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Ficha Técnica

TítuloNas Pegadas das Reformas Educativas: Conferências do I Colóquio cabo-verdiano realizado no Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Cabo Verde

OrganizadoraAna Cristina Pires Ferreira

RevisãoMaria Helena LoboOdete Carvalho

Concepção GráficaGCI - Gabinete de Comunicação e Imagem da Uni-CV

Edições Uni-cVPraça Dr. António Lereno, s/n - Caixa Postal 379-CPraia, Santiago, Cabo VerdeTel (+238) 260 3851 - Fax (+238) 261 2660Email: [email protected]

copyright©Organizadora, autores e Universidade de Cabo Verde

iSBn978-989-8707-03-1

Praia, abril de 2014

UNIVERSIDADE DE CABO VERDEUniversidade em Rede

www.unicv.edu.cv

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i cOLÓQUiO caBO-VERDianO Da EDUcaÇÃO “Nas pegadas das reformas educativas”

Praia, 3 e 4 de Julho, 2013

Coordenação institucionalArlindo Mendes - Presidente do Conselho Diretivo do Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Cabo Verde

comissão organizadora Adriana Mendonça dos SantosAna Cristina Pires Ferreira Ana DomingosAna Reis TeixeiraAntonieta OrtetEurídice AmaranteJoão Paulo MadeiraMaria dos ReisOdete CarvalhoSílvia Cardoso

Participação especial na conceção gráfica de materiais de divulgação e do siteBruno AmbriosoJorge Brandão

Comissão Científica Adriana Carvalho (Universidade de Cabo Verde) Alcides Ramos (Universidade de Cabo Verde)Amália Lopes (Universidade de Cabo Verde)Ana Cristina Pires Ferreira (Universidade de Cabo Verde) Bartolomeu Varela (Universidade de Cabo Verde) Bento Duarte Silva (Universidade do Minho) Carlos Bellino Sacadura (Universidade de Cabo Verde) Carlos Spínola (Universidade de Cabo Verde) Fernando Serra (Universidade Técnica de Lisboa)Filomena Fortes (Ministério da Educação e Desporto de Cabo Verde)João Rosa (Universidade de Massachusets Darmouth)José Augusto Pacheco (Universidade do Minho)José Carlos Anjos (Universidade de Cabo Verde)Júlio Santos (Instituto Politécnico de Viana do Castelo/ Universidade do Porto)Licínio Lima (Universidade do Minho)Laurence Garcia (Universidade de Cabo Verde)Lourenço Gomes (Universidade de Cabo Verde)Maria Luisa Inocêncio (Universidade de Cabo Verde)Maria André Trindade (Universidade de Santiago)Maria João Gomes (Universidade do Minho)Sílvia Cardoso (Universidade Católica de Portugal - Braga) Sónia Cruz (Universidade Católica de Portugal - Braga) Teresa Leite (Escola Superior de Educação de Lisboa) Victor Fortes (Universidade de Cabo Verde) Thierry Berthet (Instituto de Estudos Políticos de Bordéus)

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agradecimentosAgradecemos os patrocínios e apoios sem os quais o evento não seria realizado e que foram concedidos pela Reitoria da Universidade de Cabo Verde e seu Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Universidade do Minho, Universidade Católica de Portugal, Instituto Camões, Empresa de Segurança Aérea de Cabo Verde, BORNEfonden (Cabo Verde), Porto Editora, UNITEL/T Mais e CAVIBEL Lda.

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NAS PEGADAS DAS REFORMAS EDUCATIVAS

CONFERÊNCIAS DO I COLÓQUIO CABO-VERDIANO REALIZADO NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DA

UNIVERSIDADE DE CABO VERDE

OrganizadoraAna Cristina Pires Ferreira

Praia, Cabo Verde - 2014

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ÍnDicE

aPRESEnTaÇÃO...................................................................................................... 8

POLÍTicaS E gOVERnaÇÃO Da EDUcaÇÃO SUPERiORLicínio C. Lima ............................................................................................................12

aVaLiaÇÃO ExTERna Da QUaLiDaDE Da EDUcaÇÃO. OS caSOS DE caBO VERDE E PORTUgaLBartolomeu Varela; José A. Pacheco .........................................................................26

cEnáRiOS EDUcaTiVOS DE inOVaÇÃO na SOciEDaDE DigiTaL: cOm aS TEcnOLOgiaS O QUE PODE mUDaR na EScOLa?Bento Duarte Silva .....................................................................................................39

FORmaÇÃO E DESEnVOLVimEnTO PROFiSSiOnaL DOcEnTE: anOTaÇõES SOBRE POLÍTicaS E PRáTicaS nO SiSTEma EDUcaTiVO caBOVERDEanOSilvia Cardoso .............................................................................................................57

EDUcaÇÃO E DESEnVOLVimEnTO: REFLExõES E LiÇõES DE Uma ExPERiência Em cOnSTRUÇÃO nO EnSinO SUPERiORJúlio Gonçalves dos Santos ........................................................................................73

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CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas

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aPRESEnTaÇÃO

A Educação é um dos setores considerado chave para o desenvolvimento de um país, pelos benefícios sociais e económicos que aporta. A constatação do desfasamento entre as necessidades e exigências da evolução da sociedade e da economia interpela o sistema educativo na sua pertinência, relevância e eficácia e apela a mudanças para o modernizar e melhorar a sua qualidade. Estes dois aspetos têm estado no centro das políticas educativas e sido motivo de preocupação para diferentes atores, sejam estatais, sejam da sociedade civil.

Assim, em Cabo Verde, como em vários outros países, vive-se, atualmente, processos de renovação, de mudança no setor educativo que decorrem de políticas de desenvolvimento e educativas que são influenciadas pelas políticas transnacionais e pelas demandas locais e nacionais. As aspirações e os processos de renovação e de mudança configuram reformas que são mais do que um mero instrumento de uma política educativa; elas constituem e são políticas educativas em si. Por conseguinte, as reformas educativas pareceram-nos constituir um tema pertinente para dar o mote ao primeiro Colóquio Cabo-Verdiano da Educação, realizado pela Universidade de Cabo Verde, na Praia, a 3 e 4 de julho de 2013.

Com efeito, considerando a importância da Educação enquanto área de conhecimento para a sobredita Universidade e para o país, cujo principal recurso são as pessoas com qualificação, o primeiro Colóquio Cabo-Verdiano de Educação idealizado e realizado pelo Departamento de Ciências Sociais e Humanas constituiu um espaço de reflexão, de análise e de difusão de conhecimento em que se esteve “nas pegadas das reformas educativas” a partir de diferentes problemáticas, perspetivas e contextos.

O Colóquio foi organizado em torno de quatro painéis temáticos: Desafios da globalização e reformas educativas; Processos, realidades educativas e inovações curriculares; Formação de professores: políticas, inovações e desafios; Educação e desenvolvimento sustentável. Em cada um dos painéis realizaram-se conferências proferidas por investigadores nacionais e internacionais convidados para despoletar reflexão alargada em plenária. Seguiram-se comunicações livres agrupadas em

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função de diferentes dimensões possíveis em cada painel e publicadas em Atas.

Sendo a difusão do conhecimento um compromisso e um pilar essencial do Colóquio Cabo-Verdiano de Educação, após o livro de Atas damos à estampa o Livro de Conferências proferidas no Colóquio.

Esta publicação resulta da recolha, após o evento, dos textos da maioria dos conferencistas. Na sua estruturação seguiu-se a ordem cronológica da realização dos painéis.

Pelos textos perpassam as questões essenciais que nortearam a reflexão no Colóquio, a saber: que elementos teóricos e metodológicos para uma análise crítica da situação e das mudanças operadas na Educação em Cabo Verde e nos diferentes espaços que ele integra (África Ocidental, CPLP, Macaronésia…) e que, de certa forma, o influenciam? Que formas, contextos, processos educativos, de aprendizagem e de formação de professores se vêm desenvolvendo e que podem servir de referência e de inspiração? O que aportam de inovação e qualidade? Como considerar a relação Educação e desenvolvimento sustentado e durável nas investigações? Que desafios estão inerentes a essa relação?

O primeiro texto, de Licínio Lima, resulta da conferência intitulada Políticas e governação da educação superior, proferida na abertura do Colóquio e do primeiro painel, Desafios da globalização e reformas educativas. O autor baseia-se no contexto europeu e parte da tese que há uma tendência, à escala global, de construção de um modelo institucional da Universidade “gestionária”, “hiperburocratizada”, menos democrática. Foca a ideologia “vocacionalista”, “a garantia da qualidade como instrumento de uma educação contábil”, o “hibridismo institucional e a adaptação ao ambiente competitivo” no ensino superior. Conclui chamando a atenção para os limites éticos, políticos, culturais e educacionais dessa tendência. Antevê uma situação de crise a persistir a tendência referida

O segundo e terceiro textos, de Augusto Pacheco & Bartolomeu Varela, e de Bento Duarte Silva resultam das conferências proferidas no segundo painel Processos, realidades educativas e inovações curriculares.

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Augusto Pacheco & Bartolomeu Varela, na sua explanação sobre a Avaliação externa da qualidade da educação - os casos de Cabo Verde e Portugal, partem do contexto de globalização e dos seus efeitos em termos de homogeneização de processos e práticas políticas a partir de injunções provenientes de organizações transnacionais e supranacionais. Constatam que no contexto de globalização há uma maior similitude das políticas em relação ao currículo e a prevalência de uma lógica de avaliação externa para a garantia da qualidade no ensino superior através de políticas de regulação, processos e práticas de acreditação/avaliação. Comparando a realidade portuguesa e a cabo-verdiana concluem que a avaliação externa e a garantia da qualidade são similares em termos de fundamentação global mas distintas nas práticas. Enquanto Portugal implementa os standards europeus de garantia de qualidade para o ensino superior com repercussões no ensino básico e secundário, em Cabo Verde a avaliação externa é uma realidade discursiva significativa mas as práticas não são consolidadas e institucionalmente interiorizadas. Além disso, não há, ainda, repercussões no ensino básico e secundário.

O texto da autoria de Bento Duarte Silva, Cenários educativos de inovação na sociedade digital: com as tecnologias o que pode mudar na escola?, apresenta as possibilidades das tecnologias de informação e comunicação (TIC) para criar cenários de inovação na educação no geral e nas escolas em particular. Parte do pressuposto que as TIC constituem instrumentos de mediação sociocultural e que permitem à escola responder aos desafios da sociedade digital. O autor aponta as vantagens do uso das TIC na Educação (encurtar e mesmo banir distâncias, complementar a educação formal, acesso direto às informações, etc.). Alerta também para os limites do uso das TIC visto, por si só, não produzirem conhecimento o que aporta o desafio de inovar nos processos educativos, na postura e práticas dos professores e nas formas de aprender. Conclui que o grande desafio da escola é constituir-se em comunidade de aprendizagem.

A explanação de Duarte Silva no texto em referência pode estimular a reflexão em Cabo Verde que, por ser arquipelágico e por pretender desenvolver uma sociedade de informação e de conhecimento, encontra-se no imperativo de construir cenários educativos de inovação com base nas TIC.

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O quarto texto é da autoria de Sílvia Fortes Cardoso e intitula-se Formação e desenvolvimento profissional docente: anotações sobre políticas e práticas no sistema educativo caboverdeano. Resulta da conferência enquadrada no painel sobre a Formação de professores: políticas, inovações e desafios. A autora começa por apontar o contributo que o Colóquio Cabo-Verdiano da Educação pode dar para a investigação em Cabo Verde num contexto de mudanças. Defende a investigação como sendo fundamental para alimentar os processos de decisão no sistema educativo. Fortes Cardoso parte de uma contextualização da formação dos professores e procura compreender as tendências, integrando o global com o local.

O quinto e último texto intitulado Educação e Desenvolvimento: Reflexões e Lições de uma Experiência em construção no Ensino Superior resulta da conferência proferida por Júlio Santos integrada no painel Educação e desenvolvimento sustentável. O autor inspira-se no trabalho na Escola Superior de Educação de Viana de Castelo, Portugal, para analisar as práticas na educação, cooperação e o desenvolvimento em diferentes contextos. Apresenta o desafio de se criar uma epistemologia da cooperação para o desenvolvimento para além da retórica e para que os projetos no campo educativo, particularmente no ensino superior, sejam bem-sucedidos. Santos analisa outros desafios na relação cooperação, educação e desenvolvimento a saber: entender o significado do contexto num mundo complexo e globalizado e de “(re)pensar uma agenda para a investigação sensível aos contextos”.

Em síntese, as conferências proferidas apresentam uma análise crítica da influência da globalização nas políticas e práticas da Educação, particularmente no ensino superior, em contextos de mudança e os desafios a enfrentar. São elementos que poderão contribuir para a estruturação de uma agenda de investigação em Educação em Cabo Verde.

Praia, abril de 2014Pel’A Organização

Ana Cristina Duarte Pires Ferreira

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PoLítiCAS e GoVernAção DA eDuCAção SuPerior1

Licínio c. LimaUniversidade do Minho

[email protected]

1. Texto de síntese da conferência de abertura do I Colóquio Cabo-Verdiano de Educação, promovido pela Universidade de Cabo Verde, na cidade da Praia, a 3 e 4 de julho de 2013, baseado em vários estudos que o autor tem publicado sobre o tema.

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Parto, neste esforço de síntese sobre a condição da Universidade atual, da tese de que se encontra em construção um modelo institucional de Universidade gestionária, altamente formalizada e racionalizada, menos democrática, com menos liberdade académica para professores e investigadores, mas com mais autonomia institucional e de gestão para os gestores de topo e seus assessores, ou “tecnoestrutura”, como lhe chamou John K. Galbraith (1974). Trata-se de uma tendência observável à escala global, certamente com múltiplas especificidades, que vem ocorrendo por ação de orientações políticas transnacionais e supranacionais, não independente da reforma do Estado e da introdução de complexos dispositivos de “governação”, granjeando a adesão de vários governos nacionais e, também, de autoridades académicas. Não se manifesta, em qualquer caso, de forma mecânica, independente dos contextos regionais e nacionais, das configurações do Estado e das políticas públicas, nem da ação concreta dos atores universitários.

De entre os múltiplos elementos que exigiriam um estudo aturado, de forma a argumentar a favor da tese que, aqui, conseguirei somente esboçar - mantendo-me dentro dos limites que aceitei observar quanto à dimensão deste texto -, abordarei apenas, e de forma relativamente esquemática, os seguintes: a “governação” da educação superior e a ideologia vocacionalista; as principais dimensões do cânone gerencialista e as tendências hiperburocráticas; a garantia da qualidade como instrumento de uma educação contábil; o hibridismo institucional e a adaptação ao ambiente competitivo.

1. gOVERnaÇÃO E agEnDaS TRanSnaciOnaiS: O VOcaciOnaLiSmO

Especialmente no caso da União Europeia, mas também fora do seu âmbito, é cada vez mais difícil, e de resultado duvidoso, estudar a educação superior de forma insular, através daquilo que já foi designado por “nacionalismo metodológico”, por contraste com o “cosmopolitismo metodológico” (ver, por exemplo, Beck, 2003). Tal não significa que o Estado-nação tenha deixado de ser um ator relevante, mas que as suas fronteiras são agora mais porosas e que as orientações políticas supranacionais obrigam a “desnacionalizar” parcialmente as nossas análises. O conceito de “governação” pretende dar conta dessa nova complexidade, muito para além dos aparelhos políticos e administrativos governamentais, a tal ponto

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Licínio C. Lima - Políticas e governação da educação superior

que se fala já de “governação” sem governo, ou para além dos governos nacionais e dos processos tradicionais de regulação.

Na União Europeia, à margem de uma política educativa comum, que é formalmente inexistente, é possível observar a influência decisiva dos “processos” de “convergência” e de “harmonização”, através de uma espécie de “soft law” em que nada é obrigatório, mas é como se fosse, através do recurso ao “método aberto de coordenação” e aos seus poderosos instrumentos isomórficos de “boas práticas”, “benchmarking”, nova gestão pública, avaliação e estandardização. As injunções normativas, através dos mecanismos tradicionais de produção de legislação prescritiva, foram substituídas por estratégias de cooperação normativa, por vezes de natureza para-legal (Offe, 2006) e, frequentemente, à margem de processos de discussão e deliberação democráticos.

