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1 ALUNA: CHRISTIANE RUSSOMANO FREIRE PROFESSOR: SALO DE CARVALHO FICHA DE LEITURA “LA HERENCIA DE LA CRIMINOLÓGIA CRÍTICA” – ELENA LARRAURI A autora se propõe a reconstruir a história da criminológia crítica, desde o seu surgimento em fins da década de sessenta até os anos de 1990, período em que escreveu a presente obra. Tal reconstrução pretende refletir sobre a herança da criminologia crítica, ou seja, o seu legado a criminologia como um todo. No sentido, não de considerá-la “morta”, mas como aqueles pais que legam em vida a herança a seus filhos, para que estes comecem a desfrutá-la enquanto jovens. CAPITULO I A BOA VINDA DAS TEORIAS NORTE-AMERICANAS 1. A CONEXÃO SOCIOLÓGICA: CRITICA A TEORIA DA ANOMIA E AS TEORIAS SUBCULTURAIS As teorias criminológicas dominantes nos EUA na década de cinqüenta foram a teoria da anomia e as teorias subculturais, ambas baseadas na corrente sociológica funcionalista. A sociedade analogicamente ao corpo humano é concebida como um sistema, formado por inúmeros subsistemas (político, econômico, cultural) desenvolvidos para assegurar o funcionamento, manutenção e reprodução da sociedade.

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ALUNA: CHRISTIANE RUSSOMANO FREIRE

PROFESSOR: SALO DE CARVALHO

FICHA DE LEITURA

“LA HERENCIA DE LA CRIMINOLÓGIA CRÍTICA” – ELENA

LARRAURI

A autora se propõe a reconstruir a história da criminológia

crítica, desde o seu surgimento em fins da década de sessenta até os anos de 1990,

período em que escreveu a presente obra.

Tal reconstrução pretende refletir sobre a herança da

criminologia crítica, ou seja, o seu legado a criminologia como um todo. No sentido,

não de considerá-la “morta”, mas como aqueles pais que legam em vida a herança a

seus filhos, para que estes comecem a desfrutá-la enquanto jovens.

CAPITULO I

A BOA VINDA DAS TEORIAS NORTE-AMERICANAS

1. A CONEXÃO SOCIOLÓGICA: CRITICA A TEORIA

DA ANOMIA E AS TEORIAS SUBCULTURAIS

As teorias criminológicas dominantes nos EUA na década

de cinqüenta foram a teoria da anomia e as teorias subculturais, ambas baseadas na

corrente sociológica funcionalista.

A sociedade analogicamente ao corpo humano é

concebida como um sistema, formado por inúmeros subsistemas (político,

econômico, cultural) desenvolvidos para assegurar o funcionamento, manutenção e

reprodução da sociedade.

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Para a criminológia a influência do funcionalismo fez com

que o delito e o sistema penal fossem estudados sob a perspectiva de suas funções

e disfunções para o sistema social. O controle social é visto como uma reação a

desviação, que representa uma deficiente socialização nas normas sociais.

Para Merton, que desenvolveu a teoria da anomia, tal

situação permanente na sociedade, se caracteriza não pela ausência de normas, e

sim pela falta de correlação entre os desejos – que são criados culturalmente e não

“por natureza ilimitados” – e as possibilidades para satisfazê-los. A desviação é vista

como uma reação a esta situação de anomia.

As teorias subculturais apresentam como pressuposto

comum, o fato de que a delinqüência é vista como uma resposta – solução cultural

compartilhada – aos problemas criados pela estrutura social.

Afirma a autora que as teorias subculturais pretendem

combinar um enfoque macro dos problemas criados pelas estruturas sociais com um

enfoque micro, de onde se localiza (áreas urbanas caracterizadas pela

desorganização social) e como se aprendem (transmissão cultural) os

comportamentos delitivos.

Ressalta ainda, que as teorias subculturais recepcionadas

na Inglaterra tiveram grande impacto ao ressaltarem que a delinqüência era uma

resposta aos problemas plantados pela estrutura social. Significaram um avanço

frente as teorias anteriores que explicavam os comportamentos delitivos como uma

anomalia do sujeito, de natureza patológica.

Apesar de tal avanço, tais teorias foram duramente

criticadas na década de sessenta.

A primeira crítica resultou da teoria do conflito, que

sustentou que o funcionalismo apresentava uma imagem sobreconsensuada da

sociedade, desconsiderando o fato desta estar estruturada de forma desigual, com

grupos sociais com interesses e valores distintos, e geralmente antagônicos.

A segunda crítica partiu de Mazda, que acusou as teorias

subculturais de permanecerem atreladas aos pressupostos da criminologia

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positivista. Afirma que tais teorias adotaram um dos pilares básicos da criminologia

positivista ao considerar o delinqüente um ser distinto do cidadão convencional.

A terceira crítica deveu-se a incapacidade de tais teorias

de responder a desviação típica dos anos sessenta, “delitos sem vítimas”, isso é

drogas, homossexualismo, delitos políticos, manifestações pacifistas e outros,

realizadas majoritariamente por setores médios da sociedade. Fato este que

desfigurou as concepções subculturais, que tinham o delito como a resposta dos

estratos inferiores da sociedade frente a inacessibilidade aos objetivos culturais

almejados.

Sublinha a autora, que as críticas as teorias

criminológicas da anomia e subculturais, adotavam efeito de maior alcance dirigindo-

se as concepções funcionalistas do delito e a criminologia positivista.

2. A MORTE DE LOMBROSO

AS TENDÊNCIAS ANTICORRECIONALISTAS

Na década de sessenta Matza foi um dos principais

críticos do positivismo. Ao apresentar o caráter transitório da delinqüência, como

versão extremada da rebeldia juvenil – delinqüência, radicalismo e boêmia –

afirmando que esta afeta somente uma minoria da juventude que posteriormente

será reintegrada a sociedade convencional, desfigura um dos pilares fundamentais

do positivismo que tem o delinqüente como portador de patologia, tendente a

reeditar permanentemente a conduta “doentia”.

Assenta a autora que o positivismo estudou o fenômeno

delitivo numa atitude correcionalista, ou seja, buscava descobrir as causas que

provocavam a delinqüência a fim de incidir nestas corrigindo-as.

