fenomeno grupal - da psicanálise à psicologia social

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FENÔMENO GRUPAL: DA PSICANÁLISE À PSICOLOGIA SOCIAL Organização: Alexandre Pereira de Mattos Autoria: Alexsandra R. Blanco, Cíntia Tatiane Colla, Patrícia Vitorino Dias, Luciana K. S. Hayashi, Keli Cristina Gregório, Mauro Azevedo de Carvalho, Claudia Morais Duarte, Davi Pereira Leal, Mario Antonio Costa Souza, Luana Mineiro Cardoso, Maria Aparecida L. Zuliani, Adriana Aparecida Pereira, Tânia Vaz Martyn e Alexandre Pereira de Mattos. ?

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FENÔMENO GRUPAL: DA PSICANÁLISE À PSICOLOGIA SOCIAL

Organização: Alexandre Pereira de Mattos

Autoria: Alexsandra R. Blanco, Cíntia Tatiane Colla, Patrícia Vitorino Dias, Luciana K. S. Hayashi, Keli Cristina Gregório, Mauro Azevedo de Carvalho, Claudia Morais

Duarte, Davi Pereira Leal, Mario Antonio Costa Souza, Luana Mineiro Cardoso, Maria Aparecida L. Zuliani, Adriana Aparecida Pereira, Tânia Vaz Martyn e Alexandre

Pereira de Mattos.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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" A demência é rara nos indivíduos,

mas nos grupos, partidos e nações é

o estado geral"

Friedrich Nietzche

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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SUMARIO

1 Apresentação_________________________________________________________ Alexandre Pereira de Mattos

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2 O Fenômeno de Massa: um coletivo maligno? __________________________ Alexandre Pereira de Mattos

04

3 Le Bon e a Mente Grupal______________________________________________ Cíntia Tatiane Colla e Patrícia Vitorino Dias

05

4 Análise do filme: A Arquitetura da Destruição __________________________ Cíntia Tatiane Colla e Patrícia Vitorino Dias

07

5 A Igreja e o Exército___________________________________________________ Alexsandra Blanco, Luciana K. S. Hayashi, Luana Mineiro Cardoso e Mario Antonio Costa Souza

08

6 Análise do filme “300” ________________________________________________ Alexsandra Blanco, Tânia Vaz Martyn e Alexandre Pereira de Mattos

10

7 Identificação_________________________________________________________ Claudia Morais Duarte e Mauro Azevedo de Carvalho

11

8 Visita a uma Igreja Pentecostal________________________________________ Davi Pereira Leal

13

9 Instinto Gregário e a Horda Primeva____________________________________ Keli Cristina Gregório

14

10 A Obediência ao Líder: uma leitura sociológica sobre a crueldade Alexandre Pereira de Mattos

15

11 A experiência de Stanford _____________________________________________ Maria Aparecida L. Zuliani e Adriana da Silva Maciel

18

12 O Fenômeno Grupal para a Psicologia Social___________________________ Alexandre Pereira de Mattos

18

13 Visão contemporânea sobre a Massa__________________________________ Alexandre Pereira de Mattos

19

14 Identidade Social_____________________________________________________ Maria Aparecida L. Zuliani e Alexandre Pereira de Mattos

19

15 Análise do filme Hooligans____________________________________________ Alexandre Pereira de Mattos e Keli Cristina Gregório

22

16 Considerações Finais_________________________________________________ Alexandre Pereira de Mattos

23

17 Referências Bibliográficas_____________________________________________ 24

Apêndice 1 – A Construção de um Grupo_______________________________ 25

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1- APRESENTAÇÃO

Este trabalho é o resultado de um estudo desenvolvido ao longo do Estágio Básico I sobre a

temática “Psicologia de Grupos e fenômenos de Massa”. Tal proposta foi apresentada ao grupo como forma

de introduzir um tema importante, não só dentro do campo teórico da Psicanálise, como também na

Psicologia Social: os fenômenos de massa.

Objetivava-se, portanto, discutir por que as

pessoas se comportavam de uma determinada forma

dentro de um grupo e diferentemente quando isoladas.

Qual o papel do processo de identificação na construção

de um grande grupo? Como entender hoje esse

fenômeno de massa à luz de conceitos mais

contemporâneos, como a Identidade Social? De que

forma os conceitos desenvolvidos por Freud,

principalmente o da identificação, nos permite entender

hoje os fenômenos de massa?

Outros interesses surgiram em decorrência de

algumas manifestações que invadiram e invadem os

meios midiáticos. A saber, os confrontos entre

Movimentos dos Sem Terra com as forças de resistência,

os cultos religiosos nos canais de televisão, o embate entre as torcidas organizadas de futebol, entre outros.

Tais manifestações levam-nos a questionar se uma formação grupal levaria necessariamente a

comportamentos irracionais e violentos ou se serviria como objeto de manipulação de ordens diversas.

Como parte da proposta do estágio, as leituras se concentraram no texto, considerado por muitos

teóricos como um dos mais importantes sobre o tema, “Psicologia de Grupos e Análise do Ego”, de Sigmund

Freud (1921). Para que pudéssemos fazer um contraponto com outras possíveis leituras mais

contemporâneas, adotamos o texto de Zygmunt Bauman “A ética da obediência”, em seu livro

“Modernidade e Holocausto” (1998).

Este trabalho foi construído literalmente por várias mãos. No início das atividades, fora atribuído

para cada dupla a leitura de um ou mais capítulos cujo resultado seria a elaboração de um quadro sintético

com as principais idéias discutidas pelos autores em questão.

O objetivo para o final do estágio era poder agregar todas as sínteses elaboradas e compor um

quadro único com todos os textos discutidos.

Para iluminar nossas discussões, assistimos a um documentário e a dois filmes, cujos conteúdos

nos auxiliaram na compreensão dos argumentos defendidos pelos autores trabalhados. O documentário “A

arquitetura da Destruição” narra o processo de construção de uma ideologia de perfeição do povo alemão a

partir da obsessão de Hitler pela arte e construções megalomaníacas; O filme “300” narra a guerra dos

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Espartanos contra o exército Persa; e por fim, “Hooligans”, que mostra a dinâmica grupal dos torcedores

fanáticos da Inglaterra.

A escolha desses filmes se deu pelas seguintes razões:

- O documentário nos oferece um retrato da ideologia nazista e sua influência na forma de pensar

do povo alemão. Ele também aponta a influencia dos discursos na propagação do ódio ao povo judeu,

através de imagens que associavam os judeus a ratos e lixos.

- O filme “300” nos permitiu pensar a dinâmica interna em um dos grupos artificiais citados por

Freud (Exercito), a relação dos soldados com o líder e o processo de identificação na constituição do grupo.

- O filme “Hooligans” nos ajudou a compreender os conceitos desenvolvidos dentro da Psicologia

Social, a saber, “identidade Social” “Relação Inter-grupal”.

2- O FENÔMENO DE MASSA: UM COLETIVO MALIGNO?

O estudo da psicologia das massas teve como um de seus colaboradores iniciais Gustave Le Bon,

que considerava que o fenômeno da multidão era capaz de gerar mais desordem e destruição (Justicia &

Sixto, 2003). Dentre as principais características da massa apresentada por Le Bon, havia a diluição da

individualidade e o surgimento de uma “alma coletiva”. Nas palavras de Moscovici (1990), o indivíduo, uma

vez mergulhado na massa, era tomado por uma espécie de exaltação e as fronteiras de seu ser se

apagavam.

Le Bon considerava que algumas condições eram necessárias para que o fenômeno da massa se

constituísse: o sentimento de potência, o anonimato e a perda da responsabilidade individual. O perigo da

massa residia no fato de que pessoas ditas normais poderiam desenvolver comportamentos irracionais

quando mergulhados em grandes grupos, por decorrência da emergência de uma “mentalidade grupal”

(Stott et al., 2001). Segundo Moscovici, o contato entre as pessoas pertencentes à massa acabava por

transformá-las: um fluxo e um refluxo de impressões e de emoções irrigam cérebros e corações, até que se

forma um grupo e uma massa (op.cit., p.57).