A transição de políticas públicas de signo social-democrata, típicas da intervenção do Estado-providência, para estratégias reformistas que assentam no “Estado-gestionário” (Clarke e Newman, 1997) e que conferem especial protagonismo às parcerias público-privado, ao papel do mercado e da sociedade civil na provisão, organização e gestão pública da educação superior, tem sido muito estudada nos últimos anos. Mais estratégias e programas, em vez de políticas estruturais com continuidade; mais provisão privada e de tipo misto, com cortes de financiamento público por vezes acentuados; maior relevância dos agora designados “stakeholders” (Amaral e Magalhães, 2000); apelo às lideranças individuais e profissionais, ou apoiadas por novas categorias de especialistas não académicos; substituição dos processos colegiais e de gestão democrática nos processos de decisão; introdução de conselhos de curadores como primeiros representantes do interesse público, são, entre outras, algumas das mudanças introduzidas.

A nova governação da educação superior tem reforçado as lógicas da produção de conhecimento útil e relevante, no quadro do “capitalismo académico”, designadamente através de processos de “especialização interna do conhecimento” (Santiago, Carvalho e Ferreira, 2013). E tem aumentado a competitividade internacional por estudantes, professores e financiamentos, no quadro de uma abordagem mais tipicamente anglo-americana de Universidade, geralmente

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designada por “Universidade de investigação”, evidenciando forte ligação à indústria e a outros parceiros considerados estratégicos, atribuindo prioridade a certos domínios científicos e a certas áreas de formação académica que se espera tenham impacto na competitividade económica, na produtividade, na empregabilidade dos diplomados, na promoção do empreendedorismo. O racional de enquadramento e legitimação desse movimento tem, em termos genéricos, promovido a transição dos ideais de Educação Permanente, ou Educação ao Longo da Vida, para estratégias de “aprendizagem ao longo da vida”, de responsabilização do indivíduo pela promoção do seu portefólio competitivo de aprendizagens. Do lema pedagógico do “aprender a ser” (Faure, 1977) para o elogio utilitarista do “aprender para ganhar” (para uma análise ver Lima, 2012a), a Universidade foi sendo confrontada com mandatos dominados pela competitividade económica, pela busca de soluções pedagogistas e pragmáticas ao serviço da aquisição de competências para competir, de qualificações funcionalmente adaptadas aos imperativos da “economia do conhecimento” e da “sociedade da aprendizagem”. O vocacionalismo dominante, assente numa conceção técnico-instrumental da formação profissional, abate-se sobre a Universidade, seja forçando-a à adoção de estruturas organizacionais e de modos de governação isomórficos relativamente às empresas e aos mercados, seja, ainda, limitando fortemente a promoção de uma educação universitária humanista-crítica e considerando boa parte da atual formação como desajustada face às necessidades da economia e do mercado de trabalho.

O elogio hiperbólico das lógicas qualificacionistas e da “economia das capacitações”, enquanto modelos superiores de adaptação e relevância, de competitividade e de inovação, revelam-se, porém, inconsequentes nos seus próprios termos. Não apenas enquanto programas que frequentemente roçam o doutrinamento e o adestramento em termos de produção de qualificações e “habilidades economicamente valorizáveis”, mas também considerando os seus ideais de empregabilidade e de empreendedorismo, confrontados empiricamente por fenómenos crescentes de desemprego estrutural, de trabalho intermitente e de trabalho precário, de trabalho sem direitos, afetando profundamente a geração jovem mais escolarizada que alguma vez existiu em muitos países. Porém, os resultados empíricos alcançados, e as suas contradições, revelam-se

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Licínio C. Lima - Políticas e governação da educação superior

menos importantes do que os princípios da ideologia vocacionalista, seja porque esta procura garantir a subordinação da educação superior à formação técnico-profissional, seja porque o próprio processo para atingir essa colonização da educação pela economia no novo capitalismo induz as reformas gerencialistas que estão a mudar significativamente o perfil e a vocação das instituições.

2. O cânOnE gEREnciaLiSTa E a hiPERBUROcRaTizaÇÃO Da UniVERSiDaDE

Impulsionado pela “Nova Gestão Pública”, que professa a transferência para o domínio público dos princípios da gestão privada de tipo empresarial, o que designo de cânone gerencialista (Lima, 2012b) inclui as seguintes dimensões principais: a cultura e o ethos de tipo empresarial; a defesa da privatização, seja em sentido pleno, seja como modo de gestão a introduzir nas organizações públicas, designadamente através da criação de mercados internos no seu seio; o elogio da liderança individual e da respetiva visão e projeto, como expressão do direito de gerir, da livre iniciativa e do empreendedorismo na administração pública; a eficácia e a eficiência definidas segundo a racionalidade económica; a livre escolha, em ambiente de mercado ou quase-mercado competitivo, num quadro de referência que coloca o cliente e o consumidor no centro das opções consideradas racionais; a clareza da missão da organização e a definição objetiva e passível de mensuração dos seus objetivos, escrutináveis através de complexos e rigorosos processos de avaliação e de garantia da qualidade.

As reformas gerencialistas da educação pública, em diversos países, embora com impactos variados e apropriações diversas, têm, de acordo com a investigação disponível, destacado um vasto conjunto de dimensões, entre as quais: centralização da formulação das políticas educativas e dos processos de decisão sobre o currículo e a avaliação, embora invocando sistematicamente a descentralização, a devolução e a autonomia; a descentralização de certas competências, embora principalmente de carácter técnico e operacional e, por vezes, financeiro, alargando as fontes de financiamento a entidades privadas e responsabilizando de forma crescente as famílias e os próprios estudantes, em certos países crescentemente endividados; menor relevância atribuída a processos de controlo democrático

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CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas

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e de participação nos processos de tomada das decisões, bem como crescente desconfiança relativamente a órgãos colegiais, geralmente vistos como fontes de desresponsabilização, de composição considerada numerosa e paralisante, de funcionamento pesado e lento; reforço do poder dos gestores, assessores e outras tecnoestruturas, em prejuízo da influência dos profissionais, educadores e professores, bem como da comunidade e da diversidade das suas organizações e dos seus interesses, em geral substituídos pela intervenção de representantes restritos dos interessados, pelo controlo dos clientes, pelas parcerias com o poder económico e empresarial; governação e decisões políticas baseadas na evidência, instituindo formas de regulação de tipo mercantil; reforço das estruturas de gestão de tipo vertical e concentração de poderes no líder formal.

Apresentado e legitimado como uma alternativa de tipo “pós-burocrático”, o gerencialismo revela-se, com frequência, mais gestão para menos democracia, sendo responsável por um aumento exponencial de certas dimensões da burocracia, ou autoridade racional-legal, estudada por Max Weber, mas também mesmo de dimensões menos racionais e mais coincidentes com a aceção pejorativa e de senso comum. O exagero dos traços da burocracia racional weberiana resulta numa burocracia escolar radicalizada, ampliada, ou, como prefiro chamar-lhe, numa hiperburocracia (Lima, 2012c), aliás induzida e reforçada pelas novas tecnologias da informação e comunicação, que emergem como uma espécie de nova fonte de controlo centralizado, eletrónico e aparentemente difuso, mas contudo poderoso, sempre presente em cada momento e em todos os lugares, isto é, de natureza totalizante e, por vezes, quase totalitária.

De entre as dimensões teoricamente associáveis à hiperburocratização, a merecer estudo empírico, podem referir-se: a substituição da liderança colegial pela liderança unipessoal, a que falta a perda do caráter eletivo para se aproximar do que Weber designou por “burocracia monocrática” (Weber, 1984, pp. 176-178); a centralização e concentração de poderes de decisão; o regresso à organização em linha, à maior hierarquização e à divisão do trabalho entre gestores e professores; a crescente relevância do saber pericial e do poder da tecnoestrutura, de adjuntos e assessores, das instâncias especializadas na prestação de serviços técnicos; a obsessão pela eficácia e eficiência, pela escolha ótima e pela performance competitiva; a

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Licínio C. Lima - Políticas e governação da educação superior

centralidade dos processos de gestão da qualidade, de avaliação e de mensuração, sob inspiração neopositivista (rankings, escolas de excelência, avaliação externa, testes estandardizados, padrões, etc.); os processos de centralização informática e de taylorismo on-line, com a difusão de novas categorias mentais, reproduzidas sem disputa, e de conceitos mais ou menos naturalizados.

Chama, particularmente, a atenção o recurso às novas tecnologias da informação e comunicação, ao serviço de processos de prestação de contas, avaliação e garantia da qualidade em ambientes competitivos e à escala internacional. Recentemente, Francisco Ramirez (2013) observou como as práticas de prestação de contas, avaliação, produção de rankings e até dos relatórios anuais dos professores, nas universidades americanas, têm contribuído para acentuar a imagem da Universidade como um ator organizacional formal. Os processos de isomorfismo educacional assentam na procura de novas bases de legitimação, tais como regras estandardizadas, internacionalização, diferenciação, rotinas avaliativas, comparações internacionais, de que resulta uma universidade racionalizada e performativa, uma universidade empreendedorista, que aquele autor associa a fenómenos de “intensificação da racionalização” (Ramirez, 2013, p. 136-143), de certo modo articuláveis com os elementos de hiperburocratização para que venho chamando a atenção nos últimos anos.

3. a gaRanTia Da QUaLiDaDE E a EDUcaÇÃO cOnTáBiL

A educação contábil pode ser definida como a educação que conta, coincidindo com a educação que mais facilmente se deixa contar, mensurar, comparar e hierarquizar, através de vários agentes contadores e de complexos processos de contadoria (Lima, 1997).

Em geral, todas as atividades de avaliação são bem conhecidas nas organizações educativas e são tarefas de há muito desempenhadas pelos professores. Agora, contudo, a avaliação foi transformada num instrumento de governação e numa técnica de gestão. No limite, a política pelos resultados avaliados arrisca-se a despolitizar a ação política, naturalizando o processo de decisão, como se este representasse um processo predominantemente técnico-instrumental, já típico de

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uma pós-democracia gestionária, em busca da decisão ótima, através do cálculo racional, segundo a teoria padrão da decisão. É como se tudo fosse a exame, ao melhor estilo escolar tradicional, mas, curiosamente, de forma desvinculada dos sistemas de regras, da cultura e da ação pedagógica, sendo a avaliação transformada num complexo sistema de expertise, de regras periciais que transcenderiam a legitimidade, os saberes teóricos e práticos dos atores escolares, justificando, assim, a emergência dos novos profissionais da avaliação e da garantia da qualidade. De tal forma que para professores e estudantes, as novas modalidades de avaliação e de garantia da qualidade tendem a evidenciar uma natureza estranha, hierárquica, externa e heterónoma, atribuindo-lhes o papel de “objetos”, mais do que de “sujeitos”, da avaliação. Frequentemente, eles são executantes, produtores de dados, subordinados a rigorosos protocolos e tecnologias avaliativas; limitam-se a carrear informação segundo padrões, critérios, plataformas eletrónicas, que são mais instrumentos de “extração” de contas do que, propriamente, os anunciados processos de “prestação” de contas. A avaliação interna, legitimada pela necessidade de prestar contas pelo exercício de uma autonomia pretensamente reforçada, é amplamente subjugada perante os quesitos e as regras da avaliação externa, em boa parte à margem de uma prática de avaliação autónoma e, pelo contrário, segundo regras heterónomas.

Especialmente quando a comparabilidade e a competitividade são consideradas centrais, no contexto de sistemas de avaliação que visam hierarquizar performances diferenciadas e competitivas, com consequências financeiras, de status ou, mesmo, de continuidade de projetos, cursos ou instituições, uma certa “geometrização do saber” ocorre, segundo sistemas métricos, padrões, categorias de alcance mais ou menos universal (Keller, 2008). Esta conceção instrumental e utilitarista de avaliação não visa a produção de conhecimento social, mas é sobretudo uma ferramenta orientada para a produtividade e o controlo em contextos de reforma do papel do Estado, e tem resultado numa avaliação e em processos de garantia da qualidade fortemente administrados, de feição positivista e neocientífica, em que os riscos de alta racionalização e formalização burocrática, orientadas para o controlo, têm sido observados (Sobrinho, 2008).

Os processos dominantes de garantia da qualidade e de avaliação na educação

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superior centram-se numa espécie de “quantofrenia” que assenta na crença de que tudo é passível de mensuração e de quantificação, e de que tudo aquilo que se mede é verdadeiro e se pode comparar e alcançar mais facilmente; os “dados” correspondem à realidade objetiva, sem mediações teóricas, políticas e outras capazes de produzir, ou de “fabricar”, a realidade, não sendo portanto construções sociais engendradas pelos próprios referenciais e critérios de avaliação. A partir do cálculo objetivo e da mensuração dos resultados, desvalorizam-se os processos e os resultados mais difíceis de captar e de contabilizar, favorecendo-se a estandardização, a exterioridade, a quantificação, a distância, pretensamente incontaminada, entre agentes avaliadores e atores avaliados.

De acordo com aquela abordagem, quanto maior for a distância geográfica, cultural, linguística, etc., maiores serão as possibilidades de alcançar a objetividade, reduzindo a complexidade do real através de uma seleção de “dados” complexos, recolhidos de forma tecnicamente superior e axiologicamente neutra, e tratados pelos novos técnicos da qualidade.

O caráter “olímpico”, tal como uma certa arrogância objetivista, que marcam a avaliação hiperburocrática, provêm de uma epistemologia positivista e de uma desvinculação da atividade de avaliar face à atividade de investigar e de produzir conhecimento sobre a realidade social, mas também da adesão a pedagogias científicas e racionalizadores, bem conhecidas do passado, mas que têm sido recuperadas no presente, designadamente no quadro do “Processo de Bolonha” (Lima, Azevedo e Catani, 2008). Ser incapaz de admitir que as modalidades, as regras e os processos de avaliação e de garantia da qualidade não se limitam a observar a realidade, mas que também intervêm sobre ela, projetam valores e orientações de todo o tipo, afetam as práticas dos atores, optam a favor e contra certas perspetivas científicas, pedagógicas, organizacionais, seria uma manifesta ingenuidade ou, então, uma posição assumidamente ideológica. Com efeito, uma avaliação educacional à margem de uma conceção política e organizacional de Universidade, ou para além de conceções educacionais, de opções curriculares, didáticas, etc., representa, simplesmente, uma impossibilidade, mesmo que os profissionais da nova divisão do trabalho avaliativo insistam que nada sabem de educação e de pedagogia.

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4. hiBRiDiSmO inSTiTUciOnaL2

A retirada de certas organizações públicas da esfera estatal restrita e das tradicionais lógicas tutelares e de controlo hierárquico, introduzindo novas formas de orientação para o cliente, mercados internos, orçamentos competitivos, contratos firmados com base em resultados a atingir, corresponde genericamente ao que há muito foi designado como uma forma de “reinvenção” do governo e da administração pública. Em Portugal, tende a coincidir com a “ascensão do gerencialismo”, visível a partir de meados da década de 1990 (Lima, 1997; Santiago, Magalhães e Carvalho, 2005); Magalhães e Santiago, 2012). A criação de organizações de feição, ou ao estilo, empresarial, a adoção de um ethos competitivo e de um ambiente de negócios, associadas à ideia de inovação e reforma organizacional nos moldes do setor privado representa, hoje, uma orientação considerada racional. Esta é uma das razões pelas quais as universidades têm sido descritas através de uma linguagem de tipo predominantemente industrial e económico (Brunsson e Olsen, 1993, pp. 11-12), que representa as organizações educativas públicas como se estas operassem no livre mercado e fossem dotadas do mesmo tipo de autonomia que as organizações do setor privado (Gillies, 2010). A criação de novos modelos jurídico-institucionais, do tipo “organização social”, ou “fundação universitária”, a par de outras parcerias entre o público e o privado, como alternativas à universidade-instituto público, representa mais uma configuração de tipo híbrido; já não de tipo estatal, mas ainda de natureza pública; adotando o direito privado em várias áreas de atuação, mas referenciando-se ao direito público noutras; furtando-se a certas injunções micronormativas governamentais e da administração central, mas não deixando de responder perante a tutela política; gozando de certas prerrogativas e liberdades em termos de gestão financeira e patrimonial, mas continuando sujeita à ação do Tribunal de Contas e ao Plano Oficial de Contabilidade para o Setor da Educação, por exemplo. O hibridismo deste “novo tipo de instituição”, como tem sido designado pelo legislador em Portugal, é não apenas visível nas formas complexas de articulação entre Estado, mercado e sociedade civil, ou ainda nas balizas cada vez mais fluidas entre público e privado, mas também no que concerne ao modelo de governação adotado.

2. Retomo, aqui, algumas das análises que aprofundei em Lima (2013).

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Em Portugal, após as recomendações apresentadas pela OCDE, em 2006, e a aprovação do novo regime das instituições, aprovado em 2007 pelo XVII Governo, instituiu-se uma alternativa de tipo fundacional, hoje limitada a três Universidades, mas já sob revisão, tendo sido anunciada a sua extinção e possível substituição por um regime de “autonomia reforçada”, designação que foi inicialmente utilizada a propósito das escolas básicas e secundárias, pelo menos desde meados da década de 1980, porém até ao momento sem consequências assinaláveis.

