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Fernando Luzio e Renê Guedes O Homem que Quebrou Paradigmas e Mudou o Jogo

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Fernando Luzio e Renê Guedes

O Homem que Quebrou Paradigmas e Mudou o Jogo

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Propósito

Neste artigo, Fernando Luzio e Renê

Guedes analisam o filme "Moneyball – O Homem que Mudou o Jogo", um fascinante caso real de inovação estratégica aplicada ao baseball.

Por meio das inúmeras metáforas de gestão estratégica, governança e idiossincrasias típicas de qualquer ambiente corporativo, claramente identificadas em "Moneyball", os autores exploram os desafios enfrentados pelo dirigente do Oakland Athletics, Billy Beane, no esforço de romper com paradigmas tradicionais do Modelo do Negócio Baseball e promover o renascimento do time.

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Não é um filme apenas sobre baseball...Renê Guedes

O baseball é um enigma indecifrável para muitos brasileiros. A aparente complexidade das regras, dos termos e da própria dinâmica do jogo nos afasta de entendê-lo e apreciá-lo. Ainda mais por sermos quase monoculturais em termos esportivos, escravos quase obsessivos do Futebol.

Mas o baseball é o esporte americano por excelência. O esporte das famílias ou quase sempre associado a elas. Diferente da truculência do futebol americano ou da agilidade quase circense do basquete, o baseball carrega certo ar romântico de um país que não existe mais. Talvez por isso Hollywood recorrentemente se volte para o jogo em filmes populares como “Campo dos Sonhos” (1989), dirigido por Phil Alden Robinson e estrelado por Kevin Costner (na época, o mais poderoso ator da indústria). Na verdade, os filmes sobre baseball são quase um subgênero cinematográfico, ao menos para o mercado americano.

Recentemente, mais um longa chegou às salas de cinema e se incorporou à longa

lista de filmes sobre o assunto: “Moneyball” (2011 – traduzido no Brasil por “O Homem que Mudou o Jogo”), dirigido por Bennett Miller (diretor do correto “Capote”), produzido e interpretado pelo astro Brad Pitt (cada vez mais parecido com Robert Redford, na sua melhor forma). É uma pena que ele tenha sido tão pouco apreciado em nossas salas, e mesmo sua indicação para melhor filme não lhe conferiu maior notoriedade.

Trata-se de uma emocionante história sobre o poder inquebrantável dos sonhos, mesmo se alicerçados em racionais e complexas equações matemáticas. E também, como o uso da (aparente) fria e rígida ciência econométrica, pode sim se prestar a viabilizar sonhos e desejos inspiradores.

O filme, muito bem dirigido por Miller, e contando com um belíssimo roteiro adaptado de Steven Zaillian e Aaron Sorkin sobre o livro de não-ficção de Michael Lewis, descreve a aventura do gerente esportivo de uma pequena equipe

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da liga principal de baseball (Oakland Athletics) em montar um time competitivo, contando com 25% do orçamento das equipes maiores. Após outra derrota num momento decisivo da liga, e cansado das mesmas estratégias e paradigmas que nortearam a montagem das equipes anteriores, ele intui que com as mesmas crenças e práticas, não avançaria. Nada de novo aconteceria.

É quando este manager, Billy Beane (interpretado por Pitt), encontra um recém-formado economista de Yale (Peter Brand, interpretado de forma inspirada por Jonah Hill) e se impressiona com as informações pouco convencionais ditas pelo jovem sobre jogadores, seus preços de mercado e sobre o próprio jogo. Formam, a partir daí, uma das duplas menos convencionais do cinema contemporâneo. E é esta relação, aparentemente tão diferente, a grande força do filme.

Moneyball” oferece muitas belas analogias sobre os verdadeiros dilemas à cerca dos desafios envolvidos na execução da Estratégia

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Juntos, montam uma estratégia, aliando conhecimento econométrico de Brand à sagacidade e conhecimento do sistema de Beane. Através de complexas equações, acabam identificando jogadores esquecidos e/ou subvalorizados por incorreções de seus estilos e personalidades, mas dotados de talentos específicos e scores ignorados pelos outros times. Conseguem montar, enfim, uma equipe de desajustados (ou ao menos assim se parece em seu início), com toda sorte de problemas e resistências da diretoria e do próprio técnico, mas que, paulatinamente, começa a mostrar resultados concretos, firmando-se como um time coeso e vencedor.