Freud, influenciado pelo trabalho de Le Bon e pelo momento histórico de sua época (pós 1ª guerra

mundial), foi um dos teóricos que procurou aprofundar e integrar os estudos sobre mente individual e a

sociedade.

Em “Psicologia dos Grupos e Análise do Ego” (1921), Freud utilizou seu arcabouço teórico

construído na clínica para compreender os fenômenos coletivos, desenvolvendo assim uma crítica

psicanalítica da cultura.

O fenômeno da massa, na teoria psicanalítica, seria construído a partir de uma série de

reorganizações libidinais, proibições externas e identificações. A indiferenciação necessária para a formação

da massa seria alcançada através do processo de identificação vertical (com o líder) ou horizontal (com os

parceiros).

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Tanto Le Bon quanto Freud afirmavam haver uma redução do individualismo ou do sentimento de

identidade quando o sujeito era influenciado pela massa. Contudo, a idéia de um coletivo maligno e

irracional não foi amplamente compartilhada pelos teóricos que estudaram o fenômeno.

Para Gabriel Tardi (1904), a consciência coletiva não existia fora ou por cima das consciências

individuais. Ele reconhecia que na massa havia a presença da imitação e da invenção como condições para a

sua formação. A imitação levaria o individuo a um estado quase hipnótico. Tardi acrescentava que os

processos sociais se explicavam pela combinação da interação mental (influencia de uma mente sobre outra

por meio da imitação) e inovação. Desta forma, podemos perceber então que o efeito da massa sobre o

individuo não era uma via de mão única como preconizava Le Bon. Ela era um produto de relações

recíprocas entre diferentes consciências e mais interacionista (Justicia & Sixto, 2003).

3- LE BON E A MENTE GRUPAL

Por Cíntia Tatiane Colla e Patrícia Vitorino Dias

No segundo capítulo do texto “Psicologia de grupo

e a Analise do Ego”, de Sigmund Freud, chamado A

descrição de Le Bon da Mente Grupal, Le Bon considera que

um grupo possui um caráter efêmero. Segundo ele, um

grupo pode ser formado por pessoas diferentes ou

semelhantes, mas quando este grupo está reunido surge

uma espécie de mente coletiva, cuja presença faz com que

os indivíduos ajam da mesma forma, como se o intelecto

individual desaparecesse. Alem disso, os indivíduos

apresentam novas características quando inseridos no

grupo.

De acordo com Le Bon, haveria três possíveis fatores para isso: um sentimento de poder invencível

que faz com que o individuo realize seus desejos unicamente por

estar em um grande grupo, o que não faria se estivesse isolado; o

contágio, pelo qual o individuo se deixa levar pela mesma emoção,

deixando de lado seus interesses em prol do interesse coletivo e a

sugestionabilidade, considerado por ele o mais importante, pois a

sugestionabilidade é como se fosse um estado hipnótico em que o

individuo adquire sentimentos e pensamentos que não são dele.

Em alguns pontos, Freud discorda de Le Bon. Para ele

existe um interesse mútuo para que estas pessoas façam parte de

um mesmo grupo.

De acordo com Freud, o contágio e a sugestionabilidade

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são conseqüências uma da outra, ou seja, o contágio parece ser na verdade uma manifestação da

sugestionabilidade. Alem disso, dentro de um grupo, o individuo externa pulsões inconscientes e suas

atitudes são frutos dessa pulsão e não do sentimento de poder invencível por questões numéricas.

O fato de estar junto a outros com a mesma intenção faz com que o individuo se sinta encorajado a

liberar seus desejos e comportamentos agressivos, que são inatos no ser humano. Freud considerará estes

comportamentos agressivos como derivações da Pulsão de Morte.

Uma das críticas de Freud à Le Bon refere-se ao fato de Le Bon não mencionar o líder como

hipnotizador no caso da sugestionabilidade. Freud também critica a idéia de que um grupo seria um

rebanho obediente que não conseguiria viver sem um senhor por possuir uma ânsia de obediência, e que

por instinto se submeteria a qualquer um que se indicasse como líder.

De acordo com Freud, a necessidade de um grupo o leva a meio caminho ao encontro do líder,

porém, esse deve ajustar suas qualidades pessoais à deste grupo. O líder precisa ter uma grande fé para

despertar essa mesma fé no grupo e deve ser determinado, de modo que o grupo não tenha vontade

própria e não se deixe levar pela sua vontade.

Le Bon acreditava que os líderes se sobressaiam por acreditarem fervorosamente em suas próprias

idéias. Além disso, atribuia-se um poder misterioso, que ele chamaria de prestígio, tanto às idéias quanto

aos líderes.

O prestigio seria uma espécie de dominação exercida sobre nós por um outro individuo, idéia ou

trabalho, que parece despertar um sentimento como o da “fascinação” na hipnose. Le Bon distingue o

prestigio adquirido ou artificial do prestigio pessoal. O adquirido seria o construído por meio da tradição,

de modo que o nome, a fortuna e a reputação do individuo lhe desse prestigio perante a sociedade; o

segundo, denominado prestigio pessoal, seria atribuído a poucas pessoas que se tornariam lideres por suas

qualidades pessoais e este conseguiria exercer domínio sobre os outros como se fosse por meio de alguma

força magnética. Neste caso, todo prestigio dependeria do sucesso e se perderia em caso de fracasso.

Freud elogia Le Bom quando ele retrata brilhantemente uma descrição da mente grupal. Contudo,

faz uma critica devido ao fato de Le Bon não ter se aprofundado sobre a questão do líder.

No texto Outras Descrições da Vida Mental Coletiva, Freud utilizou a descrição de Le Bon por

pensar que suas observações auxiliavam no estudo da psicologia de grupos, mas completou que nada do

que Le Bon dissera já não havia sido dito antes por outros pensadores.

McDougall, um dos autores também citados por Freud, descreve os grupos como multidão, na qual

os indivíduos têm homogeneidade mental; quanto maior a intensidade emocional, menor o seu senso

crítico. Essa mesma intensificação emocional pode fazer com que o indivíduo sinta que é mais seguro seguir

o grupo do que ficar contra ele.

Freud diz que a maneira como Mc Dougall descreve um grupo não é mais “amistoso do que o de Le

Bon”. São indivíduos que agem como animais sem responsabilidade e por isso são dominados facilmente.

McDougall enumera cinco condições para elevar a intelectualidade coletiva de um grupo:

1° Deve haver certo grau de continuidade do grupo; 2° O indivíduo deve saber a natureza, capacidade e composição do grupo;

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3° Interação com grupos semelhantes; 4° Possuir tradições, costumes e hábitos; 5° Cada indivíduo deve ter sua função e o grupo tem que ter uma estrutura definida.