O regime fundacional consagrou um conselho de curadores (composto por cinco personalidades nomeadas pelo governo, sob proposta da instituição), bem como a possível adoção do regime individual de trabalho para novos docentes a contratar no futuro, a possível nomeação reitoral de diretores de faculdades e departamentos, a significativa concentração de poderes no reitor, tal como o reforço das competências de outros órgãos unipessoais. São exemplos significativos da adesão a lógicas gerencialistas e a modos de funcionamento considerados típicos do setor privado. É neste contexto que o reitor emerge como um chief executive officer (CEO), ou diretor-geral, dotado de uma visão, de um projeto, de uma equipe de gestores de topo e intermédios, assessorado por uma tecnoestrutura competente e de sua confiança; deve ser-lhe reconhecido o direito de gerir a instituição com amplas margens de liberdade, responsabilizando-o pela sua ação, designadamente por meio de novos mecanismos de prestação de contas e da ação fiscalizadora do conselho de curadores e do conselho geral.

É o Estado que promove a condição não estatal da universidade-fundação, que regula o respetivo grau de desregulação e de concessão de certos tipos de autonomia às instituições, simultaneamente responsabilizando-as pela angariação de um montante de receitas próprias superior a 50% do total da receita, segundo os decretos de criação das fundações. O regime fundacional é visto como uma resposta adaptativa às pressões do ambiente institucional, mas apesar do discurso dominante, a adaptação a um ambiente competitivo, o ajustamento aos anunciados imperativos de sustentabilidade, a abertura ao meio, não são, em si mesmos, virtuosos para a Universidade. A alternativa necessária à Universidade como “torre de marfim” não é, certamente, a moderna “estação de serviços”, alienada ao mercado e subjugada ao cliente (Lima, 1997), nem um modelo de financiamento

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assente no mecenato, na angariação de fundos e doações de origem duvidosa ou, mesmo, embaraçosa, como se tem visto já com instituições académicas de reputação mundial.

nOTa FinaL

A busca de sustentabilidade em ambiente competitivo apresenta limites éticos e políticos, culturais e educacionais que não podem ser ignorados. E por isso o determinismo económico, a pura adaptação ao ambiente competitivo e a busca de uma sustentabilidade subordinada ao paradigma gestionário poderão corroer as bases institucionais da Universidade e precipitar uma crise, sem precedentes, situação em que os princípios da sustentabilidade competitiva revelariam os verdadeiros limites das lógicas da rivalidade e da emulação, ou daquilo a que poderia, então, chamar-se uma competitividade insustentável e corrosiva. Nesse contexto, se cada vez mais funcional e melhor adaptada ao ambiente, socialmente e normativamente imersa – mais do que politicamente e axiologicamente inscrita –, a Universidade já não nos servirá para nada e será, seguramente, substituída por outras organizações mais eficazes e eficientes, verdadeiramente mercantis e funcionais, certamente mais fiáveis, produtivas e obedientes; talvez por agências do capitalismo académico, ou por empresas do conhecimento, da formação e da inovação, produtoras de conteúdos, ideias, bens, serviços e artefactos que competem num ambiente competitivo.

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AVALiAção externA DA quALiDADe DA eDuCAção.

oS CASoS De CABo VerDe e PortuGAL1

Bartolomeu Varela; José a. PachecoUniversidade de Cabo Verde; Universidade do Minho

[email protected]; [email protected]

1. Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PTDC/CPE-CED/116674/2010.

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1. POLÍTicaS DE gLOBaLizaÇÃO

Apesar dos inúmeros e diferentes significados que lhe são atribuídos (Bob & Lingard, 2010; Teodoro, 2010; Ritzer, 2007; Moreira & Pacheco, 2006), a globalização tem sido associada a um pensamento de uniformização e homogeneização de processos e práticas políticas, económicas e culturais a partir de critérios que são impostos quase coercivamente por organizações transnacionais e supranacionais. Tais organizações buscam a regulação cognitiva mediante uma mudança conceitual (Pacheco, 2011), alimentada, por um lado, pelas políticas de partilha de conhecimento (Steiner-Khamasi, 2012) e, por outro, por um modelo pós-burocrático de gestão (Maroy, 2012).

No campo da educação e no seguimento de uma perspetiva global de currículo (Anderson-Levitt, 2008), que não significa o mesmo que uma perspetiva de internacionalização (Pinar, 2003), reconhecer-se-á a tendência para uma maior similaridade das políticas no que diz respeito ao currículo decidido ao nível político/administrativo, com propostas nacionais que interpretam e fidelizam reformas idênticas. Trata-se, no dizer de Steiner-Khamasi (2012), de reformas viajantes, impostas por políticas de partilha de conhecimento que traduzem uma ideologia de “accountability” e que não se sabe de onde vêm e para onde vão, sendo reconhecidas, porém, nos sistemas educativos nacionais. Por isso, a mudança é regulada cognitivamente, tal como reconhece Maroy (2012), no modelo pós-burocrático de governação, distinto do modelo burocrático de base normativa e indutor de novas formas de governamentalidade determinadas pela estandardização de processos e resultados.

Neste caso, a globalização está associada, em geral, a uma unicidade técnica (Santos, 2011a) e, de modo mais particular, a uma ideologia de mercado, que busca o objetivo de homogeneizar e tornar irrelevantes as diferenças nacionais, havendo, como o fundamenta Foucault (2010), uma relação direta entre neoliberalismo e mercado que regula o Estado e define as políticas sociais. Por isso, vivem-se tempos de uma identidade de legitimação (Castells, 2006) que é cada vez mais comum às instituições e ao Estado.

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2. cOnTROLO PELa aVaLiaÇÃO

É neste contexto da globalização que tem sido afirmada uma crescente lógica de controlo externo, inscrita numa cultura de avaliação (Ehlers, 2009), de modo que seja materializada a garantia da qualidade no ensino superior, através de políticas de regulação que envolvem processos e práticas de acreditação/avaliação. Se o conceito de qualidade se tornou central nas políticas de ensino superior, a sua operacionalização adquiriu, hoje em dia, um qualificante notório, o da garantia, na base do pressuposto que tal responsabilidade pertence a cada instituição e para a qual deve contribuir a implementação e avaliação de mecanismos formais e informais de responsabilização e prestação de contas. Assim, procedimentos de garantia da qualidade têm sido introduzidos no sistema educativo, ainda que de forma distinta: nos ensinos básico e secundário, prevalece a tendência para a implementação de um modelo de avaliação externa de escolas, na base de standards amplamente partilhados, e de critérios que colocam em primeiro lugar os resultados escolares, sobretudo os que resultam de provas externas (Pacheco, Seabra, Morgado & Van-Hattum, 2014) e de indicadores que buscam a eficácia escolar (Brooke & Soares, 2008); no ensino superior tende a estabelecer-se como regra da avaliação institucional um modelo misto de creditação/avaliação externa e interna, pois a regulação transnacional trabalha na base de partilha de responsabilidades ligadas às instituições e aos sujeitos (Webb, 2011). Tanto num sistema como noutro, a avaliação é legitimada pelo conceito global de qualidade. Deste modo, a qualidade torna-se num conceito político e técnico, na medida em que provoca uma tensão entre a qualidade como estratégia de “accountability” e a qualidade como estratégia para a transformação e melhoria (Rowlands, 2012).

Explorando-se mais o caso do ensino superior, observa-se que a creditação tem sido usada como um método para a avaliação da garantia da qualidade a nível mundial

Mok, 2011; Kemenade & Hardjon, 2010; Brennan, De Vries & Williams, 1997;Stensaker, 2011).Trata-se, com efeito, de um processo de avaliação baseado em standards que identificam a eficiência institucional. Roger (2010) identifica dois tipos de acreditação: a institucional e a programática, esta mais centrada na

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avaliação de cursos e programas e aquela direcionada para a avaliação de aspetos que caraterizam a instituição, tais como recursos humanos e financeiros, quadros de avaliação e responsabilização, sistemas internos de garantia da qualidade, planos estratégicos, etc. Os dois tipos de creditação são as duas faces de uma moeda (Santos, 2011a), fazendo parte de um processo complexo de “accountability” e de responsabilização, cujo significado avaliativo depende do standard, entendido como uma norma ou padrão (Stake, 2004) que estabelece uma ordem de conformidade com regras formais e homogeneamente definidas. Grosso modo, o standard é uma ferramenta de avaliação com enorme influência, a nível mundial, nos modelos de avaliação externa e, sobretudo, com grande visibilidade no ensino superior, pois facilmente permite a comparabilidade, como se verifica no Processo de Bolonha. No entanto, a sua utilização tem sido justificada quer como processo de homogeneização das políticas educativas, visando a uniformização, quer como processo de implementação de procedimentos diferentes, mas desde que a qualidade comparável dos resultados seja garantida. Pode dizer-se, por isso, que modelos de avaliação externa são uma marca forte de políticas intergovernamentais (Amaral, Rosa &Amado, 2009), visando um elevado nível de conformidade dos níveis de governação (Magalhães, Veiga, Sousa & Ribeiro, 2012).

3. O caSO PORTUgUêS

Nos ensinos básico e secundário, a avaliação externa de escolas, por orientação normativa2 do Ministério da Educação e Ciência, é da responsabilidade da Inspeção-geral da Educação e Ciência3. Sendo apresentado como um instrumento formativo de avaliação da qualidade da escola, o modelo tem em conta as primeiras experiências deste organismo central ligadas à avaliação institucional, seguindo as orientações europeias, definidas pela European Foundation for Quality Management, e adotando os princípios do modelo escocês How Good is Our School. De entre as suas atividades, a Inspeção realiza a avaliação externa de escolas, no âmbito do programa de avaliação organizacional, assumindo-a como um contributo para o

2. Cf. Lei n. 31/2002, de 20 de dezembro - Sistema de avaliação da educação e do ensino não superior.

3. Pelo Decreto-lei n. 125/2011, de 29 de dezembro, que define a orgânica do Ministério da Educação e Ciência, a Inspeção-geral da Educação (IGE) passa a ter a designação de Inspeção-geral da Educação e Ciência (IGEC).

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Bartolomeu Varela; José A. Pacheco - Avaliação externa da qualidade da educação

desenvolvimento das escolas. (IGEC, 2012).

Sendo um objeto difícil de definir (Figari, 2009), a avaliação de escolas, no sistema educativo português, tende a sobrevalorizar os aspetos mais visíveis do funcionamento da escola, com tendência para a ênfase nos resultados e naquilo que são os pontos fortes e os pontos fracos, tal como a análise SWOT permite identificar.

A avaliação de escolas é, assim, uma atividade de legitimação legal, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo4, realizada por uma agência governamental (Inspeção5) e completada pela participação de peritos externos, tornando-se numa atividade obrigatória para a escola, mas que não tem sido contestada, devendo-se dizer que se tornou num processo político pacífico, em tempos de grande turbulência nas escolas, devido à avaliação do desempenho docente. Os parâmetros de avaliação incluem Resultados, Prestação do Serviço Educativo, Liderança e Gestão.

No ensino superior, a Agência para a Avaliação e Acreditação (A3ES) foi criada pelo Decreto-lei n.369/2007, de 5 de novembro, com a finalidade de promover e assegurar a qualidade de acordo com normas e orientações definidas para o espaço europeu de ensino superior. Trata-se de uma agência independente, com utilidade pública, ainda que o seu diretor seja nomeado pelo primeiro-ministro. A A3ES iniciou as atividades em 2009, estando presentemente direcionada para a implementação de procedimentos e estruturas de avaliação externa conjugados com sistemas de garantia da qualidade a nível interno, sendo responsável pela validação dos novos cursos (acreditação a priori) e de cursos que as instituições têm como oferta curricular (acreditação a posteriori). O contexto da A3ES é fortemente influenciado pelo referencial Quality Assurance in the European Higher Education Area (ENQA, 20056),

4. Cf. Lei 46/86, de 14 de outubro.

5. Pelo Artigo 56º, da LBSE (versão consolidada), “a inspeção escolar goza de autonomia no exercício da sua atividade e tem como função avaliar e fiscalizar a realização de educação escolar, tendo em vista a prossecução dos fins e objetivos estabelecidos na presente lei e demais legislação complementar”.

6. ENQA, Report on Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area: http://www.enqa.eu/pubs.lasso, access a 26 de junho de 2013.

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observando-se que, na adoção e implementação dos 16 standards estabelecidos, há uma quase total conformidade (Santos, 2011b), reconhecendo-se, ainda, que os standards europeus estão “definidos de forma razoavelmente aberta, permitindo, até certo ponto, que as agências adaptem os seus procedimentos aos respetivos sistemas nacionais de ensino superior e, eventualmente, à cultura e tradições nacionais” (ibid., 2011b, p. 5).

Os processos de auditoria realizados pela A3ES têm-se traduzido numa avaliação SWOT, com a identificação dos pontos fracos e dos pontos fortes (ibid.). As atividades ligadas à acreditação a priori consistem na elaboração pela instituição proponente e no preenchimento de formulários estandardizados. Esta acreditação prévia é de natureza documental, tendo como consequência a acreditação provisória ou a não acreditação. Em ternos de efeitos da avaliação, as atividades de acreditação a priori e posteriori da agência resultam na aprovação ou não aprovação dos cursos e programas, com consequências na imagem social da instituição. Os relatórios têm recomendações para as instituições em cada um dos itens dos campos. A agência tem uma função de controlo e regulação do sistema e de melhoria da qualidade.

A sua atividade baseia-se, por norma, na acreditação dos novos cursos, já que a partir de 2007/08 não pode abrir-se nenhum curso sem acreditação preliminar da Agência, e na avaliação de cursos em funcionamento. O primeiro tipo de acreditação inclui a avaliação em quatro campos: condições institucionais, plano curricular, recursos humanos e investigação. Segue-se a análise da autoavaliação do curso pela instituição, segundo o modelo SWOT, a avaliação documental e avaliação presencial (visitas e entrevistas). Das atividades descritas, observa-se que, em Portugal, a acreditação é um processo administrativo, com uma forte componente de análise documental, não correspondendo ainda a uma avaliação institucional. Trata-se, com efeito, de um processo indutor de garantia da qualidade através de processos e práticas de autoavaliação institucional, com predomínio para o uso de plataformas de registo de dados, para a avaliação do desempenho docente e para o envolvimento ativo de alunos e stakeholders.

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Bartolomeu Varela; José A. Pacheco - Avaliação externa da qualidade da educação

4. O CasO CabO-verdiaNO

Em Cabo Verde, a avaliação das escolas, a nível do ensino não superior, tem assumido, historicamente, duas modalidades: (i) a avaliação interna, focalizada, essencialmente, na avaliação dos alunos, a cargo dos professores, e na avaliação dos docentes, sob a responsabilidade dos órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino, em especial dos diretores e gestores das escolas, ainda que os normativos em vigor a partir dos primeiros anos do século XXI7 exijam a audição prévia dos órgãos de gestão pedagógica desses estabelecimentos; (ii) a avaliação externa, a cargo, sobretudo, dos serviços de inspeção educativa, que têm sido objeto de diversas denominações, desde a época colonial (Inspeção Escolar, Inspeção do Ensino, Inspeção da Educação, etc.), exprimindo uma diversidade de visões, funções e perspetivas de educação que encontram, de resto, paralelo no contexto internacional, como o evidenciam as diversas recomendações das Conferências Internacionais de Educação Pública relativas à inspeção8, e cuja atuação tem sido pautada por uma diversidade de tipologias ou modalidades previstas nas sucessivas Leis Orgânicas do departamento governamental responsável pela educação e que, na esteira de Varela (2011), podem ser sintetizadas da forma seguinte: avaliações integradas ou parciais de escolas; auditorias administrativas, financeiras e pedagógicas; ações de fiscalização, designadamente inspecções strictu sensu, averiguações, inquéritos, sindicância e acção disciplinar; assessoria técnico-pedagógica; supervisão pedagógica; provedoria; superintendência nos processos de avaliação docente.

A nível do subsistema de ensino superior, que tem a sua génese quatro após a ascensão de Cabo Verde à Independência Nacional, com a criação do Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário e conhece uma rápida expansão, sobretudo, na primeira década do século XXI, a institucionalização da avaliação encontra-se ainda em processo de configuração, tendo como referenciais os decretos-leis nºs 20/2012, de 19 de Julho, e 22/2012, de 17 de Agosto, que, em desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo, revista em 2010,

7. Cf. Decreto-Regulamentar nº 10/2000, de 4 de Setembro – Boletim Oficial nº 27, I Série.

8. In “Conferências Internacionais de Educação Pública. Recomendações 1934-1963. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Brasil, 1965.