O filme é muito feliz em criar situações críveis sobre os desafios e resistências dentro do Oakland, além da implementação do Plano de Ação para a obtenção do objetivo estratégico maior: a classificação do time para as finais.

Contando com interpretações inspiradas e uma narração segura de seu diretor, “Moneyball” se faz uma surpresa para os incautos por divertir e, no processo, oferecer tantas e belas analogias sobre os verdadeiros dilemas à cerca dos desafios envolvidos na execução de uma estratégia organizacional, mesmo que bem fundamentada. Além disso, é a tocante história de um romântico que persegue as vitórias, mas não a qualquer custo e desprovido de um propósito maior.

“Moneyball” é fonte de inspiração ao demonstrar o poder de uma Missão genuína (higher purpose)

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O homem que rompeu paradigmas e mudou o jogoFernando Luzio

“Moneyball” é um desfile de metáforas de gestão estratégica, governança e idiossincrasias típicas de qualquer ambiente corporativo. Poderia ser utilizado por um CEO ou qualquer líder da organização para estimular uma reflexão conjunta em sua equipe sobre a essência de uma gestão de sucesso. Poderia ser utilizado pelo Presidente de um Conselho de Administração ou Consultivo para conscientizar seus Conselheiros sobre os cuidados a serem tomados para promover o bom exercício da governança. Também, poderia servir para ilustrar uma boa aula de MBA, pela riqueza didática das conexões com o cotidiano paradoxal dos executivos. Ao mesmo tempo, “Moneyball” é fonte de inspiração ao demonstrar o poder que uma Missão genuína (higher purpose) pode exercer sobre líderes e suas equipes, clientes e outros públicos de interesse.

Já na abertura, o filme demonstra a que veio com uma fala provocativa de Mickey Mantle, um dos mais célebres campeões da mitologia do baseball norte americano que marcou a história do New York

Yankees: “É impressionante o quanto você não sabe sobre o jogo que você tem jogado a sua vida toda”. Ao mudar a estratégia tradicional de seleção e formação do time, os gestores do Oakland Athletics (e mais tarde seus concorrentes) acordaram para aspectos do negócio que jamais haviam percebido.

Na Era da Disruptura, de uma hora para outra uma empresa (ou seu competidor) pode descortinar uma nova possibilidade para o negócio. E se ela tiver a coragem de um Billy Beane de questionar os paradigmas vigentes, desativar o piloto automático e realizar as mudanças necessárias, pode provocar uma inovação no modelo do negócio e um salto na geração de valor. A norte americana Netflix, por exemplo, ao mudar o meio de distribuição do filme (da loja física para a internet) e o modelo de receitas de aluguel (diária por filme) para assinatura (mensal sem limites), dizimou a gigante Blockbuster que, até aquele momento, dominava as regras do jogo de locação.

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No entanto, temos presenciado, na maioria das empresas no Brasil e no exterior, um aprisionamento em paradigmas que respondem pelo sucesso no passado, mas que impedem a entrada de um novo sistema de crenças mais adequado ao espírito dos novos tempos. Esta armadilha, difícil de ser desarmada, pode boicotar, direta ou indiretamente, qualquer movimento de ruptura (breakthrough) na Estratégia.

Por isso, temos procurado, na abertura dos nossos Workshops de Planejamento, lançar os aprendizados do Mickey Mantle e do Oakland Athletics para conscientizar as pessoas de que a complexidade progressiva do mundo contemporâneo tem cobrado das lideranças empresariais uma atitude de abertura constante para descobrirem novos pontos de vista sobre o negócio que tanto dominam.

“Somos um time modesto e você é um dirigente modesto. Peço que tente não gastar um dinheiro que não tenho. Supere a perda e descubra como achar substitutos com o dinheiro que temos”. Proprietário do Oakland Athletics

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A virtude das restrições – inovação também nasce da falta

O fato do filme ser baseado numa história real torna sua riqueza simbólica ainda mais poderosa. Em menos de 2 minutos de filme, o palco da trama, absolutamente comum na competição empresarial, é apresentado: a diferença entre o orçamento do Oakland Athletics e o de seus grandes concorrentes diretos, que possuem quase o triplo do dinheiro para gastar (NY Yankees: U$114.457.768 versus Oakland Athletics: U$39.722.689).

