrever são fontes de uma

aprendizagem da linguagem escrita. Com elas a criança compreenderá melhor a importância

de um discurso rico em conceitos, expressões e conhecimentos que permitam uma

compreensão fundamentada do que aprendem.

Da nossa prática, temos verificado que o ensino da leitura nas escolas ainda enraíza no

treino da aprendizagem de um código. Tende-se ainda a enfatizar a leitura como a

aprendizagem de um código. Em função dessa preocupação em centrar o ensino na leitura e

na escrita têm-se esquecido determinados aspectos que influenciam a compreensão e a criação

de hábitos de leitura.

A valorização da leitura em voz alta, prática cada vez mais comum no universo

escolar, veio recuperar a necessidade de acompanhar o aprendiz a leitor, na sua aprendizagem,

não o abandonando na compreensão dos textos. Ler em voz alta auxilia a compreender a

mensagem escrita. A exploração das ilustrações acompanha, muitas vezes, o texto como um

reforço da compreensão textual. Através das imagens a criança abrir-se-á a outras

informações, compreendendo de outras formas a mensagem textual.

Na escola a criança contacta com um mundo em que a leitura literária deve ser uma

presença constante. Será com a ajuda do adulto que partirá à descoberta de novos sentidos.

Sem descurar o belo e o prazer inerente à fruição do texto literário, o professor, numa fase

inicial da leitura terá de levar as crianças a compreenderem os mecanismos da leitura, para

que se apropriem desta ferramenta com alguma facilidade de modo a utilizá-la nas tarefas

diárias.

Actividades onde se promovam a activação de um quadro intratextual num momento

de pré-leitura são motivadoras e poderão ser um auxílio ao aluno para melhor compreender o

texto. Estas actividades contribuirão na organização da informação e mobilizam a atenção das

crianças, mais atentas à informação disseminada ao longo do texto.

Ler um texto literário é conhecer o seu conteúdo, é partilhar as emoções que se retiram

da leitura. É questionar o texto, procurando responder a questões que levem à construção do

significado.

A troca de leituras feita no interior de um grupo de colegas e em contexto escolar,

suscitará o diálogo, a troca de ideias, viabilizando a constituição de uma comunidade de

leitores, neste caso escolares. “Estas comunidades podem funcionar autonomamente ou ser

parte de uma oficina de literacia, onde ler, ouvir, falar e escrever constituem actividades

significativas e permanentemente mobilizáveis pelos alunos.” (Sousa, 2008:80).

Segundo Sousa 2008 os alunos devem ser

“(…) incentivados a experimentar uma relação afectiva com os textos,

verbalizando e partilhando, com os colegas as razões emotivas e

afectivas pelas quais um texto pode ser amado ou detestado.” (p. 81)

O uso de expressões do discurso oral letrado, o contacto com diferentes tipos de texto,

a troca de informação entre colegas, alusiva às leituras feitas e as interpretações que dele

fizeram são alguns factores influentes na aprendizagem da criança.

Pela minha experiência como docente, nem sempre se torna viável constituir

comunidades de leitores, em contexto de sala de aula. As experiências e os conhecimentos das

crianças diferem, e nem todas estão mobilizadas para partilhar, os seus conhecimentos,

através das interacções verbais. Perante estes casos torna-se necessário que o professor

explore dois tipos de leitura na sala de aula: i) leitura partilhada com os seus pares e ii) leitura

orientada pelo professor. Estas actividades de leitura têm de ser desfrutadas por todos,

incluindo os que já, de alguma forma, têm hábitos de leitura e deverão, ainda, ser

desenvolvidas estratégias que promovam a compreensão textual.

3. A leitura e a escrita

Ler é aprender, é conhecer outras realidades, é assimilar novos conceitos, e construir

um ser que sabe, que critica e que interage com o outro: “Saber ler é ter a possibilidade de

dispor de um instrumento próprio para adquirir conhecimentos (…)”9 que permita

desenvolver o discurso e expor as suas ideias de forma clara e estruturada.

A leitura tem sido vista como uma necessidade, mas deveria também ser tida como

uma descoberta espontânea. Desde cedo, a criança deve ter um contacto significativo com o

modo escrito de modo a facilitar a descoberta da leitura. Quanto mais contactos forem

estabelecidos com a linguagem escrita melhor esta compreenderá a sua finalidade e

funcionalidade.

O acto de ler, de ouvir ler e o contacto constante com livros ou com outros materiais,

que propiciem a abordagem da linguagem escrita, estimularão a vontade de ler e de aprender a

ler. O contacto com a linguagem escrita fará com que a criança se torne mais hábil nas suas

aprendizagens. Compreenderá mais facilmente a importância da leitura no seu dia-a-dia e

descodificará, mais rapidamente, o código escrito. As concepções precoces, sobre a escrita,

que a criança vai construindo no seu contacto com o material impresso e o desenvolvimento

da consciência dos sons, que constituem a língua, são factores determinantes na aprendizagem

do modo escrito.

Para aprender a ler palavras a criança terá de saber agrupar os diferentes fonemas de

modo a conseguir lê-las. Terá de associar a letra ao som e assimilar o mecanismo da leitura,

juntando os diferentes sons com o objectivo de formular palavras.

Segundo Liberman et alii (1980), citado por Pinto (1994)

“(…) aprender a juntar, a agrupar, a combinar (“blend”) as letras com o

fim de praticar a recodificação fonética constitui “uma das habilidades

realmente importantes que um leitor deve adquirir.” (p. 169)

9 Georges (1978) citado por Jolibert e R. Gloton (1978); p. 48

A leitura que até agora era tida como a descodificação do código escrito estritamente

pedagógico é, presentemente, um investimento na formação do ser em formação (Furtado,

2008). A criança terá de ter consciência da importância do acto de ler. Deve também estar

consciente dos diferentes sons, dos grafemas e da correspondência som/grafema.

Ao iniciar a escolaridade obrigatória a criança terá o seu primeiro contacto com os

mais diversificados signos. Estes permitir-lhe-ão ter acesso ao mundo da leitura. Nem sempre

a associação som grafema se consegue aprender. A não consolidação desta relação criará

obstáculos na criança que poderão tornar-se decisivo nas suas aprendizagens.

As aprendizagens da leitura e da escrita não se fazem num tempo curto, mas sim ao

longo de toda a escolaridade. Estas aprendizagens dependem de factores, tal como afirmámos

anteriormente, internos e externos. As crianças que vivem rodeadas de informação cultural,

que dialogam com os pais ou outros membros da família e da comunidade têm uma fluência

muito maior na sua oralidade e na sua linguagem escrita.

A escola tem a missão de proporcionar à criança condições que favoreçam o seu

desenvolvimento. As aprendizagens que a criança realiza são determinantes na construção do

discurso lógico que se reflectirá no domínio do modo escrito.

A complexidade da aprendizagem do complexo código da escrita, tem conduzido a

que se proponha um ensino direccionado para o uso de jogos lúdicos. Estes jogos promovem

o desenvolvimento de novos conceitos de linguagem e estimulam o raciocínio do jovem

aprendiz.

Rebelo (1990) defende que a aprendizagem da leitura e da escrita “são operações

complexas, nas quais os alunos empenham a sua experiência anterior e do seu saber.” (p.

102). Estas aprendizagens proporcionarão, ao jovem, novas aprendizagens que fortalecem os

seus conhecimentos.

No decorrer da aprendizagem, surgem dificuldades ao nível quer da decifração, quer

da compreensão da leitura e da escrita. Os poucos saberes, no campo do conhecimento

literário e a sua negação face à compreensão do mundo literário bem como as dificuldades em

compreender a escrita afastam a criança de textos e de novas aprendizagens, que estes

proporcionariam. Ao não compreender o texto a criança rejeita o livro que lhe causa

transtornos, por não conseguir entendê-lo. Caberá ao professor intervir nas aprendizagens,

promovendo a sua compreensão, planeando a aula de leitura de acordo com o nível de

conhecimentos dos alunos e ensinando, por um lado, estratégias facilitadoras da compreensão

dos textos e por outro reforçando estratégias que favoreçam a aprendizagem da decifração. No

ensino inicial da leitura há que ter em conta dois processos: os processos ascendentes, através

da qual as crianças efectuam as suas leituras lendo letra a letra e posteriormente sílaba a

sílaba, num método sintético-silábico e os processos descendente, através do qual a criança

associa o grafema a uma palavra, procurando adivinhar o que ali se encontra escrito.

A aprendizagem da leitura e o contacto com textos tornar-se-á um meio de novas

aprendizagens e um meio de aquisição de novos conhecimentos. O frequente contacto com a

leitura de livros literários desenvolverá, na criança, várias competências, salientando-se a

discursiva e a linguística. A promoção da leitura não é tarefa fácil, sobretudo num país com

fracos hábitos de leitura. Por isso, cultivar hábitos de leitura implica esforços de diversas

instituições.

As iniciativas de promoção da leitura são o elo de ligação entre a aprendizagem de

novos conceitos e a criação de hábitos de leitura. Estes permitam que as crianças, ao terem um

contacto frequente com os livros, compreendam as mensagens e alarguem a sua visão de

mundo.

De entre as instituições com papel importante na promoção da leitura, destaca-se a

escola. Nesta tem-se privilegiado a promoção da leitura. Actividades como a formação de

bibliotecas escolares, formação de bibliotecas de sala de aula, de bibliotecas de turma e a ida

frequente às bibliotecas escolares, ou às bibliotecas locais, ensinando as crianças a utilizar e a

requisitar livros são actividades que promovem hábitos de leitura. Se a acção da escola e dos

professores em particular é indiscutível, o papel da família, como instância primeira de

educação, é fundamental. Partirá dos pais a acção principal da leitura. Antes de se deitarem,

os pais devem ler histórias às crianças, introduzindo a leitura no quotidiano familiar. Ainda

antes das leituras, os pais podem viver com os filhos situações que favoreçam a emergência

do gosto dos livros e da leitura. A ida à livraria ou biblioteca municipal para comprar ou

requisitar livros pode ser transformada num momento importante da vida em família, na

emergência da literacia. A escolha de livros deve ser um prazer dado à criança, um estímulo

para que se sinta plena na escolha que faz e aprenda a seleccionar as suas leituras.

A instituição escolar será o único local onde irão ter contactos com a linguagem

escrita. É na escola que irão aprender a gostar de ler e é na escola que irão ler, compreender o

que lêem, escrever e criticar. Caberá ao professor o papel de cativar e de levar as crianças e

entrarem no mundo da criança e a compreenderem o escrito, promovendo actividades de

leitura e transformando o simples acto de ler num prazer, o prazer de ler, ensinando a

compreensão do que se lê e reforçando as aprendizagens das crianças, favorecendo, desta

forma, a criação de hábitos de leitura.

Os encontros entre leitores, em contexto escolar em que a troca de leituras

impulsionará o gosto das crianças pela leitura, levam-nas a gostar e a compreender os textos

literários. A apropriação da estrutura textual, da semântica do texto e do tipo de linguagem,

próprio das narrativas literárias serão reforçados com estas actividades. A criança aprenderá a

ouvir e a retirar mais informação sobre o texto e a expressar-se sobre o que leu. Com estes

encontros adquirirão noções estruturais, reforçadas ao serviço da escrita da criança. Esta

escreverá utilizando expressões que assimila das diferentes histórias que leu, ou lhe foram

lidas. Destas aprendizagens compreenderá melhor a escrita literária.

Coronado e Sepúlveda (2009) afirma

“ La circulación del discurso letrado muestra que las relaciones entre el

discurso oral y el discurso escrito son de interdependência, así como de

bidireccionalidad: hay una relación de lo oral a lo escrito (Olson, 1998;

Ferreiro, 2002), pêro también desde lo escrito hacia lo oral (Heath,

1983; Poole, 2003; Horowitz, 2007).” (p.201)

A relação existente entre estes dois factores é necessária às aprendizagens, pois exige

uma reflexão sobre a oralidade e sobre a escrita.

O ensino da leitura e da escrita em contexto escolar tem-se centrado muito na

decifração. São colocadas em evidência o ensino e a aprendizagem das palavras, das letras e

dos sons por serem considerados os intermediários entre a leitura e a escrita. Por vezes a

centralização nos mecanismos da decifração, nomeadamente a correspondência

fonema/grafema parece esquecer que a leitura não se dá sem compreensão. Mais tarde

ocorrerá o processo de aprendizagem do conteúdo do texto que se lê (Coronado e Sepúlveda,

2009). Nesta fase do ensino, é fundamental que a criança se consciencialize da importância

que a linguagem escrita tem no seu dia-a-dia e para as suas aprendizagens. É necessário que

compreenda que o código escrito não é só uma linha à qual se associa um som mas também

que a junção dos diferentes sons se transforma em palavras e frases que veiculam mensagens.

A descoberta que por trás das letras há uma intenção de comunicar é imprescindível à

aprendizagem da leitura e da escrita.

A descoberta de novas letras vai favorecer o acesso a um novo nível da escrita, pois

poderá escrever, utilizando mais palavras. A descoberta da relação entre linguagem oral e a

linguagem escrita, isto é, o entendimento do que se diz se pode registar e de que o que está

escrito se pode transformar em palavras ditas, levará a criança a querer aprender a entrar neste

universo impresso.

As diferenças culturais e sociais que cada vez mais se fazem sentir nas constituições

das turmas do ensino básico, levam a que o ensino incida sobre o grupo predominante10

. O

docente procurará fazer com que os alunos aprendam da mesma forma, embora tenda a

ressaltar a aprendizagem do grupo cultural dominante.

Capítulo III - Escrita

1. A criança e a linguagem escrita

Ao longo do desenvolvimento das suas aprendizagens, a criança vai passando por

situações que lhe exigem a utilização da escrita. Esta inicia-se com as garatujas e/ou

desenhos, da criança até à utilização da simbologia do nosso sistema de escrita.

À entrada para o 1º Ciclo, a criança que conheça as letras do alfabeto e saiba desenhar,

pelo menos, as do seu nome, terá mais facilidade em compreender e entender o código escrito.

As crianças que desde cedo são estimuladas ao uso da linguagem escrita estão mais

disponíveis para as aprendizagens da leitura e da escrita. Com estas aprendizagens,

ferramentas diárias que complementam as suas necessidades, “vão desenvolvendo

capacidades e vontade para participarem em acontecimentos de leitura e de escrita.” (Mata,

2008:14).

O nível de desenvolvimento da linguagem oral da criança à entrada da escolaridade

obrigatória vai-se reflectir na escrita das crianças. A criança que sempre viveu em contacto

com um tipo de linguagem estruturado, diversificado e repleto de informação, mais facilmente

compreenderá e assimilará os signos representativos da leitura. Esta compreensão levará a

criança a aprender a escrever, de uma forma ágil, e a compreender a informação escrita. A

10

A constituição de turmas, do 1º Ciclo, realizada pelos docentes das escolas é difícil de ser elaborada. Nela

procura manter-se as turmas com alguma heterogeneidade cultural. Há escolas, de ensino público, onde há uma

grande diversidade cultural fazendo com que as planificações diárias incidam sobre o grupo maioritário pois o

ensino está direccionado a todos, e de igual forma. Nestas situações as planificações devem sempre estar de

acordo com as aprendizagens de todos os alunos para que eles sintam vontade em aprender e não se sintam

desmotivados. Caberá ao professor promover a diferenciação pedagógica a fim de todos aprenderem mediante as

suas predisposições e conhecimentos prévios.

correcta e organizada exposição da linguagem, num conteúdo textual, fará com que a criança,

na sua escrita, empregue termos linguísticos diversificados e estruturados. Escreverá

respeitando padrões e convenções da escrita.

As crianças, no seu dia-a-dia, vão tomando consciência das diferentes funções da

linguagem escrita. Podem deparar-se com elas sob uma forma lúdica, através da leitura de

livros e de jornais ou de legendas, ou como gestão de rotinas diárias, que surge através da lista

de compras ou preenchimento de cheques. Pode, ainda, surgir sob uma forma mais

comunicativa, cartas e recados, pela informática, cartazes publicitários, mapas ou receitas.11

Na sua escrita terá de respeitar e aprenderá a respeitar esses padrões, i.e., escrever da

esquerda para a direita, de cima para baixo, utilizar vocabulário existente na sua língua

materna e escrever frases utilizando as estruturas linguísticas necessárias.

Tal como Colello (2007) refere:

“Não se pode inventar um “outro” jeito de escrever porque a escrita tem

a sua história, as palavras têm a sua origem e as estruturas lingüísticas

carregam marcas milenares do percurso vivido pela humanidade.”

A apropriação da linguagem escrita associada às vivências das crianças permitem que

numa fase de iniciação à leitura consigam, mais habilmente, aprender a ler e a escrever. Esta

apropriação deve-se ao contacto directo com a linguagem escrita e à sua sistematização

contextualizada. Ao ser estimulada, a criança vai querer aprender a ler e a escrever, porque já

compreendem o que é e para o que serve o escrito.

O acto de apropriação deverá, num contexto pedagógico, ser explicada à criança para

que assim ela consiga compreender a importância da leitura e compreender o que lê, para

poder ler e escrever. Construirá frases onde empregará correctamente a estrutura, gráfica e

frásica, estruturando as ideias para a transmissão de informação com um conteúdo repleto de

informação.

No processo de ensino da leitura pretende-se que a criança compreenda a importância

do acto de ler e qual a sua necessidade. Ao aprender a ler e a escrever, a criança, terá maior

facilidade em compreender o que lhe é pedido, em conseguir realizar as suas tarefas

autonomamente. As crianças têm uma forma própria de codificar a linguagem oral o que fará

com que elas compreendam a mensagem à sua maneira, i.e., o tipo de linguagem que a

11

Mata, 2008, refere no seu livro as diferentes formas de como a criança poderá desenvolver/apreender as

diferentes características da linguagem escrita e as diferentes formas sob as quais elas são apresentadas às

crianças.

criança adquiriu ao longo da sua infância reflectir-se-á na utilização do seu discurso e na

compreensão da escrita.

É fundamental que a criança aprenda a conhecer a linguagem escrita através de um

processo significativo, para mais facilmente memorizar as letras e mais tarde a construção de

palavras e de frases. Este processo deverá ser muito bem trabalhado, para que assim não haja

o risco de a criança se centrar na letra como grafia e não no sentido que dela poderá tirar.

A escrita iniciada, por exemplo, pelo nome da criança ou por uma situação concreta e

que a criança conheça bem, permite-lhe compreender a significação das letras que está a

escrever e dará o início a novas aprendizagens. A apropriação da grafia das letras, inseridas

nos nomes que as crianças aprenderam a escrever, tem de ir mais além da simples

interpretação figurativa. A criança terá de apreender a compreender a linguagem escrita para

assim poder desenvolver, mais habilmente, as suas aprendizagens, no campo da leitura e da

escrita.

A aprendizagem da linguagem escrita ocorre por volta dos seis anos, quando a criança

inicia o 1º ano de escolaridade. Nesta etapa de ensino, promovem-se actividades em torno da

leitura e da escrita. A consciência linguística é trabalhada de modo a desenvolver noções

fundamentais na aprendizagem do modo escrito, nomeadamente, identificação de palavras,

sílabas e fonemas, reconstrução e segmentação silábica.

A aprendizagem do código escrito nem sempre é fácil. Nem todas as crianças, no

início da escolarização, estão prontas para a sua aprendizagem. Uma má aprendizagem do

código escrito leva a que, no final do 1º ciclo, as crianças não tenham adquirido as

competências necessárias à aprendizagem e ao desenvolvimento da compreensão leitora. Para

tal, necessitam de: a) ter um bom conhecimento da língua de escolarização; b) ter a

capacidade para identificar e manipular as unidades do oral (consciência fonológica); c) saber

identificar palavras e analisá-las nas suas partes constituintes (consciência lexical); d) ter

capacidade para compreender e analisar as frases: elementos fundamentais, expressões,

concordância e e) ter conhecimento prévio dos princípios que regulam a linguagem escrita:

organização, funcionamento e funcionalidade, princípio alfabético, relação oral/escrito.

(Freitas e Santos, 2001).

A necessidade de utilizar, no seu dia-a-dia, a linguagem escrita conduz a criança a

querer aprendê-la. Procura satisfazer as suas necessidades, realizando novas tarefas

direccionadas para a escrita. Estas tarefas podem ir desde a introdução de novas palavras, à

vontade em aplicar os seus conhecimentos vocabulares, na sua escrita.

Este envolvimento requer que a criança tenha vontade, iniciativa e sinta prazer em

envolver-se nas aprendizagens que vai adquirindo. Com elas progride, nas suas

aprendizagens, ao incluir-se no mundo da linguagem escrita. A inserção, no mundo da escrita,

deve ser implementada desde cedo.

A disposição da criança para a aprendizagem de diferentes formas de escrita, a

exploração destas, o seu envolvimento nelas, a adequação destas a contextos onde a criança se

insere são, também, aspectos que permitirão que a criança tenha um maior contacto com a

linguagem escrita, dando-lhes a possibilidade de desenvolver a sua linguagem e aprender mais

facilmente a escrita. (Mata, 2008)

Na evolução da escrita surgem “dois outros factores que condicionam essa evolução:

a consciência fonológica e a ocorrência de conflitos e confrontações e consequente reflexão

deles decorrente.” (Mata, 2008:43). A má sonorização das palavras leva a uma má associação

grafema/fonema, reflectindo-se na grafia, na construção das palavras influenciando, numa

fase posterior, o sentido das frases. Este défice é gerado pela dificuldade em compreender o

que ouviu, pela falta de atenção ou pelas dificuldades de foro sensorial da criança.

Tal como Mata, 2008, refere:

“ A consciência fonológica é uma competência de reflexão sobre

linguagem oral, mas que se torna essencial na evolução das

conceptualizações sobre a escrita, pois só com uma aquisição

progressiva se conseguem estabelecer relações mais sistemáticas entre o

oral e o escrito, (…).” (p. 43)

A consciência fonológica e morfológica advém das aprendizagens que a criança faz

desde os primeiros contactos com a linguagem:

“Para o bom desenvolvimento da linguagem escrita, não basta

compreender que as palavras são constituídas por segmentos fonémicos,

necessita-se igualmente de compreender a estrutura morfofonémica das

palavras; compreensão que assentará no conhecimento morfológico

implícito e explícito, que, quando deficitários, motivam a existência de

erros morfémicos na escrita.” (Pinto, 1994:28)

É necessário que a criança consiga perceber, reter e reproduzir os sons da língua, as

sílabas e as palavras, consiga construir frases em que utilize os três componentes essenciais

(sujeito, verbo e complemento) e saiba situar as acções no tempo (agora, antes, depois)

(Girolami-Boulinier (1988) cit in Pinto, 1994:31). Estas componentes são essenciais para que

a criança em iniciação escolar inicie com sucesso a aprendizagem nem da leitura nem na

escrita.

A abordagem da escrita é feita de modo informal no jardim-de-infância, muitas vezes,

através de palavras que fazem sentido para a criança: objectos do quotidiano, o seu nome,

sendo este, frequentemente, a primeira palavra que a criança escreve.

No desenvolvimento do processo da escrita a criança terá de saber que esta tem regras.

Terá de interiorizar que se deve escrever da esquerda para a direita e do topo da folha à parte

inferior desta. As palavras têm de ser espaçadas entre si, i.e., a criança terá de saber que as

palavras se separam através de espaços e que os diferentes fonemas não se separam.

