fichamento berger e luckmann a construção social da realidade

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BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: um livro sobre a sociologia do conhecimento. 2ed. Dinalivro: Lisboa, 2004. A sociedade é um produto humano. A sociedade é uma realidade objetiva. O homem é um produto social. A sociedade é, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva, de modo que sua operacionalização acontece a partir de três processos: exteriorização, objetivação e interiorização. A discussão de que a realidade (o real, que funciona além de nossa vontade) e o conhecimenho (aquilo que é tido como certo) é relativo de sociedade para sociedade, contexto para contexto. “O que é ‘real’ para um monge tibetano pode não ser ‘real’ para um homem de negócios americano. O ‘conhecimento’ do criminoso é diferente do ‘conhecimento’ do criminalista. Segue-se que aglomerações específicas de ‘realidade’ e de ‘conhecimento’ se referem a contextos sociais específicos e que estas relações terão de ser incluídas numa análise sociológica correta desses contextos” (p. 15) uma "sociologia do conhecimento" lent de tratar nao apenas da variedadc empirica do "conhecimento", nas sociedades humanas, mas tambem dos processos pelos quais qualquer corpo de "conhecimento" se estabelccc como "realidade" social.” (p. 15) esse conceito difere do conceito original da disciplina. O conhecimento não é constituído apenas no campo ideias. Poucas pessoas são dispostas a dedica-se apenas a teorização. A .~ociologia do conhecimenlo deve ocupar-se de tudo aquilo que e considerado ··conhecimento·· na sociedade. Mal sc acaba de afirmar isto e logo se comprccnde que a focagern n~ historia intelectual c uma rna escolha. ou ~ .

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Fichamento da obra A construção social da realidade de Berger e Luckmann

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Page 1: Fichamento Berger e Luckmann A construção social da realidade

BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: um livro sobre a sociologia do conhecimento. 2ed. Dinalivro: Lisboa, 2004.

A sociedade é um produto humano. A sociedade é uma realidade objetiva. O homem é um produto social.

A sociedade é, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva, de modo que sua operacionalização acontece a partir de três processos: exteriorização, objetivação e interiorização.

A discussão de que a realidade (o real, que funciona além de nossa vontade) e o conhecimenho (aquilo que é tido como certo) é relativo de sociedade para sociedade, contexto para contexto.

“O que é ‘real’ para um monge tibetano pode não ser ‘real’ para um homem de negócios americano. O ‘conhecimento’ do criminoso é diferente do ‘conhecimento’ do criminalista. Segue-se que aglomerações específicas de ‘realidade’ e de ‘conhecimento’ se referem a contextos sociais específicos e que estas relações terão de ser incluídas numa análise sociológica correta desses contextos” (p. 15)

“uma "sociologiado conhecimento" lent de tratar nao apenas da variedadc empirica do"conhecimento", nas sociedades humanas, mas tambem dos processos pelosquais qualquer corpo de "conhecimento" se estabelccc como "realidade"

social.” (p. 15)

esse conceito difere do conceito original da disciplina.

O conhecimento não é constituído apenas no campo ideias. Poucas pessoas são dispostas a dedica-se apenas a teorização.

“A .~ociologia do conhecimenlo deve ocupar-se de tudo aquilo que e considerado··conhecimento·· na sociedade. Mal sc acaba de afirmar isto e logo

se comprccnde que a focagern n~ historia intelectual c uma rna escolha. ou ~ .

antes, e mal escolhida quando se tnma o foco central da sociologia do conhecimento.

0 pensamentote6rico, as·'ideias··. Weltanschmnmgen. nao saoassimlilo importantes na sociedade. Em bora todas as sociedadcs contenham estes

fen6mcnos, eles sao apenas uma parte da soma total daquilo que e coosiderado"conhecimento•·. Ern qualquer scciedadc, apenas urn grupo muilo limitadode pessoas se dedica a teorizar, a ocupar-sc de " ideias•· e a construirWeltanschouungcn. Mas todos nasocicdade pat1icipam. de uma maneira oude outra, do sen " conhecimento". Dito de outra mltneira, s6 muito poucaspcssoas se preoGupam com a interpreta9ii0 te6rica do mundo, mas todas vivcrn

em algurn tipo de mundo. Niio s6 a concentrar;ilo no pensruncnto teorico e,scm justifica~iio, rcstritiva da sociologia do conhecimento, ela e tambeminsatisfat6ria porquanto ncm esta parte do ·'conhecimento", disponivel emtermos sociais, podeni ser compreendida na sua plenitude se nao for enquadrada

numa analise rna is geral do "conhecimento ... ( p. 26)

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o conhecimento não é só teórico, mas também prático, de senso comum, cotidiano global e pertencente a todos os indivíduos. A sociologia do conhecimento deve, então, preocupar-se com a construção social da realidade a partir das diversas formas de conhecimento existentes.

Berger e Luckmann assumem os pressupostos de Durkheim, de que os fatos sociais são coisas (possuem uma natureza objetiva), e Weber, que pressupõe um caráter subjetivo na ação humana. Assim procuram responder ao questionamento: como é possível que significados subjetivos se tornem factualidades objetivas? Em outras palavras, como a atividade humana (subjetiva) produz um mundo de coisas factuais?

A resposta a esses questionamentos encontra-se no processo de construção social da realidade.

Os alicerces do conhecimento na vida cotidiana.

A realidade da vida cotidiana

Vivemos em várias realidades percedidas pela consciência. A realidade cotidiana, contudo, é predominante.

