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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL RODRIGO SILVEIRA RABELLO DE AZEVEDO DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA: Um estudo de sua relação e relevância para o Desenvolvimento. NATAL 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD

MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

RODRIGO SILVEIRA RABELLO DE AZEVEDO

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA: Um estudo de

sua relação e relevância para o Desenvolvimento.

NATAL

2014

2

RODRIGO SILVEIRA RABELLO DE AZEVEDO

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA: Um estudo de

sua relação e relevância para o Desenvolvimento.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Direito da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito para a obtenção do título de

Mestre em Direito.

Orientador – Prof. Dr. Otacílio dos Santos

Silveira Neto

NATAL

2014

3

RODRIGO SILVEIRA RABELLO DE AZEVEDO

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA: Um estudo de

sua relação e relevância para o Desenvolvimento.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Direito da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito para a obtenção do título de

Mestre em Direito.

Orientador – Prof. Dr. Otacílio dos Santos

Silveira Neto

Aprovado em: ___/___/____.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto

________________________________________________

Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio

________________________________________________

Prof. Dr. Paulo Lopo Saraiva

4

Em memória, dedico este trabalho à

minha avó, a Professora Maria Luiza

Rabello, que me mostrou a verdadeira

paixão pela docência e desde cedo me

ensinou a importância dos valores

morais, da educação e do saber.

5

"Os males que a liberdade às vezes traz

são imediatos; são visíveis para todos, e

todos mais ou menos, os sentem. Os

males que a extrema igualdade produzir

só se manifestam pouco a pouco;

insinuam-se gradativamente no corpo

social; apenas de longe em longe nos é

dado vê-los e, no momento em que se

tornam mais violentos, o hábito já fez

com que não sintamos.”

Alexis de Tocqueville

6

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida, por meus dons, capacidades e por se fazer sempre notadamente

presente;

A minha mãe, Márcia Rabello, e minha irmã, Maíra Rabello, em memória, por serem

meus guias e inspiração em vida;

Ao meu Avô Fernando Rabello e ao meu Pai Waldermir Azevedo, pelo orgulho tantas

vezes demonstrado no olhar, pela compreensão do estresse tão frequentemente

vivenciado, pela presença diuturna, pela preocupação constante e pelo companheirismo

de sempre. Um muito obrigado aos meus heróis;

A meu orientador, Otacílio Silveira, por sua orientação acadêmica, por toda a paciência

demonstrada nos momentos de decisão, por todo o companheirismo e compreensão nos

momentos de nervosismo, por todo o incentivo nos momentos de decepção;

Ao Professor Artur Cortez Bonifácio, por sua amizade, pelo incentivo constante, por

todas as aulas que viravam conversas e por todas as conversas que viravam aulas;

A todos os professores do mestrado em Direito Constitucional da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, por toda a receptividade, suporte e zelo para com os discentes

e pelo brilhantismo compartilhado;

Aos amigos Professores Valfredo Aguiar e Rodrigo Reül, pelo incentivo e apoio, desde

os primeiros devaneios, na construção deste projeto de vida;

Aos amigos e sócios, integrantes do escritório Almeida, Cavalcanti, Motta e Rabello

Advogados, André Motta, André Cavalcanti, Emanuel Almeida, Rodrigo Motta,

Roberto Gurjão e Sérgio Dantas, pela preocupação, apoio, compreensão e amizade

despendidos neste período de dedicação ao mestrado;

A Jovana Vieira, por todo o amor e carinho ao longo deste árduo caminho que foi o

mestrado, além do conforto e incentivo nos momentos mais difíceis;

A minha avó Dona Terezinha, a Francimary Burity e a todos os meus familiares, pela

cobrança constante, pelo incentivo diário e por toda ajuda ofertada desde o processo

seletivo;

Aos tios e tias professores, Cursino Jacobina, Waldeneide Azevedo, Francisco Vieira,

Luciana Rabello, Marcelo Rabello, Célia Rabello e Valério Azevedo, pelo

acompanhamento e interesse no desenvolvimento da minha pesquisa e em meu êxito

profissional;

Aos amigos e irmãos da “Gang do Banguela”, Breno Lucena, Hugo Felinto, Tiago Leal,

Jimmy Oliveira, Danilo Oliveira, Bernardo Damião, Tiago Barroso, Bruno Victor,

Leonardo Victor, Rafael Lira, ainda aos amigos Rodolpho Martins, Marcel Joffilly e

Paulo Cleoblo, pelo orgulho sempre demonstrado e pela torcida pelo êxito deste projeto;

Aos “diferenciados”, Mateus Melo, Ricardo Duarte, Leonardo Medeiros, Fernando

Lucena, Fillipe Azevedo e Kathy Medeiros, por terem recebido este forasteiro, como se

irmão fosse, e por todos os momentos compartilhados e intensamente vividos;

E a todos os meus amigos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização

deste trabalho.

7

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10

2. DEMOCRACIA E O PARADIGMA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ....... 15

2.1 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E A CRISE DO MODELO

REPRESENTATIVO ..................................................................................................... 15

2.2 O PARADIGMA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E A DEMOCRACIA

PARTICIPATIVA. ......................................................................................................... 28

2.3 INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO ............................................................................................. 36

3. FUNDAMENTOS DA TUTELA DA LIVRE CONCORRÊNCIA .................. 46

3.1 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS DA IDEIA DE CONCORRÊNCIA ........... 46

3.2 FUNDAMENTOS DA TUTELA JURÍDICA DA LIVRE CONCORRÊNCIA .. 56

3.3 A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO ................................................................................................................. 66

3.3.1 Tutela constitucional da livre concorrência ...................................................... 66

3.3.2 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. ................................................ 75

4. A IDEIA DO DESENVOLVIMENTO ................................................................ 81

4.1 DESENVOLVIMENTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. .............. 81

4.2 CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ............................................................ 86

4.3 A IDEIA DO DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE .......................... 103

5. RELAÇÃO ENTRE AS LIBERDADES DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E

FACILIDADES ECONÔMICAS COMO INSTRUMENTO PARA O

DESENVOLVIMENTO ............................................................................................. 111

5.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DESENVOLVIMENTO COMO

LIBERDADE DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA. ....................................................... 111

5.2 FACILIDADES ECONÔMICAS, TUTELA DA CONCORRÊNCIA E

DESENVOLVIMENTO. .............................................................................................. 117

5.3 A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DEFESA DA

CONCORRÊNCIA COMO INSTRUMENTO AO DESENVOLVIMENTO. ............ 126

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 134

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 138

8

RESUMO

O trabalho apresenta um estudo sobre a relação entre democracia participativa e defesa

da livre concorrência e sua relevância para o desenvolvimento. O que se busca aqui é a

identificação de instrumentos jurídicos e institucionais, presentes no ordenamento

jurídico brasileiro, que venham se apresentar como de necessária expansão para que se

alinhem a fins desenvolvimentistas. O cerne teórico desta pesquisa se identifica nos

amplos e frequentes debates acerca do desenvolvimento e da relevante preocupação

acadêmica com este fenômeno. A proposta aqui elaborada se apresenta com caráter

interdisciplinar, englobando questões de direito constitucional, economia e teoria

política. Deste modo, leva-se em consideração a compreensão de que o

desenvolvimento não é um fenômeno que ocorre com exclusividade no campo

econômico, ou seja, é um fenômeno que se estende nas searas política e social, entre

outras possíveis percepções, o presente trabalho parte de uma análise da relação entre a

expansão de procedimentos de liberdade política em inter-relação necessária com

órgãos do Estado que favoreçam esta possibilidade. No caso do estudo aqui

desenvolvido, fora tratado o papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o

CADE, órgão responsável pela manutenção do mercado e defesa da livre concorrência.

Assim, foi feita uma análise da importância relacional entre a participação popular nas

decisões da administração públicas, neste caso, as decisões no sentido da defesa da

concorrência e sua relevância para o desenvolvimento. Importante pontuar que a

presente análise é estabelecida no campo teórico, levando em consideração o insipiente

desenvolvimento do fenômeno utilizado como exemplo, a saber, as consultas públicas.

É necessário observar que, em termos metodológicos, foram identificadas

separadamente as principais premissas aqui trazidas. Assim, foi realizada uma

abordagem individualizada da democracia participativa, da livre concorrência e sua

defesa e dos múltiplos conceitos de desenvolvimento. Ao final, fora explicada a questão

e estabelecida a questão que se constitui cerne deste estudo. Observe-se que o caráter

vanguardista da presente pesquisa resulta em uma análise propositiva de grande

amplitude. Envolvendo questões do âmbito jurídico, político e econômico..

Palavras-chave: democracia participativa; livre concorrência; desenvolvimento;

liberdade;

9

ABSTRACT

The paper presents a study on the relationship between participative democracy and

antitrust protection and its relevance to development. What is sought here is the

identification of legal and institutional Brazilian instruments , which will be presented

as needed for the expansion of developmental purposes . The theoretical core of this

research identifies the extensive and frequent debates about development and relevant

academic concern with this phenomenon. The proposal developed here presents as

interdisciplinary, encompassing issues of constitutional law, economics and political

theory. Thus, it consists in the understanding that development is not a phenomenon that

occurs exclusively in the economic field , ie , it is a phenomenon that spans the political

and social areas , among other possible perceptions , this study is an analysis of the

relationship between the expansion of political freedom and the necessary procedures of

interrelation with state bodies that encourage this possibility. For the study conducted

here, been treated the actuation of the “Conselho Administrativo de Defesa

Econômica”, known as CADE , the agency responsible for maintaining and regulating

market and antitrust in Brazil. Thus, an analysis was made of the relational importance

of popular participation in the public administration decisions. In this case, the decisions

related to antitrust and its relevance to development process. Important to emphasize

that this analysis is established in the theory field, considering the incipient

development of the phenomenon used as an example , namely , the public consultations

used by CADE. Also, It should be noted that in methodological terms were separately

identified the main assumptions brought here. Thus, an individualized approach to

participative democracy, of free competition and its defense and multiple development

concepts was performed. At the end, the question was explained and settled the point

that constitutes the core of this study. Observe that the avant-garde character of the

present research results in a propositional analysis of large amplitude. Issues involving

the legal, political and economic context.

Keywords: participative democracy; free competition; development; freedom;

10

1. INTRODUÇÃO

Aristóteles, ao afirmar que o homem se constituía um animal político por

natureza, presenteara o mundo com uma compreensão quase profética da relação natural

do homem com o que é público, o que é “de todos”, entendido em seu sentido lato.

Muito provavelmente, a questão acima, ainda hoje, provoque acalorados

debates filosóficos e profundas análises teórico-científicas no eterno anseio acadêmico

de buscar uma compreensão indubitável de afirmações subjetivas. Entretanto, ocorre

que a interpretação gramatical nos parece bastar neste introito momentaneamente

desenvolvido.

A participação do homem no que diz respeito aos interesses da coletividade é,

desde a Grécia antiga, observada como sendo característica das mais peculiares e

inerentes a sua condição. A democracia, sinonímica da possibilidade de participação dos

cidadãos nos assuntos que lhes interessavam em sua percepção coletiva, fora tratada em

estudos desenvolvidos ao longo de toda a história, se apresentando em constante

evolução e adaptação a cada realidade que se propunha a estudar.

Com o passar o tempo, a participação e o interesse político do homem se

expandiram de maneira que, além das questões eminentemente políticas, também,

questões econômicas e jurídicas passam a integrar o rol de suas preocupações.

A participação do homem em aspectos políticos, na atualidade, não é mais

encarada de maneira limitada às decisões meramente administrativas, mas, conforme se

faz presente nas mais diversas cartas políticas do ocidente, existe uma clara

preocupação com questões como participação popular direta no exercício legislativo e

nas políticas econômicas, visando melhor atender aos anseios e necessidades do cidadão

e da sociedade.

É no cenário atual, acima tratado, que o presente estudo se desenvolverá.

Visando a compreensão da inter-relação entre a participação popular nos processos

decisórios relativos à defesa da livre concorrência e sua relevância para o

desenvolvimento.

Antes de iniciarmos esta abordagem introdutória, é válida a lembrança de que

todos os três conceitos que serão abordados nos estudos que se seguem, se encontram

respaldados e previstos na Constituição Federal de 1988, dando ao presente trabalho a

11

sua evidente vinculação ao direito constitucional, além de sua profunda relevância e

vanguardismo, em termos de interdisciplinaridade.

Em continuidade à temática proposta, cumpre afirmar que não são novas as

teorias e a preocupação acadêmica com a questão do desenvolvimento econômico. É

sabido, pois, que há muito tempo se busca a compreensão acerca de questões relativas

ao desenvolvimento, partindo do próprio conceito, de como ocorre este processo e quais

os instrumentos necessários para a sua consecução, e se entendendo até percepções mais

amplas e complexas do fenômeno em questão.

Na acepção aqui defesa, rompemos com os conceitos que se restringem à seara

econômica, análogos à ideia de crescimento econômico, seguindo as tendências de

pensamento mais atuais, por entender que é impossível dissociar os aspectos

econômicos, políticos e sociais na persecução do desenvolvimento. Dentro desta

perspectiva, tomamos por fundamento propulsor desta pesquisa os postulados de

Amartya Sen em sua obra “desenvolvimento como liberdade”.

O economista indiano propõe e defende, em sua tese, que a liberdade deve ser

colocada no centro do processo de desenvolvimento, fazendo-se necessário o

afastamento dos obstáculos e limites às escolhas e oportunidades das pessoas.

Embora a perspectiva de expansão da liberdade individual possa ser entendida

de maneira extensa, Sen pontua cinco liberdades instrumentais tidas como principais

dimensões do desenvolvimento, ressaltando ao longo de sua obra que, além da

importância pontual do alargamento de cada uma dessas liberdades, a conjugação entre

uma ou várias também se revelam como processos de fundamental importância ao

desenvolvimento.

Eis que é precisamente neste ponto que se desenvolve este estudo.

Identificamos, ainda na obra base, a importância de uma abordagem relacional entre

duas das liberdades instrumentais propostas como instrumental ao desenvolvimento,

sendo, a expansão das liberdades políticas e das facilidades econômicas.

Ainda na delimitação temática, neste momento nos direcionamos para uma

análise do ordenamento jurídico brasileiro em busca de uma correlação plausível da

realidade com a aplicabilidade prática da teoria base.

Neste sentido, em se tratando da expansão das liberdades políticas, far-se-á

uma abordagem do déficit democrático e da crise da representatividade, em um

encaminhamento visando à compreensão efetiva do conceito de democracia e da

12

possibilidade de utilização de instrumentos de participação popular direta nos processos

decisórios da administração pública.

Sobre a questão democrática, com fulcro no senso comum, dizemos que se

entende que a Democracia pode ser sinteticamente e genericamente conceituada como

sendo o sistema de governo em que o poder emana do povo e deve ser exercido em

função do povo, de maneira direta ou indireta. Em resumo, portanto, seria o molde de

um sistema de governo onde o povo pode atuar diretamente nas decisões do Estado ou

expressar-se por meio de representantes escolhidos através de um sistema eleitoral.

Apesar da simplicidade conceitual aparente, a sua efetividade constitui uma

preocupação constante e recorrente estudada pela academia.

Pois bem, a presente análise se funda no fato de que a experiência provou a

impossibilidade de atingir-se um modelo de democracia perfeito. Contudo, em nossa

experiência constitucional recente, com o advento do texto constitucional de 1988,

observamos uma saudável preocupação do legislador constituinte com a expansão do

caráter democrático deste texto, reverenciando a democracia de maneira expressa ou

implícita (não à toa, restou conhecido na forma do clichê de “Constituição

Democrática”), de maneira que a doutrina parece uníssona ao tratar de um dito

“princípio democrático” presente ao longo de todo o texto.

Com fundamento no princípio constitucional da participação, a democracia

participativa ou deliberativa se caracteriza pelo exercício direto e pessoal nos atos do

governo e da administração pública. Como exemplo, podemos destacar as experiências

como o orçamento participativo, planejamento-cidadão, ouvidorias, audiências públicas,

etc..

A democracia participativa, indubitavelmente, se mostra como uma opção

viável e realista para o exercício da cidadania nos moldes avençados por nosso

ordenamento jurídico, necessitando apenas de um direcionamento que se adapte com a

realidade da administração pública brasileira. Sendo com base nesta percepção que será

feito o direcionamento deste trabalho e será tratada a questão democrática.

Em retorno ao tema central deste estudo, quanto à expansão das facilidades

econômicas, o ponto nefrálgico percebido na realidade brasileira e de relativo

vanguardismo teórico reside na defesa da livre concorrência como forma de preservar a

liberdade de mercado. Será feita, então, a delimitação temática no sentido de

compreender o conceito de livre concorrência e as funções da legislação antitruste, bem

como o funcionamento da autoridade estatal no sentido de preservar o mercado. Em

13

outras palavras, como funciona a atuação estatal visando preservar as condições de

liberdade dentro de um dado mercado.

Passada esta abordagem introdutória sobre os conceitos necessários para a

compreensão final da proposta aqui trazida, estudar-se-á a questão do desenvolvimento.

A evolução conceitual ao longo da história e sua relevância com o passar do tempo,

objetivando compreender de maneira plena o que é trazido em desenvolvimento como

liberdade.

Afinal, é amplamente sabido o fato de que, em termos econômicos, as teorias

são propostas em constante evolução e negação de valores anteriores, agindo em pleno

desenvolvimento teórico. Diante desta noção, resta justificado o modo como será

trabalhada a questão do desenvolvimento.

É válido frisar que em nosso ordenamento jurídico, o direito ao

desenvolvimento restou positivado e incorporado à vida jurídica nacional com a

promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, onde

percebemos claramente que o documento de conformação do estado de direito

brasileiro, sabidamente transformador, se mostra, também, de maneira

desenvolvimentista.

Os professores Dimitri Dimoulis e Oscar Vilhena Vieira, por exemplo, em

estudo denominado “Constituição e Desenvolvimento” contabilizaram a presença do

termo “desenvolvimento” por 28 vezes ao longo do texto constitucional1. Observando

que embora não haja uma definição do que venha a ser o referido direito, não resta

dúvida da intenção do constituinte de promover variadas formas de desenvolvimento

humano2. Conforme se verá, o pensamento aqui proposto se alinha à esta percepção.

Assim, também se mostra de grande importância, a declaração do direito ao

desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU) datada de 04 de dezembro

de 1986. É, neste documento, que se encontra o primeiro grande impulso internacional

1 “A consagração do termo nas normas constitucionais se dará com a profusão de referências que

encontramos nas Constituições transformadoras. Temos assim a fortíssima presença do termo nas

Constituições da Índia de 1950 (22 vezes), de Portugal de 1975 (28 vezes), do Brasil de 1988 (28 vezes),

da Colômbia de 1991 (58 vezes), da África do Sul (10 vezes) e da Venezuela (39 vezes)”. (DIMOULIS,

Dimitri. VIEIRA, Oscar Vilhena. Constituição e Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José Rodrigo (org).

Fragmentos para um dicionário crítico de direito de desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. P.54). 2 “[...]observa-se que o termo ‘desenvolvimento’ é acompanhado nas Constituições transformadoras de

variados adjetivos (econômico, social, cultural, tecnológico, regional, sustentável...), mostrando a

intenção constitucional de promover simultaneamente várias formas de desenvolvimento humano.”

(DIMOULIS, Dimitri. VIEIRA, Oscar Vilhena. Constituição e Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José

Rodrigo (org). Fragmentos para um dicionário crítico de direito de desenvolvimento. São Paulo: Saraiva,

2011. P.54).

14

com o intuito de definir e estimular o desenvolvimento. Restando, já no artigo 1º, §1º,

do referido diploma, definida e apontada a sua fundamentalidade, quando explicitado

que se trata de “direito humano inalienável3”.

Apesar da indubitável contribuição do referido diploma à afirmação do direito

ao desenvolvimento como direito fundamental, percebe-se que seu texto se apresenta

por demais vago e carente de critérios de aplicabilidade, que acabaram por ser

transportados para os textos constitucionais em que o desenvolvimento restou previsto.

Não restam dúvidas, pois, que o constituinte brasileiro, inspirado nos

movimentos mundiais no mesmo sentido, atribui alta carga de fundamentalidade e

relevância ao direito ao desenvolvimento.

Ao final, conforme já afirmado ao início, o que se propõe é compreender a

inter-relação entre os conceitos acima mencionados. Ou seja, como se relacionam as

liberdades políticas e facilidades econômicas com vistas ao desenvolvimento. Sendo

necessário, neste momento, o questionamento sobre a relevância da participação popular

em decisões do órgão estatal de defesa da concorrência e qual a relevância deste

processo ao desenvolvimento. Neste sentido, então, é que se desenvolve este estudo.

3 Artigo 1º §1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda

pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e

político, para ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais

possam ser plenamente realizados.(Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento – 1986 - Adotada

pela Revolução n.º 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986.

Disponível em < http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-

sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html> )

15

2. DEMOCRACIA E O PARADIGMA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

2.1 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E A CRISE DO MODELO

REPRESENTATIVO

Tempos verdadeiramente paradigmáticos são os vividos na democracia

brasileira, onde, tal como uma debutante se apresenta para a sua sociedade, o Brasil

busca o desenvolvimento constitucionalmente almejado e tenta encontrar seu lugar

dentre as grandes economias no cenário mundial.

Evidente que, onde a perfeição inexiste por ser de extrema utopia, ainda

estamos muito distantes de um modelo de pleno desenvolvimento digno de garantir as

almejadas e propagadas estabilidades democrática e econômica. Ainda que, conforme

reiteradamente afirmado na forma da verdade e clichê acadêmico, vivemos o maior

período de estabilidade democrática da história do nosso País, o que é certo é que não

passamos de uma ainda jovem democracia em busca de autoafirmação.

Interessante pontuar que, com relação ao desenvolvimento do nosso sistema

democrático, é patente a crise enfrentada pelo modelo representativo adotado em nosso

País. Possivelmente resultante da construção falha de um modelo partidário, igualmente

falho, sem carga valorativa e defesa ideológica que, alinhada a uma cultura de

corrupção, resultou na total descrença no referido modelo de representatividade e em

um poço de distância entre o povo, sua vontade, e a classe política, e a execução das

vontades ou visando a prestação das necessidades do povo.

Surge-nos, então, o problema propulsor da presente investigação. A definição

do que vem a ser este modelo de democracia representativa que, conforme amplamente

divulgado e profeticamente defeso, se encontra em um sinonímico processo falimentar.

Analisando, a posteriori, a gênese do ideal democrático, visando o estudo de

proposições pragmáticas que objetivem a utilização de instrumentos de participação

política direta e venham apresentar resultados de maior eficiência no tocante à

efetivação do modelo sustentado.

E eis que na problemática narrada, e objeto desta análise, nos deparamos com o

primeiro conceito de difícil precisão, mas de necessária delimitação. O ícone radical e

16

legitimador do poder democrático, qual seja, o povo e sua definição jurídica4. Isto, com

intuito de compreender o conteúdo material que preenche, embasa e nos fornece a ideia

da significação deste termo, resguardado constitucionalmente5 e embebido de todo o

poder, nos moldes dos Estados Democráticos contemporâneos, sem excetuar o Estado

brasileiro.

Friedrich Muller, em sua obra “Quem é o povo?6”, põe em discussão o que

define como sendo uma questão fundamental das democracias constitucionais, ou seja, a

definição do conceito de povo, conforme comumente trazido no seio das Constituições

contemporâneas. Seu trabalho tem origem na indagação filosófica de “[...] quem seria

esse povo, que legitima ‘democraticamente’ o poder7”. Em sequência,

complementarmente ao problema, ainda pontua a preocupação com o fato de que não

seria necessária apenas a invocação terminológica do povo, por parte de um documento

positivo constitucional, para real efetivação democrática. E ainda afirma, em

contraposição, “[...] que a descoberta sóbria de que o povo, com efeito, não exerce a

dominação ainda não deve deslegitimar o poder8”. Fazendo perceber, em suas

considerações introdutórias, as evidências da constatação de um esvaziamento

democrático dos ideais sustentáculos dos Estados constitucionais do século XX.

O referido estudo do catedrático da Universidade de Heidelberg apresenta a

preocupação e tem o intuito de compreender a acepção do termo povo em face da

justificativa de uma caracterização fruto da atribuição consentida de um, conforme

denomina, “poder-violência9” ao Estado, nos Estados democrático-constitucionais

4 Fábio Konder Komparato nos leva à reflexão ao afirmar com convicção que “sem essa distinção básica

é praticamente impossível compreender o princípio do funcionamento do regime democrático. A

conhecida fórmula de Lincoln, de que a democracia é o governo do povo pelo povo e em prol do povo, é

falsa: soberania não se confunde com governo. O grande defeito da democracia antiga foi justamente o

estabelecimento dessa confusão na prática; ao passo que a grande falsidade da democracia moderna é a

atribuição ao povo de uma soberania puramente teórica ou ornamental”. KOMPARATO, Fabio Konder.

Repensar a Democracia. LIMA, Martonio. ALBUQUERQUER, Paulo Antonio. Democracia, Direito e

Política. Florianopolis: Conceito Editoral, 2006. p. 193. 5 Conforme assevera o parágrafo único do art.1º da Constituição brasileira de 1988, aqui transcrito:

“Art.1º [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes

eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da

Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 6 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 7 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 45. 8 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 45. 9 Em nota de tradução, Peter Naumann, o tradutor da obra em comento, assim pontua: “O termo alemão

utilizado pelo autor é Gewalt, que pode ser traduzido por violência e por poder. A ambivalência do termo

alemão revela uma ambivalência da própria realidade, à qual o termo se refere: o termo alemão admite,

por assim dizer, que o poder tem necessariamente uma conotação de violência, ainda que a ideia e a

práxis do Estado de Direito se empenhem em formalizar, vale dizer, racionalizar e assim tornar

17

contemporâneos. Em outras palavras, tomando por base o poder de interferência e de

gerência por parte do Estado, procura compreender o momento em que este poder fora

consentido, como ocorrera e qual o sujeito responsável por sua legitimação. Indo além

da mera exposição terminológica e iconoclasta dos textos constitucionais em que se

atribui o poder ao povo.

Muller enxerga que o termo povo se mostra de maneiras diversas e em

variados graus de “operações legitimatórias10”, podendo se apresentar, cambiando a

depender do âmbito de suas funções, “[...] como povo ativo11, como instância de

atribuição de tipo global12, como destinatário de padrões civilizatórios da cultura

constitucional democrática13, que envolvem direitos de resistência ao Estado e direitos

de prestações por parte dos mesmos14”.

Além das três instâncias legitimadoras retro trazidas, o doutrinador ainda

apresenta a ideia de povo como ícone. Nesta conotação, o conceito tem relação com a

percepção de uma instância metafísica, sacralizada e intocável que surge na transição de

uma condição pré-democrática para uma condição democrática e legitima o poder que

se constitui. Esta noção vem carregada de forte carga valorativa e ideológica que, levada

a extremos, acaba por afastar o conceito do povo do real, factível e tangível, adentrando

em território mítico e puramente abstrato, trazendo como séria consequência a

transparente e discutível essa violência constitutiva das relações sociais”. MULLER, Friedrich. Quem é o

povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 48. 10 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 75. 11 Sobre o conceito de povo ativo, Muller o tem na ideia de povo partícipe direta ou indiretamente do

processo democrático, elegendo representantes ou participando efetivamente da tomada de decisões.

Afirma que “a ideia fundamental da democracia é a seguinte: determinação normativa do tipo de convívio

de um povo pelo mesmo povo. Já que não se pode ter o autogoverno, na prática quase inexequível,

pretende-se ter ao menos a autocodificação das prescrições vigentes com base na livre competição entre

opiniões e interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes de sancionamento político.”

MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 53. 12 Muller também chama esta apresentação de povo como sendo o “povo legitimante”. Ou seja, o poder

onde se embasa o Estado democrático. Afirma que “parece plausível ver nesse caso o papel do povo de

outra maneira, como instância global da atribuição de legitimidade democrática, como povo legitimante.

É nesse sentido que são proferidas e prolatadas decisões judiciais em nome do povo”. MULLER,

Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 55. 13 Também chamado de povo participante, esta instância de legitimação se caracteriza por duas coisas,

quais sejam, o povo como participante do processo decisório e o povo como destinatário das ações furtos

das decisões tomadas pelo Estado. Muller assim pontua: “[...]em primeiro lugar procurando dotar a

possível minoria dos cidadãos ativos, não importa quão mediata ou imediatamente, de competências de

decisão e de sancionamento claramente definidas; em segundo lugar e ao lado desse fator de ordem

procedimental, a legitimidade ocorre pelo modo, mediante o qual todos, o ‘povo inteiro’, a população, a

totalidade dos atingidos são tratados por decisões e seu modo de implementação. Ambas, a decisão

(enquanto coparticipação do ‘povo’) e a implementação (enquanto efeitos produzidos ‘sobre o povo’)

devem ser questionadas democraticamente.” MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011. p. 67. 14 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 75.

18

possibilidade de que o poder-violência estatal o tome como inofensivo15 e irreal ou, na

expressão bem trazida por Muller, um “notre bon peuple16”.

A compreensão do conceito de povo adotando singularmente e exclusivamente

cada uma dessas instâncias legitimadoras é algo duramente criticado pelo autor. Em

verdade, a defesa apresentada e proposta pelo mesmo é a de que a definição do termo

deve ocorrer pela superação destas percepções de maneira distinta, abarcando um

sistema de “quanto mais... tanto mais17”. Nas palavras do doutrinador, “quanto mais o

‘povo’ for idêntico com a população no direito efetivamente realizado de uma sociedade

constituída, tanto mais valor de realidade e consequentemente legitimidade terá o

sistema democrático existente como forma18”. Em outras palavras, quanto mais a noção

de povo tenha relação com a generalidade ou inclusão do maior número de membros de

uma população nos processos decisórios de uma sociedade, cuja convivência ocorre de

maneira consentida, maior se mostrará a representatividade e legitimidade do sistema

democrático ali existente e, assim, a conjunção destas diferentes instâncias

legitimadoras e percepções do termo, superaria a mera iconização e aproximaria pontos

extremos presentes em um estado democrático e apresentados pelo catedrático como

sendo: o grupo popular, ou a “população integralmente politizada, aquecido até a

temperatura de fusão” e, seu oposto, a democracia de “cunho autoritário ou totalitário”,

“sem povo19” e inexistente materialmente. Ou seja, faz necessária a persecução de um

caminho intermediário onde o número total de integrantes de uma população

politicamente ativa e participativa legitimaria a utilização e efetivação do poder do

Estado de maneira não autoritária, mas, sim, consentida e limitada pela própria instância

legitimadora.

Denis Rosenfield apresenta uma visão mais pragmática do conceito de povo,

afirmando que “[...] o ‘povo’ se veria reduzido a uma maioria politicamente

determinada, formada por indivíduos que se constituem assim quando de um processo

eleitoral20”. O conceito de povo se definiria, nesta perspectiva, como sendo sinônimo de

15 “O poder-violência encara o povo de modo alienado; o povo encontra-se sob o poder-violência de um

Estado que mantém um povo para si – seu povo do ‘poder constituinte’, um ‘santinho de forte

luminosidade’.” MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.

63. 16 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 61. 17 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 95. 18 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 75. 19 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 95. 20 ROSENFIELD, Denis Lerrer. Justiça, Democracia e Capitalismo. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010. p.

53.

19

uma maioria constituída no processo eleitoral, resumindo como maioria meramente

política, subsumindo no direito ao voto, sua única característica compartilhada, ou seja,

sem tomar por relevante qualquer identidade social ou econômica compartilhada.

Afirma, o professor, que “toda maioria política, obtida eleitoralmente, é tão transitória

como qualquer processo eleitoral21” e em que pese o fato de que qualquer democracia se

estabelece sobre um processo de maiorias que cambiam em momentos eleitorais

distintos, definidos em “[...]calendário eleitoral previamente estabelecido22”, não se

pode confundir conceitualmente ‘povo’ como sendo a maioria dos eleitores variáveis no

processo eleitoral, “[...] ela não pode tornar real uma ficção, sob pena de viver dos seus

próprios fantasmas. E o totalitarismo23 pode ser um dos seus efeitos fantasmáticos,

terrivelmente real24”.

Assiste razão a percepção apresentada por Rosenfield em relação à delimitação

conceitual de povo como sendo a maioria definida em um processo eleitoral, afinal, esta

identificação, em um sistema verdadeira e efetivamente democrático, deve ser,

necessariamente, mais abrangente, com vistas a não incorrer no perigo de mostrar-se

com viés totalitário, conforme defeso pelo professor. Entretanto, não concordamos com

a visão negativista sobre a impossibilidade de conseguir-se delimitar o conceito de

povo. Sendo, aqui, preferível a abordagem de Friedrich Muller onde, observe-se,

procurou demonstrar a existência de um povo real em um Estado democrático,

enxergado sob um viés central e intermediário entre a anarquia da desorganização de

um governo exercido diretamente pelo povo e o totalitarismo consentido e assentado no

desejo da maioria, reflexo no poder-violência (na terminologia utilizada por Muller) do

21 ROSENFIELD, Denis Lerrer. Justiça, Democracia e Capitalismo. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010. p.

53. 22 ROSENFIELD, Denis Lerrer. Justiça, Democracia e Capitalismo. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010. p.

53. 23 Complementarmente, e em contraposição à visão de Friedrich Muller, Denis Lerrer Rosenfield, sobre o

conceito de povo, afirma que a soberania deste conceito é a base da democracia totalitária. Pois, conforme

afirma, tal conceito se mostra carente de base real e sua definição encontra dificuldades “insuperáveis”.

Em suas palavras, “a democracia totalitária, por sua vez, está baseada no conceito de soberania do povo,

como se este fosse uma entidade real, que se manifestaria plenamente mediante uma elite partidária

dirigente. O conceito de povo é, fundamentalmente, um fato discursivo, carente de base real. Toda vez

que procurarmos determinar o que é o ‘povo’, encontraremos dificuldades insuperáveis, sobretudo se

acoplarmos a essa expressão a de governo, pois, aí sim, teremos a ficção presidindo os destinos de uma

nação. E quando a ficção aparece em nome de algo inexistente, ela se presta aos mais diferentes tipos de

manipulação, tendo como consequência a instauração de uma forma de dominação, que vive da criação de

fatos discursivos, também ditos demagógicos”. ROSENFIELD, Denis Lerrer. Justiça, Democracia e

Capitalismo. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010. p. 52. 24 ROSENFIELD, Denis Lerrer. Justiça, Democracia e Capitalismo. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010. p.