Billy Beane vai ao Acionista, dono do Oakland, implorar por mais orçamento para contratar os melhores jogadores do mercado e cobrir a perda de 3 jogadores chave que deixaram o time no momento de crise gerada pela sequência de derrotas. Firme e claro, o Acionista diz: “Não. Somos um time modesto e você é um dirigente modesto. Peço que tente não gastar um dinheiro que não tenho. Supere a perda e descubra como achar substitutos com o dinheiro que temos”. O Acionista, naquele momento, impôs uma restrição que simplesmente provocou o movimento de inovação mais significativo na história do baseball. Ao se deparar com a falta de capacidade financeira para investir na expansão do business as usual

(negócio tradicional), a empresa teve de arregaçar as mangas e se empenhar para descobrir alternativas de inovação no Modelo de Negócio atual.

A arte da Estratégia é a possibilidade de lidarmos com a realidade e suas limitações para garantir a adaptabilidade permanente do corpo empresarial. Mesmo com pouco dinheiro, uma disruptura na Estratégia do negócio (Business Model Innovation) pode impulsionar a evolução da organização para um novo posicionamento de singularidade no mercado – em alguns casos cria, inclusive, um Oceano Azul: um espaço de mercado inexplorado, onde a concorrência é irrelevante e a demanda será criada pelo competidor que navegar de forma pioneira. Nestes mercados, o crescimento pode ser rápido e altamente lucrativo (“A Estratégia do Oceano Azul”, W. Chan Kim e Renee Mauborgne, Harvard Business Review, Outubro 2004).

Além da Netflix, que também cabe nesta análise, temos o bom exemplo da Apple que respondeu a um desafio semelhante criando o iPod. No final da década de 90, a empresa enfrentava uma crise que quase terminou na sepultura. Quando Steve Jobs reassumiu a companhia, ele não liderou a criação de uma tecnologia

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inovadora – até porque já existiam outros tocadores mp3 concorrentes. A empresa produziu um novo ecossistema para o iPod que provocou uma ruptura não somente na própria Apple, mas também na indústria fonográfica, e lançou a semente para a construção daquilo que, anos depois, viemos a chamar de Application Economy (Economia dos Aplicativos). Movimentos como o da Apple demonstram que as empresas precisam mudar o paradigma de gestão de portfólio de produtos para portfólio de Modelos de Negócios (ecossistemas).

A barreira dos guardiões do passado

No ápice da crise do Oakland e com a negativa do Acionista, Billy inicia uma longa jornada para conscientizar seu Conselho Consultivo (e em seguida o Técnico do time, os principais jogadores e até mesmo a opinião pública) da

“Se tentarmos jogar como os Yankees aqui, vamos perder para os Yankees lá fora!”Billy

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necessidade imperativa de encontrarem uma saída financeiramente viável para a contratação dos novos jogadores. Numa das mais brilhantes cenas do filme, os Conselheiros, travados no piloto automático do paradigma do passado, discutem sobre os nomes de grandes jogadores como candidatos para uma iniciativa de reposição dos 3 que deixaram o time. Billy se posiciona de maneira contrária e dura para despertá-los do sonho que se tornou impossível:

Billy: Vocês estão falando do business as usual (negócio tradicional como sempre fazemos).

Conselheiro: Não, Billy, estamos tentando achar a solução.

Billy: Mas vocês não estão sequer olhando o problema. Qual é o problema?

Conselheiro: Temos de repor 3 atletas que perdemos.

Billy: Errado. O problema que estamos tentando resolver é que existem times ricos e times pobres. É um jogo injusto. Somos um time pobre, doadores de órgãos dos times ricos. Temos de pensar diferente.

Conselheiro: Ok, Billy, temos muita experiência e sabedoria reunidas nesta sala. Tenha mais fé e deixe a gente substituir o Giambi.

