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Felipe Diniz Pires de Souza O Documento de Lima e a Teologia Batista em diálogo: Por uma valorização da Ceia do Senhor. Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Teologia do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Orientador: Prof. Luiz Fernando Ribeiro Santana Rio de Janeiro Abril de 2016

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Page 1: Felipe Diniz Pires de Souza O Documento de Lima e a Teologia Batista … · 2018-01-31 · principais Documentos da Convenção Batista Brasileira. ... A denominação Batista: sua

Felipe Diniz Pires de Souza

O Documento de Lima e a Teologia Batista em diálogo: Por uma valorização da Ceia do Senhor.

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Teologia do Departamento de Teologia da PUC-Rio.

Orientador: Prof. Luiz Fernando Ribeiro Santana

Rio de Janeiro Abril de 2016

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Felipe Diniz Pires de Souza

O Documento de Lima e a Teologia Batista em diálogo: Por uma valorização da Ceia do Senhor.

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Teologia do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Luiz Fernando Ribeiro Santana Orientador

Departamento de Teologia – PUC-Rio

Profª. Maria Teresa Freitas Cardoso Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Elildes Junio Macharete Fonseca STBRL

Profª. Denise Berruezo Portinari Coordenadora Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro

de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 8 de abril de 2016.

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Todos os diretios reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Felipe Diniz Pires de Souza

Graduou-se no Seminário Bíblico Batista do Rio de

Janeiro em 2009. Integralizou-se em Teologia pela

FAECAD em 2013.

Ficha Catalográfica

Souza, Felipe Diniz Pires de

O Documento de Lima e a Teologia Batista em diálogo: por uma valorização da Ceia do Senhor. / Felipe Diniz Pires de Souza; orientador: Luiz Fernando Ribeiro Santana. – 2016.

95 f.; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Teologia, 2016.

Inclui referências bibliográficas. 1. Teologia – Teses. 2. Teologia litúrgica. 3.

Eucaristia. 4. Ceia do Senhor. 5. Batistas. 6. Igreja. 7. Corpo de Cristo. 8. Diálogo. 9. Teologia Batista. I. Santana, Luiz Fernando Ribeiro. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

CDD 200

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Agradecimentos A Deus acima de todas as coisas. A Ele toda glória, honra e louvor, pelos séculos dos séculos, amém! Ao Professor Luiz Fernando Ribeiro Santana, pela acolhida generosa, pelo estímulo constante e pelo acompanhamento paciente e minucioso em todas as etapas deste trabalho. À minha esposa, por ser minha principal incentivadora à busca do conhecimento. Por todo amor e paciência dispensados a mim durante este período de dedicação a Pós-Graduação. À minha segunda mãe que, apesar da grande luta em sua saúde, mantém sua fé em Deus e sua força para consolar nossos corações. A CAPES pelo valioso auxílio prestado durante todo o meu curso de Mestrado. Ao Departamento de Teologia da PUC-Rio, na pessoa do coordenador de Pós-Graduação, Professor Abimar de Oliveira Morais. À Primeira Igreja Batista da Fundação pela paciência com minhas ausências constantes. Aos meus familiares, amigos e colegas pelo afeto, pelo incentivo e pela colaboração que até hoje me prestam.

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Resumo

Souza, Felipe Diniz Pires de; Santana, Luiz Fernando Ribeiro. O

Documento de Lima e a Teologia Batista em diálogo: por uma

valorização da Ceia do Senhor. Rio de Janeiro, 2016. 95 p. Dissertação

de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro.

Uma prática comum na história da humanidade são as reuniões para

refeições. Todas as vezes que os homens desejam celebrar algo importante ou

homenagear alguém, a forma normalmente escolhida é a da refeição comunitária.

Com a Igreja de Cristo não é diferente. A Ceia do Senhor ou Eucaristia – dois

nomes dados a esta celebração – é a reunião cristã onde fiéis desfrutam da

comunhão com Cristo e uns com os outros. A reunião dos batizados em torno da

mesa do Senhor é relatada desde os primórdios da fé cristã. De todas as

celebrações cristãs, talvez não haja outra que melhor signifique o dom da unidade

entre os membros do Corpo de Cristo – o mais ardente desejo do Senhor para a

sua Igreja. Contradizendo radicalmente tal desejo, o que temos assistido na

bimilenária história do cristianismo são divisões entre aqueles que professam a

mesma fé e o mesmo batismo, mormente no que concerne à celebração da Ceia do

Senhor. Esta Dissertação tem como escopo confrontar a teologia e a práxis da

Ceia do Senhor contida no Documento “Batismo, Eucaristia e Ministério” –

também conhecido como “Documento de Lima” – e aquela presente nos

principais Documentos da Convenção Batista Brasileira. Julgamos ser o diálogo

entre esses Documentos de vital importância para o enriquecimento teológico-

pastoral de nossa tradição Batista. Além do mais, nossa abordagem deseja ser

também um contributo para que, como cristãos, superemos cada vez mais as

divisões doutrinárias que dizem respeito ao “sacramento da unidade”. Dessa

forma o Evangelho de Jesus poderá ser vivenciado e testemunhado por nós com

maior vigor e autenticidade.

Palavras-chave

Ceia do Senhor; Eucaristia; Evangelho; Igreja; Corpo de Cristo;

celebração; Batistas; salvação; comunhão.

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Abstract

Souza, Felipe Diniz Pires de; Santana, Luiz Fernando Ribeiro (Advisor).

The Lima Text and the Baptist Theology: in a Dialogue for an

Appreciation of the Lord’s Supper. Rio de Janeiro, 2016. 95 p. Master’s

Thesis – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro.

A common practice in the history of Mankind is gathering for meals.

Every time men wish to celebrate something important or honor someone, the

usual form they choose to do it is a public meal. It is not different in the Church of

Christ. The Lord’s Supper or Eucharist – two names given to this celebration – is

the gathering where the congregation enjoy the communion with Christ and with

one another. The gathering of those who went through baptism around the Lord’s

Table is described since the beginnings of the Christian faith. Of all the Christian

celebrations, maybe there’s no other that signify best the gift of unity among

members of the Body of Christ – the most burning desire of the Lord for his

Church. Radically contrary to such a desire, what we have been watching in the

two thousand years old history of Christianity are divisions among those who

profess the same faith and baptism, especially in what concerns the celebration of

the Lord’s Supper. This thesis aims to confront the theology and the praxis of the

Lord’s Supper contained in the text “Baptism, Eucharist and Ministry” – also

known as “Lima Text” – and the one present in the main texts of the Brazilian

Baptist Convention. We deem the dialogue between these two texts of vital

importance for the theological-pastoral enrichment of our Baptist tradition.

Furthermore, our approach wishes to be also a contribution so that we, as

Christians, increasingly overcome doctrinal divisions concerning the “sacrament

of unity”. Thus, the Gospel of Jesus can be lived and witnessed by us with greater

strength and truth.

Keywords

Lord’s Supper; Eucharist; Gospel; Church; Body of Christ; celebration;

Baptists; salvation; communion.

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Sumário

1. Introdução 8

2. O Documento de Lima – convergência da Fé 12

2.1. História e desenvolvimento do Documento de Lima 12

2.2. Alguns aspectos da Eucaristia no Documento de Lima 19

2.2.1. A instituição da Eucaristia 20

2.2.2. A Eucaristia como ação de graças ao Pai 25

2.2.3. A Eucaristia como “anamnese” ou memorial de Cristo 28

2.2.4. A Eucaristia como invocação do Espírito 35

3. A denominação Batista: sua história e teologia da Ceia do Senhor 40

3.1. Resumo Histórico da denominação Batista 40

3.2. A autoridade das Escrituras e a Ceia do Senhor no pensamento Batista

47

3.3. A ordenança da Ceia do Senhor na tradição Batista 53

4. A contribuição do diálogo entre o BEM e os Documentos Batistas 64

4.1. O Documento de Lima e a Declaração Doutrinária e PrincípiosBatistas em diálogo

64

4.2. A compreensão dos fiéis Batistas sobre a Ceia do Senhor 76

5. Conclusão 86

6. Referências bibliográficas 89

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1. INTRODUÇÃO

O livro dos Atos dos Apóstolos assim descreve o modus vivendi da

comunidade primitiva: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na

comunhão, e no partir do pão, e nas orações. E em toda a alma havia temor, e

muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. E todos os que criam

estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e

repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes

todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e

singeleza de coração, Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos

os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar.

(Atos 2:42-47).

A vida e vocação da Igreja cristã ao longo de dois milênios podem,

essencialmente, ser descritas nessas linhas de Lucas. Nelas encontramos sete

elementos que caracterizam a Igreja de Cristo, a saber: a escuta da Palavra de

Deus, a celebração da fração do pão, as orações dirigidas a Deus, o valor da

comunhão fraterna, a partilha dos bens materiais, a unidade no louvor a Deus e na

presença dos cristãos no mundo e, finalmente, a ação de Deus que constrói e

aumenta a sua Igreja. Esses elementos elencados pela Sagrada Escritura

constituem efetivamente o Corpo de Cristo. Neles encontramos um permanente

paradigma para avaliar a autêntica identidade dos batizados e de seu testemunho

no mundo. Com efeito, em todos os períodos de renovação das Igrejas cristãs ao

longo da história, de uma forma ou de outra, os cristãos procuraram um retorno à

fonte da vida cristã, conforme o testemunho de Lucas acima descrito nos Atos dos

Apóstolos.

Cristo, na véspera de sua paixão e morte, instituiu a última Ceia, dando um

novo significado à Ceia da páscoa judaica. Na tarde de sua páscoa, o

Ressuscitado, caminhando com os discípulos de Emaús, interpretou-lhes as

Escrituras em tudo o que nelas a ele se referia; sua Palavra preparava seus

corações para que o reconhecessem como o Vivente. Estando à mesa com eles,

toma o pão, pronuncia a bênção, em seguida parte o pão e o distribui a eles. Neste

momento seus olhos se abrem e eles o reconhecem. O Senhor torna-se invisível;

imediatamente após, declaram-se mutamente: “Não ardia o nosso coração quando

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ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (cf. Lc 24:25-

32)

Desde a ressurreição de Cristo, a celebração da Ceia do Senhor é a fonte

da vida da Igreja e o elo de comunhão entre os fiéis cristãos. Ela é a celebração

que carrega em si o DNA da Igreja de Cristo. A Ceia do Senhor é a perfeita

celebração da unidade e da comunhão entre Cristo e seu povo. Essa celebração é a

mais alta expressão de gratidão da Igreja ao seu Senhor; nela, acontece o anúncio

da morte e ressurreição de Cristo e a proclamação da esperança do seu retorno; ela

é invocação e atuação do Espírito Santo, bem como refeição do povo reunido.

Sempre foi um consenso entre as Igrejas cristãs o fato de a celebração da

Ceia ser a mais alta forma de epifania da unidade dos diversos membros do Corpo

de Cristo, reconhecido e confessado precisamente quando os batizados se

encontram em koinonia, formando uma reunião de culto. A assembleia cultual,

com efeito, é o locus privilegiado para a experiência e o testemunho da unidade.

Isso foi tão vital para a experiência cristã primitiva que serve de termômetro para

avaliar a profunda dor do apóstolo Paulo ao reprovar o escândalo da divisão que

minava os cristãos de Corinto, exatamente quando celebravam a Ceia do Senhor:

“Não posso louvar-vos: vossas assembléias, longe de vos levar ao melhor, vos

prejudicam [...]. Por conseguinte, que cada um examine a si mesmo antes de

comer desse pão e beber desse cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir

o Corpo do Senhor, come e bebe para a própria condenação” (1Cor, 11:17.28-29).

Essa exortação do Apóstolo testifica o grau de importância da Ceia do

Senhor na construção e na vida do Corpo de Cristo. Mesmo que durante a história

da Igreja tenham existido divisões, focos de fragmentação do Corpo de Cristo, a

celebração da Ceia sempre se manteve como um dos princípios fundamentais da

prática dos cristãos, sempre desejosos de fidelidade ao mandado de Jesus: “Fazei-

o em memória de mim” (1Cor, 11:25).

Apesar de a Ceia do Senhor ou Eucaristia ser uma realidade central na vida

das várias tradições cristãs – como o Batismo –, ela é também uma das

celebrações que foi e tem sido motivo de divergência e divisão desde os tempos

da Reforma Protestante. Aquilo que une os batizados em cada congregação local,

contraditoriamente, tem sido a causa da divisão entre os cristãos. Naturalmente

isso prejudica radicalmente o saudável e enriquecedor diálogo entre as várias

denominações cristãs. Como é possível uma ordenança central que nos vem do

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Senhor Jesus ser causa de divisão e divergência entre aqueles que formam o

mesmo Corpo do Senhor?

Impulsionado por essa contradição centenária, o Conselho Mundial de

Igrejas redigiu, em 1982, o Documento “Batismo, Eucaristia e Ministério”, texto

decisivo para a promoção do diálogo e da compreensão, sobretudo, do tema da

Ceia do Senhor. Havia chegado o momento de, após vários encontros e

discussões, aproximar as várias tradições cristãs no concernente à questão fulcral

de sua fé: a Eucaristia.

Após algumas reflexões julgamos relevante nos apropriar do Documento

“Batismo, Eucaristia e Ministério” ou Documento de Lima a fim de fazê-lo

dialogar com a tradição teológica Batista. Como batizado que professa a fé batista

e atualmente exercendo o ministério de pastor nessa mesma Igreja, creio que tal

diálogo poderá ser bastante promissor no sentido de gerar uma permuta entre o

conteúdo teológico-pastoral do Documento e o de nossa denominação.

A realidade da Ceia do Senhor na denominação Batista é o fundamento de

sua existência. Sendo uma das mais tradicionais na história das denominações

protestantes e evangélicas, Igreja Batista sempre primou pelo mandamento bíblico

ou ordenança da Ceia.

O nascimento da Igreja Batista deu-se em meio à divisão na Igreja estatal

na Inglaterra. Sua postura, por conseguinte, é aquela de oposição a tudo o que não

se encontra radicado nas Escrituras ou comprovado por meio delas. Nesse sentido,

sua teologia da Ceia é totalmente centrada nas palavras das Escrituras.

Apesar de seu zelo pela prática e cumprimento das Escrituras, após tantos

anos desgastantes de sua história, não carece também a nossa denominação de

uma revisão e renovação no concernente a uma teologia bíblica da Ceia do

Senhor? Como está seu conhecimento no que diz respeito ao mistério e à

importância dessa ordenança? E os seus fiéis, em que nível estão de consciência

sempre que celebram a Ceia?

Os Batistas, no decorrer de sua história, redigiram alguns documentos

conhecidos como “Confissões de Fé”. Os principais são os de Londres e de New

Hampshire; ambos são essencialmente calvinistas. Os Batistas modernos têm

alguns documentos que tratam do tema da Ceia do Senhor. A teologia contida

nestes documentos permanece a mesma de outrora; algumas diferenças e

divergências dizem respeito mais à práxis desse culto. Diante disso, é intenção de

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nossa pesquisa confrontar o Documento de Lima e a teologia e práxis Batista no

que diz respeito ao tema da Eucaristia.

O primeiro capítulo de nossa Dissertação dedica-se a apresentar o

Documento “Batismo, Eucaristia e Ministério” – sua história, sua relevância

teológica e sua incidência ecumênica. Tentaremos mostrar alguns aspectos da

trajetória histórica do desenvolvimento desse Documento, enfatizando

particularmente algumas das dimensões bíblico-teológicas que apresenta.

O segundo capítulo se propõe apresentar a denominação Batista em sua

história, seus princípios, sua doutrina e suas ordenanças. Terá lugar aqui um

resumo histórico sobre os Batistas e seu surgimento, segundo dados documentais.

Também consideramos importante apresentar nesse capítulo trechos acerca da

“Declaração Doutrinária” e dos “Princípios Batistas” sobre a Ceia do Senhor. Por

fim, apresentar a teologia e a prática da Ceia do Senhor na denominação Batista é

algo que cabe nesta altura de nossa pesquisa.

O terceiro capítulo, por fim, deseja abrir um diálogo entre as dimensões da

Eucaristia no Documento de Lima e em alguns Documentos Batistas. Em primeiro

lugar, dá-se lugar um confronto entre o tema da Eucaristia no Documento de Lima

e na teologia batista; comparativamente, diferenças e similaridades se olham. Em

seguida, faz-se necessário mostrar a quantas anda o entendimento dos fiéis

Batistas no que concerne à celebração da Ceia do Senhor. Para tal utilizaremos

dados adquiridos por entrevistas feitas com membros de uma Igreja Batista em

Guadalupe. Os entrevistados permitiram a gravação de suas declarações e a

utilização de suas reflexões em nossa pesquisa. Por fim, é de nosso interesse

mostrar como o Documento de Lima pode contribuir para um resgate da

consciência teológica, celebrativa e pastoral da Ceia dor Senhor na tradição

Batista.

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2. O Documento de Lima – Convergência da Fé

O Documento de Lima ou “Batismo, Eucaristia, Ministério” é um texto

imprescindível para o diálogo ecumênico acerca dos temas fundamentais para a

identidade cristã: o Batismo, a Eucaristia e os diversos ministérios que contribuem

para o crescimento do Corpo de Cristo. Tanto a visibilidade da identidade da

existência cristã como a missão que lhe fora confiada – o anúncio do Reino de

Deus –, certamente, dependem dessas três realidades abordadas pelo Documento

de Lima.

O Documento de Lima continua, após um pouco mais de três décadas,

sendo de extrema atualidade e importância. As verdades nele contidas são de

grande profundidade bíblica e de grande valor teológico; sua genialidade dialogal

tem sido de enorme contributo para a construção da unidade entre os cristãos.

O Documento trata de três pontos essenciais do cristianismo: o Batismo a

Eucaristia e os ministérios a serviço da Igreja. O objetivo da nossa Dissertação,

entretanto, é abordar apenas o tema da Eucaristia ou Ceia do Senhor. Com efeito,

o memorial da Ceia do Senhor guarda em si o “genoma” da noiva de Cristo, a

Igreja. Revisitar os significados dessa celebração é fonte de revitalização para o

Corpo de Cristo; é resgatar e realçar a realidade da própria identidade eclesial.

Cremos que esses aspectos acenados são suficientes para justificar a nossa opção

pelo Documento de Lima

2.1 História e desenvolvimento do Documento de Lima

O Documento “Batismo, Eucaristia e Ministério”1 foi elaborado pelo

Conselho Mundial de Igrejas (CMI) – órgão composto por diversas denominações

cristãs – como resultado da última conferência realizada em Lima em 1982 por

1 Doravante este Documento será citado como BEM e os números mencionados em nossa pesquisa

serão sempre referentes ao tema da Eucaristia, II parte do Documento de Lima.

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sua Comissão. Também conhecido como Documento de Lima, foi aprovado pela

Comissão de Fé e Constituição (FC) do Conselho Mundial de Igrejas. Fé e

Constituição é um movimento ecumênico incorporado ao Conselho Mundial de

Igrejas (CMI) em 1954, tornando-se uma comissão permanente. As resoluções

encontradas no BEM fazem parte de um processo ecumênico iniciado na primeira

Conferência Mundial de Fé e Constituição, em Lausanne (Suíça) no ano de 1927,

com a participação de 400 delegados de 108 Igrejas2. As diretrizes adotadas

caminham em direção a uma convergência de fé. Zwinglio M. Dias, Secretário

Geral do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), comenta

sobre as resoluções, consideradas significativas, contidas no texto.

O texto destas conclusões apresenta acordos teológicos significativos que revelam o

posicionamento acolhedor de várias Igrejas sobre temas tão vitais para a vivência

eclesial como batismo, eucaristia e ministério. Agradecemos ao Conselho Nacional

de Igrejas Cristãs a oportunidade de poder veicular estas reflexões e o

reconhecimento público de nosso compromisso ecumênico junto às Igrejas em nosso

país.3

A palavra “convergência” – objetivo do Documento de Lima em relação

aos temas de fé abordados – exprime que sua elaboração não foi unilateral,

tampouco a um grupo cristão específico. Em seu texto constam as percepções e

conclusões de diferentes tradições cristãs e convicções teológicas, evocando uma

aproximação entre as Igrejas e o reconhecimento que legitima a experiência cristã

de cada uma. Trata-se de reconhecimento mútuo entre as Igrejas com relação aos

aspectos de Batismo, Eucaristia e Ministério.

Um bom exemplo sobre a realidade do esforço conjunto para a unidade

cristã encontra-se na pluralidade manifesta através das Igrejas que compõe o

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC). A missão do CONIC é servir às

Igrejas cristãs no Brasil no fortalecimento do ecumenismo e do diálogo, na

vivência da comunhão em Cristo, na defesa da integridade da criação,

promovendo a justiça e a paz para a glória de Deus.

2 A África, a América e a Europa tiveram mais representantes que a Ásia, que enviou apenas dois

representantes nacionais e alguns missionários. Visava-se a um fórum no qual “tanto os acordos

quanto os desacordos fossem cuidadosamente anotados [...]. Não é uma convergência que visa a

um acordo completo, muito menos a uma Igreja unida” - cf. LOSSKY, N. “Primeira Conferência

Mundial de Fé e Constituição”. In: LOSSKY et al. (orgs.). Dicionário do Movimento Ecumênico.

Petrópolis: Vozes, 2005. p. 233. 3 Prefácio do BEM, p. 6

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Todas as Igrejas que compõem o CONIC estão engajadas no mesmo

propósito de unidade e convergência, prioridade no texto do Documento de Lima.

Atualmente as Igrejas-membro do CONIC são: Igreja Católica Apostólica

Romana (ICAR), Igreja Católica ortodoxa Siriana do Brasil (ICOSB), Igreja

Cristã Reformada (ICR), Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Igreja

Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Igreja Metodista (IM),

Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU). Outras Igrejas já compuseram o

CONIC, mas por motivos variados, pediram o desligamento oficial do Conselho.

Entretanto, muitos membros das Igrejas que se desligaram permanecem

trabalhando em favor da causa ecumênica.

Assim como o CONIC, o Documento de Lima é expressão de um esforço

colegiado, cuja base é a Igreja de Cristo enquanto corpo místico, chamada a uma

unidade visível “para que todos sejam um [...] a fim de que o mundo creia” (Jo

17,21)4. Ele não pode ser pensado fora de uma moldura mais ampla que,

gradativamente, foi adquirindo formação, corpo e vitalidade.

Como propósito para esta unidade proclamadora, o BEM é o resultado de

corações desejosos em testemunhar a unidade profética da Igreja de Cristo. Seu

estilo convergente busca aproximar, através do diálogo, as diversas Igrejas,

propondo uma percepção comum para o engrandecimento do Reino. Sua redação

respeita as peculiaridades que cada tradição cristã sustenta acerca da Ceia do

Senhor. Longe de exprimir um pensamento homogêneo, com caráter tendencioso

e unilateral, reúne diferentes percepções teológicas.

No entanto um longo caminho foi percorrido para que se chegasse à

redação final deste texto. Foram várias assembleias através dos anos e somente

em 1975 foi delegada ao CMI a responsabilidade de conclamar as Igrejas a

caminhar com o objetivo de uma só fé. Buscando, pelo vínculo da paz, uma

unidade visível e numa só comunhão eucarística “para que o mundo creia.” Os

resultados obtidos pelo BEM e nele apresentados vieram dessas assembleias. Não

foi simplesmente em um encontro em 1982 que todos os detalhes foram

resolvidos. Na verdade, esse documento já vinha sendo discutido há cinquenta

anos.

4 Usaremos em nosso trabalho a versão da Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução

de João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblia do Brasil, 1969.

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Os três textos são fruto de um processo de pesquisa de cinquenta anos que remonta à

primeira Conferência de Fé e Constituição, em Lausanne, em 1927. O material foi

discutido e revisto pela Comissão de Fé e Constituição, em Acera (1974), em

Bangalore (1978) e em Lima (1982). Entre um e outro encontros da Comissão

plenária, a Comissão permanente e o seu Comitê de trabalho sobre batismo, eucaristia

e ministério — sob a presidência do irmão Max Thurian, da Comunidade de Taizé —

prosseguiram no trabalho e redação.5

Para apresentação da composição deste documento, segue um roteiro

resumido do caminho percorrido até a formulação final do Documento de Lima

(1982).

A partir de Lausanne (1927), onde a comissão doutrinal foi estabelecida,

há uma reflexão sobre batismo e eucaristia pelo movimento ecumênico. Em todas

as grandes conferências ocorridas, estes dois temas sempre fizeram parte das

reflexões. A eclesiologia estava no centro dos estudos destas conferências, pois,

não se podia falar de um único modelo eclesiológico, mas de vários.

Compreender a Igreja em sua natureza, doutrina, vida, pontos comuns e

divergentes e em sua estrutura, era o desejo destes encontros. A partir de 1937

outras conferências foram realizadas como, por exemplo, a Conferência de

Edimburgo (Escócia, 1937). Em Edimburgo, os sacramentos, principalmente o

batismo, que recebera uma grande atenção, são temas recorrentes. Surge também

a ideia do Conselho Mundial de Igrejas, porém somente em 1948 ele ganha forma.

Em Lund (Suécia), no ano de 1952, é realizada nova conferência. Nesta, as

reflexões foram a respeito das formas de culto e o desafio da intercomunhão6. Esta

conferência ficou marcada como a primeira em que a Igreja Católica esteve

presente, logo após o Concílio Vaticano II.