“Apreendo a realidade da vida diaria como uma realidade ordenada. Os seus fcn6mcnos ja seen con tram dispostos em pad roes que pareccm ser independcntcs da apreensao que deles fa9o e it qual se impocm. A realidade da vida quotidiana apareceja objectivada, isto e, constituida por uma ordem de objectos que ja tinham sido designados como objectos antes da minha entrada em cena. A linguagcm usada na vida quotidiana fomece-me, de forma continua, as necessarias objectivacoes e determina a orderm em que estas adquirem sentido e na qual a vida quotidiana ganha significado para mim” (p. 33-34).

A linguagem é o que objetifica a realidade.

Essa realidade cotidiana é percebida através do tempo e do espaço. Contudo, é intersubjetiva (formada por processos e significados subjetivos que são objetificados), ou seja, partilhada junto com outros sujeitos. Tal caráter é o que diferencia essa realidade de outras realidades.

Por ser uma realidade compartilhada, intersubjetiva, há a existência de um senso comum, aquele partilhado com os outros “nas rotinas normais, auto-evidentes na vida cotidiana” (p. 35)

A vida cotidiana é dividida em setores que são aprendidos e outros que são apresentados como problemas, situações em que o indivíduo necessita ir além do seu arcabouço para aprender algo, como áreas delimitadas de significado. Muitas vezes uma situação problema pode levar a uma mudança de realidade do fenômeno, exigindo que ocorra uma transição da realidade dominante (cotidiana) para outro espaço.

A vida cotidiana também está inserida em uma estrutura espaço-temporal. Minhas ações cotidianas são constrangidas por estruturas temporais, de modo que devo obedecer a uma ordem de prioridades e convenções temporais. Essa ideia também posiciona a vida cotidiana em um espaço, de modo que seus processos e significados compartilhados possam mudar.

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A interação social na vida cotidiana

A realidade da vida cotidiana é partilhada com outros.

A partir da relação “frente a frente” e com base em esquemas tipificadores, aprendemos com e sobre outras pessoas.Consido formular um padrão comportamental da pessoa a partir de tificações. Todas essas relações são recíprocas.

Quanto mais próxima o caráter da relação, mais fidedignos são os tipos que estarei montando em minha consciência.

A linguagem e o conhecimento na vida cotidiana

As atitudes subjetivas geram objetivações nas relações frente a frente ou outros tipos de relações. De tal forma que ocorre a intersubjetividade.

Objetos materiais podem representar intenções subjetivas dos sujeitos através de um processo de objetivação de uma manifestação subjetiva. (Uma arma pode representar a intenção subjetiva de alguém, ao mesmo tempo em que só faz sentido se eu conseguir distinguir tal relação, tomar consciência daquela manifestação).

A realidade da vida humana não é apenas preenchia por objetivações, ela só é possível de ser real através destes processos. Os objetos proclamam as “intenções subjetivas” de outros sujeitos existentes na realidade. A consciência do que tais objetos estão a proclamar, contudo, pode variar de acordo com o conhecimento do sujeito sobre o objeto ou as intenções subjetivas arraigadas nele.

Entretanto, há de se discutir o uso instrumental e o uso simbólico de tais objetivações. É possível que uma arma represente um objeto para caça de algum animal ao mesmo tempo em que simbolize uma ameaça a alguma pessoa.

“Os sinais agrupam-se num certo numero de sistemas. Assim, ha sistemas de sinais gesticulut6rios. de movimentos corporais padronizados, de varios conjuntos de artefatos materiais, etc. Os sinais e os sistemas de sinais sao objectivaçoes. no scntido de serem de modo objective acessiveis para alem da expressao de intenções subjectivas "aqui e agora". Este "dcsligameto" das expressoes imediatas da subjectividade tambem se aplica aos sinais que requerem a presen~a intermcdiante do corpo. Assim, executar uma dança que signifique intençao agressiva é algo muito diferente de gritar ou cerrar os punhos num aecsso de cólera. Estes ultimos atos exprimem a minha subjcctividade •·aqui e agora··. enquanto o primeiro pode estar muito afastado dcssa subjectividade: posso nem estar :zangado ou agressivo nesse momenta, mas apenas a tomar parte na dança, porque me pagam para fazer de conta de alguem que esta cncolerizado” (p. 47-48).

Os sinais podem se desprender do indivíduo que está o expressando.

A linguagem é o sistema de sinais mais importante da sociedade humana.

“As objectivacoes comuns da vida quotidiana sao mantidas de modo predominante pela significaçao linguistica. A vida do dia a dia é sobretudo vida com a linguagem c por meio da linguagem que partilho com os meus semelhantes. A compreensao da linguagem é, por isso, essencial para a compreensao da realidade cotidiana” (p. 48).

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A independentiza~o da linguagemconsiste muito mais na sua capacidade de comunicar significados

que nao sao expressiio directa de subjectividades ··aqui e agora".

“A linguagem é capaz de se tornar o repositório objetivo de vastas acumulações de significados e experiências que se podem preservar no tempo e transmitir às gerações seguintes” (p. 48-49).

A linguagem tem a capacidade de objetivar inclusive outras realidades. Na verdade, a linguagem é o meio através do qual diferentes realidades podem interagir e imagens subjetivas podem ser objetivadas.

“A linguagem tambem tipifica as cxperiencias, permitindo-me agrupa-las em catcgorias amplas, em termos das quais fazem sentido neo apenas para mim mas tambem para os meus scmelhantes” (p. 50)

Sistemas simbólicos são significados através de linguagens simbólicas (religião, Estado, arte, ciência). É importante ressaltar que o ser humano vive cercado de sinais e símbolos, objetivados pela linguagem.