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estabelecem, respetivamente, o regime jurídico das instituições do ensino superior e o regime jurídico dos graus e diplomas no ensino superior.

Efetivamente, não obstante a expansão do ensino superior cabo-verdiano, que, já no ano letivo 2002/2003, registou um número de estudantes (2.216) superior ao dos que se encontravam em formação superior no estrangeiro (1550), tendência que se acentuou nos anos subsequentes, com o aumento progressivo das ofertas formativas no país (Varela, 2011), tal expansão “não foi acompanhada da institucionalização de um sistema de regulação e avaliação do seu desempenho, em ordem a aferir-se a observância das normas adotadas pelo Poder Público e a salvaguardar-se a qualidade do bem público por excelência que é a educação superior, da qual depende, em larga medida, a performance dos demais níveis educativos” (Varela, 2013, p. 1).

Assim, as práticas avaliativas no ensino superior cabo-verdiano com maior relevo são as de avaliação interna, com incidência particular na avaliação dos estudantes, a cargo dos docentes das próprias instituições, tendo em vista a aferição dos conhecimentos para efeitos de transição de anos e obtenção dos diplomas e certificados de fim de curso, e as de avaliação da conformidade legal dos processos de acreditação das instituições de ensino superior privadas e respetivos cursos superiores, sob a responsabilidade do departamento governamental responsável pelo ensino superior. Refira-se que a acreditação dos novos cursos da universidade pública só passou a ter lugar após a aprovação, em 2012, dos regimes jurídicos do ensino superior, acima referidos, posto que, até então, a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) possuía, à luz dos seus Estatutos, autonomia plena na criação dos cursos, sem se vincular a qualquer obrigação legal de acreditação prévia.

Quanto à avaliação externa das instituições e cursos do ensino superior em Cabo Verde, as iniciativas levadas a cabo têm sido marcadas pela rarefação, limitando-se a visitas e estudos de avaliação de natureza pontual, efetuados por académicos portugueses, a convite do departamento governamental competente, em geral no período anterior à criação da universidade pública, em Novembro de 2006, como são os casos das avaliações externas efetuadas por Aubyn, Costa, Lourtie, Santos e Luzia (2006), Crespo (1997) e Grilo, Silva e Rosa (1993), com o objetivo fundamental

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de fornecer subsídios para a reestruturação do ensino superior público em Cabo Verde (Varela, 2011). Igualmente por iniciativa governamental, e com marcado pendor pedagógico, equipas de académicos portugueses levaram a efeito, em 2010, avaliações externas a duas instituições do ensino superior privadas, não tendo sido, contudo, divulgados os respetivos relatórios.

Assim sendo, um dos principais desafios dos próximos anos consiste na edificação de um sistema credível e eficaz de avaliação institucional, orientado para a promoção da qualidade do ensino superior, enquanto bem público de suma relevância para o desenvolvimento humano e o progresso sustentável de Cabo Verde.

Numa análise interpretativa do quadro legal por que se orientará a construção do sistema de avaliação institucional no ensino superior cabo-verdiano, podem destacar-se “quatro componentes estreitamente ligadas entre si, relevando uma delas da avaliação interna ou da autoavaliação e as restantes da avaliação externa”, institucional e social (Varela, 2013, p.21).

Assim, a avaliação interna, que se efectiva através de um sistema de autoavaliação, a nível de cada uma das instituições de ensino superior (IES), encontra-se sob a supervisão do Conselho para a Qualidade, de existência obrigatória em cada uma dessas instituições.

A nível da avaliação externa, destacamos, a partir do quadro legal vigente, três modelos de controlo ou avaliação do desempenho das IES e da performance dos seus produtos académicos: a) o controlo político, que incumbe ao Governo, em particular ao ministro de tutela ou superintendência sobre o ensino superior, e se efetiva através de medidas preventivas, como a regulação, a acreditação das IES e dos ciclos de estudo, e medidas de seguimento, avaliação, inspeção e fiscalização, com o eventual acionamento de processos de efetivação de responsabilidade; b) o controlo científico e técnico, a cargo de um organismo competente, ainda por definir, com a missão de planificar e realizar a avaliação externa, complementado por um órgão consultivo (o Conselho para a Qualidade Académica) e por um serviço central, de suporte técnico à formulação de políticas e à avaliação do seu cumprimento; c) o controlo social, que se concretiza através dos mecanismos de

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prestação de contas à sociedade por parte das IES, previstos na lei, designadamente através da obrigatoriedade de publicação de relatórios anuais, relatórios de avaliação e informações relevantes sobre a sua missão, fins, cursos, entre outras.

TERminanDO,

No quadro atual das políticas de partilha de conhecimento (Steiner-Khmasi, 2012), associadas a um modelo pós burocrático de decisão (Maroy, 2012), a discussão das práticas de avaliação externa ganha sentido em função da homogeneização e da estandardização, as duas torres gémeas da globalização, para Taubman (2009). Se o quadro teórico referido reforça a noção de garantia da qualidade como um processo de autorresponsabilização institucional, no seguimento dos processos e práticas legitimados pela linguagem de “accountability”, os dois casos citados representam duas realidades próximas na fundamentação global e distintas nas formas de organização. Porém, e devido à sua integração na União Europeia, constata-se que em Portugal existe uma identidade de legitimação administrativa da avaliação externa, concordante com Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area e com reflexos nos ensinos básico e secundário, ainda que nestes dois níveis de ensino, o modelo de avaliação externa esteja mais direcionado para aspetos concretos dos resultados escolares e sua relação com a prestação do serviço educativo e com a liderança e gestão. Tanto no ensino superior como nos ensinos básico e secundário, a avaliação externa em Portugal é uma realidade existente quer nos discursos normativos, quer nas práticas organizacionais.

Por outro lado, em Cabo Verde, que não dispõe de um referencial obrigatório, a avaliação externa é uma realidade discursiva significativa, carecendo, ainda, de práticas consolidadas e institucionalmente interiorizadas, estando o processo mais discutido no ensino superior do que nos ensinos básico e secundário. Os dois casos servem de ponto de partida para uma discussão das práticas de avaliação externa, nos diferentes níveis de ensino, pois ocorrem no mesmo contexto da globalização e na mesma cultura de controlo pela avaliação, sendo necessário problematizar de que modo tais práticas têm impacto e efeitos nas dimensões organizacional, curricular e pedagógica.

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CenárioS eDuCAtiVoS De inoVAção nA SoCieDADe DiGitAL:

Com AS teCnoLoGiAS o que PoDe muDAr nA eSCoLA?

Bento Duarte SilvaInstituto de Educação da Universidade do Minho

[email protected]

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Bento Duarte Silva - Cenários educativos de inovação na sociedade digital

inTRODUÇÃO

Este texto aborda as possibilidades das tecnologias de informação e comunicação para criar cenários de inovação para a educação. Partimos da consideração que as tecnologias atuam como instrumentos de mediação sociocultural, e, deste modo, apresentamos seis ecologias de comunicação e suas repercussões nos contextos educacionais, ocorrridas ao longo do processo civilizatório (desde o homo sapiens ao homo digitalis), para nos determos nos cenários educativos de inovação na sociedade digital. É neste enquadramento que lançamos a questão chave do presente texto: com as tecnologias (da lousa do século XIX à lousa do século XXI) o que pode mudar na escola?. Mobilizando um conjunto de pesquisas sobre a integração das TIC na escola, procuramos apresentar os vetores de mudança sinalizados nas modalidades de aprendizagem, na organização, na relação com os conteúdos e na metodologia de ensino-aprendizagem. Concluimos que o grande desafio consiste em compreender a chegada do tempo de tecnologias que permitem repensar a escola como uma verdadeira comunidade de aprendizagem.

EcOLOgiaS Da cOmUnicaÇÃO E cOnTExTOS EDUcaciOnaiS

Investigadores da antropologia e do processo civilizatório, como o sociólogo Darcy Ribeiro (Ribeiro, 1975), da teoria dos media (Inglis, 1993), da história da comunicação (Mattelart,1996), da filosofia da comunicação (Lévy, 2000) e da sociologia da comunicação (Castells, 2004), resistindo à introdução de qualquer visão determinista, esclarecem-nos que cada época histórica e cada tipo de sociedade possui uma determinada configuração que é proporcionada pelo estado dos seus sistemas e tecnologias de comunicação, pela reordenação que provocam nas relações espácio-temporais, nas diversas escalas que o homem mantém com o mundo (local, regional, nacional, global) e pelo estímulo à transformação noutros níveis do sistema sociocultural.

Neste enquadramento, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) não são apenas meios que possibilitam a emissão/receção da informação, antes atuam como instrumentos de mediação sociocultural. Partindo de uma seleção dos principais desenvolvimentos das TIC no decurso dos tempos, consideramos a

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existência de seis episódios marcantes constituintes de ecologias da comunicação e repercussões nos contextos educacionais: interpessoal / família; elite / escola; massa / escola paralela; individual / autoeducação; ambiente virtual / comunidades de aprendizagem; redes ubíquas / aprendizagem ubíqua (SILVA, 2013).

Figura 1 – Ecologias da comunicação e contextos educacionais

Associado ao progressivo uso da escrita surgiu o contexto educativo da escola, desenvolvido para facilitar a transmissão dos conteúdos requeridos pela crescente complexidade das sociedades (Kramer, 1963; Faure, 1977). Com efeito, a escrita necessita para a sua aprendizagem de pessoal especializado, de um local, preparação, instrumentos, suportes adequados, tintas, etc., fazendo aparecer uma instituição e estrutura criada para o efeito: a escola. O termo “escola” deriva do conceito grego de ócio (scholé), significando que só apenas aqueles que dispunham de tempo livre (de ócio) é que tinham possibilidade de dedicar-se às atividades intelectuais e à aprendizagem da expressão cultural pela escrita, ou seja, a escola era uma estrutura destinada à elite da sociedade. Institui-se, assim, uma cultura e educação de base elitista, expressa em diversas dualidades: o intelectual e o manual, o sábio e o ignorante, o mestre e o aprendiz (Ribeiro Dias, 1979).

Embora não seja objetivo deste texto abordar a evolução da ideia de escola, esclarecem-nos Clausse (1976) e Ribeiro Dias (1979) que o sistema escolar do Ocidente se estruturou numa base elitista, incorporando como seus traços intrínsecos o formalismo e o intelectualismo, e que a “gestão científica” do currículo fez-se numa “lógica de obsessão de produtividade e eficácia, oriunda do mundo industrial” (Fino & Sousa, 2005). Tal lógica originou um profundo mal-estar,

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levando a contestação à escala mundial na década de 60 do século XX. Na época, exigiam-se reformas, transformações estruturais ou até mesmo a erradicação da escola, de tal modo que Ribeiro Dias afirmava que a “A escola terá que mudar, sob a ameaça de desaparecer”, e, interrogando-se de seguida, lançava a questão: “Mas qual será a força capaz de marcar o rumo positivo dessa transformação?” (Ribeiro Dias, 1979:16).

Ora, a nossa tese é que a emergência das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), dos dispositivos associados à Internet, pelas potencialidades que contêm, podem contribuir para transformar a escola, de forma positiva, permitindo pensar em cenários educativos inovadores. Com o notável desenvolvimento das tecnologias digitais móveis (computadores portáteis, smartphones, tabelets e rede sem fios), desde a entrada do XXI, há um reforço de uma ecologia de comunicação com marcas na conectividade, mobilidade e ubiquidade (SANTAELLA, 2010). O facto de estarmos a entrar num tempo que decorre em “espaços hiperconectados, espaços de hiperlugares, múltiplos espaços em um mesmo espaço, que desafiam os sentidos da localização, permanência e duração” (idem, p. 18) constitui um desafio para educação, para as formas de ensinar e aprender.

Zygmunt Bauman, na busca de procurar compreender a situação educativa da sociedade líquida, considera que, no passado, a educação assumiu muitas formas e demonstrou ser capaz de adaptar-se à mudança das circunstâncias, de definir novos objetivos e elaborar novas estratégias,

Porém considera que “Em nenhum momento crucial da história da humanidade os educadores enfrentaram desafios comparáveis ao divisor de águas que hoje nos é apresentado. A verdade é que nós nunca estivemos antes nessa situação” (BAUMAN, 2011, p. 125), concluindo que “Ainda é preciso aprender a arte de viver num mundo saturado de informações. E também a arte mais difícil e fascinante de preparar seres humanos para essa vida” (idem).

Procuramos neste texto dar um contributo para o debate das mudanças que as TDIC podem introduzir na educação e na escola: da lousa do século XIX à lousa do século XXI (tablet), o que pode mudar nas escolas?

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Figura 2 – lousa do séc. xix vs lousa do séc. xxi

cOm aS TDic, O QUE PODE mUDaR na EScOLa?

Situamos as principais repercussões provocadas pela integração das TIC ao nível das modalidades de aprendizagem, na organização, na relação com o saber e na metodologia.

Mudanças nas modalidades de aprendizagem

Como dissemos no primeiro ponto deste texto, em cada era histórica, as TIC contribuíram decisivamente para a criação de ecologias de comunicação com repercussões nos contextos educativos. A figura 3 dá conta dos principais contextos educacionais, desde uma aprendizagem presencial (p-learning) aos cenários emergentes derivados do e-learning (b-learning, c-learning, m-learning e u-learning).

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Figura 3 - Do P-learning ao U-learning

O contexto da aprendizagem presencial é próprio da escola, a qual, como já vimos, é herdeira da escrita. É interessante notar que na descrição que Kramer (1963) faz da escola dos tempos dos sumérios (2.000 a.C.), seja sobre os aspetos materiais de uma “sala de aula” que continha “várias filas de bancos feitos de tijolos crus, nos quais se podiam sentar uma, duas ou quatro pessoas” (idem, p. 27), seja da vida quotidiana dos alunos (aos quais se dava o nome de “filhos da escola”), podem observar-se ainda muitas dessas marcas na escola da era moderna. A ecologia comunicacional da altura apenas permitia uma aprendizagem presencial (P-learning), com a reunião de professores e alunos no mesmo lugar e ao mesmo tempo para efetuar o que se convencionou designar por processo de ensino-aprendizagem, na tal relação dualista de mestre-aprendiz. Esta ideia da escola, como espaço de transmissão e aquisição do saber, acabou por impor-se ao longo de muitos séculos, consagrando-se a universalidade (escola para todos) no século XVIII fruto do ideário Iluminista, mas a sua concretização apenas sucedeu no séculos XIX e XX, conforme os países.

Em finais do século do XIX, o desenvolvimento das tecnologias permitiu a comunicação à distância, primeiro via correio postal e telefone, depois, já no século XX, através da rádio e da televisão. Tal permitiu que se instaurasse a modalidade de Educação à Distância (Distance Learning, D-learning), possibilitando que muitas

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crianças, jovens (e adultos) que, não podendo frequentar a escola (em geral, devido à sua inexistência nas localidades residenciais), acedessem ao saber escolar, cumprindo, pelo menos, a escolaridade básica que entretanto tenha sido declarada obrigatória. Nesta modalidade, a rádio e a televisão tiveram um papel relevante. É de notar que estas tecnologias de comunicação não libertam as pessoas da dimensão tempo, exigindo que todos estejam ao mesmo tempo a receber a transmissão da mensagem. Essa liberdade apenas virá com as tecnologias de gravação áudio e vídeo, já em pleno século XX.

Os novos cenários educativos apenas emergirão com o desenvolvimento das tecnologias digitais, em particular da Internet e seu sistema de informação Web (meados da década de 90 do século XX).

No contexto de uma ecologia da comunicação em que o uso das tecnologias digitais se converteu em algo quotidiano, começou a utilizar-se o “e” (inicial da palavra electronic) em qualquer atividade. No caso da educação, foi adotada a designação de e-learning, sendo esta modalidade educativa entendida como “a utilização das novas tecnologias multimédia e da internet para melhorar a qualidade da aprendizagem, facilitando o acesso a recursos e a serviços, bem como a intercâmbios e colaboração a distância” (SILVA & CONCEIçãO, 2013, p. 144). Segundo Gomes (2005), a modalidade educativa de e-learning pode ser tomada como uma extensão da sala de aula no espaço virtual, de apoio tutorial ao ensino presencial, à complementaridade entre situações presenciais e a distância, ou ainda no desenvolvimento de novos cenários para a educação a distância.