Billy: Mas se existisse um outro Giambi, teríamos como bancar? Não. Então, que droga de conversa é essa? Se tentarmos jogar como os Yankees aqui, vamos perder para os Yankees lá fora!

“Somos um time pobre, doadores de órgãos dos times ricos. Temos de pensar diferente.” Billy

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Conselheiro: Ok, Billy, isso parece frase de biscoito da sorte. Fazemos isso há muito tempo, deixa que nós sabemos o que tem de ser feito.

Billy: Nós temos de pensar diferente!

Assim como acontece na vida corporativa, o Conselho do Oakland encontrava-se aprisionado naquilo que o Prof. Donald Sull, da London Business School, chama de “Armadilha dos Compromissos” (Trap of Commitments): na reunião, a velha guarda do time atuava na defesa inflexível do paradigma de aquisição dos melhores jogadores do mercado, pagando salários anuais exorbitantes. Apesar de reproduzir um dos pilares mais antigos do Modelo de Negócio do baseball, era absolutamente impraticável para a realidade orçamentária do Oakland.

A importância vital de se estimular o contraditório

Um bom Conselho tem de apoiar o corpo executivo na formulação da Estratégia e acompanhar os efeitos resultantes da execução do plano, sempre vigilante do cumprimento dos preceitos técnicos e legais, e da mitigação dos riscos empresariais. Este papel pressupõe que o Conselho também tem o dever de estimular o pensamento inovador para

descortinar novos horizontes que mobilizem o avanço do negócio – afinal, com raras exceções, em algum momento o negócio central atual deverá entrar no ponto máximo de geração de riqueza, exigindo movimentos de expansão a partir do core. No entanto, infelizmente temos encontrado, numa frequência preocupante, Conselhos obcecados por dedicarem 80% do tempo das reuniões à supervisão detalhada dos indicadores de desempenho financeiros, reservando no máximo 20% do tempo restante para explorar a Estratégia e as alternativas de inovação no Modelo do Negócio vigente.

É por isso que aplaudimos as empresas que mantêm Conselheiros externos independentes que não são necessariamente especialistas no negócio, mas com competências valiosas para fomentar a reflexão estratégica, porque de vez em quando alguém tem de colocar o elefante na sala e promover a exposição do contraditório. No Conselho do Oakland, o dirigente do time enfrentava solitariamente o desafio de incutir um novo ponto de vista no pensamento estratégico da organização. Billy precisava de reforço.

Assim como na vida real, a sincronicidade que sempre favorece o espírito dos bem

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preparados e corajosos colocou no caminho de Billy o Conselheiro que ele precisava para desenhar a nova Estratégia. Numa reunião extraordinária no Cleveland Indians, Peter Brand, um jovem economista formado em Yale que experimentava seu primeiro emprego naquele time concorrente do Oakland, impede que o dirigente aprove a venda de um de seus jogadores para Billy. O jogador nem era uma estrela de alta grandeza do time, então por que não deixá-lo ir para o Oakland? Billy sai da reunião e interpela Peter: “O que aconteceu naquela sala?”, “Billy, há uma dinâmica endêmica dos times de administrar de maneira errônea os jogadores. Dirigentes de clubes sempre pensam em comprar os melhores atletas. Sua meta não deveria ser comprar atletas, mas sim comprar vitórias. Veja Johny Damon, do Boston Red Sox. É um bom rebatedor, mas não vale U$ 7,5 milhões. Existem jogadores de pouca expressão

“Vocês fazem as perguntas erradas. Sou excluído da discussão como um leproso quando digo isso.” Peter

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bem mais baratos porque possuem um estilo esquisito de jogar, mas que são muito mais produtivos. Os dirigentes deveriam almejar esses jogadores. Vocês fazem as perguntas erradas. Sou excluído da discussão como um leproso quando digo isso.” Peter também era rejeitado pelos Conselheiros do Cleveland Indians por questionar a Estratégia dominante e propor um meio inovador de planejar a formação do time.