Em 1963, em Montreal (Canadá), acontece outra conferência. Nela, os

resultados obtidos na anterior foram ratificados e aprofundados. Outras

conferências aconteceram com o passar dos anos e todas aprofundando,

principalmente, questões sobre o batismo e a eucaristia. Como exemplo é possível

5 BEM, p. 7

6 A intercomunhão era um dos assuntos a serem estudados por três comissões internacionais

designadas para este objetivo. Os relatórios apresentados sobre estes estudos foram a base para as

discussões nesta conferência. Apesar de existirem divergências entre os participantes sobre

doutrinas, sacramentos e ministérios, havia a ideia que os cristãos pudessem chegar à comunhão

“irrestrita” com relação a sacramento e comunidade. A pergunta às Igrejas era “se elas não

deveriam agir juntas em todas as questões, exceto naquelas em que as profundas diferenças de

convicção as obriguem a agir separadamente”. LOSSKY, N. Intercomunhão. In: op. cit., p. 236.

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16

citar: Em Bristol7 (1967), em Lovaina (1971), Acra (1974), em Bangalore (1978)

e, finalmente, em Lima (1982).

Em Lovaina, especificamente, foram elaborados três documentos: o

“Acordo Ecumênico sobre o Batismo”, a “Eucaristia no Pensamento Ecumênico”

e o “Ministério Ordenado”. Posteriormente esses documentos foram enviados ao

CMI a fim de serem repassados às Igrejas para eventuais apreciações e

considerações. Foram esses os documentos que deram origem ao BEM em sua

forma atual.

O BEM foi revisado algumas vezes para uma concordância entre diversas

tradições sobre pontos importantes e imprescindíveis para uma unidade cristã

visível. O que se apresenta no Documento de Lima não é uma posição final e

completa a respeito dos assuntos tratados. Outrossim, ele quer ser uma voz

concordante que tem uma importância singular no movimento de unidade das

igrejas cristãs.

O Documento de Lima pode ser considerado um fato sem precedentes no

movimento ecumênico moderno. Em nenhum outro momento da história houve

um esforço tão significativo, quanto com o BEM e sua composição para um

acordo ou aproximação do entendimento do pensamento cristão doutrinário. A

resposta dada pelas Igrejas a esse esforço foi significativa e diversificada.

De tradições cristãs mais antigas a faculdades e seminários, as respostas

vinham de várias partes e acenavam positivamente para uma nova era de

diálogos possíveis e reaproximação das Igrejas. A partir do Documento de Lima,

teólogos de tradições distintas são capazes de falar com profunda harmonia sobre

os temas do batismo, da eucaristia e do ministério8.

As Igrejas se mostram concordantes em diversos aspectos em relação ao

desenvolvimento do Documento de Lima. Quanto à orientação teológica, as

referências são muito claras e valorizam o Documento. Em relação ao modo de

viver e celebrar a Eucaristia, sua teologia é valorizada sem perder de vista as

conseqüências que esta tem para a necessidade de ser Igreja e sua unidade.

7 “Confrontou-se com o acúmulo crescente das tarefas relacionadas com a constante expansão do

movimento ecumênico, as relações com as famílias confessionais mundiais, o progresso e

problemas das uniões nacionais de Igreja e a cooperação de Fé e Constituição com outros

departamentos do CMI. Em todos esses esforços, as questões decisivas foram a compreensão da

unidade da Igreja, da comunhão plena e das reflexões teológicas que podem servir melhor à

unidade da Igreja”. LOSSKY, N. Conferência de Bistrol. In: op. cit., p. 238. 8 Cf. Prefácio do BEM, p. 8

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17

Apenas esta riqueza dialogal teológica demonstra o fato de as Igrejas mostrarem

boa aceitação ao Documento bem como ele tem respondido aos anseios de

unidade gerando um reconhecimento mútuo entre as diferentes tradições cristãs.

Até onde nos conduziram estes esforços? Como é manifesto no texto de Lima,

atingimos já um notável grau de acordo. Certamente, não chegamos ainda

completamente a um “consenso” (consentire), compreendido aqui como a experiência

de vida e de expressão da fé, necessário para realizar e manter a unidade visível da

Igreja. Um tal consenso está enraizado na comunhão fundada em Cristo e no

testemunho dos apóstolos. Sendo dom do Espírito, alcança-se como experiência

partilhada antes de poder ser expresso por palavras, num esforço concertado. Um

consenso completo não pode ser proclamado senão depois de as Igrejas terem

atingido o ponto em que podem viver e agir em conjunto na unidade.9

O exercício de escuta das fontes e a troca de visões das tradições presentes

nestes encontros trazem um enriquecimento mútuo e de novas perspectivas sobre

temas que, historicamente, foram controversos, mas que, apesar disto, geram um

desejo de reaproximação entre os cristãos.

W. H. Lazareth e N. Nissiotis relembram, citando a Conferência de 1963,

que as pessoas “têm redescoberto elementos esquecidos da sua própria tradição e

têm mudado seus pensamentos e práticas para voltarem juntas para a Tradição do

Evangelho atestada na Escritura, transmitida na e pela Igreja, pelo poder do

Espírito Santo”10

. Esses diálogos, proporcionados pelas Conferências até a

confecção do Documento de Lima, têm ampliado a oportunidade do diálogo

ecumênico cristão.

A maioria das Igrejas não tem considerado o Documento de Lima simplesmente

como um texto teológico a ser revisto dentro do limite e perspectiva da sua própria

tradição e posição. Parece haver um consenso de que o BEM é o resultado de um

amplo e contínuo processo histórico da Igreja do século XX. E não há na maioria das

respostas uma prontidão expressamente manifestada que, independentemente das

limitações desse documento poderia ser, o seu conteúdo e finalidade devem ser

autorizados a desafiar a própria prática de ensino e atuação para abri-lo à riqueza das

percepções e experiências de outras Igrejas. O BEM é visto, portanto, como um

resultado significativo de expressão e instrumento do movimento para a unidade na

fé, na comunhão sacramental, no serviço e testemunho comum no mundo, aos quais

as Igrejas são chamadas por seu Deus e Salvador.11

9 Idem. p. 8-9.

10 BEM. Prefácio. p.7.

11 World Council of Churches. Faith and Order. Baptism, Eucharist and Ministry. Report on the

process and responses. Faith and Order Paper, 149. Geneva: WCC, 1990, p. 32.

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Revisitar a Tradição Apostólica em conjunto tem mostrado para as igrejas

que elas têm algo em comum e que as une. O BEM, nesse sentido, tem

favorecido um amplo diálogo entre as Igrejas: isso se deve ao fato de que

elementos de natureza teológica - bíblicos, cristológicos, eclesiológicos,

escatológicos e litúrgicos - aparecem muito bem relacionados no texto. H. W.

Lazareth e N. Tissot seguem dizendo em seu prefácio no documento:

No caminho que tem como meta a unidade visível, as Igrejas terão, contudo, de

passar por diversas etapas. Elas têm sido abençoadas de novo pela escuta mútua e

pelo retorno, em conjunto, às fontes originais, isto é, à "Tradição do Evangelho

atestada na Escritura, transmitida na e pela Igreja, pelo poder do Espírito Santo"

(Conferência Mundial de Fé e Constituição, 1963). Ao abandonarem as oposições do

passado, as Igrejas começaram a descobrir numerosas convergências plenas de

promessas em convicções e perspectivas que elas partilham. [...] as Igrejas têm muito

em comum na sua compreensão da fé.12

Depois de séculos de afastamentos e embates doutrinários, este se mostra

um passo de suma importância, levando em consideração que um diálogo que

vença séculos de afastamento, tanto entre Católicos Romanos e Ortodoxos, bem

como entre Católicos Romanos e Protestantes, exige de todas as partes uma

flexibilidade enorme, além de humildade de todas as partes. No entanto a

consciência da necessidade de uma unidade visível da Igreja tem sido certamente

o fator primordial, e suscitado pelo Espírito Santo.

O BEM é considerado não só um impulso para novos encontros e relações, mas

também como um instrumento para o fortalecimento das relações da igreja e para

futuros diálogos ecumênicos em diferentes níveis: “O Documento de Lima pode

servir como base para o diálogo ecumênico internacional, bem como nacional e local,

afirma o sínodo geral da Igreja da Noruega”.13

A diversidade nas respostas dadas pelas Igrejas ao Documento de Lima

demonstra que cada tradição interpretou as questões descritas no BEM de acordo

com sua identidade eclesiástica. Cada situação vivenciada na realidade histórica

e cultural das Igrejas suscitou as respostas dadas. O documento Faith and Order

Paper nº 149 afirma que : “Quando as respostas são lidas, fica claro que as

Igrejas têm diferentes preocupações, interesses e prioridades. Todas as respostas

estão em diferentes graus condicionados pelas pressuposições teológicas e 12

Idem. 13

Idem, p. 25-26.

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eclesiológicas relativas à sua origem confessional”.

O BEM, em suas propostas teológicas e pastorais, tem proporcionado uma

real possibilidade de diálogo entre as diversas tradições cristãs. Desse modo, a

comunhão entre os cristãos torna-se possível. Esta realidade evidencia o progresso

do diálogo ecumênico encorajando a continuidade do processo de convergência e

sincera unidade entre os que têm a mesma fé e o mesmo batismo.

Tem-se a impressão que para se atingir o objetivo querido pelas Igrejas

afastadas de chegar à unidade visível é necessário que aceitem de comum acordo

uma posição concorde a respeito do Batismo, da Eucaristia e do Ministério. Este é

o motivo pelo qual a Comissão Fé e Constituição tenha dedicado grande parte da

sua atenção a esses três temas.

2.2 Alguns aspectos da Eucaristia no Documento de Lima

Após a exposição sobre a composição a data e a importância do

Documento de Lima no âmbito do diálogo ecumênico, o nosso enfoque será a

consideração do segundo tema abordado pelo Documento, a saber, a Eucaristia –

tema central desta pesquisa.

Em trinta e três números ou parágrafos, o Documento de Lima consegue

traçar as principais linhas daquilo que julga necessário abordar acerca do tema da

Eucaristia. Fruto de várias mãos e enriquecido pelo contributo de diversas

tradições cristãs, além de ser motivado por um profundo e honesto diálogo, Lima

apresenta, em seu texto final, uma maturada e concordante visão bíblica e

teológica sobre a Eucaristia ou Ceia do Senhor.

Cientes da extensão e profundidade com que o tema da Eucaristia é tratado

no Documento de Lima, o nosso intento é apenas abordar aqueles aspectos do

tema que consideramos mais relevantes e atuais para o diálogo ecumênico e, em

particular, para proveito teológico e pastoral da nossa tradição Batista. São

precisamente estes: a instituição da Eucaristia, a Eucaristia a como ação de graças

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ao Pai, a Eucaristia como anámnese ou memorial de Cristo e a Eucaristia como

invocação do Espírito Santo14

.

2.2.1 A instituição da Eucaristia

A Eucaristia foi instituída por Jesus na noite em que foi traído. A narrativa

desta refeição está contida nos evangelhos sinóticos (cf. Mt 26:26-29; Mc 14:22-

25; Lc 22:14-20) e na primeira carta de Paulo aos Coríntios (1Co 11:23-25). Tal

refeição tem como objetivo, dado pelo próprio Cristo, o memorial do Senhor.

Nenhum gesto de Jesus durante seu ministério terreno foi vazio e sem significado.

Suas palavras e atitudes tinham um profundo sentido e sempre foram repletas da

Palavra divina.

Com muita sagacidade, o Documento de Lima fundamenta seu

pensamento nos relatos bíblicos da refeição de Jesus. A partir desses relatos ele

desenvolve a sua teologia da realidade eucarística. Ao mesmo tempo, os relatos da

última Ceia mencionados pelo Documento recolhem e sintetizam todas as

refeições nas quais Jesus participou ao longo de sua vida pública, a tal ponto de

sugerir que toda a existência de Jesus de Nazaré poder ser relida como um convite

incessante à reunião, à comunhão, à refeição – e tudo isso em vista da realização

do Reino de Deus.

A última refeição de Jesus, segundo o relato bíblico, aparece vinculada à

realidade à entrega total de Jesus ao projeto amoroso do Pai e à salvação dos

homens – ainda que isso envolvesse a realidade do sofrimento. O evangelho de

Lucas mostra essa associação a partir das palavras de Cristo: “Desejei muito

comer convosco esta páscoa, antes que padeça” (Lc 22:15). Em seguida, Jesus

parte o pão e compartilha o vinho e os associa à sua paixão. Ele se entregaria

como cordeiro sacrificial. J. Galot fala sobre este cordeiro sacrificial.

Na refeição pascal em que vai instituir a Eucaristia, ele é o verdadeiro cordeiro

imolado dado em alimento [...]. Um Messias humilde, em quem se traduziria a

mansidão do cordeiro, e um Messias disposto a deixar-se imolar como cordeiro

14

O estudo dos diversos aspectos da Eucaristia que o BEM descreve pode ser complementado com

a seguinte pesquisa: RUIZ DE GOPEGUI, J.A. A. Eukharistia. Verdade e caminho da Igreja. São

Paulo: Loyola, 2008, p. 261-287.

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para purificar o mundo do pecado [...]. Jesus sabia que este era seu destino, e

desejava assumir o papel de cordeiro de Deus [...]. Para que é Deus, o dar-se aos

homens como alimento e bebida, o deixar-se comer e beber, é um ato de

generosidade que requer, ao mesmo tempo, a humildade a disponibilidade mais

radicais.15

Este gesto de Jesus não é um gesto isolado, mas profundamente ligado ao

antes e depois de sua existência pascal, conforme se pode verificar na experiência

dos discípulos no caminho de Emaús. A identidade messiânica de Jesus encontra-

se impressa na ação de partir o pão. Na Eucaristia, Jesus marca os corações de

seus discípulos e lhes traz à memória de maneira imediata a realidade de sua

presença viva. Através de suas dimensões, a Eucaristia revela aos fiéis a

profundidade de sua significância, complementando-se e envolvendo cada crente

nesta celebração através de sua reponsabilidade com a Igreja, evocada desde a

ação de graças ao Pai à comunhão dos fiéis. Do início ao fim, a Igreja reunida

relembra e reassume o compromisso firmado pelo cálice da nova Aliança, de

comunitariamente agradecer e servir a Deus e ao mundo. Ser Igreja e participar da

Eucaristia é proclamar ao mundo a instituição do Reino de Cristo, que se encontra

aberto a todos pelo convite do próprio Pai à sua mesa16

.

As refeições que Jesus partilhou durante o seu ministério terrestre, e das quais

temos notícia, proclamam e representam a proximidade do Reino: a multiplicação

dos pães é disso um sinal. Quando da sua última refeição, a comunhão do Reino

foi posta em relação com a perspectiva dos sofrimentos de Jesus. Depois da sua

ressurreição, o Senhor manifestou a sua presença e deu-se a conhecer aos seus

discípulos no partir do pão. A eucaristia encontra-se, assim, na linha de

continuidade dessas refeições de Jesus durante a sua vida terrestre e depois da sua

ressurreição, como sinais contínuos do Reino.17

Pela Eucaristia, é possível ver-se novamente em contato com aquela

realidade da salvação pascal do povo de Israel no Egito, que é o evento fundante

da tradição judaica e que é celebrada anualmente em ação de graças pela

libertação que o Senhor operou em favor do seu povo. O teólogo G. Vos, fala

sobre este contato de atualização do evento pascal do Primeiro Testamento pela

15

GALOT, J. O coração eucarístico. Loyola: São Paulo, 1986, p. 50. 16

A respeito das refeições de Jesus durante o seu ministério público e a sua intenção de celebrar a

última Ceia com seus discípulos, conferir: BOFF, Lina. “A intenção de Jesus ao fazer a última

Ceia. In. BOFF, Lina (org.). A ceia do Senhor nos une e nos reúne. Juiz de Fora: Oikos, 2013, p.

11-40. 17

BEM, n. 1.

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prática eucarística. O que antes era tipificação, hoje, pelo evento pascal em Cristo,

tornou-se realidade conquistada e comemorada pela obra redentora. Obra esta, que

a Igreja, noiva de Cristo, encontra-se na espera da realização plena.

O povo de Deus do Antigo Testamento tinha de tipificar em sua vida os

desenvolvimentos futuros da redenção. A igreja do Novo Testamento não tinha

que desempenhar tal função típica, porque os tipos haviam sido cumpridos. Mas

ela tem um grande evento histórico para comemorar: a realização da obra por

Cristo.18

Sempre que a Igreja celebra a ordenança da Ceia está proclamando a obra

salvífica do Senhor Jesus em prol de seus irmãos. Esse culto não é uma mera

repetição ou reconstrução do acontecimento pascal, mas é uma proclamação da

presença sempre viva e atual de Cristo. Por conseguinte, a Ceia celebrada pelos

cristãos é a máxima expressão da morte e ressurreição de Cristo, memorial

profetizado pela ceia pascal do Primeiro Testamento19

. Cristo é o cordeiro

imolado por muitos. Com sua morte e ressurreição, Jesus traz o livramento da

morte eterna e da servidão do pecado. É o sacrifício perfeito e definitivo, onde as

promessas de Deus se cumprem plenamente, gerando a reconciliação do homem

com o Pai, destruindo de vez a separação que o pecado tinha gerado no Éden.

Os cristãos consideram que a eucaristia é prefigurada pelo memorial do

livramento, na Páscoa de Israel, libertação do país, da servidão; e pela refeição da

Aliança no monte Sinai (Ex 24). Ela é a nova refeição pascal da Igreja, a refeição

da Nova Aliança que Cristo deu aos seus discípulos como memorial (anamnesis)

da sua morte e da sua ressurreição, como a antecipação do banquete do Cordeiro

(Ap 19,9); Cristo ordenou aos seus discípulos que fizessem memória dele,

encontrando-o, assim, nesta refeição sacramental, como povo de Deus peregrino,

até à sua volta.20

O BEM chama a Eucaristia de refeição litúrgico-sacramental. É refeição

litúrgica porque Jesus se utilizou de palavras e gestos simbólicos; e sacramental

18

VOS, G. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 176-

177. 19

Acerca da dinâmica sacramental da páscoa hebraica, conferir: RATZINGER, J. Introdução ao

espírito da liturgia. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 29-31; GIRAUDO, C. Admiração eucarística.

Par uma mistagogia da missa à luz da encíclica Ecclesia de Eucharistia. São Paulo: Loyola, 2008,

p. 17-58; AA.VV. A eucaristia na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1981, p. 7-19.

No que se refere à passagem da compreensão da celebração pascal hebraica àquela

neotestamentária indicamos a seguinte obra: MARSILI S. “Teologia da celebração da Eucarstia”.

In. AA.VV. A Eucaristia. Teologia e história da salvação. V. 3. São Paulo, Paulinas, 1987, p.

137-158. 20

BEM, n. 1.

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porque, através de sinais visíveis, nos comunica o amor de Deus em Jesus Cristo,

amor de entrega total e até o fim. “Partir e partilhar: é precisamente a partilha que

cria comunhão. Esse gesto humano primordial de dar, de partilhar e unir, obtém,

na Última Ceia de Jesus, uma profundidade inteiramente nova: Ele dá-Se a Si

mesmo21

”. Entrega que gera relacionamento. A Eucaristia é o convite, iniciado em

Deus, para aqueles que desejam relacionar-se com ele. Sua entrega total em amor

não leva em conta a dignidade do homem, mas dá-se por perceber a necessidade

do homem que precisa de Deus. “Na antiga aliança, o derramamento de sangue de

animais significava o sacrifício tipológico pelos pecados do povo. A ceia

constitui-se, agora, em sinal da nova aliança, celebrando a morte expiatória e a

redenção que há em Cristo22

”.

A última refeição celebrada por Jesus foi uma refeição litúrgica que utilizava

palavras e gestos simbólicos. Consequentemente, a eucaristia é uma refeição

sacramental que, através de sinais visíveis, nos comunica o amor de Deus em

Jesus Cristo, o amor com que Jesus amou os seus, até ao fim‟ (Jo 13,1).23

Nos cultos protestantes o ato central da reunião cristã é a proclamação da

Palavra, no entanto esta celebração traz em si, através das dimensões eucarísticas,

a missão completa da Igreja. Neste sentido ela realmente pode ser vista como o

ato central do Culto cristão. A proclamação de Cristo morto, mas ressuscitado, a

comunhão da Igreja como Corpo de Cristo, seu serviço ao Reino e aos homens, no

mundo e dentro da Igreja e a esperança no futuro prometido por Deus com o

regresso de Cristo, além do culto em gratidão a Deus, são resumidos nesta

celebração.

Independentemente do nome, a Eucaristia representa uma relação de

intimidade entre Deus e seu povo e entre a própria Igreja. Refeição sempre

significou relacionamento e este é o convite feito pelo Senhor, “venham à minha

mesa”. Embora muitos tenham sido os nomes dados à Ceia –“refeição do Senhor”,

“partir do pão”, “santa Ceia”, “santa comunhão”, “divina liturgia, “missa – o que importa

21

RATZINGER, J. Jesus de Nazaré: Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo:

Planeta, 2011, p. 122-123. 22

FERREIRA F; MYATT, A. Teologia sistemática: uma análise bíblica, histórica e apologética

para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 954. 23

BEM, n. 1.

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aqui registrar é que essa celebração sempre foi considerada o ato central do culto da

Igreja24

.

A Ceia tem sempre uma conotação de encontro com o Senhor. Fruto de

uma entrega total, a Ceia é um contínuo convite aos fiéis a viver uma união com

seu Senhor, conseqüência natural da aliança que ele mesmo contraiu com os seus

por meio de seu sangue. A entrega total de Cristo ao Pai e aos seus exige dos

cristãos uma fidelidade profunda, uma entrega também “sacrifical”. Tanto que, no

momento do Culto, aos fiéis se exorta a se examinarem antes de participarem

desta comunhão; devem fazê-lo tomando consciência de seus pecados e da

necessidade do arrependimento, buscando o favor de Deus para perdão de seus

pecados. “Estes pecadores mostram uma grande timidez diante dos homens, mas,

diante de Deus, não têm vergonha nenhuma e profanam, com as mãos e as bocas

manchadas, o altar sagrado, que é temível mesmo para os santos e os Anjos25

”.

A união ao Senhor, na Ceia, é, pois, uma realidade de ordem religiosa duma

importância primordial. Aí temos um contato real, físico mesmo, poder-se-ia

dizer, com o corpo e o sangue do Senhor; [...] como o Deus do Antigo

Testamento, nosso Senhor exige nossa fidelidade absoluta, chegando a castigar-

nos se abusarmos de seu dom.26

Os fiéis são chamados à comunhão com Cristo participando de seu corpo,

de seu sacrifício e de seus sofrimentos; a partir daí ele os renova e assegura-lhes a

remissão dos pecados e a garantia da vida eterna. O fiel, ao participar da

Eucaristia, recebe o próprio Cristo, pela fé, através das espécies, e torna-se

participante dos benefícios e efeitos de sua morte vicária. A Eucaristia não é uma

invenção humana, ou somente um ritual. Cristo ofereceu-se e ela simboliza esta

entrega voluntária. C. Hodge, sobre essa questão, afirma que a “fé daqueles que

querem participar de forma aceitável na Ceia do Senhor não é somente a fé em

24

Cf. BEM, n. 1. Indicamos os seguintes estudos sobre os nomes da eucaristia ao longo dos

séculos: ALDAZÁBAL, J. A eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 173-175; VISENTIN, P.

“Eucaristia”. In: SARTORE, D. - TRIACCA, A. M. (orgs.), Dicionário de liturgia. São Paulo:

Paulus, 1992, p. 398. 25

PACIANO DE BARCELONA, “Exortação à Penitência n. 2”. In: CORDEIRO, J. L. (org.),

Antologia litúrgica. Textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro milénio. 2 ed. Fátima:

Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p. 582 (Por compilar as principais obras dos Santos

Padres relativas a temas litúrgicos, este volume será muito importante em nosso trabalho.

Passaremos a usar a sigla “AL” para indicá-lo após a menção do autor e da obra patrística

consultados). 26

CERFAUX, L. O cristão na teologia de Paulo. Santo André - São Paulo: Academia Cristã -

Paulus, 2012, p. 347

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Cristo, mas também no próprio sacramento [...]. É um meio, ordenado por Deus,

para simbolizar, selar e comunicar Cristo e os benefícios de Sua redenção para os

crentes27

”.

A eucaristia é essencialmente o sacramento do dom que Deus nos faz em Cristo,

pelo poder do Espírito Santo. Cada cristão recebe este dom da salvação pela

comunhão no corpo e no sangue de Cristo [...]. Segundo a promessa de Cristo,

cada batizado, membro do corpo de Cristo, recebe na eucaristia a segurança da

remissão dos pecados (Mt 26.28) e a garantia da vida eterna (Jo 6.51-58).28

2.2.2 A Eucaristia como ação de graças ao Pai

O primeiro aspecto a ser considerado aqui é o da Eucaristia como ação de

graças ao Pai, tratado nos números três e quatro do Documento de Lima. Baseado

na tradição hebraica da berakah29

, o Documento reconhece a Eucaristia como um

sinal sagrado finalizado à glória do Pai; e é por meio dele que os cristãos dão

graças ao Pai que os regenerou em Cristo. Por ser palavra e sacramento, a

Eucaristia é celebração e proclamação da obra de Deus, pois é o reconhecimento

da Igreja por tudo o que Deus fez e faz por seu povo escolhido. Da criação à

redenção, a Igreja proclama ao mundo, com gratidão, todos os benefícios que

Deus faz por seu povo. Nota-se na Escritura o carinhoso cuidado de Deus Pai em

prover todo o necessário para a vida de seus filhos, mostrando como máxima

expressão a doação de seu próprio Filho em doação a fim de que todos os homens

tivessem uma vida plena. Reconhecendo tudo isso, a Igreja celebra em forma de

ação de graças esse cuidado de Deus, patente em toda a história da salvação30

.