53.

20

Estado. Neste caso, reitere-se, o povo25 seria a totalidade de cidadãos, politicamente

ativos, com capacidade e possibilidade de legitimação através do processo democrático

do exercício do poder-violência por parte do Estado, limitado através do mesmo

expediente democrático.

Superada a indefinição conceitual do termo ‘povo’, retornemos, pois, ao objeto

ora em estudo, à democracia representativa e a patente crise do modelo de

representação. Pois bem, ainda nos dizeres de Muller, “a ideia fundamental da

democracia é a seguinte: determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo

mesmo povo26”. Afirma, com razão, que a prática de autogoverno é, em termos práticos,

quase inexequível e que a pretensão que existe é a de que a definição de um

ordenamento jurídico ocorra tomando por base a “[...]livre competição entre opiniões e

interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes de sancionamento

político27”. Assim, o regime de representação elimina, naturalmente, todas as formas de

imediatidade e, em tese, possibilita o bom debate visando a tomada de decisões que

satisfaça da melhor maneira os interesses do povo.

Pelo caráter da pesquisa aqui elaborada, se mostra desnecessária uma

abordagem profunda do caráter histórico da evolução da Democracia. Deste modo, nos

interessa apenas uma rápida observação de maneira a explicar o porquê de a mudança

da perspectiva democrática ao longo dos séculos ter ocorrido conforme se foi

aumentando o tamanho dos agrupamentos sociais.

Robert Dahl28 apresenta a evolução do pensamento democrático sobre quatro

pontos de vista paradigmáticos, sendo eles, (1) a democracia direta da Grécia antiga, (2)

a tradição republicana, fruto de Roma e das cidades-Estado italianas da Idade Média e

Renascença, (3) a ideia do Governo Representativo e suas instituições e, por fim, (4) a

igualdade política e a lógica do pensamento democrático-igualitário. Identificando, pois,

25 Trazemos como complemento as palavras de Joseph Schumpeter que assim assevera: “it will be

remembered that our chief troubles about the classical theory centered in the proposition that ‘the

people’ hold a definite and rational opinion about every individual question and that they give effect to

this opinion – in a democracy – by choosing ‘representatives’ who will see to it that opinion is carried

out. Thus the selection of the democratic arrangement which is to vest the power of deciding political

issues in the electorate. Suppose we reverse the roles of these two elements and make the deciding of

issues by the electorate secondary the election of the men who are to do the deciding. To put it differently,

we now take the view that the role of the people is to produce a government, or else an intermediate body

which in turn will produce a national executive or government. And we define: the democratic method is

that institutional arrangement for arriving at political decisions in which individuals acquire the power to

decide by means of competitive struggle for the people’s vote”. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalism,

Socialism and Democracy. 3.ed. New York: Harper Perennial Modern Thought, 2008. p. 269. 26 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 53. 27 MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 53. 28 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. pgs. 17-34.

21

a democracia direta da Grécia antiga como sendo o ideal verdadeiramente

revolucionário para o surgimento da concepção de democracia que temos hoje em dia.

Nos atendo ao modelo grego, ilustra o autor que baseava-se na participação

direta dos cidadãos nas decisões tomadas em benefício das cidades-Estado, levando em

consideração que as diferenças entre os indivíduos não poderiam ser maiores do que a

concordância e aceitação da busca compartilhada pelo bem comum. Ou seja, na

democracia grega os cidadãos deveriam ser capazes de reunir-se e decidir diretamente

sobre leis e diretrizes da ação política29. Dahl continua a abordagem e afirma que além

das assembleias havia participação ativa dos cidadãos também na administração da

cidade, com ocupação de cargos por eleição ou por sorteio, representando o ideal grego

de perfeição do modelo direto de participação política.

Por sua vez, Norberto Bobbio, em sua publicação “Liberalismo e

Democracia30”, apresenta a divisão paradigmática dos ideais democráticos em

“democracia dos antigos e dos modernos31”. Em seu trabalho, afirma que a democracia

grega (ou democracia dos antigos) nos transmitiu, dentro da tipologia32 das formas de

governo, a noção de democracia como “[...]forma de governo dos muitos, dos mais, da

maiorias, ou dos pobres(...), em suma, segundo a própria composição da palavra, como

governo do povo, em contraposição ao governo de uns poucos33”. Este significado geral

de governo onde a titularidade do poder pertence ao povo permaneceu como sendo

sinônimo de democracia, mesmo com o passar dos séculos34, em que pese o fato de que

29 “Na visão grega da democracia, o cidadão é uma pessoa íntegra, para quem a política é uma atividade

social, natural, não separada nitidamente do resto da vida, e para quem o governo e o Estado – ou melhor,

a polis – não são entidades remotas e alheias, distantes de si. Ao contrário, a vida política é uma extensão

dessa pessoa e está em harmonia com ela. Os valores não são fragmentados, mas coesos: a felicidade está

vinculada à virtude, a virtude à justiça e a justiça, à felicidade.”. DAHL, Robert A. A Democracia e seus

críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. pgs. 26. 30 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2011. 31 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2011. p. 31-36. 32 Em sua obra “Estado Governo Sociedade”, Norberto Bobbio pontua que “com respeito ao seu

significado descritivo e segundo a tradição dos clássicos, a democracia é uma das três possíveis formas de

governo na tipologia em que as várias formas de governo são classificadas com base no diverso número

dos governantes. Em particular, é a forma de governo na qual o poder é exercido por todo o povo, ou pelo

maior número, ou por muitos, e enquanto tal se distingue da monarquia e da aristocracia, nas quais o

poder é exercido, respectivamente, por um ou por poucos”. BOBBIO, Norberto. Estado Governo

Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2012. p.137. 33 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2011. p. 31. 34 “Toda a história do pensamento político pode ser considerada como uma longa, ininterrupta e

apaixonada discussão em torno dos vários modos de limitar o poder: entre eles está o método

democrático. Um dos argumentos fortes em favor da democracia é que o povo não pode abusar do poder

contra si mesmo, ou, dito de outra forma, onde o legislador e o destinatário da lei são a mesma pessoa, o

primeiro não pode prevaricar sobre o segundo. O argumento utilitarista é o que se funda numa outra

máxima (menos sólida, pra dizer a verdade), aquela segundo a qual os melhores intérpretes do interesse

coletivo são os que fazem parte da coletividade e de cujo interesse se trata, isto é, os próprios

22

em muito se alterou o seu “significado valorativo35”, ou seja, a ponderação e

consequente valoração do modo como é exercido este poder.

Passada esta explanação, Bobbio identifica como sendo o grande paradigma

que modificara o entendimento sobre como ocorre o exercício democrático, ou a

passagem da “democracia dos antigos” para a “democracia dos modernos”, quando

nasce o Estado constitucional moderno. Assim, o modelo de exercício direto da

democracia passa a ser compreendido como insustentável em um Estado de grandes

proporções e, em decorrência dessa impossibilidade de atuação direta, surge a ideia de

representação como sendo o único modelo democrático possível frente às peculiaridades

do Estado moderno36. A soberania do povo, tanto na democracia direta dos antigos

quanto na democracia representativa ou indireta dos modernos, constitui-se como sendo

princípio supremo, diferindo apenas nas formas ou modalidades em que é exercida.

Em continuidade à dissertação sobre a representação, Bobbio pondera que um

dos fundamentos deste modelo de democracia se resume no fato de que “os

representantes eleitos pelos cidadãos estariam em melhores condições de avaliar quais

seriam os interesses gerais melhor do que os próprios cidadãos, fechados demais na

contemplação dos próprios interesses particulares37”. Neste sentido, o modelo de

democracia indireta ou representativa38 estaria mais coadunado com a efetivação do

princípio da soberania popular.

interessados: neste sentido, vox populi vox dei”. BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade. São

Paulo: Paz e Terra, 2012. p.146. 35 “Seja o que for que se diga, a verdade é que, não obstante o transcorrer dos séculos e todas as

discussões que se travaram em torno da diversidade da democracia dos antigos com respeito à democracia

dos modernos, o significado descrito geral do termo não se alterou, embora se altere, conforme os tempos

e as doutrinas, o seu significado valorativo, segundo o qual o governo do povo pode ser preferível ao

governo de um ou de poucos e vice-versa. O que se considera que foi alterado na passagem da

democracia dos antigos à democracia dos modernos, ao menos no julgamento dos que veem como útil tal

contraposição, não é o titular do poder político, que é sempre o ‘povo’, entendido como o conjunto dos

cidadãos a que cabe em última instância o direito de tomar as decisões coletivas, mas o modo (mais ou

menos amplo) de exercer esse direito(...)”. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São

Paulo: Editora Brasiliense, 2011. p. 32. 36 Simone Goyard-Fabre afirma que “apoiando-se na idéia de soberania do povo e, correlativamente – já

que a democracia direta é impossível no mundo moderno -, no axioma da representação que faz com que

os governantes falem em nome dos cidadãos, o estado democrático apoia-se no sufrágio universal,

subentendendo-se que o princípio majoritário é a regra da representação parlamentar. A representação,

que pressupõe a concordância entre os atos dos representantes e a opinião dos representados, é , portanto

produtora da legitimidade dos governantes; nela, fala a ‘vontade geral’, de que a lei é a expressão”. In

GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 277-278. 37 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2011. p.34. 38 Em conclusão ao capítulo em que trata da democracia dos antigos e dos modernos, Bobbio afirma que

“Se por democracia moderna entende-se a democracia representativa, e se à democracia representativa é

inerente a desvinculação do representante da nação com respeito ao singular indivíduo representado e aos

seus interesses particularistas, então a democracia moderna pressupõe a atomização da nação e a sua

recomposição num nível mais elevado e ao mesmo tempo mais restrito que é o das assembleias

23

Robert Dahl ao tratar do modelo representativo, identificando-o como cerne da

“segunda transformação” da Democracia, afirma que em termos práticos o modelo de

representação fora desenvolvido como “[...] uma instituição medieval de governo

monárquico e aristocrático” e não como sendo inventado por democratas originários,

como comumente se leva a crer. “Seus primórdios encontram-se, principalmente na

Inglaterra e na Suécia, nas assembleias convocadas pelos monarcas, ou às vezes pelos

próprios nobres, para tratar de assuntos de Estado importantes39”. Conforme se fazia

habitual, os convocados eram representantes de Estados diversos que iriam tratar com

os governantes os assuntos de interesse comum.

Ainda tomando por base a dissertação de Dahl, foi no século XVIII que o

ideário democrático de governo do povo poderia ser unido à prática, antes vista como

não democrática, de representação, dotando a democracia de “[...]uma forma e

dimensão totalmente novas40”. Foi assim que a representação ganhou ampla aceitação

por parte de democratas e republicanos, passando a ser enxergada como meio para

eliminação da limitação atribuída às dimensões territoriais dos Estados democráticos e

“[...] transformou a democracia, de uma doutrina adequada apenas para as cidades-

Estado pequenas e em rápida extinção, para uma doutrina aplicada aos grandes Estados

nacionais da era moderna41”.

Eis que, conforme se apura das teorias aqui apresentadas, a democracia

moderna toma a forma e absorve o sistema representativo como sendo o único meio

eficaz de efetivação do ideário embasado na soberania do “povo” nos Estados nacionais

modernos e contemporâneos. A escolha direta de representantes, incumbidos de

defender as necessidades e os anseios da população que os elegera, permanece, pois,

como modelo principal e de maior viabilidade ainda no século XXI.

Desnecessário memorar que o principal benefício advindo do modelo

representativo fora o alargamento e ampliação do governo e dos limites de atuação de

seu caráter democrático. Ou seja, “[...] o governo popular não precisou mais confinar-se

aos Estados menores, mas pôde, então, estender-se quase indefinidamente até incluir um

parlamentares. Mas tal processo de atomização é o mesmo processo do qual nasceu a concepção do

Estado liberal, cujo fundamento deve ser buscado, como se disse, na afirmação dos direitos naturais e

invioláveis do indivíduo”. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora

Brasiliense, 2011. p. 36. 39 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 43. 40 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 43. 41 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 44.

24

grande número de pessoas42”. Ainda, dentro da noção do Estado nacional, surgiram as

“[...]novas concepções de direitos pessoais, liberdade individual e autonomia pessoal43”

e, também, problemas de difícil solução nas limitações geográficas das cidades-Estado,

passaram a se apresentar de mais fácil solução, isto, com o aumento da interdependência

resultado de um governo amplo e representativo “[...]capaz de criar leis e regulamentos

para um território bem maior. Nesse sentido, a capacidade dos cidadãos para se

governar foi muito favorecida44”.

Entretanto, faz-se saber que, em que pese as inúmeras benesses que o sistema

representativo apresentou e desenvolveu ao longo da história moderna e contemporânea,

também fez surgir problemas inerentes e peculiares frutos de sua própria realidade.

Ainda nos dizeres de Dahl, ocorreu um surgimento de novas e altamente complexas

instituições políticas que acabaram por suplantar a assembleia soberana, tida por

elemento fundamental da democracia antiga. Tais instituições advindas com a

democracia representativa “[...] deixaram o governo tão longe do demos que é possível

alguém perguntar, com razão, como fizeram alguns críticos, se o novo sistema poderia

ser chamado pelo nome venerável de democracia45”.

Além da problemática narrada, as sociedades democráticas que frutificaram

dos ideais da representação desenvolveram um notável sistema de pluralismo político,

onde “associações políticas autônomas” são tidas como legítimas e necessárias ao

modelo de democracia de “grande escala46”. A consequência pesarosa, conforme

sustenta Dahl, restou no fato de que o conflito político, antes encarado como destrutivo,

passou a ser tido como “[...] uma parte normal, inevitável e até mesmo positiva da

ordem democrática47”. O autor afirma que a aceitação dos conflitos ideológicos como

sendo normais48 e parte integrante do modelo democrático de representação, acabou por

42 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 44. 43 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 45. 44 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 45. 45 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 45. 46 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 45. 47 DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 45. 48 “Na grande escala do Estado nacional, surgiram vários interesses e grupos de interesse. E esse grupos

diversos não foram, de forma alguma, uma bênção sem mistura de maldição. Enquanto na antiga visão o

faccionalismo e o conflito eram considerados destrutivos, na nova visão o conflito político passou a ser

considerado uma parte normal, inevitável e até mesmo positiva da ordem democrática.

Consequentemente, a antiga crença de que os cidadãos podem e devem buscar o bem público em vez de

seus objetivos particulares tornou-se mais difícil, se não impossível, de manter à medida que o ‘bem

público’ se fragmentou em interesses individuais e grupais”. DAHL, Robert A. A Democracia e seus

críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 45.

25

afastar a crença na busca por um bem público49 e comum50, conforme os ditames da

democracia antiga, passando a ser substituída por um conflito de interesses de grupos

antagônicos ou individuais. Onde restaria, nestes pontos, verdadeiros problemas a ser

superados no modelo de representação.

A preocupação demonstrada por Dahl ao tratar da distância entre os

representantes e os representados, ou a distância entre o governo e o demos, se mostra

de grande relevância, também, para o italiano Bruno Leoni em sua obra “a liberdade e a

lei51”. O autor busca apontar problemas relativos ao modelo de representação no tocante

ao conflito com a ideia de liberdade individual. Ou seja, quando um grupo é eleito em

determinado sistema representativo, todas as decisões tomadas tendem a atender aos

interesses da maioria que elegeu aquele mesmo grupo. Afirma que nenhum sistema

representativo pode atuar de maneira correta e adequada “[...] enquanto as eleições

acontecem com o objetivo de se atingir decisões de grupo através da maioria ou

qualquer outra regra cujo efeito seja exercer coerção sobre o indivíduo que está do lado

perdedor do eleitorado52”.

Ocorre que ao tomarmos em consideração as afirmações apontadas por Dahl,

em junção com a ideia da conduta antidemocrática de se levar em consideração apenas

os interesses de um grupo majoritário, percebe-se sem maiores esforços os traços

tirânicos que o modelo representativo pode, por vezes, adotar. Entretanto, por sua vez,

Leoni identifica como ponto chave de sua defesa do esvaziamento do caráter

democrático dos sistemas representativos que, este, se dá, também, no fato de que tais

sistemas “[...] da maneira como são em geral concebidos, nos quais eleição e

49 “Quando o público governa, ao há homem que não sinta o preço do bem estar público e que não

procure cativá-lo, atraindo para si a estima e a afeição daqueles em cujo meio devem viver. Várias das

paixões que revestem os corações e os dividem são então obrigadas a se retirar para o fundo da alma e ali

ocultar-se. O orgulho se dissimula; o deprezo não ousa vir à luz. O egoísmo tem medo de si mesmo. (...)

Assim, o país mais democrático da terra verifica-se ser aquele onde os homens mais aperfeiçoaram hoje

em dia a arte de procurar em comum o objeto dos seus comuns desejos e se aplicaram ao maior número

de objetos essa ciência nova”. TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. 4.ed. São Paulo:

Itatiaia, 1998. p. 389-392. 50 Noberto Bobbio trata a ideia de associação supostamente inerente aos sistemas democráticos afirmando

que “[...]a democracia dos modernos é pluralista, vive sobre a existência, a multiplicidade e a vivacidade

das sociedades intermediárias. Mais que pela igualdade das condições, a sociedade americana

impressionou Tocquevile pela tendência que têm os seus membros de se associarem entre si com o

objetivo de promover o bem público, tanto que ‘independentemente’ das associações permanentes,

criadas pela lei sob o nome de comunas, cidades e condados, há uma multidão de outras que devem o

surgimento e o seu desenvolvimento tão-somente a vontades individuais’. E o associacionismo converte-

se num critério novo (novo com respeito aos critérios tradicionais, que sempre se fundaram

exclusivamente sobre o número dos governantes) para distinguir uma sociedade democrática de uma não

democrática(...)”.BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2012. p. 152. 51 LEONI, Bruno. A Liberdade e a Lei. Porto Alegre: Instituto Liberal, 1993. 52 LEONI, Bruno. A Liberdade e a Lei. Porto Alegre: Instituto Liberal, 1993. p. 137.

26

representação estão vinculadas são incompatíveis com a liberdade individual, no sentido

da liberdade de escolher, conferir poder e instruir um representante53”.

Leoni sabiamente pontua que o modelo conforme sustentado e mantido em

muitos dos sistemas políticos contemporâneos, se apresenta “[...] esvaziando-se a

palavra do seu significado histórico e empregando-a como um slogan ou, como diriam

os filósofos analíticos ingleses, uma palavra ‘persuasiva’54”. Afirma que a propagação

da ideia de representação se mostra com uma conotação positiva no âmbito político,

entretanto, na prática ocorre um esvaziamento deste caráter verdadeiramente

representativo, fruto de questões inúmeras, tais quais, a desinformação por parte dos

cidadãos partícipes em um processo eleitoral55, a propagação enganosa de ideias em tese

defesas56 por parte dos representantes e seus partidos ou, simplesmente, a aceitação57 da

participação no processo eletivo como única e melhor maneira de se exercer seu direito

de participação política5859. Simone Goyard-Fabre nos aparece de maneira conclusiva ao

53 LEONI, Bruno. A Liberdade e a Lei. Porto Alegre: Instituto Liberal, 1993. p. 137. 54 LEONI, Bruno. A Liberdade e a Lei. Porto Alegre: Instituto Liberal, 1993. p. 138. 55 Leoni cita John Stuart Mill que, profeticamente, afirmara que “instituições representativas têm pouco

valor e podem ser um mero instrumento de tirania e intriga, quando os eleitores em geral não estão

suficientemente interessados em seu próprio governo a ponto de darem seu voto ou se, ao votar, não dão

seus sufrágios em favor dos interesses públicos, mas sim, os vendem por dinheiro ou votam em

conformidade com alguém que sobre eles tem controle ou cujas razões particulares aqueles desejam

favorecer. Eleições populares praticadas dessa forma, em vez de serem uma garantia contra a má

administração, são, ao contrário, uma engrenagem adicional em sua máquina”. MILL, John Stuart.

Considerations on representative government. LEONI, Bruno. A Liberdade e a Lei. Porto Alegre:

Instituto Liberal, 1993. p. 135. 56 “A história da representação, na vida política assim como na econômica, dá-nos uma lição que as

pessoas ainda não aprenderam. Existe, em meu país, um ditado, chi vuole vada, que significa que, se você

realmente quer algo, você tem de ir e ver por si mesmo o que deve ser feito, em vez de mandar um

mensageiro. É claro que sua ação pode não ter bons resultados, se você não é esperto, hábil ou

suficientemente bem informado para atingir o que deseja. E isso é o que os dirigentes privados e os

representantes políticos diriam, se ao menos se importassem em explicar às pessoas que representam

como as coisas estão realmente sento feitas”. LEONI, Bruno. A Liberdade e a Lei. Porto Alegre:

Instituto Liberal, 1993. p. 135. 57 Alexis de Tocqueville, em sua obra “A democracia na América” afirma profeticamente que “entre os

homens que por muito tempo viveram livres, antes de se tornar iguais, os instintos que a liberdade havia

infungido até certo ponto combatem os pendores que a igualdade sugere; e, embora entre eles o o poder

central aumente os privilégios, os particulares jamais perdem inteiramente a sua independência. Mas,

quando a igualdade vem a se desenvolver num povo que jamais conheceu ou que não mais conhece desde

muito a liberdade, assim como se está vendo no continente europeu, chegando os antigos hábitos da nação

a se combinar subitamente, por uma espécie de atração natural, com os hábitos e as doutrinas novas que o

estado social faz nascer, todos os poderes parecem espontaneamente convergir para o centro; aí se

acumulam com uma rapidez supreendente, e o Estado atinge de golpe os extremos limites de sua força ao

passo que os particulares se deixam cair subitamente até o último grau de fraqueza”. TOCQUEVILLE,

Alexis. A democracia na América. 4.ed. São Paulo: Itatiaia, 1998. p. 517. 58 O Professor André Ramos Tavares afirma que “a vontade de participar do poder, na democracia

representativa, nos moldes atuais, é restritivista, visto que cessa no momento em que ocorre o provimento

eleitoral. De maior duração e profundidade é a vontade de exercer o poder na democracia semidireta, na

qual se vai além do mero voto, galgando intersecções e imbricações necessárias com a esfera pública

representativa do exercício do poder pelos representantes do ‘soberano’ (povo)”. TAVARES, André

Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1034.

27

afirmar que “[...] o poder democrático está habitado por uma crise fundamental, que

nada mais é que uma crise de identidade: o povo soberano não se reconhece mais no

aparelho do Estado que o governa60”.

Valemos-nos, por fim, dos ensinamentos do festejado professor Artur Cortez

Bonifácio que memora o fato de que o advento do Estado Democrático de Direito61 traz,

em sua gênese, a necessidade de um maior enfoque e valorização do homem e de sua

dignidade, de maneira que “à democracia formal, legal, representativa, abre-se à maior

amplitude de participação dos indivíduos e se enriquece em valor62”.

Diante do exposto, se denota uma relativa multiplicidade de motivos que

resultaram no iminente processo de falência do modelo representativo de democracia.

Sendo certa a resumida afirmação de que há um inegável distanciamento entre os

clamores e interesses do povo soberano e a estrutura governamental juntamente com os

representantes eleitos63. Partindo de uma conjugação teórica para dedução de tais fatores

em caráter pontual, identificamos, na teoria de Leoni, que esta distância em muito se dá

como resultado da apatia na participação do processo eleitoral e da desinformação dos

eleitores quanto à atuação dos representantes e os seus ideais defesos e, em

contraposição, o afastamento de ideais pretensamente defesos por parte dos

representantes, bem como uma ditadura das maiorias64 fruto, conforme já asseverado, da

59 “A tendência é aceitar as coisas como elas são, não só porque as pessoas não conseguem ver nada

melhor, mas também porque estão frequentemente desinformadas do que realmente está acontecendo. As

pessoas justificam a ‘democracia’ atual porque parece assegurar pelo menos uma vaga participação dos

indivíduos no processo de legislação e na administração de seu país – uma participação que, por mais

indefinida que seja, é considerada a melhor que se pode obter nessas circunstâncias”. In LEONI, Bruno.

A Liberdade e a Lei. Porto Alegre: Instituto Liberal, 1993. p. 138. 60 GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 282. 61 Cumpre pontuar a perspectiva que o Professor Artur Cortez Bonifácio propõe em sua análise. Assim,

afirma que “[...] o Estado Democrático de Direito é a um só tempo, o Estado da Legalidade e o modelo de

Estado, o qual oportuniza a participação do povo no processo e decisão políticos, pelas formas permitidas

na Constituição, legitimando o exercício do poder”. BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional

Internacional e a proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2008. p. 167. 62 BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos

fundamentais. São Paulo: Método, 2008. p. 167. 63 “There is, first, no such thing as a uniquely determined commom good that all the people could agree

on or be made to agree on by the force of rational argument. This is due not primarily to the fact that

some people may want things other than the commom good but to the much more fundamental fact that to

different individuals and groups the commom good is bound to mean different things”. SCHUMPETER,

Joseph A. Capitalism, Socialism and Democracy. 3.ed. New York: Harper Perennial Modern Thought,

2008. 64 Nos parece interessante a defesa feita por Arend Lijphart sobre a ‘democracia do consenso’. Tomando

por base o fato de que “essas democracias precisam é de um regime democrático que estimule o

consenso, em vez da oposição; que promova a inclusão, em vez da exclusão, e que tente ampliar a maioria

governante, em vez de se satisfazer com uma pequena maioria: essa é a democracia do consenso(...)Em

lugar de concentrar o poder nas mãos da maioria, o modelo consensual tenta compartilhar, dispersar e

restringir o poder de várias formas”. LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia. 3.ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2011. p. 53-54.

28

representação dos interesses do grupo majoritário que lograra êxito no processo

eleitoral. Por fim, cumpre lembrar que uma das causas, por sua vez trazidas por Dahl,

para a ocorrência do processo aqui citado, foi o desenvolvimento de instituições

políticas de tamanha complexidade que acabaram fomentando este distanciamento

reiteradamente afirmado. Motivo, este, para nós contrassensual, conforme se delineará

adiante, tomando por base o ponto de vista da utilização do aparato burocrático

governamental como instrumento de participação no processo político e consequente

reaproximação do conteúdo material da democracia, representado aqui como sendo o

paradigma da participação política.

2.2 O PARADIGMA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E A DEMOCRACIA

PARTICIPATIVA.

Antes de adentramos precisamente na conceituação de democracia

participativa, conforme almejado e proposto no presente trabalho, e diferentemente da

perspectiva conceitual pretérita, nos parece interessante a abordagem do paradigma

democrático, cerne da participação política, tentando delimitar o conteúdo material

deste que é tido como princípio65 e direito fundamental de muitos dos ordenamentos

contemporâneos, incluindo o brasileiro.

A doutrina política nos apresenta que o conteúdo material da democracia se

resume na retórica dualidade entre liberdade e igualdade. Alexis de Tocqueville, tido

como o profeta da democracia, afirma, em sua obra atemporal “a democracia na

américa66”, que os povos democráticos tendem para um ideal em que liberdade e

igualdade se fundem, de maneira que seja possível a concorrência de todos os

interessados ao governo em igual direito de concorrer. “Neste caso, ninguém é diferente

de seus semelhantes, ninguém poderá exercer um poder tirânico; os homens serão

65 Sobre o princípio democrático, Ricardo Duarte Júnior afirma que “a vontade soberana do povo

(princípio democrático) está concentrada no princípio da legitimidade. Este princípio pode ser entendido

como a própria base de criação e validação do ordenamento jurídico, assim como tem o papel, em última

análise, de definir o interesse público, o qual deverá ser atendido pela ação administrativa [...] Ora, é

justamente na democracia a resposta encontrada para a pergunta ‘por que devemos obedecer ao Poder

(expressado através das normas jurídicas)?’. Um poder só passa a ser legítimo, pois entendemos que ele é

fruto, expressão da vontade geral. Se não fosse a soberania popular (a vontade geral – democrática), em

nada o ordenamento seria diferenciado das normas deontológicas de um grupo de assaltantes”. DUARTE

JR, Ricardo. Agência Reguladora, Poder Normativo e Democracia Participativa: Uma questão de

legitimidade. Curitiba: Juruá Editora, 2014. p. 55-56. 66 TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. 4.ed. São Paulo: Itatiaia, 1998.

29

perfeitamente livres, porque serão todos inteiramente iguais; e serão todos perfeitamente

iguais porque serão inteiramente livres67”.

Observe-se que os ideais de igualdade defesos pelo francês se resumiam às

condições de participação política68. Esta visão é, também, apresentada por Noberto

Bobbio ao afirmar que a igualdade na liberdade é a única forma de igualdade entendida

como compatível e solicitada pela doutrina liberal, resumida na ideia de que “[...] cada

um deve gozar de tanta liberdade quanto compatível com a liberdade dos outros,

podendo fazer tudo o que não ofenda a igual liberdade dos outros69”.

Conforme exposto, igualdade e liberdade, em uma verdadeira democracia,

seriam indissociáveis. Entretanto, a verdadeira democracia só ocorreria em uma

conjugação desses dois fatores, pois ambas as posições, se enxergadas em uma

perspectiva unilateral e dissociada, acabam por acarretar em males de difícil reparação

em uma sociedade democrática. Os efeitos negativos de um enfoque exclusivo na

liberdade seriam imediatos e perceptíveis, afetando a todos de certa maneira. Os males

do foco único na igualdade, por sua vez, seriam ainda mais nefastos, pois se

manifestariam de maneira lenta, penetrando gradualmente no corpo social e, no

momento em que aparecessem de maneira radical, a habitualidade faria com que não

fossem sentidos.

Sob esta perspectiva política, sintetizamos a visão do autor no sentido de que

ambos os caminhos, se levados ao extremo, são veementemente perigosos. Por isso sua

defesa no tocante à necessária associação entre liberdade e igualdade como verdadeiros

conteúdos materiais da democracia e fundamentais para a consecução de uma realidade

plenamente democrática. Destacando, destarte, a perigosa tendência de apego passional

à igualdade em detrimento da liberdade como sendo um relevante óbice ao

desenvolvimento pleno da democracia70. Neste sentido atenta ao fato de que as

67 TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. 4.ed. São Paulo: Itatiaia, 1998. p. 383. 68 “Tal é a mais completa forma que poderia tomar a igualdade sobre a terra; mas existem mil outras que,

sem ser tão perfeitas não são menos caras a tais povos. A igualdade pode estabelecer-se na sociedade civil

e não reinar no mundo político. Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres, de entrar nas

mesmas profissões, de encontrar-se nos mesmos lugares; numa palavra, de viver da mesma maneira e de

procurar a riqueza pelos mesmos meios, sem tomar todos a mesma parte no governo. Pode estabelecer-se

mesmo uma espécie de igualdade no mundo político, embora não haja a liberdade política. Somos iguais

a todos os nossos semelhantes, menor um, que é, sem distinção o senhor de todos, e que toma igualmente,

entre todos, os agentes do seu poder”. TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. 4.ed. São

Paulo: Itatiaia, 1998. p. 383-384. 69 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2011. p.39. 70 Em sua análise sobre o desenvolvimento da democracia nos Estados Unidos da América, Tocqueville

observa que “a grande vantagem dos americanos é terem chegado à democracia sem ter de suportar

30

sociedades que vivem sob o endeusamento da igualdade71 tendem a amar o poder

central e de bom grado aumentar seus privilégios. Sendo, ainda maior, se por ocasião

este poder representar fielmente os interesses, resultando em uma confiança quase que

ilimitada72, ou uma verdadeira entrega da coisa pública73, o que de toda forma acabaria

por resultar em tirania, ao afastar a liberdade de concorrência e os instrumentos de

participação daqueles que estariam submetidos à sociedade democrática.

Conforme já abundantemente abordado no presente texto e concluso por

ocasião da abordagem da obra de Alexis de Tocqueville, podemos sintetizar o ideário

democrático na máxima de forma de organização estatal consubstanciada como sendo

fruto do poder natural e soberano do povo partícipe e integrante de um mesmo espaço

geográfico, submetido a uma mesma ordenação de convívio. Ou seja, em uma

democracia, todas as decisões devem partir do povo, de maneira direta, ou através de

representantes eleitos pelo mesmo, ponderando, em ambos os casos, o dissenso, visando

um governo consensual na multiplicidade de ideias e interesses presentes em todo e

qualquer agrupamento social, sob pena de contrariar os princípios que sustentam este

modelo de Estado.

Em adição, concordamos com a tese de que o conteúdo material que compõe a

democracia resulta no alinhamento e conjugação entre os princípios da liberdade e

igualdade, sob uma ótica hermenêutica em que o exercício da igualdade se limite às

equalização de condições e oportunidade de participação e a liberdade se apresente com

o viés de possibilidade de participação política, conforme ensinado por Bobbio74,

revoluções democráticas, e terem nascido iguais em vez de iguais se tornarem”. TOCQUEVILLE,

Alexis. A democracia na América. 4.ed. São Paulo: Itatiaia, 1998. p. 388. 71 Em adendo e por amor ao debate, nos parece interessante o que Robert Dahl afirma sobre a associação

entre Democracia e certos tipos de igualdade. Assevera que “a estreita associação entre a democracia e

certos tipos de igualdade nos leva a uma conclusão moral importante: se a liberdade, o desenvolvimento

pessoal e o avanço dos interesses compartilhado são bons objetivos, e se as pessoas intrinsecamente

iguais em seu valor moral, isso significa que as oportunidades para alcançar esses bens devem ser

distribuídas igualmente a todas as pessoas. Visto sob essa perspectiva, o processo democrático se justifica

não apenas por seus próprios valores últimos, mas também como um meio necessário para a justiça

distributiva”. DAHL, Robert A. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 496. 72 In TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. 4.ed. São Paulo: Itatiaia, 1998. p. 522. 73 Complementarmente, pontua o estudioso francês: "Na verdade, é difícil imaginar como poderiam

homens que renunciaram inteiramente ao hábito de se dirigir por si mesmos conseguir escolher bem

aqueles que os devem conduzir; e nada fará acreditar que um governo liberal enérgico e sábio jamais

possa sair do sufrágio de um povo de servos". TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América.