“A linguagem constroi campos semanticos ou zonas circunscritas de significação linguistica. O vocabulário, a gramatica e a sintaxe estão articuladas para a organização desses campos semanticos. Assim, a linguagem constr6i esquemas de classificação para difcrcnciar os objectos por "'genero" (que nada tern a ver com o sexo) ou em número; formas para fazcr enunciados de ação por oposiçao a enunciados de ser; modos para indicar graus de intimidade social, etc” (p. 52).

O uso da linguagem e do conhecimento é pragmático, Geralmente o utilizamos para desempenhar ações que serão úteis para nós no “aqui e agora”. Contudo, existe uma reserva de conhecimentos necessários para ações futuras, embora esse conhecimento normalmente seja razo e impreciso quando se trata de alguma realidade pouco usual para mim.

Os autores afirmam que não é possível que uma pessoa detenha o conhecimento pleno de tudo.

“O mcu conhecimento da vida quotidiana cstrutura-se em termos de conveniencias. Os mcus interesses pragmaticos imcdiatos determinam algumas destas, enquanto outras sao dctcrminadas pela minha situaçao geral na sociedade. Para mim é coisa que nao tem importancia saber como a minha mulher se arranja para cozinhar o meu cnsopado prefcrido, enquanto este for fcito da maneira que me agrada. E irrclevante para mim que as ações de uma companhia estcjam a cair sc nao tenho papcis desses, ou que os cat6licos estejam a modemizar a sua doutrina se sou ateu, ou que scja agora possivel voar sem escala ate Africa se nao qucro lá ir. Contudo, as minha. estruturas de conveniencia cruzam-sc com as estruturas de coovcnicncias dos outros, em muitos pontos c, como rcsultado, temos coisas "interessamcs" a dizer uns aos outros. Um elemento importantc do meu conhecimento da vida quot idiana é o reconhecimento das estruturas com relevdncia para os outros” (p. 56).

A sociedade como realidade objetiva

Page 5: Fichamento Berger e Luckmann A construção social da realidade

Institucionalização

a) Organismo e atividade

Conforme os autores, “o processo de tornar-se homem efetua-se na relação com o ambiente” (p. 60) que é ao mesmo tempo natural e social. A sobrevivência da criança depende de certos dispositivos sociais, assim como seu desenvolvimento orgânico é guiado pela sociedade.

A natureza humana é determinada por suas formações socioculturais. Os comportamentos humanos não obedecem padrões de normalidade gerais. Estes são relativos às estruturas sociais e culturais nas quais o sujeito ou coletividade estão inseridos.

Da mesma forma, a formação do eu, ou a identidade, do homem sofre influências do ambiente sociocultural. Assim, não é possível entender as identidades dos sujeitos fora dos contextos.

Na sua experiência humana, o homem é um corpo (assim como qualquer animal) e tem um corpo, se reconhece como tal e exterioriza, através do corpo seus significados subjetivos.

E por serem sujeitos sociais, os homens coletivamente “produzem um ambiente humano, com a totalidade das suas formações socioculturais e psicológicas” (p. 63).

Tal ambiente torna-se socializável a partir da ordem social, que é uma construção estritamente humana, ou uma progressiva produção do homem devida ao impulso de exteriorização dos sujeitos. Essa ordem social é possível devido ao fenômeno da institucionalização.

b) As origens da institucionalização

A ação humana está sujeita à habituação. “Qualquer ação repetida com frequencia, acaba por se moldar num padrao que pode dcpois ser reproduzido com economia de esforço e que, ipsu facto, é apreendido pelo executante como esse padrão” (p. 64-65).

A habituação facilita a vida social e poupa esforço psicológico. “O pano de fundo da atividade tornada hábito dá origem a um primeiro plano de deliberação e inovação”. Tais processos de habituação precedem qualquer institucionalização, uma vez que esta última depende da ação coletiva e os primeiros podem ocorrer inclusive entre indivíduos solitários.

“A institucionalização ocorrc scrnpre que há uma tipilicação reciproca, por tipos de actores, de ações tornadas hábito. Dito de maneira diferente, quulquer uma dessas tipificações é uma instituiçao. O que deve ser sublinhado é a reciprocidade das tipificações institucionais e o caráter tipico nao apenas das ações mas também dos actores nas instituições. As tipilicações das ações tornadas habito, que constituem as instituições, são sempre partilhadas. Elas ficam disponíveis para todos os membros do grupo social em questão, e a própria instituição tipifica os actores individuais assim como as ações individuais. A instituição pressupõe que ações do tipo X serao executadas por actores do tipo X” (p. 66).

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As instituições implicam historicidade e controle. Tais tipificações recíprocas não podem ser criadas de repente. As instituições são sempre produtos históricos.

“As instituições, pelo simples fato de existirem, também controlam a conduta humana, estabelecendo padrões de conduta preestabelecidos, que a canalizam numa direção por antítese às muitas outras direções possíveis em teoria” (p. 66).

Esse caráter controlador das instituições leva ao sistema de controle social, que são constituídos por mecanismos de sanções estabelecidas em apoio a alguma instituição.

“Dizer que um segmento da atividade humana foi institucionalizado já é dizer que ele foi submetido ao controle social” (p. 67).

Essa institucionalização só é possível quando há a presença de uma tipologia de atores, diferente da presença de apenas dois indivíduos se relacionando através de tipificações recíprocas.