4- ANÁLISE DO FILME: A ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO

Por Cíntia Tatiane Colla e Patrícia Vitorino Dias

Hitler, inconformado por ter sido recusado na escola de arte no início de sua juventude, começa

então a demonstrar a sua repulsa por algumas obras de artistas que começaram a surgir quando este já

ascendia ao poder. As pinturas desses artistas, para Hitler, nada mais eram do que retrato de pessoas com

defeitos físicos. Este documentário mostra a ideologia defendida por Hitler cuja tônica era a limpeza, de

modo que aqueles que possuíam “defeitos” físicos deviam ser eliminados, pois ameaçavam a pureza da

raça ariana. A perseguição aos deficientes físicos, se estendendo depois aos judeus, ciganos, homossexuais,

etc, levou milhares de pessoas ao trabalho forçado e aos campos de extermínio. A forma com que Hitler

discursava para o povo alemão convencia-os da força deste ideal, fazendo uso de meios de comunicação,

como os discursos passados nos comerciais na TV, nos quais os judeus eram comparados a ratos e,

portanto, deveriam ser eliminados com inseticidas. Seus argumentos adquiriam mais força e convicção

quando performatizados em eventos megalomaníacos. Os locais onde se davam os discursos eram

preparados como que para receber um rei todo poderoso, justo e preocupado com a nação. Com isso, o

povo alemão começou a se aliar a causa de Hitler. Os capítulos iniciais do texto “Psicologia de Grupo e

Análise do Ego” nos permitem articular as idéias sobre sugestão, sentimento de onipotência e contágio com

a adesão do povo alemão aos ideais nazistas, idéias estas defendidas por Le Bon e McDougall. Para Freud,

devemos compreender tais fenômenos como produtos da redução de uma força repressiva que levaria os

indivíduos a liberarem seus conteúdos mais inconscientes.

Sinopse Este filme é considerado um dos melhores estudos sobre o Nazismo. Lembra que chamar Hitler de artista medíocre não elimina os estragos causados por sua estratégia de conquista universal. O arquiteto da destruição tinha grandes pretensões e queria dar uma dimensão absoluta à sua megalomania. O nazismo tinha como princípio fundamental embelezar o mundo, nem que para isso tivesse que destruí-lo. Esse documentário traça a trajetória de Hitler e de alguns de seus mais próximos colaboradores, com a arte. Muito antes de chegar ao poder, o líder nazista sonhou em tornar-se artista, tendo produzido várias gravuras, que posteriormente foram utilizadas como modelo em obras arquitetônicas. Destaca ainda a importância da arte na propaganda, que por sua vez teve papel fundamental no desenvolvimento do nazismo em toda a Alemanha. Numa época de grave crise, no período entre guerras, a arte moderna foi apresentada como degenerada, relacionada ao bolchevismo e aos judeus. Para os nazistas, as obras modernas distorciam o valor humano e na verdade representavam as deformações genéticas existentes na sociedade; em oposição defende o ideal de beleza como sinônimo de saúde e consequentemente com a eliminação de todas as doenças que pudessem deformar o "corpo" do povo.

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5- A IGREJA E O EXÉRCITO Por Alexsandra Blanco, Luciana K. S. Hayashi, Luana Mineiro Cardoso e Mario Antonio Costa Souza

No seu exame sobre a psicologia das massas, Freud destaca a importância da relação estabelecida

com o líder, aspecto negligenciado, segundo ele, por Le Bon e MacDougall. Seu argumento se desenvolverá

a partir do estudo de dois grupos artificiais: o Exército e a Igreja.

Freud parte do ponto fundamental de que o individuo em um grupo está sujeito, através da

influência deste, a uma alteração em sua atividade mental. A investigação de Freud seguiu no sentido de

explicar essa “alteração mental” para a tradição da psicologia de grupo.

Le Bon afirmava que essa alteração mental se explicava através da sugestionabilidade que, para Freud, tal

assertiva não possuía nenhuma explicação convincente. Caberia a nós, portanto, investigar o por quê e de

onde viria essa influência que surge nos grupos sociais. Ele propõe, então, explicar o conceito de sugestão a

partir da libido, na qual está intimamente ligada a vida mental do individuo.

Somente o amor poderia formar um grupo e manter as pessoas desse grupo unidas dentro dele.

Mas esse amor do qual ele fala, nada mais é do que uma pulsão sexual, inibida em seus objetivos. Tanto

essa pulsão, quanto o processo de identificação, seriam elementos essenciais para a construção da

estrutura afetiva da mente grupal.

Para Freud, aquilo que funda a identificação é a relação do ideal de ego com o líder. O amor por ele

e a qualidade emocional comum entre os membros do grupo seriam a argamassa que proporcionaria a

coesão grupal. Os indivíduos identificam-se uns com os outros, ocasionando uma influência mutua.

Freud cita como exemplo a Igreja e o Exército, estabelecendo a diferença entre massas muito

efêmeras e desarticuladas e aquelas mais duradouras que contam com alto grau de organização. Com isso,

Freud nomeou a Igreja e o Exército como “massas artificiais”, pois para ele essas instituições só durariam

enquanto houvesse uma compulsão externa.

Na igreja, bem como no exército, por mais diferentes que sejam, prevalece a ilusão de que há um

líder. Freud aponta que toda a estrutura de sustentação desses grupos está nos vínculos que unem cada

membro do grupo ao seu líder; sem ele, a sociedade se dissolveria. Sem a fascinação pelo líder,

prevaleceriam a hostilidade, a aversão e a agressividade, evidências da narcísica intolerância à diferença. A

sociedade só se mantém enquanto a diferença for projetada para fora. Esse laço existente na Igreja é

representado pelo amor que Cristo tem por todos os indivíduos de maneira igual. Qualquer atitude ou

sacrifício feito por um dos integrantes desse grupo é como se tivesse sido feito ao próprio Cristo. E esse

amor libidinal não existe somente entre o indivíduo e seu líder. Também observamos o amor entre o

indivíduo e os outros integrantes do grupo e isso ocorre porque acreditam que são irmãos em Cristo.

No exército, o líder é o comandante chefe. Para os indivíduos do grupo ele é um Pai que ama todos

os seus soldados de maneira igual. Por isso que todos os indivíduos precisam ser camaradas entre si, pois

são iguais perante os olhos de seu líder. Se no exército ocorrer uma desintegração, surgirá o fenômeno do

pânico, pois o indivíduo começará a se preocupar somente consigo próprio deixando de lado o seu líder e

os seus companheiros.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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A falta de liberdade no grupo, a alteração de personalidade e a limitação do indivíduo acontecem

exatamente por acreditarem nesse amor existente entre o líder e os seus companheiros. E é esse amor

libidinal que dá força a esse laço grupal e faz com que a Igreja e o Exército sejam considerados grupos

organizados, permanentes e artificiais.

Freud afirma também que quase toda relação emocional íntima entre duas ou mais pessoas

contém aversão e hostilidade e quando esse sentimento se dirige a alguém que é amado, chama-se

ambivalência de sentimentos. Esse sentimento de aversão, em algumas vezes, se manifesta por conta do

nosso narcisismo. E por isso, os laços libidinais que unem o grupo só são possíveis a longo prazo caso haja

algum outro grupo externo sob o qual possa descarregar a “agressividade” 1

O filme “300” narra história de trezentos guerreiros

espartanos que, liderados pelo rei Leônidas, enfrentam o maior

exército já reunido no mundo, formado pelos Persas e liderado por

Xerxes.

. Assim, a civilização só é

construída na medida em que vai existindo a capacidade de se regular a sociedade, impondo severas regras

e restrições a dois impulsos estruturais da vida: a sexualidade e a agressividade. E são esses dois impulsos

que, para Freud, movem o ser humano na sua busca incessante pelo prazer. E que jamais seria possível

realizar, pois a vida em sociedade só é harmônica, na medida em que surgem essas restrições que impedem

a satisfação total destes impulsos.

6- ANÁLISE DO FILME “300” Por Alexsandra Blanco, Tânia Vaz Martyn e Alexandre Pereira de Mattos

Leônidas fora criado de acordo com os padrões da sociedade

de Esparta, que dispunha de regras rígidas para escolha de seus

guerreiros. Desde o nascimento, o cidadão espartano passava por

testes, dentre eles, a necessidade de que o bebê espartano fosse perfeito, ou seja, sem nenhum tipo de

problema físico. Quando criança, havia a necessidade de se passar por vários treinamentos de luta para

quando chegasse a adolescência, este pudesse se separar da família para ser treinado e tornar-se um

guerreiro espartano.

1 Esse argumento de Freud tornou-se o principal foco nos trabalhos de psicólogos sociais que discutem as relações inter-grupais. Nelas, a reação e dinâmica de um grupo estaria sempre em relação ao seu grupo rival ou adversário.