4.ed. São Paulo: Itatiaia, 1998. p. 533. 74 “Ideais liberais e método democrático vieram gradualmente se combinando num modo tal que, se é

verdade que os direitos de liberdade foram desde o início a condição necessária para a direta aplicação

das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da

democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade. Hoje, apenas os

Estados nascidos das revoluções liberais são democráticos e apenas os Estados democráticos protegem os

31

preenchendo, assim, a essência do verdadeiro espírito democrático.

Complementarmente, cumpre apresentar a afirmação feita pelo italiano de que a fórmula

política de soberania popular cerne da democracia se mostra como o desenvolvimento

natural do Estado liberal, ou de um Estado mínimo, conforme a percepção moderna da

ciência política. Finaliza a apresentação deste entendimento afirmando que “o único

modo de tornar possível o exercício da soberania popular é a atribuição ao maior

número de cidadãos do direito de participar direta e indiretamente na tomada de

decisões coletivas75”. Podemos traduzir os entendimentos trazidos na seguinte fórmula:

a democracia só é possível com o aumento de liberdade política refletido no

consequente crescimento de igualdade de participação popular nos processos políticos

em uma acepção ampla76.

Partindo deste entendimento de democracia apresentando a liberdade como seu

princípio chave, Simone Goyard-Fabre pontua que tal liberdade não deve ser tratada

como um princípio abstrato vislumbrado em uma análise de direito natural atribuída por

um juízo racional. Em verdade, afirma, “para pensar os princípios da democracia, não

devemos nos afastar do concreto. Eles só têm pertinência e valor quando relacionados

com a efetividade democrática77”.

A teoria de Goyard-Fabre se desenvolve em uma apresentação racional do

método democrático, embasado na teoria democrática kelseniana78, tendo como ponto

direitos do homem: todos os Estados autoritários do mundo são ao mesmo tempo antiliberais e

antidemocráticos”. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora

Brasiliense, 2011. p. 44. 75 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2011. p. 43. 76 Complementarmente, nos parece interessante a análise da relação entre democracia e liberalismo feita

por Bobbio ao afirmar que “esquematicamente [...] pode ser representada segundo estas três combinações:

a) liberalismo e democracia são compatíveis e, portanto, componíveis, no sentido de que pode existir um

Estado liberal e democrático sem, porém, que se possa excluir um Estado liberal não- democrático e um

Estado democrático não-liberal (o primeiro é o dos liberais conservadores, o segundo dos democratas

radicais); b) liberalismo e democracia são antitéticos, no sentido de que a democracia levada às suas

extremas consequências termina por destruir o Estado liberal (como sustentam os liberais conservadores)

ou pode se realizar plenamente os ideais liberais e apenas o Estado liberal pode ser a condição de

realização da democracia.” BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6.ed. São Paulo: Editora

Brasiliense, 2011. p. 53. 77 GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 306-307. 78 Interessa-nos trazer, complementarmente, a visão kelseniana sobre o conteúdo material do método

democrático. Observe-se que, semelhante ao defeso por Tocqueville e Noberto Bobbio, o professor

também considera a liberdade e a igualdade como “instintos primordiais do ser social”. Completa: “em

primeiro lugar, a reação contra a coerção resultante do estado de sociedade, o protesto contra a vontade

alheia diante da qual é preciso inclinar-se, o protesto contra o tormento da heteronomia. É a própria

natureza que, exigindo liberdade, se rebela contra a sociedade, parece tanto mais opressivo quanto mais

diretamente se exprime no homem o sentimento primitivo do valor, quanto mais elementar frente ao

mandante, ao que comanda, é o tipo de vida de quem é obrigado a obedecer: ‘ele é homem como eu,

somos iguais, então que direito tem ele de mandar em mim?’ Assim, a idéia absolutamente negativa e

com profundas raízes anti-heróicas de igualdade trabalha em favor de uma exigência igualmente negativa

32

culminante e final a análise do que a autora denomina como “novo paradigma”

democrático, consistindo, tal paradigma, na teoria do agir comunicacional de Jurgen

Harbermas.

A teoria democrática de Habermas se mostra deveras pertinente em sua ótica

racionalista, observando, conforme ensina Goyard-Fabre em análise do primeiro, que o

resultado do ordenamento democrático, consubstanciado na figura das normas jurídicas,

tem sua validade em relação de dependência com o “acordo com o mundo cotidiano

vivido79”, que é próprio da finalidade do agir comunicacional apresentada pelo autor.

Assim, é crucial que exista uma real discussão no sentido prático para que as normas

jurídicas tenham a possibilidade de atuar imperativamente. A autora sintetiza a posição

de Habermas afirmando que a proposta de um novo paradigma necessário à realidade

contemporânea, “depois da queda dos princípios do pensamento moderno, para a

refundação e a reconstrução do direito, é o recurso à razão processual de uma política

democrática deliberativa animada pela atividade comunicacional80”.

Interessa-nos a identificação do modelo teórico proposto por Jurgen Habermas

tomando por base o fato de que “[...] o processo de política deliberativa constitui o

âmago do processo democrático81”. De fato, há que se concordar com a ideia de

legitimação democrática através de uma construção normativa e governamental que seja

fruto direto de processos de comunicação racional presentes na sociedade. Frisando a

necessidade de observância de um modelo que busque a integração de ideias

divergentes, naturalmente presentes em uma sociedade plural, resultando no

desenvolvimento democrático consensual em moldes racionais oriundos do agir

comunicativo.

Habermas confere especial destaque à relevância da sociedade civil e seu papel

na construção democrática, observando que quando a sociedade toma consciência de

situações de crise pode assumir um papel destacadamente ativo e de resultados

significativos, transformando o modo de solucionar problemas abrangentes em todo o

de liberdade. Da ideia de que somos – idealmente – iguais, pode-se deduzir que ninguém deve mandar em

ninguém. Mas a experiência ensina que, se quisermos ser realmente todos iguais, deveremos deixar-nos

comandar. Por isso a ideologia política não renuncia a unir liberdade com igualdade. A síntese desses dois

princípios é justamente a característica da democracia [...]”. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo:

Martins Fontes, 2000. p. 27. 79 GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 324. 80 GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 324. 81 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.

18.

33

sistema político82. Aduz que “as estruturas comunicacionais da esfera pública estão

muito ligados aos domínios da vida privada, fazendo com que a periferia, ou seja, a

sociedade civil, possua uma sensibilidade maior para os novos problemas[...]83” o que

resultaria na identificação e compreensão, destes, antes do próprio poder

governamental84.

Válida se mostra a identificação racional entre o agir comunicacional e o

campo jurídico, apresentada pelo doutrinador retro referido. Notória a defesa feita pelo

mesmo no sentido de uma postura que não se desprende da juridicidade em direção à

categorias metafísicas. Simone Goyard-Fabre, em sua análise da obra do autor, afirma

que “a postulação na qual ele baseia a mutação de princípios da democracia é clara:

como o direito é autônomo e só direito cria direito, é no próprio direito que residem às

bases fundadoras da democracia: comunicação e argumentação85”. Em que pese as

críticas86 elaboradas pela doutrinadora no tocante à visão de Habermas de que a

legitimação do direito ocorre precisamente através do processo democrático e não, na

82 Assim aduz Habermas: “Com efeito, apesar da diminuta complexidade organizacional, da fraca

capacidade de ação e das desvantagens estruturais, eles têm a chance de inverter a direção do fluxo

convencional da comunicação na esfera pública e no sistema político, transformando destarte o modo de

solucionar problemas de todo o sistema político”. HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia Volume

II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 115. 83 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.

115. 84 Ao tratar da questão da identificação de problemas a serem colocados em pauta nos fluxos de

comunicação, Habermas identifica três modelos de iniciativa distintos, quais sejam, o “inside access

model (modelo de acesso interno), mobilization model (modelo de mobilização), outside initiative model

(modelo de iniciativa externa)”. Assim explica que “No primeiro caso, a iniciativa é dos dirigentes

políticos ou detentores do poder: antes de ser discutido formalmente, o tema segue o seu percurso no

âmbito do sistema político, sem a influência perceptível da esfera pública política ou até com a exclusão

dela. No segundo caso, a iniciativa também é do sistema político; porém, seus agentes são obrigados a

mobilizar a esfera pública, uma vez que necessitam do apoio de partes relevantes do público para atingir

um tratamento formal ou para conseguir a implementação de um programa já votado. Somente no terceiro

caso a iniciativa pertence às forças que se encontram fora do sistema político, as quais impõem o

tratamento formal utilizando-se da esfera pública mobilizada, isto é, da pressão de uma opinião pública”.

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.

113-114. 85 GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 325. 86 “Que a obra de Kelsen tenha sido desprezada e que o livro de Habermas tenha tido sucesso não autoriza

a concluir que a fundação transcendental da democracia seja falsa e que o paradigma comunicacional seja

sinônimo de verdade. Quando a genealogia filosófica da democracia culmina no olhar crítico que se pode

lançar sobre ela, percebe-se que a consciência transcendental não está nem um pouco ameaçada de

autodestruição. Muito pelo contrário, ela fornece à arquitetônica e à normatividade da ordem jurídica as

condições que as tornam possíveis e válidas. É precisamente disso que a sociedade democrática precisa:

se é verdade que ela deve dar atenção à opinião pública, nem por isso deve submeter-se a ela; o

importante é que ela reconheça, junto com os direitos de cidadãos maiores e livres, as exigências de

princípio da ordem pública, sobre essa base, cabe a suas instituições efetuar a síntese entre ordem e

liberdade”. GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p.

336.

34

visão kelseniana de que tal legitimação decorre das normas coercitivas do poder do

Estado e da sanção como consequência da desobediência87.

As considerações feitas pela doutrinadora resultam em uma percepção

clarividente de que existe uma relação inflexível entre a política democrática e o “estado

de espírito das populações”, no sentido dos múltiplos riscos de desvio compatíveis com

“[...] os efeitos das pressões e das paixões populares, orquestradas por líderes ou

exploradas pela propaganda e pelos meios de comunicação88” com a possibilidade de

arrastar o método democrático “[...] para o lodaçal da demagogia e da desordem89”.

Assim, mesmo diante das considerações críticas aduzidas pela renomada

doutrinadora, nos parece incoerente com o ideário e método democrático os receios

resultantes do apego a uma tradição profundamente normativista apresentados pela

mesma. Outrossim, é válida a lembrança que a doutrina Habermasiana não se relaciona

com posições metafísicas e, sim, no modo como se mostra em toda sua construção,

tentando se afastar de tais questões, objetivando a construção do modelo democrático

fruto do agir comunicacional sob uma perspectiva puramente racional das relações

sociais, observando, evidentemente, o conteúdo jurídico daí resultante.

A perspectiva democrática deliberativa90 apresentada por Habermas na forma

de novel paradigma democrático se encontra amplamente respaldada na doutrina

moderna e contemporânea.

Interessante trazer a baila o relevante trabalho do renomado constitucionalista

brasileiro, Professor Paulo Bonavides, tratando da democracia participativa. Entretanto,

cumpre frisar a divergência político-econômico-ideológica existente entre a percepção

apresentada neste trabalho e a obra do professor. Em retorno à temática, Bonavides ao

tratar dos fundamentos teóricos da democracia participativa afirma que o fundamento

material deste método democrático tem relação com a ideia de participação do cidadão

na condução da sociedade em um ensaio vocacionado para a democracia direta. Afirma,

ainda, que não se trata precisamente de uma democracia direta nos moldes atenienses

mas, sim, uma conceituação semidireta da democracia, compreendendo uma

87 GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 333. 88 GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 337. 89 GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 337. 90 Bruno Leoni, em sua já abordada obra, trata da relação entre liberdade e vontade geral, onde, mesmo

condenando a coerção exercida pela lei em afirmação desta vontade comum, toma por princípio o fato de

que “[...] a liberdade individual pode ser consistente com os grupos de decisão e com as decisões de grupo

na medida em que estes reflitam os resultados de uma participação espontânea de todos os membros do

grupo na formação da vontade comum, por exemplo em um processo de formulação de leis independente

da legislação”. LEONI, Bruno. A Liberdade e a Lei. Porto Alegre: Instituto Liberal, 1993.p. 164.

35

intermediação estatal ajustada de acordo com as “[...]exigências e requisitos e

postulados de nossa época91”. Conclui fundamentando sua teoria na noção de

legitimidade afirmando que “governar é legislar, governo é legislatio; governa quem

legisla. Em se tratando, porém, de democracia há que atender a este requisito

fundamental: legisla quem tem legitimidade. E legitimidade quem a tem é o povo92”.

Meirelles Teixeira, com apego à denominação de democracia direta aponta

como vantagem da utilização de expedientes participativos em uma democracia o fato

de que há uma “[...] realização mais efetiva do princípio da identidade entre o povo e o

governo, a correção dos erros e das omissões dos corpos representativos, da corrupção

destes pelos grandes interesses que procuram dominar a vida política das nações93”,

aduzindo que além da fiscalização efetiva dos instrumentos representativos, ocorre com

maior eficiência um combate ao “conservantismo político94” que permanece no seio

burocrático e organicista governamental.

Ainda em complementação da nossa definição conceitual, André Ramos

Tavares, levando em consideração a insuficiência de um mandato eletivo na legitimação

de decisões políticas tomadas por parte dos representantes que exercem cargos de

governo, pontua que se faz necessário, também, que a decisão seja democrática e

frutificada de um controle democrático. A decisão dos escolhidos deve ser expressão da

vontade popular. Tal pressuposto resulta da percepção, aqui compartilhada e inúmeras

vezes trazida, de que a participação política é muito mais de a mera participação

eleitoral, em verdade, “a participação ‘muitas vezes é mais eficiente por outros meios’ e

a democracia pode consolidar-se independentemente da vontade majoritária ou até

contra ela9596”.

91 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 3.ed. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 345. 92 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 3.ed. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 345. 93 TEIXEIRA, J.H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Conceito, 2011. p. 443. 94 TEIXEIRA, J.H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Conceito, 2011. p. 443. 95 Por amor ao debate, importante a noção que André Ramos Tavares trás, no bojo de sua obra, com

relação à preocupação de Diogo de Figueiredo Moreira Neto “no sentido de que ‘ a adoção temporã de

sofisticados institutos de participação, altamente demandantes de cultura política, poderá causar mais mal

do que bem. Despreparado, o povo, para manejar soberanamente esses instrumentos, ou acabará presa

fácil das militâncias organizadas ou arcará com os pesados custos da ineficiência ‘legitimada’. A

participação política não é, pois, uma panaceia. E continua: ‘e, surpreendentemente, os institutos de

participação política que deveriam servir à expansão e à afirmação da democracia, poderão se tornar

instrumentos de opressão de minorias oligárquicas ativistas ou de ‘legitimação’ dos oportunistas

ineficientes. E por ativista quis indicar não apenas o cidadão ativo, cuja participação é desejável, pelo que

isso significa como grau de politização, mas do cidadão arregimentado para excluir, pela sua atividade, a

participação dos contrários. Esse paradoxo sociológico do ‘ativismo’ sempre será um risco que a

36

Em síntese, conforme aqui trazido e defeso, o método democrático fundado nos

moldes da participação popular (restando denominado como democracia direta,

semidireta, participativa ou deliberativa) se mostra como sendo a verdadeira efetivação

do princípio democrático. Principalmente diante da verdadeira crise institucional

existente no método representativo democrático e do evidente distanciamento entre os

titulares do poder soberano e os que exercem as funções governamentais diversas,

conforme reiteradamente afirmado pela doutrina.

Para a melhor compreensão racional visando a aplicabilidade prática da teoria

proposta, nos parece interessante as restrições trazidas por Habermas em sua percepção

sobre o agir comunicacional enxergado como o frutífero método de deliberação política

em uma sociedade. Neste sentido, a ideia de estímulo à participação popular nas

decisões políticas, através de órgãos de governo articulados neste sentido, nos parece de

efetivação plenamente viável em um modelo estatal a exemplo do brasileiro.

2.3 INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Existe uma evidente preocupação com a expansão do caráter democrático no

texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Isto sendo, em

observação ao fato de que o momento histórico da realização da assembleia constituinte

se mostrara nos dispositivos da carta política na forma do consequente reflexo da

necessidade de proteção dos anseios políticos e direitos fundamentais dos brasileiros,

duramente afetados nos anos de regime militar. O resultado deste então novel texto

constitucional restou conhecido e repetidamente referido como sendo a constituição

cidadã ou democrática. Nomenclatura reflexa tanto de seu modo de elaboração, quanto

da proteção dos cânones democráticos presente em toda a extensão de seu texto.

O regime democrático resta sobejamente tutelado no texto constitucional de

1988, seja na forma do princípio democrático explícito97 ou implícito, presente em

democracia oferece a ela própria”. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São

Paulo: Saraiva, 2010. p. 1141. 96 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1140. 97 Já em preâmbulo dispõe o constituinte sobre a instituição de um Estado democrático embasado pelo

texto que segue. O dispositivo inaugural do texto constitucional, por sua vez, trás em seu bojo o princípio

democrático como fundante da república federativa do Brasil. Ainda restando reiterado seu conteúdo, em

37

momentos diversos da lei maior, seja através da proteção do Estado Democrático de

Direito, nos instrumentos constitucionalmente previstos para a participação popular no

processo político decisório, ou, simplesmente, a partir da interpretação lógico-dedutiva

do sistema jurídico construído e constituído98.

Tenta-se, neste momento, compreender e explicar a democracia participativa

no ordenamento jurídico e político brasileiro, além do estabelecido em texto positivo

constitucional, ou seja, ultrapassando a compreensão restrita dos instrumentos de

participação direta previstos na Carta Magna, tomando por base a ideia de que a

ampliação dos instrumentos de participação em processos decisórios do poder público

se coaduna com a efetivação do que vem a ser o princípio democrático

constitucionalmente protegido.

Por oportuno, é importante memorar que, conforme ensina Artur Cortez, temos

um “sistema democrático misto”. Onde, por um lado observa-se o modelo

representativo e, de outra ponta, nos são facultados meios efetivos de participação

popular direta. O aclamado constitucionalista observa que ambas as formas são

fundamentais ao sistema democrático brasileiro dada a ineficiência apresentada pela

democracia representativa em preservar os ditames constitucionais99.

Diante do exposto e em construção didática, cumpre-nos memorar os

mecanismos de participação direta previstos expressamente em nossa carta política. É

certo que o legislador constituinte previra uma ampla gama de meios para que o cidadão

pudesse interver na esfera política, consubstanciados na forma de instrumentos de

intervenção democrática jurídico-processual100, direitos e deveres fundamentais101,

seu parágrafo único, ao atribuir a titularidade de todo o poder ao povo que o exerce através da eleição de

seus representantes. Vejamos o dispositivo em comento: “Art. 1º A República Federativa do Brasil,

formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da

pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica

Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 98 Interessante trazer a previsão de Meirelles Teixeira que já afirmava que “de um modo geral, pode-se

afirmar que os controles democráticos diretos correspondem plenamente às ideias e princípios

democráticos, constituindo desenvolvimento e aplicação lógica dos mesmos; que utilizados com certa

cautela, para as grandes questões de governo, poderão prestar excelentes serviços em qualquer país;

pequenas comunidades políticas, como, por exemplo, na esfera municipal, podem constituir excelentes

processos de educação política e de governo eficiente, de acordo com o interesse público”. TEIXEIRA,

J.H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Conceito, 2011. p. 444. 99 BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos

fundamentais. São Paulo: Método, 2008. p. 170. 100 Como exemplo de instrumentos jurídico-processuais condizentes com o princípio democrático e

participação cidadão, lembra-se, com destaque, do mandado de injunção e da ação popular. O primeiro,

previsto no art. 5º, LXXII da Constituição Federal, “garante a toda pessoa a possibilidade de impetrar

38

espaço de participação nos processos de decisão e fiscalização governamental102 e, em

delimitação à nossa abordagem momentânea, os instrumentos de intervenção direta,

propriamente ditos, estabelecidos no art. 14103 da lei maior.

O dispositivo constitucional acima mencionado vem introduzir o capítulo

constitucional referente aos direitos políticos104. Em sua redação, em destaque oportuno,

temos a base do sistema democrático representativo quando da reafirmação da soberania

popular e seu exercício através da figura do direito/dever de sufrágio e, em ato contínuo,

os instrumentos, propriamente ditos, de participação popular direta, quais sejam, o

plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

A esta possibilidade de conjugar o tradicional instituto do sufrágio, decorrente

do modelo de representação, com instrumentos de participação popular direta no

uma ação no caso de falta de norma regulamentadora, que torne inviável o exercício dos direitos e

liberdades constitucionais, ou as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”

(LOPES, Ana Mária D’Ávila. A cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988: redefinindo a

participação política. In Bonavides, Paulo. Lima, Francisco Gérson Marques de. Bedê, Fayga Silveira

(coord.). Constituição e Democracia. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 25.). Quanto à ação popular,

prevista no art. 5º, LXXIII da Lei Maior, afirma Ana Mária Lopes que “estabelece que qualquer cidadão

seja parte legítima para propor ação que vise a anular o ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de

que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural”

(LOPES, Ana Mária D’Ávila. A cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988: redefinindo a

participação política. In Bonavides, Paulo. Lima, Francisco Gérson Marques de. Bedê, Fayga Silveira

(coord.). Constituição e Democracia. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 26.). 101 Além dos próprios writs constitucionais já expressos, memora-se, em referência ao presente aspecto, o

direito de petição estabelecido no art. 5º, XXXIV, ‘a’, da carta política, visando à efetiva defesa de direito

individual, contra qualquer ato de ilegalidade ou abuso de poder. 102 Ana Mária D’Ávila Lopes nos apresenta um amplo rol de instrumentos de cidadania presentes na

Constituição Federal de 1988. De maneira exemplificativa, citamos a possibilidade de participação do

usuário na Administração Pública (art.37, §3º, CF), a fiscalização do contribuinte nas contas de seu

município (art. 31, §3º, CF), a participação de cidadãos no Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, XIII,

CF), no Conselho da República (art.89, VII) e no Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A,

VI, CF), dentre outros vastos direitos de participação e fiscalização trazidos no bojo do texto

constitucional. (LOPES, Ana Mária D’Ávila. A cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988:

redefinindo a participação política. In Bonavides, Paulo. Lima, Francisco Gérson Marques de. Bedê,

Fayga Silveira (coord.). Constituição e Democracia. São Paulo: Malheiros, 2006. pgs. 25-27). 103 Aduz o caput e incisos do referido dispositivo: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo

sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. (...)” In BRASIL. Constituição (1988). Constituição

da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 104 Sobre a disposição constitucional dos Direitos Políticos, interessa-nos as considerações

complementares do Professor Celso Ribeiro Bastos ao afirmar que “no Estado de Direito o indivíduo tem

assegurada pela ordem jurídica uma certa gama de interesses relativos à propriedade, à liberdade, à

igualdade etc. São direitos oponíveis ao Estado e que visam a inibir sua atuação: têm, pois, um conteúdo

negativo. Entretanto, ao lado destes, co-existem no Estado democrático direitos assecuratórios da

participação do individuo na vida política e na estrutura do próprio Estado. Enquanto os primeiros visam

a proteger o indivíduo enquanto mero súdito do Estado, os segundos almejam assegurar ao cidadão acesso

à condução da coisa pública ou, se se preferir, à participação na vida política. Daí serem chamados

‘direitos políticos’, por abrangerem o poder que qualquer cidadão tem na condução dos destinos de sua

coletividade, de uma forma direta ou indireta, vale dizer, sendo eleito ou elegendo representantes próprios

junto aos poderes públicos”. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. 403.

39

exercício do poder, restou a denominação, sobejamente trazida pela doutrina, de

democracia semidireta. Neste sentido, o Professor Paulo Bonavides105 apresenta como

sendo uma modalidade de alteração da democracia representativa com o intuito de

aproximá-la da democracia direta, uma vez que seu retorno pleno é entendido como

impossível diante do complexo Estado contemporâneo106.

Em contraposição à compreensão do sistema representativo como sendo um

modelo em que há a efetiva alienação do poder de governo pelo povo titular a

representantes escolhidos através do sufrágio, afirma-se que na democracia

semidireta107 esta “[...] alienação política da vontade popular faz-se apenas

parcialmente108”. Assim, conforme já abordado no presente trabalho, no modelo em

comento ocorre a comunicação entre o povo e seu governo, pragmaticamente realizada

através de instrumentos técnico-jurídicos previstos na legislação. Ainda, nas palavras de

Bonavides, “acrescenta-se portanto à participação política certa participação jurídica”,

reconhecendo ao povo esfera de competência e sujeitando atos ao “[...]seu indispensável

concurso”, observando as formalidades previstas no próprio ordenamento109.

Em retorno aos instrumentos técnico-jurídicos de participação previstos no

ordenamento positivo brasileiro110, convém fazermos uma rápida definição de seu

estatuto teórico.

Conforme visto no texto constitucional, entre os instrumentos previstos para a

efetivação da participação popular, o plebiscito e o referendo111 nos surgem como ideias

105 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. 106 Neste sentido, afirma o renomado professor Bonavides que “verifica-se com o Estado moderno a

impossibilidade irremovível de alcançar-se a democracia representativa para aproximá-la cada vez mais

da democracia direta. Mas do mesmo passo percebeu-se ser possível fundar instituições que fizessem do

governo popular um meio-termo entre a democracia direta dos antigos e a democracia representativa

tradicional dos modernos. Na democracia representativa tudo se passa como se o povo realmente

governasse; há, portanto a presunção ou ficção de que a vontade representativa é a mesma vontade

popular, ou seja, aquilo que os representantes querem vem a ser legitimamente aquilo que o povo haveria

de querer, se pudesse governar pessoalmente, materialmente, com as próprias mãos”. BONAVIDES,

Paulo. Ciência Política. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 295. 107 Complementarmente, sempre interessa trazer à baila os ensinamentos do professor Celso Ribeiro

Bastos que, em definição pontual, assim afirma: “Os instrumentos de democracia semidireta, portanto,

são a tentativa de dar mais materialidade ao sistema indireto. É tentar reaproximar o cidadão da decisão

política, sem intermediário”. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. 405. 108 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 296. 109 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 296. 110 Complementarmente, sempre interessa trazer à baila os ensinamentos do professor Celso Ribeiro

Bastos que, em definição pontual, assim afirma: “Os instrumentos de democracia semidireta, portanto,

são a tentativa de dar mais materialidade ao sistema indireto. É tentar reaproximar o cidadão da decisão

política, sem intermediário”. Bastos. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo:

Malheiros, 2010. p. 405.

40

correlatas. Bonavides assevera que são costumeiramente trazidos em conjunto e assim

apresentados pela doutrina por “[...] significar toda modalidade de decisão popular ou

de consulta direta do povo112”. Por sua vez, José Afonso da Silva pontua que são "[...]

consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância,

de natureza constitucional, legislativa ou administrativa113”.

Compreendendo que em ambos os modelos apresentados a participação do

povo ocorre através de consultas propostas pelo poder público, nos aparece de maneira

lógica a ideia de que não se trata de atuação manifestamente positiva, no sentido próprio

relativo à iniciativa da participação. O que, evidentemente, não diminui a importância

dos instrumentos aduzidos.

Em sua análise do texto constitucional de 1988, José Afonso114 nos estabelece

a diferença prática entre os institutos trazidos. Levando em consideração o fato de que

ambos são modelos de consulta à população, pontua que a diferença que se pode

estabelecer se dá com base no elemento temporal. Enquanto o plebiscito é convocado

anteriormente à elaboração de ato legislativo ou administrativo (onde, como

consequência, ocorre a aprovação ou denegação da proposta submetida), no referendo

temos um questionamento posterior a projetos de lei e emendas constitucionais já

aprovados (havendo, nesta hipótese, a ratificação ou rejeição do projeto).

Diante desta distinção, é possível afirmar que o plebiscito é um modo de

consulta em que se submete ao crivo popular uma questão política ou institucional,

antes da elaboração própria de texto legal, autorizando a formulação da medida posta

em debate, contrariamente à definição do referendo, onde ocorre a submissão de projeto

legal ao conhecimento e voto popular, de maneira que este aval seja exigência

fundamental para a aprovação do mesmo115.

A terceira modalidade trazida ainda no dispositivo constitucional ora

comentado é, em concordância com os ensinamentos de Bonavides, o que mais

111 Celso Ribeiro Bastos afirma resumidamente que “[...] no plebiscito há a manifestação popular, quando

o eleitorado decide, ou toma posição, diante de uma determinada questão. Assim, em termos práticos, é

feita uma pergunta à qual responde o eleitor”. Já sobre o referendo, ensina que “[...] é uma forma de

manifestação popular, em que o eleitor aprova ou rejeita uma atitude governamental”. Bastos. Celso

Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 405. 112 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 309. 113 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

p. 226. 114 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

p. 226. 115 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

p. 226.

41

corresponde à prática positiva de participação popular nos atos legislativos, entre os

institutos correlatos às práticas da democracia semidireta116. José Afonso da Silva

resume como sendo “[...] a forma de iniciativa legislativa pela qual se admite que o

povo apresente projetos de lei ao Legislativo, desde que subscrito por número razoável

de eleitores117 [...]”. Observe que o próprio texto constitucional, em seu artigo 61, §2º,

regula como ocorrerá a proposta de lei fruto da iniciativa popular, pontuando a

necessidade de, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuídos em pelos

menos cinco Estados, com não menos que três décimos por cento dos eleitores de cada

um deles118.

Uma observação válida é que a iniciativa popular não é uma transferência da

competência legislativa aos cidadãos, mas sim a faculdade conferida ao povo de

apresentar projeto de lei, de acordo com seus interesses próprios, a ser submetido ao

legislativo para o exercício de sua competência. É uma maneira que os cidadãos têm de

participar do processo legislativo fazendo uma proposta para que se legisle no sentido

pretendido, não usurpando a competência própria do poder legislativo, por evidente.

Diante da análise trazida, observa-se que ao adotar uma percepção

essencialmente vinculada ao texto frio da norma-regra de direito constitucional, poder-

se-ia dizer que a constituição brasileira e seu modelo assentado de democracia

representativa somente admitem a participação popular direta, nas decisões de governo,

nos três casos especialmente previstos no art. 14 da Constituição Federal de 1988.

Contudo, conforme já apresentado e sustentado no presente trabalho, não foram

poucos os instrumentos que o constituinte disponibilizou para a intervenção direta do

cidadão em atos governamentais. Assim, o legislador foi além da mera disponibilização

dos conhecidos mecanismos de participação semidireta, tendo restado e evidenciado a

tutela do direito de participação popular nos atos de governo consubstanciada sob a

forma autêntica de princípio constitucional.

116 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 311. 117 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

p. 226. 118 “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da

Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao

Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos,

na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...)§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela

apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do

eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento

dos eleitores de cada um deles.” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa

do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

42

Assim, assiste razão a Professora Ana Maria D’Ávila Lopes quando, utilizando

a expressão cidadania como sinônimo de “[...] participação política ativa e direta do

indivíduo na vida de sua sociedade119[...]”, apresenta variados instrumentos

constitucionais que materializam e instrumentalizam esta participação popular, já

trazidos em nota no presente texto. Ademais, justifica sua exposição, e nos valemos dos

mesmos argumentos, afirmando que tal participação popular adquire a especial

relevância que tem, por constituir verdadeiro fundamento do Estado democrático

brasileiro120.

Artur Cortez Bonifácio também estabelece uma análise sobre o conceito de

cidadania previsto em texto constitucional, observando, ainda, a sua condição

principiológica. Memora que tal princípio se insere em um processo de construção,

assim como diversas outras previsões constitucionais, e que se relaciona com a garantia

à sociedade da mais ampla liberdade de participação, fruto do aperfeiçoamento da

democracia121.

A cidadania, conforme Paulo Lopo Saraiva, deve ser encarada sob a ótica

formal e a ótica material. Constituindo, a primeira, um atributo do cidadão e a segunda,

por sua vez, se dividindo em cidadania nominal, conforme o estabelecido pelo texto

constitucional e a cidadania real, vivida efetivamente na realidade prática122. Não sendo,

na visão do professor, compatíveis sob o prisma da subsunção123.

119 LOPES, Ana Mária D’Ávila. A cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988: redefinindo

a participação política. In Bonavides, Paulo. Lima, Francisco Gérson Marques de. Bedê, Fayga Silveira

(coord.). Constituição e Democracia. São Paulo: Malheiros, 2006. Pg. 27 120 Trazemos à baila o teor da afirmação da Profa. Ana Mária D’Ávila Lopes que assim afirma: “A

concepção brasileira de cidadania como participação política ativa e direta do indivíduo na vida da sua

sociedade – e não apenas como o exercício do direito político de eleger e ser eleito – está ainda mais

contundentemente prevista no inc. II do art. 1º da Constituição Federal de 1988, no qual a cidadania é

vista como um dos fundamentos do Estado Democrático brasileiro. Sendo assim, a cidadania passa a ser

um direito que torna todo cidadão um protagonista na construção de sua própria história, e não apenas um

simples espectador. Nas palavras de José Afonso da Silva: ‘a atual Constituição amplia a cidadania,

qualificando e valorizando os participantes da vida do Estado, e reconhecendo a pessoa humana como ser

integrado na sociedade em que vive”. LOPES, Ana Mária D’Ávila. A cidadania na Constituição

Federal brasileira de 1988: redefinindo a participação política. In Bonavides, Paulo. Lima, Francisco

Gérson Marques de. Bedê, Fayga Silveira (coord.). Constituição e Democracia. São Paulo: Malheiros,

2006. pgs. 27-28. 121 BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito de Petição: Garantia Constitucional. São Paulo: Método,

2004. p. 41. 122 “A cidadania real, no Brasil, não é ativa, é passiva. Todos dependem de tudo. A esmagadora maioria

do povo é composta de Expectadores (aqueles que aguardam algo) e de Espectadores (aqueles que vêem

as coisas)”. SARAIVA, Paulo Lopo. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Acadêmica,

1995. p. 40. 123 SARAIVA, Paulo Lopo. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Acadêmica, 1995. p.