Frans Johansson, autor do célebre “Efeito Médici” e, mais recentemente, “The Click Moment”, reuniu inúmeros exemplos fascinantes de empresas que promoveram inovações marcantes por meio da interseção de múltiplos saberes. Frans defende que um dos meios de fomentar a inovação é cruzar campos diversos do conhecimento para pensar o mesmo problema e encontrar uma solução diferente. Era isso que Peter tentava fazer no Cleveland: aliar Economia com Esporte. Era tudo que Billy precisava, de alguém que o ajudasse a mobilizar o Oakland a pensar fora da caixa. Em um telefonema, Billy cria um divisor de águas na história do baseball americano: “Faça suas malas, Pete. Acabo de comprar você dos Cleveland Indians!”

Inovação Estratégica exige experimentação de alternativas fora da caixa

Julian Birkinshaw, da London Business School, defende que uma das principais causas para o declínio de impérios empresariais, como a história recente da Nokia, por exemplo, é a perda de agilidade estratégica: a capacidade que uma empresa tem de mobilizar as pessoas por toda a organização para manterem seus olhos abertos para as mudanças no ambiente externo, e assumirem a responsabilidade de disseminar suas novas ideias e desafiar os processos atuais.

A Nokia detinha todos os avanços tecnológicos que poderiam tê-la feito criar uma versão semelhante ao iPhone e revolucionar o setor. O conhecimento necessário sobre o que fazer já existia, mas sua dificuldade de converter consciência em ação e a perda de agilidade para realizar as mudanças necessárias fizeram a Nokia desmoronar no “gap do saber-fazer”, uma idiossincrasia típica das grandes empresas, há tempos discutida por Jeffrey Pfeffer e Robert Sutton, Professores da Standford University.

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Um procedimento básico na formulação da Estratégia de uma empresa é atribuir indicadores e metas de desempenho para seus principais objetivos, uma das maneiras de aferir se a hipótese preconizada pela Estratégia vai produzir os efeitos almejados, e de alertar a empresa para os ajustes necessários. No entanto, como afirma Birkinshaw, um dos inimigos da agilidade estratégica é a empresa se basear em métricas velhas e restritivas e não questionar com frequência os indicadores de desempenho, acarretando a criação de pontos cegos muito perigosos na nossa visão estratégica. Esta foi uma das lições mais interessantes da experiência vivida no processo de inovação do Modelo do Negócio do Oakland.

Peter empregou uma metodologia radicalmente diferente, utilizando-se de um trabalho de Mestrado escrito por um acadêmico alguns anos antes, para avaliar o desempenho dos jogadores e selecionar aqueles que poderiam ser alvo de contratação do Oakland; montou um painel de indicadores de produtividade dos jogadores para desenvolver uma nova visão estratégica do negócio baseada em dados – algo que ninguém havia feito antes. “Trata-se de reduzir tudo isso a um número. Com esses dados estatísticos, vamos achar jogadores valiosos que ninguém consegue enxergar”. Em sua análise, Peter questiona as referências até então utilizadas: idade, aparência e personalidade (o que para ele provocava um viés de percepções). “Existem jogadores que são subestimados pelo baseball porque os times olham as métricas erradas e aqueles pelos quais podemos pagar. São uma ilha de brinquedos defeituosos. Atletas injustiçados. O defeito deste aqui, por exemplo, é arremessar esquisito, mas é um dos melhores reservas em produtividade – deveria custar U$ 3 milhões ao ano, mas pode ser nosso por U$ 237

“Você vai trazer 3 jogadores defeituosos para substituir nossos campeões?”Conselheiro

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mil. Este outro andava feito pato, por isso não quiseram contratá-lo”.

Em uma cena extraordinária do filme, acontece mais uma mudança de paradigma para completar a nova Estratégia: Billy pede que Peter o ajude a defender a nova lista de jogadores junto ao Conselho, fornecendo dados que atestavam a produtividade e a escolha dos candidatos. O Conselho refuta a recomendação: “Você vai trazer 3 jogadores defeituosos para substituir nossos campeões?” e Billy defende sua decisão final: “Ninguém quer esse jogador. Por isso vamos comprá-lo barato. Queremos ele porque ele chega na base”. Finalmente, os tais jogadores “esquisitos” foram convidados a jogar no Oakland em posições diferentes das que eles jogavam em seus times de origem.

