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1 Fenologia reprodutiva de Myrcia guianensis (Myrtaceae) em um fragmento de cerrado sensu stricto no interior de São Paulo 1 Nara Oliveira Vogado 2 , Maria Gabriela Gutierrez de Camargo 3 , Paula Reys 3 e L. Patrícia C. Morellato 4 1. Financiamento: FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) 2. Graduanda em Ecologia, Laboratório de Fenologia, Depto de Botânica –IB, UNESP, Rio Claro, SP.; [email protected] 3. Laboratório de Fenologia, Grupo de Fenologia de Plantas e Dispersão de Sementes; Depto de Botânica –IB, UNESP, Rio Claro, SP, Brasil. Bolsistas TT - FAPESP 4. Professor Titular do Departamento de Botânica, Laboratório de Fenologia; Grupo de Fenologia de Plantas e Dispersão de Sementes, IB, Universidade Estadual Paulista, C. Postal 199, CEP 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq ABSTRACT: Despite some literature notes on studies of the family Myrtaceae, so far we were unable to find any study of Myrcia guianensis (Aubl.) Kuntze phenology, a important species from Brazilian cerrado. This study addresses the reproductive phenology of Myrcia guianensis in the edge and interior of an area of cerrado sensu stricto (Brazilian savanna) at Itirapina, São Paulo. The objectives of our research are to understand the relationship between climatic factors, local changes in environmental factors on Myrcia phenology, as well as its variation over a 5 year period of observations. For the phenology study, 36 transects 25 m long and 2 m wide were marked, with a distance of 50 m between them. The total area sampled is 1800 m². The sample is composed by all individuals of the species included in the transects with a circumference at 30 cm soil > 3cm. Monthly records of phenophases are flower buds, flower anthesis, unripe fruit and ripe fruit. During 2006 year it was possible to verify the

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Fenologia reprodutiva de Myrcia guianensis (Myrtaceae) em um fragmento

de cerrado sensu stricto no interior de São Paulo1

Nara Oliveira Vogado2, Maria Gabriela Gutierrez de Camargo3, Paula Reys3 e L. Patrícia C. Morellato4

1. Financiamento: FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)

2. Graduanda em Ecologia, Laboratório de Fenologia, Depto de Botânica –IB, UNESP, Rio

Claro, SP.; [email protected]

3. Laboratório de Fenologia, Grupo de Fenologia de Plantas e Dispersão de Sementes; Depto de

Botânica –IB, UNESP, Rio Claro, SP, Brasil. Bolsistas TT - FAPESP

4. Professor Titular do Departamento de Botânica, Laboratório de Fenologia; Grupo de

Fenologia de Plantas e Dispersão de Sementes, IB, Universidade Estadual Paulista, C. Postal

199, CEP 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq

ABSTRACT:

Despite some literature notes on studies of the family Myrtaceae, so far

we were unable to find any study of Myrcia guianensis (Aubl.) Kuntze phenology, a

important species from Brazilian cerrado. This study addresses the reproductive

phenology of Myrcia guianensis in the edge and interior of an area of cerrado sensu

stricto (Brazilian savanna) at Itirapina, São Paulo. The objectives of our research are to

understand the relationship between climatic factors, local changes in environmental

factors on Myrcia phenology, as well as its variation over a 5 year period of

observations. For the phenology study, 36 transects 25 m long and 2 m wide were

marked, with a distance of 50 m between them. The total area sampled is 1800 m². The

sample is composed by all individuals of the species included in the transects with a

circumference at 30 cm soil > 3cm. Monthly records of phenophases are flower buds,

flower anthesis, unripe fruit and ripe fruit. During 2006 year it was possible to verify the

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presence of flower buds and anthesis mainly in the months between June and October,

with the highest proportion of buds production in August and peak of open flower

production in September, during the dry season. The presence of fruits was concentrated

in November (highest proportion of production), in the wet season.

Key words: Cerrado, reproductive phenology, Myrcia guianensis.