Escrever é transmitir a mensagem não só pelo seu conteúdo, mas também pela

correcção na construção frásica. “(…) a linguagem escrita requer uma base adequada de

competências de linguagem oral(…) (Lerner, 1989, p.396).”12

Tal como Teberosky e Sepúlveda (2009) defendem, é através da escrita que a criança

revelará as suas condições de recepção da mensagem, em sala de aula. Esta recepção revela a

compreensão da criança em relação à obra estudada e trabalhada em contexto escolar.

As dificuldades em compreender a mensagem escrita, originadas pela não

compreensão da leitura, farão com que a criança se afaste da aprendizagem, se “esconda” no

interior do seu grupo, social ou escolar, por vezes empobrecido de conteúdo linguístico.

O jardim de Infância é a base fundamental na imersão da criança no mundo da

linguagem escrita, levando-a a contactar com diversos tipos de escrita e de linguagem.

Tal como Mata (2008) refere:

“Esta deve ser algo sistematicamente presente e, portanto, que as

crianças possam explorar, utilizar, experimentar, compreender e

descobrir progredindo, assim, no seu conhecimento sobre as

características da escrita e da sua utilização.” (p. 43)

Na entrada para a escola, a criança aprende a associar os diferentes sons, do sistema

alfabético, à grafia correspondente. Esta aprendizagem leva-a a ler palavras, frases simples e

frases com conteúdos mais complexos. Introduzirá, também, novos elementos nas suas

verbalizações, complexificando a estruturação frásica.

12

Cit in Rebelo, 1993:44

A apropriação da escrita é um processo moroso. Para o seu desenvolvimento é

importante que a criança se sinta apta ou compreenda determinadas características específicas

da escrita.

O ambiente onde a criança irá desenvolver as suas aprendizagens deverá ser

estimulante. Este deverá ser um local que permita à criança visualizar os diferentes tipos de

escrita e até mesmo que lhe permita escrever. Este estímulo poderá surgir enquanto realiza as

suas tarefas escolares. Poderá advir do simples anotar de quantias, de recados ou mesmo de

mensagens que serão lidas pelos pais, educadores ou professores.

A aprendizagem da escrita deve fazer sentido para a criança. Desse modo as

actividades deverão ter em conta a construção de sentido, evitando o ensino de letras ou

palavras descontextualizadas e desprovidas de significação.

Sim-Sim (2001) afirma que

“(…) o aluno pode, com a ajuda do professor, escrever desde o início

textos com sentido” (Martins e Niza, 1998:161) e reflectir sobre a

própria escrita, revelando-a, comparando-a com outras, em vez de olhar

para as palavras descontextualizadas.” (p. 37).

As novas aquisições e experiências serão utilizadas na escrita das crianças que as

utilizam habilmente na construção dos seus textos. Com elas a criança introduzirá também um

vocabulário diferente daquele que usualmente utiliza. No contacto com textos escritos, a

criança aprenderá novas palavras que serão assimiladas e reutilizadas na expressão escrita.

2. Escrever para aprender

A transcrição para o papel é uma tarefa árdua. No acto de escrever convergem

conhecimentos e competências variados. As exigências, em torno da escrita, são as que geram

mais insegurança, nas crianças.

“Os processos de aquisição e desenvolvimento da competência textual estão

dependentes dos processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem.” (Silva, 2008: 107)

A aprendizagem da linguagem adquire-se pela apropriação do sistema linguístico e que se vai

desenvolvendo através do sucessivo contacto, com esse sistema.

A competência escrita aprende-se na escola e só se ensina formalmente por volta dos

5/6 anos de idade. O ingresso no 1º ciclo proporciona aprendizagens da competência oral e da

competência escrita. Desenvolvem-se actividades que proporcionam a compreensão da

linguagem escrita. Fomenta-se o gosto pela leitura e procura-se, através da leitura e da

compreensão desta, promover a escrita.

Na aprendizagem da escrita a criança terá de saber o que vai escrever, sobre o que vai

escrever, para quem e com que finalidade. Deverá elaborar um plano, “uma espécie de

fio/condutor/orientador de um futuro processo textual” (Santos, 2007:17) a fim de estruturar,

de ordenar e de dividir o texto nas suas componentes.

Na escrita, a criança, expressa os seus pensamentos, os seus sentimentos. Embora se

ensine a falar, a ler e a escrever, todos estes factores influenciam a escrita e o poder de

comunicação da criança. Ao comunicar revelará conhecimentos em determinadas áreas,

expondo as suas ideias que dependem de diferentes factores. Estes relacionam-se com as

experiências de vida e com os conhecimentos da criança antes da entrada para a escola.

A grande frustração, no âmbito da escrita dá-se, arriscar-nos-emos a afirmar, pelas

constantes exigências que antecedem o processo que muitas crianças não compreendem. As

diversas exigências, na contextualização textual, na linguística textual e a falta de estímulo na

exposição das ideias levam as crianças a um afastamento da escrita.

Escrever sobre um tema torna-se, em alguns casos, uma pressão que direcciona as

crianças para a rejeição do simples acto de escrever. Estas crianças revelam dificuldades em

exprimir todos os seus conhecimentos, as suas aprendizagens, a sua maneira de estar.

Na produção de textos escritos, Silva (2008) afirma que

“Os sujeitos encontram dificuldades acrescidas uma vez que a escrita

exige, como é óbvio, a realização gráfica que comporta uma série de

procedimentos, tais como: desenhar letras, ou seleccioná-las no teclado,

respeitar a ordem da escrita, deixar espaços em branco entre as

palavras, gerir a ocupação da página, respeitar as regras de transposição

do código oral para o código escrito.” (p. 108)

O processo de aprendizagem da escrita além de árduo é moroso pois mobiliza

conhecimentos bastante diferentes: gráficos, ortográficos, textuais. Nos primeiros anos de

aprendizagem, a competência textual da criança não se encontra ao nível da competência

textual oral. Pretende-se que a criança aprenda a escrever, a organizar as suas ideias, a

planificar o que quer escrever e a rever o seu escrito.

O contacto com textos de diferentes tipos favorece a aprendizagem da estrutura

textual. A exploração textual depende “dos processos de aquisição e desenvolvimento globais

da linguagem.” (Silva, 2008:107). A criança adquire a linguagem através das suas vivências e

das aprendizagens feitas, anteriormente à aprendizagem formal. A aprendizagem de novos

conceitos e a consciencialização do seu desempenho linguístico modificam a sua

predisposição para o ensino de aprendizagens formais, nomeadamente da escrita.

O modo como se desenvolve o trabalho deve ser adequado à compreensão deste. A

criança necessita de se sentir motivada a participar em actividades escritas e de se concentrar

para não sentir dificuldades em desenvolver as suas ideias. Além disso, quando escreve a

criança deve ser ajudada de modo a facilitar a tarefa de escrita. O ensino da dimensão

processual da escrita será uma mais-valia quando a criança se confronta com a necessidade de

escrever.

O insucesso escolar reflectir-se-á essencialmente nas grandes dificuldades que a

criança sente em compreender o que lhe é pedido. Estas dificuldades são, também, verificadas

quando a criança passa da oralidade à escrita. Como o desenvolvimento cognitivo é suportado

pelas aprendizagens exteriores que a criança vai fazendo ao longo da sua infância o

desenvolvimento da sua escrita será influenciado por essas aquisições.

No ensino da escrita, em torno dos livros de literatura infantil, deverão ser

contempladas estratégias importantes no desenvolvimento da criança. Estes deverão

contemplar i) leituras em voz alta, auxiliando os alunos a formularem pensamentos baseados

no tecido textual, a fixarem estruturas e formas textuais e a compreenderem o texto; ii)

releituras, comentários e análises do texto promovendo diferentes actividades de compreensão

do conteúdo.

Para tal será importante discutir, interpretar, reformular ou parafrasear o conteúdo da

obra para uma melhor compreensão textual e uma maior interacção professor/aluno. Deste

modo, a inserção de novos vocábulos e de novas construções, no quotidiano das crianças,

promoverá o discurso e o conhecimento da criança. Listar as aprendizagens feitas favorecê-

las-á, pois a criança ao relê-los, vai ampliando o seu conhecimento.

Ao recontar, a criança aplicará diversos conhecimentos e através deste tenderá a

escrever textos mais longos e mais estruturados. O reconto desenvolve, também, a oralidade.

Nas suas reescritas (recontos escritos) introduzirá novos vocábulos e expressões textuais que

assimilara aquando da sua exploração, em contexto escolar.13

A escrita é a ferramenta utilizada para aprender e transmitir conhecimentos em todas

as áreas disciplinares. Com a escrita a criança expõe as suas emoções, revela os seus cálculos

e transmite os seus conhecimentos. Esta ferramenta tem de estar bem desenvolvida para que,

na fase adulta, o aluno consiga escrever expressando as suas experiências, utilizando um

vocabulário letrado e construindo textos organizados.

Há que levar a criança a conhecer um vasto e diversificado leque de textos literários

para uma maior interiorização da sua estrutura. Ao conhecê-los e explorá-los interiorizará a

sua estrutura, saberá identificar as diferentes dimensões, transportando para o escrito o que

aprendeu.

Quando lemos para a criança literatura infantil expomo-la a um discurso letrado, em

suporte escrito. O sucessivo contacto com a linguagem escrita, nos diversos suportes, criará

interesses na descoberta deste mundo inesgotável de palavras e ideias.

Idealiza-se a comunicação entre professor/aluno e aluno/aluno como um factor

essencial no desenvolvimento linguístico e escrito da criança que dá os primeiros passos no

campo literário.

Johnson e Myklebust (1987), Tarnopol (1990), Fonseca (1995), citado por Furtado

(2008) e outros estudiosos defendem que as dificuldades de aprendizagem da escrita

reflectem-se em outras aprendizagens que a criança for fazendo. Ao aprender determinados

conteúdos programáticos, ou de conhecimento geral, a criança terá dificuldades em assimilar

o seu conteúdo visto ter dificuldades em compreender a mensagem escrita. Estas dificuldades

caracterizam-se por:

“• Manter uma significativa discrepância entre o potencial intelectual

estimado e a sua actual realização escolar;

• Apresentar desordens básicas no processo de aprendizagem;

• Apresentar ou não uma disfunção do sistema nervoso central;

• Não apresentar sinais de: debilidade mental, de privação cultural, de

perturbação emocional ou de privação sensorial (visual ou auditiva);

• Evidenciar dificuldades perceptivas, disparidades em vários aspectos

de comportamento e problemas no processamento da informação.”

(Furtado, 2008:16)

13

A temática referida foi desenvolvida por Angélica Sepúlveda na palestra dada na conferência Regional do

PNEP que ocorreu no salão nobre da ESE de Lisboa a 18 de Abril de 2009.

Deve-se ter em atenção que as dificuldades de aprendizagem, tanto no campo da

leitura como no da escrita, dão-se pelos mais diversos factores. Entre eles, podemos referir

factores psicológicos, biológicos, sociais e afectivos. As dificuldades sentidas pela criança

influenciam o seu dia-a-dia.

3. A literatura infantil e a escrita da criança

Nos anos setenta começaram por surgir as primeiras “obras literárias” que foram

escritas por presos políticos e que escreviam, ou memorizavam, histórias para contarem aos

seus filhos. Estas foram editadas mais tarde, quando as reflexões sobre os mais jovens

tornaram possível a escrita de obras. “ Nos anos oitenta são publicadas duas histórias da

Literatura Portuguesa para Crianças e já anos noventa, vêm a público teses de mestrado

neste âmbito” (Gomes, 1999:88). Mais tarde emergem as primeiras publicações e pequenos

espaços destinados à escrita literária.

O 25 de Abril de 1974 deu maior abertura ao discurso, à opinião pública. O povo

passou a exprimir-se e tornou possível a circulação de ideias, favorecendo iniciativas sobre o

mundo infantil. A literatura, destinada aos mais jovens, passou a ser escrita num clima de

liberdade, embora só “entre finais da década de setenta e o início dos anos noventa, é que se

assistiu ao chamado boom da literatura para jovens em Portugal.” (Gomes, 1999:88)

A literatura actual passaria a versar sobre valores e convivências sãs entre todos. A

escrita que outrora sustentava uma escrita repleta de vivências tristes, constrangedoras e

repletas de obrigações passou a relatar o sonho e a liberdade como linhas orientadoras na

compreensão do mundo que as rodeia (Azevedo, s/d)

Tal como Rosenblatt (1995:3), citado por Azevedo (s/d), sublinhou

“(…) vivemos, actualmente, tempos conturbados e

é cada vez mais premente que as nossas crianças adquiram, nos

múltiplos contextos em que interagem, as ferramentas para saber

lidar com problemas desconhecidos e imprevisíveis. E a

literatura pode auxiliá-las decisivamente nessas tarefas.”14

14

Apud Azevedo, F. (n.d.)“A reinvidicação da liberdade sob o ponto de vista da literatura infantil: alguns

exemplos de autores portugueses contemporâneos”; p. 171; 10/07/2009; 19:41

http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/8940/1/Fernando%20Azevedo.pdf

A literatura infantil tem procurado proporcionar ao leitor “(…) modelos, valores y

actitudes que el autor desea que de una forma ou de outra, sean compartidos y aceptados por

el lector, o, por lo menos, sean descubiertos” (Cervera, 199, p. 117)15

.

A literatura infantil actual reflecte tendências pós-modernas, designado por pós-

estruturalismo, onde se prevê uma desintegração da estrutura da narrativa tradicional. A

evolução literária acentua a relação texto literário/realidade (Alarcão, 2005:28). Procura-se

escrever para um público procurando cativá-los através do formato, das imagens e do texto do

livro.

Azevedo (s/d) afirma que

“(…) ainda que à literatura lhe seja unanimemente reconhecido um

relevante papel na iniciação estética e leitora da criança, ela tem sido

concebida (…) como um objecto cuja concretização em termos de

material estético não parece ser percebida como de natureza idêntica à

da literatura maioritariamente lida por leitores adultos.”16

Com a literatura surge uma tendência em dar a conhecer aos mais jovens as diferenças

existentes no mundo, entre povos e culturas. A literatura privilegia o conhecimento da

realidade, desenvolvendo as suas narrativas em torno das vivências de uma sociedade que

cresce com necessidade de conhecimento.

Segundo Caudwell, citado em Ricciardi (1971), “na escrita narrativa as palavras

estão dispostas de maneira a representar aquele fragmento de realidade que é requerido,

com exclusão de todos os outros, sacrificando-se a associação emocional à estrutura que dele

deve resultar(…).” (p. 81).

Diversos estímulos para a escrita de obras direccionadas aos mais pequenos vieram

dinamizar a contribuição literária implementando, mais livremente, obras relacionadas com o

mundo infantil. Para estimular a escrita de obras literárias infantis foram dados prémios que

visaram estimular a escrita. Alargou-se, também, a rede de bibliotecas para generalizar e

democratizar o acesso aos livros.

A negligência de hábitos onde a linguagem escrita está implícita nas actividades

reforça o mau desenvolvimento da criança que cresce, revelando dificuldades em assimilar e

15

Apud Azevedo, F. (n.d.) “A reinvidicação da liberdade sob o ponto de vista da literatura infantil: alguns

exemplos de autores portugueses contemporâneos”; 10/07/2009; 19:41

http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/8940/1/Fernando%20Azevedo.pdf 16

Azevedo, F. (s/d) http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstrea/1822/2854/1/literature%20Infantil.pt acedido

em 28/06/2009, 23:28

em compreender o escrito. A exclusão destas actividades atrasará as aprendizagens do jovem

aprendiz. Dificultar-lhe-á o acesso à informação e à compreensão textual. Estas dificuldades

reflectir-se-ão na escrita da criança que sentirá dificuldades em estruturar as ideias, em

escrever com correcção e adequação, em construir estruturas sintácticas e semânticas coesas e

coerentes.

A escrita, após a leitura e a exploração de diferentes materiais literários, proporciona

um desenvolvimento mais elaborado na escrita das crianças, tanto ao nível de conteúdos como

de léxico. O contacto constante com as estruturas das narrativas facilitará a sua memorização

facilitando a sua leitura e reprodução.

Segundo Alarcão 2005,

“A semelhança do texto narrativo literário (escrito) com outros que

povoam e quase preenchem o universo de interesses dos adolescentes –

banda desenhada, telefilmes, telenovelas, notícias, etc. – é um factor a

explorar se tivermos em conta que a adesão e interesse pretendidos

passam pelo prazer do aluno.” (Alarcão, 2005:25)

Em contexto escolar procura-se alargar o ensino da leitura, utilizando-se obras

literárias. A reescrita de obras fomenta novos conhecimentos, estruturais e linguísticos, que

levam à estruturação de textos mais complexos e com um tipo de linguagem diferentes do

habitual.

3.1 O reconto como produção de narrativas

Uma tarefa habitual associada à leitura de obras literárias é o reconto. Para poderem

trabalhar o reconto os professores necessitam de conhecer a narrativa e o seu desenvolvimento

“para poderem intervir na construção desta competência.” (Sousa, 2008:15). A promoção de

sessões tendo temáticas, com o intuito de proporcionar às crianças o alargamento da sua

competência textual, suscitam, também, na criança o alargamento do seu conhecimento

linguístico.

A passagem da oralidade à escrita, na construção de histórias, provoca um retrocesso

nas crianças. A criança ao ter de estruturar as suas ideias, através da escrita, sente dificuldades

em encadeá-las. Estas dificuldades surgem por as crianças não se terem apropriado de

estratégias facilitadoras da tarefa de escrita. Outro factor que revela as dificuldades da criança

é o facto de não possuírem hábitos de leitura.

O oral tem um papel fundamental na mediação do conhecimento do escrito (Suarez,

2008). Após a leitura, o trabalho oral de exploração do texto e o reconto oral, facilitarão o

trabalho de escrita. Ao recontar a criança melhorará a sua escrita tendendo a aproximar-se da

narrativa estudada. Escreve introduzindo diferentes episódios e colocando as personagens na

sua acção. Usa-se uma linguagem cuidada, utilizando expressões retiradas da obra de autor.

Enquadrará a acção e as personagens no tempo e no espaço, dando ao seu reconto um início,

um meio e um final. Aplica determinados conceitos e frases da narrativa trabalhada.

Tal como Sousa (2008) refere

“(…) a competência narrativa está intimamente ligada a processos

de socialização e a processos de ensino e aprendizagem, quer no seio

da família (MacCabe 1997) quer na escola (Sousa & Silva 2003).” (p.

15).

Por volta dos 10 anos de idade a criança consegue construir uma narrativa, respeitando

a cronologia dos diversos eventos. Escreve uma sequência de ideias, respeitando a ordem de

acontecimentos. Introduz personagens e situa a narrativa no espaço e no tempo.

Sousa (2008) afirma, ainda, que

“Os textos de crianças de 10 anos revelam conhecimento do formato

canónico da narrativa, evidenciam uma certa capacidade de organização

e uma boa mestria sintáctico-semântica com conhecimento de

mecanismos linguísticos (…)”. (pp. 44-45).

A estrutura da narrativa terá de estar bem interiorizada para que ao escrever a criança

tenha maior facilidade em desenvolver uma história, utilizando uma estrutura lógica quanto

aos acontecimentos a narrar. A apropriação da estrutura narrativa é decisiva para que a criança

desenvolva as suas ideias e as escreva ou construa um texto coerente. Um discurso coeso e

uma estrutura narrativa adequada patentearão um conhecimento textual estruturado.

A produção escrita ou reescrita de textos escritos permite comprovar a sua

compreensão, pela criança. Esta aplicará os seus conhecimentos, identificando as diferentes

acções e as diferentes personagens. No reconto a criança reconta, reescrevendo a história que

ouviu ler ou que leu, podendo utilizar uma linguagem e uma estrutura similar à do texto de

autor.

A narrativa, utilizada no ensino da leitura e na exploração textual tem promovido, na

nossa opinião, novas aprendizagens. O docente explora o seu conteúdo e leva as crianças a

compreender e essência do texto. A criança tende a crescer na aprendizagem de novos

conceitos, a interpretar melhor e com maior rapidez e a sentir-se mais hábil nas leituras que

vai efectuando, transformando-se, muitas vezes, num leitor fluente.

O estudo de narrativas extensas, ou de outros géneros literários, permite novas

aprendizagens nos diversos conteúdos literários. As crianças ao explorarem diferentes campos

literários farão novas aquisições, aprendendo a manusear e a compreender os diferentes tipos

de texto. A sua escrita fica favorecida com as novas aprendizagens. Constrói frases mais

complexas, emprega novos vocábulos, para expressar as suas ideias e preocupar em estruturar

as suas ideias, tornando a sua narrativa num texto acessível.

Ao recontar a história, a criança utilizará o vocabulário assimilado, empregando as

expressões apreendidas. Ao ouvir ler e ao compreender o que lê vai, adquirindo o gosto pelo

acto de ler, pelo uso do livro. Revelará a atenção prestada na aquisição do conteúdo textual e a

compreensão adquirida. Procurará utilizar a linguagem do texto de autor. Reescreverá uma

narrativa similar à que trabalhou, através da oportunidade de reconstruir ou reinventar o

universo lido ou ouvido.

Recontar uma história desenvolve não só o conhecimento como a linguagem da

criança. Com a assimilação de novos vocábulos e a consolidação da compreensão textual a

criança constrói o seu saber, baseando-se nas aprendizagens feitas. Trabalhará a sua memória

ao aplicar determinadas frases, ou vocábulos de autor. As aprendizagens permitir-lhe-ão

escrever um texto mais longo, mais bem organizado, com um registo de linguagem

diferenciado.

Trabalhar o reconto, tanto escrito como oral, em contexto escolar, desenvolve a

narrativa das crianças, aumentando-lhes o repertório lexical e a estruturação sintáctica. A

aquisição de um novo vocabulário dar-lhe-á poder para se expressar, introduzindo novos

vocábulos nos seus textos e construindo frases correctamente estruturadas, como sintáctico e

lexical.

Na escrita do seu texto a criança apropriar-se-á das expressões onde encontrou algum

conforto. Estas expressões irão enformar a linguagem escrita, utilizada pela criança, e os

conhecimentos que possui da competência textual.

A planificação, elaborada pelo docente, para o estudo do texto e as diversas formas de

exposição do trabalho serão o elo entre o ensino e a aprendizagem/compreensão da narrativa.

CAPÍTULO IV -

1. Definição do problema

O estudo apresentado nesta dissertação decorreu do interesse em verificar, através da

análise de recontos escritos pelos alunos a partir da leitura de uma obra literária, o modo como

os alunos se relacionam com os textos literários. Entre os aspectos de que os alunos se podem

apropriar, analisámos o tipo de linguagem empregue pelos alunos do 4º ano de escolaridade

no reconto da obra estudada e o modo como constroem os seus textos. Procurámos verificar

similaridades entre a linguagem empregue pelos alunos nos recontos e a linguagem utilizada

na obra estudada. Tal como enunciado nos objectivos, quisemos observar de que modo a

linguagem utilizada pelo autor influencia as crianças, atentando no modo como estas nos seus

recontos se apropriam de termos ou de expressões do texto lido e analisado na aula.

Como referido nos capítulos anteriores, é consensual que o reconto e o

uso/desenvolvimento da linguagem estão implicados na aprendizagem do jovem estudante.

Com vista a aprofundar o nosso estudo, nesta área, formulámos três questões centrais na nossa

investigação:

• De que modo as crianças dão conta, nos seus textos, da estrutura da narrativa do

texto original?