Billy é tão ser humano como qualquer outra pessoa do time

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Liderar uma Inovação Estratégica exige muita coragem e determinação – e humildade

O filme também foi muito feliz no processo de humanização do líder. Billy é tão ser humano quanto qualquer outra pessoa do time. Vive dificuldades com a ex-mulher, precisa administrar as inseguranças da filha e driblar a enxurrada de cobranças e expectativas que surgem dentro e fora do trabalho. E para dificultar mais ainda o processo de inovação da Estratégia, Billy tem um passado de desempenho questionável que poderia fragilizar sua credibilidade. Deixou de ir para Standford porque optou por jogar baseball, mas fracassou em ser um bom jogador, declinou progressivamente na carreira e já era tarde para reverter a decisão errada do passado e voltar à universidade. As cenas da história de Billy sugerem que ninguém poderia esperar muito dele e do time que dirige.

Inovar um Modelo de Negócio tão antigo e tradicional quanto o baseball exige, além de coragem e persistência, humildade, pois na maioria das empresas, assim como no Oakland, todo líder é, antes de mais nada, um ser humano, com todas as potencialidades e limitações que carrega. E como ser humano e líder que era, Billy

sustentava sua determinação com o desejo de fazer algo histórico, de deixar um legado para o Oakland e de dar uma contribuição marcante para o time e para si mesmo.

Para piorar, obviamente que a Estratégia não produziu resultados positivos no curto prazo (e também pode ser assim no mundo corporativo): o Oakland perde 14 de 17 jogos. Nestes defining moments (momentos divisores de água), se o líder não tiver fibra e confiança na Estratégia, vai abandoná-la nas primeiras derrotas. Ainda mais com a maré contrária de opiniões e críticas desafiando sua crença no novo caminho. Comentaristas e críticos esportivos tentaram moldar a opinião pública em torno de uma repulsa à nova Estratégia: “É justo dizer que a experiência fracassou. Era previsível. Não se trata de um jogo de estatísticas, mas um jogo de pessoas. É bom o Billy começar a procurar outro emprego.”

Billy teve de se justificar perante o Acionista: “Eu acredito no que estamos fazendo”. Pede tempo para manterem o rumo, já que a amostragem ainda era pequena para invalidar a Estratégia. O Acionista pergunta se estão com medo de dar algo errado, se estão convictos com o prazo que estavam pedindo para a

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Estratégia surtir efeito – este é um dos momentos da verdade mais duros na carreira de um executivo e do próprio empresário.

A filha de Billy, temerosa, pergunta se ele vai perder o emprego. Fontes de pressão surgem para o líder em todas as dimensões de sua vida. Billy teve de acalmar a filha e todos os outros para continuarem acreditando na Estratégia: “Seu pai não está enrascado”.

O técnico do time tenta excluir um novo jogador, contratado sob a luz dos novos indicadores, pelos erros que cometeu na primeira semana, numa clara sabotagem à Estratégia, mas Billy investe tempo tentando quebrar aquela forte oposição.

O líder deve agir como Missionário da Estratégia e criar Mitos Corporativos

Mitos corporativos são histórias disseminadas pelo tecido social da empresa, influenciando as decisões e atitudes das pessoas, trabalhando com força própria para estabelecer uma determinada norma cultural na organização.

Em uma cena, um dos Conselheiros confronta Billy e tenta convencê-lo de desistir da Estratégia: “Você está declarando guerra contra todo o sistema. Você nunca mais conseguirá ser contratado por ninguém depois que sua Estratégia fracassar.” Neste momento, Billy toma a difícil, porém necessária decisão: demite o Conselheiro por sua atitude desrespeitosa e, desta forma, cria o primeiro mito corporativo positivo de defesa e lealdade à Estratégia.

Mitos Corporativos são referências disseminadas no tecido social da empresa e que influenciam decisões e as atitudes das pessoas.

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Mais uma vez, Billy enfrenta a dura solidão que frequentemente marca o exercício da liderança: “Somos somente eu e você Pete...”

O filme também é bastante feliz na tarefa de ilustrar a importância vital da comunicação para a execução da Estratégia, sendo mais eficaz um corpo-a-corpo do líder com as pessoas chave da organização.