Naturalmente que as práticas de e-learning dependem muito dos contextos e níveis do ensino-aprendizagem, e dos sujeitos envolvidos. Se nos níveis de ensino básico e secundário, assume essencialmente a vertente de tutoria “eletrónica”, em que o professor disponibiliza materiais e sugere recursos, podendo também ter interação online com os alunos, já no ensino superior a tendência crescente é para a implementação de situações mistas, em que há uma complementaridade entre aulas presenciais e aulas online. Para esta modalidade adotou-se, de forma geral, o uso da palavra inglesa “blended” (que significa algo misto, combinado), utilizando-se a abreviatura b-learning na contiguidade de e-learning. A apropriação

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deste conceito implica que esta modalidade educativa estabeleça as suas bases na combinação de instâncias presenciais e não presenciais (online), devendo selecionar-se os recursos mais adequados para melhorar as situações de aprendizagem em função dos objetivos e resultados educativos (Silva & Conceição, 2013).

Diversas pesquisas que efetuámos sobre práticas educativas em e-learning e b-learning, em diversos momentos e contextos (SILVA, 2000; SILVA, GOMES & SILVA, 2006; SILVA & PEREIRA, 2012; SILVA & CONCEIçãO, 2013; FERREIRA & SILVA, 2013), permitem observar que esta modalidade cria condições para que os atores educativos (professores e alunos) desenvolvam interações pedagógicas muito satisfatórias entre si. O b-learning também vem ao encontro dos desejos dos alunos do ensino superior, pois manifestam uma opinião favorável à convergência da componente presencial com a online, valorizando os atributos de cada uma: a personalização no presencial e a flexibilidade no online. Mais ainda, há desenvolvimento de projetos educativos que indicam que a distância deixou de constituir uma barreira para a formação dos territórios educativos, já que as escolas longínquas podem estar tão próximas como outras que o estão fisicamente. Exemplo disso mesmo foi o desenvolvimento do projeto internacional “POSTCAVET” (Post-Graduate Systems Development in Cape Verde and East Timor), realizado entre 2008 e 2011, e que, no que concerne ao curso de mestrado em Ciências da Educação – Avaliação da UMinho que decorreu na modalidade de b-learning, teve uma taxa de sucesso de 77% na conclusão das dissertações dos alunos cabo-verdianos, taxa superior a edições do mesmo mestrado que se desenvolvem em regime presencial (SILVA, 2012).

Ampliando as reflexões em torno do e-learning, parece-nos adequado constatar que esta modalidade está a possibilitar conjugar as modalidades de educação presencial (p-learning) e de educação a distância (d-learning), e que o futuro, perante o desenvolvimento do m-learning (mobile learning), ao libertar os utilizadores das ligações fixas, permite perspetivar uma evolução para uma maior conectividade e ubiquidade (c-learning e u-learning) nas comunidades de aprendizagem, trazendo novos cenários educativos para a inovação da escola, não no sentido de a eliminar ou substituir, como justamente alerta Santaella (2013, p. 304), mas de se “interpenetarem”, sendo que “um dos maiores desafios que a aprendizagem

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ubíqua hoje apresenta para a educação formal é a da busca de estratégias de integração entre ambas”, e a autora, de seguida interroga-se sobre “Como tirar proveito das potencialidades da ubiquidade para o ensino? Como complementar a aprendizagem ubíqua com aquilo que lhe falta e que só a educação formal lhe pode trazer?” (idem, p. 304).

Nos pontos seguintes procuraremos dar o nosso contributo em torno dessas estratégias, refletindo sobre as mudanças organizativas, mudanças na relação com o saber e mudanças metodológicas, ou seja, usando as questão anterior: Como complementar a educação formal com aquilo que lhe falta e que as TDIC lhe podem trazer?

Mudanças organizativas

As repercussões organizativas compreendem aspetos relacionados com a questão da centralização/descentralização, da flexibilidade do tempo e do espaço escolares e da adaptação curricular.

Na primeira questão trata-se de considerar as vias de tomada de decisão entre os vários níveis do sistema, seja no domínio da administração, da construção e do desenvolvimento do currículo. Ribeiro Gonçalves (1992:96) identifica as três vias clássicas da tomada de decisão (central-periférica, a periférica-central e a periférica-periférica) e, equacionando as vantagens e desvantagens de cada via, propõe a criação de uma via colaborativa através do estabelecimento de redes interescolas, intralocalidades e interlocalidades. Ora, os ingredientes das TDIC, sobretudo pela potencialidade da interatividade, vêm ao encontro da construção desta via colaborativa, possibilitando a criação de uma rede eficaz de comunicação entre as escolas e com outros espaços extra-escolares, abrindo-as ao exterior e à associação em territórios educativos, independentemente de fatores geográficos e domínios institucionais, ou seja, permitem repensar a escola como uma verdadeira comunidade de aprendizagem, através da interpenetração de diversificados espaços, multirrefenciais, em que pode ocorrer a aprendizagem.

A contribuição para a flexibilização do tempo e do espaço escolares e para a adaptação curricular passa pela possibilidade em se estabelecer uma comunicação

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permanente entre os conteúdos a aprender e os alunos, a qualquer hora e desde qualquer lugar, permitindo também que o professor faça as alterações necessárias ao seu programa, ajuste os conteúdos e o seu modo de apresentação às características e necessidades dos alunos. Trata-se de efetuar transformações no tão tradicional modelo de organização pedagógica assente no grupo-turma. São sobejamente conhecidos os traços gerais deste modelo: para o conjunto das disciplinas, o grupo de alunos é constituído para o ano inteiro (num processo de escolha em que o aluno não exerce qualquer direito de preferência), encontrando-se todas as semanas, em dias, horas e lugares fixos, perante o professor encarregado de lecionar a respetiva disciplina, no quadro de um programa e de um plano de estudos que se impõem a todos (professor e alunos).

No contexto da Reorganização Curricular para o Ensino Básico em Portugal (na década de 90 do século) o Conselho Nacional de Educação emitiu um parecer, a respeito de uma nova duração do tempo da aula, onde se afirmava que “não há turmas ou classes, há alunos”, e que “a execução dos programas e das estratégias de ensino-aprendizagem no sentido do atendimento individualizado (...) vai exigir uma nova organização dos espaços e dos tempos de ensino”, recomendando que as “escolas deverão poder optar pela organização do tempo letivo que mais se adequar à realidade vivida, evitando-se uma nova padronização, já que não será uma nova padronização dos tempos lectivos que provocará o aparecimento de novas práticas, mas serão, certamente, as novas práticas que conduzirão a uma nova gestão dos tempos letivos” (SILVA, 2001, p. 136; os negritos são nossos).

Há inúmeras investigações que demonstram a ineficácia deste modelo, sugerindo a implementação de uma nova organização pedagógica, cuja chave constituiria no equilíbrio entre as atividades da turma, do pequeno grupo e do indivíduo, criando-se deste modo o equilíbrio necessário entre a aprendizagem orientada pelo professor e a que é desenvolvida por iniciativa dos alunos. Esta organização orientar-se-ia pelos princípios da pedagogia diferenciada e dos modelos construtivistas da aprendizagem, cujos objetivos assumem que o indivíduo é o centro condutor das ações e atividades realizadas na escola. As TIC permitem corresponder às expetativas deste novo modelo, desde logo, por possibilitarem a adoção de uma nova definição do tempo escolar, tal como foi proposta por Schwartz & Polllishuke

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(1995): flexível para adaptar-se às necessidades dos alunos e flexível para adaptar-se às mudanças da planificação e programação. Trata-se de desescolarizar o tempo e o lugar (sala de aula), retirandos-lhe a dimensão coletiva que atualmente têm: o mesmo tempo e a mesma sala para todos os alunos.

Mudança na relação com o saber

As repercussões em relação com o saber compreendem aspetos que vão desde pôr à disponibilidade dos alunos todo o tipo de informação relacionada com o programa, do acesso a outras fontes de informação diferentes, à atualização permanente dos conteúdos através do acesso a bases de dados e ao estabelecimento de uma relação direta com os criadores do conhecimento. Trata-se, como afirmou Machado (1995:466) do “pleno acesso ao conhecimento”, num novo paradigma de aprendizagem em que aprender “consistirá em saber interagir com as fontes de conhecimento existentes [...] com outros detentores/processadores do Conhecimento (outros professores, outros alunos, outros membros da sociedade)”.

Contudo, a ideia do “pleno acesso ao conhecimento” não se pode confundir com “totalidade” (LÉVY, 2000). A Web gera de facto um fluxo informativo que não cessa de crescer (um segundo dilúvio, metáfora utilizada por Pierre Lévy), e esta abundância informativa sugere, paradoxalmente, que o acesso pleno, o todo, é inacessível. O problema não está no acesso livre e fácil, é uma vantagem, mas em saber o que procurar e como o fazer. Lévy (idem), ao convocar o Dilúvio, utiliza a imagem da arca de Noé: assim como no meio do caos Noé fez uma seleção dos dados e construiu um mundo bem ordenado na sua arca, também os utilizadores da web devem saber domar o caos informativo, arranjar zonas de familiaridade e construir um sentido para o seu universo comunicacional.

Interessa ainda questionarmos a ideologia do acesso direto à informação, propagandeada no faça você mesmo e que tal pode ser feito em just–in-time (a qualquer hora e de qualquer lugar). Usada no seu fundamentalismo extremo, esta ideologia dispensa a figura da intermediação do professor. Ora, não obstante os progressos proporcionados pela tecnologia no acesso direto e individualizado à informação, esta perfomance merece ser questionada quando o aspeto crucial da

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comunicação educativa consiste em transformar a informação em saber. De que serve ter acesso direto a um repositório de dados se não se souber o que fazer com esses dados? Concordamos com Wolton (2000) ao esclarecer que a resposta é cultural e remete para a complexa questão dos meios cognitivos de que o indivíduo dispõe para reintegrar a informação no seu contexto e para dela se servir. Ou seja, a tecnologia torna possível o acesso direto à informação, mas não é possível o acesso direto ao conhecimento. Passar de um conhecimento intuitivo e sumário do senso comum para a um conhecimento reflexivo em que o indivíduo seja capaz de organizar, associar e estabelecer relações com as informações não se alcança com a imediaticidade do direto: requer tempo, muito tempo, calma e paciência para aprender a pensar. A navegação pelo oceano googliano (motor de pesquisa Google) requer a intermediação humana, nomeadamente a dos professores junto dos alunos, para os apoiar a tranformar a informação em conhecimento. Deste modo, a Web deslocou a perspetiva da individualização da aprendizagem, muito em voga nos inícios da aplicação da informática e do multimédia no ensino, fazendo emergir uma ideologia técnica que vincava a interação aluno-máquina sem qualquer outra intermediação, para uma perspectiva de aprendizagem cooperativa e colaborativa, sendo esta uma das mudanças qualitativas mais prometedoras que a Web e suas redes ubíquas proporcionam à educação e à escola, verdadeiramente desafiante para que os professores encontrem o seu novo papel de preparar os jovens nativos digitais para o mundo (Silva, Duarte & Souza, 2013).

Não mais o papel tradicional de transmissor da informação, pois agora, mais de nunca, o professor deixou de ser o único detentor do saber, não mais o falar-ditar do mestre, como reforça Marco Silva, mas um papel de mediador das aprendizagens, que “disponibiliza um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos alunos, que garante a possibilidade de significações livres e plurais (narrativas possíveis) e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica embutida em sua proposição, coloca-se aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos alunos” (SILVA, M., 2012, p. 230).

Mudanças na metodologia

Constata Perrenoud (2000, p.9), que é “Absurdo ensinar a mesma coisa no

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mesmo momento, com os mesmos métodos, a alunos muito diferentes”, propondo uma pedagogia diferenciada que responda às caraterísticas individuais dos alunos, de modo a que possam vivenciar situações fecundas de aprendizagem. No entanto, das intenções às ações vai um logo hiato e caminhada. O autor lembra os vários percursores desse ideário, de meados do século XX, como Claparède e Freinet, bem como as propostas de uma “pedagogia compensatória” surgidas em França da década de 60. O insucesso da implementação destas propostas não se deve exclusivamente aos meios (recursos didáticos), mas os media/TIC concebidos para a comunicação de massa não ajudavam em nada às singularidades exigidas pela pedagogia diferenciada. O mesmo não se passa com net media, as quais contêm potencialidades para se criarem metodologias singulares e variadas adaptadas ao perfil de cada aluno e aos contextos de aprendizagem. As atuais TDIC permitem valorizar o método, o processo, o itinerário, o como, dando aos professores a possibilidade de ensinarem de “outro modo”, permitindo pensar num paradigma metodológico que rompa com o modelo de pedagogia uniformizante. Tal paradigma passa pela combinação dos ambientes presenciais com os ambientes online, dos ambientes fechados com os ambientes abertos, da ligação das escolas em rede, entre si, e com outras fontes produtoras de informação e do saber. Num sistema em que a tecnologia assegura a difusão da informação, ensinar de “outro modo” deve significar, necessariamente, ensinar a construir o saber, ensinar a pensar.

cOnSiDERaÇõES FinaiS

Ao longo deste texto procuramos analisar a mudança dos cenários educativos proporcionada pelas transformações operadas nas TIC, bem como algumas das potencialidades que estas contêm para transformar a escola no sentido de responder aos desafios da sociedade digital.

Consideramos que as TDIC contêm potencialidades para expandir a complexidade do diálogo da sala de aula, possibilitam quer o acesso e manipulação de fontes exteriores de informação, quer a comunicação a distância, o que em termos práticos significa aprendizagem colaborativa e expansão da capacidade de diálogo interpessoal. A envolvência das aplicações multimédia e a combinação da sua flexibilidade com a comunicação virtual levou-nos a designar este novo paradigma

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educacional por Comunidades Virtuais de Aprendizagem que, devido à utilização que fazemos do termo virtual ao adotar o conceito da cultura da virtualidade real de Castells (2004), preferimos designar por Comunidades de Aprendizagem, sem mais adjectivação.

Pensar as escolas como comunidades de aprendizagem significa que os projetos de aprendizagem são construídos com base na partilha de motivações comuns, de afinidades de interesses, de conhecimentos, de atividades, de projetos, num processo de cooperação e interações sociais entre escolas e outras instituições comunitárias, entre autores e leitores, independentemente das proximidades geográficas e domínios institucionais. Deste modo, os professores e os alunos podem, não só, desenvolver interações satisfatórias entre si, mas também, cada escola e/ou cada um dos seus membros pode estabelecer relações plurais e colaborativas com outras escolas, com colegas, com peritos ou instituições diversas.

O processo é complexo, não é tão simples como possa parecer. No processo de integração das TDIC pelos atores educativos, nomeadamente por parte dos professores, joga-se um conflito de posicionamentos entre tecnófobos e tecnólatras (Silva, 1999), que Umberto Eco também designou de apocalípticos e integrados (Eco, 1973). Ambas as posições extremas (fundamentalistas) são prejudiais ao sucesso da integração na educação e na escola das tecnologias. Por um lado, a posição tecnófoba, ao considerar a tecnologia como uma “realidade estrangeira”, tem sido responsável pela desadaptação da escola à cultura tecnológica, originando que muitos professores adoptem uma resistência do tipo ludita, de resistência. Por sua vez, a visão tecnólatra, com a atitude de excessivo entusiasmo nas potencialidades da tecnologia, perturba a razão quando se advoga que estamos perante máquinas pensantes, definidoras do pensamento humano. No decurso da discussão das duas posições extremas e fundamentalistas defendemos uma posição de equilíbrio (SILVA, 1999). De uma maneira geral, as TDIC não merecem os acérrimos ataques desencadeados contra elas, confundindo-se muitas vezes a sua capacidade maléfica com o mau uso que se faz delas, nem subscrevemos as excessivas expetativas para provocarem só por si a mudança. Retomando as lógicas de uso dos objetos técnicos advogamos uma atitude maioridade, em contraste a um uso de menoridade, a qual se caracteriza por adotar: uma atitude reflectida, baseada na análise

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do saber discursivo e racional do conhecimento das TDIC; uma racionalidade comunicativa (em vez de instrumental), examinando objetivamente aquilo que as tecnologias nos oferecem para modificar a escola e as práticas pedagógicas; uma complementaridade entre a riqueza comunicacional proporcionada pelas TDIC – que reforça a construção social do conhecimento sem barreiras de espaço e de tempo – e a riqueza dos processos de significação favorecidos pela dimensão sensório-afectiva-social da comunicação presencial.

Em nosso entender, o grande desafio para a escola e os professores consiste em compreender a chegada do tempo de tecnologias que dão oportunidade para redesenhar as fronteiras de uma escola aberta aos contextos sociais e culturais, à diversidade dos alunos, aos seus conhecimentos, experimentações e interesses, enfim, em instituir-se como uma verdadeira comunidade de aprendizagem.