Sobre isso declara o Documento de Lima:

27

HODGE, C. Teología Sistemática. V. 2. Barcelona: Editorial CLIE, 1991, p. 557. 28

BEM, n. 2. 29

Cf. MICK, L. E. Para entender os Sacramentos. Loyola: São Paulo, 2008, p. 56: “A palavra

berakah significa “bênção” e aparece sob duas formas. Na Berakah informal se recita a bênção

(louvores e agradecimentos) a Deus usando uma fórmula de invocação padronizada (por exemplo,

“bendito sois Senhor, Deus da criação). A berakah formal começa da mesma maneira, mas o

motivo visa a abranger toda a história da salvação. As intercessões são acrescentadas para que

Deus continue a nos abençoar, e a oração conclui com uma doxologia final que bendiz a Deus. A

oração Eucarística tem uma estrutura bastante semelhante à berakah formal: começa com uma

invocação inicial padronizada de louvor e ação de graças (“demos graças a Deus nosso Senhor”);

lembra então as obras maravilhosas de Deus, especialmente em Jesus; a seguir oferecemos nossos

pedidos e concluímos com a doxologia (“por ele, com ele, nele...”)”. 30

Somente se pode compreender em profundidade o sacramento da Eucaristia no contexto das

obras maravilhosas realizadas por Deus em favor de seu povo ao longo da historia salutis: “A

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A eucaristia, que contém sempre simultaneamente palavra e sacramento, é uma

proclamação e uma celebração da obra de Deus. A eucaristia é a grande ação de

graças ao Pai por tudo o que ele cumpriu na criação, na redenção e na

santificação, por tudo o que ele cumpre agora na Igreja e no mundo, não obstante

o pecado dos seres humanos, por tudo o que ele cumprirá conduzindo o seu Reino

até à plenitude. Deste modo, a eucaristia é a benção (berakah) pela qual a Igreja

exprime o seu reconhecimento para com Deus por todos os favores31

Discorrendo sobre essa questão, afirma H. Bavink que “o ato de abençoar

não significa que Cristo está pedindo a Deus sua bênção sobre o pão e o vinho.

Em vez disso, a alternação com “eucharistésas” (“tendo dado graças”) prova que

Jesus abençoa Deus, isto é, louva e agradece a Deus pelas dádivas concedidas32

”.

Dádivas estas relacionadas à criação, representadas pelo pão e pelo vinho.

Nós te bendizemos (agradecemos), Pai santo, por teu santo nome, que tu fizeste

habitar em nossos corações, e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos

revelaste por Jesus, teu servo; a ti, glória pelos séculos. Amém. [...]; mas a nós

deste uma comida e uma bebida espirituais para a vida eterna por Jesus, teu

servo.33

O BEM declara que a Eucaristia é o grande sacrifício de louvor pelo qual

a Igreja fala em nome de toda a criação. Por essa razão os que dela participam

devem tornar-se oferta de louvor ao Criador, pois são reconciliados com Deus

através dos sinais do pão e do vinho, dos fiéis reunidos e das suas orações por

toda a humanidade.

eucaristia pertence ao contexto da economia bíblica. E é nesse contexto que se torna inteligível no

plano tipológico e no plano do mistério salvífico que expressa e opera no tempo atual. Ela não

constitui uma “maravilha de Deus” isolada e sem qualquer referência ao passado: ao contrário,

insere-se no ponto de convergência de diversos temas bíblicos, entre os quais, especialmente, a

“páscoa”, a “aliança”, o “sacrifício”, o “banquete” e a “habitação”, cinco temas estreitamente

ligados entre si e que, no seu conjunto, formam como que o contexto hermenêutico próprio do

mistério eucarístico, único contexto no qual se toma compreensível, inclusive no nível teológico –

cf. ROCCHETTA, C. Os sacramentos da fé. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 292. A oração cristã é

essencialmente louvor e ação de graças: cf. AUGÉ, M. A oração: um mistério a revelar. São

Paulo: Ave Maria, 1995, p. 38-41; DEISS, L. A ceia do Senhor. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 55-

75. Toda vez que celebra o sacramento da Eucaristia, a Igreja agradece e bendiz a Deus em nome

de toda a criação. Dessa forma, o criado é reconhecido como um grande “sacramento” – cf. BOFF,

L. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 9-15;

ZIZIOULAS. I. A criação como eucaristia. Proposta teológica ao problema da ecologia. São

Paulo: Mundo e Missão, 2001, p. 79-96. 31

BEM, n. 3. 32

BAVINCK, H. Dogmática reformada-Espírito Santo, Igreja e nova criação. V. 4. São Paulo:

Cultura Cristã, 2012, p. 582. 33

DIDAQUÉ: O catecismo dos primeiros cristãos. n. 10. Petrópolis: Vozes, 2012.

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Daqui se conclui com segurança que toda esta cidade resgatada, isto é, a

assembleia e a sociedade dos santos, é oferecida a Deus com o um sacrifício

universal pelo Magno Sacerdote que, para de nós fazer o corpo de uma tal cabeça,

a si mesmo se ofereceu por nós na sua paixão sob a forma de escravo. Foi,

efetivamente, esta a forma que Ele ofereceu, foi nela que Ele se ofereceu, porque

é graças a ela que Ele é mediador, é nela que é sacerdote, é nela que é sacrifício.

Por isso nos exortou o Apóstolo a que ofereçam os nossos corpos como hóstia

viva, santa, agradável a Deus, como homenagem racional; a não nos amoldarmos

a este século, mas a irmo-nos transformando com a nova mentalidade; e — para

mostrar-nos qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe é agradável, o que é

perfeito, porque o sacrifício na sua totalidade somos nós próprios. Tal é o

sacrifício dos cristãos muitos somos um só corpo em Cristo. E este sacrifício a

Igreja não cessa de reproduzir no Sacramento do altar bem conhecido dos fiéis:

nele se mostra que ela própria é oferecida no que oferece.34

No entanto esta iniciativa é de Deus. Por meio dos elementos do pão e do

vinho Cristo une os participantes da Eucaristia à sua pessoa; as orações deles à sua

própria intercessão, transfigurando os crentes e fazendo com que suas orações

sejam aceitas. Cristo é o centro da eucaristia. Ele é o sacrifício e o Sumo sacerdote

que preside o culto prestado a Deus, como está escrito na Epístola aos Hebreus:

De tanto melhor aliança Jesus foi feito fiador. E, na verdade, aqueles foram feitos

sacerdotes em grande número, porque pela morte foram impedidos de

permanecer, Mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio

perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a

Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Porque nos convinha tal sumo

sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais

sublime do que os céus; Que não necessitasse, como os sumos sacerdotes, de

oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois

pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mesmo.35

Cristo, o Sumo Sacerdote, intercede pelos fiéis através do próprio

sacrifício. Aquele que oficia é também oferta pelo seu Corpo, a saber, a Igreja,

que se torna alvo deste sacrifício redentor, único e suficiente como resgate de um

povo eleito. O Documento de Lima deixa claro que a Eucaristia é o grande

sacrifício de louvor e gratidão pela reconciliação em Cristo através de sua carne e

seu sangue. Em suas orações, os fiéis têm um único caminho, Jesus, sobre quem

34

AGOSTINHO. Cidade de Deus. Vol II. Fundação Calouste Gulbenkian, Liboa: 2000. p. 900-

901. 35

Hb 7:22-27.

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são transformados e tem suas orações recebidas pelo Pai, oferecendo-se a si

mesmo.

A Eucaristia é o grande sacrifício de louvor, pelo qual a Igreja fala em nome de

toda a criação. Com efeito, o mundo que Deus reconciliou com ele mesmo está

presente em cada eucaristia: no pão e no vinho, na pessoa dos fiéis e nas orações

que eles oferecem por eles próprios e por todos os humanos. Cristo une os fiéis à

sua pessoa e as orações deles à sua própria intercessão, de modo que os fiéis são

transfigurados e as suas orações aceitas. Este sacrifício de louvor só é possível

por Cristo, com ele e nele. O pão e o vinho, frutos da terra e do trabalho dos

homens, são apresentados ao Pai na fé e na ação de graças. Deste modo, a

eucaristia revela ao mundo aquilo em que ele se deve tornar: uma oferta e um

louvor ao Criador, uma comunhão universal no Corpo de Cristo, um reino de

justiça, de amor e de paz no Espírito Santo36

O memorial eucarístico se une a toda a criação a fim de proclamar a

bondade de Deus em favor de tudo o que ele fez: tudo “muito bom” (cf. Gn 1:31).

Esse eco transparece no culto cristão, em cada Igreja e em tudo o que “vive e

respira” (cf. Sl 150:6). Tudo se torna responsável por proclamar, em forma de

ação de graças, o louvor que deve ser tributado a Deus.

2.2.3 A Eucaristia como “anamnese” ou memorial de Cristo

O terceiro aspecto que propomos à luz do Documento de Lima é o da

Eucaristia como “anamnese” ou memorial de Cristo. Ele é tratado no Documento

nos números de cinco a treze.

A Eucaristia, segundo o nosso texto, é um memorial do Cristo crucificado

e ressuscitado. É uma recordação perene feita pelo povo de Deus sempre que se

reúne para a liturgia. É a celebração-memorial da nova Aliança inaugurada por

Cristo no evento pascal. J. Paulo II descreve esta verdade com palavras precisas.

Para que esta presença seja anunciada e vivida adequadamente, não é suficiente

que os discípulos de Cristo rezem individualmente e recordem interiormente, no

segredo do coração, a morte e a ressurreição de Cristo. [...]. Por isso, é importante

que se reúnam, para exprimir em plenitude a própria identidade da Igreja, [...],

quando os cristãos se reúnem: [...] dão ao mundo o testemunho de serem o povo

dos redimidos, formado por “homens de toda a tribo, língua, povo e nação (Ap

5.9)”37

36

BEM, n. 4. 37

JOÃO PAULO II, Carta Apostólica “Dies Domini”. São Paulo: Paulinas, 2009, n. 31.

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Este testemunho acontece autenticamente quando a congregação se reúne

– sinal vivo e eficaz da páscoa de Cristo. É na assembleia cultual que se expressa

verdadeiramente esta nova Aliança. Este aspecto é bíblico e traz para o “hoje” o

sacrifício eficaz realizado na cruz, que é reafirmado sempre que os cristãos se

reúnem para celebrar a Eucaristia. Todas as vezes que a Igreja se reúne e

proclama, através da Eucaristia, a morte e ressurreição de Cristo38

, pela fé e pelo

poder do Espírito Santo, ela vive a sua vocação de “fazer memória”.

Os judeus, quando celebravam a refeição pascal, não faziam apenas uma

lembrança histórica do evento da páscoa, mas tinham consciência de que aquele

fato histórico se atualizava na medida em que dele faziam memória. Na “refeição

pascal (Dt 16:3) acreditava-se que os acontecimentos passados voltavam à vida no

presente39

”.

Por meio da celebração memorial o cristão é chamado a tomar parte no

sacrifício pascal do Salvador e vivenciar de forma atual os efeitos do sacrifício de

Cristo na cruz. A Igreja, ao celebrar a Ceia do Senhor, “dá testemunho do grande

ato histórico da redenção em que se fundamenta (1Co 11:24-26) e prova, de novo,

pela fé, os benefícios desse sacrifício santo40

”.

A Eucaristia é o memorial de Cristo crucificado e ressuscitado, isto é, o sinal vivo

e eficaz do seu sacrifício, cumprido uma vez por todas sobre a cruz, e

continuamente agindo a favor de toda a humanidade. A concepção bíblica do

memorial aplicada à eucaristia exprime esta eficácia atual da obra de Deus

quando ela é celebrada pelo seu povo sob a forma de liturgia41

O próprio Cristo se faz presente no memorial da Ceia, e isto é visível

através de todo seu envolvimento com a história do homem. Da encarnação ao

envio do Espírito Santo, Jesus se faz presente na eucaristia, pois toda ela aponta

38

A respeito da dimensão da eucaristia como sacrifício, conferir: PADOIN, G. O pão que eu

darei. Sacramento da eucaristia. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 231-257; AUGÉ. M.

Espiritualidade litúrgica. “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo santo, agradável a Deus”.

São Paulo: Ave Maria, 2002, p. 131-139. D. BOROBIO afirma que a eucaristia é memorial do

sacrifício de Cristo - cf. BOROBIO, D. Celebrar para viver. Liturgia e sacramentos da Igreja. São

Paulo: Loyola, 2009, p. 268-269. 39

HINSON, E. G. “A Ceia do Senhor na história da igreja primitiva”. In: HINSON, E. G. e

SIEPIERSKI, P. Vozes do cristianismo primitivo, p. 53-56. 40

FERREIRA F; MYATT, A. op. cit., p. 985. 41

BEM, n. 5.

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para Jesus de maneira total. Se o pão representa a carne do Senhor e o vinho o seu

sangue, pode-se perceber sua encarnação e, com ela, tudo o que a sucedeu.

Estando ele ressuscitado, sua oração e ação é eficaz ainda hoje. “À medida que

recebemos os elementos do pão e do vinho na presença de Cristo, assim

participamos dele e de todos os seus benefícios [...]. Certamente há uma presença

simbólica de Cristo, mas ela é também uma presença espiritual genuína e há

bênção espiritual genuína nessa cerimônia42

”.

O próprio Cristo, com tudo que ele cumpriu por nós e pela criação inteira (na sua

encarnação, condição de servo, ministério, ensino, sofrimento, sacrifício,

ressurreição, ascensão e envio do Espírito Santo) está presente neste memorial:

ele concede-nos a comunhão com ele. A eucaristia é, deste modo, a antecipação

da sua volta e do Reino eterno43

Neste caso em que Cristo se faz totalmente envolvido e presente na

Eucaristia, é necessário perceber que ela não é uma simples lembrança do

sacrifício, não é algo passivo, mas ativo. Ao fiel cabe se apropriar dos benefícios

da morte de Cristo por sua fé, não apenas esperando que algo aconteça sem a

exigência de uma ação pessoal. A decisão do apropriar-se e relacionar-se com

Cristo e os efeitos desta entrega de amor é do fiel. Cristo encontra-se presente na

Eucaristia através de seu Espírito; ele deseja relacionar-se com seu corpo em

intimidade e doação; ao fiel cabe se posicionar de maneira ativa, exercitando sua

fé. “Portanto, definitivamente, não é por um comer literal, mas, pela fé, que os

seres humanos se tornam participantes da vida eterna e recebem a esperança da

ressurreição. O Espírito Santo, que habita nos crentes, é o penhor mais seguro da

ressurreição do corpo e do dia da redenção (Rm 8:11; Ef 1:13-14; 4:30)44

”.

Ele [Cristo] quis deixar à Igreja, sua esposa bem-amada, um sacrifício visível

(como o exige a natureza humana), em que fosse representado o sacrifício cruento

que ia realizar uma vez por todas na cruz, perpetuando a sua memória até ao fim

dos séculos e aplicando a sua eficácia salvífica à remissão dos pecados que nós

cometemos cada dia”.45

42

GRUDEM, W. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da fé cristã. São

Paulo: Vida, 2001, p. 433. 43

BEM, n. 6. 44

BAVINCK, H. Dogmática reformada-Espírito Santo, Igreja e nova criação. V. 4. São Paulo:

Cultura Cristã, 2012, p. 586. 45

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas – Loyola -

Ave-Maria, 1993. n. 1366

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O sacrifício pela Noiva é o sacrifício eficaz para remissão de pecados. É

eficaz porque o Senhor da Glória derramou sua vida através da entrega na cruz.

Seu sangue derramado cobriu como um manto sua amada Igreja em um abraço de

amor eterno e contínuo, pois, sem derramamento de sangue, não há remissão de

pecados (Hb 9:22). É um ato proclamativo que a Igreja precisa sempre realizar.

Como dito antes, é uma declaração da reconciliação de Deus com os homens e

esse não foi um ato momentâneo, mas uma ação eficaz em um hoje “kairótico”.

Este memorial representa aquele sacrifício eficaz pelos pecados do mundo e

antecipa46

a promessa do retorno de Cristo para, como Igreja, os fiéis participarem

desta celebração junto ao Senhor em seu Reino eterno. É um olhar para a eficácia

do ato já realizado que aponta para o futuro.

O memorial, onde Cristo age através da celebração jubilosa da sua Igreja é, pois,

simultaneamente representação e antecipação. O memorial não é somente uma

lembrança do passado ou da sua significação; é a proclamação eficaz feita pela

Igreja da grande obra de Deus e das suas promessas.47

Na união com o Senhor, pela Eucaristia, numa permanente berakah48

, é

possível conhecer a face do Cristo orante ao Pai; unidos a ele os cristãos dão

testemunho de que foram libertos da morte e declaram, na esperança, serem

chamados a tomar parte na liturgia eterna das bodas do Cordeiro.

O memorial, como representação e antecipação, cumpre-se sob a forma de ação

de graças e intercessão. Proclamando diante de Deus, na ação de graças, a grande

obra de redenção, a Igreja intercede junto dele para que ele conceda a todos os

seres os benefícios desta libertação. Nesta ação de graças e intercessão, a Igreja

está unida com o Filho, seu Sumo Sacerdote e seu Intercessor (Rm 8,34; Hb

7,25).49

46

Mais do que “representação”, as pesquisas hodiernas preferem falar de “reapresentação”

sacramental do memorial de Cristo. A esse respeito conferir: GIRAUDO, C. Num só corpo.

Tratado mistagógico sobre eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003, p. 508-521. Sobre o tema do

memorial indicamos ainda: D’ANNIBALE, M.A. “Eucaristia”. In: CONFERÊNCIA EPISCOPAL

LATINO-AMERICANO. Manual de liturgia. V. 3. A celebração do mistério pascal. Os

sacramentos: sinais do mistério pascal. São Paulo, Paulus: 2005, p. 174-178. 47

BEM, n. 7. 48

No que se refere à influência da oração de berakah judaica na liturgia cristã (em particular na

Eucaristia), conferir: Di SANTE, C. Liturgia judaica. Fontes, estrutura, orações e festas. São

Paulo: Paulus, 2004, p. 21-29; PORTO, H. Liturgia judaica e liturgia cristã. São Paulo: Paulinas,

1977 p. 169-174 49

BEM, n. 8.

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Essa espera pelas Bodas do Cordeiro é também um exercício do desejo.

Sempre que nos reunimos em assembleia para celebrar a Eucaristia, em nós se

reacende o anseio pelo retorno do Cristo-Esposo. A Igreja, reunida em oração para

celebrar o memorial eucarístico, protende-se ao seu Noivo; àquele que há de vir

buscá-la para a comunhão eterna. De forma sempre nova e dinâmica, essa

expectativa é gerada, em antecipação, cada vez que os crentes se reúnem para a

refeição anamnética.

Ao reunir os seus filhos na assembleia eucarística e educá-los para a expectativa

do “Esposo divino”, ela realiza uma espécie de “exercício do desejo”, no qual

saboreia antecipadamente a alegria dos novos céus e da nova terra, quando a

cidade santa, a nova Jerusalém, descer do céu, de junto de Deus, “bela como uma

esposa que se ataviou para o seu esposo” (Ap 21,2).50

Continuando a sua abordagem sobre o tema anamnético, o BEM reconhece

que o memorial de Cristo realizado na reunião cristã é o fundamento e, ao mesmo

tempo, a fonte da oração cristã. “A nossa oração apoia-se na intercessão contínua

do Senhor ressuscitado, está unida a esta intercessão. Na Eucaristia, Cristo dá-nos

a força para vivermos com ele, sofrermos com ele e orarmos por intermédio dele,

como pecadores justificados que cumprem livre e alegremente a sua vontade”51

.

Celebrando o memorial de Cristo, a Igreja torna-se um sacrifício vivo a

Deus e sua existência se transforma num culto espiritual em benefício da

reconciliação do mundo52

, conforme tão bem nos atesta as divinas Escrituras: “Em

Cristo oferecemo-nos a nós mesmos em sacrifício vivo e santo em toda a nossa

vida quotidiana (Rm 12,1; 1Pd 2,5); este culto espiritual agradável a Deus

alimenta-se na eucaristia, onde somos santificados e reconciliados no amor, para

sermos servidores da reconciliação no mundo”.53

Por missão recebida, a Igreja tem a responsabilidade de proclamar em suas

palavras e em seus gestos a identidade eucarística de Cristo e do mundo –

chamado a se transfigurar em “eucaristia”. Isso ela expressa, sobretudo nos seus

50

JOÃO PAULO II, Carta Apostólica “Dies Domini”, n. 37. 51

BEM, n. 9. 52

Este tema é objeto de interesse da seguinte obra: AUGÉ, M. Espiritualidade litúrgica. “Oferecei

vossos corpos em sacrifício vivo santo, agradável a Deus”. São Paulo: Ave Maria, 2002. 53

BEM, n. 10.

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gestos de compartilhar. A Igreja de Cristo tem a incumbência de manifestar o seu

amor a todos os homens através da partilha e da reconciliação a fim de concretizar

o desejo do Salvador: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12:31).

Exatamente como fez Jesus, que, embora sabendo que sua vida lhe seria tirada na

cruz, optou por oferecê-la por si mesmo. “Transforma a sua morte violenta num

ato livre de autodoação aos outros e pelos outros54

”. Jesus segue o próprio ensino

quando fala aos que queriam segui-lo (cf. Lc 9:23). Negar a si mesmo é algo que

Jesus fez desde o momento em que aceitou abrir mão de toda sua glória a fim de

assumir a forma de servo (cf. Fp 2,6-11). Com efeito, ele não veio para ser

servido, mas veio para servir e dar sua vida em resgate de muitos (cf. Mt 20:28).

Jesus, existência partilhada e doada, torna-se pão partido para a salvação

de todos. É disso que a celebração da Ceia faz memória. Em outros termos, ao nos

reunirmos para fazer o memorial de Cristo, temos como objetivo realizar o gesto

sacramental da “fração do pão”, sinal do Corpo do Senhor. Sobre isso nos fala

G.Boselli:

Em formas diversas, o gesto eucarístico da “fração do pão”, realizado por Jesus

mesmo, a fórmula paulina “todos participamos desse único pão” (1 Cor 10,17) e o

nome Klásma, dado pela Didaqué à Eucaristia, fazem da partilha do pão a

realidade central da Eucaristia. É como partido e compartilhado (relação) e não só

como pão (substância) que o pão eucarístico realiza plenamente sua essência de

pão e sua verdade eucarística.55

A Eucaristia é a Ceia da nova aliança, onde todos os que creem se unem

aos que creram, a todos que hoje já não se encontram neste mundo, pois todos

foram selados pelo sangue de Cristo e assim, unidos a Ele se tornam um “Unidos

a nosso Senhor e em comunhão com todos os santos e mártires, somos renovados

na aliança selada pelo sangue de Cristo”56

.

A Eucaristia é celebrada em virtude do mandato do Senhor (“Fazei isto em

memória de mim” - Lc 22:19). Isso significa que é pela força da Palavra de Cristo

que tem lugar o acontecimento eucarístico; em obediência a essa Palavra é que a

Igreja celebra o memorial do Senhor. Portanto, Eucaristia e Palavra se constituem

54

RATZINGER, J. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a ressurreição. São Paulo:

Planeta, 2011, p. 124. 55

BOSELI, G. O sentido espiritual da liturgia. Edições CNBB: Brasília, 2014, p. 165-166. 56

BEM, n. 11.

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num binômio indissociável57

. A Eucaristia é o cumprimento da Palavra do Senhor.

A Palavra do Senhor, por sua vez, torna possível a Eucaristia.

Além do mais, toda vez que os crentes se reúnem para celebrar a Ceia do

Senhor em obediência à sua Palavra, eles se tornam uma comunidade que anuncia

e proclama as maravilhas realizadas no “ontem” e no “hoje” da salvação. A

“igreja é vista como uma comunidade querigmática que proclama as boas novas

daquilo que Deus fez pela humanidade em Cristo e que se forma onde quer que a

palavra de Deus seja pregada com fidelidade e seja aceita58

”. O anúncio da obra

de Cristo pela Eucaristia dá-se na celebração; nela, a Igreja participa, por meio de

sua Palavra e dos elementos eucarísticos, da obra pascal do Salvador. Ali está

presente uma Igreja que se sente e age eucaristicamente, uma vez que proclama

com seus atos a mensagem da Palavra. “Visto a anamnese de Cristo ser o verdadeiro

conteúdo da Palavra proclamada, bem como a essência da refeição eucarística, uma

reforça a outra. A celebração da eucaristia implica normalmente a proclamação da

Palavra”59

.

A Exortação Apostólica Verbum Domini procura mostrar a íntima relação que

existe entre Eucaristia e Palavra. A relação entre estas duas realidades é

fundamental, pois a primeira dá testemunho da segunda; esta, por sua vez, é força

eficaz que torna possível a primeira.

Quanto foi dito de modo geral a respeito da relação entre Palavra e Sacramentos,

ganha maior profundidade aplicado à celebração eucarística. Aliás a unidade

íntima entre Palavra e Eucaristia está radicada no testemunho da Escritura

57

A palavra e o rito na unidade orgânica da celebração eucarística: MAGRASSI, M. Viver a

Palavra. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 86-112.

“O Concílio Vaticano II, o magistério dos Sumos Pontífices, os vários Documentos promulgados

depois do mesmo Concílio por diversas Congregações da Santa Sé apontaram muitos aspectos

sobre o valor a Palavra de Deus e sobre a restauração do uso da Sagrada Escritura em toda

celebração litúrgica” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA OS SACRAMENTOS E O CULTO

DIVINO. A Palavra de Deus na Missa (Ordo Lectionum Missae), São Paulo, Paulinas, 1985, n. 1.