• De que modo as crianças se apropriam de aspectos da linguagem literária e

aproximam os seus textos (construções linguísticas, frases) do texto fonte?

• Em que aspectos se aproximam os recontos das crianças do texto da autora?

As questões que orientam este trabalho são importantes em termos de

desenvolvimento da linguagem das crianças. Os textos literários pelo facto de possuírem

características diferenciadoras em termos de vocabulário, estruturas sintácticas, organização

de frases e parágrafos, são fundamentais como input da linguagem em geral e do texto, em

particular. Uma criança exposta a vocabulário cuidado, de um registo que não é o do

quotidiano, que ouve estruturas sintáctico-semânticas complexas vai incorporar no seu

reportório esse vocabulário e essas estruturas.

As questões enunciadas acima são também importantes em termos de currículo

nacional do 1ºciclo, pois o desenvolvimento da linguagem pode ser determinante em termos

de sucesso escolar (ver, entre outros, Rose, 2005; Chall e Jacobs, 2003).

No âmbito deste trabalho e após a constituição do corpus de recontos, formulámos os

seguintes objectivos:

* Verificar o tipo de estrutura narrativa das reescritas e as similaridades com a obra de

autor;

* Analisar os recontos de modo a averiguar de que modo as crianças aproximam as suas

construções e o seu léxico dos da obra trabalhada em contexto escolar.

Para cumprirmos os objectivos que nos propomos, delineámos um conjunto de tarefas a

realizar:

1- Escolher a obra do Plano Nacional de Leitura – doravante PNL- a trabalhar;

2- Seleccionar as turmas para a realização do estudo;

3- Orientar os professores para a tarefa a realizar;

4- Recolher os recontos;

5- Analisar o texto estímulo;

6- Analisar os recontos.

Na escolha da obra de autor tivemos presente a listagem de livros inseridos no PNL bem

como os objectivos estabelecidos para a promoção da leitura literária.

Na nossa intervenção visámos ainda:

i) Promover a leitura;

ii) Desenvolver a competência da escrita através do reconto do texto.

2. Metodologia

2.1 Opções metodológicas

A investigação aqui apresentada assentou na análise de recontos realizados a partir de

uma obra literária. Neste estudo privilegiámos um quadro de investigação qualitativo porque

pretendemos compreender a escrita das crianças. Considerando que o estudo qualitativo se

subdivide em várias categorias, este estudo aproximar-se-á do estudo de caso. Pretendemos

recolher e explorar informação escrita indo ao encontro da definição dada pela autora,

anteriormente referida.

Com o intento de justificar o estudo, e tendo como referência Quivy e Campenhoudt

(2003), optámos pelo Método hipoptético-dedutivo que se justifica “através do trabalho

lógico, hipóteses, conceitos e indicadores para os quais se terão de procurar correspondentes

no real.” (p. 144). Neste sentido delineámos as seguintes hipóteses:

a) os textos literários são um input importante no desenvolvimento da linguagem;

b) as crianças com o trabalho de descoberta do texto de autor vão-se apropriando desse

texto e

c) a reescrita, por partir de um texto estímulo, possibilita textos escritos pelas crianças

mais elaborados do que os textos escritos do mesmo tipo sem estímulo.

A recolha dos documentos escritos, recontos, constituiu-se como uma técnica

particular de recolha de dados empíricos de suporte ao estudo.

A observação, efectuada dentro da sala de aula e durante o tempo da realização da

tarefa, permitiu observar o comportamento das crianças ao efectuarem o trabalho pedido.

Verificámos empenhamento e vivacidade na tarefa de reescrita. Durante o trabalho de análise

deparámo-nos com textos mais elaborados (extensão e estruturas mobilizadas)

comparativamente aos textos habituais dos alunos17

.

A obra literária, trabalhada em sala de aula pelo professor titular de turma, pertence ao

Plano Nacional de Leitura, grau de dificuldade II, e intitula-se “As aventuras de Engrácia” de

Maria Alberta Menéres. Seleccionámos esta obra pela riqueza de linguagem apresentada, e

por estar inserida no grupo de obras a trabalhar pelo ano de escolaridade em estudo, neste ano

lectivo. Esta actividade ocorreu no início do segundo trimestre.

17

Ainda que este estudo não tenha contemplado um grupo de controlo, nem a recolha de textos narrativos sob

outras condições, nas turmas em questão, a nossa experiência como docentes de 1º Ciclo reforça a convicção de

que estes textos apresentam-se mais extensos e mais complexos do que, em geral, os textos elaborados por

alunos do 4º ano de escolaridade.

3. Caracterização do campo de investigação

3.1 Processo de recolha da documentação

Após a definição dos critérios de selecção da escola e das turmas alvo do nosso estudo,

encetámos os procedimentos necessários à recolha dos documentos. Para tal, subdividimo-los

em diferentes fases:

1ª Fase - Em Dezembro de 2007, de acordo com o despacho nº 15847/2007 de 23 de

Julho de 2007, foi pedida autorização à Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento

Curricular (DGIDC) para a recolha dos recontos de uma escola de ensino público, bem como

a observação da actividade. A este pedido obtivemos um parecer favorável.

2ª Fase – No mês de Dezembro de 2007, no dia 18, reunimo-nos com o Presidente do

Agrupamento de Escolas E.B. 2/3 Carlos Paredes a fim de pedirmos autorização para a

recolha dos recontos bem como para a observação da actividade a ser proposta às docentes do

4º ano de escolaridade da escola E.B.1/J.I. Quinta de S. José. Desta reunião obtivemos o

parecer favorável à realização do nosso estudo.

3ª Fase – Ainda no decorrer do mês de Dezembro, em reunião de Conselho de

Docentes, da escola seleccionada, expusemos a actividade que pretendíamos realizar com os

alunos do 4º ano daquela instituição escolar. O parecer das docentes titulares das turmas foi

favorável. Assim sendo, as professoras titulares de turma iriam trabalhar uma obra, do Plano

Nacional de Leitura, por nós proposta, visto a escola ainda não ter recebido a obra do Plano

Nacional de Leitura, seleccionada pelas docentes.

4ª Fase – No início de Janeiro foi entregue às Professoras titulares das turmas,

referidas, um pedido de autorização, formulado por nós, direccionado aos Encarregados de

Educação dos alunos a fim de procedermos, posteriormente, à recolha dos recontos.

5ª Fase – No dia 29 de Janeiro deslocámo-nos à escola a fim de observar e recolher os

recontos. Somente foram recolhidos os recontos dos alunos a quem os Encarregados de

Educação haviam dado autorização.

3.2 Critério de selecção das turmas

Como referido, a presente investigação centra-se na análise de recontos elaborados por

alunos de duas turmas do 4º ano de escolaridade, da mesma instituição escolar.

Considerámos imprescindível observar a realização da actividade final, no mesmo dia,

por isso seleccionámos duas turmas, do 4º ano de escolaridade, do agrupamento, que

funcionam em contra-horário de forma a tornar exequível a nossa observação. Com esta

pretendíamos verificar possíveis factores desencadeadores para a realização da tarefa, desde o

meio ambiente, em sala de aula, à predisposição atitudinal das crianças de modo a tomarmos

maior consciência da realidade que nos propusemos investigar.

3.3 Caracterização das turmas

A escola seleccionada, para este estudo, é de ensino público e situa-se na área

geográfica abrangida pela Direcção Regional de Educação de Lisboa, no Concelho de

Odivelas.

O 4º ano de escolaridade da escola E.B.1/ J. I. Quinta de S. José é constituído por dois

grupos a exercerem as suas actividades lectivas em contra-horário. A turma 1 encontra-se no

horário duplo da manhã e a turma 2 no horário duplo da tarde. As turmas partilham a mesma

sala de aula.

Participaram na actividade um total de 48 alunos, do 4º ano de escolaridade, embora

só tenham sido recolhidos 34 escritos. Os grupos escolares em estudo são, do ponto de vista

da idade, bastante homogéneos. São compostos por crianças com idades compreendidas entre

os 9 anos e os 10 anos de idade. A turma 1 é composta por 24 alunos, embora só tenham

participado, no estudo, 15 alunos. A turma 2 é composta por 21 alunos, dos quais só

participaram 19 alunos.

Segundo as professoras, as aprendizagens dos alunos, de uma forma global, são boas.

Em ambas as turmas as docentes assinalaram os casos de crianças com dificuldades de

aprendizagem, que participaram no estudo.

Na turma 1, dos casos referidos, há a salientar o caso de uma menina albina com

algumas dificuldades em articular a pouca visão com as letras impressas.

Na turma 2, foi-nos dado a conhecer um caso de graves problemas cognitivos. A aluna

em questão revela dificuldades em assimilar e compreender a matéria dada, embora não tenha

os documentos médicos actualizados. Esta aluna, até ao final do ano lectivo 2005/2006, foi

apoiada pelo apoio do ensino especial por ser considerada uma criança com Necessidades

Educativas Especiais (doravante NEE). Por não possuir os documentos médicos actualizados

e de acordo com a legislação em vigor, na altura (Decreto-Lei 319/91), foi retirada das listas

de crianças com NEE, passando a ser apoiada pelo apoio socioeducativo. Esta turma tem

ainda um aluno de nacionalidade brasileira, dois alunos filhos de pais oriundos dos países dos

PALOP, duas alunas órfãs de mãe, um aluno de etnia cigana e uma aluna paquistanesa. O

Encarregado de Educação da aluna estrangeira optou por não autorizar a recolha do seu

reconto, visto ela ainda não dominar a língua portuguesa. O aluno de etnia cigana também não

participou por não ter entregue a autorização necessária à recolha da reescrita.

Os alunos identificados pelas professoras como tendo dificuldades cumpriram,

globalmente, a tarefa solicitada.

3.4 Metodologia do estudo da obra

A metodologia de trabalho aplicada no estudo da obra foi igual em ambas as turmas.

As professoras planificaram, em conjunto, as estratégias a aplicar no estudo da obra. Essa

planificação serviu de suporte para orientar o trabalhado desenvolvido pelas docentes.

A actividade, estudo da obra, foi dividida em quatro momentos e teve lugar na Hora

do Conto. Esta hora foi desenvolvida em contexto escolar e teve a duração de uma hora

semanal. Foi desenvolvida ao longo de três semanas e teve como principal objectivo a

exploração de obras literárias.

As estratégias utilizadas foram:

a) no primeiro momento foi feita uma análise paratextual da obra e apresentadas

informações bibliográficas sobre a autora. Numa fase subsequente, ainda no

primeiro momento, as professoras leram o primeiro capítulo explorando-o

oralmente, com os seus alunos. A compreensão, feita pelas crianças, das

diferentes atitudes da Engrácia e da mãe foi o assunto mais focado, na

exploração oral.

b) no segundo e terceiro momento, as professoras desenvolveram o trabalho lendo

a narrativa, aos alunos, do segundo e terceiro capítulo, respectivamente, e

explorando oralmente os mesmos.

Para finalizar o trabalho, as professoras realizaram, juntamente com as crianças, a

leitura integral da obra. De seguida, efectuaram trabalhos com os alunos, privilegiando o

reconto, oral, da obra.

Foi-nos, ainda, dado a conhecer que alguns alunos da turma 1 fizeram apontamentos

escrevendo anotações, sobre a obra, para utilizarem nos seus recontos. Na turma 2 os alunos

não utilizaram outro auxílio, limitando-se ao trabalho realizado em sala de aula.

3.5 Observação da tarefa

Neste estudo considera-se a reescrita como um processo em que o aluno volta a

escrever sobre um texto de autor. Pretende-se que esta promova a apropriação de novas

estruturas linguísticas introduzidas pela leitura e releitura e enfatizadas pela exploração do

texto. Com a reescrita estimular-se-á a escrita da criança levando-a “ao prazer da escrita, à

fruição estética da língua.” (Gomes, 2008:27)

Como referido anteriormente, a observação da actividade de reescrita, ocorreu em dois

momentos, ambos no dia 29 de Janeiro de 2008, um no turno da manhã e o outro no turno da

tarde. O primeiro momento da observação ocorreu entre as 11h e 15m e as 12h e 45m tendo

sido observada a actividade da turma 1. A actividade foi iniciada com uma breve explicação

do que se pretendia e, seguidamente, procedeu-se à observação, da actividade, após a

distribuição das folhas onde as crianças desenvolveram a actividade.

Por serem alunos do 4º ano de escolaridade e por a professora titular de turma ter

estimulado a recolha de informação, através de apontamentos retirados nas sessões em que

trabalhou a obra, as crianças fizeram-se acompanhar do material de apoio produzido por eles,

no entanto só uma aluna é que o utilizou uma vez. Verificámos, também, que a colega de

carteira dessa mesma aluna lançou um olhar sobre o seu trabalho.

Nos primeiros momentos da actividade dominou o silêncio, dentro da sala de aula. De

seguida, distribuíram-se as folhas para as crianças escreverem. No decorrer da actividade

deparámo-nos com o comportamento inconstante, por parte de um aluno, que desde o início

da actividade esteve a roer a caneta e de cabeça quase sempre levantada.

Com o passar do tempo, aproximadamente trinta minutos, começaram a ouvir-se

alguns alunos a contabilizarem o número de linhas que já tinham escrito. Esta troca de

informações levou a que tivessem necessidade em saber quem tinha escrito mais linhas.

Observámos uma enorme preocupação em quantificar as linhas escritas.

Ao fim de uma hora de actividade constatou-se algum desinteresse por parte de alguns

alunos. Houve, ainda, aqueles que começaram a comentar que o tempo, para a realização da

actividade, estava a acabar, demonstrando algum nervosismo. O aluno que desde o início não

conseguiu concentrar-se no seu trabalho, no final dessa hora começou a destabilizar a turma,

provocando os colegas que se encontravam próximo dele e questionando a professora.

Ao longo da actividade verificou-se que, embora tenham participado todos os alunos,

os alunos cujo texto não seria recolhido revelaram bastante desinteresse na reescrita, com

excepção de uma aluna. Esta aluna desenvolveu o seu trabalho concentrando-se bastante na

sua tarefa.

O segundo momento da observação ocorreu entre as 16h e 30m e as 18h e 00m na

turma 2.

Tal como na sessão anterior, distribuímos as folhas onde se iria realizar o reconto e

explicámos o que pretendíamos, depois, deu-se o início da actividade.

No decorrer da actividade verificou-se uma maior agitação dos alunos desta turma.

Nos primeiros cinco minutos houve uma troca de palavras, entre três alunos, que em nada se

relacionavam com a actividade. Estes alunos demonstraram alguma agitação no decorrer da

actividade comparativamente aos restantes elementos da turma. Ao longo da actividade,

verificámos que este grupo de alunos teve uma atitude despreocupada, na realização da tarefa,

tendo conversado entre eles enquanto escreviam.

Enquanto realizava a tarefa, uma aluna ia baloiçando na cadeira e conversando com

um colega, chegando mesmo a rir. Após estes momentos de diversão que provocaram a

distracção do grupo em geral a professora optou por, momentaneamente, retirar dois dos

alunos do local onde estavam para que não voltassem a destabilizar o trabalho dos restantes

colegas.

Durante toda a actividade, um aluno revelou inquietação e instabilidade nas suas

atitudes. Houve, também, uma aluna que, durante a actividade, esteve a conversar com os

colegas.

Ao fim de uma hora de trabalho verificámos uma grande inquietação na turma

reflectindo-se na concentração de alguns alunos ao realizarem a tarefa.

Embora tenham tido comportamentos mais agitados, comparativamente ao

comportamento dos alunos da turma 1, os alunos da turma 2 realizaram a tarefa utilizando um

tipo de linguagem próximo da do texto de autor, como veremos adiante. Devemos salientar

que, embora tenhamos verificado na turma 2 o uso de mais expressões de autor bem como de

breves trechos da narrativa, na turma 1 também encontrámos algumas narrativas bastante

próximas do texto estímulo.

3.6 Tratamento de dados

Após constituição do corpus, numa primeira fase, centrámos a nossa atenção nos

aspectos que considerámos relevantes para a compreensão do nosso objecto de estudo, a

estrutura da obra. Numa segunda fase, focalizámos o tipo de linguagem utilizada pelas

crianças e qual a sua proximidade com a obra de autor.

Numa terceira fase, fizemos incidir o nosso estudo na análise de alguns termos e

marcadores textuais. Procurámos verificar quais os tempos verbais mais utilizados nas

reescritas, qual o uso do Presente Narrativo, de que modo as crianças utilizam os verbos

introdutores do discurso directo e os verbos introdutores do discurso indirecto.

Na primeira tarefa de análise dos textos do corpus, analisou-se a estrutura dos

recontos. Numa segunda leitura, foi feita a análise do tipo de linguagem utilizada pelos

alunos. Procurámos verificar quais as similaridades entre a linguagem utilizada nos recontos e

a linguagem da obra trabalhada.

Numa fase subsequente, desenvolvemos a investigação focando mais a atenção na

análise da linguagem escrita, procurando similaridades entre algumas estruturas linguísticas

usadas na obra trabalhada em sala de aula e os textos das crianças.

Seguindo a linha de orientação de Tuckman (2002), privilegiámos a análise de

linguística textual optando por uma investigação de cariz qualitativo a fim de identificar,

descrever com exactidão, os dados. A observação, neste estudo, foi tida em conta apenas para

melhor compreender a realização da actividade.

Após a recolha dos documentos escritos passámos ao tratamento dos dados que foi

efectivado mediante diferentes metodologias, de acordo com o tipo de dados a analisar.

Construímos grelhas para análise da estrutura do texto (em anexo), atendendo à estrutura do

texto narrativo. Analisámos, igualmente, as expressões e vocábulos de texto estímulo, mais

frequentes na reescrita. A análise daí decorrente será apresentada pela descrição dos

resultados obtidos e justificada, com algumas citações dos alunos, ao longo deste capítulo.

Dedicámos uma secção à análise dos tempos verbais, ao uso do Presente Narrativo,

aos verbos introdutores do discurso directo e aos verbos introdutores do discurso indirecto

porque nos pareceu fundamental para justificar o objectivo deste estudo.

Com intuito de se proceder à análise destes elementos textuais foram elaborados, e

inseridos no do trabalho, quadros representativos das ocorrências em relação aos tempos

verbais utilizados e aos verbos introdutores do discurso indirecto.

3.7 “As aventuras de Engrácia” – Texto narrativo

Como afirmámos, o texto estímulo é um texto narrativo. São vários os estudos que

indicam ser a narrativa um tipo de texto muito trabalhado em contexto escolar e também

muito usado em contexto familiar (Ver, entre outros, Sousa 1995). A sua utilização com fins

pedagógicos revela-se importante a vários níveis no desenvolvimento de competências

nucleares em Língua Portuguesa, mas também “na formação da personalidade da criança”

(Sousa, 1995: p.49). Uma grande familiaridade da criança com narrativas permitir-lhe-á

descobrir novos significados que a levará a compreender e a assimilar o enredo das histórias

bem como as vivências das personagens. Segundo a mesma autora, ao ler ou ao ouvir ler, na

escola ou em casa, a criança reviverá o que, de certa forma, vivenciou num tempo próximo e

construirá o conhecimento da estrutura das narrativas.

Labov (1972), segundo Sousa (1995), define a narrativa como “um modo de

recapitulação de experiência passada” (p.50). Propp, por sua vez, defende que os contos são

edutíveis a “um esquema canónico de 31 funções linearmente ordenadas” (Reis e Lopes,

2002:31), não alterando o sentido global do conto.

O texto narrativo além da organização sequencial organiza-se segundo o princípio da

causalidade, isto é, o que vem antes causa o que vem a seguir. Segundo Todorov (1986) na

organização da narrativa poder-se-iam seguir “dois princípios: princípio da causalidade

inscrevendo-se numa certa cronologia, ou são expostos em consideração temporal, numa

sucessão que não tem em conta qualquer causalidade interna”18

A estrutura do texto, em estudo, é uma estrutura complexa, constituído “por um

espaço inicial e/ou evento e por um ou mais episódios”19

. Nesses episódios introduzem-se

novas personagens e novos espaços que permitem percepcionar um novo local onde ocorrerão

novas acções.

Esta narrativa é bastante complexa. Apresenta três personagens que se envolvem em

diferentes espaços e em tempos diferenciados. Nos diferentes espaços/tempos as personagens,

sobretudo a personagem principal, Engrácia, confrontam-se com diferentes problemas que

resolvem.

A partir das leituras realizadas sobre o tema, conclui-se que para recontar a história, a

criança terá de a ter compreendido globalmente. Além disso deve conhecer a estrutura da

narrativa e ser capaz de identificar espaços, tempos, personagens e acções.

Dadas as potencialidades da narrativa quer no ensino da língua, quer no

desenvolvimento de competências transversais, na escola, a narrativa deverá ser trabalhada

atendendo às suas características. Esta abordagem metodológica da narrativa deverá permitir a

compreensão da estrutura de ideias e da inserção de diferentes componentes. Este

procedimento permitirá ao aluno “avaliar o seu conhecimento do guião, da sua capacidade

de encadear conhecimentos.” (Sousa, 1995:52).

18

Théorie de Litterature, p. 267: apud Todorov, 1986, p. 62). 19

Mandler e Johnson (1977) e Glenn (1980); cit.in Vieira, André Guilland; Do Conceito de Estrutura Narrativa à

sua Crítica; www.scielo.br/pdf/prc/v14n3/7845.pdf (08/04/2008; 17h26m)

3.7.1 Descrição da obra

A obra estudada é, como afirmámos, composta por três capítulos que se subdividem

em diversos episódios. O primeiro capítulo é composto por cinco episódios, o segundo

capítulo, o mais extenso, é composto por sete episódios e o terceiro capítulo por cinco

episódios. Nesta obra são retratadas as vivências e sonhos de uma menina chamada Engrácia.

No primeiro capítulo conhecemos uma das facetas de Engrácia, a de “Maria-

perguntadeira”, que constantemente questiona a mãe sobre a origem do seu nome. Enquanto

fazia o seu desenho para a escola, uma casa ao lado de uma árvore com pássaros nos ramos e

um sol muito amarelo a rir, uma mosca cai-lhe, de pernas para o ar, mesmo no local onde

pensa desenhar uma porta. Decide, então, dar um nome à mosca, Pulquéria.

Já cansada vai deitar-se pensando, antes de adormecer, como é que as moscas

conseguem estar de pernas para o ar. Ao adormecer sonha que vai voar mas primeiro precisa

de levantar voo. Salta de um banco, mas não é suficientemente alto, de uma mesa mas ainda

não dá. Deu o seu salto final do escadote das limpezas. É então que sai pela janela e voa pela

aldeia. Pessoas curiosas admiram o seu esplendoroso voo. Ao descer, e quando está quase a

tocar no chão, as pessoas aplaudem, fazendo-a acordar do seu sonho. Com pena de ter

acordado observa em seu redor e como já não ouve movimentos, em casa, volta a adormecer

até de manhã e não volta a sonhar.

O segundo capítulo, situa a acção num Domingo, dia em que Engrácia e seus pais

costumam passear. No entanto, os pais alertam-na que se roesse as unhas não iria com eles.

Durante a viagem Engrácia vai cantando uma canção, que acabara de inventar, sobre o

horizonte de que ela tanto gosta. Pelo caminho encontram um ouriço-cacheiro que lhes fará

companhia, à hora da refeição. Constroem-lhe uma casa feita de paus e ficam por ali a fazer o

piquenique. No final da refeição o ouriço esgueirou-se, muito matreiramente, para fora da

casota e Engrácia, sem fazer barulho, foi atrás dele. Ao afastar-se reparou que já estava longe

e sentou-se no meio do chão, aflita e cansada.