RESUMO:

Apesar da literatura científica registrar alguns estudos sobre a família Myrtaceae,

até o presente momento não foi possível encontrar nenhuma publicação sobre a

fenologia de Myrcia guianensis (Aubl.) Kuntze. O presente estudo aborda a fenologia de

Myrcia guianensis, em uma área de cerrado stricto sensu, Itirapina, São Paulo, com o

objetivo de realizar uma análise preliminar do padrão fenológico reprodutivo desta

espécie ao longo de um ano, visando subsidiar análises futuras. Serão objeto desta

pesquisa as relações entre fatores climáticos e a fenologia de Myrcia guianensis, assim

como a variação de seu comportamento reprodutivo entre 5 anos de coleta de dados e

entre ambientes com diferentes condições microclimáticas. Para o estudo fenológico,

foram marcadas 36 transecções de 25 m de comprimento e 2 m de largura, com uma

distância de 50 m entre si. A área total amostrada é de 1800 m². A amostra é composta

pelos indivíduos da espécie inseridos nos 50 m² de cada transecção com circunferência a

30 cm do solo >3cm. Estão em andamento os registros mensais das fenofases botão,

antese, fruto verde, fruto maduro. No período analisado no presente estudo,

correspondente ao ano de 2006, foi possível verificar a presença de floração (botão)

principalmente entre os meses de Junho a Outubro, com o pico de produção de botões

em Agosto e o pico de antese em Setembro, ambos na estação seca. A presença de

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frutificação (fruto imaturo e fruto maduro) se concentrou em Novembro (pico de

produção), já na estação úmida.

Palavras-chave: Cerrado, Fenologia reprodutiva, Myrcia guianensis.

INTRODUÇÃO:

O Cerrado é a savana mais rica do mundo com 92.566 espécies de animais e

7.000 de plantas, muitas endêmicas e ameaçadas de extinção sendo considerado um

hotspot de biodiversidade no mundo (Klink & Machado, 2005). No Domínio do

Cerrado, nem tudo o que pode ser encontrado corresponde ao Bioma Cerrado,

ocorrendo outros tipos de bioma em meio àquela mesma área, como por exemplo,

Veredas, Matas Galeria e Matas Mesófilas de Interflúvio (Coutinho, 2009).

A área central do Domínio do Cerrado é estimada em 1,5 milhão de km²,

considerando as áreas periféricas que se encontram em outros domínios vizinhos e nas

faixas de transição, este valor pode chegar a 1,8 ou 2 milhões de km². Esta dimensão

justifica a ocorrência deste domínio em grande parte dos estados brasileiros,

concentrando-se naqueles da região do Planalto Central. O Domínio de Cerrado ocorre

desde o Amapá e Roraima, até o Paraná, em sentido latitudinal, enquanto que, em

sentido longitudinal, ocorre desde Pernambuco, Alagoas, Sergipe, até o Pará e o

Amazonas (Coutinho, 2009).

O clima predominante no Domínio do Cerrado é o Tropical sazonal, com

inverno seco e verão chuvoso (Ribeiro & Walter 1998, Coutinho, 2009). A variação

sazonal é uma característica básica do clima e da vegetação do Cerrado, que apresenta o

clima caracterizado pela estação seca bem definida, podendo durar até seis meses. A

temperatura média anual fica em torno de 22-23ºC, com as máximas absolutas podendo

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chegar a mais de 40ºC, e as mínimas absolutas mensais apresentando valores próximos

ou até abaixo de zero, em maio, junho e julho. Geralmente, a precipitação média anual

fica entre 1200 e 1800 mm, concentrando-se na estação chuvosa, de outubro a março

(Coutinho, 2009).

Ribeiro & Walter (1998) dividem o Cerrado em onze tipos fitofisionômicos

gerais, através da fisionomia primeiramente, e pelos aspectos do ambiente e da

composição florística, posteriormente. Por essa classificação, são gerados os seguintes

tipos: formações florestais (Mata Ciliar, Mata de Galeria, Mata Seca e Cerradão),

formações savânicas (Cerrado sentido restrito ou sensu stricto, Parque de Cerrado,

Palmeiral e Vereda) e formações campestres (Campo Sujo, Campo Rupestre e Campo

Limpo).

O Cerrado stricto sensu é a fisionomia mais típica e encontrada em maior

proporção, caracterizado pela presença de árvores baixas, inclinadas, tortuosas, com

ramificações irregulares e retorcidas e geralmente com evidências de queimadas. As

plantas lenhosas apresentam troncos com cascas com cortiça grossa, fendida ou sulcada

e as gemas apicais de muitas espécies são protegidas por pilosidade. As folhas são, em

geral, rígidas e coriáceas, caracteres considerados como xeromorficos por muitos

autores (Coutinho 2009).