Matza vai opor-se a esta postura sugerindo a substituição

de uma perspectiva correcionalista por uma apreciativa, a adoção de uma imagem

de diversidade frente a patologia e a afirmação de uma relação de sobreposição

entre os mundos desviados e convencionais superando a noção simplista de

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diferenciação. Aponta a realização de atividades convencionais por sujeitos

desviados, e atos desviados realizados por sujeitos convencionais.

As críticas de Matza a todas as teorias criminológicas –

incluindo as sociológicas – por não haver se desprendido do legado positivista

(substancialmente no que se refere a buscar nas características do sujeito a

explicação para a delinqüência) abriu caminho para a perspectiva do etiquetamento.

3. MUDANÇA DE PARADIGMA: EL LABELLING

APPROACH

Os representantes do labelling approach foram buscar

suas premissas em outra corrente sociológica que não o funcionalismo, mas no

interacionismo simbólico que esta reemergindo na década de sessenta.

Há uma inversão no paradigma que vai cambiar do

normativo para o interpretativo. O controle social já não é visto como uma resposta a

desviação, mas de forma oposta, esta é reconhecida como resposta ao controle

social.

Larrauri vai ressaltar que a mudança de paradigma traz

consigo uma virada no objeto de estudo que deixa de estudar o delinqüente e as

causas de seu comportamento (paradigma etiológico) e passa a estudar os

organismos de controle social que tem como função controlar e reprimir a desviação

(paradigma da reação social).

Os teóricos do etiquetamento sustentavam que a

desviação não tinha uma natureza ontológica, não existindo a margem de um

processo de reação social. A reação social é que define o ato como desviado, ou

seja, o delito não é o fato em sim uma construção social.

E o desviado é aquele a quem se aplica com sucesso a

etiqueta; o comportamento desviado é aquele definido como tal.

Segundo esta teoria o processo de etiquetamente cumpria

uma função social, no sentido definido por Durkheim, ao reafirmar valores que

protegiam e coesionavam a sociedade.

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Ao questionar como se aplica o etiquetamento asseguram

que o funcionamento do sistema penal se guia por “estereótipos” provenientes da

polícia e do restante da população. Nesse sentido, as estatísticas vão demonstrar

que é o controle de determinadas condutas que se exerce de forma seletiva, posto

que as condutas delitivas estão presentes em todas as camadas da população.

A crítica elaborada pela teoria em análise ao processo

penal pode ser sintetizada nas afirmações de Matza: um processo penal que está

orientado a diminuir o número de delinqüentes provoca, com seu processo público

de etiquetamento, que o sujeito que havia realizado atos delitivos assuma a

identidade e atue posteriormente como delinqüente, que era precisamente o que se

pretendia evitar.

É com o teóricos da “labelling approach” que assistimos a

mudança de paradigma criminológico, onde o centro de atenção se desprende dos

indivíduos delinqüentes para os órgãos de controle social.

4. SOCIOLOGIA DA VIDA COTIDIANA:

ETNOMETODOLOGIA, ANTIPSIQUIATRIA E

MARXISMO

Essas teorias assumiram conotação “radical”

influenciadas pelos movimentos sociais ocorridos na década de sessenta.

Apresentam como noção comum a desviação como categoria socialmente

construída.

Sobreleva destacar o movimento da antipsiquiatria, que

considerava a “enfermidade mental” como resposta ao contexto social irracional e

contraditório. O indivíduo não era patológico, patológico era o contexto. A

delinqüência da mesma forma, foi considerada como resposta aos problemas

criados pela estrutura e pela intervenção dos agentes de controle.

As idéias marxistas também influenciaram a criminologia

na década de sessenta. Ao conferirem caráter político aos atos delitivos, a

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delinqüência para a ser analisada como uma manifestação a mais da luta de

classes.

Apregoavam que a nova sociedade socialista eliminaria

as causas e as situações criminógenas do capitalismo que conduzem ao delito.

A autora chama atenção para o fato de que, embora as

concepções marxistas tenham influenciado os novos sociólogos da desviação, não

significa que a estas possam ser atribuídas caráter marxista.

Conclusivamente assevera Larrauri que a influência ainda

que tênue, difusa e ambivalente, do marxismo irá servir para radicalizar e politizar as

demandas do resto das correntes norte-americanas. Toda a bagagem cultural

somada a um clima político efervescente irá geminar a elaboração de uma “nova

teoria da desviação”.

A autora destaca os pontos fundamentais das teorias

norte-americanas para a construção da “nova teoria da desviação”:

a) a criminologia européia dominada até então por

pressupostos médicos-jurídicos vai ser sacudida pelos estudos sociológicos. Os

criminológos se transformavam em sociólogos da desviação.

b) o estudo do desvio não vai mais restringir-se ao

indivíduo delituoso, mas também aos órgãos de controle social.

c) o delito passa a ser visto como reação ao controle

social.

d) crítica ferrenha as estatísticas que não são neutras e

nem objetivas, não refletem os atos cometidos e sim a reação que são objeto.

CAPITULO II

A NOVA TEORIA DA DESVIAÇÃO

1. DECADA DE 60: O SURGIMENTO DA NATIONAL

DEVIANCE CONFERENCE (NDC)

As bases teóricas que alcançaram pronta difusão foram:

1. Simpatia com o desviado;

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2. O ato desviado é racional;

3. O desviado é político;

4. Todos somos desviados;

5. O controle cria a desviação;

6. Sejamos tolerantes com os desviados;

7. O direito penal é um instrumento a serviço da classe

dominante;

8. A polícia atua com base em estereótipos;

9. Os desviantes são bodes expiatórios;

10. As estatísticas são uma construção social.

O clima político da década de 60 e a influência das idéias

marxistas, significaram uma politização do Labelling Approach. Segundo a autora, a

própria perspectiva do labelling approach permitia várias possibilidades de

respostas.

A efervescência dos anos sessenta vai influenciar

diretamente nas novas concepções – maio 68, movimento feminista, entre outros.

Neste período (1968-1973) a situação acadêmica do grupo de jovens sociólogos

interessados pelos temas da delinqüência, se caracterizou por uma crescente

alienação do que classicamente havia sido desenvolvido no âmbito da criminologia.