Reparou numa lura mesmo ali ao pé do seu joelho esquerdo. Bateu e tornou a bater

numa porta transparente, que lhe dava acesso, e de lá saiu uma lagartixa que protestou com o

barulho que a menina fazia, ao bater. A lagartixa convidou-a a entrar mas teria de dar três

voltas à árvore imponente que havia ali. Nessa mesma árvore surgiria uma outra porta, do

tamanho da menina, que daria acesso à casa da lagartixa.

Ao entrar reparou que aquela casa era muito semelhante à sua, chegando mesmo a

pensar que seria a sua própria casa. No quintal, Engrácia toma conhecimento de todos os

habitantes daquele local e de que todos eles, tal como ela, achavam que o quintal era de cada

um. No entanto, a lagartixa explicou-se que apesar das semelhanças que o quintal era de

todos. Entretanto, Engrácia ouviu os pais chamarem-na. Despede-se da lagartixa e regressa

para junto deles.

No regresso a casa, a estrada estava cortada pois o rio tinha enchido, obrigando-os a

voltar para trás. Ao perguntar ao pai o que se passava este respondeu que ali era o fim do

mundo. Regressaram a casa por outro caminho.

O terceiro capítulo, dar-nos-á a conhecer as brincadeiras de Engrácia, e dos seus

amigos, no dia do seu sexto aniversário. No quintal de Engrácia há duas capoeiras, a capoeira

propriamente dita com galinhas, dois perus, um galo, um pato, uma pata e três patinhos feios,

e a capoeira não propriamente dita, que estava sempre de porta aberta. Nesta capoeira, ao final

da tarde, entravam, por engano, os pardais e de lá não conseguiam sair, embatendo nas

paredes de arame entrançado.

No dia em que fez seis anos alguém teve uma ideia que contagiou todas as crianças

presentes. Entraram todos na velha capoeira para agarrar os pardais e torcer-lhes os pescoços

atrás das costas e sem ver. Fizeram, ainda, arroz de pardais, que ninguém comeu.

No dia seguinte, Engrácia quis repetir a façanha e entrou pé ante pé na capoeira.

Agarrou num pardal que por ali voava e pensou que queria ver toda a acção sem pôr as mãos

atrás das costas. Olhou para os olhos do pardal e para o seu bico entreaberto, aninhou-o de

encontro o seu peito e soltou-o ao ar livre. A partir desse dia passou a ir soltar, todos os dias,

os pássaros que entravam naquela capoeira, mas antes dava-lhes um raspanete. Por gostar

daquele quintal ainda pensou em pedir à sua mãe para colocar ali a sua cama, embora

soubesse o que ela iria dizer, que era um disparate.

3.7.2 Diferentes episódios da obra

Cada um dos capítulos apresentados organiza-se em diferentes episódios., conforme

explicamos adiante. Assim, o primeiro capítulo “onde se apresenta uma menina e entre

outras coisas se fala das aprendizagens dos seus voos” é composto por cinco episódios. No

primeiro episódio formulam-se diversas questões em torno do nome da criança que em

conversa com a mãe Engrácia pergunta o porquê do seu nome. O segundo episódio gira à

volta do desenho que Engrácia está a fazer para a escola. No terceiro episódio, composto por

dois subeventos, surgirá um novo elemento na história, a mosca. A acção desenrolar-se-á em

torno do nome que Engrácia lhe dará, Pulquéria, e do diálogo que estabelece ainda com a

progenitora.

No quarto episódio, composto por três subeventos, far-se-á referência ao cansaço de

Engrácia e à hora do seu deitar. Neste episódio deparar-nos-emos com duas situações

díspares, na sua essência, mas que se complementam, o pensamento que antecede o sonho e a

acção em torno deste. O capítulo terminará de uma forma rápida e sucinta. Neste último

episódio, Engrácia acorda, observa tudo à sua volta e adormece, novamente.

No segundo capítulo “onde se fala de um passeio e das coisas espantosas que

aconteceram do lado de lá e do lado de cá de uma porta transparente” foram considerados

sete episódios. No primeiro episódio contam-se dois subeventos: a referência ao facto de

Engrácia estar constantemente a roer as unhas e as consequências que resultam de tal acto.

Continuando a história, entraremos num novo episódio, “A viagem”, dos pais com a filha

onde aparece um novo elemento na narrativa, o ouriço-cacheiro.

O aparecimento do ouriço-cacheiro, que surge antes do piquenique, inaugura um novo

episódio, desencadeando novas acções. Engrácia entusiasmar-se-á e pedirá para fazerem o

piquenique naquele local. O ouriço, por sua vez, esgueirar-se-á da casa que lhe haviam

construído. A fuga do animal leva ao afastamento de Engrácia que procura o seu amigo e, ao

concluir que se havia perdido, sentar-se-á no chão.

No novo episódio, associado a um novo espaço, a casa da lagartixa, Engrácia

estabelecerá um diálogo com a nova personagem, a lagartixa. Esta indicar-lhe-á o que deverá

fazer para poder entrar em sua casa: terá de dar três voltas à árvore imponente que se encontra

naquele local, para que apareça a porta, do tamanho da menina.

A entrada na casa da lagartixa constitui um novo episódio, em que Engrácia fará

comparações com a sua casa. Para finalizar este episódio a lagartixa encaminhá-la-á para o

quintal onde se desenrolará a história. O próximo episódio ocupar-se-á do chamamento

repetitivo dos pais. Estes chamaram-na três vezes respondendo Engrácia apenas à terceira.

Para finalizar a história deste segundo capítulo surge um novo episódio que enquadrará a

narrativa num novo espaço, o carro que os transportará de regresso a casa. Neste episódio,

consideraram-se dois subeventos sendo um deles aquele que nos dá a conhecer que a estrada

fora cortada pelo rio e o outro a expressão empregue pelo pai em relação à situação.

Tal como já fora referido anteriormente, este capítulo é o mais extenso. É constituído

por diversos episódios e nele entram diversas personagens. Verificámos que a acção principal

embora ocorra sempre na mesma área geográfica, as acções de Engrácia desenrolam-se em

diferentes locais. Tal é ilustrado pelo facto de quando Engrácia entra na árvore encontra-se em

sua casa.

O terceiro capítulo “onde se revela uma história cruel e verdadeira e se diz que não

prestam as cenas passadas dentro das mãos e atrás das costas” é constituído por cinco

episódios que permitem compreender o triste destino dos pássaros.

No primeiro episódio, que iniciará o capítulo, foram considerados dois subeventos, o

aniversário de Engrácia e a descrição do local onde ocorrerá a história cruel. A proposta de

uma das crianças convidadas levar-nos-á a um novo episódio. Neste episódio, desenvolver-se-

ão as acções em torno da brincadeira e da forma como esta fora realizada.

Enquadrando a história no mesmo espaço, embora em dias diferentes, surge um novo

episódio no qual Engrácia quererá repetir a proeza. Para este episódio consideraram-se dois

subeventos, remetendo um para a forma como Engrácia pretendia repetir a façanha, com as

mãos à frente das costas e o outro para a forma como ela reagiu ao ver o sofrimento do

pássaro. Para solucionar o problema dos pássaros surge um novo episódio no qual se fará

referência às atitudes de Engrácia face à situação dos pássaros soltando-os sempre que

ficassem presos na capoeira.

O episódio seguinte, remete-nos para o desejo de Engrácia - dormir no quintal. Este

desejo surge como um pensamento embora Engrácia deixe transparecer que sabe que tal

desejo terá a oposição da mãe.

3.8 Análise da Estrutura dos recontos das crianças

Numa primeira leitura verificou-se que os textos das crianças são mais extensos em

relação ao que costuma ser um texto médio de um aluno de 4º ano. Os textos mais extensos

são compostos por três páginas (ver anexos). Além de mais extensos, são mais informativos,

apresentando informação que habitualmente não encontramos em textos de alunos do 4º ano,

quer sejam apontamentos descritivos, quer breves explicações que revelam as motivações das

personagens ou a causa das acções (Sousa, 2008).

A análise dos recontos permitiu-nos constatar que a maioria dos alunos respeitou a

estrutura da narrativa, nomeadamente, reescrevendo os três capítulos. Só cinco alunos da

turma 1 e sete alunos da turma 2 não reescrevam os três capítulos. Destes treze não retomaram

o segundo capítulo dois alunos e doze alunos não retomaram o capítulo três. Quanto à

reescrita dos episódios verificamos que grande parte dos episódios foi recontada por um

elevado número de alunos. Assim, no que diz respeito ao primeiro capítulo intitulado “Onde

se apresenta uma menina e entre outras coisas se fala da aprendizagem dos seus voos” foi

recontado por quinze alunos da turma 1, embora um aluno não o tenha concluído. Observe-se

que, durante a reescrita do texto, este aluno esteve constantemente distraído e a destabilizar o

trabalho dos colegas. Nos recontos da turma 2, verificámos que todos os dezanove alunos

recontaram as aventuras de Engrácia, constantes no 1º Capítulo.

Atendendo aos diferentes episódios deste primeiro capítulo, observámos recontos em

que as crianças procuraram manter a estrutura do texto. A preocupação das crianças em

manter a estrutura, parece-nos, levou-os a descurarem determinados subeventos de alguns

episódios, ao longo da narrativa. O modo de recontar varia de criança para criança e a forma

como retêm e reproduzem a informação é diferente ao longo do texto. Verificámos ainda que,

tratando-se de uma narrativa extensa e complexa (como foi referido na secção anterior o texto

subdivide-se em três capítulos contendo, cada um, vários episódios) os alunos, de forma geral,

conseguiram recontar o texto, respeitando a sua estrutura, aproximando-se do original.

Quanto às questões que Engrácia formula à sua progenitora, no primeiro episódio do

primeiro capítulo da narrativa, verificámos, na turma 1, que treze crianças as referem,

procurando descrever o que caracteriza este episódio. Ainda na mesma turma, verificámos

que duas crianças referem que Engrácia questionara a mãe, embora não tenham dado grande

ênfase a este episódio. Assim, conclui-se que houve uma boa adesão a este episódio, por parte

destas crianças, pois a totalidade dos alunos reescreve-o nos seus textos. Na turma 2,

constatámos que os dezanove alunos reescrevem este episódio.

No que diz respeito ao segundo episódio do primeiro capítulo, verificámos que há uma

grande discrepância na atenção prestada, pelos alunos, ao subevento do desenho. Na turma 1,

quinze alunos desenvolveram o episódio, tendo catorze focado o trabalho e qual a sua

finalidade e um referiu-o como um trabalho que teria de ser realizado pela menina. Na turma

2, dezassete alunos reescreveram, nos seus textos, o trabalho que Engrácia iria fazer para a

escola, enquanto dois não reescreveram este evento.

O aparecimento da mosca inaugura um novo episódio que gira à volta da escolha do

nome para a mosca. Este episódio foi referido por quase todos os alunos, de ambas as turmas.

Na turma 1, dos catorze alunos que reescrevem este episódio, nove crianças referem e

contextualizam o nome que Engrácia lhe dera enquanto cinco referem, somente, o nome dado

à mosca. Nesta turma houve um aluno que não fez referência a este episódio. Na turma 2

verificámos que dezasseis alunos reescrevem a sucessão de questões que envolvem o nome

que Engrácia escolhera para dar à mosca enquanto duas crianças referiram a mosca como um

ser que surge na narrativa.

As fantasias e os pensamentos de Engrácia prosseguiram pela noite dentro

conduzindo-nos a um novo episódio. Neste episódio verificámos que, na turma 1, foram doze

os alunos que o referiram. Destes, três fizeram-no de uma forma geral, narrando os

acontecimentos como algo que acontecera e os restantes nove atribuíram-lhe grande

importância pormenorizando os seus acontecimentos. Na turma 2 constatámos que foi dado

um maior relevo a este episódio, tendo sido recontado por dezassete alunos. Dos alunos

referidos, três mencionaram a ida de Engrácia para a cama com breves trechos do sonho,

enquanto os restantes catorze procuraram reescrever o sonho o mais próximo possível do que

está representado no texto estímulo.

Verificámos, tal como abaixo se apresenta, que os episódios mais importantes foram

quatro, dado que são aqueles mais recontados pelas crianças das duas turmas. Os episódios

mais referidos foram: o do desenho (da casa), o da mosca (a atribuição do nome), o sonho (a

descrição das três etapas do salto e a quantidade de beliscões) e o finalizar da narrativa (o

acordar e adormecer de Engrácia).

A tabela seguinte sumaria o modo como as crianças retomaram o texto estímulo,

referente ao capítulo 1

Episódios Turmas

Ep. 1 Ep. 2 Ep. 3 Ep. 4

1 2 1 2 1 2 1 2

Não referido 0 0 0 2 1 1 3 2

Referido 2 0 1 0 0 2 0 0

Reconto com pormenor 13 19 14 17 14 16 12 17

Tabela 1 – Tabela sumária das reescritas, referentes ao 1º capítulo

Quanto ao segundo capítulo intitulado “onde se fala de um passeio e das coisas

espantosas que aconteceram do lado de lá e do lado de cá de uma porta transparente”,

apurámos haver recontos com uma grande proximidade estrutural ao texto original. Este

capítulo comporta acções que se desenrolarão ao longo de sete episódios permitindo, às

crianças, uma viagem a um mundo onde, através da ilusão de Engrácia, procurarão responder

a situações a que ela não tinha dado grande importância.

No primeiro episódio deste capítulo, relata-se a história em torno das unhas que

Engrácia rói, verificámos que foram poucos os alunos, em ambas as turmas, que o incluíram

nos seus recontos. Na turma 1, somente seis alunos reescrevem o episódio. Destes, cinco

referem as consequências de tal acto e um aluno referiu apenas que Engrácia roía as unhas. Na

turma 2, constatámos que os quatro alunos que referem este episódio procuram descrevê-lo,

aproximando-se do texto original, não descurando as consequências que resultam de tal acto.

Passando à análise do episódio seguinte, constatou-se uma grande adesão à descrição

das diferentes acções designadas neste episódio. Na turma 1, contabilizámos nove recontos,

tendo um aluno referido a viagem como um momento passageiro e oito descrito a viagem bem

como as acções que se foram desenrolando ao longo do caminho. Na turma 2, constatámos

que quinze alunos recontaram este episódio. Destes, oito descreveram as diferentes acções

que ocorreram ao longo da viagem, enquanto sete generalizaram-no, recontando um ou outro

subevento.

Com a inserção de uma nova personagem, o ouriço-cacheiro, entraremos num novo

episódio com novas acções. Ao analisar este episódio, nos recontos, verificámos que na turma

1 este foi referido em treze recontos. Na turma 2, constatámos que dos dezasseis alunos que o

referiram, quinze reescreveram-no de uma forma mais pormenorizada enquanto um aluno se

cingiu à menção do Ouriço como um elemento da narrativa.

Ao entrar num novo episódio, o diálogo entre Engrácia e a lagartixa, verificámos em

diversos recontos de ambas as turmas, a descrição das diferentes acções deste episódio. Na

turma 1, dos doze alunos que recontaram este episódio, dez fizeram-no de uma forma que

torna as acções visíveis ao leitor, enquanto os outros dois alunos embora o refiram não lhe

deram grande ênfase. Na turma 2, constatámos que em quinze textos a inserção deste

episódio.

Com as indicações da lagartixa e o aparecimento da porta, permitindo a entrada para

um novo espaço, entraremos num novo episódio. Este não é um episódio a que os alunos

tenham prestado muita atenção. Assim, o seu reconto foi, somente, verificado em nove

recontos da turma 1, sete descrevem-no mais pormenorizadamente e dois referem-no nos seus

textos e em dez recontos da turma 2. Destes, seis alunos descrevem o episódio enquanto

quatro referem-nos não lhe dando grande relevo.

O chamamento dos pais de Engrácia assinala a entrada num novo episódio, que nos

permitirá reflectir sobre o final da história. Ao analisá-lo concluímos que, embora a reescrita

deste episódio tenha sido descurada por alguns alunos, outros houve que o descreveram

aproximando-se do texto original. Na turma 1, encontrámos essa proximidade nos textos de

nove alunos, enquanto na turma 2 verificámo-lo na reescrita de onze alunos. Dos nove alunos,

da turma 1, oito referiram a quantidade de vezes que Engrácia fora chamada pelos pais e um

frisou que a menina estava a ser chamada, não dando relevo ao episódio. Na turma 2,

verificámos que dez dos alunos reescreveram o episódio, enfatizando a quantidade de vezes

que fora chamada pelos seus progenitores, tendo um aluno referido apenas que ela tinha sido

chamada.

Para finalizar este capítulo surge um novo episódio em que se fará menção ao regresso

a casa. Neste episódio verificámos que menos de metade dos alunos, em ambas as turmas, o

recontou. Na turma 1, seis alunos recontaram este episódio, tendo quatro descrito, o episódio,

com maior proximidade ao texto original e dois referiram-no como um acontecimento banal,

“o regresso a casa”. Na turma 2, oito alunos recontaram este episódio, tendo sido reescrito por

sete alunos de uma forma idêntica ao texto da autora e um aluno recontou-o, não entrando em

pormenores.

Concluímos que, no que diz respeito ao segundo capítulo, ainda que trinta e dois

alunos, de ambas as turmas, o tenham feito, nem todos os alunos conseguiram recontá-lo, na

íntegra. Esta situação poderá ter ocorrido por a actividade ter sido demasiado extensa para o

tempo destinado à sua realização. Na turma 1 houve quatro alunos que concluíram a

actividade e na turma dois foram cinco os alunos que a concluíram.

Verificámos, neste capítulo, que os episódios mais recontados pelas crianças foram

quatro. Estes episódios referem-se às acções em torno do ouriço-cacheiro, da lagartixa, da

porta (a entrada para a casa da lagartixa) e o chamamento dos pais.

Tendo em atenção o tempo disponível para esta actividade (uma hora e quarenta e

cinco minutos para ambas as turmas), a extensão da obra e o tipo de estrutura desta,

verificámos que dez alunos da turma 1 e dezasseis alunos da turma 2 tiveram dificuldades em

concluir o segundo capítulo, chegando mesmo a não realizar o terceiro capítulo. É de referir

que nem todos os recontos fazem referência a todos os episódios, não havendo alteração na

preservação da estrutura da obra, nos textos das crianças. Destes recontos um aluno em cada a

turma não realizou este episódio.

Na tabela seguinte verificaremos, de um modo sumário, como foi retomado o texto

estímulo, pelas crianças, no que refere ao segundo capítulo:

Episódios Turmas

Ep. 1 Ep. 2 Ep. 3 Ep. 4 Ep. 5 Ep. 6 Ep. 7

1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2

Não referido 9 15 6 4 2 3 3 4 6 9 6 8 9 11

Referido 1 0 1 7 0 1 2 0 2 4 1 1 2 1

Reconto com pormenor 5 4 8 8 13 15 10 15 7 6 8 10 4 7

Tabela 2 – Tabela sumária das reescritas, referentes ao 2º capítulo

O terceiro capítulo intitulado “onde se revela uma história cruel e se diz que não

prestam as cenas passadas dentro das mãos e atrás das costas” foi recontado por menos

crianças.

Este capítulo inicia-se com o episódio dos pássaros. Ao analisar o primeiro episódio,

deste último capítulo, constatámos que na turma 1 oito alunos narraram-no, embora dois deles

tenham referido a existência de pássaros, não descrevendo as acções em torno destes. Na

turma 2, constatámos que oito alunos retomaram este episódio, sendo apenas evocado

globalmente por um aluno.

No episódio seguinte, falar-se-á do que sucedera dentro da capoeira desabitada. Nos

recontos da turma 1, foram oito os alunos que recontaram este episódio aproximando-se do

texto original, tendo somente um aluno referido este episódio. Nos recontos da turma 2,

constatámos que cinco alunos descreveram as acções desenvolvidas em torno da acção

principal deste episódio, e cinco alunos referiram-no de uma forma sucinta.

Continuando a narrativa, entrar-se-á num novo episódio, o cruel destino dos pássaros.

Neste episódio verificámos que, na turma 1, seis alunos reescreveram todos os passos que

levaram a tamanha perversidade e dois alunos aludem, somente, à vontade de Engrácia em

repetir a proeza. Na turma 2, observámos que nove alunos reescrevem este episódio.

As acções ocorridas levar-nos-ão a um novo episódio pois, como em todas as

narrativas, torna-se necessário solucionar, neste caso, o problema dos pobres passarinhos,

presos na capoeira. Na turma 1, verificámos que quatro alunos reescreveram o episódio

procurando transcrever as ideias principais. Na turma 2, o episódio é retomado por dez alunos

tendo dois referido, o episódio, nos seus textos não o enfatizando.

Este último capítulo termina com um episódio em que se expressa o desejo de

Engrácia. Este episódio foi muito pouco representado nos recontos dos alunos tendo, somente,

sido retomado por quatro alunos da turma 1 e por uma aluna da turma 2. Ao analisar este

episódio concluímos que na turma 1, dez alunos não terminaram as suas narrativas, com o

reconto do último episódio do terceiro capítulo, e na turma 2 dezoito alunos não o recontaram.

À excepção de sete recontos, cinco da turma 1 e dois da turma 2, foi respeitada a

sequencialidade de acções e de ideias havendo, também, uma preocupação em manter a

estrutura da narrativa que haviam trabalhado, em sala de aula. Interessante foi, também,

verificar que, muitas vezes, os alunos ao escreverem os seus textos respeitam não penas a

estrutura do texto trabalhado, mas se aproximam de outros modos do texto estímulo,

nomeadamente, observámos situações de retoma de expressões utilizadas no texto pela autora

e que não são expressões quotidianas usadas pelas crianças. Embora este capítulo não tenha

sido muito retomado nos textos teve três episódios que foram os mais recontados pelas

crianças. Estes episódios foram a história dos pássaros, a matança e a repetição da proeza.

Na tabela seguinte verificaremos, sumariamente, o modo como as crianças retomaram

o texto estímulo, referente ao capítulo 3:

Episódios Turmas

Ep. 1 Ep. 2 Ep. 3 Ep. 4 Ep. 5

1 2 1 2 1 2 1 2 1 2

Não referido 7 11 6 9 7 10 11 9 11 18

Referido 2 1 1 5 2 0 0 2 0 0

Reconto com pormenor 6 7 8 5 6 9 4 8 4 1

Tabela 3 - Tabela sumária das reescritas, referentes ao 3º capítulo

Concluímos, após a análise feita, que a extensão do texto e o factor tempo foram

determinantes na gestão da tarefa. Percebe-se que os alunos, de um modo geral, mais

pormenorizadamente no início e menos pormenorizadamente no final, procuram recontar a

obra preservando a estrutura desta. Verificámos, como foi referido anteriormente, que vinte e

nove alunos não terminaram os seus textos.

Além dos dois factores referidos, tempo e extensão do texto, a memória parece-nos ser

o outro factor com um papel fundamental no produto obtido.

3.9 Análise da linguagem

Segundo Lentin (1990) não há “método para ensinar a criança a falar entre o

nascimento e os seis anos, idade fixada para a aprendizagem da escrita”(p. 35). Ela crescerá

aprendendo o tipo de linguagem que a rodeia, a língua do círculo primário de socialização, a

língua dos pares, a língua da escola.