O Cerrado tem sofrido intensa fragmentação desde os anos 50, por se tratar da

principal fronteira agrícola nacional (Klink & Machado, 2005). Entretanto, os efeitos da

fragmentação e criação de bordas no cerrado não têm sido estudados, embora para

vegetações florestais tenham sido demonstrados efeitos na composição, estrutura e

interações bióticas entre a borda e interior de fragmentos (Aguilar et al. 2006)

A Fenologia estuda a ocorrência de eventos biológicos repetitivos, sua relação

às forças seletivas bióticas e abióticas, assim como a inter-relação entre as fases

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caracterizadas observadas nestes eventos, sendo analisados dentro de uma ou de várias

espécies (Talora & Morellato, 2000). Assim, a fenologia colabora com o entendimento

da reprodução e regeneração das plantas, das interações planta-animal e da evolução da

história de vida dos animais que dependem de plantas para alimentação como

herbívoros, polinizadores e dispersores e da organização temporal dos recursos dentro

das comunidades (Talora & Morellato, 2000).

A família Myrtaceae é uma das famílias de maior riqueza de espécie nos

neotrópicos, abrangendo cerca de 10-15% do total de espécies arbóreas nas florestas

úmidas e no Cerrado do leste brasileiro (Lucas et al., 2007) e é formada por árvores ou

arbustos, raramente subarbustos, tronco geralmente com córtex esfoliante; folhas

opostas ou menos frequentemente alternas (em apenas gêneros não nativos), raramente

verticiladas, simples, estípulas vestigiais ou ausentes, margem inteira, geralmente

coriáceas ou subcoriáceas, com pontuações translúcidas e peninérveas, geralmente com

nervura marginal coletora. A inflorescência é geralmente cimosa, às vezes reduzida a

uma única flor. Apresenta em geral flores vistosas, geralmente com coloração branca,

bissexuadas ou raramente unissexuadas (Gressler et al., 2006). As flores, que são

hermafroditas e geralmente de cor clara, apresentam estames longamente exsertos e

vistosos, numerosos, muito raramente em número igual ou duplo ao das pétalas. Seus

frutos são carnosos e tanto estes como as flores são procurados por diversas espécies de

animais (Durigan et. al., 2004; Gressler et al., 2006). São majoritariamente dispersadas

por abelhas, principalmente pelas subfamílias Meliponinae e Bombinae (Apidae) e seus

frutos dispersos principalmente por aves e macacos. A família inclui cerca de 130

gêneros e 4000 espécies, sendo encontrados na flora brasileira 23 gêneros e 1000

espécies.

A espécie Myrcia guianensis (Aubl.) Kuntze foi a espécie escolhida para este

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estudo por se apresentar como uma espécie muito abundante na área de estudo (Itirapina

- São Paulo), floração e frutificação anuais e alta abundância de frutos e pertencer a

família Myrtaceae, a terceira família mais importante em termos de número de espécies

no Cerrado (Ratter et al.). Além disso, sabendo-se que a energia obtida por todos os

animais provém das plantas, direta ou indiretamente (Schmidt, 1988), a Myrcia

guianensis apresenta grande importância para a alimentação de animais, uma vez que é

polinizada e dispersa por abelhas e aves, respectivamente. Myrcia guianensis é

polinizada por abelhas Meliponinae e seus diásporos zoocóricos são dispersos por aves

(Gressler et al., 2006). Apesar da família Myrtaceae ser dominante em muitas

comunidades neotropicais, até o momento pouco se sabe sobre sua biologia reprodutiva

(Proença & Gibbs, 1993, Gressler et al., 2006).

OBJETIVO:

Esta pesquisa está sendo desenvolvida em uma formação savânica de Cerrado

sensu stricto na região de Itirapina, São Paulo, com o objetivo de descrever a fenologia

reprodutiva da espécie Myrcia guianensis (Aubl.) Kuntze, da família Myrtaceae e sua

variação entre ambientes de borda e interior e, a longo prazo, estudar a relação o padrão

fenológico desta espécie e fatores climáticos, microclimáticos e variações entre anos.