Sinopse Em 480 antes de Cristo, durante a famosa batalha de Thermopylae, o rei de Esparta, Leônidas (Gerard Butler), lidera seu exército contra o avanço dos Persas, comandados por Xerxes (Rodrigo Santoro). Na História, a batalha ficou marcada por ter inspirado toda a Grécia a se unir, o que ajudou a solidificar o conceito de democracia que se conhece hoje. Adaptação dos quadrinhos criados por Frank Miller.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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Analisando o filme e relacionando-o com as idéias de Freud, podemos encontrar vários aspectos

em comum e importantes sobre a psicologia de grupo. Podemos ver a força do ideal de ego no processo de

identificação. Os espartanos, desde crianças, almejavam ser como seus pais, grandes guerreiros. Ser

espartano significava desenvolver qualidades para que se tornassem os melhores. Por isso se identificavam

com o grupo de exército e com seu rei.

O conceito Ideal de Ego refere-se a uma instância psíquica com funções especializadas que incluem

o estabelecimento de um sistema de códigos morais, envolvendo a autocrítica ou a formação de uma visão

exemplar ou ideal de si próprio. Esta instância fornece padrões para medir quão bem o indivíduo atende às

expectativas que dele se

tem. Atualmente, a maioria

dos teóricos em psicanálise

considera o ideal do ego

como um dos conjuntos de

funções dentro da estrutura

do superego. Numa

formação grupal, o líder

seria o principal depositário do ideal de ego de cada membro. Representaria, portanto, a perfeição e o ideal

de pessoa. A admiração ao líder teria suas raízes nas representações contidas no ideal de ego. Desta forma,

podemos entender que, quanto maior for o Ideal de Ego, maior a chance de o líder existir e quanto mais

intenso forem as representações Ideais deste ego, maior poder será atribuído ao seu líder.

A idéia de líder é bem clara no filme, representada pela figura do Rei Leônidas, tido como modelo ideal

pelos espartanos. Leônidas conseguiu inspirar toda a Grécia a se unir para que seu grupo se solidificasse.

Este grupo seria considerado por Freud como um grupo “artificial”, pois para esse grupo existir, era

preciso uma compulsão externa, sob o qual pudesse descarregar a “agressividade”, que neste caso seria o

exército de Xerxes.

Freud fundamenta em sua teoria que

toda a estrutura de sustentação desses grupos

está nos vínculos que unem cada membro do

grupo ao seu líder, por meio do que Freud

chama de laços libidinais. Como rei de Esparta,

Leônidas matinha seu exército unido, tratando-

os como seus irmãos, e estes, por sua vez,

tomavam Leônidas como seu ideal.

No filme 300 podemos ver claramente esses laços dentro do grupo, principalmente na hora em

que um dos guerreiros morre e diz que a morte não importava, pois para ele era uma honra só pelo fato de

morrer segurando a mão do Rei Leônidas e ter lutado ao seu lado. O amor por ele e a qualidade emocional

comum entre os membros do grupo era o que fazia com que aquele grupo permanecesse sólido.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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Na batalha, os espartanos eram em menor número comparado aos 250 mil soldados persas. A

desproporção entre os exércitos chegava a ser ridícula, e o resultado final do embate era inevitável. A maior

parte dos gregos recuou, mas os 300 espartanos, o núcleo mais disciplinado do exercito grego, optaram por

continuar combatendo, porque entre seus membros havia laços mútuos que os mantinham ligados e não

permitiam desistir. Resistiram por três dias, morreram não por serem fracos, mas sim, pelo seu líder, seu

ideal, por Esparta.

7- IDENTIFICAÇÃO

Por Claudia Morais Duarte e Mauro Azevedo de Carvalho

Um dos principais conceitos utilizados para a compreensão do fenômeno grupal é o conceito que

explica o processo de identificação. Por meio dele que Freud irá refutar as idéias de Le Bon e McDougal

quanto ao contágio e sugestionabilidade. Para Freud, a identificação é a mais remota expressão de um laço

emocional com outra pessoa.

No capítulo VII do texto Psicologia de Grupo e Análise do Ego, Freud distingue três fontes de

identificação. Partindo da noção de identificação primária, ele vai dizer que é a forma original de laço

afetivo entre sujeito e objeto, que por sua vez está intimamente ligada ao complexo de Édipo: o menino

ama a mãe, colocando-a como objeto de desejo, e por meio da angústia de castração, ele passa a se

identificar com o pai. Todo esse processo de identificação é, portanto, marcado pela ambivalência. Freud

traz um exemplo no qual uma garota, para ocupar o lugar da mãe doente (se idenficar com ela), acaba por

assumir os seus traços patológicos.

O segundo caso de identificação é a regressiva, por meio de

introjeção do objeto no ego, onde a escolha objetal regrediria à

identificação. Com isso, Freud considera que a identificação pode

ocorrer com o objeto de amor. Ele utiliza o caso Dora para

explicar que, uma vez que Dora não podia ter seu pai como objeto

de amor, ela se identifica com ele através de um sintoma: a tosse.

O objeto de desejo passa a ser introjetado no ego por este processo de identificação.

Freud destaca o terceiro tipo de identificação como a mais importante para a formação grupal. Ele a

define como uma identificação decorrente de uma qualidade comum (inconsciente) partilhada com outra

pessoa que não é objeto de pulsão sexual. Ele demonstra essa terceira fonte através de um exemplo no

qual as internas de um colégio, ao ver sua colega receber uma carta de seu amante e ter um ataque

histérico decorrente de um ciúme intenso, passam a desenvolver os mesmos sintomas. O laço em comum

inconsciente que as unia era o desejo de ter um amante. Para Freud seria essa terceira fonte o que

explicaria a formação grupal e não o principio de sugestionabilidade e contágio, defendido por Le Bon e

McDougal.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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Este texto nos permite fazer uma relação dos conteúdos aqui descritos também com o filme 300. Se

olharmos para Leônidas, veremos que ele é o que todos os soldados queriam ser, então esse exército se

identifica com ele, e o colocam no lugar de seu ideal de ego, e essa identificação com Leônidas vai fazer

com que os soldados se identifiquem entre si, formando um grupo forte e unido por um ideal.

Em nosso cotidiano, existem vários grupos que podemos comparar com o processo de identificação

descrito por Freud, dentre eles destacaremos a igreja. Na igreja aparentemente as pessoas se unem pela fé

em Deus. Mas se fizermos uma análise mais rigorosa, perceberemos que esse fenômeno se dá por um

sentimento de desamparo. As pessoas se sentem desamparadas e a igreja vai propor uma ideologia de um

Deus forte, protetor, que ama e protege a todos. O desamparo aqui citado torna-se uma qualidade

emocional entre os membros, que por sua vez conduzirá as pessoas a se identificarem uns com os outros

em busca deste amparo. Para que esse grupo se mantenha unido, é essencial que haja a presença de um

líder. Líder esse que por meio de suas palavras, poderá manipular seus liderados em beneficio próprio.

Assim o grupo projetará no líder seu ideal de ego, e as palavras e atitudes deste líder terão grande

importância para esse grupo, pois ele não representa somente a imagem de um líder, mas o próprio ideal

de cada indivíduo. Sendo assim, obedecer seria a busca de cada indivíduo pela perfeição.