Ao comunicar com o adulto ou pela sucessiva “interacção com os outros (re) constrói,

natural e intuitivamente o sistema linguístico da comunidade onde está inserida” (Sim-Sim et

al. 2008:11). Esta comunicação inicia-se nas lalações, passando pela emissão de uma palavra

até à produção de estruturas complexas. A complexificação verifica-se em todos os níveis

linguísticos: da fonologia à morfologia, à sintaxe e à semântica. O desenvolvimento

linguístico é altamente dependente do meio em que a criança está inserida e da qualidade das

trocas com os adultos.

Ao chegar ao ambiente escolar, seja Jardim de Infância ou 1º Ciclo, o professor pode

verificar ou avaliar, as “características da linguagem da criança durante as etapas sucessivas

da aquisição.” (Lentin, 1990:32). A observação do desenvolvimento actual das crianças é

fundamental na decisão de conteúdos e actividades a implementar em sala de aula.

É hoje consensual que um bom desenvolvimento da competência oral é uma condição

indispensável para o sucesso da abordagem do modo escrito. A aprendizagem dos usos

secundários da língua é altamente dependente do nível de desenvolvimento da linguagem e da

capacidade de pensar sobre o oral (capacidade metalinguística). Por outro lado, a

aprendizagem da escrita e o contacto com a linguagem da escola são fundamentais no

desenvolvimento linguístico e metalinguístico das crianças.

No início da escolarização a criança não dispõe da representação gráfica das palavras,

i.e., não conhece ou conhece pouco a escrita “sendo as propriedades fónicas da palavra as

únicas a que tem acesso” (Freitas et al., 2007:21). O professor deve fazer uso dos

conhecimentos da linguagem da criança para a ajudar a desenvolver a sua consciência

linguística, fundamental no sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita.

Ao longo dos quatro anos do ensino básico a criança diversificará a sua escrita. No

contacto feito com vários tipos de escrita e textos diversificados ela fará aprendizagens sobre

as características da escrita, dos diferentes textos.

O contacto com textos quer das áreas de conteúdos, quer das áreas de ficção é crucial

quer no desenvolvimento linguístico da criança, em geral, quer no desenvolvimento de

estruturas complexas, quer na aprendizagem do texto extenso. O reconto, oral ou escrito, é

uma estratégia que o professor deve usar para “trabalhar” a linguagem da criança,

aproximando-a da linguagem da escola. Cremos que a prática continuada do reconto e da

reescrita a partir dos textos literários será uma mais-valia no desenvolvimento da linguagem

escrita, e oral, das crianças.

Este trabalho, como se verá mais adiante, permite observar nos textos recolhidos

algumas características que reforçam esta nossa convicção. No entanto, seria necessário um

estudo longitudinal e com um grupo de estudo e um grupo de controlo para se poder concluir

que a reescrita pode ser um meio importante no desenvolvimento da linguagem das crianças.

Fomentar o reconto e a reescrita em contexto escolar favorecerá o desenvolvimento da

competência textual. Sendo o vocabulário, nos textos estímulo, cuidado, a prática do reconto e

da reescrita influencia também o desenvolvimento do vocabulário da criança.

Nos recontos analisados, procurámos encontrar similitudes entre a linguagem do texto

original e as expressões dos textos das crianças. Pretendemos assinalar na linguagem da

criança expressões que nos parecem ser utilizadas a partir da mobilização de expressões da

história, identificando mesmo expressões e palavras citadas do texto original, esse é um dos

motivos que legitima o uso do termo reescrita. Após a análise dos recontos identificámos

algumas expressões que, talvez por serem mais do agrado dos alunos, são mais retomadas, as

expressões podem ser retomadas de forma aproximada ou repetindo integralmente as palavras

da escritora, neste caso assinalamos, nos trechos apresentados, essas expressões em itálico.

Após a análise dos recontos, verificámos que há nomes ou expressões do texto

estímulo que são com mais frequência convocados. Estes nem sempre foram reescritos como

os do texto estímulo embora se aproximassem, muito, deste. Entre eles assinalam-se:

“Mãe porque é que me chamo Engrácia?”, “pões-me a cabeça em água, rapariga!”, “Na sua

santa graça”, “(…) uma árvore cheia de pássaros empoleirados nos ramos (…)”, “Ia começar

a desenhar a casa(…)”, “Ó mãe as moscas têm nome?” “ Como é que as moscas são capazes

de andar com as patas para cima e a cabeça para baixo, e não caem nem nada?”, “(…)

primeiro de cima do banco da cozinha”, “ E sobe para cima da mesa da cozinha”, “Talvez o

escadote das limpezas (…)”, “(…) dá um beliscão no braço. (…) Outro agora com mais força.

(…) Tem de se beliscar com mais força ainda (…). Está realmente a dormir (…)”, “(…) sai

qual um raio pela porta minúscula da cozinha.”, “(…) é apenas ela que voa assim

despreocupadamente sobre ruas e ruas (…)”, “A última volta antes da descida é no largo

principal da aldeia”, “(…) desce o último degrau do ar e os seus pés tocam a terra dura.”, (…)

por entre aplausos da multidão o sonho pára”, “Dorme o seu sono sem sonhos até ao raiar do

dia.” ou nomes como “Maria-perguntadeira”, “Pulquéria”, no primeiro capítulo. Como vemos,

além de frases feitas e expressões oralizantes, mais distantes da realidade linguística das

crianças, há outras expressões que são mobilizadas a partir do texto estímulo, além de nomes

e expressões, há estratégias sintácticas copiadas do texto estímulo e que não são comuns neste

ano de escolaridade. A título de exemplo, citamos orações participiais, orações comparativas

com o verbo no conjuntivo, orações gerundivas.

Para o segundo capítulo, observámos a retoma de as expressões como: “Aos

Domingos”, “(…) roendo com mais cuidado uma unha pequenina.”, “Mas se róis as unhas

não vens connosco!”, “Adoro a palavra horizonte.”, “Já a mãe desembrulhava o farnel e se

preparava para estender a toalha debaixo de uma árvore.”, “ (…) uma espécie de casota feita

de paus espetados no chão.”, “(…) começou a esgueirar-se muito matreiramente para fora da

tal casota feita de paus (…)”, “A Engrácia sem barulho foi atrás dele.”, “A Engrácia foi-se

afastando cada vez mais, cada vez mais, e de súbito reparou que se tinha afastado demais.”,

“Então reparou numa lura mesmo ali ao pé do seu joelho esquerdo (…).”, “Uma misteriosa e

pequeníssima porta transparente que lhe dava acesso (…).”, “(…) Quem é que está aí a fazer

este estardalhaço todo?!”, “Estardalhaço?! Bem, fui eu…”, “A lagartixa levou a menina a dar

três voltas à volta da árvore mais imponente daquele lugar (…).”, “Não tenhas medo, podes

entrar!”, “Parecia mesmo a sua própria casa!”, “É bonita a minha casa, não é? – perguntou a

lagartixa, dando uma corrida para cima do muro do quintal.”, “ Engrácia Engrácia onde estás?

Onde te meteste?”, “O rio cortou esta estrada. Está tudo inundado.”, “ Aqui é o fim do

mundo.”.

Por fim, para o terceiro capítulo os alunos reescrevem expressões como: “(…) e à

idade remota dos seus seis anos.”, “(…) a capoeira propriamente dita e a outra não era uma

capoeira propriamente dita.”, “A capoeira propriamente dita tinha galinhas, um galo e dois

perus.”, “Mas tratava-se de uma antiga capoeira. Agora desabitada. Sempre de porta aberta.”,

“(…) iam bater, quer dizer, embater nas paredes de arame entrançado de que ela era feita

(…).”, “Atordoados e desnorteados, os passarinhos não davam nunca com a velha porta aberta

(…).”, “(…) no dia em que a Engrácia fizera 6 anos, muitas crianças cirandavam por ali, em

leves brincadeiras.”, “(…) torcer-lhes o pescoço sem ver, de mãos atrás das costas.”, “Já

agarrei um.”, “Já agarrei dois.”, “Já agarrei três.”, “E fez-se um arroz de pardais – que afinal

ninguém comeu.”, “No dia seguinte, com seis anos e um dia, a menina quis repetir a façanha

(…).”, “Vou torcer-lhes o pescoço, sem ser com as mãos atrás das costas! Quero ver tudo.”,

“Aninhou-o de encontro ao peito e saiu a correr para o ar livre.”, “Cá fora, largou-o no ar.”,

“(…) a partir desse dia, a brincadeira passou a ser outra: todos os dias ao cair da tarde, a

Engrácia começou a ir àquela capoeira (…) só para agarrar os passarinhos atordoados (…).”,

“E ao largá-los no ar livre, dava-lhes um raspanete, que só visto!”, “Qualquer dia peço à

minha mãe para trazer para aqui a minha cama e ter o meu quarto ao ar livre! O pior é que já

sei que ela vai dizer que é um disparate.”

Retomando o primeiro capítulo, no que concerne à questão fundamental que Engrácia

coloca à sua mãe, sobre a origem do seu nome, verificámos que na turma 1 somente duas

crianças a referiram, nos seus recontos, embora através do discurso indirecto.

Na turma 2 verificámos que sete crianças também o referiram, tendo cinco recorrido

ao discurso indirecto. A título de exemplo, veja-se:

“Engrácia era uma menina muito curiosa e estava sempre a perguntar á mãe porque é

que se chamava Engrácia (…)”- T1 C.F.;

“Mãe porque que eu me chamo-me Engrácia.”- T2 M.C.

Ao responder, mais uma vez, às questões da filha surgirá uma expressão, a propósito

da avó: “Na sua santa graça”. Ainda que nenhuma criança empregue esta expressão, na turma

2, um aluno refere esta expressão para caracterizar o nome da mosca. O aluno retoma a

expressão do texto estímulo, nos mesmos termos, mas emprega-a num contexto diferente:

“(…)vou-lhe dar um nome pulquéria, pulquéria porque, porque é o nome que deus tem,

tem a onde na sua santa grasa”- T2 R.M.;

Uma nova expressão, empregue pela mãe, “Maria Perguntadeira”, surgirá a

caracterizar Engrácia pelas sucessivas questões que faz em torno do seu nome:

“– Pareces uma Maria-perguntadeira…”.

Esta expressão foi retomada por três alunos, da turma 1. Um destes alunos não

empregou a expressão, do texto estímulo, embora tenha caracterizado a criança como sendo

alguém “que fazia muitas perguntas”. Na turma 2, foram oito as crianças que empregaram a

expressão, embora quatro o tenham feito não com a expressão da narrativa estudada mas sim

com uma expressão idêntica “muito perguntadeira”. Citando os alunos:

“(…)ela era uma “Maria perguntadeira””- T1 B.D.;

“(…)ela era uma Maria Perguntadeira.”- T1 J.T.;

“A Engrácia parecia uma Maria perguntadeira (…)”- T2 C.M.;

“Havia uma menina chamada Engrácia que era muito perguntadeira (…)”-T2 B.L. ;

“(…) ela era uma Maria perguntadeira.”- T2 C.B.

Nenhum aluno retoma a descrição pormenorizada da paisagem, do episódio do

desenho, embora dois alunos, da turma 1, retomem algumas expressões do texto original.

Assim os alunos referem:

“Certo dia, enquanto fazia um desenho para a escola com muitos passarinhos

empoleirados nos ramos (…)”- T1 C.S.;

“(…) e ao mesmo tempo a fazer um desenho para a escola, desenhou: borboletas,

pássaros, árvores, uma casa e até um sol com cara.”- T1 R.A.

Próximo da árvore, Engrácia decide fazer uma casa, muito parecida com a dela. Para

esta descrição constatámos que, na turma 1, a casa foi referida por doze alunos. Destes, dois

alunos referem, somente, a porta da casa. Na turma 2, verificámos que nove alunos referiram

a casa: sete referem somente a porta, como elemento que a Engrácia havia pensado desenhar:

“(…) no sítio onde ia por uma porta caiu-lhe uma mosca de cabeça para baixo e pernas

para o ar.”- T1 G.R.;

“(…) e onde estava a pensar por uma porta aberta caio uma mosca la em cima (…)”- T2

L.R..

A queda da mosca levar-nos-á a um novo episódio. Para este episódio referimos dois

momentos, dos quais salientámos as questões em torno da mosca e do nome que Engrácia lhe

atribuiu.

No que concerne às questões em torno do nome verificámos que, na turma 1, dois

alunos referiram o diálogo, nos seus textos e na turma 2 foram onze os alunos que o

recontaram, tendo cinco utilizado o discurso indirecto. A título de exemplo:

“Mãe as têm nome?- Que disparate!”- T1 G.R.;

“Ó mãe as moscas também têm nome?”- T1 C.S.;

“(…) mãe as moscas tem nome (…)”- T2 S.H.;

“Mãe, as moscas também têm nome (…)”- T2 M.C..

A atribuição de nome à mosca é bastante referida: na turma 1, onze alunos referem-no

e na turma 2 é referido por dezasseis alunos. A título de exemplo:

“Vai se chamar polqueria”- T1 S.S.;

“Vou lhe dar o nome de Pulquéria”- T1 D.S.;

“A Engrácia chamou-lhe de Pulquéria”- T1 J.T.;

“(…) mas a Engrácia deu-lhe o nome de Pulquéria.”- T2 D.A.;

“(…) fou-lhe dar o nome de Pulquéria.”- T2 E.A.;

“A Engrácia deu o nome à mosca de Pulquéria(…)”- T2 B.L..

O episódio em que Engrácia se vai deitar não é muito referido, ainda que haja uma

maior adesão a este episódio na turma 2. Nesta turma, seis alunos referem-no, embora três não

especifiquem o pensamento. Na turma 1, foram somente três os alunos que recontam o

pensamento de Engrácia:

“– Como é que elas conseguem voar de cabeça para baixo e patas para cima e não

caim?”- T1 C.S.;

“ (…) Engrácia estava com sono e foi para a cama e pensou que as moscas estavam de

pernas para o ar (…)”- T2 E.A..

No sonho, o voo era constituído por diferentes etapas. Na primeira etapa, preparação

para o voo, a heroína foi colocar-se em cima de um banco. Esta etapa foi referida por cinco

alunos da turma 1, tendo um aluno substituído o banco por uma cadeira. Treze alunos da

turma 2 também o referem: dois alunos fazem referência a uma cadeira e não um banco.

Como o salto do banco não era suficientemente alto, Engrácia decide saltar de cima de

uma mesa. O salto foi referido nos recontos de quatro alunos da turma 1 e nos recontos de

catorze alunos da turma 2.

Engrácia necessita ainda de efectuar o salto de um local mais alto para poder voar

dentro da sua cozinha o que fez com que ela tivesse de recorrer a um escadote. Este objecto

foi referido por seis alunos da turma 1 e por quinze alunos da turma 2. Neste episódio, é de

salientar, em termos de reescrita, o modo como as crianças se apropriam de uma das

estratégias narrativas utilizadas pela autora, a saber, o uso do Presente Narrativo. Adiante,

numa outra secção, retomaremos esta questão.

Veja-se por exemplo:

“Engrácia tenta voar como as moscas, primeiro vai para cima do banco da cozinha e da

um pulo muito demorado para o chão mas não voa durante muito tempo, depois sobe

para a mesa e por fim para o escadote das limpezas mas tem medo de bater com o nariz

na parede.”- T1 C.S.;

“(…) então foi para a cozinha pôs-se encima do banco e deu um polo para o chão e não

conseguiu voar, foi para a mesa e também não conseguiu, e por fim foi para o escadote e

quando cuase estava a bater com a cabeça no tecto, começou a voar.”- T2 D.A..

Para ter a certeza de que não estava a dormir Engrácia belisca-se. A expressão

“beliscões”, bem como a quantidade de vezes que ocorreu a referida acção, consideradas

essenciais para continuar a aventura no sonho, foram verificadas em oito recontos na turma 1.

Destes, quatro referem-no inserindo-os numa outra sequência de acções, enquanto ela visitava

a cidade, e na turma 2 esta expressão foi referida por sete alunos. A título de exemplo:

“Ela tem de ter saber se está a dormir ou acordada para isso bolisca-se três vezes e não

sente nada e que quer dizer que esta a dormir e pode voar á vontade.”- T1 C.S.;

“Então a Engrácia dá um pequeno bliscão no seu braço e não sente nada, vou tentar

outra vez, a Engrácia tentou mais uma vez mas não sente nada a prova dos nove está

tirada ela está mesmo a dormir.”- T2 C.M..

Depois de voar pela cidade Engrácia irá descer, do seu voo, no largo principal da

aldeia. Como se pode verificar uma das crianças retoma fielmente o texto da escritora:

“(…) deu três voltas ao lago e decheu para o chao (…)”- T2 L.R. ;

“Antes de ela des-cer para o chão, deu três volteis no espaço e depois des-ceu para a terra

(…)”- T2 D.A..

Ao descer o último degrau, antes de tocar no chão, a multidão aplaude tão

esplendoroso voo. Os aplausos foram referidos nos recontos de dois alunos da turma 1,

emprestando aos textos das crianças uma riqueza informativa maior. Na turma 2 verificámos

que seis alunos recontaram esta acção da narrativa.

Além da riqueza informativa, pode observar-se a complexidade sintáctica e o

desenvolvimento capacidade narrativa presentes no último exemplo. Neste excerto, a criança

dá informação de segundo plano, utilizando o imperfeito e orações temporais introduzidas por

quando e enquanto:

“(…) toda a gente estáva a olhar para ela e a bater palmas.”- T1 D.S.;

“(…) por entre os aplausos da multidão (…)”- T1 C.S.;

“(…) e pelo aplausos do poblico ela acordou (…)”- T2 L.R.;

“(…) foi por ruas e ruas as pessoas aplaudião (…)”- T2 I.A.;

“Quando a Engrácia voava as crianças corriam atrás dela enquantos os mais velhos

aplaudiam.”- T2 I.T..

Com os aplausos Engrácia acordará do seu sonho, voltando depois a adormecer. Esta

acção finalizará o primeiro capítulo. Repare-se como os alunos descrevem o final do sonho

nos seus recontos:

“O sonho tinha acabado, e ela ficou muito triste. Mas depois adormeceu sem sonhos”-

T1 R.S.;

“E foi nesse perciso momento que o sonho parou, sentiu pena mas continuou a dormir.”-

T1 R.A.;

“Quando Engrácia acordou ela sentiu pena de ter acordado daquele sonho tão giro e

voltou a adormecer.”- T2 I.T.;

“(…) no final ela acorda aconchegada vira-se e volta a adormecer.”- T2 C.B.;

“Quando acordou viu-se num, quarto escuro e teve pena de acordar, mas rapidamente

adormeceu sem sonhos.”- T2 B.L..

No segundo capítulo, constatámos que o dia da semana, em que as personagens foram

passear, foi muito referido nos recontos de ambas as turmas talvez por ser um elemento

textual importante na estruturação do tempo narrativo. Na turma 1, verificámos que dez

alunos o referiram iniciando, assim, os seus recontos e, na turma 2, constatámos que dezasseis

alunos referiram o dia em que a família costumava passear.

É de assinalar não só os casos em que as crianças retomam o texto da escritora, mas

também o que acontece no e quarto e sexto excertos apresentados em que os alunos ao alterar

a determinação (aos domingos, todos os domingos, no domingo) de domingo procedem aos

ajustes necessários subsequentemente:

“Aos Domingos a Engrácia vai passear (…)”- T1 N.M.;

“Aos Domingos, Engrácia e os pais iam sempre dar um passeio de automóvel.”- T1 R.A.;

“Aos Domingos a família costumava ir passear (…)”- T1 C.S.;

“No Domingo a família de Engrácia foi passear (…)”- T2 A.S.;

“Aos Domingos a Engrácia e os pais iam passear.”- T2 P.S.;

“Todos os domingos de manhã os pais da Engrácia e a menina ia passear.”;

“Aos domingos os pais da Engrácia levam-na a dar um passeio (…).”- T2 E.A..

Engrácia roía a unha. Esta expressão foi referida, nos textos da turma 1, por quatro

alunos. Um destes alunos embora tenha referido a expressão não a enquadrou no episódio

correspondente. Na turma 2, verificámos que só um aluno refere esta acção. Caso Engrácia

roesse as unhas, os pais não a levariam a passear. Embora tenha sido referido em alguns

recontos a descrição desta condição foi, também, pouco referida nas narrativas. Na turma 1 foi

retomado por cinco alunos e na turma 2 por quatro. Veja-se a título de exemplo:

“(…) Engrácia estava sempre a roer as unhas e os pais estam sempre a dizer para ela

não as roer se não, não e a ao passeio e ela as vezes pensava, mais vale roer as unhas do

que ir ao passeio, mas acabava sempre por escolher ir com os pais (…).”T1 C.F.;

“(…) e ela roía as unhas e diziam-lhe: - Se róis as unhas não vens connosco.”- T1 C.S..

No episódio da viagem, na turma 1 verificámos que sete alunos referem que a menina

cantara, pelo caminho e na turma 2, constatámos que esta acção também fora referida nos

textos de sete alunos. O termo horizonte foi retomado em três recontos, da turma 1 e da turma

2, embora nesta turma uma aluna tenha reescrito o poema que vem no livro. Refira-se que a

aluna em causa não teve contacto com a história enquanto a ia reescrevendo.

Observam-se alguns exemplos:

“Engrácia sem nada para fazer cantava baixinho músicas sobre o horizonte.”- T1 B.D.;

“A Engrácia ia cantando cantigas sobre o horizonte e observando a paisagem.”- T1 J.T.;

“(…) No carro a Engrácia cantava uma cansão, o dia esta muito frio veijo o sol no

orizonte vou boscar uma adorinha para voar de monte em monte.”- T2 M.C.;

“(…) durante a viagem a Engrácia eventou uma musica sobre o horizonte.”- T2 D.M..

No episódio em que entra um novo personagem, o ouriço-cacheiro as crianças

utilizaram expressões aproximando a sua linguagem à linguagem do texto original, resultando

dessa aproximação a riqueza informativa que se pode observar nos trechos apresentados:

“(…) e ela perguntou se podiam ficar ali a fazer um piquenique, fizeram uma casa de

paus para o ouriço.”- T1 D.R.;

“(…) eram quatro á mesa e um deles era o convidado especial claro o, ouriço-

cacheiro.”T2 M.B..

A fuga parece ser um episódio saliente, tendo sido referida nos recontos de ambas as

turmas.

Foram muitos os recontos em que os alunos retomam uma palavra que não é de uso

corrente – esgueirar-se:

“Depois da refeição, o ouriço afastou-se e a Engrácia foi atrás dele.”- T1 R.S.;

“O ouriço era o seu convidado especial, mas, no fim da refeição esgueirou-se.”- T1 J.T.;

“(…) no fim do almoço o ouriço escapou (…).”- T2 B.L.;

“Mas sem dar conta o ouriço fugiu e a Engrácia viu, e foi atrás dele (…)”- T2 D.A..

No subevento da lagartixa podem observar-se retomas interessantes:

“(…) e Engrácia foi atrá dele mas não o encontrou e sentou se debaixo de uma árvore e

viu uma lura com uma porta que estava fechada (…).”- T1 C.S.;

“(…) e a Engrácia foi atrás dele, foi-se afastando cada vez mais até que sentou se numa

pedra. Ao lado da Engrácia estava uma pequena porta mais pequena do que ela, e bateu

à porta.”- T2 B.L..