Conferir ainda: BECKHAUSER, A. (org.). Instrução geral sobre o Missal Romano. Petrópolis:

Vozes, 2014, n. 29. É importante que se aqui se saliente que na celebração da eucaristia a “mesa da

Palavra” (Liturgia da Palavra) e a “mesa da Eucaristia” (Liturgia Eucarística) foram unidas e

integradas a ponto de formarem um só ato de culto, conforme tão bem nos recorda o Concílio

Vaticano II - cf. CONCÍLIO VATICANO II, “Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a

Sagrada Liturgia”. In: COSTA, L. (org.), Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São

Paulo: Paulus, 2001, n. 56. A esse respeito conferir também: BUYST, I. “Liturgia da Palavra e a

Liturgia Eucarística. Um só ato de culto”. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL. A eucaristia na vida da igreja. Subsídios para o ano da eucaristia. São Paulo: Paulus,

2005, p. 88-100. 58

MCGRATH, A. Teologia sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução à teologia cristã.

São Paulo: Shedd Publicações, 2010, p. 556. 59

BEM, n. 12.

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(cf. Jo 6; L c 24), é atestada pelos Padres da Igreja e reafirmada pelo Concílio

Vaticano II. Assim, no mistério da Eucaristia, mostra-se qual é o verdadeiro

maná, o verdadeiro pão do céu: é o Logos de Deus que Se fez carne, que Se

entregou a Si mesmo por nós no Mistério Pascal.60

O Documento de Lima sublinha ainda a importância das palavras e dos

gestos de Cristo por ocasião da instituição da Eucaristia no Cenáculo; eles

constituem o “coração” da celebração da Ceia eucarística. Gestos e palavras

fazem com que a Eucaristia seja o “sacramento do corpo e do sangue de Cristo”, o

“sacramento da sua presença real”: “O que Cristo disse é a verdade e cumpre-se

todas as vezes que a Eucaristia é celebrada. A Igreja confessa a presença real, viva

e ativa de Cristo na Eucaristia. Ainda que a presença real de Cristo na Eucaristia

não dependa da fé dos indivíduos, todos estão de acordo para dizer que o

discernimento do corpo e do sangue de Cristo exige a fé61. Estamos cientes do

desafio que constitui para as Igrejas cristãs a compreensão dessa questão

específica abordada pelo BEM – a “presença real, viva e ativa de Cristo na

Eucaristia”. De qualquer forma, o nosso intento aqui é apenas ressaltar que, apesar

dos pontos de vista diversos que as Igrejas cristãs possam ter acerca dessa

questão, todas elas concordam que durante o memorial da Ceia, Cristo esteja

presente. Trata-se de uma presença tornada possível pela ação operante do

Espírito Santo que reúne os cristãos; ele mesmo torna o Senhor presente em meio

aos seus (cf. Mt 18:20).

2.2.4 A Eucaristia como invocação do Espírito

É do nosso interesse abordar também um terceiro aspecto do tema da Ceia

do Senhor a partir do Documento de Lima: o da Eucaristia como invocação do

Espírito Santo, que encontra-se nos números quatorze a dezoito do Documento.

A abordagem pneumatológica do BEM é fortemente trinitária; a oração

eucarística é ali contemplada como uma verdadeira profissão de fé trinitária – o

que transpira uma teologia de sabor bíblico e em consonância com a grande

Tradição dos Padres da Igreja do primeiro milênio cristão. Com efeito, segundo as

60

BENTO XVI. Exortação Apostólica Verbum Domini. São Paulo: Paulinas, 2011, n. 53, 54. 61

BEM, n. 13

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mais antigas anáforas eucarísticas, o louvor eucarístico é sempre dirigido ao Pai,

por meio de Cristo, na unidade do Espírito Santo.62

O Documento de Lima procura conservar o “perfume” trinitário da fé

cristã e, referindo-se à celebração central dos cristãos assim afirma: “O Pai é,

contudo, a origem primeira e o cumprimento final do acontecimento eucarístico [...]. O

Filho de Deus feito homem, por quem, com quem e em quem esse acontecimento se

cumpre, é o seu centro vivo. O Espírito Santo é a incomensurável força de amor que torna

isso possível, tornando-o eficaz63

J. Calvino, em suas Institutas, fala sobre a presença do Espírito Santo na

celebração Eucarística e de sua ação durante a reunião dos cristãos. Segundo ele,

não se trata de uma presença mágica, mas da presença gerada pelo clamor dos

fiéis que desejam unir-se a Cristo, fonte da vida. O próprio Espírito de Cristo

realiza e atualiza essa presença, tornando a experiência da salvação uma realidade

que acontece no “hoje” do crente e da Igreja. Segundo J. Calvino, o Senhor Jesus

concede essa graça aos crentes sempre por meio do seu Espírito a fim de que os batizados

possam participar do Corpo de Cristo. “O laço desta conexão é, portanto, o Espírito de

Cristo, com quem somos reunidos em unidade, e é igual a um canal através do qual tudo o

que o próprio Cristo é e tem nos é comunicado”.64

. É importante aqui lembrar que a plena

unidade de Cristo com a sua Igreja é um evento escatológico. De qualquer formar isso

não impede que na celebração da Ceia do Senhor o "passado, o presente e o futuro se

juntam, somos convidados a olhar para o dia em que o reino será plenamente

consumado, por obra do Senhor encarnado, expiado e triunfante65

”.

Graças ao Espírito Santo, força de vida que procede de Deus Pai, o Cristo

crucificado e ressuscitado se torna realmente presente na celebração da Ceia

eucarística. Por isso a Igreja suplica ao Pai o Espírito, a fim de que se realize o

pentecostes eucarístico. Artífice da unidade, o Espírito deseja realizar a unidade

do Corpo de Cristo: que “todos sejam um” é a oração de Cristo e o desejo do Pai

62

Segundo as mais antigas Orações eucarísticas, o louvor eucarístico é sempre dirigido ao Pai, por

meio de Cristo, na unidade do Espírito. Isso se pode constatar claramente na conclusão da oração

eucarística, conforme o rito latino, expresso no Missal Romano: “Por Cristo, com Cristo, em

Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda honra e toda a glória,

agora e para sempre”. A esse respeito conferir: BECKHAUSER, A. Celebrar a vida cristã.

Petrópolis: Vozes, 1999, p. 94-95. 63

BEM, n. 14 64

CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. Livro IV, Cap

XVII, n. 12. 65

MARTIN, R. P. Adoração na igreja primitiva. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 147

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(cf. Jo 17:21). “Só por meio do Espírito podemos nos tomar um com Cristo [...].

Essas palavras dizem que nosso pensamento acerca da união com Cristo precisa

começar com a decisão graciosa de Deus de salvar seu povo em Cristo, feita antes

da criação do mundo.66

”.

Segundo o nosso Documento, o Espírito Santo tem como missão fazer com que o

Senhor crucificado e ressuscitado se torne realmente presente na refeição eucarística,

cumprindo, dessa forma, a promessa que ele mesmo fizera no Cenáculo. Mas como isso é

possível? “Na certeza de ser atendida em virtude da promessa de Jesus contida nas

palavras da instituição, a Igreja pede ao Pai o Espírito Santo para que ele cumpra o

acontecimento eucarístico: a presença real de Cristo crucificado e ressuscitado que dá a

sua vida por toda a humanidade67

.

A presença de Cristo nada tem de mágico ou automático durante a

celebração da Ceia do Senhor. Na verdade, a Igreja intercede ao Pai pela vinda do

Espírito, demonstrando sua dependência a ele, sabedora que existe uma relação

íntima entre a promessa de Cristo e a invocação do Espírito. Tal oração da Igreja

não se dá em um momento específico, mas é uma oração contínua, um anelo

constante. De qualquer forma, não depende da Igreja a realidade desta presença,

mas unicamente da vontade de Deus em enviar seu Espírito para que ela aconteça.

A presença do Espírito Santo após a epíclese vai além da sua ação sobre os

elementos oferecidos (pão e vinho); sua ação acontece, sobretudo, nos fiéis, que,

transformados pelo poder do Espírito de Cristo, tornam-se corpo de Cristo no

mundo, manifestando sua graça e seu ágape. Cheios do Espírito, os crentes são no

mundo sinais de comunhão. “Essa comunhão é produzida pelo Espírito Santo, que

habita em Cristo como o cabeça e nos crentes como seus membros. [...]. Somente

o Espírito Santo, que é o Espírito de Deus e o Espírito de Cristo, pode unir

pessoas a Cristo de tal forma que elas participem de sua pessoa e de seus

benefícios68

”. O amor entre os fiéis, tem a função de expressar ao mundo o

vínculo da unidade que somente o Espírito do Ressuscitado pode gerar.

[...] O papel do Espírito na eucaristia fica especialmente claro na epiclese. O

sacerdote roga que o Espírito santifique os dons para que possam tornar-se o

Corpo e o Sangue de Cristo. Mas roga sobretudo que o Espírito santifique a

66

HOEKEMA, A.A. Salvos pela graça. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 64-65 67

BEM, n. 14. 68

BAVINCK, H. Dogmática reformada-Espírito Santo, Igreja e nova criação. V. 4. São Paulo:

Cultura Cristã, 2012, p. 583.

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comunidade. O fim da eucaristia não é apenas que o pão e o vinho se tornem o

corpo de Cristo, mas que o povo se torne o seu corpo no mundo. O Espírito é

invocado de forma que a comunidade seja transformada no amor, para que a

verdadeira unidade entre os crentes possa ser realizada e expressa.69

O Documento de Lima procura reforçar como é de primeira importância a

questão da presença de Cristo na celebração sacramental de sua Igreja e no

testemunho que ela é chamada a dar no mundo. “É em virtude da palavra viva de

Cristo, e pelo poder do Espírito Santo, que o pão e o vinho se tornam os sinais

sacramentais do corpo e do sangue de Cristo. Eles assim permanecem para o

propósito da eucaristia”70

.

A importância da invocação do Espírito está diretamente ligada ao desejo

de comunhão. Esta comunhão vem pela reconciliação com Deus Pai através de

Cristo. A Escritura afirma: “E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou

consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação” (2 Cor

5:18). Tudo, inclusive o desejo de comunhão que permeia o coração dos homens,

provém do Senhor Jesus e é fomentado pelo Espírito Santo, sempre que é

invocado. A Eucaristia é, em sua essência, uma realidade pneumatológica

geradora de comunhão com Deus e com os irmãos.

Os sacramentos são expressão do singular desejo de comunhão que o Espírito

Santo fomenta em nós, por meio da atualização da memória de Jesus, sacramento

do Pai [...] como agir salvífico de Cristo na Igreja e por meio dela, os sacramentos

exprimem a dinâmica de toda proposta dialógico-relacional: eles recriam no aqui

e agora da comunidade de fé a gratuita proposta divina como interpelação à livre

resposta humana.71

69

O’DONNELL, J. Introdução à Teologia Dogmática. Loyola: São Paulo, 1999, p. 54 70

O BEM nos lembra que é também “pelo poder do Espírito que o pão e o vinho se tornam os

sinais sacramentais do corpo e do sangue de Cristo”. Nessa referência o Documento fala da ação

transformante que o Espírito Santo, invocado pela Igreja, exerce sobre as espécies do pão e do

vinho – é o que visa a primeira epíclese, segundo os textos litúrgicos atuais da tradição latina. De

igual modo é de se ressaltar aqui a importância que tem a segunda epíclese das nossas orações

eucarísticas. Ela tem como escopo transformar os batizados em um único corpo, o de Cristo (cf.

1Cor 10,17). lustremos essas duas epícleses com a III Oração Eucarística que está em vigor

atualmente na tradição latina e se encontra no Missal Romano: “Por isso, nós vos suplicamos:

santificai, pelo Espírito Santo, as oferendas que vos apresentamos para serem consagradas, a fim

de que se tornem o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, que nos

mandou celebrar este mistério” (1ª epíclese). “Olhai com bondade a oferenda da vossa Igreja,

reconhecei o sacrifício que nos reconcilia convosco e concedei que, alimentando-nos com o Corpo

e o Sangue do vosso Filho, sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só

corpo e um só espírito” (2ª epíclese) - BEM, n. 15. 71

TAVARES, S. S; COSTA, P. C. (Orgs.). Sacramentos e evangelização. Loyola: São Paulo,

2004, p. 106

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A refeição eucarística, expressão máxima de comunhão entre os membros

do Corpo de Cristo, antecipa a plena comunhão a que todos os homens são

chamados no banquete eterno. Numa espécie de tensão escatológica, o Espírito,

em cada celebração eucarística, faz a Igreja experimentar “uma urgência prazerosa

de que Cristo venha72

”. Isso pode ser verificado durante a celebração eucarística –

aqui nos referimos ao rito do católico latino – na aclamação que o povo reunido faz

após a consagração do pão e do vinho, justamente com as palavras do apóstolo Paulo:

“Vinde, Senhor Jesus” (1 Cor 11: 26). “A Eucaristia é tensão para a meta, antegozo da

alegria plena prometida por Cristo (cf. Jo 15,11); de certa forma, é antecipação do

Paraíso, penhor da futura glória”.73

Ao celebrar a Ceia do Senhor, na força de seu Espírito, a Igreja recebe a

vida da nova criação e a garantia da volta do Senhor. É o Espírito que antecipa as

alegrias da vida futura. A epíclese74

, fundamento da Eucaristia, é a fervente

invocação da Igreja a fim de que Deus cumpra no mundo as suas promessas. Por

isso o BEM, em seus três últimos números sobre o nosso tema salienta que a

celebração eucarística, em si mesma, tem um “caráter epiclético”, uma vez que está

em total dependência da ação do Espírito Santo. “A Igreja, como comunidade da nova

aliança, invoca o Espírito com confiança, a fim de ser santificada e renovada, conduzida

em toda a justiça, verdade e unidade, e fortalecida para cumprir a sua missão no mundo.

O Espírito Santo, através da eucaristia, dá uma pré-gustação do Reino de Deus: a Igreja

recebe a vida da nova criação e a segurança da volta do Senhor75

72

MAIA, H. Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos: Fiel, 2014, p. 344. 73

JOÃO PAULO II. Carta encíclica “Ecclesia de Eucharistia”. São Paulo: Paulinas, 2005, n. 18. 74

A Eucaristia como invocação do Espírito Santo é o tema central da abordagem eucarística do

BEM no n. 14. Trata-se da teologia da epíclese, condição sine qua non para que aconteça o evento

sacramental (em particular estamos focalizando o evento eucarístico). Nas últimas cinco décadas

do pós Concílio Vaticano II tem havido um crescente interesse da teologia pelo tema da epíclese

no campo sacramental, e vários autores ainda continuam explorado essa questão. À guisa de

exemplo citamos: CORBON, J. A fonte da liturgia. Lisboa: Paulinas, 1999, p. 121-134; 75

BEM, n. 16-18.

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3.

A denominação Batista: sua história e teologia da Ceia do Senhor

Este capítulo tem como objetivo contar a história dos Batistas, seu

desenvolvimento e sua teologia, especificamente, no que tange à Ceia do Senhor.

Como denominação cristã, quais foram as influências que recebeu em sua

instituição, bem como em sua Teologia Batista?

O desejo neste trecho da pesquisa é lançar luz sobre aspectos importantes

para o desenvolvimento desta tradição da história cristã e ressaltar características

importantes para o entendimento comportamental em aspectos que são comuns a

Igrejas protestantes, mas que na Tradição e Teologia Batista não se encontra de

maneira tão visível ou palpável.

Discorrer sobre a teologia da Ceia do Senhor sem observar sua história,

princípios e confissão doutrinária, é um risco para o entendimento correto e

comportamental deste ato de culto pela denominação em questão.

3.1 Resumo histórico da denominação Batista

Toda Tradição Cristã tem em sua história o zelo, a paixão e a fidelidade

aos seus ideais e princípios. Os Batistas iniciaram sua história com fervor e amor

profundo, ansiando por um cristianismo mais próximo dos relatos bíblicos. Em

seu desejo de vivenciar a Igreja descrita a partir das páginas do Segundo

Testamento, pautaram sua filosofia e doutrina de forma inegociável nas palavras

contidas no Novo Testamento. A Convenção Batista Brasileira121

, órgão

121

Doravante este nome será apresentado pela sigla CBB.

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representativo da denominação no Brasil, sobre a história da denominação faz a

seguinte afirmação:

Somos um povo que vem de longe, com muitos nomes, de muitas perseguições,

de muitas lutas, mas construindo uma bela história de fé, de doutrina e de

princípios. (...) Somos o povo da Bíblia, a Palavra Infalível e Eterna de Deus.

Com o nome de Batista existimos desde 1612, quando Thomas Helwys de volta

da Holanda, onde se refugiara da perseguição do Rei James I da Inglaterra,

organizou com os que voltaram com ele, uma Igreja em Spitalfields, arredores de

Londres.122

No entanto, o texto citado não seria suficiente para o conhecimento, ainda

que resumido, da história da denominação. Sua história não começa aqui no

Brasil. Começa na Inglaterra e é composta por muitas lutas e perseguições. Desde

o seu nascimento, e até pouco antes de ser chamada de Batista, esta denominação

demonstrava características que a distinguiam das outras tradições cristãs. A única

tradição e autoridade a que se submetia era a Bíblia.

Sua história testemunha – através de suas práticas – as diferenças

encontradas em práticas cultuais comuns a de muitas Igrejas cristãs, como por

exemplo, no memorial da Ceia do Senhor. O conhecimento histórico ajudará mais

na compreensão de sua práxis e teologia.

Existem duas formas que a história da denominação Batista pode ser

conhecida. A primeira diz que os Batistas se posicionam doutrinariamente como

oriundos diretos dos ensinos do Mestre Jesus e de seus apóstolos. Isto porque sua

postura leva em conta somente a bíblia como princípio norteador a ser seguido,

estudado e obedecido. Nada, além do Deus Trino, tem maior autoridade que as

Sagradas Escrituras. Marcelo Santos fala que ser Batista: “É ter a Bíblia como

única regra de conduta e fé. E entender que foi escrita por homens movidos pelo

Espírito Santo, e que sua autoridade está acima da tradição, dos concílios e do

magistério de qualquer Igreja”.123

Tal posicionamento contribuiu para os batistas

enfrentarem grandes oposições e perseguições no decorrer de sua história e

formação.

122

CBB, 2015, disponível em:

<http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=19&Itemid=12>.

Acesso em: 14 out 2015. 123

SANTOS, M. O marco inicial batista. Rio de Janeiro: Convicção, 2011. p. 8

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Por este motivo os batistas se entendem como nascidos diretamente do

Novo Testamento, se opondo a toda corrupção da doutrina cristã exposta nele. Um

dos documentos da denominação traz em seu texto o sentimento em relação ao

que seria sua origem radical.

Considerando as raízes doutrinárias, os Batistas saem diretamente das páginas do

Novo Testamento, dos lábios e ensinos de Jesus e dos apóstolos. Além disso, têm

sua trajetória marcada pela oposição a toda corrupção da doutrina cristã

claramente exposta no Novo Testamento. Ao consultar a Declaração Doutrinária

da Convenção Batista Brasileira você verá que as nossas doutrinas saem, com

clareza, das Sagradas Escrituras.124

Com relação ao nascimento histórico existem três teorias academicamente

aceitas para esta denominação.125

Gozando de maior credibilidade acadêmica, a

teoria considerada nesta pesquisa será a que aborda os separatistas ingleses. A seu

favor existem provas documentais inquestionáveis sobre a instituição das Igrejas

da denominação na Inglaterra, um dos frutos do movimento da Reforma.

A Reforma Protestante teve papel importante na fundação da denominação

Batista. Como exemplo de influência ela impulsionou uma ação opositora dos

congregacionais à Igreja anglicana oficial126

. Além dos congregacionais a

Reforma potencializou e provocou um efeito transformador127

sobre outros grupos

que adquiriram força através da pregação poderosa de Martinho Lutero, Ulrich

Zwinglio, João Calvino, Conrad Grebel, dentre outros. A CBB relata através de

um de seus Documentos em trecho sobre a história dos Batistas.

Com o surgimento da Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero e

deflagrada em 31 de outubro de 1517 com a publicação das suas famosas 95 teses

na porta do Castelo de Wittenberg, criou-se a oportunidade para que muitos

grupos dissidentes intensificassem suas pregações. Entre estes grupos estavam os

conhecidos como Anabatistas, que sustentavam muitas doutrinas que os batistas

124

CBB. “Quem são os Batistas? Resumo Histórico”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro:

Convicção, 2012. p. 53-54 125

Podem-se distinguir três teorias a respeito da origem dos Batistas. A primeira é a teoria JJJ ou

Jerusalém-Jordão-João. A segunda é a do parentesco espiritual com os anabatistas do Século XVI.

E a terceira é a teoria da origem dos separatistas ingleses do Século XVII. Esta é a mais aceita

academicamente pois, não violenta os princípios da exatidão histórica. Esta afirma que os batistas

se originaram dos separatistas ingleses, especialmente aqueles que eram congregacionais na

eclesiologia e insistiam na necessidade do batismo somente de regenerados. PEREIRA, J. R. Uma

breve história dos batistas. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1979. p. 4-6 126

SANTOS, M. O marco inicial batista. Rio de Janeiro: Convicção, 2011. p. 12 127

MCBETH, H. L. The Baptist heritage: four centuries of the Baptist witness. Nashville:

Broadman Press, 1987. p. 14. (tradução do pesquisador)

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esposariam e que representavam o grupo mais ativo e poderoso daquele

momento.128

Os anabatistas, grupo poderoso durante a Reforma, segundo E. E. Cairns

influenciou os Batistas: “Eram apenas humildes crentes na Bíblia [...]. Nem os

menonitas nem os batistas se envergonhariam de colocá-los entre os seus

predecessores espirituais. Seu conceito de Igrejas livres influenciou os Puritanos

Separatistas, Batistas e Quacres”.129

Durante o século XVI outros grupos

surgiram inspirados pelos ares da Reforma que estavam espalhados por todos os

lugares. Além dos anabatistas e Igrejas protestantes, outros grupos espirituais

radicais surgiram ficando conhecidos como Puritanos.

Após a reforma religiosa na Inglaterra, quando foi estabelecida a Igreja

Anglicana, em 1534, surgiu o movimento denominado Puritano. Entre os

puritanos havia alguns grupos que defendiam um sistema eclesiástico

congregacional, o batismo voluntário e a separação da Igreja e Estado por

influência dos Anabatistas.130

Em meio a tantas mudanças decorrentes da Reforma Protestante

acontecendo, os líderes de Igrejas na Inglaterra não poderiam se contentar com as

desanimadoras alterações que viam acontecer na Igreja Anglicana. Os Puritanos

surgem como uma espécie de partido pró Reforma, pois tais mudanças não eram

satisfatórias e estes desejavam ver uma Igreja mais pura. Os puritanos não tinham

a intenção de romper com a Igreja, mas de reformá-la. No entanto, não lograram

êxito, pois a Igreja oficial da Inglaterra era presidida pelo Rei da nação.

Eles queriam simplificar os padrões na adoração cultual, queriam mudar da forma

episcopal para presbiteral e adotar doutrinas mais calvinistas. Os primeiros

puritanos, liderados pelo Bispo Hooker e Thomas Cartwright de Cambridge,

consideravam estas reformas como bíblicas. No entanto, tanto por razões

religiosas como políticas, a Igreja da Inglaterra resistiu a estas mudanças.131

128

CBB. Quem são os Batistas? Resumo histórico – Pacto e comunhão. Rio de janeiro:

Convicção, 2012. p. 54 129

CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja cristã. 2. Ed. São

Paulo: Vida Nova, 1995, p. 250. 130

CBB, op. cit., p. 53-54 131

MCBETH, H. L. The Baptist heritage: four centuries of the Baptist witness. Nashville:

Broadman Press, 1987. p. 14-15 (tradução do pesquisador)

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Mesmo resistindo, a Igreja anglicana sofreu seu declínio. O movimento

puritano pela pureza da Igreja e outros fatores importantes de transformação social

contribuíram para o declínio da Igreja anglicana na Inglaterra. Alguns exemplos

foram as trocas de dinastias, o Renascentismo com suas ideias e ideais, o

crescimento comercial e a popularização das Escrituras Sagradas. A união destes

fatores contribuíram para o repúdio da submissão do clero à autoridade da

monarquia e à oposição ao totalitarismo oligárquico da Igreja oficial.132

O puritanismo contribuiu para o enfraquecimento da Igreja estatal inglesa;

e deste grupo surgem os Batistas133

. No entanto, é necessário salientar que seu

aparecimento se deu no puritanismo separatista. Os puritanos de um modo geral

não desejavam se desligar da Igreja oficial da Inglaterra, apenas reformá-la. Uma

parte dos puritanos permaneceu ligada à Igreja estatal, todavia, a outra, conhecida

como separatista, afastou-se dela. E. E. Cairns, em sua obra, explica que “A maior

diferença entre os puritanos presbiterianos e independentes (já discutidos) e os

puritanos separatistas residia na ideia de pacto eclesiástico, em razão do que os

últimos permaneceram unidos à Igreja oficial enquanto os outros dela se

separaram”134

John Smyth e Thomas Helwys foram dois nomes importantes no

movimento batista – sendo considerados seus fundadores – e pertenciam ao grupo

separatista135

. O primeiro de acordo com H. L. McBeth foi o responsável pelo

notável crescimento dos Batistas Gerais136

. Smyth era extremamente sincero,

repreendia pecados citando os nomes dos que haviam cometido os atos. Foi crítico

ferrenho da Igreja estatal inglesa (anglicana) e isto lhe custou seu emprego como

orador oficial na cidade de Lincoln. Uma de suas críticas era sobre o pedobatismo.