8- VISITA A UMA IGREJA PENTECOSTAL Por Davi Pereira Leal No dia 29 de abril foi realizada como atividade complementar ao estágio básico uma visita de observação à sede mundial da Igreja Pentecostal Deus é Amor, situada à Avenida do Estado, 4568, próxima à estação Pedro II do metrô. O templo, segundo o site da própria igreja2

Combinamos de nos encontrar na estação de metrô já citada para irmos todos juntos de lá. Chegamos à igreja por volta das 16:15 h. A nave principal do templo estava quase totalmente lotada, o que nos causou um certo transtorno para encontrar lugar. Enquanto procurávamos assento, o missionário David Miranda, líder mundial e fundador da igreja, já ministrava uma oração durante a qual todos os fiéis permaneceram em pé, em reverência. Ao findar da oração, pude perceber uma primeira manifestação do poder de influência exercido por aquele homem. Ele

termina a prece e ordena: “Levantem suas bíblias e digam: aplica a tua Santa Palavra em minha mente, oh! Senhor.”. O que se seguiu foi um mar de livros de capa preta em punho, levantados acima das cabeças dos fiéis que, unidos, bradavam em uma só voz a premissa ordenada pelo seu líder. Aplausos e, segundos depois, todos haviam se sentado. Inclusive nós. É interessante notar que as pessoas que ali estavam e que compartilhavam da mesma fé nos princípios expostos na figura do líder, assumem uma postura diferente da nossa que estávamos ali apenas observando. O que parece é que o pastor exerce um magnetismo sobre os fiéis, de modo que dificilmente é vista uma pessoa ao lado que não esteja concordando com suas palavras, seja com um aceno positivo de cabeça, seja com palavras como “Amém”, “É verdade” e “Aleluia”.

, é o maior do mundo, com capacidade para além de 60 mil pessoas.

Sobre isso, Le Bon, citado em Freud3

É fácil perceber que as pessoas que freqüentam esse templo estão realmente sofrendo uma influência sobre a

, denomina esse magnetismo de “prestígio”, ou seja, “um poder misterioso e irresistível”. Esse prestígio é uma espécie de “domínio exercido sobre nós por um indivíduo, um trabalho ou uma idéia. Paralisa inteiramente nossas faculdades críticas e enche-nos de admiração e respeito”. (grifo meu)

2 http://www.ipda.org.br 3 FREUD, S. Obras psicológicas completas – Vol. XVIII, pp. 91-92

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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qual não possuem controle e é essa admiração pelo líder – aliada a outros fatores citados mais adiante – a raiz de tal domínio. Em um momento, por exemplo, o missionário David Miranda ordena de dentro de sua cabine blindada: “repitam comigo esse verso!” e citou o verso. A igreja, prontamente repetiu, mas não na intensidade desejada por ele, o líder. “Igreja! Eu só ouvi 10% da igreja repetindo. Quem não repetir, não recebe esse mistério que Paulo está dizendo aqui...” e o que se seguiu foi um brado mais alto por parte dos fiéis. Bem mais alto que o primeiro. Após a leitura na qual ele ordena a repetição por parte da igreja, ele expõe sua interpretação para o texto. Vale ressaltar que em momento algum ele sai de dentro da sua cabine blindada, assim como fez o pontífice Bento XVI em sua visita ao Brasil ao acenar para os fiéis por detrás de algumas camadas de vidro resistentes a projéteis no mosteiro de São Bento. Isso nos faz pensar acerca da humanidade de tais líderes. Estes desejam ser a expressão da voz do próprio Deus, mas todo o aparato de segurança só reforça a sua posição entre nós mortais: são apenas mais um de nós. Assim como o pai da horda primeva, esses líderes não conseguiram alcançar (e nem conseguirão) a imortalidade4

É claro o nível de falta de racionalidade do discurso. E mais claro ainda é o nível de irracionalidade na observância de tais princípios pelos fiéis. Talvez encontremos uma tentativa de elucidação para essa questão num livro que ganhei em visita ao ADI Templo, um templo Hare Krishna que tive a honra de conhecer domingo passado (dia 06 de maio). No livro

. São substituíveis por outros mortais. Pois bem, no seu discurso, o pastor sempre citava o “anjo do senhor”. Falou sobre a aparência do citado anjo e tentava pôr na cabeça dos membros da igreja e visitantes que ali estavam que a abdicação de algumas coisas no plano terreno faria com que, um dia, assumissem uma forma angelical. Cortar o cabelo, por exemplo, para as irmãs é uma forma de promover um distanciamento entre elas e o anjo, o que pode ocasionar numa série de moléstias sobre a sua vida. Bem como “assistir um futebol”, para os irmãos.

5

9- INSTINTO GREGÁRIO E A HORDA PRIMEVA

Por Keli Cristina Gregório

, Chandramukha Swami diz: “(...) a devoção ao Senhor e o amor extático por Deus só se tornam possíveis quando depositamos fé inabalável nas palavras de um devoto puro”. (grifos meus) Essa crença que deve ser depositada num “devoto puro”, ou simplesmente LÍDER, é que é característica de todo e qualquer grupo. Investir “fé” (ou energia libidinal) em uma pessoa implica desinvestir de alguma fonte e essa fonte somos nós mesmos. Ao aceitar participar do grupo assinamos um acordo de abdicação de nosso próprio narcisismo com vistas à manutenção e coesão do agrupamento. O que foi visto na igreja só serviu para me mostrar o quanto as pessoas ainda vivem alienadas, a parte do mundo “pseudo-real” e fechadas em um mundo próprio onde a satisfação está baseada em uma realidade post mortem, que, para vir a acontecer, carece de um afastamento quase completo dos objetos de satisfação oferecidos ao ego sob o pretexto de pecado.

Um outro autor com quem Freud irá

dialogar sobre a natureza da formação grupal

é Trotter. Para ele, existiriam no homem

alguns instintos primários, a saber, o da auto-

preservação, do sexo e da nutrição. Mas

deveria ainda haver um quarto instinto que

permitisse ao individuo agrupar-se não pelas

necessidades primárias, mas por outros

motivos. O autor nos leva ao instinto gregário,

que pode ser observado nas células de

organismos pluricelulares mais primitivos,

4 IDEM, p.135 5 SWAMI, C. Iniciação espiritual e Consciência de Krishna, p. 8

A HORDA PRIMEVA Tipo de organização social primitiva, formulado em hipótese por Darwin (1874), na qual seres humanos viviam em grupos pequenos, mais ou menos organizados, governados depoticamente por um homem poderoso, violente e ciumento (o pai primevo) que se apropriava de todas as mulheres e impedia que seus filhos e ouros homens jovens a elas tivessem acesso. Isto levou a uma rebelião em que o pai primevo foi morto e devorado. Em Totem e Tabu Freud observou notáveis paralelos entre suas descobertas clínicas, especialmente em casos de neuroses obsessivas, que viam a morte do animal totêmico referenciado, a ingestão comunal e ritual dele e o luto subseqüente por ele como sendo a própria essência das religiões totêmicas. Freud concluiu que esse ato primevo, cuja lembrança achou pode ter sido filogeneticamente transmitida até hoje, conduziu a um novo tipo de organização social. (Termos e Conceitos Psicanalíticos, de Moore e Fine, 1992)

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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sendo este o responsável por permitir que os indivíduos permaneçam em grupos. Se o individuo está

sozinho, sente-se incompleto. Trotter nos dá o exemplo da criança que chora quando se vê sozinha, e no

momento em que um membro da grei, da sociedade, estivesse próximo a este bebê, o choro seria contido.

Para Freud esta explicação não é suficiente para compreender o fenômeno das massas, pois a

importância do líder também não é descrita por Trotter. Sob a ótica da psicanálise, o choro da criança se dá

pela falta da sua mãe e por culpa e não por estar sozinho. A criança ainda não sabe tratar essa ansiedade de

outra forma que não seja transformando-a em choro. Este choro se tornará ainda mais violento na presença

de estranho.

Freud analisa o comportamento de uma criança quando esta deixa de ser filho único e passa a

compartilhar o seu quarto e os seus pais com o irmão mais novo. O primeiro sentimento do mais velho é de

hostilidade. Ele certamente inveja o mais novo, pois seus pais agora dividem a atenção que era só sua com

o outro. Na medida em que a realidade se impõe, ele percebe que não terá alternativa que não seja o de

“aliar-se” ao mais novo, identificando-se com ele. O que posteriormente aparecerá na sociedade sob a

forma de espírito de grupo, não desmente a sua derivação do que foi originalmente inveja. A exigência de

igualdade é a raiz da consciência social e do senso de dever.