Atente-se na forma como algumas crianças reescrevem as falas das personagens,

transformando-as:

“(…) e bateu duas vezes, a cabeça de uma lagartixa espreitou e disse-lhe para não fazer

tanto barulho.”- T1 C.S.;

“Derepente apareceu uma cabeça verde que começou a refilar por ela ter batido com

muita força (…).”- T2 B.L..

Para entrar no novo espaço, a casa da lagartixa, Engrácia tem que dar três voltas à

árvore. Veja-se a complexidade das estruturas no primeiro excerto:

“Então disse que tinha de dar 3 voltas à árvore. Ao dar as três voltas, a Engrácia entrou

na casa da lagartixa, que era mesmo igual ao seu quintal.”- T1 J.T.;

“(…) então ele disse para ela dar 3 voltas a uma árvore ali próxima, ela deu e apareceu

uma porta”- T1 B.D. ;

“(…) mas como a Engrácia não cabia na porta então deve de dar três voltas à maior

árvore.”- T2 I.T.;

“(…) disse para ela dar três voltas a uma árvore maior que as outras, e aparceu uma

porta do tamanho dela, (…).”- T2 B.L..

O diálogo entre a menina e a lagartixa encerra este episódio. O diálogo é referido por

seis alunos da turma 1 e cinco da turma 2:

“(…) ela entrou e viu uma casa igual á sua e a lagartixa disse-lhe que a casa era dela e

de muitos outros animais.”- T1 C.S.;

“Ela entro e viu uma cara parecida com a dela (…).”- T1 C.R.;

“A Engrácia viu a sua casa, a lagartixa disse que a Engrácia pensava que aquela é a sua

casa mas não era, era de todos os animais daquela casa ao melhor o quintal.”- T2 I.T.;

“(…) e entrou. Viu a sua casa e estranhou a lagartixa explicou-lhe que o quintal era de

muita gente.”- T2 C.B.

Engrácia é chamada pelos pais. Repare-se nas diferentes estratégias discursivas

utilizadas, contrastem-se os primeiros excertos com o último em que o aluno utiliza recursos

sintácticos diversificados, recorrendo à subordinação através da oração infinitiva encaixada e

da predicação secundária presente em aflitos:

“(…) depois ouvio a chamar o seu nome e foi a correr para os pais.”- T1 C.R.;

“Passado um bocado o pai chamou a Engrácia mas ela não ouviu só a treceira vez é que

foi, mas ela não queria ir enbora mas teve de ir para sua casa (…).”- T2 B.L.;

“Então chamaram a Engrácia e ela teve de ir e disse adeus ás minhocas.”- T2 D.A..

“Os seus pais ao darem pela sua falta, aflitos gritavam:

- Engrácia, onde te meteste?

Então a Engrácia seguiu a voz e voltou para casa…”- T1 J.T.;

O capítulo termina com o regresso a casa. Este episódio é retomado por poucos alunos,

reescrevendo todos, no entanto, a expressão “fim do mundo” utilizada pelo pai:

“E foram-se embora e depois o pai só viu água e disse à Engrácia que ali era o fim do

mundo.”- T1 J.A.;

“(…) mas o caminho por onde o pai ia acaba o mundo e eles voltaram para trás.”- T2

B.L.;

“Na estrada á uma inundação o pai depois disse que era o fim do mundo (…).”- T2 C.B.;

“(…) o rio tinha alagado tudo o seu pai disse que era o fim do mundo e a Engrácia voltou

para casa.”- T2 G.F..

Ao longo deste capítulo apercebemo-nos do uso, ou de uma aproximação linguística,

de expressões e frases da obra de autor. As mais retomadas pelos alunos são: “Aos Domingos

(…).”; “(…) roendo com mais cuidado uma unha pequenina.”; “- Mas se róis as unhas não

vens connosco!”; “(…) permitia ir olhando a paisagem à sua volta e ter tempo para cantar

mais cantigas do que se ele fosse a alta velocidade.”; “Adoro a palavra horizonte.”; “Já a mãe

desembrulhava o farnel e se preparava para estender a toalha debaixo de uma árvore.”; “(…)

começou a esgueirar-se muito matreiramente para fora da tal casota feita de paus (…).”; “A

Engrácia foi-se afastando cada vez mais, e de súbito reparou que se tinha afastado demais.”;

“Então reparou numa lura mesmo ali ao pé do seu joelho esquerdo (…).”; “Uma misteriosa e

pequeníssima porta transparente lhe dava acesso (…)”; “- Quem é que está aí? Quem é que

está a fazer este estardalhaço todo?! – Estardalhaço?! Bem, fui eu…”; “A lagartixa levou a

menina a dar 3 voltas à volta da árvore mais imponente daquele lugar (…).”; “Aquela parecia

mesmo a sua própria casa!”; “- É bonita a minha casa, não é?- perguntou a lagartixa, dando

uma corrida para cima do muro no quintal.”; “Ao longe ouviu-se uma voz chamar: - Engrácia

Engrácia onde estás? Onde te meteste?”; “O rio cortou esta estrada. Está tudo inundado!”;

“Aqui é o fim do mundo.”

O terceiro capítulo não mereceu muita atenção da parte dos alunos de ambas as

turmas. Tal como já foi referido na secção anterior, a extensão dos capítulos e o tempo

destinado à realização da actividade e a memorização, levam-nos a crer que terão sido estes os

factores influentes na não reescrita, mais pormenorizada, dos diferentes capítulos.

Nos textos das crianças há duas situações, deste capítulo, a que é dada alguma ênfase:

o aniversário de Engrácia e as capoeiras do quintal:

“No dia do seu aniversário ela e os seus amigos iam a capoeira desabitada.”- T1 R.S.;

“Se voltarmos à idade remota, no dia em que a Engrácia fez 6 anos (…).”- T1 J.T.;

“No dia do aniversário da Engrácia ela chamou todos os seus amigos (…).”- T2 G.F.;

“No dia do seu aniversário eles enventaram um jogo que era apanhar os pássaros e

troser-lhes os pescoços.”- T2 D.A..

“Havia duas capoeiras uma era a capoeira propriamente dita e a outra era a capoeira

propriamente dita na capoeira propriamente dita havia galos, patos, galinhas e na outra

havia pardais.”- T1 C.R.;

“No seu jardim havia duas capoeiras. Uma tinha galinhas, perus, patos, etc., e a outra

era desabitada. Na capoeira desabitada os pássaros prendiam-se numas redes.”- T1

R.S.;

“ No quintal da Engrácia avia uma capoeira dita e a outra não dita. A dita tinha animais

a outra não só que os pássaros iam lá para dentro e de estar tão nervosos não conseguião

sair (…).”- T2 B.L.;

“(…) tinha duas capueiras uma abitada e a outra não estava abitada na desabitada não

tinha nada e a outra capueira tinha peru e galinhas (…)”- T2 G.F..

Como se observa as crianças apropriam-se de expressões utilizadas no texto estímulo

que não são comuns na linguagem das crianças, mas também reescrevem trechos que são

recursos estilísticos da autora: a capoeira propriamente dita e a capoeira não propriamente

dita..

Ainda no episódio das capoeiras, as crianças retomam expressões do texto estímulo:

“(…) torcer-lhes o pescoço com as mãos atrás das costas (…).”- T1 C.S.;

“Nela apanhavam pássaros, ponha-os atrás das costas e torcia os seus pescoços.”- T1

R.S.;

“(…) a Engrácia apretou o pescoço a três pardais a trás das costas (…).”- T2 B.L.; “(…)

os amigos torsiam o pescoso ao pobres pássaros que propriamente, parciam pardais,

(…).”- T2 M.B..

Embora o arroz de pardais seja referido por poucos alunos, os que o referem, não

esquecem que ninguém o comeu:

“E depois iam para a cozinha fazer arroz de pardais.”- T1 J.A.;

“(…) vamos fazer um arroz de pardais. Boa ideia. E ninguém comeu o arroz de pardais.”-

T2 M.B.;

“(…) então fizeram arroz de pardais e ninguém comeu.”- T2 B.L..

Muitos alunos (dezasseis no total) retomam a “repetição da proeza” revelando uma

boa compreensão do episódio, pois todos referem o arrependimento de Engrácia. Além da

compreensão global do episódio, as crianças retomam muito de perto as estratégias

discursivas utilizadas pela autora, como se pode confirmar, nos exemplos que a seguir se

apresentam:

“Lá agarrou num pássaro e pensou porque se tem de torcer os pescoços atrás das costas.

Ela ia torcer o pescoço à frente, mas teve pena do passarinho e largou-o.”- T1 R.S.;

“Com seis anos e um dia a Engrácia quis repeti-lo, mas desta vez pensou:

- Porquê atrás das costas, quero ver?! Então pegou num pardal. O pardal tinha o bico

entreaberto, então ela olhou para os seus olhos, mas não conseguiu fazê-lo outra vez.”-

T1 J.T.;

“No outro dia a Engrácia queria repetir a facenha então pegou num pássaro e pôs atrás

das costas, foi quando lembrou-se, porque é que tenho de trosser-lhe o pescoço atrás das

costas eu quero ver como ele morre mas porque é que eu mato os pássaros.

Então soltou o pássaro (…).”- T2 D.A.;

“(…) pegou num pássaro e queria torcer atrás das costas, mas ela queria ver todo então

viu o pássaro assustado e largou no ar.”- T2 I.T..

A decisão, de Engrácia, de soltar os pardais diariamente também é retomada pelas

crianças, fazendo-o algumas de forma bastante fiel ao texto estímulo:

“A Engrácia disse qaue todos os dias vinha ajudar os pássaros que ficavam presos.”- T1

R.S.;

“Então começou a soltar todos os dias os pardais que iam para aquela capoeira.”- T1

J.T.;

“(…) todos os dias ela ia à capoeira só para libertar os passaros atordoados que caiam lá

dentro da gaiola dos passaros ela ao libertar davalhe cada raspanete que só visto (…).”- T2

J.S.;

“Então a partir desse dia a Engrácia passou a ir todos os dias à tarde ajudar os pássaros

que lá ficavam.”- T2 I.T..

Já o desejo de Engrácia de colocar a cama no jardim é pouco referido:

“(…) eu um dia vou pedir á minha mãe para por aqui a minha cama.”- C.F. T1;

“Ela queria por a sua cama no jardim mas ela sabia que a mãe não deixava.”- M.J. T1;

“Mas um dia, pensou ter o seu próprio quarto ao ar livre só que ela pensou que a mãe

não achasse boa ideia e não deixa-se.”- J.A. T1;

“A Engrácia disse que queria o seu quarto no quintal.”- I.T. T2.

Este capítulo embora tenha sido recontado por uma quantidade menor de alunos,

foram retomadas algumas expressões e frases do texto de autor que ilustram a atenção das

crianças à linguagem literária: “(…) vamos voltar aos arrepios da Engrácia e à idade remota

dos seus 6 anos.”; “Uma era a capoeira propriamente dita e a outra não era uma capoeira

propriamente dita. A capoeira propriamente dita tinha galinhas, um galo e dois perus.”; “Mas

tratava-se realmente de uma antiga capoeira. Agora desabitada. Sempre de porta aberta.”;

“(…) iam bater, quer dizer, embater nas paredes de arame entrançado de que ela era feita

(…)”; “Atordoados e desnorteados, os passarinhos não davam nunca com a velha porta aberta

(…)”; “Ora no dia em que a Engrácia fizera 6 anos (…)”; “Torcer-lhes o pescoço sem ver, de

mão atrás das costas.”; “ E fez-se um arroz de pardais – que afinal ninguém comeu.”; “No dia

seguinte, com seis anos e um dia, a menina quis repetir a façanha.”; “Vou torcer-lhes o

pescoço, sem ser com as mãos atrás das costas! Quero ver tudo.”; “ Aninhou-o de encontro ao

peito e saiu a correr para o ar livre. Cá fora largou-o n ar.”; “(…) a partir desse dia, a

brincadeira passou a ser outra: todos os dias ao cair da tarde, a Engrácia começou a ir àquela

capoeira (…) só para agarrar os passarinhos atordoados que nela tinham entrado (…)”; “E ao

largá-los no ar livre, dava-lhes cada raspanete, que só visto!”; “- Qualquer dia peço à minha

mãe para trazer para aqui a minha cama e ter o meu quarto ao ar livre! O pior é que ela vai

dizer que é um disparate.”

Globalmente, constatámos que os recontos das crianças têm uma grande proximidade

tanto da estrutura como do tipo de linguagem da obra de autor.

Era interessante verificar noutros recontos, trabalhados do mesmo modo ou de forma

idêntica, qual o impacto deste tipo de actividade na construção autónoma de textos das

crianças. Poder-se-ia, também, verificar a evolução da oralidade e da linguagem escrita das

crianças no 2º, 3º e 4º ano de escolaridade, do ensino básico 1º Ciclo e a sua relação com os

textos de autor, trabalhados em aula.

4. Conclusões

Da análise realizada, concluímos que a estrutura dos textos das crianças possui uma

grande proximidade com a estrutura do texto de autor. Em ambas as turmas verificámos que a

estrutura da narrativa foi respeitada, nomeadamente, a sequência de acções.

Quanto à proximidade da linguagem dos textos das crianças e da autora verificámos

que as crianças conseguem ora memorizar expressões textuais e reescrevê-las enquadrando-as

na estrutura textual, ora recriar expressões, ficando muito próximo das estratégias usadas pela

autora.

O reconto, de uma obra de autor, levará a criança a adequar a sua forma de escrita a

um contexto específico. Este estudo reforça a nossa intuição que o uso do texto literário como

input linguístico é um meio importante no desenvolvimento da linguagem das crianças, pois

estas, ao reescreverem a narrativa, apropriam-se de um registo cuidado da língua quer

retomando fielmente expressões do texto, quer transformando a linguagem, aproximando-se

das estruturas linguísticas e da intenção da autora. Uma questão que fica em aberto e que

poderia constituir um prolongamento deste trabalho, era averiguar de que modo as crianças,

na escrita, procurarão aplicar esses novos conceitos e expressões aprendidas.

5. Linguística Textual

Ao analisarmos os textos das crianças, fomos surpreendidos pelo modo como elas se

apropriam das estratégias discursivas que nos parecem ser influenciadas pelo texto estímulo,

tanto mais que são estratégias que não são comuns em textos de crianças de 4º ano de

escolaridade, deste agrupamento.

Considerámos importante não menosprezar o conhecimento dos jovens aprendizes que

enriqueceram as suas narrativas, ao recontarem uma obra literária. Por nos termos

confrontado com textos reflectiremos neste capítulo, de uma forma ainda que breve, sobre

alguns dos mecanismos de textualização utilizados pelos alunos do 4º ano.

Subdividimos este ponto em quatro secções que considerámos pertinentes na

exemplificação das reescritas. Numa primeira secção analisaremos os tempos verbais

utilizados. Na segunda secção, faremos a análise uso do presente narrativo no reconto do texto

de autor e do presente narrativo, utilizado pelas crianças nas suas reescritas. Na terceira

secção, analisaremos os verbos introdutores do discurso directo e na quarta secção

apresentaremos a análise ao discurso indirecto, utilizado nas reescritas. As formas destacadas

pareceram-nos interessantes por ilustrarem domínios em que claramente os textos se afastam

da escrita de alunos deste ano de escolaridade.

5.1 Tempos verbais

Os tempos verbais fazem parte de um conjunto de formas linguísticas que funcionam

como marcas formais na recriação do passado, de tempos vividos, do que se era, do que se

tinha sido, numa abordagem linguística da narração (Fonseca; 1992), faremos uma breve

análise dos tempos verbais utilizados pelas crianças nos seus recontos.

Os tempos verbais, segundo Fonseca (1992), localizam as frases temporalmente e

“dada a sua natureza deíctica do tempo linguístico, presente, passado, futuro não são

identificáveis como “épocas” mas antes como perspectivações que implicam uma

ramificação temporal.” (Fonseca, 1992:178). O uso dos tempos verbais, o Presente, o

Pretérito Perfeito ou o Pretérito imperfeito permite a construção de narrativas com uma

estrutura mais diversificada. A articulação entre o Pretérito Perfeito e o Pretérito Imperfeito

permitem dois efeitos distintos mas que interagem entre si, “o “efeito do real” e o “efeito de

irreal”.” (Fonseca, 1992:227).

Na análise dos recontos verificámos que as crianças utilizaram, nas suas reescritas,

diferentes tempos verbais, sendo maioritários os usos do Presente, o Pretérito Perfeito

Simples, doravante PPS, e o Pretérito Imperfeito. Para além destes tempos verbais,

verificámos a existências de outros tempos embora tenham surgido com menor frequência. A

recolha dos tempos verbais permitiu-nos verificar em alguns dos recontos a proximidade das

reescritas ao texto estímulo, na construção das narrativas (Sousa, 2007a).

A análise feita não teve como objectivo principal a distinção do uso dos tempos a

verbais nas diferentes turma mas sim a análise conjunta dos quinze recontos da turma 1 e dos

dezanove recontos da turma 2. Como vimos anteriormente, na reescrita os alunos exploram

estratégias discursivas que não são comuns nos textos de alunos deste ano de escolaridade. A

título de exemplo, saliente-se o uso do Presente narrativo e do imperfeito. O primeiro

utilizado no reconto de acções, o segundo utilizado para enquadrar as acções, tornando os

textos mais informativos. No quadro seguinte contabilizam-se as percentagens de ocorrências

dos três tempos verbais mencionados:

Produções Escritas

Tem

pos

Ver

bai

s

1º Capítulo

%

2º Capítulo

%

3º Capítulo

%

Presente 17,6% 10,1% 9.9%

Pretérito Perfeito 43,8% 57,1% 42,8%

Pretérito Imperfeito 38,6% 32,9% 47,3%

Tabela 4 – Frequência dos tempos verbais nos 3 capítulos.

Numa primeira fase iremos referir o uso de tempos verbais subdividindo a análise em

três grupos: a frequência de tempos verbais no 1º capítulo, posteriormente a frequência destes

no 2º capítulo e para finalizar a frequência dos tempos verbais no 3º capítulo.

Os resultados observados, de acordo com a tabela 1, comprovam que o tempo verbal

mais utilizado, no 1º Capítulo, foi o PPS (43,8%), seguido do Pretérito Imperfeito (38,6%) e,

por último, o Presente (17,6%).

Embora seja comum crianças de 10 anos escreverem narrativas utilizando o Presente,

sobretudo em diálogos, na análise conseguimos encontrar narrativas onde foi empregue tanto

o presente, no discurso directo, como o presente de narração. Este tempo foi utilizado em duas

reescritas da turma 2 e numa reescrita da turma 1. A análise feita, ao Presente Narrativo, será

desenvolvida mais adiante.

Num momento subsequente, analisaram-se os tempos verbais empregues na reescrita

do 2º Capítulo, do texto estímulo. Como podemos verificar, na tabela, este capítulo foi

reescrito, maioritariamente, no Pretérito Perfeito.

No que diz respeito à utilização de tempos verbais, tal como observamos na tabela, o

PPS (57,1%) foi o tempo verbal mais utilizado, seguido do Pretérito Imperfeito (32,9%) e, por

fim, do Presente (10,1%).

No 3º capítulo, escrito por uma menor quantidade de crianças, o tempo verbal mais

utilizado foi o Pretérito Imperfeito (47,3%), seguido do PPS (42,8%) e em menor quantidade

surge o Presente (9,9%).

A análise, aqui feita, embora revele que as crianças utilizem preferencialmente PPS e o

Pretérito Imperfeito, há episódios em que, aproximando-se da estratégia discursiva utilizada

pela autora, usam o Presente narrativo. Estudos anteriores (Sousa, 2007a; Rebelo, 1998)20

revelam, e tal como foi referido anteriormente, que nas narrativas orais de crianças predomina

o PPS. (Sousa 2007a), na análise contrastiva entre narrativas de crianças e de adultos, afirma

que, tal como em outras línguas, em Português as crianças contam maioritariamente

utilizando o PPS, enquanto os adultos contam maioritariamente recorrendo ao Presente com

função narrativa.

Em conclusão, verificamos que as crianças respeitaram o uso dos tempos verbais,

utilizando o PPS para contar, o imperfeito para contextualizar as acções e o presente para os

20

Sousa (2007) refere no seu estudo o estudo de Rebelo (1998) o qual eu evidencio por ser um estudo que

envolve a dinâmica da linguagem das crianças

diálogos. Mas verificamos também que algumas crianças, aproximando-se do texto estímulo

usam o presente narrativo para contar acções.

6. O Presente Narrativo no texto estímulo

A seguir divisaremos de que modo as crianças se apropriaram desta estratégia

narrativa. Veremos que a utilizam nos episódios do sonho e no episódio dos aos pássaros que

entram na capoeira desabitada, seguindo de perto a estratégia da autora. Uma aluna da turma 2

usa, também, a mesma estratégia para reescrever um trecho da narrativa que a autora tinha

escrito no pretérito. Esta situação refere-se às acções de Engrácia face ao desnorte dos

pássaros (final do capítulo 3).

O Presente Narrativo surge, na obra de autor, na descrição do sonho e na introdução da

narrativa do 3º capítulo. Além destes episódios em que a autora usa maioritariamente o

presente narrativo para veicular acções, ao longo da obra recorre pontualmente ao uso

narrativo do presente para o mesmo fim.

6.1 O Presente narrativo na escrita das crianças

A escrita “ (…) não deve circunscrever-se ao futuro e ao passado, deve alargar-se

também ao presente. Ao usarmos os tempos verbais, podemos referir “mundos possíveis”

alternativos no próprio presente (…).” (Fonseca; 1992; p. 198). A narrativa, como vimos, é

um texto em que predomina o tempo passado. Assim, em português, os tempos verbais,

pretérito perfeito simples, pretérito imperfeito e pretérito mais que perfeito, são os mais

comuns na narrativa. O presente do indicativo surge habitualmente em dois contextos bem

marcados: no discurso directo e na narração. A este presente usado para narrar chama-se

“Presente Narrativo” (Fonseca, 1992). Se o presente narrativo, um tempo verbal usado para

vivificar a história, é um recurso bastante usado pelos escritores, não é usual nos textos das

crianças (Rebelo, 1987, Sousa 2007a).

A temporalidade, apresentada nas narrativas, surge associada aos tempos verbais que

nos remetem prontamente para a época em que as acções ocorrem. O Presente representará a

acção no aqui-agora (Fonseca; 1992), levará o narrador a expressar os acontecimentos

momentâneos e presentificados, tornando, assim, a narrativa mais viva.

Segundo Sousa (2007a), a utilização do Presente para narrar é mais comum entre os

adultos e pouco comum entre as crianças. O presente narrativo tem uma função importante na

gestão do estatuto da informação (Sousa, 2007a). O Presente narrativo não é um presente do

aqui-agora mas sim um presente carregado de vivências que nos remetem a histórias passadas

(Fonseca; 1992), que ficaram na memória, de cada um.

O episódio do sonho é maioritariamente contado pela autora no presente. É de

sublinhar que algumas crianças retomam do texto estímulo a utilização do presente narrativo.

Havendo três alunas que reescrevem integralmente o episódio no presente, oito reescrevem

utilizando maioritariamente o presente e outras ainda que oscilam entre o presente e o PPS.

Na turma 1, a aluna escreveu no presente narrativo, somente, o sonho de Engrácia.