Quando uma relação de tipificação recíproca e habitual passa a envolver terceiros, esta se institucionaliza e adquire um caráter histórico e objetivo, passando a possuir uma realidade própria, que enfrenta o indivíduo, a partir de relações coercitivas. Um único indivíduo não consegue superar uma instituição que não seja incipiente. “O ‘lá vamos nós outra vez’ torna-se agora em ‘é assim que isto se faz’” (p. 70).

A partir das instituições, que são objetivadas na realidade cotidiana (tanto quanto fenômenos objetivos naturais), as formações sociais são possíveis de serem transmitidas para gerações futuras, promovendo uma ordem social.

Contudo, não se deve esquecer que o caráter objetivo das instituições e do mundo social são construções humanas, não assumindo um estatuto ontológico próprio, externo à ação humana. A exteriorização de significados subjetivos e a objetivação desses é um processo dialético, contínuo.

Através da socialização, o homem é constrangido pelas instituições do mundo social, de caráter objetivo, e passa a internaliza-las. Esse processo é sobretudo presente através da socialização de uma geração futura por outra do presente.

As instituições precisam, também, de legitimação, ou seja, meios pelos quais podem ser explicadas e justificadas. Esses processos de legitimação geram uma ordem social, a partir de instrumentos normativos e coercitivos. A socialização leva à aceitação de uma ordem social mediante sanções.

Uma ordem institucional (um conjunto de instituições) pode constituir um corpo de conhecimento objetivo que os indivíduos podem observar a fim de internaliza-lo e entender o funcionamento de certos fenômenos. Essa é uma explicação para a existência do conhecimento científico e da experimentação empírica.

Um corpo de conhecimento pode ser transmitido para uma geração futura, que no processo de socialização é aprendido como uma realidade objetiva, se interiorizando como uma realidade subjetiva. Tal realidade subjetiva, por sua vez, tem o poder de moldar o indivíduo.

c) Sedimentação e tradição

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“Apenas uma pequena parte do total da experiência humana é retida na consciência” (p. 78). Das experiências retidas, estas são sedimentadas na memódia dos indivíduos e são reconhecíveis e recordáveis. Da mesma forma, existem certas experiências que são sedimentadas intersubjetivamente, como o caso de memórias que representem um grupo de atores, um patrimônio comum de conhecimento.

As experiências intersubjetivas tornam-se transmissíveis através de um conjunto de sinais, ou uma linguagem, que objetiva-as. Experiências intersubjetivas, quando são objetivadas pela linguagem tornam-se significativas inclusive para aqueles que nunca a viveram.

“A linguagcm torna-se o reposit6rio de um grande agregado de sedimentações colectivas que podem ser adquiridas de modo monotético, isto é, como totalidades coesas e sem rcconstruir os seus processos originais de formação” (p. 80).

“Os significados objetivados da atividade institucional são concebidos como ‘conhecimento’ e transmitidos como tal. Uma parte deste ‘conhecimento’ é considerado relevanta para todos, outra só para certos tipos” (p. 81).

A transmissão de significados institucionais implica no uso de procedimentos de controle e legitimação.

d) Papéis

“Conforme vimos, as origens de qualquer ordem institucional assentam na tipificação dos desempenhos do proprio e dos outros. lsto implica que o primciro partilha com os outros objectivos especificos e fases entrelaçadas de desempcnho em que, mais ainda, são tipificadas não apcnas ações especificas mas tambem formas de ação. lsto é, haverá o reconhccimento não apenas de que um dcterminado actor executa uma acão do tipo X, mas da ação do tipo X como sendo executável por qualquer actor a quem possa ser imputada, com plausibilidade, a estrutura de relevancia em questão” (p. 82).

“A tipificação das formas de ação exige que estas tenham um sentido objetivo, o que por sua vez requer uma objetivação linguistica”.

Um segmento da propria personalidade é objetivado em termos de tipificações sociais válidas. Tal segmento pode ser entendido como o “eu social”.

Um ator social pode ter papéis em diferentes contextos. É possível que ele exerça alguma função ou tenha alguma reação a depender do tipo de situação objetivada e dos padrões de conduta praticáveis de modo objetivo. “Os papeis são tipos de atores num tal contexto” (p. 84).

“As institui9oes incorporm1-sc na ~xpericncia do indivlduo atrav~s dos papei~. Estes, objec-tivados em tennos linguisticos, sao um ingredtentcessenc1al do mundo objective disponivel em qualquer sociedade.Ao desernpcnhar papeis, o individuo participa de um mundo social. Aointeriorizar esscs papeis. o mesmo mundo toma-sc real para clc de modn

subjectivo.” (p. 84)

Page 8: Fichamento Berger e Luckmann A construção social da realidade

Toda conduta institucionalizada envolve papéis, que são instrumentos de controle da institucionalização. Tais papéis representam a ordem insticional, garantem que os padrões objetivos da instituição sejam feitos válidos.

A instituição é como um roteiro para uma peça, contudo a execução de tal peça só é possível mediante a presença de atores que desempenham papéis,

Os papéis podem se rrepresentados pelas profissões ou ocupações. Tais papéis podem atuar, também, como “mediadores de setores específicos do patrimônio comum do conhecimento” (p. 86). Quem desempenha um papel possui conhecimento sobre aquela instituição.

A existência de papéis implica em uma distribuição social do conhecimento. De tal modo, a existência de papéis em uma sociedade representa a especificação de tarefas e a diferenciação pelo conhecimento.