Em suma, o que para Trotter é um instinto gregário, para Freud é o resultado de uma identificação

que os indivíduos pertencentes ao grupo desenvolvem uns com os outros e com o líder.

Para compreender a questão do líder dentro de um grupo, Freud vai buscar na teoria de Darwin

sobre a Horda Primeva (ver quadro acima).

Para Darwin, o individuo, quando passou a viver em grupo, formou-se o que se denominou de

Horda Primeva. Esta era formada por vários indivíduos liderados por um macho poderoso. A ele era

atribuída a satisfação de todos os desejos. Ele era livre e não amava ninguém, a não ser a si próprio, ou a

outras pessoas na medida em que atendiam às suas necessidades. Aos objetos não dava mais que o

estritamente necessário. Era narcisista, auto- confiante e autoritário. Aos membros do grupo não era

permitida a satisfação dos desejos sexuais. Inibindo-os em seu componente sexual, as pulsões sexuais eram

então sublimados e transferidos para outros objetos. A visão do pai da horda era insuportável para os

membros do grupo. Em um determinado momento os indivíduos perceberam que poderiam, se formassem

um grupo, derrotar o pai da horda. Mataram-no e o deificaram.

Freud compara a estrutura da Horda Primeva com as suas idéias, afirmando novamente que o que

leva os indivíduos a formarem e permanecerem nos grupos é a identificação com os outros membros e com

o líder.

10- A OBEDIÊNCIA AO LÍDER: UMA LEITURA SOCIOLÓGICA SOBRE A CRUELDADE

Por Alexandre Pereira de Mattos

Vimos até este momento que os autores que inicialmente trabalharam com o fenômeno grupal

procuravam explicá-lo a partir da noção de uma mente grupal, muitas vezes ingovernada e incivilizada, que

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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explicaria os comportamentos mais irracionais dentro de um grupo. O que levaria um grupo de pessoas,

ditas moralmente “normais”, a manifestar comportamentos violentos e atrocidades diversas? Que

explicação seria suficiente para entendermos o que ocorreu durante a segunda guerra mundial?

Em seu livro “Modernidade e Holocausto”, mais especificamente no capítulo intitulado “A Ética da

Obediência”, Zygmunt Bauman discute as atrocidades associadas ao nazismo a partir de um experimento

realizado por Stanley Milgran na década de 70.

Milgran (foto ao lado) queria investigar a obediência em relação

à autoridade e iniciou uma pesquisa selecionando pessoas para

participarem de um experimento que consistia em aplicar choques em

uma pessoa a cada vez que ela errasse uma questão. A pessoa a quem

seria infligido o choque se tratava de um ator. Portanto, os participantes

da pesquisa seriam as pessoas que lhe dariam o choque. Contudo, estes

não sabiam que a pesquisa seria sobre a obediência, mas sim sobre

memória e

aprendizado.

Para garantir a participação e não comprometer

os dados da pesquisa, fora dito a eles que não

deveriam se preocupar, pois os choques “não

causariam danos aos tecidos”.

A voltagem dos choques que os participantes deveriam dar à vítima (ator) dependeria do

encadeamento das respostas deste ultimo. Por exemplo, se a vítima errasse mais de uma questão, a

voltagem dos choques deveria ser aumentada através de um aparelho (foto ao lado). Obviamente não havia

choque algum, mas para os participantes aquilo era real e desencadeava uma série de reações

interessantes. Quando o participante estava muito próximo da vítima, tornava-se muito mais difícil infligir

os choques necessários. Quando a vítima era afastada do campo de visão do participante, a tarefa se

tornava mais fácil. Quando já não se ouviam os gritos da vítima, as voltagens poderiam chegar ao seu limite

máximo. Milgran concluiu que o que facilitava a tarefa não era somente o afastamento da vítima, mas sim a

aproximação gradual que ocorria entre o participante e o supervisor da pesquisa no decorrer do

experimento, este ultimo como representante de uma fonte de autoridade respeitável, a saber, a Ciência. A

ação unia o participante com o supervisor e simultaneamente separava os dois da vítima. O fato de o

experimento estar sendo realizado “para o bem da ciência” acabava por conferir ao supervisor uma

autoridade inegável, facilitando assim a atribuição da responsabilidade por parte do participante ao

supervisor.

Além da aproximação moral entre o supervisor e o participante, Milgran concluiu algo de

fundamental importância e que nos ajuda a compreender as atrocidades ocorridas na 2ª Guerra Mundial: o

comprometimento com as ações anteriores. Mas o que significa isto?

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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O participante acionava o botão, aumentando assim a potencia da voltagem. Como ele poderia

chegar num momento em que estava para acionar a voltagem 100 e dizer “Mas isso eu não posso fazer?”.

Ele se vê numa armadilha moral cujo contexto das relações ajudou a construir. Milgran concluiu que o que

levava o indivíduo a cometer atrocidades ao outro não era somente estar mais próximo de uma fonte de

autoridade (no caso do experimento, a ciência), mas o comprometimento com as ações anteriores. A auto-

condenação é evitada e a responsabilidade é transferida à autoridade que lhe atribuiu a tarefa. Bauman,

baseado nessa experiência de Milgran, propõem algumas assertivas de grande importância para

compreendermos a relação entre a obediência e a fonte de autoridade:

•Muitas pessoas gentis podem se tornar cruéis se tiverem uma chance;

•A crueldade relaciona-se apenas secundariamente às características individuais;

•A presença da crueldade relaciona-se à uma relação de autoridade e subordinação

•A desumanidade é uma questão de relacionamentos sociais;

•Quanto mais racional a organização da ação, mais fácil se torna produzir sofrimento – e ficar em paz

consigo mesmo;

•O fato do opressor ser membro de um grupo deve ser visto como um tremendo fator a facilitar os atos de

crueldade.

Diferentemente de Freud, Bauman vai dizer que a crueldade não se relaciona com certo tipo de

personalidade autoritária, mas com um contexto construído por relações de autoridade e obediência

burocraticamente organizadas. Ou seja, qualquer um de nós, se tivesse mergulhado no mesmo contexto

relacional, poderia cometer os mesmos atos que os nazistas cometeram.

Embora essa seja uma diferença fundamental que separa uma leitura psicanalítica de uma

sociológica, podemos fazer algumas aproximações ou salientar suas principais diferenças.

Psicanálise (S. Freud) Sociologia e Psicologia Social (Bauman e Milgran)

A autoridade de um líder é exercida através de processos psíquicos como a identificação e a projeção do ideal do ego ao líder. Sua autoridade estaria diretamente relacionada ao processo de idealização dos membros do grupo.

Autoridade de um líder é exercida dependendo da fonte de autoridade a qual ele representa (governo, ciência, Cristo). A aproximação com o líder não se daria pela projeção do ideal de ego, mas pelo afastamento do estranho, aproximação com o líder e comprometimento moral com as próprias atitudes.

Todos querem ser amados pelo líder Todos precisam obedecer ao líder como forma de transferir a responsabilidade moral de seus atos.

Atos mais primitivos surgem como conseqüência da redução da repressão.

Atos mais primitivos surgem dentro de um contexto burocraticamente organizado, cujo comando partiu de uma fonte de autoridade respeitável.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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12- O FENÔMENO GRUPAL PARA A PSICOLOGIA SOCIAL

Por Alexandre Pereira de Mattos

O nascimento da Psicologia social na América do Norte foi marcado por fortes críticas às idéias de

Le Bon, feitas por Floyd Allport (1924), que alegava que os comportamentos da massa não deveriam ser

explicados por uma inconsciência coletiva, mas sim pela natureza dos indivíduos que a compunham.