“De repente adormece e começa a sonhar. Engrácia tenta voar como as moscas, primeiro

vai para cima do banco da cozinha e da um pulo muito demorado para o chão mas não

voa durante muito tempo, depois sobe para a mesa e por fim para o escadote das

limpezas mas tem de medo de bater com o nariz na parede e também se não bater tem

medo de não caber na porta da cozinha. Ela tem de saber de esta a dormir ou acordada

para isso bolisca-se três vezes e não sente nada e quer dizer que esta a dormir e pode

voar á vontade. Ela vai para a rua e vê que e a única a voar assim, as pessoas apontam e

olham para ela como se fosse uma coisa do outro mundo e depois o sonho para por entre

os aplausos da multidão, dos dormem na casa da Engrácia e ela volta a adormicer.” C.S.

T1

Como observamos, neste trecho, predomina o presente do indicativo: o presente com

valor de presente narrativo: adormece, começa a sonhar, dá. Estes verbos poderiam

combinar-se com o PPS, no entanto a aluna, aproximando-se do texto literário, usa o presente

para vivificar a acção, sendo esta uma das características do Presente Narrativo. A aluna usa o

presente não apenas para contar acções de primeiro plano, mas também para contextualizar

estas, isto é, para veicular informação de segundo plano como em: tem de saber, está a

dormir, dormem. Neste caso, estes verbos, como afirmámos, não relatam acções de primeiro

plano, i.e., acções que veiculam o domínio do acontecer, mas expressam situações de segundo

plano, i.e., situações que enquadram os acontecimentos, servindo-lhe de pano de fundo ou de

a cenário. Assim sendo, tais verbos combinar-se-iam, preferencialmente, com o Imperfeito.

Também na descrição do sonho uma aluna, da turma 2, que mesmo tendo introduzido

algumas formas verbais do PPS, descreveu o sonho, maioritariamente, utilizando o presente.

Neste caso, também, o Presente assume diferentes funções: Presente Narrativo, para

introduzir acções, consegue, dá, e o presente no discurso directo: vou experimentar e vou

tentar outra vez.

Atente-se no modo como o presente é usado em funções diferenciadas. Como veremos

adiante, esta é uma das formas bastante comum de os alunos introduzirem o discurso directo:

sem verbo introdutor e sem sinais gráficos de pontuação:

“Já na cama a Engrácia ainda consegue um último pensamento. Primeiro em

cima da mesa é muito fácil é só dar um pulo muito demorado. A Engrácia deu um pulo

mas foi muito pequenino e por sinal não foi nada demorado. Talvez em cima do Ecadote

das limpezas boa ideia, vou experimentar. A Engrácia na verdade não sabe se está

acordada ou se está a dormir mas à uma maneira infalivel de ver. Então a Engrácia dá

um pequeno bliscão no seu braço e não sente nada, vou tentar outra vez, a Engrácia

tentou mais uma vez mas não sente nada a prova dos nove está tirada ela está mesmo a

dormir. A Engrácia voua muito alto lá na cidade. (…).”C.M. T2

“A Engrácia ao fazer um dezenho para a escola cai-lhe uma mosca de pernas

para o ar e ainda lhe dá um nome, Pulquéria.

Quando vai dormir vê as moscas no tecto e tenta voar, num banco mas não

consegue, tenta numa mesa mas também não consegue, depois no escadote. Dá 3

boliscões e vê que está a sonhar e sai pela porta, as pessoas estão a aplaudir e no final ela

acorda aconchegada vira-se e volta a adormecer.” C.B. T2

Por fim, verificámos um outro reconto, também da turma 2, onde a aluna, para além da

descrição do sonho utilizou, ainda, o presente narrativo no terceiro capítulo. Este presente

surge quando a aluna se refere, de uma forma sucinta, ao que acontecera no dia seguinte ao do

aniversário de Engrácia:

“A Engrácia tem arrepios ao se sentar numa árvore. Á duas capoeiras, uma tem

galinhas e a outra aves, e na outra (…).

No dia seguinte ela vai aquela capoeira agarra num pardal mas pensa em matá-lo

à frente, queria ver tudo.

Ao ver o pássaro a sofrer ela agarra-o e larga-o. (…).” C.B. T2

Como podemos observar, As crianças utilizaram o presente do indicativo no reconto

de sequências de acções, tendo sido no episódio da descrição do sonho que as crianças mais

utilizaram esta estratégia de contar. Embora em ambas as turmas se tenha descrito o sonho no

presente, foi na turma 2 que verificámos a existências de mais recontos onde se emprega este

tempo verbal.

Do que fica descrito, concluímos que as crianças se apropriaram de um dos recursos

estilísticos utilizados pela autora para tornar mais vívida a narração: o uso do presente

narrativo. Tal como afirmámos, o presente narrativo pode ser substituído no mesmo contexto

pelo PPS, mas a narração perderia o sentido de actualização dos acontecimentos permitido

pelo presente. Nos excertos apresentados, coexistem dois tipos de presente: o presente

narrativo e o presente que poderia ser substituído pelo imperfeito. Neste caso, os verbos ou

são verbos não eventivos e/ou se combinam com perífrases aspectuais, veiculando

acontecimentos de segundo plano (Fonseca, 1992) ou de background (Sousa 2007a).

7. Discurso Relatado

Há diferentes formas de dar conta do discurso nos textos: encenando a palavra, dando-

a de forma indirecta ou acedendo ao pensamento dos personagens, retratado na maioria das

gramáticas (Combettes, 1989). A forma como é introduzido o discurso depende das suas

diferentes variedades: discurso directo (DD) e discurso indirecto (DI) e discurso indirecto

livre (DIL). Para tal, é fundamental que o leitor distinga “o autor do narrador e o narrador

das personagens” (Rosa et al., 2007:762). Através do discurso relatado o narrador relacionará

as falas dos personagens dando a conhecer o tipo de discurso utilizado (Rosa et al., 2007).

Neste estudo considerámos pertinente aprofundar os dois tipos de discursos mais

utilizados, ao longo das reescritas. O discurso directo e o discurso indirecto.

No discurso directo conferiremos uma maior percepção da distinção entre narrador e

personagem e no discurso indirecto apercebemo-nos que o narrador transmite, utilizando as

suas palavras, a mensagem da personagem. Na análise feita verificámos, como será justificado

mais adiante, o discurso directo foi o mais utilizado, aproximando-as da obra de autor.

Embora em menor quantidade, verificámos reescritas onde o discurso indirecto foi também

um recurso importante.

7.1 Verbos introdutores de discurso directo

A narrativa é, por excelência, o texto do passado. A utilização do DD no texto

narrativo permite introduzir o presente, o aqui e agora – ainda que um presente ficcional

(Sousa 2000) num universo marcadamente pretérito. Este presente é construído para tornar

dinâmica a acção.

A apropriação de um discurso mais elaborado permitirá uma maior interiorização dos

tipos verbais que melhor definem a narrativa. Estes tempos verbais, na escrita, permitirão

desenvolver um discurso mais próximo do da narrativa estudada.

A introdução desta secção no nosso estudo deu-se numa fase adiantada da análise dos

textos, quando nos apercebemos que os alunos que, contrariamente ao que acontece

habitualmente nos seus textos, usavam uma grande variedade de verbos introdutores do

discursos, quando normalmente se limitam a usar o verbo dizer.

Como afirmámos, o uso do discurso directo torna a narrativa mais dinâmica pois a

criança aproxima o leitor das suas personagens, dando a conhecer as suas acções, palavras e

pensamentos. Ao utilizar na narrativa o discurso directo, doravante DD, repara-se a existência

de um narrador e de personagens que falam sem interferência, do narrado (Rosa et al., 2007).

Tal como Ferreiro (2008) refere

“El presente acerca las distancias. No se trata aqui de la

distancia entre el potencial lector respecto de los hechos que se

cuentam (…) sino de la distancia entre el narrador e su lector

imaginado.”(p. 31-32)

Segundo Cunha (1996), o discurso directo deve-se sempre acompanhar por verbos “do

tipo dizer, sugerir, afirmar, ponderar, perguntar, indagar, responder (…)” (p.630) ou então

ser marcado por sinais gráficos que introduzirão este tipo discursivo.

O DD quando associado à escrita, “é marcado por aspas, itálicos, parágrafos,

travessões, etc.” (Oliveira, 2007:159). Ao usar este discurso a criança reproduzirá as palavras

encarnadas pelos personagens da história trabalhada, “simplificando, seleccionando,

completando, ordenando e repondo” (Duarte, 1994:84) as palavras reproduzidas, pelo

personagem.

Quando acompanhado de elementos linguísticos enriquecedores do discurso torna o

narrador vivo ao ouvinte. Estes elementos são “exclamações, interrogações, interjeições,

vocativos e imperativos que costumam marcar de emotividade a expressão oral.” (Cunha e

Cintra, 1996:631).

Nas narrativas das crianças, da nossa experiência profissional, as crianças revelam

dificuldades na marcação gráfica do discurso directo e na escolha de verbos introdutores do

discurso, resumindo estes ao verbo dizer.

Ao longo da análise feita às reescritas das crianças confrontámo-nos com diferentes

formas de usar introduzir o DD. Este tanto foi usado com como sem verbos introdutores do

discurso directo. Da análise dos textos das crianças, rapidamente se conclui que a

competência para relatar a fala de personagens é uma competência que se encontra em

estádios diferenciados de desenvolvimento nestes alunos. Assim, a introdução de DD no texto

pode ir da introdução da fala da personagem sem qualquer sinalização gráfica ou linguística à

introdução de fala com todos os marcadores de DD presentes: verbo introdutor, sinais

gráficos, gestão adequada do espaço página. Observe-se o exemplo seguinte:

“ (…) e ela entrou.

- Lembraste que no ano passado cortaste o rabo, sim foi a ti eu estou no meu quintal, no

teu quintal olha aquele quilo diz que o quintal é dele etc.”D.R. - T1

Aqui, tal como podemos verificar, não há verbo introdutor do discurso. Há um sinal

gráfico – travessão, falas de dois interlocutores alternadamente e sem qualquer marca quer

gráfica, quer do verbo introdutor. Temos ainda como marcas discursivas a de 2ª pessoa

“lembraste”; “contaste”; “teu” e de 1ª pessoa “eu”; “estou” e “ meu”.

Saliente-se que, quando há dois interlocutores em co-presença há mais dificuldade em

assinalar DD, tanto as marcações gráficas como os verbos introdutores do DD.

Se é verdade que há crianças que introduzem, nos seus textos, discurso directo,

reproduzindo somente as falas sem qualquer marcação gráfica e sem verbos introdutores do

discurso, há, também, as que marcam duplamente, com verbos enunciativos, o DD.

A título de exemplo:

“Mãe porque que eu me chamo-me Engrácia, perguntou a Engrácia. A sua mãe

respondeu, pela milionesima vez é o nome que a tua avó tem.” M.C. T2

Um indicador de que a competência para introduzir falas no texto é uma competência

que ainda não está estabilizada é o facto de só três alunos, ambos da turma 1 terem utilizado

com sistematicidade e correcção o verbo introdutor do discurso directo, a marcação de

parágrafo e os sinais gráficos que caracterizam este tipo de discurso.

A título de exemplo destacaremos:

“(…) por isso disse á mãe:

- Vou dar-lhe um nome, vai chamar-se Pulqueria.” – C.S. T1;

“(…) pensou:

- Porquê atrás das costas, quero ver?!” - J.T. T1;

“E ela decidiu-lhe dar um nome:

- Já sei, vou chamar-lhe Pulquéria” – R.A. T1.

Como já referido o modo de introdução de falas varia muito de aluno para aluno, tanto

verificámos situações em que a fala era antecedida de um verbo introdutor do discurso

directo, como só por sinais gráficos ou, ainda, casos em que não era introduzido nem o verbo

introdutor, nem sinais gráficos que assinalassem a fala do personagem.

Nas reescritas, na maioria dos casos, o verbo introdutor surge antes da fala,

terminando-a com um sinal gráfico (ponto de exclamação, ponto de interrogação, ponto final

ou até mesmo sem sinal gráfico). Os alunos da turma 1, diversificaram os seus discursos

recorrendo a diferentes sinais gráficos. Já na turma 2 foram comuns duas situações: uma

caracteriza-se pela introdução do verbo introdutor do discurso directo, não colocando nenhum

sinal gráfico e outra em que introduzem o discurso directo não introduzindo nem o verbo

introdutor do discurso directo nem sinais gráficos. A título de exemplo, observem-se:

“(…) disse inxuta daí essa mosca!” – S.S. T1;

“(…) o pai dela disse:- Olha está ali um ouriço-cacheiro, queres ir apanhálo?” – D.S. T1;

“(…) e ela às vezes pensava, mais vale roer as unhas do que ir ao passeio (…)” – C.F. T1;

“(…) e o pai disse; onde te meteste?” – C.F. T1;

“(…) disse queres ir apanhar aquele ouriço que está ali.” – S.S. T1;

“(…) a Engracia disse: não é nenhuma porcaria.” – E.M. T2;

“(…) a mãe disse que desparate.” – B.L. T2

“(…) e chamo-lhe Puquéria.-Puquéria Porque Perguntou (…).” – E.M.T2.

Verificámos, ainda, textos onde o discurso directo foi introduzido embora tenha

ocorrido sem a introdução dos verbos introdutores do discurso directo e sem sinais gráficos.

“(…), porqué que a avó se chama assim, ó filha tu és tão chata.” – D.S. T1

“(…) e viu moscas no teto como é que as moscas conseguem andar com as pernas para

cima e corpo para baixo e não caem.” – I.A. T2

Do exposto facilmente se conclui que a indicação do discurso relatado é uma

competência que as crianças ainda não adquiriram. Pudemos observar várias formas de

introduzir a palavra no texto: de forma canónica, i.e., com verbo introdutor de discurso e

todos os sinais gráficos habitualmente associados à introdução do discurso directo, a formas

que se aproximam, mais ou menos, da forma canónica. Assim, verificámos que ao longo das

narrativas o discurso directo foi introduzida com, ou sem, verbo introdutor do discurso com a

utilização de sinais gráficos na demarcação do discurso, ou sem a utilização destes e situações

em que não era introduzido nem verbo, nem sinais gráficos.

Já no que diz respeito aos verbos introdutores de discurso relatado (neste caso

referirmo-nos a DD e discurso indirecto (doravante DI), além dos omnipresentes dizer e

perguntar, as crianças empregaram também outros verbos que não são comuns em textos de

crianças desta idade, por exemplo: pensar, explicar, gritar, lembrar, tal como poderemos

verificar na tabela sumária do verbos introdutores do DD e do DI.

Ver

bos

intr

od

uto

res

do d

iscu

rso

Produções escritas/

Número de ocorrências

T1 T2

Chamar 1 0

Começar 0 2

Decidir 1 0

Dizer 47 39

Explicar 1 1

Gritar 1 0

Lembrar 0 1

Ouvir 0 1

Pedir 0 2

Pensar 4 5

Perguntar 13 18

Participa 0 1

Responder 3 3

Tabela 5 - Tabela sumária dos verbos introdutores do DD e DI, ao longo das reescritas

Ao apurarmos quais os verbos introdutores do DD constatámos que as formas verbais

dizer, pensar e perguntar foram as mais utilizadas, em ambas as turmas. Deste resultado

constatámos que o tempo verbal mais utilizado foi o PPS.

Embora não seja comum, na obra de autor, o uso do PI nos verbos introdutores do DD,

nas reescritas das crianças confrontámo-nos com alguns casos em que este foi utilizado.

7.2 Verbos introdutores do discurso indirecto

Contrariamente ao discurso directo o discurso indirecto, doravante DI, revela um

discurso mais informativo e intelectivo. “O seu uso ressalta o pensamento, a essência

significativa do enunciado reproduzido, deixando em segundo plano as circunstâncias e os

detalhes acessórios que o envolvem.” (Cunha e Cintra, 1996:632-633).

No DI as enunciações estão direccionadas para a fala do relator. A alusão ao discurso

narrativo passa a ser construído segundo um plano onde o relator incorpora o personagem

alterando os componentes referentes à enunciação primitiva. (Duarte, 1994).

Oliveira (2007), defende que no discurso indirecto o “locutor-narrator não conserva a

forma original (palavras, frases) do discurso reproduzido, visto que efectua reformulações,

clarificações, resumos, que envolvem uma interpretação do enunciado primitivo.” (Oliveira,

2007:160)

Já Duarte (1994) afirma que o verbo introdutor do discurso é indispensável pois

conclui o discurso do relator.

“Os verbos de comunicação que introduzem DI, por vezes completados

por notações caracterizadoras da voz que se segue, são o equivalente da

entoação, efeitos da pausa, indicações de mise en scène vocal e

paralinguística presentes na enunciação.” (Duarte, 1994:88)

Por ser um factor usual no discurso narrativo, o uso do discurso indirecto, e por este

ter sido referido em muitas das reescritas, optámos por analisar a frequência do seu uso tanto

na turma 1 como na turma 2.

A análise feita às reescritas levou-nos a concluir que o DI também foi comum, tal

como já fora enunciado, nas reescritas das crianças. O seu uso revelou algum domínio de

determinados conceitos, i.e., quando introduziam o discurso indirecto introduziram, sempre o

verbo, neste caso o PPS.

Devemos, ainda referir que o discurso indirecto foi um discurso explorado nas

reescritas das crianças, mesmo sabendo que na obra de autor o discurso mais usado é o

discurso directo, o que revela por um lado capacidade de reelaboração do texto da autora e por

outro lado algum desenvolvimento sintáctico, já que o DI supõe operações linguísticas de

transformação de formas e referentes complexas.

A título de exemplo:

“Então um dia a Engrácia perguntou à mãe porque é que chamava-se Engrácia.

E a mãe disse que era o nome da sua avó que deus a tem.” – D.A. T2

Tal como verificamos no exemplo anterior a aluna explorou um dos subeventos da

narrativa através do discurso indirecto. Como se pode observar a criança realizou todas as

transformações na frase 1 e na frase 2 não transforma tem.

Verificámos, também, que o discurso indirecto surgiu sempre acompanhado de um

verbo introdutor. Apresentaremos estes resultados a fim de se verificarem os verbos e formas

verbais utilizadas nas reescritas.

Na recolha dos tempos verbais aferimos, no uso do DI, que o tempo verbal empregue,

maioritariamente, no PPS. Outro tempo verbal utilizado na reescrita foi o PI. Este tempo

verbal foi observado em poucas narrativas tendo, somente, sido utilizado em três formas

verbais. Destes salientamos: dizer, perguntar e responder.

O Presente foi, também, usado nas narrativas como verbo introdutor do DI.

8. Conclusão

Com base na análise realizada, concluímos que, no que concerne aos tempos verbais,

os mais utilizados ao longo dos três capítulos, foi o PPS.

No 1º capítulo verificámos uma frequência de 43,8% no uso do PPS. No 2º capítulo

uma frequência de 57,6%, no uso do mesmo tempo verbal. No 3º capítulo o tempo verbal

mais utilizado foi o Imperfeito com uma frequência de 47,3%. O Presente do Indicativo foi

também utilizado 17, 6% no 1º Capítulo, 10,1% no 2º capítulo e 9,9% no 3º capítulo.

No que diz respeito ao Presente Narrativo verificámos que este foi utilizado nas

reescritas, com três funções: encenação discursiva, nos diálogos entre personagens;

vivificação da narrativa, no uso do presente narrativo e no presente para veicular informação

de segundo plano. O contexto em que o presente narrativo foi mais usado foi o episódio da

descrição do sonho. O uso deste tempo verbal veio comprovar, mais uma vez, a importância

da linguagem literária nas reescritas das crianças. Estas aproximaram-se da linguagem da

autora já que esta utilizou o presente narrativo.

Uma observação mais aturada dos modos de relatar o discurso, permitiu concluir que

as crianças se encontram em fases de desenvolvimento desta competência bastante

diversificadas. No que diz respeito ao DD, o verbo introdutor do discurso directo foi

introduzido, nos textos das crianças, de diferentes formas. Pudemos verificá-lo tanto em

narrativas com verbo introdutor do DD e sem sinais gráficos como em narrativas em que

foram introduzidos dois interlocutores e sem qualquer sinal gráfico a marcar a sua fala.

Noutros casos foi assinalado o verbo introdutor do DD e os respectivos sinais gráficos a

formas próximas do cânone.

Concluímos também que o DI foi usado nas narrativas das crianças. Foi notório que

sempre que era introduzido o DI este era acompanhado de um verbo. Embora a autora não

marque a sua narrativa com DI este foi introduzido nos textos de algumas crianças.

Capítulo V

Considerações Finais

Nesta fase da dissertação apresentamos as considerações finais juntamente com as

conclusões que fizemos na investigação que nos propusemos realizar. Descreveremos, antes

da apresentação das conclusões do estudo, os pontos, pelos quais passámos e que

considerámos importantes na conclusão do estudo.

No capítulo I, foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica em torno da aquisição e

desenvolvimento da linguagem, tanto oral como escrita. Concluímos que os primeiros

contactos com a linguagem são relevantes na aprendizagem da criança. Incluímos ainda um

pequeno ponto sobre a importância da literatura infantil no desenvolvimento linguístico da

criança. As aprendizagens da criança quer em termos de linguagem oral, quer em termos de

contacto com o modo escrito tornam-se essenciais em futuras aprendizagens.

No capítulo II, desenvolvemos a temática da leitura e as dificuldades da criança face

ao código escrito. Procurámos, ainda, reflectir sobre a leitura como um suporte à escrita.

No capítulo III, ainda na revisão bibliográfica, explorámos a escrita como factor de

desenvolvimento linguístico das crianças, a influência da literatura infantil no

desenvolvimento da linguagem escrita e o reconto como desencadeador de produções

narrativas.

No capítulo IV, já dentro do estudo empírico, descrevemos e caracterizámos o estudo.

Apresentámos a obra de autor e analisámos a estrutura das narrativas e a linguagem, utilizada

pelas crianças, no reconto da obra de autor.

Por termos observado narrativas ricas em conteúdos linguísticos textuais alargámos o

nosso estudo à análise textual. Nele, verificámos os tempos verbais empregues na reescrita e o

uso do Presente narrativo, tanto na obra como nas narrativas das crianças. Outros pontos

referidos foram os verbos introdutores do discurso directo e os verbos introdutores do

discurso indirecto.

Apoiando-nos nas questões iniciais, de que modo as crianças dão conta, nos seus

textos, da estrutura da narrativa do texto original?; De que modo as crianças se apropriam

de aspectos da linguagem literária e aproximam os seus textos ( construções linguísticas,

frases) do texto fonte?; Em que aspectos se aproximam os recontos das crianças do texto da

autora? definimos objectivos com os quais procurámos dar resposta ao nosso estudo.

Os objectivos delineados configuram-se como suporte à pergunta de partida da

investigação e permitem, indo ao encontro dos desígnios do currículo nacional:

“Experimentar percursos individuais ou em grupo que proporcionem o

prazer da escrita; Praticar a escrita como meio de desenvolver a

compreensão da leitura; Promover a divulgação os escritos como meio

de os enriquecer e de encontrar sentidos para a sua produção; Utilizar a

leitura com finalidades diversas (prazer e divertimento, fonte de

informação, de aprendizagem e enriquecimento da Língua:”21

No tocante às conclusões obtidas, resultaram da interpretação da análise dos dados

recolhidos ao longo da investigação. A observação feita à actividade serviu para observar as

atitudes das crianças face à actividade proposta e para verificar possíveis factores que

pudessem desencadear outro tipo de atitudes adversas à actividade.