A criminologia havia permanecido até então com um

enfoque psiquiátrico-forense, psicológico-clínico e jurídico, com o objetivo de corrigir,

de reformar o delinqüente. Os novos sociólogos sentiam maior interesse nos novos

fenômenos sociais – drogas, homossexualismo, delito político- do que nos temas

tradicionais –delinqüência comum.

Este grupo alternativo se reúne pela primeira vez em

York, em 1968 na National Deviance Conference. Personagens chaves nesta

primeira fase da NDC foram: Roy Bailey, Stanley Cohen, Mary Mcintosh, Ian Taylor,

Laurie Tayor y Jock Young.

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O que unia todos estes sociólogos eram suas posições

contra a ordem social imperante, sua incredulidade a respeito das definições que o

sistema emitia.

2. O ENFOQUE CÉTICO: QUESTIONAMENTO DA

CRIMONOLIGA POSITIVISTA

As bases da teoria do etiquetamento e as críticas ao

positivismo são a base fundamental das formulações teóricas que se produziram

neste primeiro período da NDC. O clima político redundou numa politização das

teorias recebidas dos EUA. O produto final foi batizado com o nome de ENFOQUE

CÉTICO.

Pontos do postulado positivista que os céticos

questionavam:

1. O consenso social : não existe uma só ordem de

valores com base na qual podemos embasar todos os atos, existe sim uma

multiplicidade de ordens de valores e subculturas que coexistem na sociedade atual;

2. Natureza patológica da ação desviada: o ato desviado

não é patológico, mas sim diverso dos atos realizados pela maioria dos membros

convencionais da sociedade. È uma forma distinta de expressar sentimentos

generalizados . os quais não têm motivos para serem submetidos a estigmatização

posterior;

3. Status do ato desviado; o ato desviado encontra-se em

relação de sobreposição com os atos convencionais. Esta relação de sobreposição

deve-se que o ato desviado representa os mesmos valores que os presentes na

cultura dominante;

5. A natureza absoluta da reação: não existe

diferença entre o comportamento normal e desviado, tudo é um problema de

definição. As valorações dependem de uma época histórica, de um contexto social,

dos diversos grupos, etc. a infração em si não importa, a reação que ocasiona esta

infração é o dado relevante - RELATIVISMO CULTURAL. Os teóricos sustentavam

que a criação de estereótipos delinqüentes coincidiam, não ocasionalmente, com as

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pessoas que já estão excluídas do mercado de trabalho, assim o sistema penal

legitimaria um exclusão previamente operada.

As perguntas feitas pela teoria do etiquetamento podiam

ser objeto de múltiplas respostas:

Por quê surge a reação perante alguns atos?

Quem define certos atos como desviados?

Como se realiza esta seleção de comportamentos aptos

de persecução penal?

Qual são as conseqüências do etiquetamento?

Que efeitos produz o processo etiquetador no sistema?

5. Caráter objetivo das estatísticas: as estatísticas não

refletem o índice real de delitos, e sim a reação ao delito, que é a seleção do que é

delito, pelos agentes de controle. O fator que explica a presença das classes sociais

mais fracas nas estatísticas não é a maior quantidades de delitos, sim sua maior

vulnerabilidade de detenção;

6. O delito comum: o que era ou não delito era uma

questão de definição e definida e o delito não era importante, porque este tipo de

delito comum não existe na quantidade que a estatística quer fazer crer que existam;

7. Caráter determinado do delinqüente: a ação era

voluntária, logo o delinqüente não poderia ser determinado como queriam os

positivistas. O sujeito não era objeto, tinha vontade;

8. Caráter do desviado: o ato delitivo como voluntário,

mitigava a importância até então conferida à determinação do que denomina

“causas do delito”. Afirmava-se que as causas são múltiplas impossíveis de

determinação, em face a complexidade das situações criadas pelo ser humano. A

busca das causas serve somente para reforçar a idéia do delito como

comportamento análogo do restante da sociedade. Justificativa para a assunção de

uma postura correcionalista.

9. Finalidade de correção da política criminal: os teóricos

céticos contrariaram as metas dos positivistas, isto é, o fim de corrigir e erradicar a

delinqüência, baseada na visão de que o sujeito estava determinado ao delito por

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forças que não controlava. A contrariedade ao tratamento e à finalidade

correcionalista podia albergar-se na TOLERÂNCIA e na NECESSIDADE de uma

cultura onde não haja nada para corrigir, já que o desviante existe somente quando

é definido e contemplado por parâmetros culturais diversos dos seus.

Uma política anti-intervencionista também podia albergar

posições neo-clássicas, de reafirmação de uma pena justa, de um processo

garantista baseado no fato delitivo e não na personalidade do delinqüente;

10. Papel de criminólogo; os teóricos céticos adotaram o

que Matza havia denominado uma atitude apreciativa. Mas esta atitude apreciativa

que se opunha à neutralidade do positivismo, podia-se adotar de um método

naturalista até uma celebração do comportamento desviante.

Enfim, neste primeiro momento reina o consenso contra a

criminologia oficial.

CAP. III : A NOVA CRIMINOLOGIA

A nova criminologia (Taylor-Walton-Young, 1973) marca o

trânsito da recepção das teorias norte-americanas anteriormente expostas a

elaboração de uma criminologia marxista. A radicalização da concepção do

etiquetamento culminou num direcionamento marxista, em detrimento de outras

posições anarquistas e liberais presentes na NDC.

A elaboração da nova criminologia vem precedida por

artigos norte-americanos que tiveram um grande impacto nos novos criminólogos ao

dirigir uma crítica ao labelling approach desde uma perspectiva materialista. Esta

crítica provém de dois ângulos:

1. Corrente representada por Gouldner (1968), akers

(1967), que criticavam o fato do etiquetamento apresentar o desviado como um

sujeito passivo. Ex.: como o etiquetamento explica o delinqüente político, se ele

escolhe atuar politicamente?

2. Corrente proveniente de Liazos (1972), chama atenção

para o fato do descuido do etiquetamento ao analisar o crime de colarinho branco. A

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importância concedida a etiqueta ignora este tipo de delito que não se vê submetido

a um processo de etiquetamento.