Nesse sentido, concluimos com a partilha do pensamento do Primeiro Ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, no depoimento sobre o Programa Mundu Novu, que tem nas TDIC um dos principais pilares para a modernização das escolas no seu país, ao expressar:

“A nossa perspetiva é construir escolas cidadãs, capazes de formarem jovens visionários, jovens criativos, jovens inovadores, jovens capazes de quebrar todas as fronteiras e todos os limites, e desafiar o futuro”.

(in Programa Mundu Novu, 2012)

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Bento Duarte Silva - Cenários educativos de inovação na sociedade digital

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FormAção e DeSenVoLVimento ProFiSSionAL DoCente: AnotAçõeS SoBre PoLítiCAS e PrátiCAS no SiStemA eDuCAtiVo CABoVerDeAno

Silvia cardosoUniversidade Católica de Braga

[email protected]

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Caros “Coloquianos”,

O Iº Colóquio Cabo-verdiano da Educação, CEDU/2013, “…Nas Pegadas das Reformas Educativas”, como o primeiro evento desta natureza, realizado com o intuito de reunir a comunidade científica em torno das problemáticas que povoam a Educação Caboverdeana, surge num momento em que se discutem e se implementam mudanças profundas no sistema educativo nacional.

Tais mudanças provocam inovações, sobre as quais pretende-se estimular a reflexão dos académicos nacionais, de modo a perceber como estes analisam os problemas educativos e que contributos podem prestar à evolução do sistema de educação e formação, através das investigações científicas que realizam. Durante os dois dias em que se concentra neste espaço ampla participação de estudiosos, nacionais e não nacionais, estou em crer que a iniciativa produzirá frutos neste sentido e que estes serão contributos substanciais para o aprofundamento da reflexão participada em matéria de educação e formação no País.

Esta conferência está organizada em torno de dois pontos que me parecem fundamentais, entre as muitas opções e abordagens possíveis. Permitam-me iniciar com um primeiro ponto, onde dirijo algumas palavras de apreço à Uni-CV, instituição organizadora deste Colóquio. Num segundo ponto, abordarei alguns tópicos acerca da formação de professores, painel onde se inscreve esta conferência, querendo com isso participar da discussão no âmbito desta problemática, ou outras a ela associadas.

1. naS PEgaDaS DO cOLÓQUiO…

O CEDU/2013, efetivamente, está a ser um fórum colaborativo de discussão sobre a Educação que se vive, que se constrói e que se projeta no interior dos espaços nacionais e internacionais, num mundo globalizado de conhecimentos e experiências.

Saúdo este espaço de convergência das questões educacionais, como uma iniciativa de partilha de conceções, perspetivas e olhares, entre diferentes atores

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educativos, onde impera a divulgação de trabalhos de investigação científica que estão a ser realizados neste domínio por educadores (docentes e não docentes), nos mais variados domínios da Educação, em diferentes níveis de ensino e formação.

Vejo com satisfação a participação de um número significativo de estudiosos nacionais e internacionais, que se cruzam neste evento para discutir a atualidade à esfera global e local. Além disso, este ponto de encontro, tornando-se regular, afirmar-se-á como um organizador de contributos científicos para a compreensão da realidade educativa nacional e transnacional, correlacionando o global com o local, sempre almejando a transformação para a melhoria constante da Educação que se oferece às novas gerações.

Naturalmente, a Educação constitui, hoje mais do que nunca, um setor chave para o desenvolvimento sustentado. Daí que, em Cabo Verde, assim como em vários outros países, se vivam processos de renovação profunda no setor, de forma global ou parcial, em que se configuram as opções das políticas educativas, nem sempre implicadas em processos decisionais construídos com base em uma perspetiva holística, pluridimensional.

O I Colóquio Caboverdeano de Educação é um momento de importante debate sobre questões educativas e educacionais, associadas à reforma do sistema educativo e de formação, em curso em Cabo Verde. Uma análise mais objetiva e descomprometida, por parte dos investigadores, pode apoiar a reconstrução de processos em curso, como também o repensar de opções e orientações educativas na procura de soluções ajustadas. Acredito que este espaço de problematização e (des)construção proativa dos fenómenos educativos, pode afirmar-se com uma maior mobilização e envolvimento da comunidade científica nacional de forma efetiva, estruturada, crítica e dialogante, em torno das mudanças e inovações em curso no sistema educativo, em resposta às expetativas e desafios colocados pelos Ministérios da Educação e do Ensino Superior, no desenvolvimento da investigação educacional, entendida como meio de alimentação do mesmo sistema.

Como cidadã caboverdeana, celebro esta oportunidade proporcionada aos atores educativos como uma oportunidade de fazerem chegar aos órgãos do poder

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contributos para o sistema sobre perspetivas e temáticas educativas diversas, mas também para o empowerment individual, ambos importantes para a valorização profissional e setorial, na perspetiva colaborativa.

Considero fundamental no sistema educativo, promover a investigação científica em torno das questões educacionais para alimentar o mesmo e para proporcionar o desenvolvimento da própria comunidade científica nacional. Com efeito, através deste evento, foram envolvidas temáticas diversas na forma de conferências, comunicações livres e posters, que considero valiosas no quadro do processo de integração de políticas educativas e curriculares, em curso, entendendo tratar-se de um campo de grandes mudanças e inovações, na atualidade educativa caboverdeana. Entenda-se, por exemplo, o alargamento da escolaridade obrigatória, a reestruturação do sistema educativo, a formação de educadores e a introdução de tecnologias educativas no ensino e na formação, como as grandes dimensões da reforma educativa em curso, em harmonia com o devir social e desafios inerentes.

Os desafios da globalização fizeram catapultar para o debate a problematização em torno de reformas educativas e ajustamentos com caráter inovador em harmonia com as tendências mundiais e as necessidades e expetativas locais. Aqui, evidencia-se a importante desconstrução, pelos académicos, das atuais políticas educativas mundiais e suas repercussões a nível global, em consequência das decisões e medidas que hoje habitam o setor educativo, associando-o a interesses económicos tendencialmente neoliberais. Os processos, realidades educativas e inovações curriculares suscitam efetivo debate sobre as novas opções das políticas educativas e curriculares no sistema educativo, numa perspetiva de educação comparada. Esta perspetiva baseia-se na análise das políticas locais, querendo perceber as conceções, as perspetivas e as relações e influências com outros contextos educativos.

A formação de professores: políticas, inovações e desafio - painel onde se inscrevem as palavras dedicadas à segunda reflexão que proponho nesta conferência - permite perceber as dinâmicas e processos em construção em Cabo Verde, e o confronto com os desafios, quer nacionais, quer aquelas associadas a outros sistemas, nomeadamente nos Estados Unidos da América e na Europa, pelos

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colegas visitantes. Naturalmente, importa questionar as aprendizagens que se propõem aos alunos e que os professores estão encarregues de gerir, enfatizando os modelos de gestão do ensino e da aprendizagem promotores de (in)sucesso, os quais recomendam uma estratégia de socialização e exploração intensiva das tecnologias educativas, bem com a necessidade de clarificação da institucionalização do crioulo/língua caboverdeana no currículo escolar. Ainda determinante é, sem dúvida, a ênfase nas novas necessidades no ensino e na formação de professores, devendo debater-se fundamentalmente a revisão da formação inicial e a introdução de uma estratégia permanente de formação contínua continuada, em regime acreditado em conformidade com as perspetivas governativas atuais, bem como com as necessidades reais do sistema educativo e de formação.

Educação e desenvolvimento sustentável, uma temática de suma importância considerando o entendimento de que as políticas educativas e curriculares devem ser construídas de forma sustentável, em harmonia com as necessidades setoriais, as quais resultam da observação e da resolução de problemas e exigências, para alcançar respostas educativas e educacionais, numa perspetiva holística.

Para uma adequação do serviço educativo às necessidades socioeducativas, impõe-se uma análise de questões e opções de políticas educativas, administrativas e da gestão educacional, dando destaque ao novo ordenamento jurídico, ao incentivo do plano tecnológico nacional, expresso através do Programa “Mundu Novu”. Destacam-se as adequações necessárias do parque escolar e da formação de professores, mas também os rumos dos atuais discursos políticos e práticas em matéria de educação e formação que povoam a realidade global, assim como as contrariedades que se colocam à gestão de novas tendências e interesses em educação.

Com estas palavras quis valorizar a pertinência do quadro temático proposto pelo Colóquio, destacando os resultados interessantes que decorreram das discussões tidas, até este momento.

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2. naS PEgaDaS Da FORmaÇÃO DE PROFESSORES…

Neste ponto, começo por fazer uma breve contextualização do processo de formação de professores em Cabo Verde, não necessariamente para os colegas caboverdeanos, mas particularmente para os visitantes, muitos pela primeira vez em Cabo Verde. Posteriormente tentarei perceber as tendências do subsistema de formação integrando o global com o local.

Assim, desde a Independência Nacional a Educação e a Formação ocupam indiscutível centralidade nas opções de políticas sociais vistas como instrumentos fundamentais para a afirmação do País. Estes elementos afirmaram-se como parte de uma estratégia de empowerment pós independência, para a capacidade de organização e gestão e prestação do serviço público. Nesta estratégia foram tidas como essenciais a construção, a coesão e a inclusão sociais; de igual modo a capacitação e o reforço governativo no quadro da valorização de uma democracia participativa e progressista, onde o bem mais precioso, perante a escassez de recursos naturais e financeiros, dizia-se (ideologicamente estimulados por Amílcar Cabral), ser o Homem caboverdeano.

Hoje novos ventos sopram sobre estas ilhas e trazem consigo a noção de que é preciso investir sobre as conquistas de outrora, promovendo um diferencial de menor dependência e maior competitividade. É preciso, fazer parte da “sociedade do conhecimento” e encontrar uma dinâmica de “economia do conhecimento”, integrando os desafios mundiais com estratégias localizadoras, com vista à competitividade e à inovação, sem as quais, hoje, se torna inviável qualquer processo de desenvolvimento humano.

É necessário, na afirmação do campo educativo e da formação, desenvolver uma estrutura de respostas institucionais, integradora dos agentes educativos, particularmente os professores. Esta terá de ser capaz de proporcionar o acesso dos jovens aos conhecimentos, saberes e competências, que os capacitem para construir o seu processo de vida ativa e das suas vivências enquanto cidadãos. Este processo integra uma perspetiva de formação ao longo da vida quer motivada por interesses pessoais, quer na relação permanente com a comunidade que os rodeia e

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da qual fazem parte como crianças, jovens e adultos, cientes das responsabilidades individuais, coletivas e sociais, perante a sua existência produtiva, política e cultural.

A formação dos jovens caboverdeanos está nas mãos dos agentes educativos, familiares, comunitários e estatais. Enquanto figura institucional o professor é o elemento fundamental da cadeia de funções educativas, formalizadas por processos políticos e pedagógicos. Daí que, a formação docente tenha sido uma preocupação de topo do Sistema Educativo Cabo-verdiano, desde a sua constituição na sequência da Independência Nacional do País, em 1975.

Com a Independência Nacional, o Estado de Cabo Verde - através do Ministério da Educação - incrementa significativamente o setor da Educação e Formação, procurando a sua afirmação e desenvolvimento. Assim, impõe-se como condição fundamental e incontornável nesse processo, a revisão da preparação dos docentes de modo a garantir a exequibilidade a estabilidade do sistema que, nos primeiros anos de vida, também se sustentou de professores cooperantes, sobretudo portugueses, em quase todas as áreas de conhecimento, particularmente no ensino secundário.

A chegada à escola de públicos desfavorecidos está relacionada com a democratização das condições de acesso ao ensino, permitindo a todas as camadas sociais a sua frequência, com sucesso. Mais, ainda, permitiu-lhes aspirar e realizar a formação superior (na altura quase exclusivamente obtida no exterior) com ganhos efetivos para a superação da condição social de pobreza e para a ascensão à condição de classe média nacional. Em consequência deste investimento nos recursos humanos, na década seguinte o País já se encontrava em condições de assegurar o funcionalismo público e as funções de Estado. A par disso, nascia uma nova classe média nacional, da convergência de diplomados no País e das oportunidades criadas pelo Estado Independente. O Estado passou a ser o principal empregador e, ainda hoje, é visto como o patrão mais seguro, considerando as fragilidades do tecido empresarial (tema para outras conversas).

Na década de 1970, a Escola do Magistério Primário que realizava a formação de professores para o Ensino Primário monodocente até a 4ª classe deu lugar

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ao Instituto Pedagógico com a missão de formar professores para assegurar o Ensino Básico. Em atendimento à Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro), primeira Lei de Bases do Sistema Educativo, o Instituto passou a formar professores para a monodocência de 6 (seis) anos de escolaridade, instituída como Ensino Básico Integrado. Foi operada uma revisão da formação para sustentar competências para a lecionação por áreas de conhecimento de Língua Portuguesa, Ciências Integradas, Matemática e Expressões, do 1º ao 6º ano.

Convém referir que esta foi uma opção política ambiciosa que não se concretizou em absoluto. No processo, sucederam enviesamentos associados à maior ou menor facilidade dos docentes em se realizar numa ou em outra área de conhecimento, sendo que os parentes mais pobres foram, até hoje, as áreas de Expressões e de Língua Portuguesa. No caso da primeira, eventualmente pelo facto de associar à metodologia e à convergência pluridisciplinar, onde pesa especificidade versus professores habilitados para as diferentes artes e simultaneamente a educação física e desporto escolar; quanto à segunda pode ser explicada pelas dificuldades e limitações dos professores em possuir um bom domínio da Língua Portuguesa, assim como a polémica coexistência da Língua Portuguesa com a Língua Crioula, que ainda está a espera de uma metodologia funcional e valorativa de ambas as línguas, impedindo a anulação ou secundarização curricular ou sociopolítica (também tema para outras conversas).

Hoje, debate-se a formação de professores para o Ensino Básico de 8 anos de escolaridade, em aplicação do Decreto-legislativo nº 2/2010, de 7 de Maio, que atualiza as Bases do Sistema Educativo, procurando equacionar novas abordagens para assegurar as opções das políticas educativas e curriculares, permitindo-se regularizar experiências em curso no Sistema Educativo, entre 2006 a 2010. Neste período dá-se particular atenção à instituição de um modelo curricular por competências, no ensino e na formação de professores, embora este modelo já exista na filosofia da Lei de Bases anterior e só muito recentemente, com a nova tutela do Ministério da Educação, se tenha proporcionado a sua interpretação oficial e consequente priorização no sistema de ensino e formação.

Mais, atualmente associada à Reforma Educativa em curso, procura-se incrementar

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um novo modelo de formação de professores para o Ensino Básico, mais focalizado na geração de conhecimento científico local, organizado e integrado com as teorias e práticas que estão na base da sua formulação, seja pela absorção das tendências globalizadas em Educação, que apontam para uma formação de professores, com o nível mínimo de licenciatura; seja pela integração das tecnologias educativas como recursos, tanto na formação de professores como no sistema de ensino, com especial valorização da formação à distância, no primeiro caso, e a produção de conteúdos digitais, em ambos os casos. Estas iniciativas devem-se muito à revisão curricular em curso, apesar de observadas controversas quanto ao método, timings e recursos (tema também para outra conversa).

Voltando à formação de professores para o Ensino Secundário, foi criada a Escola de Formação de Professores para o Ensino Secundário, em 1979, com vocação para oferecer uma formação com o nível de bacharelato, grau comum em outros sistemas educativos contemporâneos. Nos dias de hoje, o antigo Instituto Superior da Educação foi “absorvido” pela Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), no quadro da constituição desta Universidade e da integração das escolas e institutos públicos existentes. Na Uni-CV o Departamento de Ciências Sociais e Humanas é responsável pela maior parte dos cursos de educação.

Hoje as instituições universitárias, Uni-CV e IUE, conferem o grau de licenciatura, integram mestrados e preparam-se para experiências em doutoramentos, quer na preparação de docentes para o exercício profissional nos ensinos básico, secundário e universitário, quer na formação de profissionais de educação. Exercem a sua ação formativa em cursos de educação e formação, em vários domínios das Ciências da Educação. Nestas formações existe forte determinação estratégica para a valorização das Tecnologias Educativas no Ensino e na Formação em harmonia com o DLBSE/2010, havendo, já, oferta formativa em regime b-learning.

No que se refere aos paradigmas da formação de professores, a partir de estudos sobre este subsistema realizados por Cardoso (2003), com base em normativos, entrevistas semiestruturadas e conversas informais, observação e análise de práticas partilhadas em grupos de trabalho, o subsistema da formação de professores alimenta-se de diferentes tendências, seguindo de perto referenciais

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teóricos que, também influenciaram a formação de professores em Portugal em épocas imediatamente anteriores. Esta questão pode encontrar alguma explicação na cooperação com esse País neste domínio e a importação de modelos que estes processos acarretam, com vantagens e constrangimentos.