“pode-se dizer que, por urn lado, a ordem institucional e real apenas

na medfda em que e rcalizada em papeis desempenhados c que, por outro.

os papeis sao representacivos de uma ordem instituc ionnl que define o seucaracter (incluindo os respectivos adicionais de conhecimentos) e da qual

derivam o seu sentido objcccivo.” (p. 89)

e) Âmbito e modos de institucionalização

Algumas sociedades possuem maior ou menor grau de institucionalização.

Partindo de exemplos extremos, uma sociedade totalmente institucionalizada seria aquela em que todos os problemas são comuns, todas as soluções para esses problemas são objetivadas em termos sociais, de modo que todas as ações sociais são institucionalizadas. Nessa sociedade, não haveria distribuição social do conhecimento em papéis específicos e todos os hábitos seriam rígidos e complextos

Os autores explicam a existência da complexidade institucional e como os sujeitos lidam com esse fenômeno.

Por fim, Berger e Luckmann discutem o fenômeno da reificação, ou a significação das instituições ou da realidade social como fenômenos naturais, desvinculados da produção humana e tidos como certos. É possível que exista a reificação de instituições e de papéis desempenhados pelos diversos atores. Tal consideração está presenta nas visões religiosas ou mesmo científicas (apoiadas em outros paradigmas) da realidade.

Legitimação

a) As origens dos universos simbólicos

“A legitimação, enquanto processo, é mais bem definida como uma objetivação de significado de ‘segunda ordem’” (p. 101).

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“A função da legitimação consiste em tornar acessível de maneira objetiva, e plausível de modo subjetivo, as objetivações de ‘primeira ordem’ que foram insticionalizadas” (p. 101).

A legitimação também possui o propósito de “integrar” os indivíduos em sociedade. Tal integração está relacionada à questão de plausibilidade subjetiva. Esta é entendida como o “reconhecimento subjetivo de um sentido global ‘por detrás’ dos motivos do indivíduo e dos seus semelhantes, predominantes no que se refere à situação, mas apenas em parte institucionalizados”.

A legitimação torna as instituições plausíveis.

O processo de legitimação torna-se necessário na segunda fase de um instituição, ou seja, no momento da transmissão de uma instituição para outras gerações. Assim, a legitimação “[...]’explica’ a ordem institucional atribuindo validade cognitiva aos seus significados objectivados. A legitimaçao justifica a ordem institucional dando dignidade normativa aos seus imperativos praticos. É importante compreender que a legitimação tcm um elemento cognitivo bem como um elemento normativo” (p. 102).

Esse processo “não apenas diz ao indivíduo por que deve realizar uma ação e não outra; diz-lhe também porque é que coisas são o que são” (p. 103).

Existem quatro níveis de legitimação, todas baseadas na utilização da linguagem para o alcance de seus fins. O primeiro nível, ou “legitimação incipiente” é um processo pré-teórico que transmite um sistema de objetivações linguisticas da experiência humana, são explicações fundamentais da conduta humana, tais como pronomes de tratamento, adjetivos, etc. O segundo nível trata de proposições teóricas rudimentares, tais como provérbios, canções, histórias, casos, etc. referindo-se a ações concretas e pragmáticas. O terceiro nível, em sequencia, trata-se de uma teorização explícia específica acerca de um determinado setor institucional organizada em um corpo de conhecimento diferenciado. “Estas legitimações proporcionam quadros de referência bastante detalhados para os respectivos sectores de conduta institucionalizada” (p. 104). “Por outras palavras, com o desenvolvimento de tcorias legitimadoras especializadas e a sua transmissão por legitimadores profissionais, a legitimação começa a ir alem da aplicaçao pragmatica e a tornar-se ''teoria pura”” (p. 104). Por fim, o quarto nível de legitimação refere-se aos universos simbólicos.

Os universos simbólicos “são corpos de tradição teórica que integram diferentes áreas de significação e abrangem a ordem institucional numa totalidade simbólica” (p. 104). O termo simbólico aqui se refere a “processos de significação que se referem a realidades diferentes das que pertencem à experiências da vida cotidiana” (p. 104). É literalmente a universalização de certo setor institucional. “A legitimação realiza-se agora por meio de totalidades simbólicas que não podem em absoluto ser vivenciadas na vida cotidiana, exceto, claro, na medida em que é possível falar de ‘experiência teórica’” (p. 105). É a matriz de todos os significados com objetivação social, e reais no nível subjetivo. Toda a sociedade e biografias individuais estão inseridas dentro desse universo, incluindo realidades foras da vida cotidiana, como os sonhos, por exemplo. Religiões ou a razão pura são formas de universos simbólicos, que tudo explicam.

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Tal como os processos de objetivação, sedimentação e acumulação de conhecimento, a cristalização de um universo simbólico é uma construção social com história.

Esses universos operam no sentido de legitimar a biografia individual e a ordem institucional a partir de integrações de caráter nômico (que resulta de uma lei) e ordenador. Uma vez cristalizado, um universo simbólico “põe cada coisa em seu lugar” na experiência humana, sendo a legitimação final da ordem institucional. Nesse sentido, são estabelecidos os papéis, prioridades e procedimentos operacionais como legitimados. As realidades marginais (sonhos, visões, etc) são integradas à realidade cotidiana. Todos os conceitos produzidos pelo homem estão relacionados a algum universo simbólico. Da mesma forma, esse universo “liga os homens aos seus antecessores e sucessores numa totalidade dotada de sentido” (p. 111). Ele gera o sentimento de pertencimento a algum universo já constituído (embora construído) compartilhado coletivamente.