132

SANTOS, M. op. cit., p. 9 133

Também nos fins do reinado de Isabel começaram a ganhar força os "puritanos", pessoas de

convicções reformadas ou calvinistas, que receberam esse nome porque insistiam na necessidade

de restaurar as práticas e doutrinas do Novo Testamento em toda sua pureza. Visto que foi numa

outra época que adquiriram verdadeira força, deixaremos sua discussão para outro volume de

nossa história. González, J. L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo.

São Paulo: Vida Nova, 1995. 134

CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja cristã. São Paulo:

Vida Nova, 1995, p. 275. 135

CBB. op. cit. p. 54. 136

Os batistas gerais representam a versão mais antiga e mais arminiana da fé Batista na Inglaterra.

Eles acreditavam que o homem tem liberdade de crer em Cristo; e quem crer pode ser salvo; que

ninguém é predestinado à condenação; que os salvos podem renunciar à sua fé e, assim, perder a

sua salvação; e que todas as Igrejas locais constituem apenas uma Igreja. McBeth, H. Leon. The

Baptist heritage: four centuries of the Baptist witness. Nashville: Broadman Press, 1987. p. 23.

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Para ele, o batismo de crianças era o mesmo que um adultério espiritual. Até então

Smyth tinha alguma aproximação com a Igreja anglicana, mas após um incidente

onde foi proibido de pregar na Igreja de Gainsborough, afastou-se

permanentemente. Smyth associou-se então a um grupo de separatistas que se

reuniam na cidade, sendo aceito como ministro logo em seguida.137

Thomas Helwys, amigo de John Smyth, era um advogado e seu zelo pelas

Escrituras o estimulou a tornar sua própria casa como lugar de reunião para os

Puritanos nos primeiros anos do século XVI. Sua influência, disseminando um

dos pensamentos batistas mais tradicionais, aconteceu principalmente em 1612

quando escreveu um livro intitulado “Uma Breve Declaração Sobre o Mistério da

Iniqüidade”. Por causa de sua obra foi preso e morreu na prisão por volta de 1615.

J.R. Pereira afirma que o livro

Reivindicava liberdade de consciência para todos. Helwys declara, com toda a

franqueza e ousadia, em seu livro: “[...] A religião do homem está entre Deus e

ele: o rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o

homem. Que haja, pois heréticos turcos ou judeus ou outros mais, não cabe ao

poder terreno puni-los de maneira nenhuma”.138

Com a postura dos grupos separatistas e seu crescimento, logo o Rei da

Inglaterra iniciou uma perseguição contra eles. Esta perseguição contribuiu para

uma migração de Gainsborough para Amsterdã. Esta migração ocasionou a

separação dos amigos Smyth e Helwys. Assim, dois grupos foram criados e cada

um foi para pontos distintos da Inglaterra, após retorno da Holanda.

Devido à perseguição, o grupo de Gainsborough também migrou para Amsterdã

(1606/1607), sob a liderança de John Smyth (c.1565-1612) e influenciados pelos

menonitas. Em 1608 ou 1609, Smyth batizou-se a si mesmo, a Thomas Helwys

(c. 1550-1616) e aos outros membros do seu rebanho, por afusão. [...] Thomas

Helwys, John Murton e seus seguidores voltaram à Inglaterra em 1612 e

organizaram a primeira Igreja Batista Inglesa. Este grupo praticava o batismo por

afusão e sustentava as doutrinas arminianas [...].139

137

MCBETH, H. L. op. cit. p. 23 138

PEREIRA, J. R. Uma breve história dos batistas. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,

1979. p. 74-75. 139

CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja cristã. São Paulo:

Vida Nova, 1995, p. 275-276.

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É importante esclarecer que a separação dos grupos não foi por

divergências doutrinárias. O motivo foi que o Rei James I havia ameaçado “varrer

da face da terra” o grupo separatista caso não aderissem às doutrinas e normas da

Igreja oficial. Quando este grupo cresceu ao ponto de representar uma ameaça

houve uma decisão de separação por uma questão de segurança para todos do

grupo.140

O nome Batista na história começa com a organização da Igreja em

Spitalfields, nos arredores de Londres, em 1612, por Thomas Helwys e seus

seguidores já batizados na Igreja em Amsterdã. É esta Igreja que inicia a linhagem

de Igrejas batistas. Elas então começam a crescer na Inglaterra sob severa

perseguição por dissentirem da Igreja oficial, a Igreja Anglicana.

A perseguição aos batistas e a outros grupos separatistas os levou a várias

partes do mundo e, em especial, às colônias da América do Norte em busca da

liberdade religiosa. Dois ilustres homens são considerados fundadores das Igrejas

batistas em solo americano: Roger Williams, que organizou a Primeira Igreja

Batista de Providence (em 1639) na colônia que ele fundou com o nome de Rodhe

Island, e John Clark, que organizou a Igreja Batista de Newport, também em

Rodhe Island e conhecida desde 1648. Os batistas se espalharam pelas diversas

colônias da América do Norte e foram influentes na formação da constituição

americana de 1781.141

Assim surgiram os Batistas através da história. Seus posicionamentos são

distintivos e regem sua práxis e os acompanham desde sua fundação. Durante a

história e organização dos Batistas, seus documentos foram sendo elaborados com

base na sua forma de pensar e entender a Escritura. Sua história demonstra seus

princípios e seus princípios regem sua confissão doutrinária, porém os dois estão

pautados nas Escrituras Sagradas. Conhecer os princípios batistas e sua confissão

doutrinária facilitará o conhecimento de sua teologia e no caso desta pesquisa,

esclarecerá a dinâmica para sua produção teológica.

140

MCBETH, H. L. op.cit. p. 25 141

CBB. op.cit. p. 55-56

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3.2 A autoridade das Escrituras e a Ceia do Senhor no pensamento Batista

Após breve narrativa histórica é possível avançar e conhecer a

denominação batista e sua tradição através dos princípios que norteiam suas

convicções doutrinárias. Neste item não serão desenvolvidos todos os princípios

batistas e sua doutrina, mas apenas aquele de maior interesse para o bom

andamento desta pesquisa.

Existem dois principais documentos da denominação Batista, a saber:

“Princípios Batistas” e “Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira”.

Os dois, apesar de parecidos em sua redação e organização, têm objetivos

distintos. Apesar de menos conhecido, o “Princípios Batistas”142

adquire uma

importância mais significativa que a “Declaração Doutrinária”143

. Os princípios

são imutáveis enquanto que a Declaração, como norma, pode sofrer ajustes.

O primeiro documento é o correlativo direto ao comportamento histórico

dos batistas – o que os caracteriza – sendo qualquer atitude fora destes princípios

razão de questionamento quanto à identidade denominacional. O segundo é um

“descendente” direto das confissões de fé originárias do Credo Apostólico. A

Declaração Doutrinária é um documento importante que sistematiza a ideia dos

batistas a respeito do que creem e como interpretam a Bíblia. A “Declaração

Doutrinária da Convenção Batista Brasileira” não é definitiva podendo sofrer

alterações ou reformulações como já aconteceu anteriormente.

É importante esclarecer que os princípios e doutrinas batistas não seguem

uma linha única da teologia dos reformadores. A denominação procura seguir em

sua prática aquelas que são visivelmente embasadas nas páginas bíblicas, pois

apenas ela é inspirada por Deus. Assim, os batistas não reconhecem como

inspirados a tradição, os concílios ou o magistério de qualquer Igreja. Este é um

fator distintivo dos batistas que traz a intenção de se enquadrar apenas nos

desenvolvimentos teológicos descritos de maneira exata segundo as Escrituras.

142

Doravante este documento será citado pelas iniciais PB. 143

Doravante este documento será citado pelas iniciais DDCBB.

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Demonstrando o que fora citado, M. Santos fala da multiplicidade de

linhas teológicas diversas dos reformadores presentes na denominação. Em alguns

aspectos, por exemplo, os Batistas concordam com Lutero no aspecto em que a

teologia deve ser cristológica e que a Igreja é a comunidade dos santos em Cristo.

Concordam com Calvino sobre a predestinação dos eleitos, embora atualmente

interpretem como presciência.

Como Zwinglio crêem que o pecado é como uma doença moral perdoável

a qualquer tempo, que a salvação é compreendida pela razão e crêem na

interpretação normativa da Bíblia. Finalmente, nesta pequena lista de exemplos,

concordam com os anabatistas e com Calvino que compreendem as Escrituras

como divinamente inspiradas sendo assim a suprema autoridade na vida da Igreja

e tem em sua força interpretativa a ação do Espírito Santo no homem.144

A Bíblia é o único documento aceito pelos batistas como fonte de

autoridade e prática. É aceita como divinamente inspirada, não havendo outro

meio ou documento que inspire confiança e inerrância para exercício da fé. Para

uma melhor compreensão desta característica é importante relembrar que os

batistas surgiram do movimento puritano separatista da Igreja Anglicana na

Inglaterra.

A intenção deste movimento era a de promover um retorno total, somente

pautado nas palavras das Sagradas Escrituras, buscando uma simplicidade dentro

da Igreja, que no século XVII estava saturada com o ritualismo, considerado

morto. “Eles queriam simplificar os padrões na adoração cultual, queriam mudar da

forma episcopal para presbiteral e adotar doutrinas mais calvinistas. Os primeiros

puritanos [...] consideravam estas reformas como bíblicas”.145

A atitude Batista em seus princípios, tanto quanto em sua “Declaração

Doutrinária”, reflete este desejo do movimento Puritano separatista Inglês por uma

Igreja mais próxima de suas raízes neotestamentárias. Seu anseio era uma Igreja que

vivesse somente pelas páginas da Bíblia e por sua autoridade. O posicionamento adotado

é exatamente o de seguir apenas a Bíblia e seus ensinos. Sobre isto os Batistas declaram

que

144

SANTOS, M. op.cit.. p. 11 145

MCBETH, H. L. op.cit.. p. 14

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A Bíblia fala com autoridade porque é a Palavra de Deus. É a suprema regra de fé

e prática porque é testemunha fidedigna e inspirada dos atos maravilhosos de

Deus através da revelação de si mesmo e da redenção, sendo tudo patenteado na

vida, nos ensinamentos e na obra salvadora de Jesus Cristo. As Escrituras

revelam a mente de Cristo e ensinam o significado de seu domínio. [...] A Bíblia,

como revelação inspirada da vontade divina, cumprida e completada na vida e

nos ensinamentos de Jesus Cristo, é a nossa regra autorizada de fé e prática.146

A Bíblia, para os Batistas, é, assim, a única autoridade reconhecida,

confiável e fidedigna que deve ser observada e praticada. Ela é detentora da

história, atos e ensinos de Cristo. O conhecimento memorizado de suas palavras é

conhecimento do Pai, do Filho e do Espírito Santo, bem como de seus atos. Então,

para o cristão batista conhecer a Palavra e memorizá-la é uma forma de absorver

as realidades que ela expressa e se permitir conhecer a fonte inspiradora das

Escrituras. Jerônimo, um dos Pais da Igreja afirma a necessidade e dever de todo

cristão em observar a Bíblia para não incorrer em condenação.

Cumpro o meu dever, obedecendo aos preceitos de Cristo, que diz: Examinai as

Escrituras, e: Procurai e encontrareis, para que não tenha de ouvir o que foi dito

aos judeus: Estais enganados, porque não conheceis as Escrituras nem o poder de

Deus. Se, de fato, como diz o apóstolo Paulo, Cristo é o poder de Deus e a

sabedoria de Deus, aquele que não conhece as Escrituras não conhece o poder de

Deus nem a sua sabedoria. Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo.147

“Da mesma forma, podemos dizer que conhecer a Escritura é conhecer a

Cristo”148

. A Escritura é a própria e definitiva revelação de Deus ao homem em

seu plano salvífico. No entanto, faz-se necessário, mais uma vez a intervenção do

homem a fim de que ela possa ser proclamada e ouvida. Todo homem tem diante

das Escrituras e sua autoridade a responsabilidade de mergulhar em suas

profundezas, seja como aqueles que foram inspirados aceitando a missão que

Deus determinou para suas vidas ou como estudiosos compromissados com as

Verdades Divinas. A “Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira” se

posiciona em relação ao comportamento do homem diante da Bíblia.

146

CBB. Princípios Batistas “2 - As Escrituras” – Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção,

2012. p. 34 147

JERÔNIMO, “Comentário ao profeta Isaías”. In AL .2 ed., p. 774. 148

STOTT, J.. O discípulo radical. Viçosa, MG: Ultimato, 2011. p. 38

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O indivíduo tem que aceitar a responsabilidade de estudar a Bíblia, com a mente

aberta e com atitude reverente, procurando o significado de sua mensagem

através de pesquisa e oração, orientando a vida debaixo de sua disciplina e

instrução. Visto que as Escrituras são produto de homens que, inspirados pelo

Espírito, falaram por Deus, a verdade da Bíblia expressa a vontade do Espírito,

compreendida pela iluminação do mesmo.149

A Bíblia para os batistas é seu fundamento. Para eles, é impossível o

caminhar cristão sem o conhecimento e prática das Verdades Eternas reveladas

por Deus através dos autores bíblicos. M. Santos define em três pontos o que é ser

Batista: “Ter a Bíblia como única regra de conduta e fé. E entender que foi escrita

por homens movidos pelo Espírito Santo, e que sua autoridade está acima da

tradição, dos concílios e do magistério de qualquer Igreja; professar a Jesus Cristo

como salvador pessoal e dar testemunho dessa fé através do Batismo bíblico em

nome da Trindade de Deus; é fazer parte de uma Igreja local, autônoma em

relação aos poderes desse mundo, religiosos e do Estado. É entender que a igreja

local é assembléia que se reúne para adoração, proclamação, edificação,

comunhão e serviço”150

. Para aproveitamento de nossa pesquisa a abordagem será

no primeiro dos três pontos citados, pois aborda a visão denominacional acerca

das Sagradas letras. Segundo este autor “ser Batista” é, fundamentalmente, “ter a

Bíblia como única regra de conduta e fé.

Assim, segundo a concepção Batista, a Bíblia é a autoridade suprema para

a norma da fé. Isso não significa que se deva menosprezar os estudiosos das

Escrituras Sagradas, mas examinar qualquer palavra sob a luz de uma

hermenêutica e exegese correta, segundo o testemunho registrado nos Atos dos

Apóstolos: “E logo os irmãos enviaram de noite Paulo e Silas a Beréia; e eles,

chegando lá, foram à sinagoga dos judeus. Ora, estes foram mais nobres do que os

que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra,

examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim”.

A Bíblia, para os Batistas, é fonte inexaurível para a experiência da fé,

graças à iluminação do Espírito Santo. Sendo assim, a observação bíblica remete à

necessidade de se poder experimentar as Sagradas letras na vida cotidiana dos

crentes. Conforme a experiência dos cristãos de Beréia, acima relatado, os

batizados são chamados a perscrutar incessantemente as Escrituras a fim de

149

CBB. op.cit. p. 34 150

SANTOS, M. op.cit.. p. 8

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encarnar em suas vidas as palavras do próprio Salvador e serem moldados pela

força vivificadora do Espírito, conforme nos mostra J. Beeke ao tratar da

espiritualidade reformada.

[...] Com a benção do Espírito Santo, sua missão é transformar o crente em tudo o

que ele é e faz, de modo que se torne, mais e mais, semelhante ao Salvador. [...] a

Palavra de Deus [...] “é o poder de Deus para a salvação” (Rm 1.16) que

transforma os homens e as nações. [...] Jesus mesmo disse: “Examinai as

Escrituras, porque julgais ter nessas a vida eterna, e são elas mesmas que

testificam de mim” (Jo 5.39). 151

A “Declaração Doutrinária” ressalta a responsabilidade do indivíduo em

debruçar-se no estudo das Escrituras. É dever do crente batista conhecer as

palavras de Deus transcritas na Bíblia, seja ele um leigo ou um sacerdote. No caso

do leigo, as palavras das Escrituras são de transformação de vida. No caso do

sacerdote, são palavras que devem ser exaustivamente conhecidas, a fim de

proporcionar alimento de qualidade para a vida dos fiéis e para a sua.

A verdade é que tal responsabilidade precisa ser assumida, caso contrário,

quando a Palavra não transforma o coração, ela certamente o endurece.152

Hipólito

em seus cânones declara “[...] Toma as Escrituras e lê-as. Que o sol da manhã te

encontre com a Escritura sobre os joelhos”153

. Para os Batistas, esta deve ser a

postura daquele que confessa a Cristo como Senhor e estuda avidamente a Bíblia.

Irineu de Lião conclama os crentes os exortando: “Alimentai-vos de todas as

Escrituras divinas...”.154

Desta forma, o cristão batista em seus princípios tem a obrigação de se

permitir ser preenchido e transformado pelo poder da Palavra de Deus. O fiel,

entendendo que a Bíblia é sua autoridade final, mantém sua lealdade subjugando

todas as coisas, ainda que isto inclua sua razão, à verdade final revelada por Deus,

o único que determina o que é aceitável.155

A única forma de manutenção da fidelidade aos mandamentos do Senhor

provém das Sagradas Escrituras, sendo qualquer iniciativa humana passível de

151

BEEKE, J. R. Espiritualidade reformada. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014. p. 554-556 152

SHEDD, R. P. Palavra viva: extraindo e expondo a mensagem. São Paulo: Vida Nova. 2000. p.

11. 153

HIPÓLITO, “Cânones de Hipólito”. In: AL. 2 ed. p. 404. 154

IRINEU DE LIÃO, “Livro V, n. 20”. In: AL. 2ed. p. 190. 155

GOLDSWORTHY, G. Pregando toda Bíblia como escritura cristã. São José dos Campos, SP:

Editora Fiel, 2013. p. 45.

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erro. Sua autoridade somente é prejudicada quando vinculada a pensamentos ou

ideais que vão contra sua visão da verdade, colocando em dúvida sua

credibilidade. A autoridade bíblica mostra-se pelo testemunho do próprio Deus

sobre si, bem como pelo testemunho do Espírito ao homem. A “Declaração de

Chicago sobre a inerrância bíblica” é um documento que foi produzido e assinado

por mais de trezentos eruditos evangélicos em 1978. Seu texto declara:

Deus, sendo Ele Próprio a Verdade e falando somente a verdade, inspirou as

Sagradas Escrituras a fim de, desse modo, revelar-Se à humanidade perdida,

através de Jesus Cristo, como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. As Escrituras

Sagradas são o testemunho de Deus sobre Si mesmo. As Escrituras Sagradas,

sendo a própria Palavra de Deus, escritas por homens preparados e

supervisionados por Seu Espírito, possuem autoridade divina infalível em todos

os assuntos que abordam: devem ser cridas, como instrução divina, em tudo o que

afirmam; obedecidas, como mandamento divino, em tudo o que determinam;

aceitas, como penhor divino, em tudo que prometem. O Espírito Santo, seu divino

Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de Seu testemunho interior e

abre nossas mentes para compreender seu significado.156

A Bíblia para os Batistas é fonte de autoridade total, e, apesar de existirem

doutores na denominação, seus ensinos são somente aceitos se comprovados nas

Escrituras. Este posicionamento em relação à autoridade bíblica, somada ao

desejo de uma Igreja mais pura somente regida pelo ensino das Escrituras,

apontam para o motivo de não aceitação pelos Batistas de algumas práticas que

outras Igrejas, mesmo protestantes, mantiveram desde a Reforma.

Ao expor que a Bíblia para os batistas é fôlego de vida denominacional,

pode parecer que as demais Igrejas cristãs não guardam esta prática. Essa não é a

intenção, o propósito é demonstrar que, devido sua herança puritana, os batistas

romperam com todos os ritos que não fossem claramente praticados ou ensinados

por Cristo na Bíblia. Os Batistas abriram mão da formalidade excessiva vigente na

Igreja da Inglaterra. A Igreja Anglicana, por sua vez, manteve vários pontos em

comum com a Igreja Católica, sobretudo no campo das expressões litúrgicas. Por

essa razão tudo o que pudesse remeter à Igreja Católica ou gerar uma aproximação

com ela foi abandonado em suas formas, usos e costumes, pela tradição batista.

156

International Council on Biblical Inerrancy (ICBI). UMA BREVE DECLARAÇÃO.

Declaração de Chicago sobre a Inerrância da Bíblia. Chicago, 1978. Disponível em:

<http://www.monergismo.com/textos/credos/declaracao_chicago.htm>. Acesso em 26 nov. 2015.

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Isso gerou um distanciamento cada vez maior entre os batistas e as tradições

anglicana e católica.

A chave para uma aproximação de verdades ou aspectos que se perderam

no meio do caminho, independente dos motivos, é o entendimento que “qualquer

diálogo teológico produtivo deve começar tendo a inerrância bíblica como um

pressuposto essencial” conforme afirma o Concílio Internacional sobre inerrância

bíblica, supracitado.

A garantia da inerrância e infalibilidade das Escrituras está em quem as

inspirou. Mesmo tendo sido escritas por homens, as palavras da Bíblia são aceitas

como livres de erros ou contradições pelos Batistas. Justino, tratando da inerrância

das Escrituras afirma: “Eu estou inteiramente convencido de que nenhuma

Escritura contradiz outra, e você deve se esforçar para convencer aqueles que

imaginam que as Escrituras são contraditórias, em vez de ser da mesma opinião

que eu”157

. Da mesma forma, para os batistas a inspiração que Deus conferiu aos

autores bíblicos é autoridade suficiente para a aceitação da inerrância bíblica.

Não há motivos para não dialogar através da Palavra de Deus e esse é,

possivelmente, o único caminho para um diálogo produtivo. Somente tendo a

Bíblia como autoridade máxima para o conhecimento, missão, proclamação e

teologia cristã é que as barreiras poderão cair. Aquilo que é dito no prefácio do

Documento de Lima acerca do Batismo, da Eucaristia e dos Ministérios pode ser

aplicado perfeitamente à realidade da Palavra de Deus contida nas Sagradas

Escrituras: “Se as Igrejas divididas têm o encargo de chegar à unidade visível que

procuram, então uma questão prévia essencial é que se ponham fundamentalmente

de acordo sobre a Palavra de Deus”.

3.3 A ordenança da Ceia do Senhor na tradição Batista

Como visto anteriormente, o que rege a teologia e a doutrina batista é

fundamentalmente a Bíblia. O Senhor, criador e sustentador de todas as coisas, já

determinou sua vontade através das páginas das Sagradas Escrituras, devendo

157

JUSTINO, “Diálogo com Trifão”, Capítulo 65. Disponível em

<http://www.newadvent.org/fathers/01285.htm>. Acesso em 26 nov. 2015. Tradução do

pesquisador.

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estas serem obedecidas inteiramente. Assim sendo, todos os gestos e celebrações

cultuais da Igreja Batista são baseados nas Escrituras. A Igreja Batista assume

poucos símbolos e seu entendimento sobre batismo e Ceia são diferenciados da

maioria das Igrejas cristãs. Apesar de existirem duas ordenanças na denominação

batista, o enfoque nesta pesquisa será apenas em relação à Ceia do Senhor.

Batismo e Ceia do Senhor são entendidos como duas ordenanças, ou seja,

ordens deixadas diretamente por Cristo para a reprodução na sua Igreja. A

“Declaração Doutrinária” expõe que: “O batismo e a Ceia do Senhor são as duas

ordenanças da Igreja estabelecidas pelo próprio Jesus Cristo, sendo ambas de

natureza simbólica.”158

O “Princípios Batistas” esclarece um pouco mais esta

questão: “São símbolos, mas sua observância envolve fé, exame de consciência,

discernimento, confissão, gratidão, comunhão e culto. [...] Envolve realidades

espirituais na experiência cristã.”159

A ordenança da Ceia do Senhor para a Igreja Batista é o memorial da

páscoa de Cristo, pois simbolicamente expressa a realidade que representa, ou

seja, morte e ressurreição do Senhor. A compreensão de simbolismo que aqui se

tem não significa um esvaziamento da realidade espiritual que se experimenta

durante a celebração da Ceia. O corpus doutrinário batista expressa a consciência

de que a Ceia do Senhor é muito mais que um mero símbolo. Se há algum ato de

culto que contém em sua essência a realidade sobre o que é ser Igreja, é a Ceia do

Senhor. Nela está contido o DNA da Igreja Cristã abrangendo todos os aspectos

necessários para sua saúde. É importante que aqui se registre o fato de que,

mesmo entre as denominações cristãs, existem formas diversas de se entender a

Ceia do Senhor; entretanto todas elas entendem a Ceia como “eucaristia”, como

ação de graças – o que nos mostra um fundamento comum de um dado bíblico.

Sendo fundamentalmente ação de graças, a Ceia apresenta também outros

aspectos, conforme é de nosso interesse mostrar em seguida.

A denominação batista tem em sua teologia aspectos de vários teólogos.

Com relação à Ceia do Senhor, ao ministrar a Ceia no culto, a denominação se

aproxima mais, através da prática, do pensamento de Zuínglio, embora, seja

158

CBB. Declaração Doutrinária. “IX – O Batismo e a Ceia do Senhor”. Pacto e comunhão. Rio

de janeiro: Convicção, 2012. p. 24. 159

CBB. Princípios Batistas. “A Igreja, 3 – Suas ordenanças”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro:

Convicção, 2012. p. 41.

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calvinista em sua Confissão de Fé. Sobre Zuínglio, Tillich declara que, para o

reformador, os sacramentos eram “sinal seguro ou selo que, como qualquer

símbolo, serve para nos despertar a memória; ao participar no sacramento

expressamos nossa vontade de pertencer à Igreja. O Espírito divino age ao lado

dos sacramentos e não por meio deles”160

. Ela é, então, um símbolo externo da

comunhão interna dos crentes em Jesus. Um instrumento nas mãos de Deus161

.