Das renovações ocorridas desde a criação do Ministério da Educação e que se encontram associadas às reformas1 das Bases do Sistema Educativo, no que se refere à formação de professores, observam-se substanciais indicadores teórico filosóficos do paradigma reconstrucionista social (Zeichner, 1993), entendendo que o ensino e a formação proporcionados através deste, sejam capazes de proporcionar a alteração das desigualdades sociais, podendo facilitar a melhoria das condições educacionais das crianças social e economicamente desfavorecidas.

Acresce que, nestes marcos paradigmáticos formalizados no subsistema e visíveis nos discursos oficiais, formais e informais, subentende-se a centralidade conferida à relação pedagógica, recomendando que esta se organize facilitando a adequação do currículo ao contexto de realização e a exploração de métodos pedagógicos interativos, que permitam uma maior exposição das competências dos alunos e dos mecanismos cognitivos de resolução de problemas/tarefas/desafios de aprendizagem. Consequentemente a ação do professor pretende-se reconstrutora

1. Fica aqui um entendimento de reforma educativa com a intenção de ajudar na reflexão e no esclarecimento da polémica que se desencadeou quando a atual Ministra da Educação referiu factualmente três reformas no Cabo Verde Independente. “De acordo com o pensamento de Popkewitz (1994) referido por Pacheco (1996), no quadro jurídico a reforma educativa caracteriza-se pela introdução de alterações de natureza política, ideológica, social e cultural, o que implica uma adaptação estrutural do sistema em função das mudanças que se quer introduzir revelando-se, desta forma, parte de um processo de regulação social. Estas alterações resultam de novas propostas que se projectam nos objectivos, nas estratégias, na prossecução de prioridades, em função dos pressupostos de inovação, renovação, mudança e melhoria, com o fim de introduzir algo novo” (Cardoso, 2003, p.8).

A criação do sistema educativo nacional, na sequência da ascensão à Independência, implicou decisões da política educativa e curriculares e ajustamento orgânico face às necessidades educativas nos anos 1970, envolvendo a estrutura. Em 1990, a primeira Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro), integrou as mudanças ocorridas no período após a criação do sistema educativo nacional, a qual propõe novo ajustamento orgânico, curricular e estrutural. Por fim, em 2010, o Decreto-legislativo de Bases do Sistema Educativo (Decreto-legislativo nº 2/2010, de 7 de Maio), veio legitimar as decisões marginais existentes no período entre as duas publicações, e dar novos rumos às políticas educativas e curriculares nacionais, envolvendo, novamente, alterações estruturais e orgânicas.

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do conhecimento para torná-lo acessível ao aluno.

Este modelo põe a ênfase na relação entre a formação de professores e o contexto sociopolítico, incidindo sobre os valores da justiça, igualdade e da solidariedade, considerados fulcrais na ligação do aluno à realidade circundante e na promoção da capacidade de análise crítica e na consciencialização da sua intervenção social futura comprometida com a mesma realidade2. Fisicamente, esta decisão política manifesta-se no uso de uniforme, querendo ir mais longe na minimização dos efeitos dos contrastes socioeconómicos das famílias, em todo o sistema escolar.

Apesar desta determinativa reconstrucionista social, que considero a expressão viva da vontade e esforços políticos em conduzir as diferentes classes sociais em condições de igualdade, no subsistema da formação de professores parece ser constante a disfunção entre as opções e políticas de formação e as práticas de formação. Daí decorrem, do ponto de vista operacional, pressupostos do paradigma de eficácia social (Zeichner, 1983), na medida em que se fundamenta no estudo científico do ensino e da transformação dos seus resultados, revelando-se condutivista, pois aponta para a valorização da aquisição de recursos de natureza cognitiva. Para tal, contempla três vertentes de formação que abrangem os conhecimentos correlacionados com os conteúdos de lecionação, a pedagógica e a didática. Trata-se de currículos de formação concebidos, atualmente, para quatro anos letivos, e que conferem o grau de licenciatura, concorrendo para a determinação de um período de formação superior ao europeu, para o mesmo grau académico, a diferença de recursos dedicados à formação.

No que concerne aos fins e objetivos da formação de professores, o sistema valoriza, por um lado, a preparação científica e pedagógica procurando a inserção profissional, do professor, no meio em que se move, de acordo com as referências emergentes dos contextos sociopolítico, económico e cultural e, por outro, a formação pessoal e social do indivíduo enquanto detentor de faculdades que devem

2. O compromisso com a realidade caboverdeana e para com a sua transformação social e política esteve na base das opções de governação nas décadas de 1970 e 1980. Para além das políticas sociais do Estado, geraram-se mecanismos de participação e de liderança sociopolítica e de responsabilização social em todos os segmentos etários populacionais.

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ser desenvolvidas de forma a proporcionar o seu enriquecimento em capacidades, habilidades e hábitos. Esta orientação rege-se, do ponto de vista organizativo, pelo modelo integrado de formação que congrega três componentes em simultâneo: a científica, a pedagógica didática e o estágio profissional.

No que diz respeito à formação contínua de professores, é no Ensino Básico que tem havido um maior incremento, na sua maioria associada às mudanças no sistema e nos currículos de ensino, sendo de valorizar a atenção dada a este setor, apesar de, muitas vezes, ocorrer numa agenda tardia face à realidade. Em desfavor, pesam ainda no sistema muitas limitações que apresentam muitos professores deste nível de ensino, seja por alguma deficiente formação escolar, em certas circunstâncias, seja pelas condições e qualidade de acesso à formação de professores, nem sempre correspondendo a um perfil de entrada desejado. Isto apresenta-se como uma bola de neve em que se refletem dificuldades de realização nacional do perfil de saída dos alunos do ensino básico, com consequências para o ensino secundário que os recebe ou, mesmo, para o abandono escolar.

Do conhecimento que tenho vindo a ter de forma menos estruturada, mais empírica e sem grandes fundamentos de investigação científica, não se verificaram mudanças substanciais nem na estrutura, nem na organização curricular do Ensino Secundário. Organizado numa lógica disciplinar integrando as disciplinas tradicionais, o Ensino Secundário é onde a procura de formação pelos docentes parece ser menos substantiva.

Hoje, o número de alunos no Ensino Secundário já implicou ajustamentos do parque escolar; as novas abordagens metodológicas instituídas e a necessidade de resolução da situação de professores não profissionalizados que carecem de formação de natureza pedagógica e didática as iniciativas de formação contínua de professores chegam ao secundário através do atual Instituto Universitário da Educação (IUE). Acresce a importância que se pretende atribuir ao programa “Mundu Novu” na formação de professores em tecnologias educativas com a colaboração das instituições do Ensino Superior Público.

A concluir esta questão, é importante referir que apesar de não existir uma

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estrutura de formação contínua que possa oferecer aos docentes, em geral, oportunidades de implementar um processo pessoal de formação com recursos locais, na perspetiva de formação ao longo da vida, o Estado tem sido quase exclusivamente o promotor de iniciativas de formação e tem-se esforçado para proporcionar formação aos diversos grupos de profissionais educativos. Interessa naturalmente reforçar a intervenção e criar mecanismos permanentes de formação contínua e de desenvolvimento e valorização profissionais, devendo contar com iniciativas individuais dos docentes e com ofertas de formação contínua creditada por parte das instituições decorrentes de diagnósticos prévios, em função das realidades dos sujeitos e das instituições laborais.

a FinaLizaR…

Um questionamento muito presente nos discursos educativos atuais: Que perfil profissional docente formaliza o DLBSE/2010? Que professor para o século XXI?

À luz da reforma educativa, urge construir uma profissionalidade docente em sintonia com as crescentes exigências das mudanças educativas e curriculares, implicando o conceito de professor investigador em todos os segmentos do sistema. Para tal é preciso que o professor entenda a importância da formação no seu desenvolvimento e afirmação profissional, como um sujeito crítico, reflexivo (Zeichner, 1993) e corresponsável pela superação das dificuldades de realização que, hoje, contrariam o sucesso do sistema de ensino e de formação.

Assim sendo, é existencial o empenho do professor na construção de um projeto de formação e desenvolvimento profissional com o senso de empowerment, ditando a revisão, integração e expansão dos conhecimentos científicos, técnicos e metodológicos. Hoje o professor assume importância de mediador nos processos de ensino e de aprendizagem, e isso exige de si competências pluridimensionais que se fundamentam a partir de uma estratégia pessoal de atualização permanente, qualificando-se no/para o palco educativo, onde são importantes as reflexões sistémicas sobre as suas práticas; a investigação-ação em contexto pedagógico e/ou escolar, como método para a identificação de fraquezas e execução de soluções de ensino e formação para o sucesso e para a valorização pessoal de alunos e

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professores, bem assim, coletiva das comunidades a que pertencem; a formação para e/em ação envolvendo a tecnologia educativa como recurso potencial em Educação.

Com este entendimento, parece-me claro que o reforço do profissionalismo e da qualificação profissional docente exige um sistema organizado de oferta de formação contínua, tornando exequíveis as legitimas expetativas de superação dos professores, que pode ser realizado em torno de três modelos de modo coexistente e complementar, tendo por base os paradigmas da deficiência, do crescimento e da mudança (Eraut,1987cit in Pacheco, 1995). Da deficiência na medida em que, na sequência da realização da formação inicial, o professor precisa de dar continuidade à sua formação, em ordem a colmatar as lacunas resultantes das deficiências processualmente identificadas, bem como o combate à desatualização a permeabilização da aquisição de competências práticas em resposta a necessidades institucionais e consideradas prioritárias. Do crescimento visível nos normativos e nos discursos, que assumem a formação de professores como um propósito de crescimento e experiência pessoal para o desenvolvimento profissional, expressos na liderança e responsabilização do Estado na promoção das iniciativas de formação, que manifestam preocupações deste em colmatar as lacunas existentes. Da mudança, que se manifesta nas orientações para a formação visando a harmonização permanente entre a profissionalização e as solicitações cíclicas do sistema educativo.

À necessidade de garantia da qualidade do exercício da docência presente na LBSE-1990/99, reforçada pelo DLBSE/2010 e pelos discursos oficiais, associa-se um perfil profissional do professor e um papel de maior protagonismo no sistema de ensino, apresentando-o como elemento-chave de mediação ativa e atuante no processo pedagógico, numa construção gradual e sequencial, em harmonia com os referentes socioeconómicos e culturais das crianças.

Em consonância, o professor pretende-se com maturidade psicológica, científica, técnica e metodológica facilitados por sistemas de formação inicial e contínua. A estes pressupostos juntam-se qualidades humanas de âmbito da formação pessoal e social que permitem a expressão de competências relacionais que permitem ser

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exigente, na integração de uma gestão flexível do currículo e do clima de sala de aula; criativo, seguindo uma linha estrutural e objetiva, democrático permitindo-se uma intervenção crítica e dialogante com o aluno; participativo e proactivo na realização de agendas educativas globais e específicas. Um professor que paute o seu projeto pedagógico, tendo como base a investigação da sua prática na busca de melhores soluções educativas; um professor que observa a individualidade das crianças integrando estratégias focalizadas, para garantir a igualdade de oportunidades, o direito à diferença e o direito de aprender.

Termino saudando novamente este colóquio, uma iniciativa da comunidade académica local, ela própria à procura de modos da sua integração na busca constante de respostas para o sistema de educação e formação, naturalmente uma tarefa dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior, mas também uma responsabilidade da sociedade produtiva que, no dia-a-dia, se ocupa da educação das novas gerações ou da formação de professores, que sejam capazes de vencer os desafios e de realizar as expetativas educativas e educacionais do País.

Muito obrigada a todos.

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REFERênciaS

Cardoso, S.M.C.F. (2003). Reforma e/ou inovação curricular: um projeto de ensino básico renovado para Cabo Verde. Braga: Universidade do Minho (dissertação de mestrado).

Pacheco, J.A. (1995). Formação de professores: teoria e práxis: Braga: Instituto Educação e Psicologia, Universidade do Minho.

Zeichner, K. (1983). A formação reflexiva de professores: modelos e práticas. Lisboa: Editora Educa.

Zeichner, K. (1983). Alternative paradigms of teacher education.inJournal of Teacher Education, vol. 34, n.º 3, pp. 3-9.

DOcUmEnTOS LEgaiS

DLBSE/2010 - Decreto-Legislativo nº 2/2010 de 7, de Maio, de 2010

LBSE/1990/99 - Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro, na redação dada pela Lei nº 113/V/99, de 18 de Outubro.

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eDuCAção e DeSenVoLVimento: reFLexõeS e LiçõeS De umA exPeriênCiA

em ConStrução no enSino SuPerior

Júlio gonçalves dos SantosInstituto Politécnico de Viana do Castelo/ Centro de Estudos Africanos da

Universidade do Porto [email protected]

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inTRODUÇÃO

Gostava, em primeiro lugar de agradecer o convite que me foi feito para estar aqui presente neste I Colóquio Cabo-Verdiano de Educação. É um grande prazer e um privilégio regressar a este país no âmbito deste Colóquio. Agradeço esta oportunidade para poder partilhar algumas reflexões e lições de um já longo processo de enraizamento nas práticas de Educação e Desenvolvimento (EeD) através de uma crescente institucionalização e apropriação do conceito de cooperação e da implementação de projetos e programas. Vou tentar centrar a minha reflexão sobre a relação entre educação e desenvolvimento. Esta inspirou, em grande parte, o trabalho que foi realizado no campo da educação internacional, via cooperação para o desenvolvimento, ao longo dos últimos 13 anos na Escola Superior de Educação de Viana do Castelo. Este trabalho foi gerado pelo Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento (GEED) em articulação com uma rede de parceiros, a nível nacional e internacional.

Algumas das questões que nos marcaram (e nos inquietam ainda) e que determinaram um enquadramento concetual e metodológico que nos parece essencial para compreender a relação entre educação e desenvolvimento, foram: qual o contributo da educação para o desenvolvimento e para a redução da pobreza? Quais as condições que facilitam ou impedem o contributo da educação para a redução da pobreza? Em que circunstâncias é que a educação poderá efectivamente contribuir para o desenvolvimento e para a redução da pobreza (De Grawe, 2007)? Esta relação tem sido assumida/integrada na cooperação para o desenvolvimento? Que implicações tem esta relação tem para a conceção, implementação e avaliação de programas e projetos de cooperação? O que precisamos de saber para poder incluir esta dimensão nos processos de cooperação para o desenvolvimento de qualidade?

Notamos que estas questões estavam, muitas vezes, ausentes na filosofia e preparação dos projetos e que seria necessário repensar os conceitos e os processos de cooperação para o desenvolvimento e reconhecer a necessidade de um enquadramento teórico claro (Bengtsson, 2011).

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DESaFiaR aS FROnTEiRaS

Este é, naturalmente, um trabalho de descentramento e de aproximação a outros contextos educativos, sociais e culturais, que implica a construção contínua de uma outra abordagem sobre o mundo que evite o “olhar apressado e etnocêntrico do Ocidental” (Marques, 2008:30). Ramiro Marques diz mais, referindo a educação do caráter e o contexto de São Tomé e Príncipe que:

“(…) Não só não tem nada a aprender com as sociedades materialmente desenvolvidas do Ocidente, como, ao invés, tem muito que ensinar. Assim saibamos nós, Ocidentais, libertar-nos da nossa arrogância cultural e ter a humildade de aprender” (2008:31).

Foi preciso criar e institucionalizar um discurso e outras práticas sobre educação, cooperação e o desenvolvimento para dentro da instituição. Este foi o primeiro grande desafio. Um desafio de questionamento e de cedência mútua. O trabalho em cooperação para o desenvolvimento obrigou-nos ao (re)conhecimento sobre Educação para o Desenvolvimento, por exemplo, no quadro da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED) e no âmbito daquilo que se designou, na perspetiva do Conselho da Europa, como Educação Global. Estamos a lidar com estes conceitos e a integrá-los nas práticas letivas de futuros professores e na preparação de futuros cooperantes. Autores como Vanessa Andreotti (2008) e Annette Scheunpflug (2008:19) chamam-nos a atenção para a importância do conceito de aprendizagem e educação global – estes são “necessários para preparar as pessoas para viverem num mundo cada vez mais interdependente, para assumirem responsabilidade e para advogarem pela solidariedade global e pela justiça social”. Isto tem sido amplamente discutido nos cursos livres nos últimos 13 anos em Viana do Castelo e no Norte de Portugal em parceria com instituições da Galiza e dos Países de Língua Oficial Portuguesa.