40.

43

Assim, nesta visão, a participação política adquire, então, os contornos do

verdadeiro direito fundamental que constitui, apesar de sua não inclusão formal e

expressa no Título II da Constituição Federal de 1988.

Valemos-nos, ainda, dos argumentos apresentados por Ana Mária Lopes

quando observa que dentre os variados fundamentos para a compreensão do direito à

participação política como direito fundamental, a sua correspondência substancial com a

definição de direitos fundamentais é a mais relevante.

Conforme ensina a renomada professora, os direitos fundamentais são

compreendidos como normas jurídicas presentes em um ordenamento positivo-

constitucional, que tem por função refletir “[...]os valores mais essenciais de uma

sociedade, visando proteger diretamente a dignidade humana, na busca pela legitimação

da atuação estatal124”.

Observando particularmente o direito fundamental em comento, e realizando

uma análise tomando por base o conceito acima apresentado, se denota que quanto à

necessidade de se fazer presente em dispositivo constitucional, memoramos sua

positivação explícita quando do estabelecimento da cidadania como fundamento do

Estado brasileiro, além, por óbvio, dos inúmeros instrumentos democráticos em que

repousa implicitamente. No tocante à sua valoração dada a essencialidade à sociedade,

o fato de constituir expressamente um fundamento do Estado presente em carta política,

já nos remete à sua função norteadora de todo o ordenamento jurídico e político. Em

relação à relação entre o direito de participação política e proteção à dignidade da

pessoa humana, o ideal corresponde ao fato de que a proteção individual do vago

princípio só pode ocorrer quando os cidadãos possam participar e tomar decisões que

atinjam sua esfera de direitos e sua vida nas esferas pública e privada. Por fim, quanto

ao enquadramento como atividade que legitima juridicamente a atuação estatal,

redundante observar que tal possibilidade de participação constitui-se como crucial

mecanismo de controle da atuação do Estado, observando diretrizes e limites para sua

atuação125.

O ponto fundamental para a compreensão do aqui exposto reside no

entendimento abrangente do princípio democrático no ordenamento brasileiro. Levando

124 LOPES, Ana Mária D’Ávila. A cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988: redefinindo

a participação política. In Bonavides, Paulo. Lima, Francisco Gérson Marques de. Bedê, Fayga Silveira

(coord.). Constituição e Democracia. São Paulo: Malheiros, 2006. pg. 29. 125 LOPES, Ana Mária D’Ávila. A cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988: redefinindo

a participação política. In Bonavides, Paulo. Lima, Francisco Gérson Marques de. Bedê, Fayga Silveira

(coord.). Constituição e Democracia. São Paulo: Malheiros, 2006. Pg. 29.

44

em consideração que, em que pese o fato de o texto constitucional de 1988 estabelecer

expressamente instrumentos de participação política semidireta, encontra-se

expressamente ao longo de seus dispositivos e nas suas bases principiológicas a

possibilidade de ampliação dos meios de participação política popular no governo a que

se submete.

É de grande pertinência pontuar e necessário repetir que o que se propõe no

presente estudo é uma maior valorização do povo, titular efetivo do poder no Estado

democrático, de maneira que haja uma ampliação de sua participação efetiva no

governo, embasada e amparada por princípios e dispositivos constitucionais. Ademais,

importa afirmar a sinonímia das nomenclaturas aqui utilizadas, ou seja, a doutrina aqui

trabalhada utiliza as definições de princípio democrático, princípio da participação

política126 e cidadania de maneira plenamente análoga, o que justifica a adoção dos

termos cunhados pelos autores estudados conforme foram aqui introduzidos.

O modelo democrático representativo, apesar de sua fundamentalidade nos

Estados modernos, se tomado de maneira purista se mostra insuficiente para a real

efetivação da democracia em seu significado mais original. Diante desta percepção, a

própria Constituição Federal de 1988 estabeleceu as variadas possibilidades de

expansão do caráter democrático no Estado brasileiro127.

Observe-se que não se trata necessariamente de um modelo de democracia em

que a participação popular é fundamental a todos os atos de governo. Entretanto,

também é desarrazoado um apego estritamente legalista no sentido de compreender

como sendo os únicos instrumentos de participação existentes na ordem jurídica

brasileira, aqueles inseridos no art. 14 da Constituição Federal. Em verdade, conforme

exposto a participação popular (ou cidadania) configura um positivado fundamento da

república, compreendido como direito fundamental e desenvolvido em referência direta

ao próprio princípio democrático. Sendo, assim, a participação popular, um direito do

126 De maneira simplificativa, José Afonso da Silva pontua que “o princípio participativo caracteriza-se

pela participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos de governo”. SILVA, José Afonso

da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 141. 127 O Professor Paulo Cruz e a professora Grazielle Xavier pontuam brilhantemente que “a democracia

deve servir, antes de tudo, para que a sociedade evolua, para que a diversidade de opções políticas e não

políticas (culturais, relacionais, territoriais, sindicais, étnicas, de idade, etc.), se possam se movimentar o

mais livremente possível, enriquecendo a complexidade da comunidade. Como na própria natureza, a

biodiversidade, neste caso social, deve ser estimulada, de modo a acolher todo tipo de iniciativas e assim

fazer avançar o conjunto com as que se consideram mais válidas. Isto implica em diversos mecanismos e

instrumentos de validação, adaptados às peculiaridades de cada iniciativa, segundo o âmbito e o momento

determinado”. CRUZ, Paulo Márcio; XAVIER, Grazielle. Democracia Transnacional. XVII Congresso

Nacional do CONPEDI. 2008. Salvador. Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boteaux. p. 2624.

45

povo e um dever que o Estado deve assumir de maneira à, sempre que possível,

possibilitar tal exercício. Afinal, a expansão do caráter democrático de uma nação se

mostra fielmente vinculada ao pleno desenvolvimento da mesma, conforme ver-se-á por

oportuno.

46

3. FUNDAMENTOS DA TUTELA DA LIVRE CONCORRÊNCIA

3.1 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS DA IDEIA DE CONCORRÊNCIA

Para a análise final pretendida no presente trabalho, torna-se crucial um estudo

individualizado de cada conceito necessário para a formação da ideia central, por

derradeiro, aqui defesa. Neste sentido, passada a abordagem inicial sobre o paradigma

democrático e com vistas ao resultado pretenso, urge abordarmos os conceitos relativos

ao paradigma da livre concorrência, sua tutela jurídica, respaldo constitucional e

legislação brasileira no tocante à matéria.

Observe-se que a atualidade da temática aumenta sua relevância de maneira

considerável, sendo necessário pontuar que inexiste, ainda hoje, um consenso no tocante

aos verdadeiros bens jurídicos que restam protegidos em decorrência de tal proteção.

Também pairando em debate questões relacionadas aos objetivos e a real finalidade

prática da tutela jurídica da concorrência e que acabam por orientar as políticas de

defesa da concorrência, conforme se verá adiante.

Sobre a questão da tutela jurídica da concorrência, ou das normas antitruste no

geral, cumpre observar que tal ordenamento “[...] toma por base teorias econômicas

elaboradas para explicar e prever o funcionamento dos mercados a partir de sua

estrutura [...] 128”. Sendo neste sentido, que se propõe o estudo trazido no presente

tópico.

Passada a tratativa inicial, a primeira abordagem que aparece como necessária

é a definição técnico-econômica do que venha a ser a concorrência. Ou seja, qual o

significado conceitual deste bem ao qual nos interessa sua tutela jurídica e proteção

constitucional?

A concorrência é um processo que deriva diretamente da existência do

mercado. É resultante do mesmo e necessidade fundamental para a sua manutenção,

levando em consideração que o seu definhamento acaba por finalizar, também, a ideia

de mercado.

128 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Regulação e o Direito da Concorrência. In SUNDFELD, Carlos

Ari (coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 163.

47

Quanto ao conceito de concorrência propriamente dito129, o professor Vasco

Rodrigues observa que é comum, em se tratando do ideário difuso propagado entre as

pessoas, a noção de concorrência simplificadamente associada aos mercados em que

“[...] uma forte rivalidade entre os vendedores se manifesta através de mudanças de

preços, campanhas publicitárias, lançamento de novos produtos e da utilização activa de

outros instrumentos para aumentar vendas130”.

É válido afirmar que não deixa de ser racional, tal ponderação, em que pese

não nos ser útil para uma avaliação científica e identificação correta do objeto do

presente estudo.

Concorrência, conforme ensina o professor André Elali, é uma adaptação da

expressão latina concurrentia e carrega em si a relação com a ideia de rivalidade entre

uma pluralidade de pessoas ou forças que se enfrentam na busca de um mesmo espaço

ou objetivo. No contexto aqui pretenso, por óbvio, buscamos uma compreensão

aplicada à situação de uma multiplicidade de agentes econômicos que buscam interagir

a fornecer seus produtos em um determinado mercado, com fulcro em um processo

regular e irrestrito131.

O conceito acima se mostra útil para nos fornecer a base do que segue em

estudo. Entretanto, para compreender com precisão o conceito de livre concorrência,

aplicado as condições de um mercado real132, deve-se abordar a noção de concorrência

perfeita. Sendo, esta, o modelo teórico-econômico utilizado para entender o fenômeno

do abuso de poder econômico e, consequentemente, do afastamento da concorrência.

129 “Conceito de caráter mais econômico do que jurídico, a livre concorrência expressa seu sentido pelo

simples teor das suas palavras: um livre concorrer, concorrer livremente, ou mesmo liberdade para

concorrer. Trata-se de um status libertatis, mais uma das liberdades garantidas pela constituição, dessa

vez em relação a comportamentos dentro da perspectiva mercadológica, ao lado da livre iniciativa,

liberdade do exercício de trabalhos ou profissões e o livre exercício de atividades econômicas.”.

SANTOS Jr, Fernando Lucena Pereira dos. Imunidade Recíproca e Livre Concorrência:

Considerações acerca de sua fruição por empresas estatais. 2013. 135 f. Dissertação (Mestrado em

Constitução e Garantia de Direitos) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013. 130 RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito: Uma Introdução. Coimbra: Almedina, 2007.

p. 157. 131 ELALI, André. Incentivos Fiscais Internacionais: Concorrência fiscal, mobilidade financeira e

crise do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 96. 132 Ana Maria de Oliveira Nusdeo ensina que “a primeira justificativa das teorias econômicas para a

existência de regras de proteção da concorrência é a comparação do funcionamento dos mercados

conforme sua organização numa estrutura de monopólio, oligopólio ou de concorrência perfeita,

denominados, normalmente, de mercados perfeitamente competitivos. Note-se que esses últimos são uma

abstração teórica, dificilmente encontrada na realidade, construídos pela teoria econômica para servir de

paradigma, visando à explicação do comportamento dos agentes em concorrência e os benefícios dessa

para a sociedade. Esse conceito contrapõe-se ao de mercados monopolizados, os quais impõem custos aos

consumidores e à Sociedade em geral, devendo, por essa razão, ter sua formação coibida ou sua conduta

regulada”. NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Regulação e o Direito da Concorrência. In SUNDFELD,

Carlos Ari (coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 163.

48

Assim, em continuidade, o professor lusitano afirma que tais situações retro

mencionadas não são precisamente o objeto de estudo da ciência econômica. Esta

partiria da ideia, já mencionada, do modelo hipotético denominado concorrência

perfeita. Tal definição, devendo ser preenchida por quatro condições específicas que

vêm a compor seu conceito.

Tais condições são, nos ensinamentos do professor lusitano, a homogeneização

do produto, a perfeita disponibilização das informações relativas ao produto visando à

tomada de decisões, a perfeita mobilidade dos fatores e, por fim, o fato de que “[...] cada

agente, consumidor ou vendedor, assegura uma pequena fração da quantidade total

transacionada pelo que tem a expectativa de que as suas decisões não tenham impacto

sobre o preço vigente133”.

Em rápida explicação adicional sobre os pontos apresentados, cumpre observar

que quando é abordada a ideia de homogeneização do produto, se está falando de uma

percepção em que os consumidores se tornam indiferentes quanto ao produto que

pretendem adquirir, isto como resultante do fato deste se apresentar sob o mesmo preço

e mesmas condições. Sobre a segunda característica apontada, ou seja, a

disponibilização de informações relativas ao produto, há vinculação com a ideia de que

em um mercado de concorrência perfeita, todas as informações sobre o produto, de

relevância para a tomada de decisão, são perfeitamente fornecidas pelo vendedor e

conhecidas pelo consumidor. Por último, explica-se o conceito de perfeita mobilidade

dos fatores, entendendo-se como sendo a situação em que “[...]as empresas instaladas no

mercado podem ajustar livremente a quantidade utilizada de cada factor produtivo e

mesmo encerrar, se o mercado não for atractivo, sem perderem o valor dos recursos

aplicados na sua actividade134”.

Conclui, Vasco Rodrigues, sua abordagem das características do regime de

concorrência perfeita, dando o devido enfoque na relação entre o conceito abordado e o

preço do produto, praticado no mercado135. Assim, da análise dos elementos

133 RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito: Uma Introdução. Coimbra: Almedina, 2007.

p. 158. 134 RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito: Uma Introdução. Coimbra: Almedina, 2007.

p. 158. 135 O professor Vasco Rodrigues pontua, ainda, que “os pressupostos da homogeneidade do produto e de

perfeita informação implicam que cada comprador compre a quem venda mais barato, uma vez que o

consumidor conhece todos os preços praticados e não tem preferência pelos produtos de nenhum

vendedor. Assim sendo, um vendedor que pretenda ter procura pelo seu produto não pode praticar um

preço mais alto do que seus concorrentes. Consequentemente, todos os vendedores que conseguem

vender, fazem-no ao mesmo preço. Num mercado perfeitamente concorrencial vigora a lei do preço

único! Adicionalmente, o pressuposto relativo à pequena dimensão dos agentes implica que o preço

49

constitutivos do conceito de concorrência perfeita, observa-se que o preço se apresenta

único, não determinado por nenhum comprador ou vendedor em específico, de modo

que em um modelo de concorrência perfeita o resultado acaba sendo um lucro baixo ou

mínimo, dito normal, por parte das empresas.

Em que pese a forte identificação com a abordagem feita pelo doutrinador retro

estudado, cumpre uma rápida delimitação das diferentes abordagens do conceito ora

tratado, observando que a base mantém-se a mesma, com variações mínimas nas

definições trazidas.

Assim, em continuidade, o professor Fabio Nusdeo136, ainda sobre o conceito

de concorrência perfeita, ensina que são sete os requisitos essenciais para que se

caracterize tal regime. Observe-se a visão ampla que o renomado professor tem do

fenômeno, se comparado com o que aduz Vasco Rodrigues.

Para ele, seria necessária a existência de uma interação recíproca entre um

grande número de compradores e vendedores, a atomização do mercado,

homogeneização dos produtos dispostos no mercado, mobilidade dos agentes e fatores,

pleno acesso às informações relevantes por parte dos agentes, ausência de economias de

escala e de externalidades.

O economista argentino Martin Krause137 afirma que o modelo de concorrência

perfeita é um modelo de equilíbrio geral, sendo o modelo ideal de mercado, em que se

fazem necessárias cinco condições, sendo elas, a multiplicidade de pequenos produtores

em relação ao mercado total, homogeneidade dos produtos vendidos, plena informação

por parte dos participantes sobre as condições do mercado, a utilização das mesmas

tecnologias e tipos de organização empresarial e, por fim, a possibilidade de livre

entrada e saída do mercado138.

praticado vai resultar da interacção entre todos os compradores e vendedores, não tendo nenhum deles a

capacidade para, por si só, o alterar: sendo muito pequeno em relação à dimensão do mercado, cada

produtor consegue escoar tudo que produz sem que o preço desça e, em contrapartida, uma redução não

se repercute numa subida do preço; da mesma forma, a quantidade comprada por cada um dos

compradores não é suficientemente significativa para ter qualquer impacto tangível no preço”.

RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito: Uma Introdução. Coimbra: Almedina, 2007. p.

159. 136 NUSDEO, Fabio. Curso de Economia. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 267. 137 KRAUSE, Martin Enrique. Economia, Instituciones y Politicas Publicas. Buenos Aires: La Ley,

2011. 138 Assim ensina Krause: “Como se menciona antes, el equilibrio general es un ‘equilibrio competitivo’,

es decir, demanda de una determinada configuración del mercado, llamada normalmente ‘competencia

perfecta’. Este es también un modelo ideal de mercado donde se cumplen las siguientes condiciones: 1.

Todos los productores son pequeños en relación al mercado total por lo que sus decisiones respecto a la

cantidad a producir no tienen un efecto en el precio. Por eso son ‘tomadores de precios’, es decir,

simplemente registran em precio de mercado para tomar su decisión pero no pueden influirlo. 2. Todos

50

Ainda, cumpre trazer a baila o importante estudo do Professor Sérgio Varella

Bruna139, em que aborda minuciosamente o fenômeno do poder econômico. Ao tratar o

modelo de concorrência perfeita, observa que os fenômenos que marcam o modelo

teoricamente preconizado são, em primeiro lugar, a pressuposição de uma

“multiplicidade” no número de vendedores e compradores em um determinado

mercado, resultando na insignificância da participação individual de cada um destes, no

sentido da consequente incapacidade influenciar o preço de mercado. Com especial

enfoque, também, menciona a necessidade que existe de que o produto seja

absolutamente homogêneo (requisito abordado igualmente por todos os teóricos aqui

mencionados). Por fim, ensina, ainda, que deverão estar presentes dentre os requisitos

para o regime em comento, também, a perfeita mobilidade dos fatores de produção, o

amplo acesso as informações concernentes ao mercado, a inexistência de economias de

escala, a instantaneidade dos ajustes feitos no mercado que acabam por gerar

desigualdade e a ausência do fenômeno das externalidades140.

Em que pese as abordagens aqui apresentadas não terem se mostrado de

maneira uníssona quanto aos requisitos que conformam o modelo de concorrência

perfeita, identificamos precisamente as quatro características inicialmente trazidas no

presente trabalho em todos os esquemas teóricos ora propostos.

Em análise dos requisitos apontados, para atingir-se tal modelo, podemos

sintetizar que se mostram como reflexo da necessidade de plena igualdade nas

condições existentes no mercado para que se possa atingir o modelo paradigma.

A análise segue de maneira pontual.

O processo de atomização aparece como impedimento ideal de que exista um

excesso de poder econômico concentrado, seja de compra ou de venda, que venha a

desregular o mercado. Tomando por este quesito, a concorrência é perfeita, pois

nenhum agente partícipe do mercado se apresenta com poder suficiente para desregular

los productores venden un producto homogéneo, que no se diferencia del de sus competidores. 3. Existe

información perfecta por parte de todos los participantes respecto a las condiciones del mercado, tanto

presentes como futuras. 4. Todos utilizan la misma tecnología, el mismo tipo de organización

empresarial, todos alcanzan la misma tasa de ganancias. 5. Existe libre entrada y salida de mercado”.

KRAUSE, Martin Enrique. Economia, Instituciones y Politicas Publicas. Buenos Aires: La Ley,

2011.p. 44-45. 139 BRUNA, Sérgio Varela. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 140 BRUNA, Sérgio Varela. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 26-

28.

51

ou “[...] afetar de forma sensível os volumes oferecidos ou procurados e, portanto,

incapaz de modificar o preço de equilíbrio ou de mercado141”.

Quanto à ideia de que o produto deve ser homogêneo, entre as teorias

abordadas identificamos o simplismo do professor Vasco Rodrigues ao sintetizar tal

característica meramente na paridade de preços142 e o extremismo de Sérgio Bruna que,

indo além da questão de uniformidade dos preços, entende que não deve haver diferença

alguma entre os produtos ofertados, abrangendo, além da questão do preço,

características específicas como qualidade, apresentação e as próprias marcas industriais

ou comerciais, o que, segundo o mesmo, geraria a incompatibilidade com o modelo143.

Em percepção própria, tal homogeneidade pode ser entendida como sendo um meio

termo entre os conceitos transcritos, ou seja, ultrapassando a restrição à igualdade dos

preços, os produtos devem ser iguais no sentido de apresentar características físicas e de

funcionamento iguais, além da evidente igualdade nos padrões de sua publicidade.

Apresentadas tais condições de igualdade, desnecessário temer a existência de

diferentes marcas de indústria e/ou comércio, afinal, esta diversidade é resultante

natural da existência do mercado.

Em se tratando da plena disponibilização de informações sobre o produto

colocado no mercado, há uma uníssona compreensão de que este requisito mostra sua

fundamentalidade na defesa do conhecimento de todas as informações que envolvem a

tomada de decisões dentro de um mercado, tais como as características de um produto e

seu preço. Observando, como pontua Krause144, que sejam estas informações presentes

ou futuras.

Por fim, dentre os quatro requisitos principais para o regime de concorrência

perfeita, seguindo o padrão de condições indicado por Vasco Rodrigues, a perfeita

mobilidade dos fatores de produção condensa a noção de que todos os produtores

tenham acesso à matéria prima, insumos e tecnologia necessários à produção de seus

141 BRUNA, Sérgio Varela. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 26. 142 “Num mercado de concorrência perfeita, os consumidores não têm preferência pelos produtos de

nenhum vendedor: se todos praticassem o mesmo preço, os consumidores sentir-se-iam indiferentes sobre

a quem comprar”. RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito: Uma Introdução. Coimbra:

Almedina, 2007. p. 158. 143 “[...]o produto ofertado deve ser também absolutamente homogêneo, sem qualquer diferença entre os

bens produzidos pelos diversos produtores, não só em relação a preço, mas também em relação a

características como qualidade e apresentação, o que faz com que a identificação dos produtos por marcas

de comércio ou indústria seja incompatível com o modelo, ainda que a qualidade dos produtos seja

idêntica.” BRUNA, Sérgio Varela. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

p. 27. 144 KRAUSE, Martin Enrique. Economia, Instituciones y Politicas Publicas. Buenos Aires: La Ley,

2011.p. 45.

52

produtos. O argentino Martin Krause145 acrescenta ainda que tenham o mesmo tipo de

organização empresarial e que alcancem os mesmos ganhos. Seguindo, assim, a regra da

necessidade de igualdade de condições dentre os participes do mercado para que se

possa estabelecer o regime de concorrência perfeita.

Assim, aparte as variações aqui mostradas, em síntese dos requisitos trazidos,

nos valemos dos ditos do professor Sérgio Varella Bruna ao afirmar em suma

conclusiva que “a conjugação de todos estes fatores nos revelará que todos os

consumidores são rigorosamente iguais entre si, no melhor estilo liberal clássico, muito

embora, às vezes, pequenas diferenças entre eles sejam admitidas146”.

Sérgio Bruna relaciona, de maneira dramático-literária, a figura do produtor,

em regime de concorrência perfeita, a um escravo submetido ao mercado. Observando

sua incapacidade de influenciar o mesmo e sua total submissão aos seus ditames. Sendo

ele, “[...] forçado a produzir em conjunto com seus concorrentes, tanto quanto seja

possível, a fim de reduzir a escassez ao mínimo, segundo as possibilidades econômicas

materiais existentes147”. Sendo sua remuneração a mínima necessária, ou apenas a

utilizada para que o produtor se mantenha e continue em exercício da atividade.

Os professores Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, por sua vez, ensinam

que a competição é o reflexo de uma disputa entre empresas com o objetivo de vender

seus produtos pelo máximo número possível de clientes e compradores. Reiteram que

para a existência da concorrência, se faz necessário que o mercado tenha um relativo

volume de produtores e compradores que não difiram muito entre si (ideia sintética de

concorrência perfeita), atuando de maneira independente. Neste sistema, vendedores e

compradores não podem deter poder de mercado suficiente para a determinação

unilateral e coordenada das condições de bens e serviços que serão comercializados no

mercado148.

Cumpre a observação de que o regime de concorrência perfeita, em que pese

sua surreal possibilidade de existência no mundo fático, é utilizado de maneira

paradigmática pelos economistas por ser reflexo de um padrão de extrema igualdade e,

consequentemente, de manutenção do mercado e autocontrole interno de suas estruturas.

145 KRAUSE, Martin Enrique. Economia, Instituciones y Politicas Publicas. Buenos Aires: La Ley,

2011.p. 45. 146 BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 28. 147 BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 31. 148 PINHEIRO, Armando Castelar. SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2005. p. 355.

53

Ou seja, neste modelo hipotético, os competidores estão presos a todas as regras que

fundamentam a existência deste mercado perfeito.

Entretanto, ainda visando à compreensão da necessária tutela da concorrência

aqui proposta, fundamental a observação do mercado em seu outro extremo. Sabendo

ser o modelo de concorrência perfeita o seu antagonista, em outro viés encontramos o

monopólio.

Ao contrário da situação retratada anteriormente, no regime de monopólio um

só produtor detém todo o controle da oferta. Ou seja, “corresponde a uma situação na

qual apenas uma pessoa ou uma empresa se apresenta como vendedora de um dado

produto149”.

Em regime de monopólio, aquele que detém tal poder tem plena possibilidade

de controle da quantidade de mercadoria que será ofertada. Assim, consequentemente,

haverá também uma influência direta nos preços dos produtos. Martin Krause memora

que existe uma diferença entre os preços de concorrência e os preços de monopólios,

sendo os últimos relativamente superiores em razão do fato de que existe certa

elasticidade na demanda150.

Sérgio Varella Bruna sintetiza afirmando que “[...] em situação de monopólio,

a sociedade é submetida a uma escassez artificial, provocada pelo monopolista, que

controle totalmente a oferta, a fim de maximizar seus lucros151”. Ou seja, os preços de

monopólio são resultantes de um limite em que o produtor diminui a oferta do produto,

aumentando os preços no limite que possibilite o aumento dos seus lucros. Frisando este

detalhe de que tal aumento de preços ocorre em proporção lógica com o aumento de

lucros.

Ainda, em situação semelhante em se tratando de domínio e detrimento de

poder de mercado, encontramos a figura dos Oligopólios, sendo entendido como o

regime em que existe um número reduzido de vendedores no mercado.

Nesta situação, cada um conhece as decisões que os outros vendedores tomam,

influenciando suas próprias decisões, ao mesmo tempo em que as decisões dos outros

149 NUSDEO, Fabio. Curso de Economia. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 273. 150 “Un monopolio es el resultado de que un individuo o empresa obtenga un control total de un recurso

de forma tal que no hay un proveedor alternativo ni tampoco un bien o servicio substituto que pueda

reemplazarlo. Lo que nos preocupa en este caso es que el monopolista pueda aprovechar su situación

para obtener ‘precios de monopolio’, superiores a los precios de ‘competencia’. Esto no quiere decir,

por supuesto, que pueda cobrar cualquier precio, sobre todo cuando enfrenta una demanda con cierta

elasticidad, es decir, que ante un aumento del precio reduce la cantidad demandada”. KRAUSE, Martin

Enrique. Economia, Instituciones y Politicas Publicas. Buenos Aires: La Ley, 2011.p. 46. 151 BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 34.

54

vendedores influenciam as suas próprias152. Sérgio Bruna ensina que em caso de poucos

participantes no mercado, encontramos duas hipóteses de conduta, sendo elas, a

independência e o conluio153.

A hipótese da independência se mostra autoexplicativa. Nesta possibilidade

inexistem acordos entre os oligopolistas, cada um agindo de maneira independente no

mercado ao não levar em consideração a possível reação que suas atitudes levariam ao

rival. Sendo, nesta hipótese, possível uma concorrência saudável entre os partícipes do

mercado.

Por outro lado, a hipótese de conluio se refere precisamente à possibilidade

que existe de tais produtores se unirem em cartel, acertando e unificando os preços que

serão praticados no mercado. Nesta situação os efeitos serão semelhantes aos de um

monopólio154. Ou seja, um aumento de preços provocado pelo abuso de poder

econômico ou, em outras palavras, pela maior concentração do poder de mercado155.

152 KRAUSE, Martin Enrique. Economia, Instituciones y Politicas Publicas. Buenos Aires: La Ley,

2011.p. 46. 153 BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 44. 154 Neste ponto é interessante trazer os ensinamentos dos professores Mario Luiz Possas, Jorge Fagundes

e João Luiz Pondé em estudos realizados sob o enfoque da teoria de Joseph Schumpeter. Afirmam, assim,

que “[...] embora, como já anotado, abordagens mais antigas ou mais ligeiras tendam a reduzir ambas as

situações à simples e estaticamente indesejável existência de poder de mercado, a tradição antitruste, ao

contrário, tende a adotar o critério de ‘mal menor’ para o oligopólio, em princípio, com razão. Não por

uma comparação direta e estática entre número de participantes (‘mais’ é preferível a ‘menos’), mas por

uma distinção qualitativa entre essas duas formas de mercado. Como nota Williamson, ‘é ingênuo

considerar oligopolistas como monopolistas em parceria, em qualquer sentido abrangente, especialmente

se possuem produtor diferenciados, têm diferentes situações de custos [...] e claramente carecem de um

aparado de coordenação oligopolística’. Como as contribuições modernas à teoria da organização

industrial tem mostrado, esforços de colusão tácita (a fortiori cartéis) são muito complexos e não raro

mal-sucedidos, devido às dificuldades de prevenir free riding e de coordenar preços focais ou sob

liderança. De um ponto de vista dinâmico Schumpeteriano, porém, é importante aduzir a extrema

dificuldade, senão, impossibilidade, nos oligopólios cujos padrões de concorrência envolvam dinamismo

inovativo, de prevenir esforços competitivos inovativos ricais; em síntese, o surgimento de ‘free riders’

inovativos, por assim dizer, capazes de boicotar esforços de coordenação voltados à estabilização das

estruturas de mercados vigentes”. POSSAS, Mario Luiz. FAGUNDES, Jorge. PONDÉ, João Luiz.

Política Antitruste: Um enfoque Schumpeteriano. In POSSAS, Mario Luiz (Coord.). Ensaios sobre

Economia e Direito da Concorrência. São Paulo: Singular, 2002. p. 20-21. 155 Sobre esta questão, Sérgio Bruna afirma que “o preço em regime de oligopólio, embora não tão alto

como de monopólio, tende a ser superior ao que se estabeleceria em regime de concorrência pura. Isto se

clarifica mais ainda na medida em que consideremos os oligopolistas capazes de antecipar a reação de

seus concorrentes, efetivos ou potenciais. Quando poucos concorrentes estão no mercado e sabem que

uma baixa individual de preços irá causar a mesma atitude dos rivais, com perdas mútuas, o oligopolista

tenderá a não tomar a iniciativa de baixar seus preços. Os oligopolistas tenderão, assim, ainda que

tacitamente, a estabelecer seus preços em um nível superior ao de mercado em concorrência perfeita, mas

provavelmente inferior ao de monopólio, por temerem o acesso de empresas o acesso de empresas

concorrentes”. BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2001. p. 47.

55

Além do monopólio e do oligopólio156, a doutrina também nos aponta a

concorrência monopolística, sendo este um modelo em que as vendas se mostrariam

condicionadas por novéis fatores. São eles: as variações de preço, as variações na

natureza do produto ou as variações de publicidade.

Neste regime, os mercados de cada concorrente se mostram, de certa maneira,

isolados uns dos outros. Aparecendo, assim, não apenas um mercado para todos os

produtores, mas vários mercados com estreita relação157.

Krause afirma que, neste modelo, existem muitos vendedores de produtos que

não se mostram como sendo substitutos iguais. Enxerga que as condições de

concorrência, aqui, se parecem com as condições de concorrência perfeita, em que pese

as possibilidades que tem o produtor no manejo abusivo da oferta e do preço do

produto158.

Em sua abordagem, Fabio Nusdeo denomina tal conceito de concorrência

imperfeita, resumindo que se caracteriza por possuir um número elevado de

compradores e vendedores. Entretanto, não possui os demais requisitos da concorrência

perfeita, exemplificando com a homogeneização dos produtos e atomização do

mercado. Assim, levando em consideração que inexistem tais requisitos, “[...] a procura

não se apresenta fluida, mas sim viscosa [...]”, ou seja, os consumidores tendem a

procurar fornecedores específicos, em função de fatores diversos, como localização

física, marca, publicidade ou qualquer outro fator159.

Diante do aqui trazido, é perceptível a multiplicidade de fatores que podemos

abordar quando tratamos do conceito de concorrência. Poderíamos, caso fosse

precisamente o objeto do presente estudo, abordar diversos outros fenômenos pontuais

que influenciam diretamente este processo, o que não nos cumpre por delimitação

temática.

156 Interessante trazer abordagem feita por Calixto Salomão Filho ao explicar que “frequentemente

confundido e mal interpretado é o comportamento concorrencial dos oligopolistas. Não por acaso. Na

verdade, os oligopólios, estruturas de mercado em que pequeno número de concorrentes detém a

totalidade ou a maioria da participação no mercado, tem comportamento concorrencial muito peculiar. A

razão é simples. As participações no mercado próximas e relevantes em relação ao total de mercado das

várias empresas fazem com que o comportamento de uma tenha efeitos importantes sobre a outra. Uma

empresa é dependente do comportamento da outra, no sentido de que variações na quantidade produzida e

preço de uma empresa podem influenciar decisivamente a lucratividade e o faturamento da outra. Por essa

razão a competição, possivelmente feroz, faz com que uma empresa deva acompanhar de perto e por

vezes imitar o comportamento da outra”. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Concorrência. São

Paulo: Malheiros, 2002. p. 153. 157 BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 40. 158 KRAUSE, Martin Enrique. Economia, Instituciones y Politicas Publicas. Buenos Aires: La Ley,

2011.p. 46. 159 NUSDEO, Fabio. Curso de Economia. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 269.

56

É difícil precisar e prever os comportamentos de um mercado real. Entretanto a

ideia de concorrência perfeita, em que pese o fato de constituir-se parâmetro para

análise, não se mostra como sendo o objetivo final das atividades de regulação da ordem

econômica no sentido de tutela da concorrência. Isto por razões diversas de evidente

significado dentro do contexto real dos mercados160.