Ambas as correntes serão ampliadas pela “Nova

Criminologia” (1973). Obra que representou o início da criminologia crítica. Seu

impacto foi considerável e as críticas ao etiquetamento se converteram em

paradigmas para toda uma geração de criminólogos críticos.

A CRÍTICA MATERIALISTA AO LABELLING

APPROACH: PRECEDENTES NORTE-AMERICANOS

Gouldner (1968): foi o que criticou de forma mais

contundente o Labelling approach e, especialmente, Becker. Foi ele que escreveu o

prólogo do início da obra A Nova Criminologia

A nova Criminologia vem precedida pelo influente artigo

de Gouldner (1968) “The sociologist as partisan: sociology and the Welfare State”.

Este trabalho é uma resposta ácida a um artigo de Becker

(1967), “Whose side are we on?”, mas se leu também como uma crítica global a

perspectiva do etiquetamento.

Becker foi acusado de parcial e respondeu, afirmando que

se adotava o ponto de vista dos desviados porque era esse o grupo que se estava

estudando. Além disso, essa acusação só era expressada quando se dava

credibilidade ao grupo dos desviantes. Para Becker não era possível investigar de

forma imparcial; a situação sempre será descrita do ponto de vista de algum grupo.

A única solução para evitar distorções consistia em reconhecer claramente de que

perspectiva partimos.

A primeira crítica que Gouldner dirigiu a Becker foi que

este não respondia a pergunta : de que lado estava?

Becker situava-se do lado dos marginalizados porque

estes eram os sujeitos os quais estava estudando. Assim, Gouldner questionava-o

se posicionaria-se do lado de quem quer que fosse o seu objeto de estudo?

Para Gouldner não se tratava de ter o ponto de vista de

cada grupo estudado, mas de analisar as estruturas de poder. Por isso, não bastava

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apresentar o desviado como um resultado da má execução do tratamento de

controle, pois a crítica dos teóricos do etiquetamento alcançava, exclusivamente, os

estratos intermediários da sociedade, os agentes que executavam as ordens.

A crítica de Liazos pautava-se no fato de que a etiqueta

não faz justiça ao caráter político dos atos de tais desviados. Definir como desviados

os dirigentes negros, entre outros, era desconhecer nos seus atos o caráter de luta

política.

A dificuldade em expor a Nova Criminologia reside no fato

de que esta não explicitou seus postulados. A Nova Criminologia consistiu numa

crítica as anteriores teorias criminológicas e num programa de estudos que devia ser

desenvolvido no futuro.

A UTILIZAÇÃO DO MARXISMO PARA CRITICAR AS

TEORIAS CRIMINÓLOGICAS ANTERIORES:

1. Crítica a perspectiva do etiquetamento: a etiqueta não conduzirá a desviação e

nem será vivida como um estigma;

2. Crítica ao subjetivismo radical de Matza: para Matza a desviação se explica

exclusivamente por recurso da mente, fatores internos e existenciais do sujeito,

sem considerar o contexto social, e a única referência que se faz ao Estado, é

uma menção, inexplicada, ao Leviatã;

3. crítica a fenomenologia.

A Nova Criminologia se limitou a criticar as teorias

existentes, assinalando quais seriam os requisitos formais e materiais para a

construção de uma teoria social do desvio. As premissas fundamentais desta nova

visão, de forma sintética, consistem em:

- Aplicar o materialista histórico como método ao estudo

da desviação;

- Analisar a função que cumpre o Estado, as leis e as

instituições legais na manutenção do sistema

capitalista;

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- Estudar a desviação no contexto mais amplo da luta de

classes sociais;

- Vincular a teoria e a prática.

Inúmeras críticas foram dirigidas à Nova Criminologia,

essencialmente, no que tange as concepções marxistas por ela incorporadas, vistas

como a introdução de um novo determinismo econômico mecanicista. Abria-se

caminho para a contra-reforma dos anos setenta.

De outra face, cabe ressaltar que o impacto e

repercussão da Nova Criminologia foi enorme e pode ser considerado o marco do

surgimento da Criminologia Crítica.

IV – A CONTRA-REFORMA

Introdução –

A autora no presente capítulo se propõe apresentar os

vaivéns da criminologia crítica no período situado entre a metade dos anos setenta e

o início dos oitenta.

Localiza as mudanças no panorama político, do período

aludido, acentuando a primeira vitória de Thatcher que coloca em perigo o Estado

social, o terrorismo e as legislações anti-terroristas, o fenômeno da violência racial

agudizado pela crise econômica, o início dos primeiros movimentos de denúncia da

violência contra as mulheres; combinado com o pessimismo resultante da

experiência histórica dos países do “socialismo real”.

É nesse contexto que se produz uma revisão nos

postulados do enfoque cético e da nova criminológia.

As principais variações podem ser sinteticamente

apresentadas como:

- uma revalorização do delito comum;

- a negação do caráter político da delinqüência e

- a matização das oposições ao positivismo.

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1. OS DUROS ANOS SETENTA; O DESFALECIMENTO

DE LA NATIONAL DEVIANCE CONFERENCE

A composição heterogênea da NDC apontada

anteriormente, apresentava como ponto de congruência o combate ao inimigo

comum – “o positivismo”.

Na década de 70 vão surgir novos sociólogos da

desviação. Dentre estes, a autora chama atenção para a contribuição de Stuart Hall,

que dirigiu um grupo de acadêmicos, na Universidade de Birmingham, voltados para

o estudo especializado de subculturas juvenis. Sua contribuição vai possibilitar uma

integração a teoria das subculturas com as tendências marxistas e estruturalistas

próprias da tradição européia.

Na Inglaterra, conforme salienta Larrauri, dois serão os

grupos que exerceram grande influência neste período. O primeiro, marcado pelas

idéias de cunho abolicionistas defendidas por Bianchi, e fundamentalmente por

Mathiesen, cujas publicações, concretamente The politics of abolition (1974), iram

causar forte impacto.

E o segundo, a incorporação ativa do grupo italiano

formado por juristas e vinculados a política do PCI, reforçando as tendências

marxistas e o estudo do direito. Ainda, nesse período assiste a um revigoramento do

movimento antipsiquiatria italiano que vai revitalizar a crítica e ataque as instituições

totais como os hospitais psiquiátricos e as prisões.