Billy teve de rever suas antigas crenças, suas próprias “armadilhas de compromissos” e mudar suas atitudes para se tornar o grande missionário da Estratégia. Assim como todos os dirigentes de times de baseball, ele não conversava diretamente com os jogadores – “Não posso desenvolver laços com os jogadores para conseguir tirá-los quando necessário”. Porém, esta atitude impedia Billy de realizar uma das atividades mais importantes da execução: comunicar pessoalmente a Estratégia para as pessoas que irão fazê-la acontecer.

Alinhar as pessoas em torno das premissas do modelo é fundamental para que elas possam compreender a hipótese, acreditar na Estratégia e se engajar na sua implementação, com fidelidade aos seus componentes chave. O esforço de

alinhamento é enorme e inclui lidar com as sabotagens declaradas ou não. Billy teve de enfrentar o deboche dos próprios jogadores e, em uma cena dura, cria um novo mito corporativo ao invadir o vestiário e questionar a atitude de celebração e farra dos jogadores, após uma derrota marcante: “Por que vocês estão se divertindo? Este deve ser o som da derrota: o silêncio”.

Em outras cenas, Billy vai ao vestiário falar diretamente com os jogadores e procura encorajá-los: “Pode não parecer, mas vocês são um time campeão. Ajam como campeões esta noite.” Ele abandona a conduta de não se envolver para reafirmar o mito corporativo: aproxima-se dos jogadores e demonstra sua confiança na Estratégia.

Ao engajar-se na execução, Billy consegue mapear diretamente os focos de resistência, as variáveis que precisam de ajustes e reúne elementos necessários para criar os mitos que são necessários para reforçar sua convicção quanto à Estratégia, emitindo uma mensagem poderosa para todos, dentro e fora do time. Ele inicia aquilo que batizou de “Faxina Geral”, demitindo alguns jogadores.

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A execução disciplinada de uma boa Estratégia produz resultados relevantes

Em junho de 2002, o Oakland começa a ganhar mais do que perder jogos. Oakland conquistou 20 vitórias seguidas. A nova Estratégia começava a dar certo. Amparado pelos bons resultados, Billy começa a trazer algumas estrelas para o time no momento em que estão com maior poder de barganha. Naturalmente, os resultados positivos começaram a motivar todos no time. Até mesmo o técnico começou a mudar de postura. Comentaristas partiram para o reconhecimento da coragem do Oakland: “Desafiaram tudo o que acreditávamos até agora no baseball”.

... E o velho ditado “Não se mexe em time que está ganhando” pode ser uma armadilha fatal...

Billy aproxima-se dos jogadores para demonstrar sua confiança na Estratégia

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Uma pergunta começa a provocar ira nos times concorrentes: como é possível um dirigente, ex-jogador fracassado, sem orçamento, ir contra tudo e todos, vencer 20 jogos seguidos e fazer um milagre na história do baseball, e aqueles times com recursos milionários e alto poder de barganha não são autores daquela revolução? Inconformados, os concorrentes se adaptam e viram o jogo, imitando a Estratégia do Oakland.

E esta é uma grande lição da Estratégia: ela está sempre em movimento porque o mundo está sempre em movimento. Acomodar-se em uma Estratégia vencedora sem contemplar que seu sucesso estimula os imitadores é desprezar o poder oculto do óbvio.

Não deixe de assistir ao filme “Moneyball” – O Homem que Mudou o Jogo” e procure perceber como o filme é rico em metáforas e situações que todos nós enfrentamos diariamente no mundo corporativo, no esforço de desafiar e implementar a Estratégia.

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CEO da Luzio Strategy Group e Diretor Brasil da Archetype Discoveries Worldwide, Fernando Luzio é formado em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas EAESP-FGV, com especialização em Estratégia pela London Business School e Gestão da Mudança pela Harvard Business School. É Professor de Estratégia Empresarial do MBA da Universidade de São Paulo (FIA-USP) desde 1999, autor do livro “Fazendo a Estratégia Acontecer” e articulista da Harvard Business Review.Email: [email protected]

Renê Guedes é formado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), pós-graduado em Economia Empresarial pela FEA – Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), extensão em Economia e Planejamento pela Universidade de Grenoble (França), além do curso de Execução da Estratégia pela London Business School (Inglaterra).

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