Na Ceia do Senhor, segundo a Doutrina Batista, os elementos continuam

como o que são: pão e vinho, e neles, em si, não se encontram meios de receber

graça. Qualquer ação que conceda graça vem do Espírito Santo, que age à parte

dos elementos. Na Ceia há uma identificação em amor com aquele que se doou até

a morte de cruz por obediência ao Pai e amor ao mundo162

. O coração quebrantado

e a mente renovada levam à consciência da necessidade e eficácia deste sacrifício,

representado pela Ceia do Senhor. Assim, o Espírito Santo age atuando na vida do

crente, que renova sua aliança com Deus e encontra-se novamente diante da

realidade deste gesto de amor salvador. O Espírito de Deus é quem promove

qualquer libertação e não os elementos.

Segundo J. L. Gonzáles, Zuínglio tinha um temor em relação a uma

supervalorização da Eucaristia. Sua preocupação era que os elementos recebessem

uma exaltação e até adoração que não lhes é devida, deixando o único Deus vivo e

verdadeiro à sombra do pão e do vinho163

.

M. Lienhard, comentando a respeito do pensamento teológico de Zuínglio

sobre a Eucaristia, deixa claro que instrumentos para afirmação da fé, no caso dos

elementos, seriam desnecessários, pois a fé em si já possui certeza, que por sua

vez depende exclusivamente de Deus para experimentar os efeitos da mente

liberta.

Esses sacramentos não teriam nenhuma significação naquilo que concerne à

libertação das consciências, porque somente Deus pode libertá-las. [...] A fé não

teria, além disso, necessidade de elementos exteriores para afirmar a sua certeza.

160

TILLICH, P. História do pensamento cristão. 4. ed. São Paulo: Aste, 2007. p.257 161

BERKHOF, L. Teologia sistemática. Campinas: Luz para o Caminho Publicações, 1990. p.661 162

Filipenses 2:8, João 3:16 163

GONZÁLES, J. L. Uma história do pensamento cristão: da Reforma Protestante ao século 20.

São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 95

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Ela a possui em si mesma. “Alimentar-se de Cristo, pão do céu”, significaria,

segundo João 6, crer no evangelho.164

A razão pela qual Zuínglio cria que a Ceia era apenas um símbolo externo

da comunhão interna de todos os crentes em Cristo, era o pressuposto que se a fé

não for absoluta por si mesma, precisando de sinais e cerimônias para existir,

então ela não é fé.165

Zuínglio lutava para vencer um misticismo incompreensível

com relação aos elementos da Ceia. Ele tencionava ser simples e claro em sua

exposição166

. Essa fé memorial que o reformador defende em seu ponto de vista

não é apenas passiva, mas ativa. M. J. Erichson, citando A.H. Strong, afirma que a

visão de Zuínglio sobre a Ceia do Senhor era a de um sacramento para relembrar a

morte de Cristo e sua eficácia em favor do crente. Ela é uma comemoração dessa

realidade e seu valor encontra-se no fiel receber, pela fé, os seus benefícios assim

como é ao ouvir um sermão, pois ambos são modos de proclamação.

Em ambos os casos, como em todas as proclamações, existem a essencialidade

absoluta da fé, para que se possa obter algum benefício. Podemos dizer, portanto,

que não se trata tanto do sacramento trazer Cristo ao comungante, mas da fé do

crente trazer Cristo para o sacramento.167

O “Princípios Batistas”, afirma ser a Ceia do Senhor um símbolo que

contém em si uma realidade espiritual profunda. Quando o termo “simbólico”, é

utilizado, passa a impressão de esvaziamento da realidade contida neste ritual168

tão especial para os batistas. Este símbolo, repleto da realidade que representa,

tem relação com as afirmações de Zuínglio, que era humanista, e expressavam que

o esperado do intérprete da Bíblia é que determine o "sentido natural das

Escrituras", não sendo necessariamente idêntico ao literal. A. McGrath afirma

que:

A busca de Zuínglio pelo significado mais profundo das Escrituras (que se opõe a

seu significado superficial) encontra-se bem retratada na história de Abraão e

Isaque (Gn 22). É possível assumir, com extrema facilidade, que os detalhes

históricos forneçam seu verdadeiro significado. Zuínglio alega que, na verdade, o

164

LIENHARD, M. Martim Lutero – Tempo, vida, mensagem. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

p.185 165

KLEIN, C. J. Os sacramentos na tradição reformada. São Paulo: Fonte Editorial, 2005. p.44 166

BERKHOF, L. Teologia sistemática. Campinas: Luz para o Caminho Publicações, 1990. p.659 167

ERICHSON, M. J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. p.470-471 168

Ritual no sentido da repetição, via de regra nas Igrejas Batistas, mensal, no entanto sempre com

o sentimento e disposição renovados para a participação da Ceia do Senhor.

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verdadeiro sentido da história apenas pode ser compreendido quando visto como

a antecipação profética da história de Cristo, de acordo com a qual Abraão

representa Deus, e Isaque é uma imagem (ou, mais tecnicamente, um "protótipo")

de Cristo169

.

É símbolo, mas não vazio. Ao fiel cabe perceber a profundidade por trás

do que os olhos apreendem como superficial. As palavras muitas vezes traem os

sentidos e os direciona para aquilo que é mais fácil perceber ou aquilo que é mais

difundido. Um bom exemplo é o que J. O. Sanches ressalta em sua obra

concernente à preocupação no entendimento errado sobre a Ceia do Senhor. A

questão aborda principalmente o uso indiscriminado dos termos “santa” ou

“santíssima”, gerando confusão em relação aos elementos da ordenança deixada

por Cristo.

Não em poucos casos, os membros da Igreja Batista confundem a Ceia do

Senhor com o Senhor da Ceia, atribuindo à mesma e ao pão e vinho a santidade

do Senhor como no exemplo a seguir: “O conceito de santo e santíssimo [...]

bloqueia o verdadeiro significado espiritual da Ceia. Passam a considerar como

santos, não a ordenança ou o seu simbolismo espiritual, mas os elementos que a

compõem: pão e vinho santos170

”.

A intenção da Doutrina Batista em adotar o pensamento de Calvino sobre

símbolo na Ceia do Senhor é o de precaução quanto às confusões a respeito dos

elementos. Muitos fiéis agem como se os elementos, um pedaço de pão e um

cálice de vinho, fossem mais poderosos que o sangue de Jesus que purifica de

todo pecado de uma vez para sempre.

Esse embate sobre os elementos foi abordado por Schillebeeckx que

contribuiu para uma compreensão sobre a questão dos elementos. O dom de

Cristo é aos fiéis e não se dá por ação natural, mas sobrenatural. Por Cristo que se

deu por todos através da morte na cruz.

O dom do próprio Cristo, no entanto, não é dirigido sobretudo ao pão e ao vinho,

mas aos fiéis. [...]. Nesta ceia memorial, o pão e o vinho tornam-se sujeitos a uma

nova definição de sentido. Embora permaneça fisicamente igual, pode ser elevado

a uma outra categoria de significado, [...], porque sua específica relação com o

169

MCGRATH A. Teologia sitemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã.

São Paulo: Shedd Publicações, 2010. p. 216. 170

SANCHES, J.O. Ortodoxia Batista. Rio de Janeiro: Convicção, 2010. p. 74

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homem desempenha um papel essencial na determinação da realidade à qual nos

referimos171

.

Para os Batistas a relação do memorial com o homem é no nível de uma

ordenança. O crente se submete ao que Cristo ordenou e cumpre sua vontade. A

ordenança é universal e perpétua, pois estabelece as verdades centrais da fé, que o

homem absorve ao participar da Ceia. A ordenança tem uma relação interna com

as verdades essenciais do Reino de Cristo por serem mandamentos de Jesus para

sua Igreja. A Igreja Batista adota a definição dada por Strong sobre ordenança e

sacramento que declara:

Uma ordenança é um rito simbólico que estabelece as verdades centrais da fé

cristã, [...]. Nenhuma ordenança é um sacramento no sentido romanista de

conferir graça; mas, como o sacramentum era o juramento feito pelo soldado

romano a obedecer seu comandante até à morte, neste sentido, Batismo e Ceia do

Senhor são sacramentos, no sentido dos votos de fidelidade a Cristo nosso

Mestre172

.

A Ceia do Senhor é observada pela Igreja Batista como um mandamento

de Cristo, e este deve ser observado e cumprido em todo o tempo

ininterruptamente, até que ele venha. A Igreja Batista, sobre “sacramento”,

entende que os elementos da Ceia não conferem graça. No entanto, não fica

excluída a certeza, pela fé e pela consciência, que este memorial traz consigo as

realidades espirituais profundas que o compõem.

A “Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira” orienta que

“A ceia do Senhor deve ser celebrada pelas igrejas até a volta de Cristo e sua

celebração pressupõe o batismo bíblico e o cuidadoso exame íntimo dos

participantes”173

.

A participação desta cerimônia tem duas exigibilidades: ser batizado por

imersão, que é a forma que os Batistas adotam sendo esse o modelo nas páginas

do Segundo Testamento. Esse modelo é aceito e praticado pela maior parte das

Igrejas Protestantes. Quem não é batizado por imersão, não pode participar deste

momento. O segundo o critério da denominação é o autoexame. Seu objetivo é

171

SCHILLEBEECKX, E. The Eucharist. London: Burns & Oats, 2005. p. 137 172

STRONG, A. H. Teologia Sistemática. V. 2. São Paulo: Hagnos, 2003. p. 696-697. 173

CBB. Declaração Doutrinária. “IX – O Batismo e a Ceia do Senhor”. Pacto e comunhão. Rio

de janeiro: Convicção, 2012. p. 24.

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permitir que o participante possa perceber suas limitações e meditar sobre as

condições em que se encontra no momento da realização da ordenança. Esse

autoexame permite que o fiel possa se lançar à percepção das realidades profundas

que os símbolos da Ceia trazem em si. A participação da Ceia do Senhor não pode

ser vista como uma opção, mas deve ser praticada, pois é uma ordem direta de

Cristo. J. Wesley diz que:

A primeira razão de afirmarmos que os cristãos têm esse dever baseia-se no fato

de que é ordem de Cristo. Vemos que é ordem sua no texto: "Fazei isto em

memória de mim", pelo qual, como os apóstolos eram obrigados a abençoar,

partir e dar o pão a todos os que se uniam a eles, assim eram os cristãos obrigados

a receberem os sinais do corpo e do sangue de Cristo. Ordenam-se, portanto, que

o pão e o vinho sejam recebidos em memória da sua morte até o fim do mundo.174

Essa compreensão de que apenas batizados podem participar da Ceia do

Senhor, envolve um pressuposto doutrinário. A posição Batista é a de que apenas

aqueles que são membros, seguidores de Cristo, compromissados através do

vínculo batismal, têm a condição de participar da mesa do Senhor. Aqueles que

não se renderam a Cristo tornando-se seus seguidores, ou seja, os pecadores não

redimidos, não podem receber os efeitos da obra do Espírito no momento da Ceia,

pois esta comunhão é somente para a Igreja como L. Berkhoff afirma:

A Ceia do Senhor se destina a crentes, e, daí, não serve de instrumento para a

origem da obra da graça no coração do pecador. Pressupõe-se a presença da graça

de Deus nos corações dos participantes. Jesus a ministrou unicamente aos Seus

seguidores professos;175

Somente o fiel que tenha o compromisso firmado com Cristo pode ser

chamado de Igreja, pois a Ceia do Senhor é sinal de relações continuadas176

.

Participar da Ceia do Senhor é declarar a fé em Jesus Cristo177

. Aqueles que não

se relacionam com ele não podem participar da mesa do Senhor, pois não têm

comunhão com Cristo. A ceia do Senhor é uma cerimônia da igreja reunida178

, diz

174

BURTNER R.W., CHILES R.E. compiladores. Coletânea da teologia de João Wesley. Rio de

Janeiro: Igreja Metodista, Colégio Episcopal, 1995. p. 252-253. 175

BERKHOFF, L. Teologia sistemática. Campinas: Luz para o Caminho Publicações, 1990.

p.661. 176

GRUDEM, W. Teologia sistemática atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. p. 823. 177

MAIA, H. Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos: Fiel, 2014. p.345. 178

CBB. Declaração Doutrinária. “IX – O Batismo e a Ceia do Senhor”. Pacto e comunhão. Rio

de janeiro: Convicção, 2012. p. 24.

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a “Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira”. É comunhão com o

Cristo vivo e seu povo179

, reforça o “Princípios Batistas”.

João Crisóstomo fala também sobre a não participação na Mesa do Senhor

daqueles que não estão preparados devido à não introdução nos mistérios que

envolvem a Igreja e Cristo em seu relacionamento mais íntimo. “Assim como não

convém que fique na assembleia pessoa alguma não iniciada nos nossos mistérios,

do mesmo modo não é conveniente que aí fiquem os iniciados que não estão

puros”180

.

A segunda exigência para a participação na Ceia do Senhor está

relacionada com a declaração de Crisóstomo. Não somente o não ser iniciado nos

mistérios é empecilho, mas também aqueles que se sentam indignamente na mesa

do Senhor não têm condições de fazer parte do banquete da comunhão. A

Confissão de Fé Batista de 1689 orienta de forma parecida.

As pessoas ignorantes e ímpias, visto não estarem propriamente adequadas para

desfrutar da comunhão com Cristo, são, portanto, indignas da mesa do Senhor, e

não podem tomar parte nestes santos mistérios, nem a ele serem admitidas sem

que cometam um grande pecado contra Cristo. Qualquer que comer do pão ou

beber do cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do

Senhor, comendo e bebendo juízo para si.181

O exame íntimo do fiel neste momento é imprescindível. A diferença desta

exigibilidade para a de ser batizado por imersão, está não em uma proibição, mas

na predisposição e entendimento deste ato de culto pelo fiel. O abster-se da Ceia

do Senhor não é incentivado de nenhuma maneira. O objetivo do autoexaminar-se

não é avaliar e se privar. É olhar para si entendendo a misericórdia do Senhor e

assim, sentir-se capaz de ser perdoado pelo Pai e convidado à sua mesa. J. C.

Ryle, em uma de suas obras, se referindo ao que é necessário para a participação

do fiel à Ceia do Senhor, fala:

[...] A Ceia do Senhor está posta diante de si por um Salvador misericordioso,

para auxiliá-lo a correr a carreira que tem diante de si. [...]. Não se espera do

179

CBB. Princípios Batistas. “A Igreja, 3 – Suas ordenanças”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro:

Convicção, 2012. p. 41. 180

JOÃO CRISÓSTOMO, “Homilias sobre a Carta aos Efésios”. In: Al. 2 ed. p. 173. 181

Confissão de Fé Batista de 1689. Capítulo 30. N. 8. Disponível em

http://www.reformed.org/documents/index.html?mainframe=http://www.reformed.org/documents/

baptist_1689.html. Acesso em 12 dez. 2015.

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comungante que seja um anjo, mas um pecador ciente de seus pecados e

confiante em seu Salvador. [...]. Ele deseja ver em Sua mesa não convivas

mortos, mas vivos; não o culto morto do comer e beber por formalidade, mas o

sacrifício espiritual de corações sensíveis e amorosos.182

Este ato é, então, o que definirá se o fiel entende realmente o que significa

a Ceia ou não. A mensagem é de continuidade de aliança. Abster-se é pressuposto

para o não arrependimento, para uma rejeição à mudança de comportamento, para

uma quebra de relacionamento com o Senhor de maneira voluntária.

A relação com a renúncia na participação da mesa do Senhor é direta sobre

o que este sacrifício representou, e o que esta ordenança possui em sua realidade

espiritual. Inácio de Antioquia, se referindo aos docetas, fala sobre o motivo de se

absterem da Eucaristia. “Abstêm-se da Eucaristia e da oração, porque não

acreditam que a Eucaristia é a carne do nosso Salvador Jesus Cristo, carne que

sofreu pelos nossos pecados e que o Pai, em sua bondade, ressuscitou”183

.

Ao não participarem da Ceia do Senhor os comungantes declaram com

seus atos que não crêem no sacrifício de Cristo na cruz, bem como na sua eficácia

em libertá-los do pecado. Os que procedem abstendo-se da comunhão com o

Senhor, mesmo libertos pelo sangue de cristo aspergido, agem como escravos.

Essa atitude demonstra que não entendem o real significado desta ação de graças

da Igreja reunida, tornando ineficaz a morte vicária de Cristo para perdão dos

pecados, “pois a Ceia é um ato de testemunho e renovação de nossa esperança na

promessa de Cristo”184

.

Assim, o fiel precisa examinar-se intimamente pedindo como no Salmo

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus

pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho

eterno” (Sl 139:23-24). Esta oração sincera do fiel é o que Deus deseja ouvir no

momento do autoexame, e não um abster-se da comunhão com a Igreja e com o

Senhor por um julgamento próprio, com a ótica deturpada.

O apóstolo Paulo realmente tinha em mente combater uma forma

pecaminosa de participar da Ceia do Senhor. Uma forma que os crentes da Igreja

182

RYLE, J.C. Knots Untied, Being Plain Statements on Disputed Points in Religions from the

Standpoint of the Evangelical Churchman. Londres: National Protestant Church Union, 1898. p.

219. 183

INÁCIO DE ANTIOQUIA, “Inácio aos esmirnenses, n. 7”. In: AL. 2ed. p. 120. 184

MAIA, H. Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos: Fiel, 2014. p.345.

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de corinto estavam fazendo com frequência, não discernindo a Igreja como corpo

ao se achegar à mesa do Senhor. Sua conduta egoísta os fazia agir como pessoas

que não têm estima pelo próximo, deturpando o sentido do memorial da Ceia. A

crítica não era pelo comer o pão e beber o vinho em si, mas ter um discernimento

para além do momento da ingestão dos elementos. W. Grudem esclarece bem esta

situação, quando declara que:

Em um sentido mais amplo, então, "examine-se cada um a si mesmo" significa

que devemos perguntar se os nossos relacionamentos no corpo de Cristo estão de

fato refletindo o caráter do Senhor com quem nos encontramos na ceia e a quem

representamos185

.

Examinar-se, como orienta Paulo, vai além do olhar para si. É verdade que

o ponto de partida é o indivíduo. O desafio é ir deste ponto de partida ao “de si

para os outros”, analisando a maneira como tem agido e o que tem refletido como

cristão e como integrante da Igreja. O objetivo do auto exame era atentar para os

detalhes de tudo que lhe cerca, pedindo ajuda ao Senhor para alcançar até os

confins mais distantes de sua lembrança. Essa atitude demonstra que o indivíduo

cristão está disposto a se deixar tratar pelo Espírito de Deus. Se assim não for,

incorre no erro de baratear a graça que foi conquistada na cruz. D. Bonhoeffer

declara em uma de suas obras que graça barata é “a Ceia do Senhor, sem

confissão de pecados”186

.

O Documento “Filosofia da Convenção Batista Brasileira”187

destaca em

suas páginas, que cada cristão tem responsabilidades. Estas têm íntima relação

com este exame individual e com suas relações como cristão no mundo. O

documento declara que os princípios que balizam a vida do crente batista são: o

livre exame da Palavra de Deus; a liberdade de consciência; a responsabilidade

pessoal para com a igreja local e outras coirmãs; a responsabilidade civil para com

o Estado; e o amor, que gera conduta e respeito ao próximo, testemunho e ação no

mundo”188

.

185

GRUDEM, W. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da fé cristã.

São Paulo: Vida, 2001. p. 434. 186

BONHOEFFER, D. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p.10. 187

Doravante este documento será citado como FCBB. 188

CBB. Filosofia da Convenção Batista Brasileira. “1.2-O indivíduo no propósito de Deus-O

crente Batista”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção, 2012. p. 68.

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A observância deste exame íntimo engloba a conduta cristã em todos os

aspectos no mundo; como visto na “Filosofia da Convenção Batista Brasileira”.

Obviamente que reduzidos a duas categorias: pecado e comunhão cristã, esses

pontos estão englobados, mas ressaltar individualmente cada um expõe os deveres

e responsabilidades do cristão diante de Deus, da Igreja e do mundo.

O convite do Senhor à participação dos fiéis em sua mesa é o de um

relacionamento espiritual com seu sacrifício vicário189

. Relacionamento possível

apenas com o esquadrinhamento do coração190

. Somente com esta postura é

possível o homem perceber sua limitação e total dependência de Cristo e assim, na

busca pelo constante crescimento, ser transformado pela ação do Espírito Santo

presente na Ceia do Senhor.

189

FERREIRA F; MYATT, A. Teologia sistemática: uma análise bíblica, histórica e apologética

para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 953. 190

CBB. Princípios Batistas. “A Igreja, 3 – Suas ordenanças”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro:

Convicção, 2012. p. 41.

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4. A contribuição do diálogo entre o BEM e os Documentos Batistas

Após uma breve apresentação do BEM e da denominação Batista sobre

sua história e prática da Ceia do Senhor é necessário estabelecer um diálogo entre

as dimensões Eucarísticas contidas no BEM e as da Ceia, segundo a compreensão

da Igreja Batista. Com isso pode-se perceber as similaridades entre a proposta de

Lima e a teologia Batista no âmbito do culto.

É importante esclarecer que existe um paralelo entre a concepção Batista

e a proposta do Documento de Lima, particularmente no que se refere às várias

dimensões da Ceia do Senhor. A documentação Batista por nós apresentada,

seguida do comentário de alguns teólogos citados em nossa pesquisa comprovam

isso. Ressaltar esse paralelismo é de capital importância para a nossa Dissertação.

4.1 O Documento de Lima e a Declaração Doutrinária e Princípios Batistas em diálogo

Falar sobre diálogo entre tradições cristãs nem sempre é algo simples de

ser promovido porque as interpretações sobre o tema da Ceia, em geral são

múltiplas e divergentes. Apesar desta realidade, existem esforços para uma

aproximação entre as Igrejas cristãs, e muitas delas, voluntariamente, têm se

colocado à disposição para a cooperação através do diálogo. No tocante a isso, a

“Filosofia da Convenção Batista Brasileira” preconiza – em vista do anúncio do

Reino de Deus – uma cultura de cooperação e de diálogo, seja entre as Igrejas

coirmãs, seja entre outras Igrejas e até mesmo entre os homens de boa vontade.

“Baseada no princípio da cooperação voluntária a Igreja (Batista) entende que,

juntando seus esforços aos de igrejas co-irmãs, pode realizar a obra comum de

missões, educação, formação de ministros e de ação social, com mais eficiência e

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amplitude197

”. Esta breve declaração expressa o desejo da realização da expansão

do Reino através da colaboração mútua, em que as Igrejas Cristãs, unindo forças,

devem caminhar para o cumprimento de sua missão comum. Esta união é, de certa

forma, o cumprimento do desejo de Cristo em vista da unidade, que é expressa,

proclamada e desejada através da celebração da Ceia do Senhor e da Eucaristia.

D. Ivo Lorscheider, na apresentação à primeira edição do Documento de

Lima, expressa o desejo de que muitos cristãos possam ler e estudar as páginas

desse Documento, penetrando nas riquezas bíblico-teológicas nele contidas. Isso

poderia ser de enorme ajuda às Igrejas cristãs no sentido de responder ao apelo

que o Espírito de Cristo nelas hoje suscita198

. Isso demonstra o interesse e a

urgência na busca pela unidade dos cristãos. O pensamento do citado autor parece

estar em total sintonia com a “Filosofia da Convenção Batista Brasileira”, o que

mostra que estamos mais próximos e convergentes no âmbito do diálogo do que

se pode imaginar. De maneira “virtual” os dois documentos já podem sentar-se à

mesma mesa e partilhar o pão da unidade através de suas propostas; tal realidade

só pode estimular o caminho rumo ao diálogo e à unidade.

O ardente desejo pela unidade, promovido pelo Espírito de Cristo, gera nos

corações dos fiéis o anseio para que todos os cristãos participem da mesma mesa –

do mesmo pão e do mesmo cálice. Esse desejo é o fulcro da proposta do

Documento de Lima e, porque não dizer, de algumas linhas da teologia registrada

nos documentos Batistas. Em geral, as resistências à unidade dizem respeito mais

ao campo da práxis pastoral das Igrejas locais.

Os Documentos Batistas, ao tratarem da Ceia do Senhor, enfatizam a

importância que as palavras das Escrituras e os gestos do partir do pão e beber do

cálice têm para a vida da Igreja e dos fiéis. A celebração da Ceia, nesse sentido,

quer ser um testemunho da Palavra, contido nas Escrituras, mormente aquelas da

instituição da Ceia do Senhor. Os gestos realizados durante a celebração são como

que a reprodução do gesto de amor plenamente expresso por Cristo aos seus

discípulos e à sua Igreja, na véspera de sua Paixão e que se consumaria com sua

morte na cruz.

197

CBB. Filosofia da Convenção Batista Brasileira. “1.1-A Igreja”. Pacto e comunhão. Rio de

janeiro: Convicção, 2012. p. 68. 198

BEM. Apresentação à primeira edição. p. 4.

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O BEM declara que a refeição eucarística serviu-se de símbolos que

representavam a realidade do sacrífico de Cristo, gesto do amor imensurável de

Deus pelos homens. “Uma refeição litúrgica que utilizava palavras e gestos

simbólicos [...]. Através de sinais visíveis, nos comunica o amor de Deus em Jesus

Cristo, o amor com que Jesus amou os seus ‘até ao fim’ (João 13:1)”199

. A

primeira frase desta formulação do Documento de Lima está de acordo com

aquilo que está expresso na Declaração Doutrinária da Convenção Batista

Brasileira, que declara ser a Ceia do Senhor uma cerimônia da comunidade de

fiéis. Suas palavras esclarecem que esta simboliza o sacrifício vicário de Cristo.