Baseando-nos na questão inicial e nos objectivos delineados para a execução do

estudo, sistematizámos as conclusões em torno de três campos que se interligam, a

proximidade estrutural dos recontos com a estrutura da obra de autor, trabalhada em

contexto escolar, a similaridade da linguagem utilizada pelas crianças no reconto com a obra

de autor, tipo de linguagem textual. Deste último ponto salientámos os tempos verbais

21

Departamento da Educação Básica. (2004:137).

utilizados, o Presente Narrativo, os verbos introdutores do discurso directo e os verbos

introdutores do discurso indirecto, usados nas reescritas. São estes os três pontos que

norteiam as nossas conclusões.

Neste sentido apresentá-los-emos bem como as respectivas conclusões respondendo,

de uma forma geral, a cada uma delas.

• Proximidade estrutural dos recontos com a estrutura da obra de autor

Hábitos de leitura introduzidos, desde a tenra idade, proporcionam o prazer de ler

(Sobrino, 2000). Nos primeiros anos de escolaridade deve ser promovido um maior contacto

com a leitura. Nesta fase, os conhecimentos e experiências das crianças são muito diferentes.

A leitura partilhada em sala de aula constitui-se como um património comum que permite o

desenvolvimento das crianças.

O estudo de obras literárias, em contexto escolar, pode fortalecer as aprendizagens nos

diferentes domínios, o domínio da leitura, da compreensão e da (re)escrita de textos. Ler,

ouvir ler e compreender a escrita são factores desencadeadores de novas aprendizagens e de

um maior conhecimento do domínio linguístico. Este facto é relevante sabendo que a sua

aprendizagem é fundamental na programação de Língua Portuguesa.

O estudo da estrutura da narrativa tomou sentido pela necessidade em compreender a

estrutura das reescritas. Para que tal acontecesse a criança teria de ter compreendido e

memorizado os diferentes acontecimentos que compunham a narrativa.

Os resultados obtidos com a análise da estrutura dos recontos das crianças revelam que

o trabalho desenvolvido, em torno do estudo da obra, aumenta as aprendizagens destas. As

crianças tomam conhecimento da estrutura da obra, dos diversos acontecimentos/acções e dos

diferentes personagens que vão entrando e saindo da narrativa. Estes resultados são

consequência do trabalho desenvolvido em torno do estudo da obra literária.

• Similaridade da linguagem utilizada pelas crianças no reconto de uma obra literária com

a obra de autor

A assimilação de novos conteúdos linguísticos, no estudo de obra de autor, dará à

criança a possibilidade de desenvolver, na sua escrita, um novo vocabulário e novas

estruturas. Ao reescrever uma obra de autor a criança tende a enriquecer a sua narrativa com

expressões ou vocábulos que assimilou ao trabalhar a obra seleccionada.

O reconto escrito de obras de autor, tida como uma metodologia de trabalho, visa uma

escrita mais elaborada, mais expressiva. As escritas das crianças tornam-se mais longas, mais

estruturadas levando-as a assimilar não só conceitos linguísticos como estruturas textuais. As

frases passam a ser mais complexas e a estrutura das narrativas torna-se mais diversificada.

Verificou-se, através da análise que muitos vocábulos, palavras como Pulquéria, lura,

esgueirar-se foram reescritos nas narrativas das crianças. Expressões linguísticas, tais como

Maria-perguntadeira, Santa-Graça, cabeça em água, Fim do Mundo, Capoeira propriamente

dita e a capoeira não propriamente dita; História Cruel, torcer o pescoço atrás das costas,

do texto de autor, marcaram as reescritas das crianças tendo proporcionado uma elaboração

textual mais complexa. Da recorrência de expressões textuais, introduzidas nas reescritas,

concluímos que as crianças se encontram muito propensas, com o estudo de obras literárias,

para o desenvolvimento da linguagem escrita.

• Tipo de linguagem textual

As aprendizagens de conteúdos textuais, desenvolvidas ao longo dos quatro anos de

escolaridade inteiram a criança de um saber prático e em constante desenvolvimento. A

prática de exercícios de leitura, em que se promova a leitura com intenções de ajudar as

crianças desenvolve aprendizagens de novos vocábulos, de novas estruturas sintácticas e

textuais. Quanto maior for o contacto e o conhecimento de outros tipos de linguagem escrita

mais susceptível a novas aprendizagens está a criança.

O grupo com o qual nos propusemos desenvolver o estudo, crianças entre os 9 e os 10

anos de idade, elaboraram narrativas mais extensas que o habitual, tal como referido no

trabalho, e com uma estrutura frásica mais complexa. A conclusão retirada do nosso estudo

corrobora Sousa (2008) que refere:

“ As narrativas das crianças de 10 anos são mais longas, mais

contextualizadas, fornecendo mais informação ao interlocutor. Além da

estruturação temporal (…), fornecem informação que explica ou

justifica as acções, integrando-as numa rede de motivações

interpessoais (…)” (p. 16)

Através das narrativas, as crianças procurarão reconstruir as acções partilhando-as com

quem as lê (Sousa, 2008). Motivações intrínsecas no âmbito dos hábitos de leitura revelam

conhecimentos mais estruturados, de compreensão e de uma estruturação linguística e textual

mais complexa.

Tendo textos literários como input habitual e recorrente no seu dia-a-dia a criança

contactará com um nível de língua superior o que acarretará um maior desenvolvimento da

linguagem. Através das aprendizagens feitas, a criança tenderá a construir frases mais

elaboradas.

* Tempos verbais utilizados no reconto escrito

Nas narrativas predominam o Pretérito perfeito (PPS), o Pretérito imperfeito (PI) e o

Presente.

O estudo, revelou que as crianças utilizam narrativas respeitando-os, i.e., as narrativas

foram escritas utilizando, maioritariamente, o PPS, o Pretérito Imperfeito e o Presente.

* O Presente Narrativo

O Presente Narrativo é o tempo verbal comum em obras de teor literário. Este tempo

verbal “(…) corresponde a uma utilização estilística peculiar do presente, no quadro dos

textos narrativos onde se relatam acontecimentos passados.” (Reis, 2002:339). Este presente

não representa uma acção corrente mas sim uma acção que nos remete para vivências

passadas.

Nesta dimensão da escrita verificámos que com o estudo da obra literária as crianças

não só se apropriam de um discurso mais elaborado como também, e como já foi referido,

introduzem termos linguísticos e expressões da obra de autor, alargando o seu repertório de

estratégias discursivas.

As suas narrativas evidenciam o discurso do sujeito, escrito no presente de narração,

vivificando as suas acções. Verificámos que três crianças utilizaram esta estratégia discursiva,

aproximando-se do discurso da autora.

* Os verbos introdutores do discurso directo

Concluímos, após análise das reescritas, que são utilizadas diferentes formas de

introduzir o discurso directo. Verificámos narrativas onde não foi introduzido nenhum verbo

introdutor do DD nem sinais gráficos que o caracterizassem. Deparámo-nos, ainda, com

reescritas em que não se colocava o verbo introdutor, embora as crianças tivessem utilizado

alguns dos sinais gráficos.

Comprovámos, assim, competências diferenciadas na introdução do discurso relatado:

crianças que introduzem falas sem qualquer tipo de sinalização e crianças que introduzem

discurso de forma canónica. Neste caso encontrámos narrativas onde o discurso foi

introduzido, nas narrativas, com um verbo e todos os sinais gráficos associados à introdução

do DD.

Nesta análise verificámos que mesmo não introduzindo sinais gráficos a demarcar o

tipo de discurso, as crianças introduzem as falas de dois interlocutores em co-presença.

Mesmo não utilizando correctamente as marcas gráficas verificou-se no uso do DD, ao longo

das narrativas.

* Verbos introdutores do discurso indirecto

No discurso indirecto o narrador assume a fala do sujeito e sintetiza-a “operando uma

série de conversações a nível dos tempos verbais, da categoria linguística de pessoa e das

locuções adverbiais de tempo e de lugar.” (Reis, 2002:320)

O relato produzido, quando se introduz o DI, é essencialmente informativo. Ao usar

este discurso a criança transforma as suas narrativas em escritas menos espectaculosas.

Como pudemos concluir, neste nosso estudo, o uso dos verbos introdutores do DI foi

diferente em ambas as turmas. A turma 2 utilizou mais vezes este tipo de discurso

contrariamente às narrativas da turma 1, que embora as tenham, utilizado empregaram-no em

menor quantidade.

Ao saber que as metodologias pedagógicas aplicadas no ensino/aprendizagem diferem

de professor para professor, neste estudo ambas as docentes desenvolveram as actividades de

leitura orientadas sob as mesmas directrizes. Houve uma planificação conjunta embora o seu

estudo fosse desenvolvido separadamente. Poderíamos concluir que as metodologias ao serem

diferentes suscitam outras formas de reescrever uma obra de autor. Neste caso, constatámos

que a turma 1 utilizou, de uma forma mais correcta, os componentes do DD, enquanto a turma

2 explorou mais o DI.

Tendo por base a análise da linguagem escrita das crianças e o tipo de linguística

textual utilizada nas reescritas no decorrer da investigação, emergiram algumas questões que

se prendem com uma abordagem mais aprofundada de alguns aspectos, nomeadamente:

• O uso do reconto, escrito, como desencadeador da evolução da linguagem escrita e

da oralidade das crianças, ao longo da escolaridade;

• O impacto deste tipo de actividade na construção autónoma de textos, das crianças.

No domínio da oralidade e linguagem escrita seria relevante, futuramente, desenvolver

um estudo enquadrado nas seguintes questões:

* Analisar recontos escritos, reescritas, a fim de comprovar o desenvolvimento da

linguagem escrita e da oralidade de alunos dos 2ºs, 3ºs e 4ºs anos de escolaridade, quer numa

perspectiva transversal, quer numa perspectiva longitudinal.

* Desenvolver um estudo centrado na evolução da linguagem escrita e da oralidade

das crianças, em formação escolar, com na exploração de obras literárias inseridas na carga

horária diária.

O balanço revelou-se positivo e o desencadeamento de todo o processo, inerente ao

estudo, fez-nos concluir que o acto de ler é fundamental no desenvolvimento da linguagem da

criança. Este estudo foi também um contributo para um enriquecimento pessoal e profissional,

permitindo aprofundar conhecimentos e aplicar novas metodologias benéficas ao

desenvolvimento linguístico, à compreensão do oral e textual e ao melhoramento da

linguagem escrita das crianças. Estas competências são fundamentais para uma melhor

compreensão do escrito e para um maior aperfeiçoamento linguístico.

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ANEXO 1_________________________________________

Reescritas da Turma 1_________________________

ANEXO 2_________________________________________

Reescritas da Turma 2_________________________

ANEXO 3_________________________________________

Tabelas utilizadas na análise da estrutura das narrativas________________

Estrutura do reconto

1º Capítulo 2º Capítulo 3º Capítulo N

om

es

Turm

a 1

Per

gunta

s

Des

enho

Mosc

a

Cam

a

Unhas

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gem

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ço-C

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ção d

os

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a

S.S. X * X - - - X X X X X X X X - -

D.S. X X X X * X X X X - - - - - - -

B.D. X X X X - X X X X - - - - - - -

A.B. X X - X - - - X * X X * * * - -

G.R. * X X - - - - - - - - - - - - -

N.M. * X X X X - X - - - - - - - - -

R.A. X X X X - X X - - - - - - - - -

C.S. X X X X X * X X X X X * X X X X

C.F. X X X X X - X * * X - X X - - X

C.R. X X X - - X X * X - - - X X X -

M.J. X X X X X - X X - X - X - - - X

J.A. X X X X - X X X - X X - X - - X

C.R. X X X X - X X * X X X X - - - -

R.S. X X X X - X X X - X - X X X X -

J.T. X X X X X X X X X X X X X X X -

Quadro 1 – Tabela referente à análise da estrutura do reconto, da turma 1.

Estrutura do reconto

1º Capítulo 2º Capítulo 3º Capítulo N

om

es

Turm

a 1

Per

gunta

s

Des

enho

Mosc

a

Cam

a

Unhas

Via

gem

Ouri

ço-C

ach

eiro

Lag

arti

xa

Port

a

Cham

amen

to d

os

pai

s

Reg

ress

o a

cas

a

His

tóri

a dos

pas

sari

nhos

Mat

ança

dos

pás

saro

s

Rep

etiç

ão d

a

pro

eza

Solu

ção d

os

pro

ble

mas

Des

ejo d

e E

ng

ráci

a

L.R. X X X X X - X X X X X * X X X -

S.H. X X X X - - X X - - - - - - - -

C.M. X X * X X - - - - - - - - - - -

A.S. X X * X - - X X - X - - - - - -

P.S. X X X X - * X X * X - - - - - -

I.A. X X X X - * X X X - - X X - - -

M.C. X X X X - X - - - - - - - - - -

E.M. X X X X - - - - - - - - - - - -

E.A. X X X X X X X X X X X X - - - -

D.M. X X - X - X X X - - - - - - - -

B.L. X X X X - X X X X X X X X X X -

G.F. X X X X - * X X * X X X * - X -

D.A. X X X X - * X X * X * - * X X -

J.S. X X X X - X X X * - - - * X X -

I.T. X X X X - X X X X X X X * X X X

A.P. X X X - X * X X - X - X * X X -

R.M. X - X X - * X X - X X - X X * -

M.B. X - X - - X X - - - - - X X * -

C.B. X X X X - X X X X X X X - X X -

Quadro 2 – Tabela referente à análise da estrutura do reconto, da turma 2.

ANEXO 4_________________________________________

Tabelas utilizadas na análise da linguagem das crianças________________

Linguagem do reconto – 1º Capítulo

Perguntas Desenho Mosca Cama

Aco

rdar

e a

do

rmec

er

Últ

imo

pen

sam

ento

Sonho

No

mes

Tu

rma

1

Per

gun

tas

sob

re

o n

om

e

San

ta G

raça

Mar

ia

Per

gun

tad

eira

Cab

eça

em á

gua

Árv

ore

e a

nim

ais

Cas

a

Per

gun

tas

sob

re

a m

osc

a

Atr

ibu

ição

do

n

om

e

Ban

co

Mes

a

Esca

do

te

Bel

iscõ

es

Saíd

a

Vis

ita

à ci

dad

e

Des

cid

a

Ap

lau

sos

S.S. * * * * - X - X - - - - - - - - - -

D.S. X * - - - X - X - - - - X - X - X X

B.D. - - X X - * - - - - - - X - - - - X

A.B. * * * * - * - * - X X X * - X - - -

G.R. * * * * - X X - - - - - - - - - - -

N.M. * * * * - * - X - X X X X - X - - X

R.A. * * * * X X - X X X - X X X X - - X

C.S. - - - - X X X X X X X X X X X - X X

C.F. X - - - - X - X - X - X - - * - - X

C.R. * * * * - X - X - - - - - - - - - -

M.J. * * * * - * - - - - - - X - - - - -

J.A. * * * * - X X X - * - - - - - - - -

C.R. * * * * - * - X - * - - X - X - - X

R.S. * * * * - X - X - - X - X X X - X X

J.T. - - X - - * - X * - - X - - X - - X

Quadro 3 – Tabela utilizada na análise da linguagem dos recontos da turma 1 (1º capítulo)

Linguagem do reconto – 1º Capítulo

Perguntas Desenho Mosca Cama

Aco

rdar

e a

do

rmec

er

Últ

imo

pen

sam

ento

Sonho

No

mes

Tu

rma

2

Per

gun

tas

sob

re

o n

om

e

San

ta G

raça

Mar

ia

Per

gun

tad

eira

Cab

eça

em á

gua

Árv

ore

e a

nim

ais

Cas

a

Per

gun

tas

sob

re

a m

osc

a

Atr

ibu

ição

do

n

om

e

Ban

co

Mes

a

Esca

do

te

Bel

iscõ

es

Saíd

a

Vis

ita

à ci

dad

e

Des

cid

a

Ap

lau

sos

L.R. * * * * - X - X - X X X X - X X X X

S.H. * * * * - X X X - X X X X - - - - -

C.M. - - X - - X - - X - X X X - X - - X

A.S. - - X - - X - - - X X - X - - - - -

P.S. - - X - - * X X - X X X X - - - - X

I.A. * * * * - * - * X X X X - X X - X X

M.C. X * - - X X X X - X X X - - - - - -

E.M. X - - - - X X X X X X X - - - - - -

E.A. X * * - - X - X X X X X X X * - X X

D.M. X - * - - * - - X X X X - - - - - X

B.L. - - * - - * X X - X - X - - X - - X

G.F. X - * - - * - X - * - - - - - - - -

D.A. X - * - * X X X X X X X - - - X - X

J.S. - - * - - * X X - - - - - - - - - X

I.T. - - * - - * - X - X X X - - * - X X

A.P. - - * - - * X X - - - - - - - - - -

R.M. - X * - - - - X * X X X - - - X - X

M.B. - - * - - * - X - - - - - - - - - -

C.B. - - X - - * - X * X X X X X - - X X

Quadro 4 - Tabela utilizada na análise da linguagem dos recontos da turma 2 (1º capítulo)

Linguagem do reconto – 2º Capítulo

Unhas Viagem Ouriço-Cacheiro Lagartixa Porta

Cham

amen

to d

os

pai

s

Regresso

Nom

es

Turm

a 1

Roer

Conse

quên

cias

Auto

móvel

Can

tiga

Hori

zonte

O p

ai

Can

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Am

uo

Cam

inho

Piq

uen

ique

Fuga

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cia

Pro

cura

Lura

Port

a

Tra

nsp

aren

te

Diá

logo

3 v

olt

as

Entr

ada

Cas

a da

lagar

tixa

Quin

tal

Est

rada

cort

ada

Fim

do M

undo

S.S. - - - * - - - - - * - X X X X X X X X - X - X

D.S. * - X - - - - - X * X X X - - X - X - X - - -

B.D. - - X X X - - - X X X X X - X - X - - - - - -

A.B. - - - - - - * - - - * * - * X - X X * - X - X

G.R. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

N.M. - X - - - - - - X * - - - - - - - - - - - - -

R.A. - - X X X X - - X X X X X - - - - - - - - - -

C.S. X X - - - - - - X X X X X X X X X X X - X - X

C.F. X X - - - - - - X X X X X - - X - X X - X - -

C.R. - - X X - X X - X X X X X - X X X X X X - - -

M.J. X X - - - - - - X X X X X X - * X X - - X - X

J.A. - - X X - X X X X X X X * X X X X - X - X - X

C.R. - - X X - - - - X X * X - * X - - X X X X * -

R.S. - - X X - - - - X X X X X - X X - X - X X - -

J.T. * X - X X - - - X X X X X - X X X X X X X - -

Quadro 5 – Tabela utilizada na análise da linguagem dos recontos da turma 1 (2º capítulo)

Linguagem do reconto – 2º Capítulo

Unhas Viagem Ouriço-Cacheiro Lagartixa Porta

Cham

amen

to d

os

pai

s

Regresso

Nom

es

Turm

a 2

Roer

Conse

quên

cias

Auto

móvel

Can

tiga

Hori

zonte

O p

ai

Can

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Am

uo

Cam

inho

Piq

uen

ique

Fuga

Engrá

cia

Pro

cura

Lura

Port

a

Tra

nsp

aren

te

Diá

logo

3 v

olt

as

Entr

ada

Cas

a da

lagar

tixa

Quin

tal

Est

rada

cort

ada

Fim

do M

undo

L.R. * X - X - - - - X - X X X - X * - X X - X * -

S.H. - - - - - - - - - * X X * * - * - - - - - - -

C.M. X X - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

A.S. - - - - - - - - - * X X X - X - - - - - X - -

P.S. - - - X - - - - X X X X X * - - - - X X X - -

I.A. - - - - - - - - * X X X X - X - - - X X - - -

M.C. - - X X X - - - - - - - - - - - - - - - - - -

E.M. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

E.A. X X X - X X - - * X X X X - X X X - X - X X -

D.M. - - - X X - - - X X X X X - X X - - - - - - -

B.L. - - X X - - - - * X X X X - X X X X X X X * X

G.F. - - - - - - - - * - X X X - X X - X - - X * X

D.A. - - X - - - - - X X X X X * * X - X X - X - -

J.S. - - X X - - - - * * X X X - X X - X - - * - -

I.T. - - - X - - - - * * X X X - X * X - X - X X -

A.P. X X - - - - - - X X X X X - X X - - - - X - -

R.M. - - - - - - - - X * X X * - X * - - - - X X -

M.B. - - X - - - - - * X - - - - - - - - - - - - -

C.B. - - X - - - - - * * X X * - X * X X X X X * X

Quadro 6 - Tabela utilizada na análise da linguagem dos recontos da turma 2 (2º capítulo)

Quadro 7 – Tabela utilizada na análise da linguagem dos recontos da turma 1 (3º capítulo)

Linguagem do reconto – 3º Capítulo

Nom

es

Turm

a 1

Aniv

ersá

rio

Capoeiras Matança Repetição da

proeza

Solu

ção d

os

pro

ble

mas

dos

par

dai

s

Des

ejo d

e E

ng

ráci

a

Hab

itad

a

Des

abit

ada

Des

nort

e dos

pás

saro

s

Quan

tidad

e

de

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es

Torc

er o

pes

coço

atr

ás

das

cost

as

À f

rente

das

cost

as

Sen

sibil

izaç

ã

o p

ara

a

situ

ação

S.S. - X X X - X - - - -

D.S. - - - - - - - - - -

B.D. - - - - - - - - - -

A.B. - - - - - - - - - -

G.R. - - - - - - - - - -

N.M. - - - - - - - - - -

R.A. - - - - - - - - - -

C.S. * - X - - X X X X -

C.F. X X X - - X X X - X

C.R. * - - - X * * X X -

M.J. - X * - - X - - - X

J.A. - - - - - X X X - X

C.R. - X X X - - - X - -

R.S. * X X X - X X X X -

J.T. X X X - - X X X X -

Quadro 8 - Tabela utilizada na análise da linguagem dos recontos da turma 2 (3º capítulo)

Linguagem do reconto – 3º Capítulo

Nom

es

Turm

a 2

Aniv

ersá

rio

Capoeiras Matança Repetição da

proeza

Solu

ção d

os

pro

ble

mas

dos

par

dai

s

Des

ejo d

e

Engrá

cia

Hab

itad

a

Des

abit

ada

Des

nort

e

dos

pás

saro

s

Quan

tidad

e

de

vez

es

Torc

er o

pes

coço

atrá

s das

cost

as

À f

rente

das

cost

as

Sen

sibil

izaç

ão p

ara

a

situ

ação

L.R. X - - - - X X - X -

S.H. - - - - - - - - - -

C.M. - - - - - - - - - -

A.S. - - - - - - - - - -

P.S. - - - - - - - - - -

I.A. X X X - - X - - - -

M.C. - -- - - - - - - - -

E.M. - - - - - - - - - -

E.A. X X X - - - - - - -

D.M. - - - - - - - - - -

B.L. X X X * X X X X X -

G.F. X X X - - * - X X -

D.A. X - - - - - X X X -

J.S. X - - - - * X X X -

I.T. X X X - - * X X X X

A.P. X X X - - X X - X -

R.M. * - - - - X X * X -

M.B. X - - - - * X X - -

C.B. X X X - - X X X X -

ANEXO 5_________________________________________

Despacho nº 19575/2006__________________________________

ANEXO 6_________________________________________

Decreto-Lei 319/91______________________________