De outra face, as mudanças no cenário político vão dar

origem a contra-reforma, promovida pelo novos sociólogos e criminológos, que vai a

público em torno da metade dos anos setenta.

Distintamente do que ocorreu na década anterior, a vitória

do conservadorismo na Europa, com o conseqüente desmonte do Estado social,

impulsionou as forças progressistas que haviam advogado por um estado não

intervencionistas, a adotarem posição no sentido uma maior intervenção estatal no

que tange aos gastos sociais.

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A postura assumida pela esquerda frente a proliferação

das legislações anti-terroristas, vão no mesmo sentido, posto que se vêem

compelidas a defender o Estado de direito e as garantias legais ante a ameaça

terrorista. O que na década de sessenta foi identificado como “direitos formais

burgueses”, nos anos setenta é visto como manifestações de legalidade, que devem

ser preservadas.

A autora localiza nesse marco sócio-econômico a

decadência da NDC, como resultante das sérias divisões ideológicas, acentuadas

pelo predomínio do conservadorismo, do extenuamento da “new left”, da falta de

uma segunda geração de acadêmicos disposta a levar adiante as proposições, a

dispersão temática, a confusão teórica produto da crítica ao “idealismo e

romantismo” da década de sessenta, a retirada de seus fundadores para outros

países e sua entrada no mundo universitário oficial.

A influência deste organismo é inquestionável, conforme

assenta a autora, traduzindo-se na ampliação do objeto de estudo das diversas

formas de desviação, e incluindo na criminologia de signo oficial a importância do

controle social como variável determinante para o estudo da delinqüência.

Afirma Larrauri a importância do movimento dos anos

sessenta, ao devolver voz aos desviados, invertendo a ótica de até então, onde a

desviação passa a ser vista do ponto de vista do marginalizado. A questão deixa de

ser vista como técnica – médica ou jurídica – e sim adota natureza política.

II. O DESCOBRIMENTO DA CLASSE OPERÁRIA: A

GRAVIDADE DO DELITO COMUM.

Young (1975) principal teórico da “criminologia da classe

obrera” vai dirigir inúmeras críticas a “nova criminologia”, que podem ser sintetizadas

em algumas premissas substanciais, vejamos:

1. Ocorrem mais delitos do que se registra nas

estatísticas oficiais;

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2. O delito atenta contra interesses comuns da

sociedade, retoma a concepção da valores

consensuais mínimos – vida, propriedade e etc.;

3. O delito apresenta vítimas e estas costumam a ser

predominantemente trabalhadores, Yong vai afirmar

que a maior parte dos delitos da classe trabalhadora

se comete dentro da classe e não entre classes;

4. Existe uma “simetria moral” entre o delinqüente e a

vítima, com o qual implicitamente se afirma que são

as classe trabalhadoras as que cometem mais delitos;

5. O delinqüente não é um aliado da classe trabalhadora

em sua luta contra o capitalismo, pelo contrário, a

delinqüência dificulta a luta ao desanimar e dividir os

trabalhadores;

6. Implicitamente a esperança na mudança social volta a

residir nos trabalhadores;

7. Por seus efeitos perniciosos na comunidade e no

sujeito delinqüente, deve propiciar-se um controle de

suas atividades. Portanto este controle no deve ser

exercido por organismos externos como a polícia e

sim pela própria comunidade trabalhadora;

8. A criminologia deve dirigir seu interesse ao tema da

delinqüência comum.

III. O IDEALISMO E ROMANTISMO DE ESQUERDA:

CRITICA A INVERSÃO DOS POSTULADOS

POSITIVISTAS

A crítica dirigida a Nova Criminologia, nas palavras de

Currie consiste no fato de ter centrado seu objeto de análise em temas hippies,

conferindo a todo delito um ato de luta racional ou político, descuidando-se do

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efeitos desmoralizantes que a delinqüência comporta. Promovendo uma celebração

da delinqüência.

Young vai mais adiante (1975), afirmando que “os

idealistas e românticos” se tem limitado a produzir um inversão do paradigma

positivista: o positivismo afirmava a falta de consenso, o idealismo de esquerda se

esforçou para demonstrar a existência do disenso; o positivismo afirmava o caráter

patológico da delinqüência, esta se defendeu como racional; o positivismo havia

considerado o delinqüente como um sujeito determinado, este era dotado de

liberdade; o positivismo se baseava nas estatísticas, estas eram rechaçadas; se os

positivistas preconizavam a intervenção e o tratamento, eram respondidos exigindo

uma cultura mais tolerante.

III. 1. O consenso é “realidade e ilusão”

À visão positivista do consenso foi oposta a do disenso.

A crítica vai no sentido da exacerbação da visão da Nova

Criminológia, ao negar a existência do consenso em torno de alguns valores como a

propriedade e a vida.

Nesse sentido, Matza vai assinalar que a existência de

uma pluralidade de valores não nega a presença de um núcleo comum consentido.

A segunda crítica dirigida a Criminologia Crítica foi o papel

conferido ao Estado no sentido da reprodução da ordem social vigente, ignorando

todos os mecanismos informais de controle existentes.

III. 2. Diferença entre atos desviados

Tanto os teóricos céticos como a nova criminologia dirigiu

atenção a distinção entre a denominação que devia receber o ato: em vez de deito –

vulneração de uma norma penal -, ou desviação – vulneração de uma norma social.

Com isso se buscava colocar o ato desviado em igualdade de condições com os

atos convencionais e desprovê-lo de conotações pejorativas. Em definitivo,

considerá-los como ato que expressam uma “outra” racionalidade.

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Tal visão vai ser identificada com uma atitude simpática

em relação ao delito, vetando a possibilidade de discernir as diversas manifestações

desviadas.

A crítica vai defender a contextualização do desvio, no

sentido de não entendê-lo a priori como ato de oposição, protesto ou luta contra o

sistema.

III. 3. O ato desviado “exacerba” os valores do sistema

Outro aspecto relevante são as divergências quanto o ato

desviado: entendido como portador de valores alternativos ao sistema dominante, ou

ao contrário, representante dos valores próprios do sistema capitalista.