O trabalho na área da cooperação para o desenvolvimento em educação pressupõe, em primeiro lugar, a construção de uma epistemologia da cooperação para o desenvolvimento onde surgem como fundamentais os princípios atuais de alinhamento, apropriação, sustentabilidade e orientação para a obtenção de

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resultados. No entanto, é necessário, como alertam King e Palmer (2013) que isto ultrapasse a mera retórica das declarações sobre a ajuda de Paris, Acra e Busan, abrindo a um debate destes conceitos e práticas no Sul para que a cooperação não se reduza a um domínio do Norte e se mantenha apenas como uma questão de países doadores e de países recetores. Estes princípios norteadores exigem uma tradução e mediação que tenha por base um conhecimento profundo dos lugares, das aspirações, das agendas nacionais e locais e dos atores. De facto, o envolvimento de uma instituição de ensino superior nas dinâmicas da cooperação em países em desenvolvimento constitui um grande desafio, a nível operativo, ético, epistemológico, metodológico e concetual. Assumir o papel de plataforma entre o Norte e o Sul obriga a um esforço de “descolonização das mentes” e apreciação de diferentes culturas, conforme Ngugi Wa Thiongoó nos alerta em “Décolonizing the Mind: The Politics of Language in African Literature”. A questão é: Estamos abertos para aprender com outros contextos e outras vozes do Sul?

No campo da cooperação entre os países lusófonos temos, na minha opinião, muito caminho pela frente. Necessitamos de um verdadeiro Djunta Mon1 de forma a revermos e criarmos renovadas formas de cooperação e colaboração. Precisamos, por exemplo, de fazer a chamada “assistência técnica” (ou cooperação técnica) de forma articulada entre equipas oriundas dos nossos países. Aliás, prefiro, pela experiência de Assistência Técnica de Proximidade (Silva et al, 2013) que fizemos a mais de uma dúzia de projetos, o conceito de “arte colaborativa” que envolve a criação de conhecimento a partir da aprendizagem com (e não só aprendizagem sobre), o compromisso entre atores e a reflexão sobre as práticas (Wilson, 2006).

Como salientei acima, necessitamos de uma epistemologia da cooperação se quisermos ter sucesso nos projetos em que estamos envolvidos. Não existe cooperação de qualidade sem investigação. No seio do GEED, nasceram a partir dos contextos de implementação vários projetos de investigação: 1 mestrado que traça a ponte entre ED e economia social (em fase de conclusão), 3 mestrados já concluídos (dois sobre Angola e um sobre a Guiné-Bissau) e 6 doutoramentos (um já

1. “Djunta Mon” é uma forma de colaboração tradicional na agricultura de Cabo Verde. Mas este termo também é usado para indicar colaboração no sentido mais geral: juntar as mãos (Loft et al, 1993). Tem também o significado de colaboração/cooperação no Crioulo da Guiné-Bissau (Scantamburlo, 2002)

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concluído e 5 em fase de preparação nas Universidades do Minho, Porto e Católica do Porto). Um dos doutoramentos envolve também um trabalho colaborativo com a Universidade Pública de Cabo Verde. Assumimos o papel, quer de investigadores, quer de práticos de terreno.

Temos, enquanto investigadores e práticos de terreno em contexto africano, de considerar o desafio de Amina Mama (2012, 532) que nos interpela a “descolonizar a vida intelectual”, sobretudo quando esta é “caracterizada pelo recurso acrítico a paradigmas, conceitos e metodologias que são gerados no exterior e que reduzem a África a algo de simplista e homogeneizado”. A integração e reconhecimento, no seio das instituições de ensino superior, de conhecimentos, valores, metodologias que espelhem e reforcem as “vozes e as práticas do Sul” e a diferença (enquanto um recurso e não como um problema), é um passo fundamental para lidar com questões de poder, desigualdade e para desafiar noções de supremacia cultural que, de acordo com Andreotti (2008:57), desencadeia (e isto podemos observar no nosso dia-a-dia) atitudes paternalistas em relação aos povos do Sul. Isto tem de implicar uma escuta atenta das necessidades e aspirações em relação aos problemas que devem ser investigados, de forma conjunta entre equipas do Norte e do Sul e que enfatizem, por exemplo, como a cultura e os “fatores contextuais podem moldar o processo de investigação” (Stephens, 2007:58).

aPREnDER a OUViR O SUL

Na mesma linha de pensamento, “Aprender a ouvir o Sul” implica procurar ouvir os “modos de interpretação, representação e comunicação que tem estado historicamente marginalizados na investigação e no desenvolvimento educativos” (Holmes e Crossley, 2004:198). No âmbito da educação internacional – e esta tem-se situado no contexto da cooperação e da transferência de “expertise”entre sistemas educativos (Cambridge e Thompson, 2004) – tornou-se necessária, no nosso caso, uma reconcetualização de conceitos e práticas. Constitui exemplo disto, a tomada de consciência sobre os modelos de participação genuína nos projetos, sobre a integração de renovados conceitos na abordagem de projetos em contexto de “fragilidade educativa”, a singularidade dos processos de desenvolvimento e mudança educativos nos meios rurais e, sobretudo, torna-se urgente repensar a

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dimensão ética e moral quando se está a investigar grupos mais vulneráveis no contexto da relação entre educação e desenvolvimento.

Uma abordagem pós-colonial revela-se fundamental numa nova abordagem dos processos de cooperação e colaboração. De acordo com Young (2003:6) significa uma reorientação concetual para perspetivas de conhecimentos, e também de necessidades, desenvolvidos fora do Ocidente. Ainda recentemente nos interpelavam sobre: a definição do perfil do professor e da educação no meio rural na Guiné-Bissau ou para (re)pensar a educação para grupos mais marginalizados (povos nómadas) na província do Kunene no sul de Angola ou em 2009 para apoiarmos a capacitação linguística de professores regressados na província do Zaire em Angola. Estas questões, levantadas por agentes educativos, líderes associativos e decisores políticos reenviam-nos para uma agenda de investigação que possa emergir e seja sensível aos contextos.

Esta perspetiva de “aprender a ouvir” tem exercido uma influência na forma como temos concebido e operacionalizado os projetos de educação no contexto da cooperação para o desenvolvimento e, em particular, o nosso papel de “mediadores interculturais”, em várias situações, entre agendas globais (hegemónicas) e aspirações nacionais e locais. Esta abordagem, potencialmente mais próxima dos atores e dos contextos, põe em relevo a autenticidade de outras vozes (Crossley e Watson, 2003), assim como pode permitir a valorização do conhecimento local e fazer despertar para o entendimento e compromisso entre práticas e políticas de desenvolvimento e a(s) cultura(s) (Eade, 2002). Lembro-me, por exemplo, de ter estado num encontro sobre desenvolvimento local em Lagedos, na ilha de Santo Antão, em Cabo Verde, organizado pela Atelier Mar, onde se debateu o papel da cultura enquanto cimento aglutinador dos processos de desenvolvimento local. O nosso trabalho na província do Zaire, no norte de Angola também implicou o papel de mediadores interculturais entre agendas globais e locais num contexto de fronteira e de regresso à normalidade pós-conflito através da educação.

A nossa aprendizagem sobre a relação entre Educação e Desenvolvimento, assim como os processos de investigação em que estamos envolvidos têm tido como intenção revisitar o “lugar e o significado do conceito de contexto” neste mundo

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complexo e crescentemente globalizado (Crossley, 2010: 421). A nossa experiência e o contacto com os nossos colegas africanos dos Países Africanos Lusófonos coloca-nos perante aquilo que Michael Crossley classificou de “consequências da insensibilidade aos contextos”. Esta tem sido responsável pelo “falhanço na implementação de demasiadas iniciativas e reformas de elevados custos e induzidas internacionalmente em países de baixo rendimento” (pág. 423). As questões do contexto e diferença, ambos localizados no tempo e espaço parecem ganhar cada vez mais terreno de reconhecimento no discurso sobre o desenvolvimento. Filipe Zau (2006) recorda-nos a importância do reconhecimento de outras culturas, das línguas maternas e/ou da língua de contexto das comunidades. Isto parece-me crucial para entender, por exemplo, o trabalho da ADRA, (Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente) que abordarei brevemente a seguir.

Nesta linha de reflexão, Joseph Ki-Zerbo, em entrevistas reunidas na obra “Para quando África?” (2006) responde de uma forma muito crítica à questão “Qual a importância da educação como utensílio que permite desenvolver o potencial humano de África”:

“A educação deve ser considerada o coração do desenvolvimento. Hoje, isto justifica-se tanto mais porquanto o principal investimento é o da inteligência (…). Mais do que nunca, a educação e o desenvolvimento devem ser postos em equação, na condição de tratar-se de uma educação adaptada. É aqui que é necessário sair do mimetismo, da cópia pura e simples dos modelos vindos de fora. Tal como existe hoje, a educação é uma “educação antidesenvolvimento”. A maioria das crianças africanas recebe hoje uma educação que destrói o seu futuro em todos os planos”.

Ki-Zerbo defende o conceito de desenvolvimento endógeno, afirmando que nenhum povo se desenvolve unicamente a partir do exterior. Evoca o paradigma da árvore que está enraizada, vai ao fundo da cultura, mas também está aberta a trocas e a influências. No entanto, é “estando profundamente enraizado que se fica disposto a todas as aberturas” (pág. 156). Entendo esta metáfora à luz da necessidade muito urgente, em alguns países, de repensar a educação e o desenvolvimento no contexto africano e de buscar, inspirando-me nos conceitos de Manuel Veiga, um novo “chão” educativo onde cresça, de acordo com Manteaw

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(2012:382) uma “lógica pedagógica para o desenvolvimento sustentável” capaz de responder a “epistemologias africanas” que ajudem a compreender a complexa interconexão que existe entre a miríade de desafios que os Africanos enfrentam nas suas comunidades”.

A sociedade civil lusófona exerceu uma influência poderosa na forma como começamos a entender a relação entre educação e desenvolvimento numa primeira fase do nosso trabalho (entre 2000 e 2009). Foi, sobretudo, uma aproximação ao trabalho das Organizações Não-Governamentais (em particular as ONGD nacionais dos países lusófonos) que nos permitiu encarar o desafio da educação como um direito. Privilegiou-se o contacto com escolas, professores, agentes educativos, líderes comunitários, numa tentativa de tentar compreender os processos de educação e o seu potencial contributo para o desenvolvimento. Nesta fase, a unidade de intervenção e investigação foi a escola. Foi um período de intensa contextualização: desde ONGD nacionais como a DIVUTEC na Guiné-Bissau (Associação Guineense para o Estudo e Divulgação de Tecnologias Apropriadas) e a ADRA em Angola (Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente), passando por parcerias com organizações internacionais como UNICEF (em Timor Leste), Save the Children e Christian Children´s Fund (Angola), até organizações portuguesas como a CIC (em Assomada, Cabo Verde) e a Fundação Fé e Cooperação em Angola e na Guiné-Bissau. Por razões de natureza financeira, pelo reconhecimento do trabalho em Portugal e porque se tornou imperativo, no quadro de projetos, a assunção de estratégias de capacitação em articulação com o estado, a partir de 2009, trabalhamos intensamente com a cooperação oficial portuguesa na Guiné-Bissau e em Angola.

Na relação com a ADRA aprendemos sobre como se passa do conceito de desenvolvimento, centrado nas pessoas, à prática com ênfase em processos a partir de baixo. Segundo o seu fundador Fernando Pacheco, a ADRA é um projeto educativo, apresentando um “amplo espetro de atuação que vai desde a ação comunitária à influência sobre as políticas públicas em domínios como a agricultura, segurança alimentar, desenvolvimento rural, direito à terra, poder e desenvolvimento local, educação, direitos humanos e cidadania” (Pacheco, 2006). Assenta nos princípios de que as comunidades não são recetores passivos, a participação é condição

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fundamental para a tomada de decisões, o respeito pela identidade e pelos valores culturais e o equilíbrio nos processos de mudança (idem, 2006). No quadro da descentralização da educação, as ZIP (Zonas de Influência Pedagógica) foram lançadas pela ADRA, no âmbito dos seus projetos de desenvolvimento comunitário e, agora, estão a ser implementadas pelo Ministério da Educação. Atchoarena (2006) refere que muitas das inovações que têm a ver com participação comunitária, por exemplo, ocorrem nos meios rurais, desfavorecidos onde ainda se investem poucos ou escassos recursos em educação.

O conceito de desenvolvimento no qual se tem ancorado o trabalho de organizações como a ADRA aproxima-se de uma abordagem inter-relacionada, envolvendo o progresso num leque de disciplinas como a saúde, educação, economia e agricultura, afastando-se de um foco exclusivo no crescimento económico (Cremin e Nakabugo, 2012). A agenda global do desenvolvimento, subjacente aos chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milénio parece estar enraizada nesta conceção abrangente de desenvolvimento. Várias conferências internacionais, com apoio das Nações Unidas, defendem um modelo de desenvolvimento humano integral que substitua um modelo tradicional, estreito, da conceção economicista do desenvolvimento (um modelo top-down, assente numa sobreposição entre crescimento económico e desenvolvimento).

´Tem sido, como constataram, essencialmente através das práticas de cooperação que temos refletido sobre políticas e práticas de educação e desenvolvimento. Estas só contribuem com sucesso para a redução da pobreza se focarem na qualidade da educação.

DESaFiOS

Apresentei até aqui uma reflexão sobre a relação entre educação e desenvolvimento que abordou alguns desafios. Estes dizem respeito ao papel do ensino superior quando pretende, de forma sistematizada e coerente, compreender e implicar-se nos processos de cooperação para o desenvolvimento na área da educação. Não foi minha intenção esgotar este tema. Estas reflexões apresentam-se como uma primeira tentativa de busca teórica sobre a educação e desenvolvimento no

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contexto da cooperação para o desenvolvimento. Seria necessário converter estas reflexões e lições num processo de investigação com uma ampla participação de outras instituições e colegas que, nos contextos do sul, se debatem com desafios tão prementes.

Parece-me que o primeiro é um desafio “para dentro” da instituição e significa como é que uma instituição se deve preparar para lidar com o mundo, com as questões do desenvolvimento, da pobreza e das interdependências. Regresso à metáfora da árvore profundamente enraizada para poder estar exposta a outras influências e a outras formas de ver o mundo de que fala Ki-Zerbo. É estar disposto a perder, a descentrar-se, para poder construir algo e integrar novo conhecimento. Na nossa experiência, uma parte deste esforço tem a ver com a integração de temáticas na área da Educação para o Desenvolvimento (ED) no contexto da cidadania global. A ED é uma ferramenta de conscientização que impôs o desenvolvimento como horizonte e desafio ético e político do sentido do trabalho educativo.2

O segundo é o desafio “para fora”, o desafio de abraçar projetos de cooperação/colaboração, a vários níveis e arriscando a inovação, e de, assim, contribuir para a humanização da globalização. Situo aqui, por exemplo, o apoio continuado à educação num contexto de fragilidade, como é o caso da Guiné-Bissau. Este desafio só resulta verdadeiramente se o primeiro for política e institucionalmente integrado.

O terceiro (e este é um desafio para todos nós) é o de (re)pensar uma agenda para a investigação sensível aos contextos e que seja um contributo para a cooperação de qualidade, revisite algumas das questões iniciais e inclua outras temáticas tais como: educação, conflito e desenvolvimento e educação, cooperação e “fragilidade”; ou então uma agenda que focará nos desafios que se esperam que vão dominar a agenda pós-2015.

2. A ESE-IPVC é a entidade que, em Portugal, acompanha a implementação da Estratégia de Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED), a convite do ex-IPAD, Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, agora Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

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agRaDEcimEnTO

Este trabalho, em Viana do Castelo, não teria sido possível sem o compromisso, o profissionalismo e a cumplicidade de um grupo de investigadores/práticos de terreno inteiramente consagrados às questões da educação em contexto africano. Juntos tentamos, ao longo dos últimos treze anos, tecer novas relações internacionais através da educação e do conhecimento com os países africanos. Dedico estas reflexões aos meus colegas do GEED, agora cada vez mais embrenhados no chão africano, e aos colegas e amigos que, em Cabo Verde e nos outros países, têm acompanhado e acarinhado o nosso caminho. Agradeço os comentários que foram feitos a anteriores versões deste artigo pelos colegas Miguel Silva, Sandra Fernandes, Andreia Soares, Sílvia Azevedo, Rui Silva, Rosa Silva, Sara Poças, Ana Poças, Carolina Mendes e La Salete Coelho. Um agradecimento muito especial à Cristina Pires Ferreira da Universidade de Cabo Verde pela leitura atenta, crítica e solidária da versão anterior a este texto.

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