O universo simbólico também gera influências na vida biográfica dos indivíduos, bem como em suas identidades. “Pela própria natureza da socialização, a identidade subjetiva é uma entidade precária. Está dependente das re,ações individuais com os outros significativos, que podem mudar ou desaparecer” (p. 109). Os universos proporcionam meios legítimos de se “viver corretamente” em sociedade.

VOLTAR EM DEFINIÇÃO COMPLETA PRESENTE NA PÁGINA 112.

A experiência humana é baseada na exteriorização. “O homem, ao exteriorizar-se, constrói o mundo no qual se exterioriza” (p. 112). O ato de exteriorizar é projetar na realidade significados próprios, que são objetivados e naturalizados coletivamente, institucionalizando-se e legitimando-se. “Os universos simbólicos, que proclamam ser toda a realidade dotada de significado humano e que apelam para o cosmo inteiro para dar significado à validade da existência hguamana, constituem as extensões mais alargadas dessa própria projeção” (p. 112).

b) Os mecanismos conceituais da manutenção do universo

O universo simbólico é uma construção cognitiva e, portanto, teórico, mesmo quando é aceito com ingenuidade. “Tem origem em processos de reflexão subjetiva, os quais, com objetivação social, conduzem ao estabelecimento de ligações explícitas entre os temas significativos que têm as suas raízes nas várias instituições” (p. 113).

“Todas as legitimaçoes, das mais simples lcgitimações pre-teóricas de distintos significados institucionalizados ate ao estabelecimento cósmico de universes simbólicos, podem ser, por sua vez, consideradas como mecanismos de manutençao do universo. Estes [...] exigem desde o inicio uma grande complicaçao conceptual” (p. 113).

Quando um universo se torna um problema, é necessário certos mecanismos específicos de manutenção do mesmo. Uma vez que são construções humanas, embora objetivadas, os universos tendem a sofrer tensões e a gerar problemas.

Um dos principais problemas consiste na transmissão de um universo para outras gerações. Da mesma forma, pessoas de uma mesma sociedade podem construir uma

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noção alternativa da realidade “oficial” que passa a ser repreendida, através de certos mecanismo, como forma de legitimação da realidade vigente. São os casos de heresias.

Os mecanismos de defesa dos universos não unicamente legitimam-o, mas também podem transforma-lo, como o caso dos concílios da crinstandade que visavam defender o cristianismo das manifestações heréticas, mas também modificavam dogmas.

São tipos de mecanismos de manutenção do universo: mitologia, teologia, filosofia e ciência. A mitologia é a forma mais primitiva de legitimação de um universo, a partir de uma percepção ingênua e esotérica onde o conhecimento seria revelado apenas para alguns certos escolhidos que se comunicariam diretamente com o divino. Os sistemas mitológicos mais rebuscados e complexos em termos teóricos são entendidos como teologias. As teologias não se propunham a uma relação direta com o fantástico, mas apenas uma mediação entre o divino e o humano, a partir de estudos e formulações teóricas. A partir da secularização do conhecimento, tornam-se comuns os mecanismos de defesa do universo baseados no pensamento filosófico e científico.

Outros tipos de mecanismos apresentados são: a terapia e a aniquilação. A primeira está interessada em combater e tratar os desvios da definição de realidade vigente (a cura gay), onde um fenômeno herético se manifesta em um indivíduo que é tratado mediante procedimentos terapêuticos que variam do exorcismo à psicanálise. Já a aniquilação não se preocupa em tratar dos indivíduos que apresentem outra versão de realidade. Esses processos, por outro lado, procuram cortar as relações com esses indivíduos ou entende-los como ignorantes, não conhecedores da verdade.

c) A organização social para a manutenção do universo

Os universos se transformam a partir da ação humana (assim como são constituídos por ela).

A manutenção do universo pode esbarrar na disputa entre profissionais e especialistas. Revoltas populares de profissionais contra especialistas de uma determinada realidade/universo podem vir a emergir a existência de uma nova realidade alternativa (o caso dos brâmanes e jainistas/budistas na Índia).

VOLTAR NESSE CAPÍTULO PARA ENTENDER RELAÇÕES DE DISPUTAS ENTRE UNIVERSOS, PARADIGMAS, ETC.

A sociedade como realidade subjetiva

A interiorização da realidade

a) A socialização primária

A interiorização é situada e depende dos processos de socialização primária e de idiossincrasias biográficas.

Page 12: Fichamento Berger e Luckmann A construção social da realidade

A sociedade é, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva, de modo que sua operacionalização acontece a partir de uma dialética baseada em três processos: exteriorização, objetivação e interiorização. Vale ressaltar, contudo, esses processos não seguem uma ordem temporal e acontecem simultâneamente.

Para que o sujeito esteja inserido na sociedade é necessário que este participe dessa dialética. Entretanto, o indivíduo não nasce membro da sociedade, de modo que é induzido a tomar parte nessa dialética a partir do processo de interiorização, entendido como: "a apreensão ou interpretação imediata de um acontecimento objetivo como exprimindo sentido, isto é, como manifestação de processos subjetivos de outrem que assim se torna, em termos subjetivos, significativo para mim. Isso não significa que compreenda o outro de maneira adequada” (p. 137).

A interiorização constitui a base para a “compreensão” dos nossos semelhantes, em um pimeiro momento, e a “apreensão” do mundo como realidade significativa e social. O indivíduo se assume como parte da realidade e passa a viver o mundo de uma coletividade como se fosse o seu próprio.

Contudo “essa apreensão não resulta das criações autônomas de significado por indivíduos isolados, mas começa com o indivíduo que ‘assume’ o mundo no qual outros já vivem” (p. 138).