A nova teoria da desviação via-o como expressão de uma

nova cultura alternativa.

Cohen e Young, no final da década de setenta vão

defender a distinção entre os atos desviados. Afirmando que o caráter alternativo-

opositor do ato desviado somente será encontrado nos atos de resistência política –

e dentro de alguns limites, sendo os demais considerados globalmente como

exacerbação dos próprios valores capitalistas.

III. 4. A reação “não constitui” desviação

Esta visão adotada pelo labelling approach é tida como

reducionista, posto que não leva em conta as distintas respostas que o sujeito

poderá dar frente a reação social, adaptando-se em alguns casos, resistindo em

outros.

De outra face, também pode ser objeto de crítica o fato de

ser atribuído ao delito dito “primário” o livre arbítrio individual, desconsiderando as

demais condições estruturais que o levaram a agir.

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Ainda, em relação ao controle social como causador do

desvio, se contrapôs a visão de controle descentrado da figura estatal, despido de

conotação unicamente negativa.

No sentido de Foucault, o poder não somente proíbe,

reprime, como cria, cria realidade, cria novos objetos de discurso, novas áreas de

conhecimento, novas categorias. Portanto, deve ser estudado como se criam as

categorias de delinqüente, de criminalidade, e não somente como se utiliza o poder

para reprimi-las.

III. 5. O caráter “não disjuntivo das estatísticas”

A invalidação total das estatísticas é questionada,

sofrendo uma evolução. O delito comum ao se encontrar sobre representado nas

estatísticas, não obedece exclusivamente a atuação seletiva dos órgãos de controle.

Young – A maior presença do delito comum pode

obedecer ao que efetivamente é mais numeroso, a que efetivamente é mais

importante e a que efetivamente a percepção dos agentes de controle é seletiva.

III. 6. O delito comum “aumenta e é grave”

Posição que condena o delito comum, distinta da visão

até então defendida pela nova criminologia, por entender que produz sofrimento em

suas vítimas. Se antes se acusava o sistema de realizar uma inversão ideológica: o

problema do sistema é a delinqüência, em vez de que a delinqüência surge porque o

sistema tem problemas. A delinqüência é em si mesma um problema e

simplesmente um reflexo de outros problemas (Young, 1986).

III. 7. O delinqüente é “livre e determinado”

A autora aponta como problema fundamental da nova

teoria da desviação e criminologia a tentativa de combinar uma teoria crítica que

levava a identificar o capitalismo, a sociedade de consumo, os agentes de controle

social como determinantes da delinqüência, ao tempo que se negava um sujeito

determinado e se afirmava a desviação como uma livre opção.

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Downes (1979), vai introduzir a noção de que há fontes

delitivas que não são reduzíveis as desigualdades materiais.

Ou seja, as causas estruturais podem explicar a

potencialidade do delito, porém não a sua execução. Tal análise deve ser

complementada com outras correntes de pensamento, como a teoria subcultural ou

da anomia.

III. 8. O delinqüente no é “Robin Hood”

A crítica ao delinqüente visto como herói político vai

questionar que neste caso qualquer atitude intervencionista seria inadequada, posto

que seu ato esta imbuído de resistência as desigualdades sociais.

Da mesma forma, se a desviação for vista como uma

forma prepolítica ou inconsciente de oposição, vai surgir um novo modo de

intervenção o “correcionalismo revolucionário”.

Depreende-se assim, que tanto os positivistas pretendiam

adaptar o desviado a sociedade do presente, como alguns novos criminólogos

pretendem adapta-lo a sociedade do futuro.

III. 9. Política criminal “intervencionista”

A crítica indistinta a todo o tipo de intervenção social vai

sofrer ao final dos anos setenta diversas matizações.

A autora, identifica uma espécie de retorno ao

classicismo, onde se advoga uma política penal que proteja as garantias e limites do

castigo.

III. 10. O criminólogo “condenador”

A apreciação do ato delituoso não pode substituir a

condenação do ato como tal.

Passa a admitir reformas na sociedade, mesmo que estas

apresentem caráter contraditório. Propostas de política penal podem ser vistas como

avanços ao sistema.

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III. 11. A atenuação da concepção instrumental do direito

A nova criminologia adotou uma concepção instrumental

do direito, proveniente das teorias marxistas, caracterizada pela:

1. imagem da classe dominante como monolítica, como

se esta tivesse idênticos interesses;

2. afirmação de leis que defendem exclusivamente os

interesses desta classe;

3. apresentação da delinqüência como uma resposta as

condições de exploração econômica.

Na Europa esta visão marxista ortodoxa teve vida curta,

as versões estruturalistas marxistas, elaboradas fundamentalmente por Althusser,

vão relativizar a relação direta entre formas econômicas e relações jurídicas.

È nos EUA, que a versão instrumental vai ter maior

difusão, em razão de um conhecimento mais tosco do marxismo. Contaminando

assim, toda a criminologia marxista, que vai ser acusada desta visão

instrumentalista.

Esta visão vai super estimar a importância do direito, e em

especial o direito penal, na sociedade atual. Esta se caracteriza por haver

estabelecido mecanismos de reprodução dependentes fundamentalmente do

mercado – há que trabalhar para consumir – e a criação de necessidades

consumistas.

Nega a autonomia ao sistema penal suas contradições

com o Estado, ocorrendo ocasiões em que este se opõe às pretensões estatais, e

outras em que tais pretensões são mais progressistas que as do sistema penal, bem

como as divergências inerentes ao próprio sistema penal, através dos distintos

órgãos.

A influência de Foucault (1984) a criminologia eliminou

definitivamente a visão instrumental do direito. Através dos “micropoderes”, com sua

autonomia, permitiu compreender que os métodos e instituições punitivas podem ter

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uma lógica interna, mesmo quando intercorrelacionada com as estruturas globais,

lhes permite reproduzir-se como microcosmos em diversos contextos sociais.

O rechaço à visão instrumentalista possibilitou uma

revalorização do direito e dos direitos.