As duas declarações afirmam que os símbolos utilizados na Ceia do Senhor são

representações da realidade suprema do amor de Deus. “É uma cerimônia da

igreja reunida, comemorativa e proclamadora da morte do Senhor Jesus Cristo,

simbolizada por meio dos elementos utilizados: O pão e o vinho. Nesse memorial

o pão representa seu corpo dado por nós no Calvário e o vinho simboliza o seu

sangue derramado”200

.

C. Giraudo explica que alguns termos foram esvaziados pela linguagem

moderna de sua dimensão real, como no caso de “sinal”, “figura”, “semelhança” e

“símbolo”. A palavra “sacramento”, bem como “memorial”, inclusive, é

equivalente aos termos acima citados; lamentavelmente eles sofreram a perda de

seu sentido mais profundo principalmente no âmbito da catequese aos fiéis. Isso

faz com que, muitas vezes, eles sejam abordados apenas nos âmbitos acadêmicos

e teológicos201

. Mesmo que estes termos tenham sido empobrecidos, em sua

essência permanecem com a mesma profundidade e sentido, tanto que o BEM e os

Documentos Batistas utilizam “símbolo” em sua redação. Mesmo utilizando-se

desta palavra, o significado contido e exposto nos Documentos em diálogo

permanece profundo e cheio da verdade que representam. No campo Batista, por

exemplo, quando se fala em “símbolo” não se pensa em algo vazio e pobre, mas

em uma realidade cheia de significado.

199

BEM. n. 1. 200

CBB. Declaração Doutrinária. “VIII-Igreja”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção,

2012. p. 23. 201

GIRAUDO, C. Num só corpo. Tratado mistagógico sobre Eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003.

p. 509-510. Inclusive no trecho citado existe um quadro com os termos equivalentes que Giraudo

utiliza para demonstrar a relação entre o termo “sacramento” e os demais que perderam sua força.

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O Documento de Lima e a “Filosofia da Convenção Batista Brasileira”

mostram que a refeição eucarística, apesar de ser chamada de “símbolo”, é uma

realidade tão profunda que até mesmo ganha força de proclamação pela Igreja

reunida e fortalecida pelo Espírito Santo. O “símbolo” eucarístico celebrado pela

assembléia cristã torna-se memória e imagem da obra pascal de Cristo, por nós

morto e ressuscitado. É exatamente essa obra pascal que é simbolizada pelo pão e

pelo vinho que representam o corpo e sangue de Cristo, memorial da nova Aliança

(1Co 11:25). Sempre que celebra esse memorial, a Igreja torna-se “símbolo” da

fidelidade de Deus, o qual mantém sua Aliança, uma vez que, por Cristo, adquiriu

para si homens de toda tribo, língua, povo e nação (Ap 5:9). O “símbolo” do

corpo de Cristo e de seu sangue derramado por nós torna-se a proclamação da

Igreja sempre que celebra a Ceia do Senhor; nessa proclamação a Igreja também

vê-se representada. Ela contempla-se naquele que foi partido e fez de todos um só

Corpo, por meio do Espírito. Nisso consiste a vocação de unidade à qual foi

chamada a Igreja do Senhor.

Por meio do mistério que celebra, a Igreja é destinada a proclamar a boa

nova da unidade. O texto de Lima afirma que a Eucaristia é por excelência o

sacramento que gera a unidade, dom que Deus nos faz em Cristo pelo poder do

Espírito Santo. Nesta refeição eucarística, Cristo nos concede a comunhão com

ele202

. Para os Batistas, o Batismo é o início desta comunhão com o Mestre

através da representação da morte, e ressurreição de Jesus, gerando no fiel uma

identificação simbólica com Cristo. Em relação ao entendimento Batista P. Gentry

crê que o “Batismo retrata de maneira dramatizada o início da relação de aliança

com Deus, por meio de Jesus Cristo, pela fé, e a Ceia do Senhor retrata a

continuação desta relação”203

. Esta comunhão é reafirmada cada vez que o fiel

participa da celebração da Ceia do Senhor. Ele reafirma com seus atos que se

compromete a manter esta Aliança iniciada em Cristo. A Ceia é atualização e

manutenção da coparticipação nos planos de Deus em que a Igreja tem papel

fundamental em promover sua esperança na Rocha que é Jesus. Tanto Lima como

202

BEM. n.2. 203

GENTRY, P. “The Lord’s Supper. BF&M Article 7b”. An Exposition from the Faculty of The

Southern Baptist Theological Seminary on The Baptist Faith and Message 2000. (Louisville: The

Southern Baptist Theological Seminary, 2001). p. 25-28. Disponível em:

<http://www.sbts.edu/resources/booklets/an-exposition-from-the-faculty-of-the-southern-baptist-

theological-seminary-on-the-baptist-faith-and-message-2000/>. Acesso em 15 dez 2015.

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os Documentos Batistas, declaram que a Ceia do Senhor é celebração de

comunhão com o Ressuscitado. E esta celebração da Igreja é um ato de comunhão

continuada com o Senhor Jesus que envolve várias dimensões, cada uma delas

repletas de significado.

Apesar das semelhanças existentes entre os documentos que estamos

considerando é notório que o Documento de Lima apresenta uma riqueza de

detalhes no que se refere às dimensões da Eucaristia em relação à Ceia do Senhor.

Enquanto o Documento de Lima desenvolve de maneira mais detalhada as

dimensões eucarísticas, as dimensões da Ceia do Senhor são expostas de maneira

muito resumida. Neste caso – apesar de os Documentos Batistas atuais da CBB se

complementarem em relação à Ceia – eles carecem de um desenvolvimento mais

detalhado e uma teologia mais robusta sobre o memorial, embora as verdades

essenciais sobre a Ceia do Senhor estejam presentes nos textos dos Documentos

Batistas da CBB, como exposto a seguir: “A ceia do Senhor, observada através

dos símbolos do pão e do vinho, é um profundo esquadrinhamento do coração,

uma grata lembrança de Jesus Cristo e sua morte vicária na cruz, uma abençoada

segurança de sua volta e uma jubilosa comunhão com o Cristo vivo e seu

povo”204

.

Definitivamente a formulação do Documento de Lima e dos Documentos

Batistas não é idêntica. Todavia é possível observar que as dimensões eucarísticas

propostas por Lima, quando aproximadas dos “Princípios Batistas” apresentam

várias similitudes. Exemplifiquemos isso a partir de algumas normas e

ensinamentos contidos nos documentos que abordam a Ceia do Senhor. A

expressão, por exemplo, “grata lembrança de Jesus Cristo e sua morte vicária na

cruz”, é uma referência à ação de graças e à anamnese na Eucaristia. A frase “uma

abençoada segurança de sua volta” é o equivalente à refeição do Reino. “Uma

jubilosa comunhão com o Cristo vivo e seu povo”, por sua vez, indica a

comunhão dos fiéis. Segundo a concepção Batista, por exemplo, a expressão

“esquadrinhamento do coração” é uma invocação do Espírito, pois o autoexame

pressupõe a predisposição do fiel em ser moldado pelo Espírito Santo; a

204

CBB. Princípios Batistas. “A Igreja. n.3”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção, 2012.

p. 41.

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comunhão de Cristo com seu povo, por exemplo, só é possível pela ação do

Espírito.

Após apresentar as similitudes entre os documentos, embora de maneira

resumida, é possível continuar com o diálogo e aproximação entre os textos e sua

mútua contribuição sobre a Ceia do Senhor fazendo, sempre que necessário,

reflexões sobre o tema. Para tanto, em resposta ao convite da Comissão de Fé e

Ordem do Conselho Mundial de Igrejas, a Sociedade Mundial Evangélica205

,

produziu uma resposta ao BEM chamado “Relatório do texto de Lima: Batismo,

Eucaristia e Ministério com a resposta evangélica”. Neste documento foi

formulado um diálogo sobre o parecer evangélico a respeito do BEM.

Sobre a dimensão de Ação de Graças os eruditos evangélicos, em resposta

ao BEM, concordam com o Documento de Lima: “a seção sobre ação de graças

reconhece que ‘este sacrifício de louvor só é possível por Cristo206

’”. Tal posição

deve-se pela interpretação que a maioria dos evangélicos tem, incluindo os

Batistas, sobre o que é esta ação de graças. Ela está em função do sacrifício que

Cristo realizou para a salvação e não envolve uma representatividade de toda a

criação através da Igreja sendo, única e exclusivamente, reflexão de cada salvo,

em gratidão, sobre este gesto de Deus Pai através de Cristo.

A posição exposta pelo BEM é mais abrangente, segundo consta no

Documento de Lima, e inclui todos os atos de Deus desde a criação, até a plena

consolidação do Reino. E este entendimento acrescenta a dimensão sacrificial da

Igreja em nome de toda criação207

. O pensamento Batista e evangélico é mais

específico quanto a isto e entende que esta ação de louvor direcionada ao Pai, está

ligada ao que Jesus Cristo conquistou na cruz. Para os Batistas a ação de graças é

205

RANDALL, I. in STILLER, B. (Ed). Evangelicals Around the World: A Global Handbook for

the 21st Century. Harper Collins, 2015. p. 210-218. The World Evangelical Fellowship (WEF)

began in 1951. (The WEF changed its name to WEA fifty years later.) An ongoing impetus toward

Evangelical unity, stemming back to the creation of the Evangelical Alliance in London in 1846,

contributed to the creation of the WEF. The aim then was a world body that would counter

Evangelical fragmentation. This hope foundered over deep disagreements about whether or not

slaveholders in the southern states of America could be members. The opposition to membership

by slaveholders was led especially by British Evangelicals. 206

SCHROTENBOER, P. (Ed). Baptism, Eucharist and Ministry with an evangelical response.

Prepared by the World Evangelical Fellowship, June, 1989. p. 10. 207

BEM. n. 4.

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em louvor ao ato sacrificial e vicário de Cristo208

. Sobre este ponto Grudem

afirma que:

Quando participamos da ceia do Senhor, simbolizamos a morte de Cristo, porque

nossas ações delineiam um quadro de sua morte por nós. Quando o pão é partido,

simboliza o partir do corpo de Cristo; e quando o conteúdo do cálice é derramado,

simboliza o sangue de Cristo vertido por nós. Essa é a razão pela qual a

participação na ceia do Senhor é também uma espécie de proclamação: “Porque,

sempre que comerem deste pão e beberem deste cálice, vocês anunciam a morte

do Senhor até que ele venha” (1 Co 11.26).209

.

A vida do fiel foi conquistada pelo sacrifício cruento quando o corpo de

Jesus foi partido e seu sangue derramado. O dever do cristão, que comeu e bebeu

da vida daquele que morreu, é recordar que sua própria vida fluiu através da morte

do Senhor na cruz. Esta vida é devida a Cristo e celebrada em ação de graças ao

seu sacrifício por todos os homens210

. No aspecto da dimensão eucarística se

entende que o favor de Deus, através da morte de Cristo, alcançou toda criação e

não somente os homens. Cristo manifestou seu amor por todas as coisas que Deus

criou. O sacrifício de Cristo, portanto, é parte da obra total do Deus Trino que

envolve a criação, redenção e santificação. Assim a Igreja através da Eucaristia

celebra, em forma de ação de graças, a totalidade da obra de Deus211

e juntamente

com Cristo, se oferece para louvor e glória de Deus em uma entrega voluntária e

sacrificial como exemplo para o mundo. A Paixão de Cristo é suficiente para ser o

modelo de toda a nossa vida212

. Orígenes, diz:

Só nos recusamos a sermos ingratos para com Deus, que nos encheu de

benefícios, pois somos criaturas suas, objeto de sua providência, seja qual o for o

seu juízo sobre nossa condição, e, depois da nossa vida, esperamos o que Ele nos

prometeu. Nós até temos, como símbolo da gratidão para com Deus, o pão que se

chama “Eucaristia”.213

208

CBB. Declaração Doutrinária. n. IX. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção, 2012. p.

24. 209

GRUDEM, W. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da fé cristã.

São Paulo: Vida, 2001. p. 428. 210

SCHREINER, T. R. CRAWFORD, M. R. The Lord’s Supper: remembering and proclaiming

Christ until he comes. Nashville, Tennessee: B&H Academic, 2010. p. 19. 211

HACKMANN, G. L. B. A amada igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como

comunhão orgânica. Rio Grande do Sul: EDIPUCRS, 2003. p. 83. 212

SANTO AGOSTINHO in TREVISAN, A. O credo. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 55. 213

ORÍGENES, “Contra Celso. Livro VIII. n. 57”. In: AL. 2 ed. p. 288.

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A maneira como a teologia batista pensa sobre a ação de graças, não

envolve uma entrega em sacrifício no momento específico da Ceia do Senhor. Ela

ressalta que esta entrega deve ser diária desde o dia da resposta positiva ao convite

do Senhor até o dia do grande encontro com o Pai no Reino eterno. É entrega

sacrificial do ego, em amor pela Paixão para que Cristo possa viver pela vida

conquistada e resgatada do fiel (Gl 2:20). Por esta Paixão, a Igreja recorda –

através da celebração da Ceia do Senhor – de maneira sempre viva o seu Mestre.

É lembrança avivada dinamizada pelo Espírito Santo. É assumir a vida de Cristo

mantendo o fiel sempre unido à conquista da entrega de amor por sua morte e

ressurreição. Essa entrega é ato consumado e eficaz que conquistou de uma vez

por todas os benefícios desta doação na cruz. Na ação de graças a Igreja traz à

memória aquilo que lhe dá esperança, e a cada vez que proclama, pela

participação da Ceia do Senhor, torna a celebração Memorial do Cristo vivo.

Este Memorial, segundo o Documento de Lima, reforça que a Eucaristia é

sinal vivo e eficaz do sacrifício irrepetível de Cristo na cruz, a presença do próprio

Cristo no memorial é lembrança do passado, mas não somente isso. É

proclamação das promessas de Deus e de sua grande obra. E por fim é

representação e antecipação através da intercessão com Cristo214

. No documento

Batista chamado “Respostas às perguntas mais frequentes sobre quem são os

Batistas215

”, há uma pequena explicação sobre o Memorial da Ceia do Senhor.

Seu texto afirma que:

A ordenança da Ceia do Senhor é um ato simbólico, em memória da morte do

Senhor Jesus Cristo, ato de que participam todos os crentes. A observância da

Ceia é ocasião de auto-exame, reavivamento e ações de graças dos membros da

igreja. Os Batistas não creem que o pão e o vinho sejam literalmente

transformados no corpo e sangue de Cristo. Mas a cerimônia focaliza unicamente

a presença transformadora do divino Mestre em Espírito216

.

Os Batistas entendem que há a presença de Cristo no momento da

celebração, bem como o aspecto da proclamação de sua morte e esperança na

ressurreição. H. Maia diz em sua obra que “participar dignamente da Ceia do

214

BEM. n. 5-8. 215

Doravante este documento será denominado como RPFSB. 216

CBB. Respostas às perguntas mais frequentes sobre quem são os Batistas. “Como observam os

Batistas a Ceia do Senhor?”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção, 2012. p. 115.

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Senhor, além de anunciar a morte de Cristo, é ao mesmo tempo a proclamação da

bendita esperança de seu regresso vitorioso”217

. Ela é um ato de testemunho e

renovação da esperança na promessa do retorno de Jesus e esta esperança

fundamenta-se na vida, morte e ressurreição de Cristo. A expectativa do futuro

fundamenta-se na realidade contida no passado, pela entrega de Cristo à morte,

mas eficaz para muitos (cf. Mt 26:28) em toda história. “A igreja reunida, come o

pão e bebe o vinho, como sinal de sua constante dependência daquele Salvador

que uma vez foi crucificado e agora está ressuscitado, em sinal da permanente

comunhão da morte e ressurreição de Cristo”218

.

O termo “memorial”, usado para se referir à Ceia do Senhor foi motivo de

preocupação conforme afirma M. T. F. Cardoso “Para os Anglicanos haveria o

receio de que se comprometesse o ‘uma vez para sempre’ do sacrifício de Cristo.

Para os católicos, haveria o receio de se reduzir a celebração eucarística a uma

ceia, sem o devido reconhecimento de que se trata de um sacrifício”.219 A mesma

autora mostrou que o conceito de memorial, embora estivesse entre as

preocupações iniciais, tornou-se importante no avanço do diálogo, mesmo

considerando que o diálogo deva ainda prosseguir.

Mesmo sendo uma preocupação legítima, a utilização de “memorial” não

esvazia o sentido da Ceia ou Eucaristia. A. H. Strong, teólogo Batista, afirma em

sua obra que aquele que crê tem vida participando de Cristo, como Cristo tem

vida participando do Pai. Strong desenvolve sua explicação com base no texto

Inspirado demonstrando que a Ceia do Senhor, segundo a Teologia Batista, não

esvazia o significado sacrificial através do termo “memorial”. Referindo-se a Jo

6:53, 56-57, o nosso autor afirma que o crente tem a vida através da participação

de Cristo. Ele sugere que na Ceia do Senhor o batizado começa a fazer parte da

koinonia, da comunhão da vida trinitária220

.

217

MAIA, H. Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos: Fiel, 2014. p.

396-397. 218

STRONG, A. H. Teologia sistemática: A Doutrina de Deus. V2. São Paulo: Hagnos, 2003. p.

736. 219

CARDOSO, M. T. F. A Eucaristia no diálogo ecumênico: Verificação e apreciação, em

perspectiva católica, dos principais elementos doutrinais sobre a Eucaristia nos documentos do

diálogo misto internacional com participação da Igreja Católica. V 2. 2002. 422 f. Tese

(doutorado)-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Teologia, 2002. 220

Cf. STRONG, A. H. op. cit. p. 501.

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Assim como Strong afirma que o crente tem vida participando de Cristo,

Agostinho diz que “Foi crucificado para mostrar na cruz a morte do homem velho

em nós, e ressuscitou para mostrar na sua vida a novidade da nossa vida... [...] A

sua Ressurreição dá-nos uma vida nova... Vivemos nessa esperança”221

Na Ceia

do Senhor o fiel batista declara sua esperança nesta nova vida conquistada por

Cristo.

A teologia batista mantém viva a profundidade da Ceia do Senhor com

relação ao memorial, pois, refere-se não somente ao sacrifício histórico ou a

esperança futura, mas à “eficácia atual da obra de Deus”222

. Uma significativa

diferença a respeito do memorial no Documento de Lima e nos Documentos

Batistas é a respeito do tema da intercessão: quando a Igreja celebra a Eucaristia

ela se une à intercessão de Cristo em favor de toda criação; e esse dado não se

encontra na teologia batista à respeito da Ceia. Os Batistas creem em Cristo como

único intercessor, mas especificamente a respeito dos homens e não por toda

Criação. De fato, o memorial é ação de graças ao Pai por todos os seus benefícios

em favor dos homens pela morte de Jesus. A intercessão da Igreja em unidade

com Cristo seria unicamente pelos homens, e por seu arrependimento, através do

Espírito Santo, restando apenas a decisão de aceitar o convite de Deus Pai por

Cristo. Esta intercessão é realizada na confiança da ação do poder do Espírito

Santo. Ele, presente na celebração da Ceia, é quem impulsiona a Igreja a

interceder por todos os homens.

O Documento “Respostas às perguntas mais frequentes sobre quem são os

Batistas” afirma que a “observância da Ceia é ocasião de auto-exame, reavivamento

e ações de graças dos membros da igreja.”223

. Segundo a teologia batista, o

Espírito Santo se encontra presente quando os crentes estão reunidos. A teologia

joanina afirma que o Espírito é aquele que convence o cristão e o leva a uma

reflexão e arrependimento. Na medida em que cada participante da Ceia se abre à

ação do Espírito de Deus, torna-se capaz de perceber, através do auto-exame, sua

necessidade de arrependimento.

221

AGOSTINHO DE HIPONA, “SERMÃO 231”. In: CORDEIRO, J. L. op. cit. p.1081. 222

Cf. SCHROTENBOER, P. (Ed). Baptism, Eucharist and Ministry with an evangelical

response. Prepared by the World Evangelical Fellowship, June, 1989. p. 11. 223

CBB. Respostas às perguntas mais frequentes sobre quem são os Batistas. “Como observam os

Batistas a Ceia do Senhor?”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção, 2012. p. 115.

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Os fiéis que participam da Ceia do Senhor declaram sua gratidão e

confiança nos efeitos da entrega de Jesus na Cruz; ele entregou-se ao Pai, no

poder do Espírito Santo (cf. Hb 9:14). Os Batistas acreditam que Deus concede

efetivamente seu dom de graça, através da Ceia do Senhor unicamente quando a

promessa do evangelho é apreendida pela fé atuando no sacramento como

“palavra visível”. Sublinhar a necessidade da fé pessoal é uma forma de

homenagear a liberdade do Espírito e da pureza da justificação sem obras224

.

Dídimo, o Cego, faz declaração sobre esta confiança, exercida pela fé, no

sacrifício do Deus Filho.

A comunhão imortal do Corpo e Sangue do Senhor, que certamente compramos

em conjunto com a nossa renovação, pagando-a com fé e não com dinheiro, mas

recebendo-a também como dom gratuito... Nós, os espirituais, não só vemos e

ouvimos, mas somos iluminados gratuitamente pelo Espírito Santo e gozamos

desses bens, participando do Corpo de Cristo e provando da fonte imortal225

.

A posição Batista sobre a Ceia é a mesma da maioria dos reformadores.

Nossa posição e a deles é a de que a Ceia não tem o aspecto sacrificial. A razão de

nossa posição fundamenta-se biblicamente: o sacrifício cruento de Cristo foi

realizado uma vez por todas. A Ceia ou Eucaristia, dessa forma é memorial desse

sacrifício226

. Na celebração deste memorial, “pelo Espírito, a igreja é elevada às

alturas na ceia, a fim de experimentar comunhão com o Senhor glorificado, para

ter nutrida sua fé”227

. Esta posição encontra-se em concordância com a Confissão

de Fé Batista de 1689228

.

Sobre a questão da presença de Cristo na Ceia, o texto do “Respostas às

perguntas mais frequentes sobre quem são os Batistas” assim diz: “A cerimônia

focaliza unicamente a presença transformadora do divino Mestre em Espírito”229

.

Para os Batistas esta presença não se dá nos elementos, mas de forma espiritual.

Pão e vinho são símbolos, ou seja, representações de uma realidade muito maior

224

SCHROTENBOER, P. (Ed). Baptism, Eucharist and Ministry with an evangelical response.

Prepared by the World Evangelical Fellowship, June, 1989. p. 11-12. 225

DÍDIMO, O CEGO, “A Trindade. Livro II. n. 14”. In: AL. 2 ed. p. 654. 226

BERKHOF, L. Teologia sistemática. Campinas: Luz para o Caminho Publicações, 1990. p.

644-645. 227

FERREIRA F; MYATT, A. Teologia sistemática: uma análise bíblica, histórica e apologética

para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 944. 228

Cf. Confissão de Fé Batista de 1689, Artigo 30. 1-8. 229

CBB. Respostas às perguntas mais frequentes sobre quem são os Batistas. “Como observam os

Batistas a Ceia do Senhor?”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção, 2012. p. 115.

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do que eles mesmos transmitem. Acerca da temática da teologia do símbolo –

sobretudo no modo de pensar da Patrística –, bastante diluída na catequese cristã

atual, não é nosso intento discorrer. A questão é demasiadamente complexa para

ser tratada aqui. Nosso objetivo é apenas registrar como a práxis batista considera

este aspecto.

O pão e o vinho não têm qualquer poder – segundo o entendimento Batista

– no entanto, a morte vicária de Cristo tem efeitos sobre a vida do crente, e este é

beneficiário deste sacrifício. A expressão Batista apresentada no início desta parte

engloba toda realidade sobre os benefícios ao crente na morte de Cristo ao

participar da Ceia, bem como a presença e ação do Espírito do Mestre na vida do

fiel. O verdadeiro efeito na participação da Ceia encontra-se pela fé na presença

do Mestre em Espírito230

. O crente Batista, ao examinar-se, auxiliado pelo Espírito

Santo, percebe-se totalmente dependente do favor de Deus. Compreende sua

limitação e incapacidade de salvar-se por seus méritos. Consciente da necessidade

de santidade, requisito necessário como afirma Cirilo de Alexandria231

, rende-se

ao agir restaurador do Espírito do Mestre presente na celebração da Ceia do

Senhor232

. Cristo, como afirma Teófilo de Alexandria, “reanima nossas forças”233

,

por seu Espírito. O fiel, por sua vez, reafirma – através da celebração da Ceia –

sua esperança e fé na morte vicária de Cristo pelos pecados do mundo234

. Assim,

pode experimentar os efeitos e benefícios da entrega de Jesus ao Pai em sua

própria vida 235

. Ao ingerir o pão e beber o vinho, o cristão reafirma com o

coração ardente sua fé, não nos elementos, mas no que eles representam e

figuram. Sua fé encontra-se no Mestre presente em Espírito na celebração, e em

sua obra.