MATERIAIS E MÉTODOS:

A área de estudo está localizada na Fazenda São José da Conquista, no

município de Itirapina, São Paulo – Brasil. É uma área de cerrado sensu stricto com

aproximadamente 250 hectares, a 770m de altitude. As bordas do fragmento foram

estabelecidas há aproximadamente 30 anos e a última queimada ocorreu há 20 anos

(Camargo, 2008).

Para o estudo fenológico, foram marcadas 36 transecções de 25 m de

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comprimento 2 m de largura, com uma distância de 50 m entre si. A área total amostrada

é de 1800 m². A população pesquisada compreende todos os indivíduos da espécie

Myrcia guianensis inseridos nos 50 m² de cada transecção com circunferência da base

do caule a 30 cm do solo maior ou igual a 3 cm, sendo acompanhados 92 indivíduos

desta espécie na área de estudo.

Para a observação fenológica, estão em andamento registros mensais das

fenofases brotamento ou produção de folhas novas, botão, antese, fruto imaturo, fruto

maduro e queda de folhas. Uma vez que os ciclos das plantas tropicais se apresentam

com perfil complexo, é de extrema importância a forma de avaliação e representação,

pois esta pode auxiliar ou dificultar o estudo da fenologia (Bencke & Morellato, 2002a).

São coletados em campo registros de presença e ausência das fenofases assim como

dados quantitativos da presença das fenofases adaptada do método de Fournier (1974),

que aplica escala semi-quantitativa (de 0 a 4, com intervalos de 25%), porém adaptado à

3 categorias de quantificação que vão de 0 a 2, com intervalos de 50% entre elas.

No presente estudo apresentaremos somente os dados de presença e ausência das

fenofases reprodutivas de Myrcia guianenses para o ano de 2006, sendo que a descrição

do padrão fenológico foi feita com base no índice de atividade da população ou

porcentagem de indivíduos, que permite também avaliarmos a sincronia da população

na manifestação das fenofases (Bencke & Morellato, 2002). Conforme Benke e

Morellato (2002b), uma população é considerada altamente sincrônica quando mais de

60% dos indivíduos estão manifestando determinada fenofase, pouco sincrônica para

porcentagem de indivíduos entre 20% e 60% e assincrônica para 20% ou menos

indivíduos. Os resultados aqui apresentados darão subsidiar trabalhos futuros a serem

desenvolvidos pelas autoras a partir do banco de dados fenológicos de longa duraçãode

Myrcia guinensis do Laboratório de Fenologia da Unesp-Rio Claro, coletado desde

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2003. A partir deste banco de dados e dos resultados prévios aqui levantados será

possível realizarmos comparações da fenologia de Myrcia guianensis entre anos e entre

ambientes com diferentes condições microambientais (temperatura, luminosidade,

umidade, abertura do dossel e composição de espécies), assim como relacionar o

comportamento fenológico desta população dados climáticos da área de estudo.

Figura 1. Exemplos das fenofases reprodutivas de Myrcia guianensis. A) Flores em botão e Antese; B) Flores em antese; C) frutos imaturos de cor rosada, frutos maduros de cor púrpura e detalhes das sementes e frutos maduros (escala= 1cm). Fotos: Camargo, M.G.G.

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Figura 2. Porcentagem de indivíduos de Myrcia guianensis em botão e antese, no ano de 2006, em

(A) borda (n=47), e (B) interior (n=46) de uma área de cerrado sensu stricto no município de

Itirapina, SP. A área azul corresponde à estação chuvosa.

(A) Borda

0%

20%

40%

60%

80%

100%

J F M A M J J A S O N D

(B) Interior

0%

20%

40%

60%

80%

100%

J F M A M J J A S O N D

Antese

Botão

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Figura 3. Porcentagem de indivíduos de Myrcia guianensis em fruto imaturo e fruto maduro, no

ano de 2006, em (A) borda (n=47), e (B) interior (n=46) de uma área de cerrado sensu stricto no

município de Itirapina, SP. A área azul corresponde à estação chuvosa.