Estes que tinham sido vilipendiados como “direitos

formais burgueses”, experimentam um novo reconhecimento. Se o direito não é

exclusivamente um instrumento das classes dominantes, poderá ser instrumento de

proteção. Se as formas jurídicas tem uma certa autonomia, poderão ser utilizadas

para proteger os direitos dos mais débeis. O direito penal legitima a intervenção

punitiva porém também a limita; o direito penal é um meio de castigo porém é

também um meio para a proteção de castigos excessivos.

IV. A CRISE DA CRIMINOLOGIA CRITICA

I. CRISE

Nos anos oitenta a criminologia crítica se caracteriza por

uma certa confusão, divisão e desânimo.

Divisão devida o surgimento de tendências, mais ou

menos distintas. Alguns novos criminologos param a o que se chamou “realistas de

esquerda”, outros adotam a perspectiva abolicionista, e o minimalismo começa a

distinguir-se.

Como resposta as premissas adotadas nos anos

sessenta, parece que chegara o momento de assumir um discurso de direita,

referente ao delito, para dar-lhe uma resposta de esquerda.

O contexto social estava marcada pelo fortalecimento da

ênfase ao dinheiro, a competitividade, o triunfo – era a época dos “yuppies”. Junto

disso assistia-se as cruzadas morais, o inimigo principal eram as drogas,

relacionada à delinqüência, dentro desta guerra encontrava-se uma nova moral, que

ressaltava valores tradicionais, como a saúde, as relações monogâmicas, o trabalho

individual, e uma intromissão nos direitos individuais.

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A autora destaca que de todos os fatores que

influenciaram a criminologia neste período o mais relevante foi à presença do

movimento feminista, que possibilitou a ampliação do objeto de estudo da

criminologia.

A crise aludida propiciou compreender que a criminologia

crítica não conseguira uma mudança de paradigma, pois seguia ancorada numa

perspectiva de etiquetamento com algumas notas de materialismo.

É nesse contexto que nos inícios da década de oitenta se

produzira uma divisão na criminologia crítica.

Na Inglaterra a corrente predominante foi a denominada

“realistas de esquerda”. Entendiam o delito como um problema das classes sociais

mais débeis, advogando que o desconhecimento deste fato propiciava deixar o

terreno aberto aso conservadores paladinos da “lei e da ordem”; a tarefa da

criminologia e por conseguinte lutar contra o delito e para combatê-lo deve

recuperar-se a polícia, utilizar o sistema penal e elaborar um programa de controle

do delito mínimo, democrático e multi-intitucional.

A outra corrente agrupou-se em torno dos pressupostos

abolicionistas, os quais gozavam de uma antiga tradição nos países escandinavos e

Holanda. Tendo como principais representantes Christie, Mathiesen, Bianchi e

Hulsman.

Afirmavam a inexistência do delito enquanto realidade

ontológica1, o que se denomina delito na verdade são conflitos sociais, problemas,

catástrofes, causalidades.

Steinert (1985) – “Os problemas são reais, o “delito” é um

mito”.

Pretender tratar o delito com o direito penal, para estes

teóricos, era visto somente como forma de incrementá-los.

A esta visão extremada vai surgir o pensamento

intermediário defendido por Baratta (1985), que sugeria um direito penal mínimo –

1 Parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, i. e., do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres: &

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minimalismo. Compartilhava da crítica ao direito penal a partir da ótica abolicionista,

porém entendia que era necessário uma política intermediária capaz de ser

defendida na atualidade. Advogava um direito penal mínimo e limitado por princípios

legais (tipicidade, irretroatividade, legalidade), funcionais (subsidiariedade,

proporcionalidade) e pessoais (responsabilidade pelo fato). Este direito penal

mínimo e limitado teria como missão a defesa dos direitos humanos.

II. A QUESTÃO ETIOLÓGICA: AS CAUSAS DE SEU

ABANDONO

Depois de longo tempo de dominação do se que

denominou paradigma causal, paradigma etiológico, ou criminologia positivista,

centrado na busca das causas do porque as pessoas cometem delitos, entendia-se

que este fora superado por Labelling Approach. Este afirmava que a busca da

explicação do comportamento delitivo não devia partir do porque as pessoas

cometem delitos, e sim de porquê esta atividade é definida como delitiva. Durante

umas décadas isto foi saudado como uma mudança de paradigma na criminologia. A

explicação da delinqüência não residia na ação (individual) senão na reação (social).

Por que é “crítico” recuperar a pergunta causal???

Primeiro, por que a busca dos motivos pelos quais as

pessoas cometem delitos, não excluí o estudo de por quê determinadas atividades

são definidas como tal.

Segundo, não implica em aceitar uma definição legal de

delito. Ressaltando que entre o tipificado como delito e o considerado socialmente

como delitivo, existe uma congruência inegável.

Terceiro, o que interessa estudar é por quê realiza

determinada atividade sabendo que está proibida. Ou melhor, como influí a proibição

na realização do seu ato.

A autora reafirma a idéia de processo, isto é, que junto da

atuação do indivíduo está a atuação dos “outros” que definem comportamentos,

imputam motivos, atribuem significados, etc. , em definitivo que o comportamento

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delitivo é uma construção social é obvio, porém, se adverte, construção social onde

há um sujeito atuante por alguns motivos – causas – que devemos estudar.

Observa Larrauri que a pergunta causal permitiu que se

iniciassem programas de reforma social, e a ignorância desta pergunta facilitou o

desenvolvimento de uma política de recortes assistenciais.

Quarto, o paradigma causal não leva necessariamente a

aceitar um programa correcionalista.

A insuficiência do modelo causal, vai impelir a Nova

Criminologia a produzir um modelo integrado que ao mesmo tempo que reclama um

estudo das origens mediatas do ato desviado para situar-lo em seu contexto socio-

economico e político estrutural.

III. AS ALTERNATIVAS AO CARCERE: “REDES MAIS

AMPLAS”?

A grande questão da Criminologia Crítica é a busca de

alternativas as instituições totais.

A política de não intervenção, vista como reivindicação

progressista na década de sessenta, no final dos anos setenta passa a ser vista

como melhor aliada das políticas de mercado livre, próprias dos governos Reagan e

Thatcher.