O que se defende neste estudo e será pontuado oportunamente é que a

concorrência almejada, objeto de tutela jurídica estatal161, seja a que proporcione maior

ganho social, político e econômico conforme os objetivos específicos de cada Estado e

suas previsões jurídicas e políticas públicas.

Assim, de acordo com o professor Sérgio Bruna, “[...]diante de um caso

concreto, definir qual seja o nível de ‘concorrência desejável’, é tarefa jurídica, já que o

que se visa é regular comportamentos162”. Desta maneira, analisaremos a questão da

concorrência desde os fundamentos do direito antitruste, até os aspectos constitucionais

e legais brasileiros em se tratando do direito concorrencial.

3.2 FUNDAMENTOS DA TUTELA JURÍDICA DA LIVRE CONCORRÊNCIA

Neste momento da presente análise, será feito um estudo dos fundamentos e

objetivos da tutela da concorrência, trazidos em momentos diversos pela doutrina na

abordagem do antitruste.

160 Sobre a questão da concorrência e o funcionamento eficiente dos mercados, o argentino Leonardo

Orlanski assevera que “El funcionamento eficiente del mercado requiere, entonces, que el derecho

asegura la competencia. Si bien, como habrá de verse, lós regímenes regulatórios pueden ser diseñados

para imitar la competencia cuando ésta no existe, es muy probable que los resultados no sean igualmente

satisfactorios, en especial, por los problemas de información imperfecta y por la presión de grupos de

interés sobre las potenciales rentas de la actividad. Es más, los costos de adquisición y análisis de la

información, en fefinitiva, tendrán que ser pagados por los consumidores”. ORLANSKI, Leonardo.

Competencia y Regulación. Buenos Aires: Ad Hoc, 2006. p. 36. 161 “Nesta seara, portanto, o Estado reconhece a importância do mercado, admite que ele tem falhas e,

consciente, atua como seu guardião e da competição entre os agentes nele atuantes”. TAVARES, André

Ramos. A intervenção do Estado no Domínio Econômico. In CARDOZO, José Eduardo. QUEIROZ,

João Eduardo. SANTOS, Márcia (Org.). Curso de Direito Administrativo Econômico. Vol. II. São

Paulo: Malheiros, 2006. p. 194. 162 Assim afirma o nobre Professor: “[...]poder-se-ia dizer que a ‘concorrência desejável’ seria aquela que

proporcionasse maior ganho social (e não só econômico), ainda que efetivamente isto representasse a

existência de pouca ou de nenhuma concorrência em determinado mercado. Isso implica dizer que a

valoração dos interesses sacrificados seria menor do que a dos interesses atendidos, o que justificaria tal

sacrifício”. BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2001. p. 71.

57

Entretanto, introdutoriamente, cumpre trazermos os ensinamentos da

Professora Paula Forgioni163, apresentados em seus estudos acerca da evolução histórica

deste ramo do direito. Por não constituírem, os aspectos históricos, os objetos precisos

do presente trabalho, serão feitas apenas algumas sintéticas e importantes observações.

Sendo assim, a doutrinadora afirma que em se tratando da evolução histórica

da concorrência, “[...] uma fase de desenvolvimento não supera a precedente [...]164”.

Desta maneira, entende-se que as fases pelas quais o direito concorrencial passou

convivem em seu seio, não sendo, pois, excludentes, mas sim, interligadas e

complementares entre si165.

A referida professora identifica três principais vetores do direito concorrencial

partindo da evolução histórica. O primeiro vetor que resultou desta compreensão a a

partir da análise temporal, se constitui na compreensão do antitruste como sendo uma

determinação de regras impostas aos agentes econômicos no mercado, visando regular

os seus comportamentos, tendo como base razões práticas e com o objetivo de

resultados eficazes, imediatos e sem “distorções tópicas”.

O segundo vetor apresentado se relaciona com a ideia de o antitruste seria

resultado de um sistema de produção ótimo. Este, pressupondo a regulamentação do

comportamento dos agentes envolvidos. Nesse sentido, o direito concorrencial é visto

como elemento estrutural do próprio sistema. Parte do mesmo. Aqui se entende a

concorrência em seu sentido técnico fornecido pela ciência econômica, além de

compreender que tal tutela visa à proteção e garantia do próprio sistema.

Por fim, o terceiro vetor identificado pela professora retro mencionada se

subsume na ideia de que a regulamentação do comportamento dos agentes econômicos

163 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.36-37. 164 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.36. 165 Luis Fernando Schuartz assim pontua, sobre as razões do Direito da Concorrência: “Ao falar das

‘razões do Direito da Concorrência’ eu me refiro, antes de mais nada, aos argumentos substantivos que

podem ser apresentados perante um público racional para a defesa da legitimidade das normas que

integram o seu âmbito. [...] isto significa exatamente o mesmo que mostrar, de modo justificado, os

‘fundamentos de validade’ deste ramo do direito. É claro que ao apresentar os argumentos que, a meu ver,

devem ser tratados como suficientes para assegurar a racionalidade das normas jurídicas referidas, não se

está dizendo que a consideração pretérita destas razões por quem quer que seja deva ser tratada como um

fator explicativo central – ou até mesmo secundário – para a gênese histórica do Direito Concorrencial

vigente. A hipótese aqui é outra, a saber que é possível, por assim dizer, ‘contar uma estória’ ou então

‘construir uma narrativa’ a respeito do desenvolvimento do Direito da Concorrência como se as normas

vigentes fossem o resultado de um processo de aprendizado racional, em que a etapa atual – encarnada no

direito vigente – representaria a solução de problemas não solucionados na etapa a ela anterior”.

SCHUARTZ, Luís Fernando. O Direito da Concorrência e seus fundamentos. In POSSAS, Mario Luiz

(Coord.). Ensaios sobre Economia e Direito da Concorrência. São Paulo: Singular, 2002. p. 43.

58

dentro do mercado ultrapassa a importância de manutenção do sistema econômico e

atinge uma função instrumental identificada na implementação de políticas públicas que

visem, também, a condução do próprio sistema. Observe-se que aqui a ideia do segundo

vetor resta expandida. A tutela da concorrência, antes vista como necessário para a

manutenção do sistema, neste momento, se mistura com a noção de políticas públicas

direcionadas e conduzidas por tal tutela.

Compreendidas as percepções apontadas por Forgioni como de fundamental

destaque dentro de uma compreensão generalista da evolução histórica do antitruste,

cumpre trazermos à baila e identificarmos tais noções com as três principais escolas do

pensamento antitruste. Tendo, estas, apresentado teorias de destaque sobre a função e

embasamento da tutela concorrencial. Observando que toda a compreensão do

ordenamento concorrencial norte-americano166 e europeu perpassa por tais

entendimentos. Com base nestes estudos, tentar-se-á compreender, por fim, o

pensamento brasileiro sobre a tutela da concorrência.

Neste ponto, introduzimos e identificamos sumariamente os preceitos das

escolas de Harvard e de Chicago nos Estados Unidos e de Freiburg na Alemanha, como

sendo imprescindíveis para a real compreensão do fenômeno aqui analisado.

Introdutoriamente, nos valemos da observação, feita por Forgioni, afirmando

que a legislação antitruste assume funções diversas nos diferenciados sistemas jurídicos

e momentos históricos em que aparece. Ponderando que “discussões excessivamente

gerias sobre os objetivos da Lei Antitruste, sem que sejam referidos o país, a lei e o

166 Sobre as maiores contribuições do antitruste norte-americano, Kovacic e Shapiro observam:

“Economists have made two major contributions to the U.S. antitrust regime. The firs is to make the case

for competition as the superior mechanism for governing the economy. Throughout the 20th century,

America’s antitrust laws have coexisted uneasily with policies that favor extensive government

intervention in the economy through planning, ownership, or sweeping controls over prices and entry.

Economists have informed the debate about the relative merits of competition bt illuminating the costs of

measures that suppress rivalry with the ostensible aim of serving public interest. The second significant

contribution of economists has been to guide the formation of antitrust policy. Economic learning has

exerted an increasing impact on antitrust enforcement. In the first half of the 20th century, one finds little

direct impact of economic research on the major court cases. The influence increases in the century’s

second half, but usually with a lag. Today, the links between economics and law have been

institutionalized with increasing presence of an economic perspective in law schools, extensive and

explicit judicial reliance on economic theory, and with the substantial presence of economists in the

government antitrust agencies. The availability of new data sources like electronic point-of-purchase

data, the refinement of flexible game-theoretic models, and the new emphasis on innovation assures that

robust arguments over the proper content of competition policy will flourish into the 21st century”.

KOVACIC, William E. SHAPIRO, Carl. Antitrust Policy: A Century of Economic and Legal

Thinking. American Economic Association, Nashville, v. 14, n. 1, Winter 2000. Disponível em: <

http://faculty.haas.berkeley.edu/shapiro/century.pdf> Acesso em: 20 dez. 2013. p. 58-59.

59

momento de que se trata, são, de certa maneira, estéreis167”. Diante disto, o que se

pretende aqui é apenas demonstrar uma abordagem geral dos importantes e influentes

pensamentos acima expostos, de maneira a introduzir a oportuna análise do antitruste

brasileiro no subtópico vindouro.

A primeira escola que destacamos nesta abordagem, é a escola de Harvard, que

teve suas ideias utilizadas de maneira “[...] predominante durante as décadas de 1950 e

1960 [...]168” e propunha que o principal objetivo resultante da existência do antitruste

seria meramente a existência da concorrência e a diminuição da concentração de poder

entre os partícipes do mercado, conforme aduz Rafael Rocha Macedo em trabalho

dissertativo169.

Os principais expoentes e defensores desta escola fundamentavam a defesa na

busca do que chamavam de workable competition170, relacionado com a problemática da

quantidade de agentes.

Tomando por base a máxima de que “[...] o mercado será competitivo quando

os competidores atuem independente uns dos outros, sem qualquer sorte de acordo171”,

a busca por esta concorrência desejável se daria de maneira estrutural, levando em conta

questões como número de produtores em concorrência e o tamanho de barreiras de

entrada no mercado. Tem-se aí a ideia basilar de que “[...] quanto maior for o número de

produtores, mais intensa será a concorrência: a coordenação das atitudes individuais

será tanto mais difícil quanto maior for o número de competidores172”. Na ótica do

número de concorrentes, quanto menores forem os obstáculos para a entrada de novos

competidores, será mais fácil atingir-se resultados próximos aos competitivos.

Paula Forgioni, por sua vez, ensina que a Escola de Harvard (ou os

estruturalistas, conforme também é denominada), “[...] parte do pressuposto de que

empresas com poder econômico usa-lo-ão para implementar condutas

167 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

p.160. 168 MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e

Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 43. 169 MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e

Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008. 170 Sérgio Bruna diz que este conceito de workable competition não se mostra como sendo um conceito

preciso. Pontuando que “na sua delimitação, haverá com certeza uma grande medida de subjetividade”.

BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 63. 171 BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 65. 172 BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 66.

60

anticompetitivas173” e que, por esta razão deveriam ser evitadas as concentrações

econômicas excessivas “[...] que acabam por gerar disfunções prejudiciais ao próprio

fluxo das relações econômicas174”.

Em ato contínuo, sobre o modelo proposto de workable competition defeso

pela escola em comento, assevera que este se sustenta na manutenção ou aumento do

número de agentes econômicos no mercado, com uma preferência a uma estrutura mais

“pulverizada” visando à diminuição de disfunções.

A professora afirma, por fim, que “um de seus principais pilares repousa na

crença de que a conduta do agente econômico [...] está diretamente ligada à estrutura de

mercado. Em três palavras ‘estrutura-conduta-performance’175.” .176

Os estruturalistas da Escola de Harvard entendiam que as “restrições verticais”

não se mostravam benéficas à estrutura do mercado, levando em consideração a

tendência de o agente econômico abusar de sua posição dominante dentro do mercado,

fundamentando que a tarefa do direito antitruste seria, unicamente, a reprimenda destas

estruturas de concentração.

Eis que é a partir da década de 1980 que a Escola de Chicago atinge seu auge,

em contraposição à tradição estruturalista de Harvard. Isto em decorrência da

discordância aos preceitos de que a concentração econômica seria um mal per se, um

mal por si só.

Em oposição, afirmam os neoclássicos177 de Chicago que a “[...] concentração

em si não é um mal, desde que fundamentada na ‘eficiência produtiva’, decorrente da

173 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.166. 174 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.166. 175 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.166-167. 176 Complementarmente, trazermos o ensinamento dos Professores Armando Castelar Pinheiro e Jairo

Saddi. Afirmam, acerca deste modelo estruturalista de estrutura-conduta-desempenho (em sua obra

utilizam este termo) que tal modelo “[...] é o principal instrumento conceitual a embasar a discussão sobre

a defesa da concorrência. O objetivo das políticas de competição, como discutimos, é garantir o adequado

desempenha das empresas e, consequentemente, atingir maior eficiência da economia. A suposição básica

é que esse desempenho depende diretamente do comportamento ou conduta das empresas. A conduta dos

participantes em um mercado (esforço, políticas de preço, propaganda, etc.), por sua vez, é influenciada

por sua estrutura (número de empresas, barreiras à entrada, etc.).”. PINHEIRO, Armando Castelar.

SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 361. 177 Sobre esta matiz neoclássica, o Professor Calixto Salomão Filho afirma que “o elemento central e bem

conhecido da teoria econômica neoclássica é o problema da alocação de recursos. Segundo os

neoclássicos, os recursos devem ser alocados da forma mais eficiente para a sociedade. Daí a preocupação

central com a eficiência econômica. Mas não só. Uma teoria que se preocupa primordialmente com a

alocação de recursos tem necessariamente que se propor a reproduzir as condições de mercado. É preciso

prever como se comportará e quais os resultados do intercâmbio econômico. Não por acaso, portanto, os

61

habilidade de produzir com custos menores, presumindo uma consequente redução de

preços ao consumidor [...]”, aumentando o nível de produtividade, qualidade dos

produtos e, por conseguinte, o bem-estar da sociedade178.

A Escola de Chicago [...] traz para o antitruste, de forma indelével, a análise

econômica [...]179” e coloca a eficiência180 no pedestal de objetivo supremo dentro desta

tradição, enxergando-a como “[...] um valor que não apenas se sobrepõe, mas elimina

qualquer outro objetivo que o direito da concorrência possa ter, inclusive a própria

existência da concorrência181”. A busca pela eficiência se torna, então, o verdadeiro

objetivo e finalidade do antitruste.

Com a égide da Escola de Chicago, as antigas percepções dos estruturalistas

são superadas. De maneira que “[...] as concentrações (e o poder econômico que delas

deriva) não são vistas como mal a ser evitado, os acordos verticais passam a ser

explicados em termos de economia de custos de transação, eficiências e ganhos para

consumidores182”.

A economia se mistura ao Direito, visando uma melhor compreensão de um

fenômeno originalmente relacionado àquela ciência. Isto resulta no fato de que a Escola

de Chicago se apresenta de modo extremamente tecnicista183.

neoclássicos recorrem à teoria marginalista. Nela, encontram respaldo para suas necessidades de

construção teórica”. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Concorrência. São Paulo: Malheiros,

2002. p. 56. 178 MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e

Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 45. 179 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.169. 180 Dois conceitos que surgem com fundamental importância dentro da Escola de Chicago são os de

eficiência produtiva e eficiência alocativa. Carolina Munhoz ensina que o significado eficiência produtiva

“[...] está ligado à operação da técnica produtiva instalada numa unidade produtiva determinada, num

nível próximo o bastante do rendimento máximo permitido, em tese, por dada tecnologia. Trata-se de um

conceito técnico , que em termos econômicos ‘equivale a operar sobre uma dada função de produção (e

não abaixo dela) e, ao fazê-lo, minimizar custos de produção’. Em outras palavras, ele expressa o efetivo

uso dos recursos pelas empresas. [...] eficiência alocativa, relacionada com a distribuição dos recursos na

sociedade, ou seja, verificar se os recursos existentes estão empregados nas atividades que os

consumidores mais apreciam ou necessitam. Não há qualquer relação com o problema da distribuição de

renda ou riqueza” MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e

Desenvolvimento. São Paulo: Lex Editora S.A, 2006. p. 112. 181 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A, 2006. p. 112. 182 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.170. 183 Rafael Macedo bem afirma que “a Escola de Chicago, ao defender a análise econômica, adquire um

caráter tecnicista, haja vista que pretende aplicar a teoria econômica em um ambiente de mercado que não

é perfeito, nem previsível”. MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de

implementação de políticas públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação

(Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p.

46.

62

Ao trazer conceitos e noções da Economia diretamente para a análise do

antitruste, fundamentando todos os possíveis posicionamentos em ponderações e

análises econômicas, dota a questão concorrencial de um caráter eminentemente

racional.

Além do mais, observe-se que os defensores desta corrente teórica se

posicionam veementemente contra o excesso de intervenção estatal. Sendo justificável e

necessária a atuação estatal apenas quando, com base na compreensão sob a regra da

razão184, resta comprovado o efetivo prejuízo ao mercado e sua estrutura.

Elisa Silva de Assis Ribeiro, em estudo sobre controle de condutas, resume que

“A Escola de Chicago introduz na aplicação das leis antitruste a importante contribuição

da análise econômica do Direito como instrumento de interpretação e, mais ainda, a

concepção de que algumas condutas ilícitas per se podem gerar ganhos de

eficiência185”. Sendo, sob tais premissas, injustificável a excessiva e indevida

intervenção estatal, conforme enxergavam os estruturalistas.

Em síntese, não é desnecessário repetir que, na visão da Escola de Chicago, os

atos de concentração não constituem um mal por si, decorrente de sua mera existência.

Os adeptos desta corrente entendem que quando a conduta anticoncorrencial gera

ganhos em termos de eficiência, não há motivo para a reprimenda ou intervenção

estatal, pois se tem em conta que a eficiência é o fim último da matéria antitruste186.

184 Neste ponto cabe fazermos uma importante distinção terminológica. A doutrina uníssona aponta duas

modalidades de interpretação do antitruste, sendo a regra da ilicitude per se e a regra da razão. A regra da

ilicitude per se é identificada em sua relação com os argumentos defesos pelos estruturalistas e

“[...]fundamenta-se na existência de algumas condutas cujos efeitos anticompetitivos são patentes,

dispensando-se a análise de suas consequências, sendo consideradas, portanto ilícitas. Tais condutas são

previamente definidas como abusivas. Nesse caso, basta a certeza de que a conduta realmente ocorreu,

por parte do aplicador da lei, para a configuração da infração” . Quando à regra da razão, conforme já

abordado no presente texto, temos uma estrita vinculação com o tecnicismo e racionalismo neoclássico da

Escola de Chicago. Nestes termos, é possível afirmar que tal modelo “nada mais é que a possibilidade de

uma avaliação valorativa do caso concreto em relação à lei, para decidir, em primeiro lugar, pela

existência de uma limitação à concorrência. Na presença dessa limitação, devem ser considerados os

benefícios que podem advir de atos anticompetitivos”. RIBEIRO, Elisa Silva de Assis. O Controle das

Condutas – Infrações à Concorrência. In OLIVEIRA, Amanda Flávio (Coord.). Direito Econômico –

Evolução e Institutos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 128. 185 RIBEIRO, Elisa Silva de Assis. O Controle das Condutas – Infrações à Concorrência. In

OLIVEIRA, Amanda Flávio (Coord.). Direito Econômico – Evolução e Institutos. Rio de Janeiro:

Editora Forense, 2009. p. 129. 186 Uma interessante maneira de pensar a visão neoclássica nos é fornecida pela Professora Carolina

Munhoz, que toma por base seus estudos em Bork. A mesma assim estabelece: “Se por um lado o

antitruste, na visão neoclássica, tem uma preferência pela prosperidade material, de outro essa preferência

não se traduz em qualquer forma de preocupação com as formas pelas quais essa prosperidade é utilizada

e distribuída”. MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento.

São Paulo: Lex Editora S.A, 2006. p. 113.

63

Também, não se pode passar despercebida contribuição do apego à

racionalidade propagado pelos teóricos de Chicago, ao trazer a economia para a

discussão antitruste. Nos dizeres de Rafael Rocha de Macedo a Escola de Chicago “[...]

trouxe uma importante inovação para o antitruste, qual seja a inserção dos critérios

econômicos e econométricos para a análise do Direito da Concorrência187”.

Sendo que fora justamente este apelo excessivamente racional que resultara o

ponto em que repousaram as principais críticas feitas a esta corrente.

A professora Forgioni afirma que “[...] a busca por segurança e previsibilidade

jurídica constitui perigoso incentivo para que o estudioso do antitruste caia na armadilha

da análise econômica do direito [...] 188”. A ciência econômica, com suas fórmulas e

preceitos estabelecidos, é questionada por se mostrar insuficiente para resolver os casos

concretos e mutáveis que a vida apresenta.

Contudo, pontua que mesmo com as criticas lançadas à Escola de Chicago, a

teoria econômica continua útil para a análise do direito da concorrência. Afinal, muitos

dos fenômenos passíveis de regulação são explicados e estudados pela economia, se

apresentando como “[...] poderoso e indispensável instrumento na mão do jurista189”.

Observe-se, é um dentre vários instrumentos passíveis de utilização pelo jurista.

É de grande relevância fazer uma ponderação final acerca do fundamento do

antitruste norte-americano na última década do século XX, quando o excessivo

racionalismo dos adeptos da análise econômica proposta por Chicago se mostrou

enfraquecido. William Kovacic e Carl Shapiro190, em artigo onde apresentam estudo da

política antitruste no último século, observam que o antitruste nos anos mais recentes

aumentou seu foco sob a perspectiva da inovação, sendo, segundo os estudiosos, uma

lenta reação às proposições feitas pelo economista Joseph Schumpeter, ainda em

meados do século passado, sobre o processo de destruição criativa191.

187 MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e

Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 46. 188 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.174. 189 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.175. 190 KOVACIC, William E. SHAPIRO, Carl. Antitrust Policy: A Century of Economic and Legal

Thinking. American Economic Association, Nashville, v. 14, n. 1, Winter 2000. Disponível em: <

http://faculty.haas.berkeley.edu/shapiro/century.pdf> Acesso em: 20 dez. 2013. p. 57 191 Em síntese extraída da própria obra de Schumpeter: “The fundamental impulse that sets and keeps the

capitalist engine in motion comes from the news consumers’ goods, the new methods of production or

transportation, the new markets, the new forms of industrial organization that capitalist enterprise

creates. […]This process of creative destruction is the essential fact about capitalism. It is what

64

Entretanto, mesmo diante desta posição, o maior contraponto à Escola de

Chicago vem com a Escola de Freiburg (Alemanha) ou Escola Ordo-liberal. Teoria

cujos ideais propostos e defesos se apresentaram como fundamentais para o processo de

formação da União Européia192.

As primeiras proposições desta corrente surgem da necessidade vivida na

Alemanha do início do século XX de um quadro institucional que tivesse por objetivo a

proteção da concorrência.

Carolina Munhoz ensina que os principais autores desta Escola “[...] opuseram-

se à atribuição de um papel ativo e intervencionista para o Estado em relação à

concorrência, dirigindo sua atenção para a moldura institucional dos mercados

competitivos, ou a ordem da economia193”. Em que pese ter sido uma teoria bastante

influente em todas as searas da economia alemã, sua relevância, com o passar do tempo,

fora se restringindo às questões relativas à concorrência.

Um conceito fundamental para a teoria em análise é a noção de ordem

concorrencial. A preocupação que batiza a teoria tem por fundamento a necessidade de

se estabelecer um conjunto de regras jurídicas em que as decisões são tomadas

capitalism consists in and what every capitalist concern has got to live in.[…] The first thing to go is the

traditional conception of the modus operandi of competition. Economists are at long last emerging from

the stage in which price competition was all they saw. As soon as quality competition and sales effort are

admitted into the sacred precincts of theory, the price variable is ousted from its dominant position.

However, it is still competition within a rigid pattern of invariant conditions, methods of production and

forms of industrial organization, in particular, that practically monopolizes attention. But in capitalist

reality as distinguished from its textbook picture, it is not that kind of competition which counts but the

competition from the new commodity, the new technology, the new source of supply, the new type of

organization (the largest scale unit of control for instance) – competition which commands a decisive

cost or quality advantage and which strikes not at the margins of the profits and the outputs of the

existing firms but at their foundations and their very lives. This kind of competition is a much more

effective than the other as bombardment is in comparison with forcing a door, and so much more

important that it becomes a matter of comparative indifference whether competition in the ordinary sense

functions more or less promptly; the powerful lever that in the long run expands output and brings down

prices is in any case made of other stuff”. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalism, Socialism and

Democracy. 3.ed. Nova York: Harper Perennial Modern Thought, 2008. p. 83-84. 192 Rafael Macedo observa que esta fundamentalidade se deu “[...] por se tratar de uma ‘união econômica’

e não de uma ‘união política’, não dispunha de um poder estatal organizado e comum, com força

suficiente para fiscalizar ou dirigir a atividade econômica em âmbito comunitário. Naquele contexto, fez-

se necessário criar um mecanismo de autocontrole de mercado, de modo a possibilitar a efetivação das

liberdades comunitárias de circulação de mercadorias. Assim, emergiu-se uma preocupação fundamental,

qual seja a garantia das condições estruturais da concorrência. Na União Européia, o Direito da

Concorrência veio constituir um corpo de regras mínimas com o objetivo de garantir a igualdade de

condições de concorrência entre os agente econômicos atuante em um determinado ambiente de

mercado”. MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de

políticas públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito

Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 47. 193 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A, 2006. p. 120.

65

individualmente e “[...] cujas ações são controladas e coordenadas pela concorrência no

mercado”.

Esta escola se funda no princípio de que “[...] uma economia de mercado

requer uma ordem concorrencial bem desenhada e continuamente policiada, pois

contém em seu bojo uma tendência à autodestruição”. O grande receio apresentado por

seus defensores se consubstancia no fato de que os agentes de mercado tendem a

desvirtuá-lo através da centralização, visando aliviar as pressões causadas pela

concorrência194.

Levando em consideração a preocupação com todo o processo competitivo em

si e com a liberdade e possibilidade de competição no mercado, demonstrada pelos

ordo-liberais, Rafael Macedo assevera que a escola “[...] propunha uma moldura

institucional de mercado competitivo [...]195”, tornando desnecessária a intervenção

excessiva por parte do Estado no mercado.

Conforme já visto, a teoria Ordo-liberal se mostra como fruto de uma profunda

desconfiança com o mercado e o poder privado, através da capacidade de concentração

e dominação econômica que pode resultar na própria destruição do mercado. Bem

observa Munhoz que tal fenômeno é acentuado “[...] especialmente quando há uma

fusão entre interesses públicos e privados196”.

Pontue-se que a defesa proposta por esta Escola não se dá no controle estatal

total da ordem concorrencial, mas, sim, apenas na manutenção das estruturas desta

ordem em específico.

Pode-se dizer que a discordância com a Escola de Chicago se dá em dois

pontos principais. Sendo o primeiro relacionado à ideia de bem-estar. Ou seja, os

neoclássicos têm como objetivo a maximização do bem-estar do consumidor, enquanto

os ordo-liberais compreendem que este bem-estar almejado se refere à pressupostos

meramente teóricos, sendo cambiáveis e não possibilitando uma verdadeira

compreensão.

Em uma segunda discordância, temos o próprio conceito de concorrência que

cada Escola abordada adota para fundamentar sua teoria. Enquanto a doutrina de

194 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A, 2006. p. 120-121. 195 MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e

Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 47. 196 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A, 2006. p. 122.

66

Chicago defende a eficiência como finalidade máxima do processo concorrencial, a

Escola de Freiburg entende que é impossível prever e atribuir qualquer tipo de objetivo

ao Direito da Concorrência. Isto com base no fato de que “[...] o sistema concorrencial

não é do tipo no qual todos os efeitos podem ser previstos, selecionando-se apenas os

desejáveis, para orientar tanto a elaboração quanto a aplicação da lei197”.

A presente exposição fora feita observando as principais teorias expoentes da

questão da tutela da concorrência (direito concorrencial ou direito antitruste). É

pertinente afirmar que a preocupação do presente tópico não é a defesa manifesta de um

dentre os modelos teóricos definidos, mas a apresentação de tais visando clarificar as

influências do sistema de defesa da concorrência brasileiro, que será estudado no tópico

seguinte, com objetivo de uma compreensão futura da relação entre o direito

concorrencial brasileiro e sua própria política desenvolvimentista.

3.3 A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

3.3.1 Tutela constitucional da livre concorrência

É fato que não se pode abordar a defesa da concorrência no ordenamento

jurídico brasileiro sem fazer a correta apreciação e abordagem constitucional. Diante

desta perspectiva, cumpre iniciarmos o presente tópico em rápida delimitação do que é a

Constituição Econômica na perspectiva do constitucionalismo brasileiro.

Como bem afirma o professor José Afonso da Silva198, se mostra sem propósito

e profundamente infrutífera uma longa busca por uma definição extremamente precisa

sobre o que vem a ser este conceito, sendo justificável tal postura diante do fato que

inexiste doutrina unânime quanto a esta definição.

Uma observação que deve ser feita antes de se incorrer na seara conceitual ora

pretensa, tem relação pontual à divergência teórica, supramencionada, residente na

delimitação deste conceito. Em simples palavras, a doutrina é amplamente divergente

197 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A, 2006. p. 124. 198 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

67

no que se refere ao âmbito em que a Constituição Econômica se situa199. Se este

conceito se enquadra apenas no âmbito formal ou, também, no âmbito material da

Constituição200.

O Professor Fabiano Mendonça, em estudo sobre a hermenêutica constitucional

da ordem econômica, observa que, partindo do ponto de vista formal-jurídico, as

dificuldades de definição do conceito de ordem econômica residem no fato de que se

referem à perspectiva macro do conjunto de normas que versam sobre o “trato das

trocas econômicas”. Eis, então, o motivo pelo qual há de se falar em “ordem econômica

formal constitucional”, visando uma maior precisão terminológica201.

Neste sentido, a abordagem que aqui se delimite se dará sobre esta ideia de

Constituição econômica formal que “[...] compreende somente normas de conteúdo

econômico incluídas no texto constitucional202”.

Em adendo, o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, partindo do seu

genial simplismo, aduz, por sua vez, que “a Constituição econômica formal é o conjunto

de normas que, incluídas na Constituição, escrita, formal do Estado, versam o

econômico203”.

Nas considerações do renomado constitucionalista José Afonso da Silva, a

constituição econômica formal é entendida como a “[...] parte da Constituição que

interpreta o sistema econômico, ou seja, que dá forma ao sistema econômico, que, em

199 André Ramos Tavares ao tentar conceituar a ideia de Constituição Econômica, menciona a divergência

teórica entre o professor José Afonso da Silva e o professor Vital Moreira. Enquanto aquele entende a

Constituição econômica em seu caráter formal, ou seja, como sendo uma parte da Constituição que dispõe

sobre o sistema econômico. Este a entende em um caráter mais amplo, ou seja, a Constituição econômica

seria um conjunto de preceitos e instituições jurídicas que ultrapassam ou não a Constituição formal. Não

há, pois, na visão de Vital Moreira uma necessária vinculação com o texto positivado. TAVARES, André

Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Método, 2011. p. 76. 200 O Professor José Afonso da Silva introduzindo a sua análise do texto constitucional de 1988 ensina

que “reconheçamos valor ao conceito de Constituição econômica, desde que não pensemos que as bases

constitucionais da ordem econômica é que definem a estrutura de determinado sistema econômico, pois

isso seria admitir que a Constituição formal (superestrutura) constitua a realidade material (Constituição

material: infraestrutura). Mas também não se trata de aceitar um determinismo econômico mecânico

sobre a realidade jurídica formal. Se esta é forma, torna evidente que recebe daquela os fundamentos de

seu conteúdo. Mas a forma também influi na modelagem da matéria”. SILVA, José Afonso da.

Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 733. 201 MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Hermenêutica Constitucional da Ordem Econômica

Regulatória: Princípios. In MENDONÇA, Fabiano. FRANÇA, Vladimir. XAVIER, Yanko. Regulação

econômica e proteção dos direitos humanos: Um enfoque sob a óptica do direito econômico.

Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008. p. 16. 202 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Método,

2011. p. 76. 203 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32.ed. São Paulo: Saraiva,

2006. p. 350.

68

essência, é capitalista204”. Observe-se que não se defende aqui uma abordagem distinta

entre o que classificamos como constituição econômica e os demais dispositivos da

Constituição, ou da Constituição política como preferem alguns autores (a exemplo o

próprio José Afonso da Silva).

Seguindo esta mesma percepção, Gilberto Bercovici ensina, fundando sua

defesa em Natalino Irti, que “[...] não se deve romper com a unidade da Constituição e

decompô-la em uma pluralidade de núcleos isolados e autônomos205”.

Assim, entende-se que a Constituição é composta de vários núcleos e áreas

diversas que devem ser encaradas e interpretadas, sistematicamente, como resultado de

uma soma ideológica constitucional206. As bases para a política econômica do Estado

aparecem como fruto dessa interpretação conjunta proporcionada pela Lei Maior.

O espanhol Ariño Ortiz afirma que o que se entende por Constituição

econômica (sinônimo de modelo econômico da Constituição) é o conjunto de

princípios, critérios, valores e regras fundamentais que orientam a vida econômica e

social de um dado país, observando a ordem e disposição no texto constitucional.

Completando seu entendimento ao afirmar que a ordem econômica constitucional não é

um elemento autônomo do todo constitucional, mas, sim, uma parte fundamental da

estrutura da Lei Maior.

A Constituição econômica é vista, complementarmente, como sendo uma

referência de maior amplitude quando se relaciona com a ideia do modelo de sociedade

e de Estado que o texto fundamental tutela e estabelece207, assim, o econômico se insere

plenamente no contexto de formação política e jurídica.

204 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

p.723. 205 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

13. 206 Neste ponto, é interessante trazer a abordagem crítica feita pelo próprio professor Gilberto Bercovici.