O processo de interiorização só é possível a partir da socialização, definida como “a completa e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor na mesma” (p. 138). Existem duas formas de socialização: a socialização primária, que representa a primeira experiência social do indivíduo, durante a infância, quando se torna membro de uma sociedade; e a socialização secundária, referente a “qualquer processo de introdução do indivíduo, já socializado, em novos setores do mundo objetivo da sua sociedade” (p. 138).

A socialização primária é a mais importante, uma vez que torna-se a estrutura básica para qualquer socialização secundária. “Cada indivíduo nasce numa estrutura social objetiva, dentro da qual encontra os outros significativos que se encarrefam da sua socialização” (p. 139). Os sujeitos interiorizam a realidade objetiva a partir de sua estrutura social básica e da influência de suas idiossincrasias individuais, originadas de sua criação e socialização primária. “O mundo social é ‘filtrado’ pelo indivíduo através dessa dupla seletividade” (p. 139). Os autores exemplificam dizendo que uma criança de origem humilde dificilmente interiorizaria o mundo objetivo da mesma forma que uma criança de origem rica, contudo, sua percepção social pode ser diferente da percepção de uma outra criança pobre que seja sua vizinha devido a indiossincrasias individuais.

Outro processo determinante na interiorização é a identificação, quando, na socialização primária, “a criança assume os papéis e atitudes dos outros significativos, isto é, interioriza-os, tornado-os seus” (p. 139). Essa identificação com os outros torna a criança capaz de se identificar a si mesma, em um nível coerente e plausível subjetivamente.

A personalidade é uma entidade refletida, em um processo dialético entre a identificação atribuída pelos outros e a auto-identificação. O indivíduo absorve os papéis e atitudes dos outros ao mesmo tempo em que assume esse mundo como seu. (Os

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pais dizem que a criança se chama João até o momento em que a criança se assume como João, pertecendo ao mundo).

A partir dos processos de identificação e interiorização individuais os sujeitos se identificam com uma uma generalidade (todo) representativo em nível de sociedade.

“O individuo tem agora não só uma identidade vis-a-vis este ou aquele outro significativo, mas uma identidade em geral, apreendida ao nivel subjectivo como constante, não importando que outros, significativos ou não, sejam encontrados [...]” (p. 141).

“A formação na consciência, do outro generalizado, marca uma fase decisiva na socialização. lmplica a interiorização da sociedade enquanto tal e da realidade objectiva nela estabelecida e, ao mesmo tempo, o estabelecimento subjectivo de uma idcntidade coerente e continua. Sociedade, identidade e realidade cristalizam de modo subjectivo no mesmo processo de interiorização. Esta cristalização ocorre em simultaneo com a interiorização da linguagem. De facto, por motivos evidentes das observaçoes precedentes sabre a linguagem, esta constitui o mais importante conteudo e o mais importante instrumento de socialização” (p. 141).

Uma vez constituído tal processo, a realidade objetiva pode ser “traduzida” em realidade subjetiva, e vice-versa, através da linguagem. Há de se destacar, contudo, que não é possível que um ser humano interiorize toda a realidade objetiva devido a distribuição social do conhecimento. Da mesma forma, certos aspectos do subjetivo não são inteiramente sociais, tais como a biografia subjetiva e a consciência de existência.

“Com a linguagem e através dela, vários esquemas motivacionais e interpretativos são interiorizados com valor institucional” (p. 143).

A socialização primária constrói o primeiro mundo do indivíduo, interiorizando certos aparelhos legitimadores. Porém, como qualquer realidade construída, “as exigências da ordem institucional global afetarão também a socialização primária” (p. 145).

A socialização primária se encerra quando o conceito de “outro generalizado” se estabelece na consciência do indivíduo, possuindo esse uma personalidade subjetiva e uma significação do mundo.

b) A socialização secundária

Devido a distribuição social do trabalho e a consequente distribuição social do conhecimento existe a socialização secundária.

“A socialização secundária é a interiorização de ‘submundos’ institucionais ou baseados em instituições” (p. 145), que dependem do nível de divisão social do conhecimento. Esse processo secundário pode ser entendido com a aquisição de conhecimento especializado.

“A socialização secundaria exige a aquisição de vocabulários especificos das funções, o que significa, antes de mais, a interiorização de campos semanticos que estruturam interpretaçoes e condutas de rotina numa area institucional. Ao mesmo tempo, são tambem adquiridas "compreensoes tacitas", avaliaçoes e tonalidades afectivas desses

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campos semânticos. Os "submundos'' interiorizados na socialização secundaria são, em geral, realidades parciais em contraste com o "mundo-base" adquirido na socialização primaria. Contudo, eles tambem são realidades mais ou menos coerentes. caracterizadas por componentes normativos e afectivos assim como cognitivos” (p. 146).

Uma nova forma de linguagem é aprendida, interiorizada, de modo que aquele indivíduo passe a integrar um novo setor institucionalizado. Esse processo de interiorização também acarreta em uma identificação subjetiva com aquela função (a identidade ocupacional para outros autores).

Os processos de socialização secundária podem obedecer rituais e ter um caráter propedêutico.

Diferente da socialização primária, na socialização secundária o contexto institucional pode ser facilmente percebido. Também “as funções da socialização secundária têm um alto grau de anonimato [e formalismo], sendo portanto fáceis de dissociar dos executantes individuais. O mesmo conhecimento ensinado por um professor também poderia ser ensinado por outro” (p. 149).

c) A manutenção e transformação da realidade subjetiva

A fim de manter um certo grau de simetria entre a realidade objetiva e a subjetiva, é necessário que certos instrumentos de manutenção da realidade subjetiva sejam utilizados.