Tratava-se de uma leitura mais individualista, uma vez que suas explicações sobre conflitos gerados pela

massa deviam-se à presença de alguns membros anti-sociais (Stott et al., 2001, Stott & Reicher, 1998).

Tanto a visão de Le Bon quanto a de Allport via a massa (multidão) como patológica, diferindo

somente quanto à localização da patologia.

13- VISÃO CONTEMPORÂNEA SOBRE A MASSA

Segundo alguns autores mais contemporâneos (Reicher, Stott, Drury), as teorias tradicionais

descontextualizavam a massa e explicavam seu comportamento baseado unicamente a processos que

11- A EXPERIÊNCIA DE STANFORD Por Maria Aparecida L. Zuliani e Adriana da Silva Maciel

O experimento de aprisionamento da Universidade de Stanford foi um marco no estudo psicológico das reações humanas ao cativeiro, em particular, nas circunstâncias reais da vida na prisão. Foi conduzido em 1971 por um time de pesquisadores liderados por Philip Zimbardo da Universidade de Stanford. Nela, voluntários faziam os papéis de guardas e prisioneiros, e viviam em uma prisão "simulada”. As relações entre prisioneiros e guardas chegou a proporções tão violentas que o experimento precisou ser abortado. As cobaias humanas tinham atropelado a teoria e instituído o reino do terror, do medo, da tortura real. Os “prisioneiros” eram partes de uma experiência para testar reações da pessoa para a dinâmica em situações sociais. Nesta experiência ficou revelado o quanto as circunstâncias podem distorcer personalidades individuais e como qualquer um, quando dado controle completo sobre outro, pode agir como um monstro. O experimento mostrou também que normas próprias de situações específicas podem surgir e a adesão à elas pode ser reforçada pelo anonimato. As pessoas do grupo se vêem encorajadas porque pensam que as outras pessoas na multidão irão apoiar seu comportamento. Zimbardo focalizou especificamente como os povos “bons” são seduzidos ou induzidos a se acoplar em violentos, com ações “vis” pelas forças situacionais em que se encontram cercados. Décadas mais tarde, Zimbardo se depara com imagens na televisão do abuso aos prisioneiros em Abu Ghraib, foi chocado pela similaridade que tinha visto em seu próprio estudo. Revista Viver Mente & Cérebro-Edição nº 147 – Abril de 2005

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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ocorriam no interior da massa. Ignorava-se, assim, que conflitos e confusões eram características de

encontros intergrupais, como por exemplo, entre a polícia e a massa e não só entre as torcidas.

Clifford Stott e Stephen Reicher (1998) argumentam, baseado em exemplos de conflitos de massa

na Inglaterra, que a rápida atribuição de culpa à multidão, cujas explicações versavam sobre as

deformações de personalidade de seus componentes, traziam consigo um conteúdo ideológico importante,

uma vez que reduzia-se a explicação de atos violentos a uma questão interna no grupo, e não sua relação

com outros grupos.

Quando se procura psicologicamente explicar os comportamentos das multidões, principalmente

os violentos, o foco tende a recair sobre um lado: o da multidão. Este tipo de explicação forçosa se deve ao

fato de existir ainda uma compreensão (e expectativa) de que a multidão seja potencialmente violenta

(Stott and Reicher, 1998).

A culpabilização da massa de maneira acrítica não só desresponsabiliza uma das partes, no

exemplo acima a polícia, como também contribui e legitima práticas essencializantes e excludentes. Stott &

Reicher explicam que conflitos ocorrem onde multidões se ajuntam porque é da natureza das multidões

serem conflitantes. Não há nada mais a dizer (Stott & Reicher, 1998, p.511).

O que os autores chamam de natureza conflitante se distancia de uma natureza maligna. O termo

natureza aqui diz respeito ao agenciamento que todos nós temos que fazer ao lidarmos com a diferença. Os

relacionamentos interpessoais são por si próprios conflitantes, pois nos convidam a todo o momento

negociar posicionamentos, preferências, escolhas, etc.

14- IDENTIDADE SOCIAL

Por Alexandre Pereira de Mattos e Maria Aparecida L. Zuliani

Baseados nas reflexões sobre o

comportamento das massas, Henri Tajfel, da

Universidade de Bristol, Inglaterra, e John C.

Turner, da Universidade Nacional da

Austrália, formularam, no início dos anos 80,

a Teoria da Identidade Social (1979, apud

Simon,2005).

Segundo estes autores, pertencer a um

grupo cria um "sentimento de nós" no

indivíduo, a percepção de uma "personalidade coletiva". Quanto mais a pessoa se envolve com o coletivo,

maior a sua identificação com ele e mais completa a sua aceitação de valores e normas do grupo. Contudo,

essa “aceitação de valores e normas” não ocorre de forma acrítica, mas como conseqüência de uma

internalização como parte da identidade social que é compartilhada com outras pessoas. Os indivíduos não

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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são arrastados pela mentalidade de grupo, mas escolhem modos em comum de sentir, perceber, pensar e

agir. Desta forma, objetivos coletivos podem surgir e se fundirem aos objetivos pessoais de alguém - por

vezes de modo tão completo que a causa do grupo se coloca acima de todo o resto.

Por conta disso, o indivíduo pode fazer grandes sacrifícios pessoais por aquilo que supõe ser o bem

comum. Ataques terroristas de homens-bomba suicidas dão testemunho eloqüente do quão longe podem

ir essas ações. Comportamentos agressivos têm mais probabilidade de irromper se a personalidade coletiva

assume o controle sobre a percepção e as ações do indivíduo. Desse modo, a pessoa não mais distingue

entre o "eu" e o "ele", mas apenas entre o "nós" e "os outros".

O “Modelo de Identidade Social Elaborado” (Elaborated social identity model - ESIM) explica como

eventos de massa são caracteristicamente encontros intergrupais. O processo de construção de uma

identidade social dentro de um grande grupo não é unidirecional. Este processo envolve a dinâmica dos

relacionamentos intergrupais (portanto bidirecional). Essa dinâmica intergrupal tem a função de mudar

relações sociais em situações de massa, o que também redefine sua inicial identidade social com suas

respectivas normas, mudando a forma das ações coletivas. Desta forma, o contexto precisa ser entendido

aqui não como algo externo à identidade social de um grupo, mas co-construído também pelas ações

baseadas nas identidades sociais de outros grupos (Stott et al. 2001, p.363)

Ao explicar o comportamento da massa em termos de dinâmica intergrupal, isto não significa negar que os grupos de hooligans existam e que eles não participam ativamente na violência no contexto do futebol. […] Contudo, o Modelo de Identidade Social Elaborado (ESIM) oferece uma explicação da variabilidade situacional que radicalmente desafia as teorias tradicionais de personalidade e teorias do comportamento intergrupal

Um dos aspectos desta teoria é que a noção de identidade empreendida aqui é mais fluída e

menos estática e essencialista. Os sujeitos, segundo os autores citados, não possuem uma única e singular

identidade, mas são aptos a se definirem em vários níveis de abstração. Eles se definem em termos de

diferenças pessoais comparados a outros indivíduos, como também podem se definir em comparação aos

seus grupos e de outros (identidade social). Quando as pessoas agem a partir de qualquer identidade social

(um homem, um católico, um socialista), seus comportamentos são determinados pelos sentidos

associados com o grupo (masculino, catolicismo e socialismo), ao contrário de crenças e valores pessoais.

Aplicando essa noção à Psicologia das Massas, o argumento é que os indivíduos não perdem suas

personalidades na massa, nem seus comportamentos refletem uma deformação de sua personalidade, mas

eles mudam sim, de uma identidade dita pessoal para uma coletiva. Um sujeito não perde o controle, mas

muda de suas concepções individuais para concepções compartilhadas e coletivas. (Stott & Reicher, 1998).