Assevere-se que a ideia aqui proposta e defesa, de unidade da Constituição econômica dentro do contexto

constitucional como um todo, é ponto refutado pela Escola Ordo-liberal. Nas palavras do autor, ao

introduzir o ponto defendido: “Ainda em torno destas premissas, não utilizaremos a visão, a nosso ver

equivocada, dos autores da escola ordo-liberal de Freiburg. Estes teóricos entendem que existe uma

dualidade entre Constituição da Economia e Constituição do Estado. A Constituição Econômica é

entendida como autônoma à Constituição Política do Estado. Além da dualidade da Constituição, os ordo-

liberais, em um sentido muito próximo de Carl Schmitt, ainda defendem a necessidade de a Constituição

Econômica fundar-se na decisão da forma pura e fundamental da economia, cujas alternativas se

reduzem, para eles, à economia de mercado ou à economia planejada e dirigida”. BERCOVICI, Gilberto.

Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 12. 207 “Se entiende por ‘Constitución económica’ (o ‘modelo económico de la Constitución´) el conjunto de

principios, criterios, valores y reglas fundamentales que presiden la vida económico-social de un país,

según un orden que se encuentra reconocido en la Constitución. Este ‘orden económico constitucional’

nos es una pieza aislada, sino un elemento que hace parte de la estructura básica de la ley fundamental.

Además, hay que enmarcar la Constitución económica dentro de un contexto de mayor amplitud: el

69

Diante da acepção aqui trazida, há de se mencionar os elementos em que é feita

tal análise.

Neste ponto, segue-se a abordagem delimitada e bem fundamentada por André

Ramos Tavares, identificando como elementos que devem ser trazidos na Constituição

econômica: a base do sistema econômico, os direitos que possibilitam e legitimam a

atuação dos agentes econômicos, o conteúdo e os limites desses direitos e “[...] das

responsabilidades que são inerentes ao exercício da atividade econômica no país, bem

como a finalidade que se pretende com determinado sistema” 208.

Sendo, para a finalidade do presente estudo, a Constituição Econômica

compreendida e estudada em seu aspecto formal. Esta análise repousa nos dispositivos

que a Lei Fundamental apresenta de maneira positivada, visando o estabelecimento e

embasamento, a definição e a tutela da ordem econômica brasileira.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê, nos arts. 170

a 192, a tutela da ordem econômica209, onde “[...] sistematizar os dispositivos relativos à

configuração jurídica da economia e à atuação do Estado no domínio econômico,

embora estes temas não estejam restritos a este capítulo do texto constitucional210”.

Em que pese o rico material passível de análise, presente na Constituição

econômica brasileira211. O direcionamento aqui pretenso repousa precisamente no art.

170 do texto constitucional212, onde restam dispostos os princípios fundamentais da

ordem econômica213.

modelo de sociedad (una sociedad libre) y la idea de Estado (‘Estado social y democrático de Derecho’,

Estado autonómico’) que se quiere garantizar a través de la Constitución”. ORTIZ, Gaspar Ariño.

Principios de Derecho Público Económico. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 175. 208 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Método,

2011. p. 79. 209 Neste ponto, não se podia deixar de pontuar a crítica implícita no trabalho do professor Paulo Lopo

Saraiva ao tratar os dispositivos da constituição econômico como a “(des)organização econômica e

social”. SARAIVA, Paulo Lopo. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Acadêmica,

1995. p. 95. 210 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

30. 211 Gilberto Bercovici observa que “além destes princípios estruturantes, a Constituição de 1988 engloba

dispositivos que tratam da ordem econômica no espaço e no tempo. A projeção da ordem econômica e

seus conflitos no espaço estão configurados nas disposições sobre política urbana (arts. 182 e 183) e sobre

política agrícola e fundiária e reforma agrária (arts. 184 a 191). A projeção da ordem econômica no tempo

está disposta no art. 192, que dispõe sobre o ‘sistema financeiro nacional, estruturado de forma a

promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as

partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito’ e inclusive ‘sobre a participação do capital

estrangeiro nas instituições que o integram’.”. BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e

Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31. 212 “Os denominados princípios da ordem econômica devem ser interpretados e aplicados conjuntamente,

de forma sistemática, porque influenciam o modo de atuação do Estado Regulador e dos agentes

econômicos, tutelando tanto os elementos vinculados ao regime de produção capitalista quanto aqueles

70

Sendo esta ordem, como assevera o próprio texto da Lex mater, “[...]fundada

na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa [...]”, tendo como finalidade

“[...] assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]”.

Estabelece, em seguida, a necessidade de observância dos princípios da soberania

nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre

concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, busca do pleno

emprego, da redução das desigualdades regionais e sociais e do tratamento favorecido

para as empresas de pequeno porte que tenham sede e administração no Brasil214.

Entre os princípios fundamentais da ordem econômica estabelecidos pelo

legislador constituinte, elege-se, para o presente estudo, o princípio da livre

concorrência como objeto das presentes ponderações. Já tendo sido feita, no presente

trabalho, a análise econômica do conceito de concorrência e o estudo quanto aos

objetivos do direito concorrencial ao longo de uma evolução histórica.

A livre concorrência é erigida a princípio constitucional da ordem

econômica215. Sendo compreendida, inclusive, como “[...]verdadeiro instrumento de

realização dos objetivos do Estado216”. Entretanto, qual o significado deste princípio e

qual o real bem objetivado e efetivamente tutelado com esta previsão constitucional?

socialmente relevantes, numa escala de conciliação que tende a permanecer”. ELALI, André. Incentivos

Fiscais Internacionais: Concorrência fiscal, mobilidade financeira e crise do Estado. São Paulo:

Quartier Latin, 2010. p. 95-96. 213 Sobre a Constituição Econômica, Fabiano Mendonça afirma que “a expressão, tal qual emerge do

Texto Constitucional, ora se refere ao mundo do ser (art. 170), ora tem acepção mais direta com o mundo

do dever ser (art. 173, §5º). Na verdade, tal se deve ao fato de, no primeiro modo, fazer referência,

gramaticalmente, a como deveria ser a sociedade, numa redação apofântica e afirmativa”. MENDONÇA,

Fabiano André de Souza. Hermenêutica Constitucional da Ordem Econômica Regulatória:

Princípios. In MENDONÇA, Fabiano. FRANÇA, Vladimir. XAVIER, Yanko. Regulação econômica e

proteção dos direitos humanos: Um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação

Konrad Adenauer, 2008. p. 16. 214 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal. 215 Complementarmente, trazemos as ponderações de Rafael Macedo: “Um dos alicerces da estrutura

liberal da economia e intimamente relacionado com o princípio da livre iniciativa, o direito a livre

concorrência aparece pela primeira vez sob a roupagem de garantia constitucional em 1988. Busca-se

adotar um modelo de mercado no qual os agentes econômicos ou empresas podem competir entre si, em

um regime de iniciativa privada, sem que nenhum deles goze de superioridade decorrente de privilégios

jurídicos, ou situações econômicas derivadas do abuso do poder econômico ou da prática de condutas

infratoras à ordem econômica. A livre concorrência provoca efeitos em diversos setores da vida

econômica, tanto no preço das mercadorias ou serviços, quanto na qualidade dos mesmos. Deste modo, a

atividade concorrencial busca otimização dos recursos econômicos, na medida em que por intermédio da

concorrência recíproca, evitam-se os lucros arbitrários e os abusos de poder econômico. Trata-se na

verdade de princípio que visa preservar mercados e a própria ordem capitalista”. MACEDO, Rafael

Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas públicas para o

desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) –

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 59. 216 ELALI, André. Incentivos Fiscais Internacionais: Concorrência fiscal, mobilidade financeira e

crise do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 65.

71

Um primeiro questionamento que surge da fria interpretação do dispositivo

decorre do possível entendimento enganoso que este princípio pode carregar.

Ricardo Seibel de Freitas Lima, tomando por base a interpretação meramente

gramatical, observa que o vocábulo livre é facilmente relacionável com a ideia de

inexistência de restrições. Como resultado, poder-se-ia compreender que o princípio da

livre concorrência não imporia, ao ordenamento jurídico brasileiro, quaisquer limites ou

restrições no âmbito concorrencial brasileiro217. Interpretação que se mostraria

completamente equivocada.

Por outro lado, ainda na linha do autor retro mencionado, a partir do

entendimento de que livre concorrência não é uma disputa ilimitada, tampouco se pode

compreender que restrições possam ser impostas sem limites, afinal, se assim fosse,

“[...] não faria sentido falar em livre concorrência como princípio, nem em livre

iniciativa como fundamento da ordem econômica218”.

Na linha intermediária aqui almejada, trazemos a conceituação do professor

João Bosco Leopoldino da Fonseca. O renomado doutrinador afirma que a Constituição

Federal afirma a sua opção pelo regime de economia de mercado e, como consequência

desta escolha, carrega como princípio o que chama de “[...] a mola básica que rege

aquele tipo de organização da economia”.

Continua, ponderando que a garantia de liberdade concorrencial adotada no

texto de 1988, não mais se relaciona com a busca pela concorrência perfeita e

atomizada, proposta pelo liberalismo tradicional, “[...] mas um equilíbrio entre os

grandes grupos e um direito de estar no mercado também para pequenas empresas219”.

Além da óbvia e uníssona menção de que o princípio da livre concorrência é

intrínseco ao regime capitalista e à economia de mercado220, André Ramos Tavares

explica o princípio em comento em um posicionamento, também, centralizado.

217 LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Livre concorrência e o dever de neutralidade tributária. 2005.

143 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,

2005. p. 24. 218 LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Livre concorrência e o dever de neutralidade tributária. 2005.

143 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,

2005. p. 25. 219 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.

94. 220 Neste mesmo sentido, não é demais trazer os ensinamentos do Professor Leonardo Figueiredo que

afirma que o princípio da livre concorrência “é um dos alicerces da economia liberal, sendo corolário da

livre-inicativa, isto é, só existirá a livre concorrência onde o Estado garante a livre iniciativa.

Concorrência é a ação competitiva desenvolvida por agentes que atuam no mercado de forma livre e

racional. Isto é, trata-se da disputa saudável por parcela do mercado entre agentes que participam de uma

mesma etapa em ciclo econômico”. FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico.

3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 67.

72

Afirmando que “[...] é a abertura jurídica concedida aos particulares para competirem

entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico pelas leis de mercado e a

contribuição para o desenvolvimento nacional e a justiça social221”.

Não restam dúvidas, pois, quanto à definição conceitual do princípio aqui

estudado. Conforme já fora abordado ao longo deste capítulo, trata-se de um princípio

fundador e fundamental da economia no regime capitalista.

Diante do exposto, tem-se por livre concorrência a ampla possibilidade de

atuação no mercado e permanência nele, sendo vedado, constitucionalmente o abuso de

poder econômico.

Não é desnecessário repetir que a proteção da concorrência é condição e

instrumento para a própria manutenção do mercado.

Conforme já fora mencionado no presente trabalho, os indivíduos em condição

de plena liberdade tendem a se comportar de forma monopolista ou diminuir a

incômoda concorrência dentro do mercado.

Ao analisarmos o princípio constitucional da livre concorrência sob esta ótica

retro trazida, compreendemos sua fundamentalidade, pois sua previsão delimita o modo

comportamental da ordem econômica e da ordem política, ao se relacionar com as

políticas públicas e os limites da intervenção estatal.

Entretanto, cumpre observar, que tal princípio não existe apenas para proteger

o mercado e sua estrutura.

A doutrina é iterativa ao mencionar que este princípio possui, como outra face,

a defesa e o favorecimento do consumidor em seus objetivos. Entendido, este, como

“[...] ente principal das relações de consumo travadas no cenário de desenvolvimento

econômico de um País222”.

O Professor Celso Ribeiro Bastos, sobre a relação entre tutela da concorrência

e proteção do consumidor, enxerga que é justamente com base na concorrência que os

consumidores se veem seguros para que possam consumir produtos de qualidade, com

preços justos. Aduzindo, também, o fato de que para os que exploram a atividade

221 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Método,

2011. p. 256. 222 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Método,

2011. p. 258.

73

econômica, é uma forma de serem recompensados pela maior capacidade, empenho e

dedicação em comparação com seus concorrentes223.

Além das importantes ponderações conceituais trazidas e da natureza dúplice

do princípio em comento, tratemos, ainda, a intrínseca relação entre os princípios da

livre concorrência e da livre iniciativa.

Eros Roberto Grau, em sua famosa obra sobre a ordem econômica na

Constituição de 1988, identifica que ambos os princípios são resultantes do princípio da

liberdade de iniciativa econômica, originário do édito de Turgot, de 9 de fevereiro de

1776224.

Tal princípio se dividia em liberdade de indústria (englobando a faculdade de

criação e exploração de uma atividade econômica e a não sujeição à atividade estatal,

apenas quando lei impusesse) e liberdade de concorrência (abarcando a possibilidade de

conquistar a clientela, a proibição de formas de atuação que deturpassem o processo

concorrencial e a neutralidade estatal em igualdade condições dos concorrentes)225.

Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência são, assim, os alicerces

da ordem econômica liberal, conforme estabelecido na Constituição brasileira de 1988.

Não há como pensar na existência de livre concorrência onde inexiste livre iniciativa,

em que pese à recíproca não se mostrar verdadeira. A livre concorrência se apresenta de

maneira agregada à livre iniciativa e que resulta na ampla possibilidade de

desenvolvimento do mercado226.

Tratando de mais uma abordagem fundamental para a compreensão da tutela

constitucional do princípio da livre concorrência, faz-se necessário trazer o que dispõe a

Constituição econômica em seu art. 173, §4º.

No mencionado parágrafo, o legislador constituinte prevê a possibilidade de

repressão legal das condutas de abuso de poder econômico, sendo, este, aquele que “[...]

vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário

dos lucros227”.

223 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.

643. 224 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros,

2010. p. 204. 225 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros,

2010. p. 205. 226 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.

643. 227 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal.

74

O constituinte foi além da mera previsão principiológica da livre concorrência

como fundamento da ordem econômica brasileira, assegurando e programando, além

disso, a sua tutela legal através de lei que tivesse por objetivo a repressão aos eventuais

abusos de poder econômico que viesse ferir a ordem concorrencial228.

Maria Tereza Mello e Mario Possas atribuem grande importância ao

dispositivo e elegem a fundamentação do referido artigo como sendo o principal

imperativo de defesa da concorrência no Brasil. Legando ao princípio expresso no art.

170 uma função de mera idealização referente ao modelo de funcionamento do mercado

brasileiro previsto no texto constitucional229.

O professor José Afonso da Silva ensina, sendo menos radical em sua

exposição que os autores supra referidos, que os dois dispositivos são complementares

em seu objetivo compartilhado. Ambos têm por finalidade a defesa do sistema de

mercado e da livre concorrência contra a tendência “[...] açambarcadora da

concentração capitalista230”.

Sobre a temática, o professor Eros Grau ensina que “[...] não há oposição entre

o princípio da livre concorrência e aquele que se oculta sob a norma do §4º do art. 173

do texto constitucional [...] em verdade, por que dele é fragmento, compõe-se do

primeiro231”. O jurista observa que o que se constitui regra, e não exceção, no regime

jurídico econômico brasileiro é o poder econômico232.

228 Trazemos à baila os ensinamentos do professor Eros Roberto Grau. Sobre tal fenômeno normativo,

afirma que “de uma banda porque a concorrência livre – não liberdade de concorrência, note-se – somente

poderia ter lugar em condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder

econômico. Este, no entanto – o poder econômico – é não apenas um elemento da realidade, porém um

dado constitucionalmente institucionalizado, no mesmo texto que consagra o princípio. O §4º do art. 173

refere ‘abuso do poder econômico’. Vale dizer: a Constituição de 1988 o reconhece. Não que não devesse

fazê-lo, mesmo porque a circunstância de não o ter reconhecido não teria o condão de bani-lo da

realidade. Apenas, no entanto, tendo-o reconhecido, soa estanha a consagração principiológica da livre

concorrência. Para que tal não ocorresse, em presença da consagração do princípio, haveria mencionado o

§4º de dispor: ‘a lei reprimirá os abusos decorrentes do exercício da atividade econômica...’. O que, não

obstante – repito – seria inteiramente em vão: nem por isso o poder econômico deixaria de se manifestar

no mundo real – mundo do ser – a braçadas”. GRAU. Eros Roberto. A ordem econômica na

Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 209. 229 MELLO, Maria Tereza Leopardi. Direito e Economia na Análise de Condutas Anticompetitivas. In

POSSAS, Mario Luiz (Coord.). Ensaios sobre Economia e Direito da Concorrência. São Paulo:

Singular, 2002. p. 136. 230 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros,

2012.p. 728. 231 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros,

2010. p. 210. 232 Interessa-nos trazer a observação do renomado jurista quanto a função de tal organização do mercado.

Em que pese a defesa aqui apresentada de que a tutela da concorrência se mostra em natureza dúplice,

responsável pela defesa do consumidor e pela proteção da sua estrutura própria, o jurista se posiciona

dizendo que, dado o fato de que o poder econômico é regra no Brasil, “frustra-se, assim, a suposição de

que o mercado esteja organizado, naturalmente, em função do consumidor. A ordem privada, que o

75

Observe-se, diante do aqui apresentado, que a Constituição não veda o poder

econômico em si. Muito pelo contrário, ela reconhece sua existência no mundo fático.

Ou seja, a existência do poder econômico por si, não é inconstitucional. Em verdade,

ocorre que “o legítimo uso do poder econômico não sofre nem poderia sofrer qualquer

tipo de restrição, sendo essencial tanto ao regime liberal da iniciativa privada, quanto ao

desenvolvimento do país233”.

Entretanto, o constituinte tentou limitar esta posição dominante ao estabelecer

a proibição ao seu abuso. Ou seja, o art.173, §4º da Constituição Federal, além de

complementar e gerar a possibilidade de instrumentalização da defesa da concorrência,

reconhecendo a existência do fenômeno do poder econômico, objetiva a reprimenda dos

excessos ocorridos em seu eventual abuso, levando em consideração que tal exercício

de poder se encontra limitado pelos interesses da sociedade e que não pode, tal poder,

limitar a liberdade de iniciativa e participação no mercado de outros agentes

econômicos de menor poderio.

Ocorrido o excesso e o abuso do poder econômico, caberá ao Estado, a

intervenção no domínio econômico, visando a repressão de tais atos e a coibição dos

abusos.

Esta intervenção, atualmente, se vê regulada pela lei 12.529 de 30 de novembro

de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e disciplina a

prevenção e repressão contra infrações cometidas contra a ordem econômica. A lei da

concorrência será nosso objeto de discussão no subtópico que se segue.

3.3.2 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

Conforme previsto em disposição na Lei Maior, em termos

infraconstitucionais, a livre concorrência encontra todo o seu sustentáculo legal descrito

na lei 12.529/11 que dispõe sobre e disciplina todo o Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência – SBDC. É na referida lei que encontramos a previsão dos órgãos

conforme, é determinada por manifestações que se imaginava fossem patológicas, convertidas porém, na

dinâmica de sua realidade, em um elemento próprio a sua constituição natural”. GRAU. Eros Roberto, A

ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 210. 233 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Método,

2011. p. 262.

76

responsáveis pela fiscalização e repressão, as infrações, penas e o rito processual

administrativo.

De maneira geral, cumpre afirmar, que o instrumento legal em comento alterou

a antiga lei da concorrência, Lei 8.884/94, e é considerada um marco histórico234 na

política brasileira de defesa da concorrência. Observando que a partir deste instrumento

legal restaram afirmados o SBDC propriamente dito, bem como a tutela legal material

de defesa da concorrência e a própria efetividade da norma constitucional programática

retro mencionada. Também, restaram consolidadas as funções de investigação e decisão

do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, órgão responsável pela

regulação e defesa da concorrência, conforme abordaremos em momento oportuno.

É pertinente a afirmação de que, em que pese a regulamentação legal da

concorrência no ordenamento brasileiro não ser nenhuma novidade. Foi apenas a partir

do ano de 1994, conforme assevera Paulo Furquim de Azevedo235, que ocorreram as

mudanças emblemáticas que resultaram no modelo de atuação do Estado na economia

no modo que se compreende atualmente.

O autor ensina que a primeira e frustrada tentativa de se implementar uma

legislação antitruste no Brasil data de 1945 e visava limitar a atuação dos monopólios e

o abuso de poder econômico de maneira generalista.

Entretanto, foi apenas com a promulgação da Lei 4.137 de 1962 que houve um

direcionamento correto para a defesa da concorrência. Foi neste diploma que restou

instituída a criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o principal

organismo público de defesa da ordem concorrencial. Ainda, além da preocupação

desde antes demonstrada quanto aos monopólios e abuso do poder econômico, este

diploma trazia em seu texto punições previstas aos infratores da concorrência236.

Levando em consideração que a economia brasileira funcionava com base no

protecionismo e na coordenação estatal237, em detrimento do próprio modelo

234 Sobre as alterações, Vinícius Marques de Carvalho afirma que “são introduzidas profundas alterações

no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência tal como conhecemos hoje. Tais alterações são

abrangentes, e envolvem não só a mudança no desenho institucional do SBDC, como também

modificações substanciais nas suas principais áreas de atuação: a análise de estruturas, a análise de

condutas e o exercício da advocacia da concorrência.” CARVALHO, Vinícius Marques de. Outros. Nova

lei de defesa da concorrência comentada. São Paulo: RT, 2012. p.31. 235 AZEVEDO, Paulo Furquim. Análise Econômica da Defesa da Concorrência. In TIMM, Luciano

Benetti (Org.). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Ed. Atlas, 2012. P. 270. 236 AZEVEDO, Paulo Furquim. Análise Econômica da Defesa da Concorrência. In TIMM, Luciano

Benetti (Org.). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Ed. Atlas, 2012. P. 270. 237 Em relação à necessidade brasileira de possuir uma legislação própria de defesa da concorrência,Paulo

Furquim Azevedo pondera que “este movimento legislativo não era original e não parece ter sido

77

concorrencial, apenas com a mudança neste perfil de intervenção estatal no mercado e

uma demanda por instituições de mercado, é que foi possível que a defesa da

concorrência efetivamente ocorresse.

Diante do exposto, “com a Lei 8.884, de 1994, os órgãos responsáveis pela

defesa da concorrência foram dotados de instrumentos para uma ação mais efetiva238”.

Ocorreu, a partir deste momento legislativo, a transformação do CADE em autarquia

com relativa autonomia para julgamentos tratando infrações à ordem econômica.

Além do CADE, outros órgãos desempenhavam funções complementares na

defesa da concorrência, a exemplo da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e da

Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), esta, vinculada ao Ministério da

fazenda.

Passada essa compreensão pretérita, surge no ordenamento brasileiro a Lei

12.529 de 30 de Novembro de 2011, ou a nova lei de defesa da concorrência, após

profundas discussões em âmbito legislativo, sendo fruto do PL 3.937 de 2004.

Em sua análise doutrinária, Vinícius Marques de Carvalho observa que as

alterações introduzidas com o novel diploma legal são substancialmente abrangentes e

“[...] envolvem não só a mudança no desenho institucional do SBDC, como também

modificações substanciais nas suas principais áreas de atuação: a análise de estruturas, a

análise de condutas e a advocacia da concorrência239”.

Paula Forgioni240, por sua vez, afirma que em termos materiais poucas foram as

mudanças apresentadas pela novel legislação, tendo sido mantidos os critérios que

derivado de uma demanda da sociedade brasileira à época. É usual associar as origens da legislação

antitruste ao Sherman Act, em 1890, nos EUA, ou ao Canadá, em 1889, por meio do Act for the

Prevention and Suppression of Combinations formed in Restraint of Trade. Ambas são peças que

compartilhavam o objetivo de impor limites ao poder até então irrestrito das grandes corporações e dos

trustes, que ganharam relevância após o final da Guerra Civil americana, em meio a profundas mudanças

institucionais e tecnológicas experimentadas pela sociedade norte americana. [...] O quadro no Brasil era

bastante distinto. A política industrial predominante no pós-guerra era de proteção comercial e de

coordenação das ações empresarias sob a tutela do Estado, que interferia em planos de investimentos e,

em diversos mercados, regulava o tipo de produto, a quantidade produzida e até o preço praticado. Em

outras palavras, à época da criação do CADE, a economia brasileira desenvolvia-se tendo por base a

proteção e a coordenação, e não a concorrência. O elemento estranho nessa composição de políticas era o

CADE, que por aproximadamente três décadas manteve-se quase anônimo, se não uma contradição com o

contexto institucional da época”. AZEVEDO, Paulo Furquim. Análise Econômica da Defesa da

Concorrência. In TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Ed. Atlas,

2012. P. 269-270. 238 AZEVEDO, Paulo Furquim. Análise Econômica da Defesa da Concorrência. In TIMM, Luciano

Benetti (Org.). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Ed. Atlas, 2012. P. 270. 239 CARVALHO, Vinícius Marques de. Outros. Nova lei de defesa da concorrência comentada. São

Paulo: RT, 2012. p.31. 240 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.123-124.

78

configuravam a determinação das práticas empresariais consideradas ilícitas. Entretanto,

variadas foram as inovações trazidas com a nova lei.

Seguindo os critérios da professora, destacamos os seguintes aspectos trazidos

na nova lei de defesa da concorrência.

A priori, uma importante mudança ocorrida se deu com a reestruturação do

Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência dotando o Conselho de Administrativo de

Defesa da Concorrência de maiores poderes e maior autonomia, tendo a antiga

Secretária de Defesa Econômica sido incorporada à estrutura do CADE241. Este “[...]

passou a ser composto por dois órgãos principais: Tribunal Administrativo e

Superintendência Geral242”. Sendo, o primeiro, responsável pelo julgamento de

acusações de infrações à ordem econômica e atos de concentração. Enquanto o segundo,

responsável por investigação e instrução dos atos passíveis de apreciação pelo tribunal.

Ainda, conforme a autora, cumpre destacar a existência do Departamento de

Estudos Econômicos e sua responsabilidade na elaboração de análises e pareceres para o

embasamento e fundamentação da atividade do CADE.

A segunda inovação apontada pela professora se refere à imposição de dever,

por parte das empresas, de apresentação dos atos de concentração previamente à sua

concretização, de maneira que sem a devida aprovação do órgão, tais operações não

podem ocorrer.

Ainda, a professora aduz, como passíveis de destaque, o aumento do poder da

Administração Pública, a modificação da forma de cálculo das multas por infração à

ordem econômica e o aumento dos recursos materiais disponíveis ao SBDC, sendo esta

última resultante do aumento de cargos específicos e com exercício prioritário no

CADE.

A doutrina encara as modificações feitas com a Lei 12.529/2011 como

verdadeiros marcos paradigmáticos na defesa da concorrência no ordenamento jurídico

brasileiro. Sendo compreendida como construtora de um meio muito mais eficiente para

implementação de uma política brasileira de defesa da concorrência.

241 Observe-se que a Lei de defesa da concorrência organiza o SBDC em dois órgãos: o Conselho

Administrativo de Defesa da Concorrência – CADE, que é uma autarquia especial vinculada ao

Ministério da Justiça, e a Secretária de Acompanhamento Econômico – SEAE, vinculada ao Ministério da

Fazenda. Forgioni afirma que “na verdade, no âmbito do direito concorrencial, as competências da SEAE

são bastante restritas, limitando-se praticamente à advocacia da concorrência. O grande protagonista da

matéria é o CADE, ‘entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional’.” FORGIONI, Paula.

Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.126-127. 242 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.124.

79

Ao afirmar esta nova fase inaugurada com a promulgação do referido texto

legal, Vinícius Carvalho afirma que os avanços apresentados se iniciam na própria

disposição da política de defesa da concorrência no próprio SBDC. Observando que

além dos inegáveis avanços em termos estruturais e institucionais, também houve

avanços na perspectiva de direito material que, segundo o autor, eram objetos de

frequentes discussões no regime da legislação anterior243.

Além do mais, se vislumbra a possibilidade de a política de defesa da

concorrência se mostrar cada vez mais reflexa além da esfera exclusivamente

administrativa, através de uma maior coordenação entre a repressão às infrações contra

a ordem econômica nas esferas penal e cível.

Não restam dúvidas acerca da ampla gama de possibilidades que a nova lei de

defesa da concorrência constrói e faculta desenvolver em se tratando de uma educação

voltada à concorrência e uma defesa da concorrência cada vez mais eficiente.

Entretanto, é necessário ponderar algumas preocupações relevantes e naturais

decorrentes do surgimento deste novo paradigma.

Uma primeira preocupação que se demonstra com relação à própria análise dos

avanços trazidos. É salutar atentar para o fato de que tais instituições seguem o fluxo

das políticas públicas e suas finalidades com base nesta função pública. Diante deste

ponto, “é útil ter em mente que a opção por um dado desenho institucional costuma ser

o resultado de escolhas entre as diferentes formas de concretizar e harmonizar três

grandes objetivos fundamentais244”.

Vinícius Carvalho afirma que tais objetivos são “[...] o adequado e eficiente

cumprimento da função pública, controlar o exercício da atividade estatal em vista do

respeito aos direitos e garantias individuais e legitimar a atuação estatal face as

necessidades de interferência dos indivíduos” 245.

Observando o autor retro, de maneira otimista, que o processo de elaboração do

novo SBDC se demonstra bastante positivo por ser reflexo de um amplo processo de

escolha fruto de substanciais debates que contaram com a participação de variados tipos

de profissionais.

243 CARVALHO, Vinícius Marques de. Outros. Nova lei de defesa da concorrência comentada. São

Paulo: RT, 2012. p.31. 244 CARVALHO, Vinícius Marques de. Outros. Nova lei de defesa da concorrência comentada. São

Paulo: RT, 2012. p.32. 245 CARVALHO, Vinícius Marques de. Outros. Nova lei de defesa da concorrência comentada. São

Paulo: RT, 2012. p.32.

80

Forgioni, por sua vez, afirma que é necessário dotar o CADE de mais recursos

materiais de maneira mais franca, com base na crescente demanda resultante do

crescimento do mercado interno.

Ainda, critica a preocupação e dispêndio de tempo excessivo que o órgão

demonstra com análise de atos de concentração econômica que, segundo a mesma, “[...]

muito raramente apresentam problemas concorrenciais relevantes246”. Espera que o

órgão em comento passe a ser mais combativo sobre os abusos de poder econômico e

posição dominante, além de outras práticas que se apresentam lesivas ao consumidor e

ao próprio mercado.

Indubitável, pois, diante da abordagem aqui feita, que a nova lei da defesa da

concorrência se mostra como um verdadeiro marco paradigmático na tutela do princípio

constitucional da livre concorrência e na vedação ao abuso do poder econômico. Eis que

se trata do instrumento, previsto pelo legislador constituinte, que define e estrutura o

antitruste no ordenamento jurídico brasileiro.

Na perspectiva apresentada, a nova lei de defesa da concorrência se constitui

como sendo um sistema reestruturado visando seu fortalecimento e consolidação em

consonância com os anseios da sociedade e do mercado conforme se encontram na

atualidade.

Percebe-se, entretanto, que se mostra fundamental a coordenação com políticas

públicas que venham a afirmar ainda mais a necessidade de concorrência para atingir-se

objetivos como a defesa do consumidor, a maior eficiência do mercado em si e, por fim,

atendendo políticas públicas desenvolvimentistas. Sendo, justamente, nesse último

ponto desenvolvida a continuação do presente trabalho.

246 FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2012. p.124.

81

4. A IDEIA DO DESENVOLVIMENTO

4.1 DESENVOLVIMENTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

A Constituição Federal de 1988 se mostra com caráter indubitavelmente

desenvolvimentista247, sistematizando dispositivos, conforme já fora abordado no

presente trabalho, em que busca estruturar jurídica e politicamente o sistema econômico

e a própria atuação do Estado nestes domínios. Tendo por nítido objetivo a

transformação das estruturas sociais sob fulcro de uma economia de mercado visando o

bem-estar social e a defesa de direitos fundamentais.

Já em seu preâmbulo248, a Carta Magna atribui ao desenvolvimento a patente

de valor supremo almejado e assegurado pelo texto constitucional que ali se inicia e

delineia. Sendo necessário explicar a ideia de valor supremo presente no texto da Lei

Maior, nos valemos dos ensinamentos do Professor José Afonso da Silva ao observar

que tais valores restados positivados “[...] cumprem função de generalizador, de

qualificador universal ou operador total, valem para a classe do termo referido249”. O

desenvolvimento se mostra como verdadeiro objetivo do Estado democrático ali

estabelecido.

Mais adiante, com real caráter jurídico, no art. 3º, II, o constituinte elege o

desenvolvimento como sendo objetivo fundamental da República Federativa do

247 Os professores Manoel Peixinho e Suzani Andrade Ferraro memoram que “o modelo brasileiro de

desenvolvimento – instrumentalizado pelo planejamento – busca minimizar as diferenças econômicas e

sociais, locais, regionais e nacionais (desenvolvimento equilibrado), no sentido de promover as bases e

condições para uma intervenção desenvolvimentista dirigida”. PEIXINHO, Manoel Messias; FERRARO,

Suzani Andrade. Direito ao desenvolvimento como direito fundamental. In: XVI Congresso Nacional

do CONPEDI, 2007, Belo Horizonte: Fundação Boiteux, 2007. Disponível em:

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/manoel_messias_peixinho.pdf>. Acesso em: 7 jan.

2014. p. 6967. 248 Eis o preâmbulo da Constituição Federal de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos

em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,

fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL.” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa

do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 249 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

p. 25.

82

Brasil250. O artigo em comento tem relação direta com as promessas estabelecidas no

preâmbulo, dando caráter efetivamente obrigatório ao valor que fundara a carta política.

Neste sentido, fundamental frisar que, diferentemente das constituições anteriores,

quando o conceito de desenvolvimento estava estritamente vinculado à ordem

econômica, ao deslocar sua posição a objetivo fundamental da república251, temos uma

perspectiva mais ampla do que venha a ser desenvolvimento252 (em consonância com a

compreensão mais atual do termo, conforme se verá por oportuno). A posição afirmada

pelo legislador ultrapassa a ideia de mero crescimento econômico253, vinculando o

conceito, também, a questões sociais, culturais e políticas254.

