ficcao e documento

2
Ficção e Documento Em meu trabalho, O ESTRANGEIRO(2013), e CIDADE SONORA (2012), a manipulação de registros sonoros de viagens são dispostos na instalação e no objeto. “O estrangeiro” é um móvel de gavetas, com 20 gavetas e 20 fragmentos sonoros de lugares diferentes gravados em situações diversas, entrevistas, cenas urbanas, caminhadas, não importa exatamente o que são as gravações, mas o fato de que cada uma permanece em silêncio em uma gaveta, que somente ao ser aberta passa a soar, na tentativa impossível de unir esses fragmentos, inclusive acentuada pela baixa tecnologia das gravações quase sempre feitas com celulares, percebemos que ali a narrativa central se perdeu, e também sua linearidade , a entrada nesse universo pode ser em qualquer gaveta, assim como as gravações não apresentam dados que nos permitam remontar onde aquilo se passou, somos obrigados a optar pra cção e não pelo documento, somos obrigados a criar um novo mundo, um novo lugar para esses sons, um lugar com o prazer da escuta, um lugar onde toda nossa sensibilidade será escuta e memória. Reunidas ali aquelas gravações de diversas partes formam um mapa, na sua incomunicabilidade demonstram a diculdade de comunicação, formam um mapa de afetos e vivências inacessível, impermeável. Não é possível deduzir apenas imaginar que sensação era aquela de estrangeiro, que lugares e pessoas eram estes, mas como será a sensação de estrangeiro, que lugares e pessoas serão estes? Ao apreender as partes, o todo sempre lhe escapa. Continuamente surpreso, o espectador reabre gavetas fechadas dentro de si, busca sensações para equiparar aqueles momentos de surpresa. Toda essa transformação do nosso universo de linguagens transformou a nossa relação com o espectador,

Upload: floriano-romano

Post on 08-Dec-2015

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Sobre "o Estrangeiro"

TRANSCRIPT

Page 1: Ficcao e Documento

Ficção e Documento

Em meu trabalho, O ESTRANGEIRO(2013), e CIDADE SONORA (2012), a manipulação de registros sonoros de viagens são dispostos na instalação e no objeto. “O estrangeiro” é um móvel de gavetas, com 20 gavetas e 20 fragmentos sonoros de lugares diferentes gravados em situações diversas, entrevistas, cenas urbanas, caminhadas, não importa exatamente o que são as gravações, mas o fato de que cada uma permanece em silêncio em uma gaveta, que somente ao ser aberta passa a soar, na tentativa impossível de unir esses fragmentos, inclusive acentuada pela baixa tecnologia das gravações quase sempre feitas com celulares, percebemos que ali a narrativa central se perdeu, e também sua linearidade , a entrada nesse universo pode ser em qualquer gaveta, assim como as gravações não apresentam dados que nos permitam remontar onde aquilo se passou, somos obrigados a optar pra ficção e não pelo documento, somos obrigados a criar um novo mundo, um novo lugar para esses sons, um lugar com o prazer da escuta, um lugar onde toda nossa sensibilidade será escuta e memória. Reunidas ali aquelas gravações de diversas partes formam um mapa, na sua incomunicabilidade demonstram a dificuldade de comunicação, formam um mapa de afetos e vivências inacessível, impermeável. Não é possível deduzir apenas imaginar que sensação era aquela de estrangeiro, que lugares e pessoas eram estes, mas como será a sensação de estrangeiro, que lugares e pessoas serão estes? Ao apreender as partes, o todo sempre lhe escapa. Continuamente surpreso, o espectador reabre gavetas fechadas dentro de si, busca sensações para equiparar aqueles momentos de surpresa. Toda essa transformação do nosso universo de linguagens transformou a nossa relação com o espectador,

Page 2: Ficcao e Documento

decerto ele parece estar ganhando cada vez mais importância. Mas não queremos uma interação induzida. Propomos uma relação com o espectador e seu cotidiano, uma relação sistêmica com o som do mundo, através de seus objetos.