As políticas alternativas ao cárcere, que marcaram a

década de setenta, já nos oitenta vão ser vistas por Cohen (1985) como apenas

complementares a este, permitindo submeter um maior número de pessoas as redes

penais do Estado, quanto mais benevolentes pareciam maior era sua aplicação.

“O cárcere seria substituído por uma “sociedade

disciplinar”.

Entre a crítica ao cárcere e o papel de controle extensivo

conferido as alternativas a criminologia crítica encontrava-se num dilema.

O surgimento do abolicionismo vai ocasionar uma virada

no debate. Os criminológos abolicionistas não estavam demasiado preocupados

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com discutir alternativas ao cárcere senão alternativas ao conjunto do sistema penal.

Enquanto o cárcere não for abolido, as alternativas tenderam a converter-se em

adidos a esta, deveram cumprir o mesmo que o cárcere – disciplinar as pessoas na

moralidade convencional dominante; repetiram as estruturas – meios institucionais

fechados, regimes disciplinares; e reprodução de seu erros: estigmatizar o ofensor

sem dar satisfação a vítima.

Meios alternativos de resolver os conflitos sociais, dos

quais o delito é somente um deles.

Sugere a autora propostas efetivas para a

descarcerização, como a descriminalização de numerosos tipos penais; acentuar os

mecanismos já existentes – o perdão, as multas – nas legislações penais; reclamar

a desaparição da prisão preventiva que configura na Espanha 49, 5% da população

reclusa. E definitivamente, priorizar o objetivo da descarcerização a despeito da

criação indiscriminada de alternativas.

IV. A FUNÇÃO SIMBÓLICA DO DIREITO PENAL: O

PARADIGMA DA NOVA CRIMINALIZAÇÃO

O papel do direito penal não foi excessivamente discutido

pela criminologia crítica. Esta se concentrou no estudo da gênese da norma e em

sua aplicação seletiva, o que levou a constatar que o direito penal era um

“instrumento de classe”, utilizado para defender os interesses dos grupos sociais

poderosos.

Tal premissa poderia levar a duas conclusões: por um

lado, rechaçar o direito penal como instrumento de dominação, e por outro, utilizar o

direito penal para proteger os “interesses difusos”, para castigar a violação aos

direitos humanos.

Cohen (1985) vai dizer que se a criminologia crítica havia

conseguido um novo paradigma, na década de oitenta este parecia ser o da “nova

criminalização”.

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Observa-se um processo no sentido dos movimentos

progressistas recorrerem ao direito pena. Grupos de direitos humanos, de

antiracistas, de ecologistas, de mulheres, de trabalhadores, reclamam a introdução

de novos tipos penais.

A década de oitenta vai adotar a “função simbólica do

direito penal”. Função positiva conferida ao direito penal.

A autora sublinha que o movimento feminista foi quem

mais elaborou a necessidade de utilização do direito penal de forma simbólica.

Dizima não estar interessados no castigo, mas na função simbólica do direito penal.

Isto é, o que se consegue com a criminalização de tais

condutas é em primeiro lugar, a discussão pública acerca do caráter nocivo delas,

que o público se conscientize mediante campanhas prévias, e em segundo lugar,

mude a percepção pública.

Feministas críticas questionam a visão exposta acima,

chamando atenção para relegitimação do direito penal para a solução de conflitos

sociais, ignorando outros meios alternativos que favorecem uma maior autonomia e

auto-organização das mulheres.

O apogeu da concepção do direito penal simbólico

apresenta certa coerência com a nova situação política. Situação esta que por um

lado se caracteriza por governos de partidos socialistas, em alguns países, ou por

conquista de parcelas de poder por grupos progressistas, convencidos da

legitimidade de utilizar o poder para impor um nova moral. E por outro, se

caracteriza por uma desmobilização social das forças tradicionais de esquerda.

Um nova discussão que surgiu renovada na década de

oitenta foi a revalorização do direito penal como u m direito de garantias.

Afirmando que o direito penal não (somente) legitim a a intervenção penal

também a limita; o direito penal não (somente) perm ite castigar também

permite evitar castigos excessivos (Ferrajoli – 198 9).

A relação entre direito e sociedade, deve ser vista sob a

ótica da teoria sistêmica de Luhman – onde este questiona a existência desta

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comunicação entre direito e sociedade, afirmando o caráter auto-referencial e auto-

poiético do sistema jurídico.

Nesse sentido a atribuição de papel simbólico ao direito

penal deve ser questionado, tendo em vista que este não ordena simbolicamente a

hierarquia de valores sociais.

V. A VITIMOLOGIA: DE QUE LADO ESTAMOS???

Outro problema que enfrentou a criminologia crítica foi o

surgimento da vítima.

Na década de oitenta a criminologia para a analisar três

aspectos: o delinqüente, a reação social e a vítima.

A vitimologia que anteriormente havia tido um ar

conservador adota outra faceta. Se tratava de proteger a vítima, desde logo a

discussão questionaria a possibilidade de tal tarefa através do direito penal ou do

processo penal.

Ao analisar o papel da vítima no delito pode permitir o

estudo de como funcionam as relações de poder em um contexto social, como a

falta de poder é um importante elemento vitimizador.

VI. A TAREFA DO CRIMINOLOGO CRITICO: O QUE

FAZER???

Anos oitenta: A Criminologia Critica deve se comprometer

com programas que persigam a erradicação do delito???

Young (1986) – “(...) de forma categórica a tarefa

fundamental de uma criminologia crítica é encontrar uma solução ao problema do

delito, e o objetivo primordial de uma política socialista é reduzir substancialmente o

índice de delinqüência”.

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A política criminal passava a ser tarefa fundametnal da

criminologia.

Segundo a autora, mesmo os abolicionistas, em sua

maioria, estão orientados para uma política criminal, de distinto signo. Enquanto os

realistas ingleses falavam de controlar o delito, recuperar a polícia, reformar o

delinqüente, etc., os abolicionistas advogavam por resolver o conflito, negociar com

a vítima, sem excluir a reforma do ofensor.

Se o poder esta disperso, ou se exerce, em múltiplas

relações, e existe em múltiplos âmbitos sociais, não há o que temer, é possível

desenvolver uma praxis crítica em todos os sitios e ... em nenhum deles esta

garantida (Scheerer, 1989).