Comportamentos violentos surgidos na massa devem ser entendidos como um produto

intergrupal. O grupo age em função do que ele percebe como ilegítimo em termos de compreensão do

outro. Em outras palavras, a gênese do conflito deriva do relacionamento entre as identidades de

diferentes grupos.

Pertencer a uma torcida organizada significa, para alguns, além da paixão, sentimentos de

fidelidade e dedicação, o encarar a luta como possibilidade e união contra os adversários como uma espécie

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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de obrigação moral. As rivalidades entre as torcidas organizadas dão um exemplo disto. O “torcedor”, no

modelo “organizado”, não é mais um mero espectador do “jogo”. No grupo ele faz parte do espetáculo

(PIMENTA, 2000, p.125).

O argumento mais recorrente utilizado por representantes de “torcidas” é que atos de violência

podem ser gerados em face de inúmeros fatores intimamente ligados às teias de relações desenvolvidas no

evento esportivo, abrangendo desde a estrutura dos estádios até a ação da polícia (relação intergrupos).

Segundo Paulo Serdan,

“(...) um detalhe do juiz, um detalhe do bandeirinha, um detalhe do policiamento. É uma série de detalhezinhos que vai insuflar a ‘torcida’ e vai criar um clima de guerra. Você chega num estádio e não tem água para beber, não tem banheiro para ir (...), um guarda que é um pouco violento (...), um bandeirinha que vira para trás e tira um barato com a cara da ‘torcida’ ou o próprio diretor de clube que o seu time faz gol, ele vira para a ‘torcida’ e tira um barato, então é uma série de detalhes que faz você sair do sério (...)”. O “torcedor”, no modelo “organizado”, não é mais um mero espectador do “jogo”. No grupo ele é parte do espetáculo, ele é o espetáculo. No grupo ele expressa sua masculinidade, seus sentimentos de solidariedade, de companheirismo e de pertencimento em um grupo que o acolhe. Paulo Serdan entende que o fascínio se dá, pois “(...) essa juventude de hoje em dia não tem alguma coisa para se espelhar e se inspirar. (...) eles não têm no que se apoiar. (...) Qual o único segmento hoje em dia que expõe as suas vontades e os seus desejos, mesmo que seja em relação ao futebol? É a ‘torcida organizada’” (PIMENTA, 2000, p.125)

Para Bernt Simon (2004, 2005), esse

comportamento dos torcedores não é tanto

manifestação de uma misteriosa psique de massas

ou alienação (Hirano, 2004), mas uma ação

racional coletiva que se ajusta a certas regras

estabelecidas. O torcedor de futebol dá seus gritos

de guerra no estádio para ajudar seu time a

vencer. Caso o jogo termine em derrota e a

frustração dos torcedores se transforme em

violência, esta não é indiscriminada; ela se dirige

ao grupo oponente, reconhecível por suas insígnias e camisas. Mesmo assim, algumas vezes as fronteiras

entre o "nós" e o "eles" mudam de modo surpreendente. Torcedores em confronto de uma hora para outra

se juntam contra a tropa de choque. Em bairros socialmente tumultuosos, membros de grupos étnicos

antagonistas tendem a se unir na luta contra o que eles reputam serem ações policiais violentas e injustas.

A redução dos limites do individual não necessariamente fomenta atos destrutivos na massa. Este coletivo

maligno não faria sentido diante dos movimentos de massa que ocorreram ao longo da história, a saber, a

queda do muro de Berlim, o ambientalismo, e outros avanços decorrentes de um engajamento massivo de

pessoas que se colocaram em segundo plano em favor de um bem coletivo.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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15- ANÁLISE DO FILME HOOLIGANS Por Alexandre Pereira de Mattos e Keli Cristina Gregório

Neste filme podemos compreender os processos

envolvidos na construção de uma identidade social e como esta

identidade social influencia de certa forma a percepção que a

pessoa tem de si mesmo. A violência relatada em algumas cenas

no filme não diz respeito a uma mentalidade grupal ingovernada, mas a uma organização com princípios

morais fundamentais num grupo: fidelidade, união e luta por um ideal. Tal violência, uma vez empreendida,

precisa ser entendida a partir das relações intergrupais. Um grupo não se torna violento por si próprio, mas

em relação a outro grupo, cuja percepção daquele irá influenciar o comportamento deste.

A personagem principal chamada Matt possuía uma baixa auto estima que o impedia de lutar

contra as injustiças pelas quais sofrera na Universidade de Harvard. Acusado injustamente por usar drogas,

Matt assume a culpa por tal delito por não conseguir se defender frente ao real culpado da situação.

Desiludido e decepcionado consigo próprio, Matt vai a Londres encontrar sua irmã, casada com um ex-

torcedor de um time organizado, o GSE. Seu marido apresenta seu irmão a Matt, que o leva para assistir um

jogo juntamente com os seus amigos torcedores.

Sua inserção no grupo, à custa de uma força resistencial muito forte por parte de seus

componentes, convida Matt a rever seus valores e incorporar princípios como fidelidade e enfrentamento,

princípios estes que Matt não reconhecia em si próprio. Assumindo uma identidade grupal dentro da

torcida organizada, Matt percebe que agora já não é mais um garoto assustado que não consegue nem se

proteger, muito pelo contrário, consegue agora até proteger o outro. Percebe que sendo um membro de

um grupo visto pela sociedade como um grupo de prestigio, traz relações diferenciadas na sociedade.

Paradoxalmente, foi num grupo considerado também socialmente como “violento” que ele incorporou

valores que o ajudariam a enfrentar a situação pelo qual havia sido injustamente acusado no início do filme.

Sinopse

Expulso injustamente de Harvard, o americano Matt Buckner (Elijah Wood) vai para a casa da sua irmã em Londres. Lá, ele faz amizade com o seu charmoso e perigoso cunhado, Peter Dunham (Charlie Hunnam), e é apresentado ao submundo dos hooligans do futebol inglês. Matt aprende a marcar o seu território através da amizade que desenvolve neste mundo secreto e violento. Hooligans é uma história de lealdade, confiança e algumas vezes das brutais conseqüências de estar vivendo no limite.

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Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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16- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por Alexandre Pereira de Mattos

O objetivo principal deste estudo foi realizar uma leitura das concepções tradicionais da Psicologia

das Massas com alguns conceitos desenvolvidos dentro da Psicologia Social européia. Percebemos que

muitas dos trabalhos que discutem os fenômenos de massa na contemporaneidade procuram desenvolver

uma reflexão mais crítica e socialmente

comprometida (Stott et al., 2001).

Tomando como referência a

figura ao lado, o nosso estudo se centrou

nos quadrantes A e D, procurando

articular as discussões sobre as

concepções tradicionais sobre grupos

com textos com orientações mais sociais.

A teoria da identidade social

desenvolvida por Turner & Tajfel e

ampliada por Steven Reicher (2004) é um

avanço pelo fato de questionar o olhar

estigmatizador sobre o fenômeno da

massa. Sem dúvida a noção de identidade social possui um caráter mais fluido, uma vez que os autores

falam de identidade posicionada. O sujeito circularia por várias identidades possíveis (individual e coletiva).

Se o “animal é feroz, mas o homem é cruel”, cabe-nos então centrarmos nossos esforços sobre

conceitos que possam problematizar a responsabilidade social e o posicionamento ético entre os

envolvidos. Atribuir um ato irracional a uma própria irracionalidade grupal nos parece reducionista demais,

uma vez que seus componentes ficam destituídos de sua responsabilidade moral.

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-Perda da identidade -Irracionalidade -Mentalidade grupal -Patologia grupal e/ou individual

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PSICOLOGIA DAS MASSAS

A B

C D

Page 24: Fenomeno grupal - da psicanálise à psicologia social

Fenômeno grupal: Da Psicanálise à Psicologia Social

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