Rafael Macedo, ainda, nos complementa ao afirmar que esta elevação do

desenvolvimento à condição de valor supremo e objetivo fundamental da República

brasileira, se encontra em estreito alinhamento com o fato óbvio de que a Carta Magna

de 1988, como todo processo de rompimento com uma ordem constitucional anterior,

rejeita a realidade até então vigente e visa reestruturar e remoldar a estrutura econômica

do País. Sendo, tal característica, perfeitamente consonante com o caráter dirigente ou

programático da Lei Maior, ao eleger finalidades a serem perseguidas pelo Estado255.

Ainda sobre a abordagem desenvolvimentista e seu enfoque dado pela

Constituição Federal, interessante partir da observação aduzida por André Ramos

Tavares. Neste sentido, memora a fundamentalidade do desenvolvimento nacional como

objetivo do texto político e assevera que “obviamente que tal meta insere-se no contexto

250 Conforme a redação do art. 3º, II, da CRFB/88: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: (...)II - garantir o desenvolvimento nacional;(...)”. BRASIL. Constituição

(1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 251 Nos interessa, visando a efetiva compreensão da temática, o que ensina o professor José Afonso da

Silva: “Não se trata de objetivos de governo, mas do Estado Brasileiro, denominado ‘República

Federativa do Brasil’. Cada governo pode ter metas próprias de sua ação, mas elas têm que se harmonizar

com os objetivos fundamentais aí indicados. Se apontarem em outro sentido, serão inconstitucionais”.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p.

48. 252 André Ramos Tavares assevera que “o desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo

desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero avanço

econômico pouco significará, apenas fará sentido para poucos”. TAVARES, André Ramos. Direito

Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Método, 2011. p. 63. 253 “É neste sentido também que se fala, hoje, num direito ao desenvolvimento como forma de direito

fundamental de terceira geração voltado para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, ‘direito

humano inalienável em virtude do quê toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar

do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos

os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados’.” SILVA, José Afonso

da. Comentário Contextual à Constituição. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 49. 254 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

p. 48-49. 255 MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e

Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008. p. 111-112.

83

econômico da Constituição, embora nele não se esgote, já que o desenvolvimento há de

ser buscado igualmente em outras órbitas, como a social, a moral, a política e outras256”.

Sobre o aspecto econômico, a Constituição, conforme ensina o professor André

Elali, propõe uma busca pelo desenvolvimento através da mudança efetiva na situação

da economia nacional. Tomando como objetivo um estado em que haja equilíbrio entre

produção, distribuição e consumo das riquezas. Sendo impossível, na visão do

doutrinador, que o Estado seja considerado desenvolvido, se possui em sua estrutura

social as vertentes extremas e simultâneas de riqueza e pobreza257.

Assim, o entendimento acima transcrito nos servira apenas de ilustrativo para

uma obviedade a ser memorada de que todo o direcionamento do texto constitucional,

com especial destaque para a Constituição Econômica, deve se dar em função e com o

objetivo à uma interpretação pautada no desenvolvimento. Sendo desnecessário

memorar que a própria Constituição Econômica, já abordada neste trabalho, também,

deve seguir este processo hermenêutico. O desenvolvimento é enxergado na presente

abordagem como a razão de ser do Estado, de modo que caso a atividade estatal destoe

desse objetivo, haverá uma ferida frontal ao texto constitucional258.

Calixto Salomão Filho nos complementa, no retro afirmado, ponderando que os

princípios do art. 170 da Constituição Federal representam, senão, opções econômicas

básicas oferecidas à sociedade. Por conseguinte, a definição e opção no modo de segui-

las se dá através da interpretação e aplicação concreta dos princípios, quando ocorre a

verdadeira relação do seu conteúdo259.

Importante frisar que o desenvolvimento abordado em texto constitucional não

se restringe nos dispositivos trazidos até o presente momento, tendo sido, estes,

abordados por tratar de um espectro mais amplo do estudo aqui desenvolvido. Assim

sendo, por questão didática e complementar, pontuemos os demais dispositivos

presentes na Constituição Federal de 1988 que trazem em seu texto a preocupação

256 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Método, 2011. p.

132. 257 ELALI, André. Tributação e Regulação Econômica: Um exame da tributação como instrumento

de regulação econômica na busca da redução das desigualdades regionais. São Paulo: MP Editora,

2007. p. 68. 258 OLIVEIRA, Diogo. MENDONÇA, Fabiano. XAVIER, Yanko. A governança pública e o Estado

regulador brasileiro na efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento. In MENDONÇA,

Fabiano. FRANÇA, Vladimir. XAVIER, Yanko (Org.). Regulação econômica e proteção dos direitos

humanos: Um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008.

p. 72. 259 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In SALOMÃO FILHO, Calixto

(coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 40.

84

desenvolvimentista. Memoramos, neste sentido, os arts. 21, IX e XX, art. 43, caput, §

1º, I e II, art. 48, IV, art. 58, § 2º, VI, art. 151, I e art. 174, § 1º260.

Em nosso embasamento teórico para a discussão desenvolvimentista que segue,

cumpre trazermos à baila, também, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento da

Organização das Nações Unidas. Documento em que fora estabelecido o conceito de

desenvolvimento entendido em sua acepção mais ampla.

Em sua redação inicial, a declaração observa que o desenvolvimento tem por

objetivo o incremento do bem-estar da população como um todo e dos indivíduos, assim

respeitos, levando em consideração sua participação ativa e significativamente, fundada

na liberdade, ao processo de desenvolvimento. Estabelece, complementarmente, o art.

1º, ponto 1 da declaração, que “o direito ao desenvolvimento é um direito humano

inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a

participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político261”.

Além de restar previsto o entendimento do desenvolvimento visto como direito

fundamental em seu sentido mais amplo, ou seja, levando em consideração as múltiplas

faces deste processo, a declaração ainda atribui ao Estado a função importante neste

processo de busca pelo Desenvolvimento, através da formulação de políticas públicas

visando a sua condução e aprimoramento. Destarte, observa-se que esta ampla

260 “Art. 21. Compete à União: IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenamento do

território e de desenvolvimento econômico e social; XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento

urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; (...) Art. 43. Para efeitos

administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social,

visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. , § 1o. Lei complementar disporá

sobre: I – as condições para integração de regiões em desenvolvimento; II – a composição dos

organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos

nacionais de desenvolvimento econômico e social, aprovados juntamente com estes. (...) Art. 48. Cabe ao

Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos

arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: IV –

planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; (...) Art. 58. O Congresso

Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as

atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. § 2o Às comissões,

em razão da matéria de sua competência, cabe: VI – apreciar programas de obras, planos nacionais,

regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer (...) Art. 151. É vedado à União: I –

instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou

preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a

concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico

entre as diferentes regiões do País;(...) Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade

econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,

sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. .§ 1o A lei estabelecerá as

diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e

compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.” BRASIL. Constituição (1988).

Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 261 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.

Viena, 04 dez 1986. Disponível em: < http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-

Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html>. Acesso em: 08 dez 2013.

85

concepção do desenvolvimento foi inspiradora à Carta Magna de 1988, estando em

estreita ligação com a mesma.

Contudo, apesar da preocupação evidente do legislador constituinte em restar

amplamente tutelada a questão do desenvolvimento, o mesmo não demonstrou

preocupação com a definição instrumental necessária à efetivação ou à condução do

processo. Restando, o desenvolvimento constitucionalmente tutelado, como sendo

reflexo da Constituição em sua natureza programática262.

Apesar da sua incompleta concretude, parece evidente que o direito ao

desenvolvimento congrega e sintetiza em si os direitos fundamentais, “[...] na exata

medida em que aglutina a possibilidade de o ser humano realizar integralmente as suas

potencialidades em todas as áreas do conhecimento263”. O direito ao desenvolvimento

seria, então, um marco da nova compreensão conjuntural dos direitos fundamentais,

tendo como fundamento basilar o acesso e a participação em políticas públicas,

conforme se verá adiante.

Interessante pontuar que, em que pese esta fundamentalidade do direito ao

desenvolvimento, em termos pragmáticos, a retomada da discussão desenvolvimentista

no Brasil é claro resultado da crise enfrentada pelo Estado brasileiro. Não há como,

pois, pensar em desenvolvimento sem a devida reflexão sobre os rumos tomados pelo

País, nestes termos, após a Carta Magna de 1988. É salutar a observação introdutória de

que as crises enfrentadas pelo Estado brasileiro só serão superadas com uma efetiva

reestruturação do Estado, tomando como finalidade a real consecução dos objetivos

traçados pela Constituição Federal e a efetividade plena do direito fundamental ao

desenvolvimento264.

262 Rafael Macedo observa que “em crítica às normas programáticas, Carl Schmitt afirmava que a

Constituição de Weimar, também dirigente, embora contivesse uma série de decisões políticas

fundamentais ao povo alemão, possuía em seu texto uma série de compromissos que constituíam na

prática, um adiamento de decisão. Esses compromissos, denominados de compromissos dilatórios

(dilatorischen Formelkompromib), eram resultados de disputas partidárias que somente adiariam a

decisão sobre determinados temas”. MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento

de implementação de políticas públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação

(Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.

p. 114. 263 OLIVEIRA, Diogo. MENDONÇA, Fabiano. XAVIER, Yanko. A governança pública e o Estado

regulador brasileiro na efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento. MENDONÇA,

Fabiano André de Souza. Hermenêutica Constitucional da Ordem Econômica Regulatória:

Princípios. In MENDONÇA, Fabiano. FRANÇA, Vladimir. XAVIER, Yanko (Org.). Regulação

econômica e proteção dos direitos humanos: Um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza:

Fundação Konrad Adenauer, 2008. p. 71. 264 BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. In CARDOZO, José

Eduardo. QUEIROZ, João Eduardo. SANTOS, Márcia (Org.). Curso de Direito Administrativo

Econômico. Vol. II. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 39.

86

Entretanto, em retorno à clara indefinição conceital, cumpre tratarmos no

tópico vindouro as múltiplas teorias acerca do desenvolvimento, desde sua compreensão

liberal clássica ao entendimento pós-liberal do desenvolvimento como liberdade, na

busca de uma proposta teórica condizente com o ordenamento constitucional vigente.

4.2 CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO

Diante do exposto e em continuidade à busca dos resultados pretensos no

presente estudo desenvolver-se-á, neste tópico, uma abordagem teórica visando

delimitar um conceito de desenvolvimento que se mostre atual e aplicável à realidade

brasileira.

O conceito de desenvolvimento, entre os doutrinadores, se mostra de maneira

uníssona como de difícil precisão. Analogamente ao que ocorre com as demais ideias

expostas no presente trabalho (o significado de democracia e livre concorrência e suas

múltiplas facetas ao longo da história), a definição aqui pretensa é encarada, também, de

maneira diversa frente a realidades históricas distintas e necessidades contrastantes,

cambiáveis em relação ao tempo e ao espaço. Afinal, cada economia enfrente problemas

próprios e específicos decorrentes de suas próprias peculiaridades.

Inicialmente, com base na percepção apontada acima, a Professora Mônica

Teresa Costa Sousa observa que algumas mudanças ocorreram na ciência econômica e

sua compreensão, até que se chegasse efetivamente à problemática do

Desenvolvimento. Em que pese o fato de que a preocupação com questões inerentes ao

estudo econômico existir desde a antiguidade, a economia só passara a ser encarada

como ciência independente a partir do século XVII. A Economia Política, por sua vez,

se tornaria ciência autônoma apenas a partir dos pressupostos de Adam Smith265.

Como precursores da preocupação com o desenvolvimento, Carolina Munhoz

aponta os autores mercantilistas e os fisiocratas que, conforme afirma, “[...] dedicaram

parte de suas reflexões para as causas da riqueza de uma nação266”.

Os mercantilistas sustentavam a ideia de que a riqueza de uma nação se

estabelecia no fluxo de metais preciosos, com especial destaque no ouro e na prata.

265 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 32. 266 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 20.

87

Sendo fundamental a atuação do Estado com o intuito de se obter uma balança

comercial positiva. Esta percepção resultara em um franca expansão do comércio

internacional e, por conseguinte, um maior crescimento econômico. Entretanto, em

virtude da inexistência da ideia de criação de novas riquezas e do fato de que tal ideário

resultara, naturalmente, no intenso protecionismo interno, o desenvolvimento restara

prejudicado. A professora retro mencionada complementa afirmando que a excessiva

intervenção estatal na economia, decorrente da responsabilidade de acumulo de ouro e

prata, “[...] acabou se traduzindo na proteção da indústria e do comércio externo, em

detrimento das atividades agropecuárias267”.

A resposta à forma de atuação estatal mercantilista268 se deu com o surgimento

dos fisiocratas franceses, que combatiam a doutrina em comento e propunham que a

atuação do Estado se desse de maneira mais liberal269.

Assim, a análise fisiocrata ultrapassava o enfoque meramente comercial,

enxergando também o processo produtivo em si, “[...] pois entendiam que o comércio e

a indústria apenas transformavam valores, enquanto apenas a agricultura poderia gerar o

produto líquido270”. Diante desta percepção, se contrapunham ao fato de que a atuação

estatal prejudicava a agricultura ao privilegiar apenas o comércio e a indústria,

enfatizando que a “[...] promoção da agricultura, cujo aumento de produtividade poderia

impulsionar o crescimento do resto da economia271”.

A professora Mônica Sousa, em sua análise, observa que o grande equívoco da

escola fisiocrata fora enxergar como sendo a classe produtiva, apenas aquela ligada à

267 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 30-31. 268 A Professora Mônica Sousa afirma, como contraponta, que “com efeito, o Mercantilismo assegurou

não o desenvolvimento amplo das metrópoles, mas a acumulação de riqueza por parte do Estado e de

poucos financiadores da atividade comercial, vez que grande parte da população estava imersa em um

estado de pobreza pouco melhor ao do Feudalismo. Porém, a classe trabalhadora não estava mais adstrita

à terra e podia oferecer sua força de trabalho a qualquer empreendedor; se lhe restasse a condição de

mendicância, poderia contar com o amparo do Estado, de forma precária. Além disso, é durante o período

mercantilista que se afirma a evolução do capitalismo e se destaca a figura do comerciante”. SOUSA,

Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 39. 269 Ainda, afirma Mônica Sousa que a fisiocracia “[...] é a primeira escola econômica a acolher o

liberalismo (neste sentido, como liberdade de empreendimento, concorrência e iniciativa) e o

individualismo como valores essenciais. Os fisiocratas, cidadãos franceses liderados por François

Quesnay, depreenderam estudos acerca da vida econômica da época (entre 1756 e 1778). Influenciaos

pelo Racionalismo, fazem-se ouvidos e encerram suas ideias na determinação de uma ordem econômica

natural solidamente vinculada à terra”. SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento.

Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 40. 270 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 31. 271 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 31.

88

agricultura. Agindo com menosprezo em relação à importância da indústria e do

beneficiamento de bens. Por outro lado, continua, “[...] além de consolidar os princípios

do direito à propriedade e da liberdade econômica como essenciais ao processo de

desenvolvimento econômico [...]272”, a escola fisiocrata fora a primeira a fundamentar a

Ciência Econômica.

Também em contraposição ao mercantilismo, com um ideário semelhante ao

esposado pelos franceses da escola fisiocrata, o escocês Adam Smith se mostra o

primeiro a desenvolver a teoria desenvolvimentista e, em seus pensamentos, tem-se o

marco inicial da economia política. Deste modo, em sua célebre obra “A Riqueza das

Nações”, datada de 1776, apresenta a ideia de que o trabalho produtivo se constituiria

como elemento fundamental no processo de aumento de riqueza nacional, sendo, tal

modalidade de trabalho, o que resulta na produção de um excedente de valor sobre o

custo da produção273.

O renomado economista brasileiro, Celso Furtado, afirma que a obra do

escocês se ocupa vastamente do estudo da produção. Partindo, o mesmo, de um

questionamento sobre o motivo pelo qual cresce o produto social. Neste norte, “atribui a

causa desse fenômeno à divisão do trabalho, à qual empresta três virtudes: aumento de

destreza no trabalho, economia de tempo e possibilidade do uso de máquinas274”. Tal

divisão do trabalho, na obra de Smith, se originaria de uma tendência humana natural de

negociar e trocar coisas por outras275. Desta forma, “como o trabalhador não pode

produzir todos os bens necessários à sua sobrevivência, produz aqueles para os quais

possui habilidade ou recursos produtivos, adquirindo os que não pode produzir276”.

Nesta visão, o desenvolvimento dos mercados e sua maior amplitude

possibilitariam a maior especialização do processo produtivo e a determinação do nível

de lucros, acumulação e velocidade do progresso técnico. O acúmulo de capital

272 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 42. 273 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 31. 274 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

31. 275 Celso Furtado condena as conclusões chegadas por Adam Smith sobre a suposta tendência natural do

homem pele comércio. Após sua exposição supra transcrita, complementa afirmando que “depois dessa

saída tão feliz, a análise de Smith baixa bruscamente de nível: afirma que a divisão do trabalho é

resultado da ‘propensão do homem para comerciar’ e que o tamanho do mercado limita a divisão do

trabalho. Caímos, assim, num círculo vicioso, pois o tamanho do mercado depende do nível de

produtividade, este última da divisão do trabalho, a qual por seu lado depende do tamanho do mercado”.

FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p. 31. 276 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 31.

89

resultaria, por sua vez, na demanda de trabalho e na sua oferta em longo prazo. O

aumento dos salários aumentaria o tamanho do mercado, facilitaria a divisão do trabalho

e resultaria no reinício do processo de crescimento277278.

O modelo apresentado não vê obstáculos e toma impulso na poupança e sua

transformação em investimentos279. Assim, em síntese, o processo de desenvolvimento

se relacionaria com uma preocupação com o que a doutrina chama de “estado

estacionário280”. Sendo necessário que se elevasse o bem-estar da sociedade antes que a

economia encontrasse este estado ao qual se caminhava progressivamente.

Oportunamente retornaremos ao cerne das ideias de Adam Smith e sua

importância para as modernas concepções de desenvolvimento. Entretanto, no presente

momento, foram observadas as ideias que precederam os estudos sobre o

desenvolvimento, bem como o marco teórico do surgimento da economia política e dos

estudos sobre o desenvolvimento na obra de Adam Smith.

É evidente que ao longo da evolução histórica da ciência econômica, vários

foram os teóricos e as teorias que se preocuparam com o ideário relacionado ao

desenvolvimento como objeto de estudo. Entretanto, dado o conceito aqui pretenso e o

objeto final do presente estudo, apenas nos interessa pontuar rapidamente os principais

expoentes neste sentido.

277 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 32. 278 Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer pontua que “a concepção clássica de desenvolvimento está

intimamente relacionada com o crescmento econômico. Assim, em tal perspectiva interessa

fundamentalmente a riqueza global gerada no país, sendo essencial a acumulação de capital por meio da

poupança interna e externa. Ademais, tal concepção preconiza um modelo único de desenvolvimento,

sustentando que os países têm que passar por determinados estágios para alcançar a condição de

desenvolvidos”. PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José

Rodrigo (org.). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo:

Saraiva, 2011. p. 17. 279 Mônica Sousa explicando Adam Smith, afirma que “importante contribuição de Smith para a teoria

econômica é a relevância atribuída pelo autor à divisão do trabalho, essencial para a promoção da riqueza

das nações e do bem-estar coletivo. A divisão do trabalho não decorre da sabedoria humana, mas sim de

uma característica essencial do homem, a propensão para a troca. Nesta divisão repousa a certeza do

progresso da sociedade. Em vez de contar apenas com suas habilidades pessoais, cada indivíduo pode

adquirir uma parcela de produção dos talentos de outros indivíduos, na medida de suas necessidades,e o

efeito material da divisão do trabalho é o aumento de produtividade. Quando se deseja algo, e para que se

possa obter o que se deseja, pode-se oferecer algo em troca. A diversidade da produção e dos ofícios

proporciona a distribuição de riqueza até as camadas mais baixas da população; a relação entre trabalho e

riqueza é muito estreita, pois uma vez que a riqueza nacional aumente, cresce também a procura por

trabalhadores”. SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora,

2011. p. 54-55. 280 Podendo ser compreendida como a situação em capital, população e produto param de crescer gerando

a queda de salários e taxas de lucro.

90

A doutrina, também, atribui certo destaque às teorias levantadas por David

Ricardo, economista da Escola Liberal Clássica, cuja obra sofrera profunda influência

da obra de Adam Smith, tendo sido seu principal discípulo.

Sua teoria complementa e aperfeiçoa o que estabelecera Smith. Ou seja, apesar

de também tratar a questão do desenvolvimento e da formação da riqueza nacional, não

se limita nestes tópicos e teoriza, também, sobre a questão de distribuição de riqueza

entre capitalistas, trabalhadores e proprietários de terras, além da determinação de leis

que tivessem por objetivo tutelar tal distribuição.

Com relação aos estudos sobre a questão do desenvolvimento em si, Mônica

Sousa afirma que Ricardo, tratando o desenvolvimento, em analogia ao conceito de

crescimento econômico, “[...] sustentava que este não poderia ser promovido apenas

pela agricultura, pois esta atividade era incapaz de, exclusivamente, prover alimentos

suficientemente baratos para os trabalhadores281”. Deste modo, defendia que a maior

concentração de renda deveria ocorrer nas mãos dos capitalistas, levando-se em

consideração que estes seriam responsáveis por aumentar a oferta de trabalho, gerando,

assim, crescimento econômico. Nos dizeres da professora, esta lógica se justificaria pois

“o aumento da capacidade de produção, que era gerado pelo acúmulo de renda dos

capitalistas, diminuiria constantemente o preço dos bens produzidos, aumentando-se,

assim a riqueza nacional282”.

Complementarmente, aqui se vale do que ensina Carolina Munhoz, afirma que

a grande preocupação de Ricardo seria a determinação de leis que tivessem por objetivo

regular a distribuição do produto entre as partes da relação econômica (capitalistas,

trabalhadores e proprietários de terras) na forma de renda, lucros e salário. Tal

distribuição, assim, “[...] dependeria principalmente da fertilidade do solo, da

acumulação de capital e do crescimento demográfico283”. Partia o economista do

pressuposto de que as proporções da produção seriam fixas e que a acumulação de

capital resultaria na contratação de trabalhadores, sendo o contrário também defeso.

Em síntese necessária, a doutrina clássica de David Ricardo284 sustenta que o

desenvolvimento ocorre em observância a dois aspectos essenciais. Sendo eles, a

281 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 69. 282 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 69. 283 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 33. 284 Cumpre trazer em termos técnicos econômicos, a explicação do economista Celso Furtado em análise

da obra de Ricardo. Afirma que “Ricardo, grande ideólogo da classe industrial inglesa, argumentava que a

renda da terra tendia a crescer toda vez que se utilizavam terras de inferior qualidade. Por outro lado,

91

divisão do trabalho e a busca e o respeito aos interesses individuais. Ambos convergem,

por fim, no interesse comum e no bem-estar da sociedade, tendo em vista que “[...] o

bom funcionamento do sistema econômico não depende da boa vontade, mas de

vantagens que o indivíduo espera obter com o seu trabalho285”.

Interessante afirmar que a obra de Ricardo influenciara profundamente o

Marxismo, ao mesmo tempo em que se mostrava como o economista preferido de

grandes liberais.

Sobre a relevância das obras de economia clássica para o desenvolvimento da

teoria marxista, Karl Marx em sua análise sobre a estrutura e crises do sistema

econômico, discutiu, também, a ideia do crescimento econômico capitalista e do seu

funcionamento. Figurando em polo contrário das doutrinas econômicas, “[...] o autor

entendia que a trajetória temporal de crescimento se dava com declínio da taxa de lucro

e com conflito distributivo286”.

Em sua teoria, a mercadoria passa a ser enxergada como um objeto útil para si

(valor de uso) e útil para outrem (valor de troca), e o trabalho passa a ser analisado

como uma mercadoria comprável. O trabalho é, em Marx, tão importante quanto se

apresenta na análise de Smith. Entretanto, ao passo que, para este, o trabalho era tido

como expressão máxima da liberdade e do interesse próprio. Para aquele é encarado

como mercadoria explorada no sistema capitalista287.

Carolina Munhoz ensina que a análise marxista se constrói tendo por base a

teoria do valor-trabalho, onde a quantidade de trabalho realizado para a produção de um

bem se constitui como a base para o seu valor de troca. Assim, ao mensurar-se o

trabalho como sendo um valor, toda a renda que não decorresse dele, seria condenável.

seguindo o ‘princípio de Malthus’, dizia que a população tendia a crescer sempre que o salário operário

subia de nível – como ocorria nos países de colonização recente – os salários eram altos e os lucros,

elevados. O ritmo de acumulação teria que ser grande e a renda do solo, baixa. Salários altos

significavam, entretanto, crecimento rápido da população e utilização de terras de qualidade inferior.

Crescendo o preço dos alimentos, aumentava o custo da mão de obra ao mesmo tempo que subia a renda

da terra. Dessa forma, a produtividade média da população ocupada tendia a baixar ao mesmo tempo que

a renda da terra se elevava. Os salários desciam ao nível de subsistência e os lucros tendiam a

desaparecer. Com esse modelo Ricardo estabelecia dois princípios de grande alcance prático. O primeiro

era que a elevação dos salários pressupunha uma acumulação de capital, não podendo ser feita com

sacrifício dos lucros dos empresários; o segundo era que a classe de proprietários de terras constituía um

peso social crescente, o qual só podia ser reduzido mediante uma política de livres impostações de

produtos agrícolas”. FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2009. p. 32. 285 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 70. 286 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 37. 287 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 71.

92

Pois consubstanciaria fruto da exploração da classe operária288. A este excedente restou

a denominação de mais valia.

A visão de Marx não se mostrava em nada otimista289. Entendia que o processo

de crescimento de uma economia capitalista só poderia ocorrer com o desemprego

decrescente dos trabalhadores, aliado, ainda, a concentração de renda e riqueza.

Condenava, ainda, o próprio processo de evolução tecnológica, sob a ótica de que este

fenômeno geraria maior evolução para o capital constante (representando o valor dos

meios de produção) e agravaria a situação dos trabalhadores em si.

Celso Furtado observa que Marx chega à conclusão, que embasa

filosoficamente sua obra, de que “[...] a produção dos meios de subsistência do homem

é um fato social do qual decorrem as relações de produção determinadas e necessárias e

que essas relações correspondem ao grau de desenvolvimento das forças produtivas290”.

Diante deste posicionamento, a teoria do autor se desenvolve no sentido de identificar as

relações de produção que se mostram como fundamentos do sistema capitalista e

determinar fatores que agem no sentido de desenvolvimento de tais forças produtivas,

em outras palavras, fatores que sejam utilizados para a superação deste sistema

econômico.

Entretanto, apesar dos esforços do teórico, e da confusão que possa causar a

análise do desenvolvimento das forças de produção em detrimento de uma efetiva teoria

do desenvolvimento, Furtado pondera que “[...] sua preocupação está voltada para a

busca da ‘lei que move o sistema capitalista’ e não propriamente para o

‘desenvolvimento’ de um sistema econômico291”.

288 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 37. 289 Afirma Carolina Munhoz, em sua abordagem sobre a teoria marxista que “evolução e crescimento

seriam então fenômenos de desequilíbrio, decorrentes do progresso técnico, que também produz

modificações nas relações de produção. O progresso técnico gera períodos de prosperidade, e as

contradições internas do modo de produção causam crises dentro do sistema capitalista, que são cada vez

mais longas, formando uma trajetória cíclica. As crises geram conflitos entre os agentes econômicos –

trabalhadores e capitalistas – que influenciam o desempenho futuro da economia. Dentro desse processo,

a procura por soluções para esses conflitos leva à modificação das estruturas sociais e econômicas. ‘O

caráter contraditório da expansão capitalista está na ampliação dos meios de produção, com a deterioração

simultânea do poder de compra dos trabalhadores’. E é justamente o aumento cada vez maior dessa

contradição que acarreta na dissolução dessa relação, o que implica que os meios de produção, segundo

Marx, tornem-se sociais, coletivos e gerais. Em outras palavras, a tendência do sistema é de se destruir no

longo prazo, dando origem à sociedade socialista.” MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre

Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo: Lex Editora S.A., 2006. p. 40. 290 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

37. 291 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

45.

93

Assim, retorna-se ao ponto já trazido no presente estudo, da compreensão de

Marx que o desenvolvimento do sistema capitalista acabaria por levar,

automaticamente, à sua superação292.

Em contraposição à visão pessimista de Marx, os economistas da escola

neoclássica se apresentavam com uma visão deveras otimista do processo de condução

do sistema capitalista e, por conseguinte, do processo desenvolvimentista ancorado

neste regime.

Celso Furtado ensina que o enfoque neoclássico se frutificou como resultante

de esforços para contornar as dificuldades criadas pela teoria marxista, ao teorizar sobre

a relação valor-trabalho. Tendo sido, esta teoria, a bandeira levantada pelo movimento

socialista em sua batalha contra o sistema capitalista293.

Ensina o professor que a teoria do desenvolvimento passível de extração dentre

os pressupostos desta escola é de simples delimitação e síntese, seguindo a fórmula de

que o aumento da produtividade do trabalho é resultante da maior acumulação de

capital, sendo esta, por sua vez, relacionada com a dependência da “[...] taxa antecipada

de remuneração dos novos capitais e do preço de oferta da poupança294”. O acúmulo de

capital e o consequente aumento de salários apresenta a tendência de aumentar a

participação dos trabalhadores assalariados no produto e, por conseguinte, reduzir a taxa

de rentabilidade do capital. Como resultado da diminuição do “preço de procura” do

capital, “[...] haveria desestímulo à poupança e consequentemente redução no ritmo de

acumulação de capital295”. Assim, observa que o desenvolvimento na perspectiva dos

neoclássicos se subsume na ideia de afastamento do ponto ou da posição de equilíbrio,

sendo, este, apenas um instrumento de análise para tais teóricos.

O economista conclui sua abordagem sobre a referida escola, afirmando que o

pensamento neoclássico seria “maximizador”. Ou seja, o seu grande diferencial reside

292 Neste sentido, complementa Celso Furtado que “essa é uma tese filosófica, decorrente da conjunção

que faz Marx da dialética hegeliana com as doutrinas socialistas francesas, por ele absorvidas ainda em

sua juventude. Do grande esforço que fez Marx para fundamentar na análise econômica essa tese

filosófica, resultou a sua tese de acumulação capitalista. Parecia ter ele consciência de que era possível

formular uma teoria mais ampla do desenvolvimento econômico, mas limitou a sua atenção ao caso

específico do ‘movimento da sociedade capitalista’.” FURTADO, Celso. Desenvolvimento e

Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p. 45. 293 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

59. 294 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

62. 295 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

62.

94

nas ideias de que todos os agentes tendem a maximizar ou otimizar a posição em que se

encontram296.

Em continuidade à abordagem da escola neoclássica, Carolina Munhoz resume

que para os adeptos desta teoria o crescimento econômico, confundido com

desenvolvimento, “[...] geraria distribuição de equitativa para todos os agentes

econômicos segundo sua contribuição ao processo produtivo, e os frutos do progresso

técnico seriam distribuídos aos proprietários dos fatores de produção297”, segundo sua

produtividade.

Ainda, afirma que esta abordagem toma por base seis pressupostos teóricos

bem definidos, a saber: a concorrência perfeita e plena disponibilidade de emprego em

todos os mercados, a economia fechada e sem governo, a função de produção com

rendimentos constantes variando os fatores simultaneamente e rendimentos decrescentes

quando se altera apenas um fator, a economia produzindo um único bem (que engloba

fatores de capital fixo, trabalho e terra), e, por fim, a homogeneidade dos fatores,

passíveis de divisão e imperfeitamente substituíveis entre si298.

Observe-se que, em que pese o excessivo otimismo que marcava a doutrina

neoclássica, ainda permanecia, em seu corpo, a indistinção entre crescimento

econômico e desenvolvimento econômico. Nesta seara, se apresenta com especial

destaque (e enorme contribuição dentro da teoria neoclássica) a “Teoria do

Desenvolvimento Econômico” de Joseph Schumpeter.

Schumpeter, em sua obra, além de diferenciar o crescimento econômico do

efetivo processo desenvolvimentista299, pondera que o elemento essencial na busca do

desenvolvimento é a inovação300. Assim, a economia de um país seria marcada por

296 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

67. 297 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 35. 298 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 36. 299 “O Economista também se preocupa com o aspecto qualitativo, uma vez que entende que o

desenvolvimento não equivale apenas ao crescimento econômico decorrente do aumento da população e

da riqueza. Trata tais fenômenos como simples mudanças nos dados. Preocupa-se efetivamente com os

fenômenos qualitativamente novos, que realmente tragam mudanças. Assim, a inovação surge na teoria

schumpeteriana como um impulso interno capaz de propiciar ciclos que culminem em desenvolvimento, e

não mera mudança de dados (ou seja, aumento da população e da riqueza).” PFEIFFER, Roberto Augusto

Castellanos. Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). Fragmentos para um dicionário

crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 20. 300 Schumpeter afirmar que “entendermos por ‘desenvolvimento’, portanto, apenas as mudanças da vida

econômica que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam de dentro, por sua própria iniciativa. Se

se concluir que não há tais mudanças emergindo na própria esfera econômica, e que o fenômeno que

chamamos de desenvolvimento econômico é na prática baseado no fato de que dos dados mudam e que a

95

ciclos diversos, variáveis entre intensa atividade e estagnação (este último resultaria em

“estado estacionário” da sociedade, onde oferta e demanda se equivaleriam). O processo

de desenvolvimento ocorreria com o surgimento de um processo de inovação, podendo

ser uma descoberta científica ou tecnológica, um novo processo produtivo ou

produto301.

A grande contribuição da teoria schumpeteriana reside na mudança de enfoque

na abordagem. Sua preocupação toma corpo na capacidade que o empresário tem de

transformar o processo produtivo302, sendo o empreendedor a principal força dos

processos de crescimento econômico e desenvolvimento.