O BEM expressa em suas linhas sobre a Eucaristia como invocação do

Espírito, a estreita relação do Espírito com o Filho em uma união indissolúvel. A

230

STRONG, A. H. Teologia sistemática: A Doutrina de Deus. V2. São Paulo: Hagnos, 2003.

p.742. 231

CIRILO DE ALEXANDRIA, “A adoração em Espírito e Verdade – LIVRO XI”. In: AL. 2 ed.

p. 1166. 232

CBB. Respostas às perguntas mais frequentes sobre quem são os Batistas. “Como observam os

Batistas a Ceia do Senhor?”. Pacto e comunhão. Rio de janeiro: Convicção, 2012. p. 115. 233

TEÓFILO DE ALEXANDRIA, “Homilia sobre a Ceia Mística”. In: AL. 2 ed. p. 757. 234

CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e

pesquisa. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. Institutas IV, Cap. XIV, 12. 235

Confissão de Fé Batista de Londres de 1689. Capítulo 30. N. 7. Disponível em

http://www.reformed.org/documents/index.html?mainframe=http://www.reformed.org/documents/

baptist_1689.html. Acesso em 12 dez. 2015.

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Eucaristia assume assim um caráter epiclético. O Espírito age atualizando as

palavras de Cristo, santificando os comungantes e mantendo fortalecida sua

confiança para executar sua missão. Já o entendimento sobre a Ceia do Senhor na

visão Batista é demonstrado pela mesma dependência da ação do Espírito de

Cristo presente na celebração. A Declaração de Fé Batista de 1689, bem como as

demais, falam a respeito dessa fé expressa pelo BEM. Tanto o louvor a Deus,

como a certeza da presença de Cristo, ainda que de modo espiritual, a ação do

Espírito Santo sobre a Igreja e a importância dos elementos e das palavras de

Cristo podem ser vistas nas declarações Batistas, expostas em seus artigos e

parágrafos.

A nossa proposta neste item foi abordar a relação bastante estreita que

existe entre o Documento de Lima e os principais Documentos Batistas

concernentes ao tema da Ceia do Senhor: “Declaração Doutrinária da Convenção

Batista Brasileira”; “Filosofia da Convenção Batista Brasileira”; “Princípios

Batistas”; “Quem são os Batistas? Resumo Histórico”; “Respostas às perguntas

mais freqüentes sobre quem são os Batistas”. Segundo nosso parecer, as principais

temáticas que mereciam ser abordadas nesse confronto são precisamente a ação de

graças, o memorial, a ação do Espírito Santo e a presença de Cristo. Todos esses

temas refletem a íntima relação que existe entre Cristo e sua Igreja. É impossível

pensar no mistério do Corpo de Cristo e na sua edificação, conforme se pode

verificar na teologia paulina, prescindindo da realidade vital que é a Ceia do

Senhor.

4.2 A compreensão dos fiéis Batistas sobre a Ceia do Senhor

O texto do BEM e dos Documentos da Convenção Batista Brasileira

apresentam algumas similitudes contribuindo mutuamente com nossa pesquisa em

relação à Ceia do Senhor. O Documento de Lima expressa as dimensões da

Eucaristia de forma clara, o que facilita a compreensão sobre a realidade profunda

que a Ceia do Senhor guarda em si.

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Os batistas exprimem de forma simplificada as verdades profundas que o

Documento de Lima expõe. Através de frases objetivas eles buscam definir por

seus Documentos a importância da Ceia do Senhor, o seu significado e o seu lugar

na vida da Igreja e do fiel. A compreensão sobre tão importante celebração exige

um conhecimento correto acerca das dimensões eucarísticas que expressam a

totalidade da Ceia.

A segunda parte deste capítulo de nossa pesquisa abordará o tema da

celebração da Ceia do Senhor – seu ensino e sua recepção. O nosso objetivo será

detectar possíveis conflitos entre o que é ensinado e entendido sobre a Ceia do

Senhor em relação aos itens que definem esta ordenança nos Documentos

Batistas. Para tanto foram entrevistados trinta fiéis de Igrejas Batistas filiadas à

Convenção Batista Brasileira na região de Guadalupe e adjacências. Foi pedido

que falassem tudo o que lembravam sobre a ordenança da Ceia do Senhor,

segundo sua denominação. E que respondessem perguntas específicas sobre o

memorial.

As características sobre a compreensão dos fiéis acerca da Ceia

provavelmente são similares em outras Igrejas Batistas filiadas à CBB. Assim, os

dados aqui mencionados podem representar a realidade em outras Convenções ou

Associações Batistas regionais. Nossa abordagem apresentará a percepção dos

membros das Igrejas Batistas no bairro de Guadalupe e bairros vizinhos no que se

refere à práxis do culto. Não pretendemos, nesse colóquio com fiéis batistas,

tomar suas afirmações como se fossem uma realidade da Associação e Convenção

Batista; nosso trabalho se limitou apenas à circunscrição da citada região.

O tema da Ceia do Senhor como memorial de Cristo e ordenança deixada

por ele para que este memorial seja repetido até que ele retorne foi um dos

aspectos mais importantes da nossa entrevista. A totalidade dos fiéis respondeu

que a celebração da Ceia é uma ordem deixada por Cristo antes de sua morte e

ressurreição e tem como objetivo a lembrança deste sacrifício por amor aos

homens. Os Documentos Batistas, sempre que se referem ao memorial da Ceia do

Senhor declaram a mesma coisa. De fato, a Ceia traz à memória o sacrifício de

Cristo pelos pecados do mundo. Afirmar que o memorial é lembrança do

sacrifício de Cristo está em conformidade com a doutrina Batista. No entanto,

quando os fiéis foram questionados sobre a presença de Cristo na Ceia houve

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divergência de opiniões. A pergunta a eles dirigida foi: “Cristo encontra-se

presente no memorial da Ceia do Senhor?”. Um pouco menos de um terço dos

entrevistados afirmaram que crêem na presença de Cristo durante a celebração da

Ceia. Metade declara não crer nessa presença. Um quinto dos entrevistados não

soube responder.

50%

20%30%

SIM

NÃO

NÃO SABEM

Fonte: Entrevista com membros e pastores de Igrejas Batistas no bairro de Guadalupe

e adjacências.

Uma nova pergunta foi feita aos fiéis que declararam crer na presença de

Cristo durante a Ceia: “De que modo a presença de Cristo acontece na Ceia?”.

Cem por cento dos entrevistados disseram que essa presença se dá de forma

subjetiva e condicionada. Por “condicionada” eles entendem as condições ou

disposições que os fiéis devem ter no momento da celebração.

0%

50%

100%

Condicionada

Fonte: Entrevista com membros e pastores de Igrejas Batistas no bairro de Guadalupe

e adjacências.

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Acerca do tema da presença de Cristo no memorial da Ceia e de que modo

essa presença acontece o que nos transpareceu foi uma certa confusão no tocante à

compreensão dessa presença.

A expressão “memorial” parece se confundir com “simbolismo”. Isso

acontece provavelmente pela forma como a Ceia é ensinada nos cultos em que ela

é celebrada. As palavras proferidas no ato da celebração são aquelas do apóstolo

Paulo em 1Co 11:23-29. Aquele que preside o culto se utiliza dessas palavras do

apóstolo e explica aos fiéis que o pão e o vinho não alteram sua substância; esses

dois elementos continuam sendo pão e vinho, sem qualquer alteração substancial.

Na tentativa de se enfatizar a não transformação dos elementos – com a intenção

de se evitar qualquer tipo de efeito mágico – corre-se o risco de se esvaziar o

sentido do memorial e a realidade que ele gera no culto, a qual se visibiliza

através dos elementos que compõe o ato celebrativo. Um ensino que não leve isso

em conta pode induzir os fiéis a uma compreensão superficial daquilo que a

Palavra de Deus está realizando naquele momento – “Fazei isso em memória de

mim” – em virtude da ação do Espírito Santo.

Sobre a questão do pão e do vinho como realidades simbólicas da Ceia do

Senhor, a teologia batista se fundamenta no pensamento de Calvino. Segundo ele,

os elementos do pão e do vinho não são meros símbolos. Sempre que a Igreja

celebra a Ceia, faz memória e esses elementos passam a estar impregnados da

verdade que “reapresentam”: espiritualmente eles comunicam o corpo e sangue de

Cristo. Calvino crê e ensina que Cristo encontra-se presente na celebração e atua

não pelos elementos, mas através da fé, na vida do fiel.

Segundo a teologia Batista a ação de Cristo através do Espírito acontece

pela fé na vida do fiel que participa da Ceia. Cada cristão pode desfrutar dos

benefícios e efeitos da morte de Jesus na cruz ao partilhar da comunhão com o

Mestre em sua mesa. A fé é o veículo que potencializa na vida do fiel os efeitos da

entrega de Cristo em amor. A respeito da presença de Cristo na celebração da

Ceia, podemos afirmar que a posição dos Documentos Batistas está em total

concordância com o pensamento de Calvino.

Depois de, na nossa entrevista, termos perguntado aos batistas sobre a

presença de Cristo no memorial da Ceia e de que modo essa presença acontece

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fizemos a seguinte pergunta: “A Ceia do Senhor proporciona algum efeito na vida

do cristão?”.

Os entrevistados, de modo geral, afirmaram que a Ceia do Senhor não

produz efeitos na vida do crente; ela é apenas um momento de reflexão e análise

pessoal da vida cristã. Isso aparenta ser reflexo do ensino que a Ceia é apenas um

“símbolo”, uma lembrança da morte de Cristo. Conforme acenado, podemos aqui

verificar o profundo esvaziamento da noção bíblica e teológica de símbolo e

simbolismo.

3%

97%

SIM

NÃO

Fonte: Entrevista com membros e pastores de Igrejas Batistas no bairro de Guadalupe

e adjacências.

A Ceia do Senhor não é mera lembrança, mas é sinal de Cristo vivo,

esperança do porvir. O Senhor ressuscitado age de forma poderosa através desta

celebração e deseja ter comunhão com seu povo. Ela é anúncio aos perdidos

quando faz memória deste ato de amor. Fazer memória é assumir a continuidade

da missão de Cristo, que venceu a morte; é continuar aquilo que Cristo começou

através de seu projeto denunciando tudo o que se coloca contra a edificação do

Reino. Assim, entender de maneira mais profunda o desígnio de Cristo para sua

Igreja por meio da Ceia, talvez seja abençoador para aqueles que não percebem a

profundidade desta celebração.

O convite de Jesus Cristo a todos aqueles que se sentam à sua mesa é de

terem uma comunhão empática com ele. O cristão se entrega em oferta sacrificial

para que Cristo viva através dele. Deste modo a empatia com Jesus gera também

uma empatia com os irmãos, segundo o que afirma o Apóstolo: “Tende em vós

aquele sentimento que houve em Cristo Jesus” (Fp 2:5). Somos chamados a nos

identificar com Cristo de tal forma que todos os aspectos de sua vida terrena e

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pós-ressurreição sejam percebidos na existência de cada cristão. Assim, todos os

homens podem descobrir a alegria do Cristo ressuscitado, presente no coração da

história humana.

A Ceia é o meio em que os cristãos reunidos intercedem junto ao Pai, em

comunhão com Cristo seu Sumo Sacerdote e intercessor, por todos aqueles que

não alcançaram a graça de vivenciarem a obra redentora em suas vidas. A

celebração da Ceia é a memória de tudo o que Deus já realizou através de seu

Filho. Afirmar que a Ceia não tem efeitos na vida dos comungantes é negar a

eficácia da obra de Deus.

O efeito da obra de Deus pela salvação dos homens se dá pela vitória de

Cristo sobre a morte. No Mestre ressuscitado realiza-se a reconciliação do homem

com Deus. Assim, na Ceia do Senhor, cada fiel torna-se participante desta missão

de Cristo. Proclamação, reconciliação, intercessão e entrega são características

reais da Missão de edificação do Reino. Todo seguidor de Cristo é chamado a

seguir os passos de Jesus como reconciliador dos homens para com Deus,

testemunhando com ações de graças à redenção através do Mestre – afinal de

contas esse é um dos efeitos mais esperados na vida daquele que celebra a Ceia do

Senhor.

Ainda no âmbito do tema da presença de Cristo no memorial do Senhor,

prosseguimos a nossa entrevista perguntando: “A ação de graças durante a Ceia é

motivada por aquilo que Deus realiza em favor de seu povo e/ou por aquilo que os

fiéis podem oferecer a Deus?”.

A quase totalidade dos entrevistados afirmou que a ação de graças na Ceia

está ligada ao que Deus fez por todos os homens, mas não existe a possibilidade

dos salvos oferecerem, na Ceia, algo a Deus em ações de graças. Apenas 3%

entendem que a ação de graças diz respeito tanto ao louvor que os fiéis tributam a

Deus por suas obras realizadas, como ao louvor que eles oferecem a Deus por

meio de suas próprias vidas. Cristo se ofereceu e esse é o compromisso assumido

pelos fiéis cristãos ao participarem da Mesa do Senhor.

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97%

0%

3%0%

20%

40%

60%

80%

100%

Ambos

Pelo que podemos

oferecer

Ao que Deus fez

Fonte: Entrevista com membros e pastores de Igrejas Batistas no bairro de

Guadalupe e adjacências.

A percepção dos crentes batistas sobre a Ceia está ligada diretamente ao

que Deus pode fazer por eles e não ao que eles podem oferecer a Deus. Sua

resposta reflete a concepção de que a Ceia representa apenas a ação de Deus pelos

homens; a sua responsabilidade se limita em reconhecer o amor do Pai através de

Cristo. É impressionante como apenas uma quota ínfima dos entrevistados

ressaltou a responsabilidade do fiel na Ceia do Senhor em doar-se a Deus

aceitando sua vontade.

Na celebração da Ceia os fiéis reconhecem o que Deus é e tudo aquilo que

ele realiza na história em prol de seu povo. Esse reconhecimento é a motivação

básica da ação de graças em cada celebração. O Deus que criou todas as coisas e

não cessa de levar à plenitude sua obra impulsiona os cristãos, por meio de seu

Espírito, ao sacrifício de louvor. O homem – coroa da criação – e os elementos do

pão e do vinho representam, respectivamente, as criaturas e seu sustento. A Igreja

por sua vez, representa, através da ação de graças prestada ao Pai, toda criação em

louvor a Deus por todos os seus benefícios.

A intercessão da Igreja em nome da criação só é possível “por”, “com” e

“em” Cristo – único intercessor entre Deus e os homens (1Tm 2:5) . Isso porque é

Jesus quem possibilita ao homem a restauração de seu estado pecaminoso. O

homem restaurado por Cristo pode agora, como Jesus fez por todo o mundo em

sua entrega, interceder por toda criação para que os benefícios da obra de Deus

alcancem a todos. O homem por si só não tem essa condição, mas em seu Mestre

pode ser restaurado e ele mesmo assume, em unidade com Cristo, a condição de

intercessor. A ação de graças é convite de Deus ao mundo para que se tornem

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aquilo que o Pai deseja: uma oferta e um louvor ao Criador, uma comunhão

universal no Corpo de Cristo, um reino de justiça, de amor e de paz no Espírito

Santo.

Outra questão abordada em nossa entrevista foi cunho pneumatológico:

“Qual a missão do Espírito Santo na Ceia do Senhor?

A grande maioria dos entrevistados afirmou que a ação do Espírito Santo

na Ceia do Senhor se reduz a auxiliar os fiéis no ato do arrependimento e do

convencimento dos seus pecados. Outra parte disse que a missão do Espírito

Santo consistia em fortalecer os fiéis.

0%

0%

65%

35%

auxiliar no

arrependimento

garantir a presença

de Cristo

fortalecer os fiéis

todas as

alternativas

Fonte: Entrevista com membros e pastores de Igrejas Batistas no bairro de Guadalupe e

adjacências.

Conforme se pode verificar na resposta que recolhemos em nossa

entrevista, a atividade do Espírito Santo na Ceia do Senhor se reduz a auxiliar os

fiéis no ato do arrependimento e do convencimento dos seus pecados. A isso se

soma a outra parte dos entrevistados que afirmaram ser a missão do Espírito Santo

fortalecer os fiéis. Ao afirmarem isso os entrevistados, representando a concepção

batista em geral, estão pensando no que chamamos de “autoexame”. Na verdade a

questão “autoexame” se inspira naquele conselho que Paulo dá aos Coríntios:

“Cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse cálice” (I

Co 11:28).

Isso que conseguimos averiguar entre os entrevistados reflete a concepção

Batista contida em seus Documentos. De fato nesse material se verifica que a

missão do Espírito Santo – sempre no contexto da Ceia – consiste em conduzir os

fiéis a um autoexame. Com base nessa doutrina, os batistas concordam com o fato

de que a ação do Espírito na celebração tem relação com o fortalecimento dos

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fiéis ou convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo, à luz daquilo que

fala o evangelista João: “E quando ele vier [o Paráclito], estabelecerá a

culpabilidade do mundo a respeito do pecado, da justiça e do julgamento” (Jo

16:8).

Sobre esta prática há uma interpretação aparentemente equivocada por

parte dos crentes batistas.

Alguma vez você já deixou de participar da Ceia por causa do

“examine-se a si mesmo”?

80%

20%

0,00% 50,00% 100,00%

NÃO

SIM

Fonte: Entrevista com membros e pastores de Igrejas Batistas no bairro de Guadalupe e

adjacências.

Dos entrevistados, 80% já deixaram de participar da Ceia do Senhor por

não sentirem-se dignos naquele período. O conselho de Paulo não é para o

abandono da participação no momento da Ceia. Segundo interpretação batista, é

desejo de Deus Pai que o homem possa se perceber como pecador e reconhecendo

seu estado, se arrepender do que ainda lhe aprisiona renovando a aliança com

Deus na celebração com Cristo vivo.

A ação do Espírito Santo envolve o acesso aos benefícios da morte de

Cristo na cruz. Esses são alcançados mediante a fé com a presença do divino

Mestre em Espírito na celebração. Os benefícios são a santificação, regeneração,

salvação, relacionamento com Deus, libertação do pecado, a vida eterna, acesso ao

Pai pela reconciliação, perdão, etc.

Na tradição batista não existe uma oração invocatória do Espírito Santo

(uma epíclese). Sua presença se faz espiritualmente pela própria reunião do povo

de Deus e pela celebração do memorial de Cristo, independentemente da fé de

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cada fiel. Todavia, o acesso aos benefícios da morte de Cristo são acessíveis

mediante a fé.

Apesar dos cristãos batistas não possuírem uma epíclese, há um convite

para que o Espírito Santo venha em auxílio de cada batizado para ajudá-lo no seu

exame interior. A questão desse exame vai para além de cada indivíduo. O

objetivo desse convite é que o fiel se doe de tal forma à ação do Espírito que este

possa iluminar e conduzir seu coração e sua mente. Dessa forma torna-se possível

uma autêntica submissão a Cristo.

O Espírito Santo nos proporciona experimentar na fé a alegria da

antecipação do Reino, como uma pré-gustação do que há de vir em plenitude. Isso

acontece sempre que a Igreja submete-se ao Espírito para ser santificada e

renovada. O mesmo Espírito é quem capacita cada fiel à sua missão no mundo.

A instituição da Ceia por Cristo, eternizada nas páginas da Sagrada

Escritura, dá sentido ao memorial e estas palavras, pela força do Espírito, são

renovadas convidando cada fiel a participar no hoje escatológico do banquete de

Cristo. Este banquete do Mestre é que nutre e fortalece a Igreja em sua unidade

através do Espírito Santo que faz de todos um só corpo no Senhor.

Diante das respostas que obtivemos em nossa entrevista e da

documentação da tradição batista por nós abordada perguntamo-nos se nossa

teologia sobre a Ceia do Senhor não poderia ser enriquecida em sua dimensão

teológica e em sua práxis cúltico-celebrativa. Quem sabe se revisitando as

propostas teológicas contidas no Documento de Lima e aprofundando-as com

seriedade não seríamos inspirados a uma busca mais profunda do entendimento do

mistério da Eucaristia. Além do que, ao fazer isso, nos enriqueceríamos com a

mútua contribuição das Igrejas cristãs, uma vez que Lima é fruto de um diálogo.

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5. CONCLUSÃO

Nossa Dissertação se propôs oferecer à reflexão teológica uma pesquisa de

cunho eclesial e ecumênico, em torno de um tema central para todas as Igrejas

cristãs: a Ceia do Senhor ou Eucaristia. Além do mais, ela tem uma profunda

intenção teológico-pastoral, sobretudo no que se refere à práxis da Igreja Batista.

De certa forma, gostaríamos de dedicar essas reflexões, de modo particular, aos

fiéis batistas. Elas querem ser uma contribuição a fim de que a compreensão

teológica e a práxis celebrativa da Eucaristia ou Ceia do Senhor, no âmbito

Batista, adquiram sempre maior profundidade e qualidade.

Instaurar um diálogo entre a tradição Batista e as propostas contidas no

Documento de Lima referentes à Eucaristia foi o nosso escopo. Na verdade trata-

se de propor uma continuidade do diálogo cristão já iniciado no âmbito do campo

ecumênico. À guisa de exemplo podemos citar o enorme esforço empreendido no

Decreto Unitatis Redintegratio do Concílio Vaticano II. Um importante texto

desse Documento, referindo-se à Ceia do Senhor, assim declara: “Embora falte às

Comunidades eclesiais de nós separadas a unidade plena [...], contudo, quando na

santa Ceia fazem a memória da morte e ressurreição do Senhor, elas confessam

ser significada a vida na comunhão de Cristo e esperam seu glorioso advento. É

por isso necessário que se tome como objeto de diálogo a doutrina sobre a Ceia do

Senhor [...]” (n. 22). Trata-se, portanto, de uma exigência de redescobrir aquilo

que é comum a todos os batizados; em outros termos, o que está em questão é um

profundo anelo que perpassa o coração de muito cristãos: um autêntico retorno às

Escrituras e à grande tradição do primeiro milênio do depósito cristão.

Segundo nossa proposta, a teologia eucarística do Documento de Lima é

essencialmente dialogal. Desse modo, ele pode ir ao encontro à teologia Batista –,

tão ciosa de ser fiel aos princípios da Escritura – a fim de com ela instaurar um

fraterno diálogo. Em suas propostas, esse Documento apresenta uma sólida

fundamentação ao abordar o tema da instituição da Eucaristia e de seus variados

aspectos. Alguns desses temas foram por nós tratados à luz do Documento:

Eucaristia como ação de graças, memorial de Cristo, Espírito Santo e Eucaristia.

Eles transpiram profundidade dogmática e estão abertos a ulteriores

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desdobramentos no diálogo entre os cristãos. Dogmaticamente eles foram

explorados por alguns autores por nós citados; de qualquer forma, dada a sua

ousadia e fecundidade, esses temas permanecem abertos a futuras pesquisas.

No que se refere à doutrina Batista, verificável nos documentos

consultados, é vasta a margem de liberdade na relação que seus membros venham

a travar como outras denominações cristãs, e até mesmo naquilo que diz respeito à

celebração da Ceia do Senhor; à condição que, conforme anteriormente, não se

firam os princípios das Escrituras e os ensinos de Cristo. Esse aspecto de

liberdade acompanha os Batistas desde sua fundação. Nesse sentido, esperamos

que nossa pesquisa, ao chegar às mãos de nossos irmãos Batistas, seja de ajuda

para o cultivo de um profícuo e fecundo diálogo. Baseada num Documento

construído num clima de liberdade cristã e tecido pelo fio das Escrituras, essa

pesquisa intenta promover um diálogo entre aqueles que, belo Batismo, tornaram-

se livres graças ao Filho de Deus (cf. Jo 8:36).

O tema da Eucaristia proposto pelo Documento de Lima é fruto de estudos

bíblicos e patrísticos, da renovação litúrgica e do diálogo entre os cristãos

desejosos de renovar e aprofundar o dom da fé que receberam no batismo. Nesse

sentido, a teologia eucarística de Lima transcende quaisquer barreiras

confessionais. Por essa razão julgamos o valor do seu contributo para a confissão

Batista.

Fruto de uma teologia renovada, o Documento de Lima é profundamente

atual. Como tal, é capaz de inspirar a reflexão eclesial e sacramentária de nossos

dias e pode lançar luzes a tantas formas de preconceitos que ainda aprisionam

muitos cristãos, sobretudo no campo do crer e celebrar a sua fé. Sua linguagem

aberta é capaz de dissolver rígidos dogmatismos que impedem uma saudável

compreensão e celebração do mistério da Ceia do Senhor.

Sendo assim, o Documento de Lima não poderia ser de grande auxílio para

a tradição Batista? Fiel ao seu passado e atenta às prescrições essenciais de sua

documentação, não poderia a Igreja Batista se enriquecer grandemente com as

propostas ecumênicas de Lima e aprofundar ainda mais o seu patrimônio de fé no

referente à Ceia do Senhor? E seus membros, tão desejosos de uma compreensão

aprofundada da Ceia, não se beneficiariam de uma formação teológica segundo a

proposta de Lima? Tal formação não incidiria diretamente no ato de celebrar a

Ceia do Senhor, quando os cristãos se reúnem no dia do Senhor para expressar e

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renovar sua fé? E uma experiência celebrativa de maior qualidade não geraria

fecundos frutos no testemunho desses cristãos no mundo?

Nossa pesquisa buscou, dentro de seus limites, ressaltar a importância do

resgate das dimensões bíblico-teológicas que fazem parte da Ceia do Senhor. Tal

resgate poderá permitir aos fiéis de nossa denominação experimentar realmente as

riquezas do conteúdo daquilo que celebram e que constitui o cerne da vida de sua

Igreja. Disso, certamente, dependerá a qualidade e a eficácia do anúncio e do

testemunho que são chamados a dar diante do mundo. Da celebração da Ceia do

Senhor decorre a proclamação do Reino de Deus e da obra que Cristo confiou à

sua Igreja. Essa pesquisa também deseja ser um contributo para o diálogo entre

aqueles que fazem parte do mesmo Corpo e, no mesmo Espírito, professam o

mesmo Senhor, a mesma fé e o mesmo batismo (cf. Ef 4:4-6).

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