RESULTADOS:

Myrcia guianensis floresceu na estação seca, de julho a setembro, e frutificou no

início da estação úmida, em novembro (Figuras 2 e 3). Na borda, a produção de botão se

concentrou nos meses de Julho a Setembro (Figura 2A). Foi possível verificar o pico de

produção de botão no mês de Agosto, apresentando alta sincronia, com mais de 61%

dos indivíduos em botão. O pico de antese ocorreu no mês de Setembro com mais de

(B) Interior

0%

20%

40%

60%

80%

100%

J F M A M J J A S O N D

(A) Borda

0%

20%

40%

60%

80%

100%

J F M A M J J A S O N D

Fruto Imaturo

Fruto Maduro

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45% dos indivíduos (Figura 2A). Ambos os meses que se encontram no final da estação

seca. Enquanto a fenofase botão foi mais longa, com 4 meses de duração, a antese

apresentou duração menor, de 2 a 3 meses. Durante os 4 meses de maior atividade na

manifestação de botões, a sincronia superou 48%, chegando a 64,1% no pico de

atividade. No interior do cerrado o padrão de floração foi semelhante ao da borda

(Figura 2B), com o pico de produção de botão em Agosto, com mais de 67% dos

indivíduos e o pico de antese em Setembro, com mais de 58% dos indivíduos

apresentando esta fenofase. Entretanto, o decréscimo na porcentagem de indivíduos em

antese ocorreu mais rapidamente no interior, a partir de setembro no final da estação

seca.

O padrão de frutificação de M. guianensis foi bastante semelhante entre a borda

e no interior do cerrado. Em ambas as áreas, o pico de produção tanto de frutos maduros

quando imaturos ocorreu em Novembro, início da estação chuvosa, com

aproximadamente 60% dos indivíduos apresentando estas fenofases. No interior foi

observada a presença de frutos imaturos durante todo o ano, exceto nos meses de Junho

a Agosto. Já na borda, não foram observados frutos imaturos de Fevereiro a Maio.

DISCUSSÃO:

A floração de Myrcia guianensis na estação seca pode estar relacionada à baixa

precipitação neste período que favorece a polinização de espécies melitófilas por

favorecer o movimento dos polinizadores entre flores e plantas (Gottsberger &

Silberbauer-Gottsberger, 2006). No cerrado o pico de floração da comunidade tem sido

descrito como ocorrendo durante a estação seca (Batalha e Mantovani 1998; Batalha e

Martins, 2004), e M. guianensis se encaixaria nesse grupo de espécies, que florescem na

estação seca. Nossos resultados coincidem com os obtidos por Tannus et al. (2006), que

detectaram, com base em dados de herbário, a antese de Myrcia guianensis no início da

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estação seca.

Quanto a frutificação, o padrão de M. guianensis também foi similar ao padrão

de frutificação observado para espécies de cerrado com frutos carnosos dispersos por

animais, que ocorre principalmente na estação chuvosa, quando as condições do clima

são favoráveis para o desenvolvimento dos frutos e estes ficam atrativos e disponíveis

para frugívoros (Batalha & Martins, 2004; Camargo, 2008).

As comparações da fenologia de M. guianensis entre borda e interior de cerrado

não mostraram diferenças para o ano analisado. Entretanto, foi detectada uma tendência

oposta das curvas de floração entre borda e interior, sendo antecipada no interior.

Diferenças marcantes na fenologia reprodutiva das espécies seriam esperadas entre

ambientes mais contrastantes (Alberti & Morellato 2008). Como M. guianensis floresce

na estação seca, quando a maioria das espécies está sem folhas ou com poucas folhas (P.

Reys dados não publicados), as diferenças de luz, temperatura e umidade relativa entre

borda e interior do cerrado senso estrito estudado são reduzidas e não seriam suficientes

para afetar os padrões de floração da espécie estudada. Como a frutificação está

relacionada à época de ocorrência da floração, este padrão também não diferiu entre os

dois ambientes.

As tendências observadas no padrão fenológico de Myrcia guianensis deverão

ser confirmadas por análises mais detalhadas e que incluam dados de vários anos de

observações, confirmando se o padrão descrito se repete a longo prazo e detectando os

fatores a ele relacionados. A partir destes dados, será possível o melhor entendimento do

comportamento reprodutivo de Myrcia guianensis e do papel desta espécie na

comunidade e para a disponibilidade de recursos para consumidores primários.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1

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