A manutenção das interiorizações primárias pode manter uma ordem institucional.

A existência de uma rotina situada na vida cotidiana dos indivíduos é uma forma de conversação da realidade subjetiva, impedindo que realidades alternativas possam tomar maior presença e força.

Um importante processo de conservação da realidade subjetiva é a confirmação da identidade dos indivíduos que acontece através da socialização, sendo influenciadas, principalmente, pelos outros significantes (família, amigos próximos, etc.). “Em termos gerais, nas situações em que existe competição entre diferentes instituições definidoras da realidade, podem ser toleradas todos os tipos de relações de grupos sceundário com os concorrentes, desde que existam, estabelecidas com firmeza, relações de grupos primário de ntro das quais uma determinada realidade esteja sempres a ser reafirmada contra os concorrentes” (p. 150).

O veículo mais importante da conservação da realidade é a conversação. Através de processos linguisticos, sobretudo de fala, ideias são objetivadas na própria consciência e tornam a realidade subjetiva estável. A linguagem possui uma força geradora de realidade. Quando uma certa linguagem é repetida por uma coletividade, esse efeito é ainda mais forte.

Os mecanismos de conservação da realidade subjetiva também estão presentes nas situações de crise, ou seja, situações limite onde a realidade objetiva do indivíduo é colocada a prova, tais como a iminência de alguma morte, catástrofe, estrangeiros, etc. Geralmente, esses mecanismos envolvem rituais.

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Há de se destacar, por fim, os casos de ressocialização, onde a realidade subjetiva do indivíduo é reinterpretada, bem como seu passado. São so casos de conversões religiosas, ascenção social concisa, etc.

A interiorização e a estrutura social

“A socialização realiza-se sempre no contexto de uma estrutura social específica” (p. 169). Assim, para entender os processos de interiorização, é necessário entender as estruturas sociais existentes.

Uma socialização pode ser bem sucedida (quando há pouca assimetria entre a realidade objetiva e a realidade subjetiva) ou mal sucedida a depender da estrutura social e da coletividade em que está inserida. Um grupo de leproses pode não ter socialização na realidade cotidiana de uma comunidade, porém, podem ter situação inversa em uma colônia de leprosos constituída como realidade alternativa.

Teorias sobre a identidade

“A identidade é um elemento-chave evidente da realidade subjectiva e, tal como toda realidade subjectiva, cncontra-se em relação dialectica com a sociedade. A identidade é formada por processos sociais. Uma vez cristalizada, é mantida, modificada ou mesmo remodelada pelas relasções sociais. Os processos sociais implicados na formação e conservação da identidade sao determinados pela estrutura social. Por ourro lado, as identidades produzidas pela inreração do organismo, da consciencia individual e da estrutura social reagem sabre-a estrutura social dada, mantendo-a, moditicando-a ou mesmo remodclando-a. As sociedades tem histórias no decurso das quais emergem identidades especificas. Estas histórias, porem, sao feitas por homens tambem com identidades especificas” (p. 179).

Não existem identidades coletivas, “As estruturas sociais históricas específicas engendram tipos de identidade, que são reconhecíveis em casos individuais” (p. 179).

A identidade emerge da realação entre indivíduo e sociedade. Os tipos de identidade, por outro lado, são produtos sociais em si próprios, elementos de certa forma estáveis da realidade social objetiva. (p. 180)

A teorias sobre identidade só são possíveis de serem discutidas quando consideram o contexto social que estão inseridas.

Organismo e identidade

“[...] o organismo continua a afetar cada fase da atividade humana de construção da realidade e que o organismo é, por sua vez, afetado por esta atividade” (p. 185).

A animalidade continua a existir independente das construções sociais.

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Contudo, é possível falar de uma dialética entre a natureza e a socidade. “Esta dialética é dada na condição humana e manifesta-se de novo em cada ser humano” (p. 186). Tal dialética manifesta-se em um nível externo e interno.

Em um sentido externo, na dialética entre o animal individual e o mundo social, é possível entender a relação a partir de limites da ação social devidos à biologia humana (homens não pode parir filhos) e ao mesmo a limitação da vida biológica a partir da ação social (a longevidade devida à classe social; as leis de pena de morte; invenção de vacinas). Estímulos biológicos tais como o sexo e a alimentação tomam sentidos diferentes de acordo com a sociedade e o contexto de cada indivíduo. “A constituição biológica não lhe diz onde poderá procurar a satisfação sexual e o que deverá comer” (p. 186). “Funções biológicas tão intrínsecas como o orgasmo e a digestão são estruturadas pelo social” (p. 187). A sociedade estabelece limites ao organismo tão quanto o organismo estabelece limites ao social.

No nível interno, a dialética entre o substrato biológico do indivíduo e a sua identidade produzicda na sociedade manifesta-se como a resistência do substrato à modelagem pela sociedade. A criança, na socialização primária, resite em comer e dormir nos horários certos

“O homem esta predestinado, ao nivel biológico. a construir e habitar um mundo com outros. Este mundo toma-se para ele a realidade dominante e definitiva. Os seus limites sao estabelecidos pcla natureza mas, uma vez construido. cstc mundo reage sabre a natureza. Na dialectica entre a natureza e o mundo social construido, o próprio organismo humano e transformado. Nessa mesma dialectics o homem produz rcalidade e assim se produt a si mesmo” (p. 188).