Apesar de considerar as ponderações desenvolvimentistas schumpeterianas

como insatisfatórias na explicação deste processo303, Furtado memora que “observando

o processo econômico basicamente do lado da produção, Schumpeter encontrou-se em

magnífica posição para perceber a importância do progresso tecnológico como fator

dinâmico da economia capitalista304”. Sendo, conforme afirma, neste ponto que resulta a

tamanha atualidade desta teoria no campo econômico.

Sintetizando a teoria em comento, Carolina Munhoz assevera que a mesma se

dava de maneira cíclica, constituindo-se basicamente em quatro fases. Seriam a

economia se adapta continuamente a eles, então diríamos que não há nenhum desenvolvimento

econômico. Pretenderíamos com isso dizer que o desenvolvimento econômico não é um fenômeno a ser

explicado economicamente, mas que a economia em si mesma sem desenvolvimento, é arrastada pelas

mudanças do mundo à sua volta, e que as causas e portanto a explicação do desenvolvimento devem ser

procuradas fora do grupo de fatos que são descritos pela teoria econômica. Nem será designado aqui

como um processo de desenvolvimento o mero crescimento da economia, demonstrado pelo crescimento

da população e da riqueza. Pois isso não suscita nenhum fenômeno qualitativamente novo, mas apenas

processos de adaptação da mesma espécie que as mudanças nos dados naturais. Como desejamos dirigir

nossa atenção para outros fenômenos, consideraremos tais incrementos como mudanças de dados”.

SCHUMPETER, Joseph. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril cultural, 1982. p.

47. 301 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.).

Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19. 302 Roberto Pfeiffer afirma que “na teoria de Schumpeter há grande destaque para a figura do

empreendedor, ou seja, o agente econômico dotado de liderança e pioneirismo que, ao introduzir uma

inovação, perturba o equilíbrio do fluxo circular, sendo, assim, o motor do desenvolvimento econômico”.

PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.).

Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19. 303 O renomado economista brasileiro assevera que “uma teoria do desenvolvimento deve ter por base

uma explicação do processo de acumulação de capital, Schumpeter criou dificuldades à percepção de

conjunto do problema. A teoria das inovações é de enorme importância mas conduz a equívoco pretender

formulá-la independente da teoria de acumulação de capital. Ora, o processo de acumulação de capital

não pode ser explicado mediante uma formulação puramente abstrata, pois está intimamente ligado ao

sistema de organização da produção, às formas de distribuição e utilização da renda, enfim, à estrutura

econômica.” FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto,

2009. p. 75-76. 304 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

70.

96

ascensão, quando o produto atinge seu nível máximo, a recessão, quando tem início o

declínio do nível de atividade (posterior ao pico), a depressão, representando a queda do

nível do produto até o seu ponto mínimo e, por fim, a recuperação, quando o processo

ascendente se reinicia, sendo, este último ponto, o processo de recuperação e

desenvolvimento da economia305.

Conforme já afirmado, a teoria de Joseph Schumpeter fornece à teoria do

desenvolvimento e à ciência econômica grandes contribuições ao atribuir valor ao

empreendedor. Assim, no processo de desenvolvimento se encontra um relevante

espaço para a inovação, o progresso tecnológico e a capacitação e treinamento da mão

de obra. O desenvolvimento mostra-se, aqui, como um processo alternante e cíclico, não

sendo permanente, mas motivado pelas próprias necessidades da economia quando se

encontrasse em seu ciclo de depressão.

Outra abordagem teórica de profundo valor para o estudo do desenvolvimento

fora realizada pelo economista John Maynard Keynes, este, contemporâneo de Joseph

Schumpeter.

O cenário histórico da Grande Depressão306, ocorrida na década de 1930, se

mostrou como o impulso necessário para a propagação da teoria Keynesiana em “A

teoria geral do emprego, do juro e da moeda”. Nesta obra, o economista delimita sua

teoria em sentido contrário ao laissez-faire pregado pela economia liberal clássica e

passa a defender uma intervenção do Estado visando conduzir a economia e o mercado.

Defendia que “[...] o Estado deveria regular a atividade econômica, complementando a

iniciativa privada na questão dos investimentos e suavizando as flutuações econômicas,

o que evitaria a estagnação em longo prazo307”.

Keynes focou sua obra em uma abordagem “[...] macroeconômica do pleno

emprego, nos fatores do crescimento do investimento e nos seus impactos sobre a renda

305 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 42. 306 Sobre este aspecto histórico, a professora Mônica Teresa Costa Sousa afirma que a teoria de Keynes

fora elaborada tendo como palco a Europa do primeiro pós-guerra, quando “os Estados davam mais

importância às indenizações pagas pelos vencidos que aos rumas da economia. As finanças públicas

estavam desarticuladas e o comércio foi fatalmente atingido pela guerra. O laissez-faire agonizava, e uma

intervenção do Estado parecia inevitável. Já agitado pelo confronto armado que mal acabara, o mundo se

depara com uma crise econômica sem precedentes, que inicialmente abala o mercado e a economia

americana, mas que se espalha por outros países. A Grande Depressão culmina com a quebra da Bolsa de

Valores de Nova York, em 1929, e de acordo com Keynes, houve uma superprodução geral da economia,

que fez com que as ações das empresas cotadas na bolsa apresentassem um valor nominal em relação à

realidade empresarial. Este aumento da produção ocasionou a tão conhecida “quebra da bolsa de valores”,

e, como quase sempre acontece, afetou os países mais pobres”. SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e

Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 73. 307 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 73.

97

e o emprego308”. O objetivo final de sua teoria consistia em descobrir as causas para os

câmbios no volume de emprego em dados momentos. Sendo tal análise relevante, pois

facilitaria a própria delimitação do nível de atividade na economia, tomando por base

que em curto prazo emprego e produção são conceitos estritamente vinculados309.

Sua proposta desenvolvimentista se sustentava na premissa de que caberia ao

Estado a função de regular a economia310, evitando a estagnação a longo prazo, ao

procurar suavizar as flutuações econômicas, complementando a iniciativa privada com

relação à investimentos.

Ato contínuo, em nossa percepção histórica das teorias desenvolvimentistas,

convém destacar os câmbios ocorridos no período posterior à segunda guerra mundial,

pontualmente nas décadas de 60 e 70, quando os países subdesenvolvidos passaram a

reivindicar, em um cenário amplo internacional, maior ajuda e colaboração dos países

desenvolvidos. A América latina se apresentava em uma realidade complexa, em

virtude de fatores diversos que afetavam diretamente a economia e o nível de

desenvolvimento dos países. Assim, os estudos econômicos mudaram o foco de suas

preocupações e passaram a pesquisar a origem e como se dava o subdesenvolvimento,

ao invés de se concentrar na abordagem causal do desenvolvimento.

Dentre estas correntes que estudavam o fenômeno do subdesenvolvimento,

podemos destacar os trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina e o

Caribe, conhecida por CEPAL, órgão da Organização das Nações Unidas que tinha por

objetivo pesquisar e elaborar estudos sobre o crescimento e desenvolvimento da região.

O Professor Gilberto Bercovici ensina que para a CEPAL, o desenvolvimento e

as políticas para sua implementação devem ter por fundamento uma interpretação

autêntica e realística da América Latina, não podendo limitar-se à cópia de modelos

308 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 43. 309 Neste ponto, Celso Furtado afirma que “aqui encontra Keynes, uma das chaves para o problema do

desemprego: a diversidade entre os motivos que induzem a poupar e aqueles que levam a inverter.

Sempre que numa economia o impulso para inverter não seja suficientemente forte para absorver toda

poupança que se forma, haverá desemprego”. FURTADO, Celso. Desenvolvimento e

Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p. 78. 310 Neste ponto, interessante trazer complementação feita pela professora Carolina Munhoz. Afirma que

fora esta questão da intervenção estatal na economia que resultara na maior controvérsia à época, “[...]

pois defendia o autor que se o governo de um país deseja o pleno emprego, seria necessário promover o

investimento em negócios, principalmente através da redução da taxa de juros, ou então do encorajamento

do aumento de consumo, especialmente por meio de uma política de tributação destinada a melhorar a

distribuição de renda. Outra alternativa seria o governo, ele mesmo, tomar a iniciativa de grandes

despesas de investimento público, através, por exemplo, de grandes obras. Isso implicaria, bem

reconheceu o autor, numa ação governamental em escala e forma nunca antes vistas.” 310 MUNHOZ,

Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo: Lex Editora

S.A., 2006. p. 44.

98

externos. Pontua, ainda, que o ideário cepalino de Estado como promotor do

desenvolvimento, realizado através do planejamento com grande destaque à integração

do mercado interno e à “[...]internalização dos centros de decisão econômica311”, além

do discurso de reformismo social, foram integralizados e incorporados pelos

desenvolvimentistas brasileiros312.

Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer observa que existem duas correntes na

tradição cepalina. A primeira, denominada de estruturalista313, defende a ideia de que as

estruturas influenciam o desenvolvimento, e este não se resumiria ao crescimento

econômico, mas, igualmente à distribuição de renda. A segunda corrente, por sua vez,

também enxerga o desenvolvimento de maneira conjunta e integrada, sob uma

perspectiva econômica e sociológica, observando a questão da dependência econômica

sob uma perspectiva de distinção entre países de centro e de periferia314.

Em retorno ao primeiro e mais difundido315 conceito, o estruturalismo, segundo

Bercovici, “[...] busca destacar a importância dos ‘parâmetros não-econômicos’, ou seja,

devem-se compreender as estruturas sociais para se entender o comportamento das

variáveis econômicas, especialmente nas economias subdesenvolvidas316”. Calixto

Salomão Filho pontua que para seus defensores seria impossível imaginar que uma

mesma teoria econômica, criada e aplicada na realidade de países desenvolvidos,

pudesse ser transposta para os países subdesenvolvidos. Inclusive, observa, o

311 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

48. 312 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

48. 313 Continua sua abordagem, afirmando que os defensores da corrente “[...]preconizam a modificação

estrutural da matriz econômica dos países subdesenvolvidos. Constatam, assim, que a maior parte de tais

países (em especial na América Latina) possuía uma estrutura econômica baseada na especialização em

exportação de matérias-primas (commodities) produzidas em latifúndios e uma estrutura social dominada

por uma pequena classe alta e diminuta classe média, com baixo nível de consumo. Defendem, desse

modo, mudanças que conduzam ao desenvolvimento ‘para dentro’, constituída principalmente pela

substituição das importações e internalização dos circuitos de reprodução e realização de valor”.

PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.).

Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21. 314 “Tal vertente alude à noção de dependência e de subdesenvolvimento, que não seria apenas uma etapa,

mas um grau ou diferenciação do sistema produtivo. Defende, assim, a tese de que entre os países

desenvolvidos e os subdesenvolvidos não há uma ‘simples diferença na etapa ou estágio de sistema

produtivo, mas também de função ou posição dentro de uma mesma estrutura econômica internacional de

produção e distribuição’.” PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In

RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e

desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21. 315 Calixto Salomão Filho a chama de “grande marco do pensamento cepalino”. SALOMÃO FILHO,

Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação e

Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 34. 316 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

48.

99

subdesenvolvimento não seria uma fase do desenvolvimento, mas uma condição

determinada pelo próprio processo desenvolvimentista e industrial do sistema

capitalista317.

Em se tratando da proposta de política desenvolvimentista levantada pela

CEPAL, o professor Bercovici ensina que os estudos promovidos pela comissão, sob a

tutela de Raúl Prebisch, concluíram que o crescimento dos países latino-americanos

teria sido impulsionado pelo aumento persistente nas exportações. Entretanto, não

haveria mais a alternativa de a América Latina continuar crescendo com aumento de

exportações, o que resultou na defesa da industrialização como sendo o único meio para

os países se desenvolverem e aproveitarem as vantagens do progresso. Assim, caberia

ao Estado a condução do processo de industrialização sob a forma de política

desenvolvimentista318.

Em síntese conclusiva, Mônica Sousa afirma que o pensamento cepalino

relativo aos estudos referentes às políticas de promoção do desenvolvimento se resume

em quatro fases bem definidas temporalmente. Uma primeira fase, ocorrida nos anos

1950, quando existia um claro foco nas políticas de industrialização e substituição de

importações. Uma segunda fase ocorrida entre 1960 e 1970, com a proposta das

reformas estruturais que tivessem por objetivo o estímulo do processo de

industrialização. Um terceiro período, no início dos anos 1980, em que a comissão

estabelece o foco na “[...] problemática da divida externa e de sua superação, mediante

políticas de ajuste com promoção de crescimento econômico319”. E, por fim, um quarto

momento, em que a CEPAL direciona suas preocupações para questões referentes ao

comércio internacional e ao novo institucionalismo320, além do desenvolvimento

sustentável.

317 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In SALOMÃO FILHO, Calixto

(coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 34. 318 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

50. 319 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 77. 320 Apesar de já abordado no capítulo anterior, cabe repisar os conceitos da nova economia institucional.

Neste sentido, tal escola “acentua a importância das instituições na promoção do desenvolvimento

econômico. A corrente questiona alguns dos postulados mais importantes da escola neoclássica. [...]

acentua a questão da racionalidade limitada. [...] destaca que os agentes econômicos enfrentam limitações

em sua capacidade de coletar e processar informações, sendo incapazes de antecipadamente prever e

estabelecer medidas corretivas para todo evento que possa ocorrer no curso das transações econômicas.

[...] também, acentua a importância dos custos de transação que são os recursos econômicos empregados

para planejar, adaptar e monitorar as interações entre os agentes econômicos”. PFEIFFER, Roberto

Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). Fragmentos para um

dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21-22.

100

Parece unânime, entre os doutrinadores, a importância dos estudos feitos pela

CEPAL e sua relevância para a compreensão da América Latina dentro do cenário

econômico mundial321. Em que pese a compreensão defesa no presente trabalho, de que

tal abordagem já se encontra defasada e superada, conforme ver-se-á adiante.

Importa, ainda, trazermos algumas perspectivas apresentadas pela doutrina

brasileira sobre o fenômeno desenvolvimentista. Neste sentido, o Professor Gilberto

Bercovici, seguindo a tradição cepalina, compreende e defende a importância de uma

forte participação do Estado no processo desenvolvimentista. Afirma que o grande

entrave ao desenvolvimento no Brasil decorre da inefetividade do Direito estatal, “[...]

com o Estado bloqueado pelos interesses privados322”. Assim, em sua visão, seria

necessário um fortalecimento do Estado frente aos interesses privados visando uma

integração igualitária do povo na sociedade.

Defende, ainda, a necessidade de fortalecimento do Estado objetivando a

resistência ao que chama “efeitos perversos” da Globalização, através do controle dos

supostos desequilíbrios gerados por tal processo. Concluindo seu ponto de vista, ao

afirmar que “[...] a falta de integração social, econômica e política continua exigindo

uma atuação do Estado, inclusive para a conclusão do projeto de formação nacional,

ultrapassando a barreira do subdesenvolvimento323”.

O professor Fabio Nusdeo afirma que o processo de desenvolvimento pode ser

definido como sendo “[...] um processo no qual, permanentemente, a quantidade de

bens e serviços de que pode se utilizar uma dada comunidade cresce ao longo do tempo

em proporção superior ao seu incremento demográfico324”. Nusdeo distingue o

desenvolvimento econômico do crescimento econômico observando que, este último,

também se refere ao crescimento da disponibilidade de bens e serviços, entretanto, tal

321 “A principal peculiaridade do Estado latino-americano é, para a CEPAL, seu caráter periférico. O

capitalismo periférico, segundo Raúl Prebisch, é fundado na desigualdade, que tem sua origem na

apropriação doo excedente econômico pelos detentores da maior parte dos meios de produção. Sua

especificidade deve-se ao transplante de padrões de consumo, técnicas, ideologias, cultura e instituições

dos centros para uma estrutura social totalmente diferente. O caráter periférico do Estado latino-

americano implica, ainda, o fato de este Estado estar submetido a fatores ‘externos’ que afetam a sua

atuação, com a presença de importantes núcleos de poder internos cujas decisões estão orientadas para o

exterior. A tarefa do Estado latino-americano é, para a CEPAL, superar esta condição periférica”.

BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

52. 322 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

66. 323 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

66. 324 NUSDEO, Fabio. Desenvolvimento Econômico. In SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação

e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 16.

101

aumento não resulta em nenhuma mudança estrutural e qualitativa na economia. O

processo de crescimento seria apenas um surto ou um ciclo, enquanto o processo de

desenvolvimento prescinde de estabilidade para que possa ocorrer.

Em seus estudos sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, Celso Furtado

observa que a mera análise econômica não se mostra suficiente para explicar o processo

de desenvolvimento, em que pese a relevância da mesma na identificação de

mecanismos do processo de desenvolvimento econômico. Estes mecanismos constituem

considerável parte de seus estudos325.

O renomado economista brasileiro afirma que o desenvolvimento econômico

toma por base e “[...] consiste na introdução de novas combinações de fatores de

produção que tendem a aumentar a produtividade do trabalho326”. Com o aumento da

produtividade, presume-se o aumento da renda real social (quantidade de bens e

serviços à disposição da população), que resulta, por sua vez, no aumento das

remunerações. Com tal aumento, por fim, há como resultado uma mudança na estrutura

de procura. Conclui o professor que “[...] no estudo do desenvolvimento econômico é,

portanto, de importância fundamental conhecer o mecanismo do aumento da

produtividade e a forma como reage a procura à elevação do nível de renda real327”.

Por sua vez, Calixto Salomão aponta que o desenvolvimento se mostra como

um processo de “autoconhecimento da sociedade”, superando as ideias de crescimento

ou de um agrupamento institucional que tivesse por objetivo resultados determinados.

No processo defeso pelo professor, a sociedade deve descobrir os valores

almejados aplicáveis ao campo econômico. Assim, nesta ótica, as sociedades

desenvolvidas seriam as que têm pleno conhecimento de suas preferências econômicas.

Tal posicionamento significa “[...] dar prevalência à discussão sobre as formas

específicas para cada sociedade de autoconhecimento e autodefinição das instituições e

valores mais apropriados ao seu desenvolvimento econômico-social328”. Destarte,

325 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

84. 326 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

86. 327 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. p.

86. 328 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In SALOMÃO FILHO, Calixto

(coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 32.

102

Salomão denomina a ideia central de conhecimento econômico como “democracia

econômica”329.

Um ponto comum identificado nas doutrinas brasileiras sobre o

desenvolvimento pode ser o constante diálogo e forte influências com as concepções

cepalinas já estudadas. Aparece, como ponto comum defeso pelos doutrinadores, a ideia

de forte intervenção estatal e centralização das decisões econômicas sob a tutela do

Estado.

Em que pese as insistentes críticas aqui cabíveis ao excesso de Estado e de

centralização na economia. Tomemos por foco o ideal, também compartilhado entre os

doutrinadores aqui trazidos, de que o processo de desenvolvimento não pode se resumir

no crescimento econômico.

As perspectivas atuais em relação ao processo de desenvolvimento são amplas

em sua abordagem, de maneira à compreender o processo como uma conjugação de

fatores determinantes no meio econômico, social e político330.

Conforme bem pontua Roberto Pfeiffer, embasado por Bresser Pereira, o

desenvolvimento deve ser entendido como a conjugação e transformação dos fatores

supramencionados que, por sua vez, aumentam a qualidade e padrão de vida da

população. Devendo ser, ainda, “[...] sustentável e autônomo, caso contrário será um

mero surto de crescimento econômico, sem capacidade de se autoalimentar331”. As

teorias que se baseiam nesta concepção abrangente de desenvolvimento, tomam por

fulcro, necessariamente, a sociedade capitalista e exigem mobilidade social para que

possam se realizar.

O próprio professor Fabio Nusdeo, já tratado no presente tópico, afirma que as

políticas econômicas que visam o desenvolvimento devem se apresentar com alguns

objetivos distintos e componentes do desenvolvimento. Toma por exemplo “[...] a

329 Leonardo Figueiredo aponta a democracia econômica como sendo um princípio que, também, se

sintetiza na ideia de garantia da “participação ativa de todos os segmentos sociais da Nação na

propositura de suas políticas públicas de planejamento econômico, a saber, Poder Público, agentes

econômicos e consumidores, garantindo-se, na medida do possível, a harmonização de todos os interesses

envolvidos sem que haja preponderância de um sobre os demais”. FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu.

Lições de Direito Econômico. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 330 “O estado desenvolvido é marcado pela estrutura harmônica entre o padrão de modernização e a

proteção dos valores coletivos. Busca-se ao mesmo tempo o crescimento, com a liberdades das atividades

econômicas, desde que tal conviva com a proteção do consumidor, do meio ambiente, do trabalho, da

educação de todos etc.”. ELALI, André. Tributação e Regulação Econômica: Um exame da

tributação como instrumento de regulação econômica na busca da redução das desigualdades

regionais. São Paulo: MP Editora, 2007. P. 69 331 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.).

Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 23.

103

defesa da concorrência, das relações de consumo do meio ambiente, do emprego e da

estabilidade monetária332”. Devendo ser, tais objetivos, permanentemente perseguidos

pelas políticas econômicas desenvolvimentistas.

A apresentação das ideias desenvolvimentistas, conforme tratado no presente

item se mostra, na perspectiva deste estudo, como fundamental para a compreensão

factual de que não existe unanimidade quanto às questões do desenvolvimento, isto

posto abarcando desde o conceito até o ideário político sobre a sua busca.

Inclina-se, na presente pesquisa, à defesa de um modelo onde existe uma

menor, porém, mais pontual intervenção estatal na economia e na sociedade visando a

construção das bases desenvolvimentistas no sentido mais atual de desenvolvimento

como sendo um processo amplo, não restrito apenas aos caracteres econômicos.

Nesta seara, a defesa aqui proposta reside na teoria do economista Amartya

Sen, publicada em sua obra “Desenvolvimento como liberdade”. Em sua tese, o

economista entende que o desenvolvimento é um processo que ocorre em decorrência

da expansão de liberdades individuais, não se restringindo ao aspecto meramente

econômico. Assim, à sua importante contribuição é dedicado o próximo item.

4.3 A IDEIA DO DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE

Em Desenvolvimento como liberdade333, constatamos que o conceito chave no

processo de desenvolvimento se relaciona com a expansão das liberdades individuais334.

Ou seja, o indiano Amartya Sen rompe com a tradicional vinculação entre a ideia de

desenvolvimento como sendo o mero aumento de renda335, apegando-se a uma noção de

expansão das liberdades individuais que, a primeira vista, aparenta ser deveras abstrata e

imprecisa. Contudo mostra-se, ao longo de sua obra, factível e relevante, construindo

um verdadeiro tratado ideológico sobre o desenvolvimento.

332 NUSDEO, Fabio. Desenvolvimento Econômico. In SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação

e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 24. 333 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2009. 334 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 87. 335 “A liberdade não pode produzir uma visão de desenvolvimento que se traduza prontamente em

alguma ‘fórmula’ simples de acumulação de capital, abertura de mercados, planejamento econômico

eficiente (embora cada uma dessas características específicas se insira no quadro mais amplo).” SEN,

Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2009. p. 336.

104

Mônica Costa afirma que a teoria proposta pelo economista indiano se aparta

do assistencialismo estatal, elaborando uma proposta que a professora denomina pós-

liberal, onde o processo de desenvolvimento envolve “[...] ações combinadas de agentes

públicos e privados, voltadas para a capacitação do indivíduo e ampliação de suas

liberdades, que devem ser asseguradas e garantidas em seu grau máximo336”.

Na visão ora abordada, existe um entendimento de que a partir do momento em

que ocorre a supressão de determinadas limitações individuais, ou seja, um aumento da

liberdade individual, encontrar-se-á o cerne e ponto determinante para a promoção do

desenvolvimento. Este ponto central, a que Sen denomina de “princípio organizador”

constitui-se como uma constante busca e preocupação no processo de desenvolvimento

sob a ótica de aumento das liberdades337, aliada ao comprometimento social visando a

concretização dos mesmos338.

Nesta teoria, o individuo se apresenta como principal agente econômico e

político, bem como grande interessado na questão do desenvolvimento. Entretanto, faz-

se necessário que se utilize de políticas públicas e de redes de segurança financiadas

pelo próprio Estado, dotando, este, também de responsabilidade quanto à questão

desenvolvimentista339.

Observe-se que há, no abordado supra, uma diferença de grau de

intervencionismo em comparação à concepção cepalina. Enquanto os estudiosos do

CEPAL defendiam uma franca e ampla intervenção do Estado na economia, de maneira

à atuar como promotor do desenvolvimento. Aqui, temos uma intervenção pontual e

mínima, fruto de uma teoria manifestamente liberal.

Carolina Munhoz memora que, em que pese o fato de o enfoque da teoria em

comento divergir das visões restritivas do desenvolvimento, no sentido de identificação

336 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 88. 337 Complementarmente, Roberto Pfeiffer assevera que “a avaliação do desenvolvimento deve ser feita

tomando em consideração o alargamento das liberdades, que se dá por meio da remoção de obstáculos

que limitam as escolhas e oportunidades de muitas pessoas, que procuram viver melhor e por mais tempo.

A eficácia do desenvolvimento depende, assim, da ação livre das pessoas.” PFEIFFER, Roberto Augusto

Castelllanos. Desenvolvimento. In Rodriguez, José Rodrigo (organizador). Fragmentos para um

dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p.24. 338 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 336. 339 Sobre esta postura ideológica, Mônica Sousa classifica as ideias de Sen como sendo “uma proposta

pós-liberal de desenvolvimento”, afirmando que “o pós-liberalismo atribuído a Sen permite tanto a ênfase

na liberdade do acesso aos mercados e na exploração de recursos naturais capazes de promover o

desenvolvimento (daí a importância do sistema multilateral de comércio e das questões relacionadas ao

meio ambiente no processo de desenvolvimento) como na ampla participação social e política, sem deixar

de levar em consideração a necessidade de políticas públicas de caráter individual mínimo e

temporalmente limitadas, considerando os indivíduos como agentes capazes, não apenas como

recebedores passivos de benefícios públicos.” SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e

Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 89.

105

do desenvolvimento como o Produto Nacional Bruto (PNB) ou o aumento de rendas

pessoais, não significa que tais mensurações sejam irrelevantes, entretanto, são apenas

componentes do aspecto global do desenvolvimento340. O próprio Amartya Sen afirma

que “o desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo com a melhora da vida que

levamos e das liberdades que desfrutamos341”, ultrapassando as visões técnicas

limitadas em números e estatísticas.

A liberdade é encarada, nesta perspectiva desenvolvimentista, em sua natureza

dúplice, ou seja, se apresenta com dois papéis: como sendo a principal finalidade e o

principal meio para a consecução do desenvolvimento. Denominados, também, como

“papel constitutivo” e “papel instrumental” do desenvolvimento.

A liberdade entendida em seu papel constitutivo se apresenta relacionada à

“[...] importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana342”.

Explicando o conceito, Sen afirma que as liberdades substantivas são aquelas

vinculadas a capacidades elementares (como, por exemplo, evitar privações como fome,

subnutrição e morte prematura). Nesta perspectiva, o desenvolvimento é o meio pelo

qual se expandem as liberdades humanas, devendo a avaliação se basear nessa

consideração. Acrescenta que “o processo de desenvolvimento, quando julgado pela

ampliação da liberdade humana, precisa incluir a eliminação da privação dessa

pessoa343”. Tais liberdades são, portanto, importantes em sua mera existência, sendo

desnecessário que sejam avaliadas em decorrência de sua contribuição relacionada à

outras características do desenvolvimento344.

Por sua vez, “o papel instrumental da liberdade concerne ao modo como

diferentes tipos de direitos, oportunidades e intitulamentos contribuem para a expansão

da liberdade humana em geral e, assim, para a promoção do desenvolvimento345”. Nesta

percepção, a liberdade é enxergada como meio de promoção do desenvolvimento.

Observa o economista que, para além da óbvia compreensão de que a expansão de

liberdades contribui para o processo desenvolvimentista, a verdadeira eficácia desta

perspectiva instrumental ocorre na inter-relação das diferentes liberdades entre si, ou

seja, “[...] um tipo de liberdade pode contribuir imensamente para promover liberdades

340 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 79-80. 341 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 29. 342 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 52. 343 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 53. 344 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 84. 345 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 54.

106

de outros tipos. Portanto, os dois papéis estão ligados por relações empíricas, que

associam um tipo de liberdade a outros346”.

A perspectiva da expansão das liberdades individuais, apresentada na obra,

considera particularmente como sendo cinco, as principais liberdades instrumentais na

promoção do desenvolvimento, sendo elas: as liberdades políticas, as facilidades

econômicas, as oportunidades sociais, a garantia de transparência e a segurança

protetora ou segurança social.

Trataremos pontualmente cada uma das liberdades elencadas, visando uma

breve e ampla compreensão prévia, objetivando adentrarmos na perspectiva buscada

neste estudo.

Em retorno à temática, as liberdades políticas são apresentadas, na teoria aqui

estudada, em seu sentido mais amplo. Observe-se que a vinculação da participação

política ao conceito de desenvolvimento se mostra em algumas outras teorias

desenvolvimentistas atuais com grande grau de relevância. Entretanto, a abordagem de

Sen consegue estabelecer com maior precisão esta função que as liberdades políticas

têm em relação ao desenvolvimento.

Nesta perspectiva, as liberdades políticas são encaradas como reflexo das

oportunidades que as pessoas têm de determinar os seus governantes e os princípios e

fundamentos que julguem importantes nesta determinação. Ainda, vincula-se com as

possibilidades de se fiscalizar e criticar as autoridades, ter liberdade de expressão

política, mídia sem censura, multiplicidade de partidos políticos, entre outros. Aqui,

incluem-se os direitos políticos em seu sentido democrático mais abrangente347.

A segunda liberdade instrumental apontada como fundamental ao processo de

desenvolvimento resta sintetizada na acepção de facilidades econômicas. Este conceito

se relaciona com as oportunidades e facilidades encontradas pelos indivíduos na

utilização de recursos econômicos com finalidade de consumo, produção ou troca.

Levando em consideração o fato de que “os intitulamentos econômicos que uma pessoa

tem dependerão dos seus recursos disponíveis, bem como das condições de troca, como

os preços relativos e o funcionamento dos mercados348”, Amartya Sen observa que o

processo de desenvolvimento econômico aumenta a renda e riqueza de um país de

346 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 54. 347 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 55. 348 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 55.

107

maneira que, como consequência, se reflete no aumento de intitulamentos349

econômicos da população.

As oportunidades sociais são, para o estudioso, o que a sociedade estabelece

como relevante em áreas que têm influência direta na liberdade substantiva do individuo

e na melhora de sua qualidade de vida, a exemplo de questões como saúde e educação.

Pondere-se que estas disposições, além de sua fundamentalidade à vida privada das

pessoas, se mostram de grande importância para uma maior e mais efetiva participação

dos cidadãos em questões econômicas e políticas, afinal, uma questão relacionada à

falta de educação formal, por exemplo, pode ser uma séria barreira para a compreensão

do processo econômico ou para a participação eficaz no processo político.

Em se tratando das garantias de transparência, quarta categoria apresentada

pelo teórico, afirma-se que carregam o significado da “[...] liberdade de lidar com os

outros sob garantias de dessegredo e clareza350”. Esta condição se dá tomando por base

uma perspectiva transacional em que as pessoas necessitam ter confiança ao estabelecer

relações. O papel instrumental desta liberdade, conforme afirma Sen, se mostra inibidor

de questões como corrupção, irresponsabilidade financeira e transações ilícitas.

Por último, o conceito de segurança protetora é reflexo da necessidade de que

seja proporcionada uma rede de segurança social à população, que venha impedir que

mudanças no modus operandi do sistema econômico resultem em drásticas mudanças

materiais e grandes privações afetem a vida da população. Segundo Sen, “a esfera da

segurança protetora inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos

desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes[...]351”, além

de outras medidas cabíveis em casos pontuais que acarretem grandes privações.

A base desta teoria desenvolvimentista consiste em colocar, efetivamente, a

liberdade como centro do processo de desenvolvimento.

349 O termo intitulamento é uma tradução do termo em inglês entitlement utilizado por Amartya Sem em

outra obra sua denominada “Hunger and Public action”. O termo se refere ao “[...]conjunto de pacotes

alternativos de bens que podem ser adquiridos mediante o uso dos vários canais legais de aquisição

facultados a essa pessoa. E uma economia de mercado com propriedade privada, o conjunto do

entitlement de uma pessoa é determinado pelo pacote original de bens que ela possui (denominado

‘dotação’) e pelos vários pacotes alternativos que ela pode adquirir, começando com cada dotação inicial,

por meio de comércio e produção (denominado seu ‘entitlement de troca’). Uma pessoa passa fome

quando seu entitlement não inclui, no conjunto [que é formado pelos pacotes alternativos de bens que ela

pode adquirir], nenhum pacote de bens que contenha uma quantidade adequada de alimento”. SEN,

Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 54. 350 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 56. 351 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 57.

108

Diferentemente dos pensamentos centrados na fundamentalidade do Estado

neste processo, na perspectiva da liberdade há uma crucial e fundamental necessidade

de participação das pessoas na delimitação e conformação do seu destino. Não se

quedando, apenas, como destinatárias finais de laboriosos programas de

desenvolvimento estabelecidos pelo Estado. Aqui, Estado e população se mostram

como pilares distintos e complementares na condução do processo de desenvolvimento.

Ponto de fundamental destaque na teoria ora abordada, reside nas questões

relativas à relação entre o interesse individual e o raciocínio socialmente responsável.

Melhor explicando, em sua teoria Amartya Sen, ao tratar a questão do individualismo,

“refuta a pretensão de que os seres humanos são totalmente movidos pelo auto-

interesse, pois apesar deste constituir uma motivação importante, é possível verificar a

existência de diversas ações diárias que refletem valores com componentes

sociais[...]352”. São tais valores que levam o individuo além do comportamento

meramente egoístico.

A importância desta percepção mencionada acima se relaciona ao conceito

clássico de capitalismo e à aplicabilidade da teoria no sistema. Ou seja, a noção

generalizada aborda o regime capitalista como sendo um sistema que se baseia

exclusivamente na ganância dos partícipes. Entretanto, é patente que para o

funcionamento da econômica capitalista, de maneira eficiente, exista um primoroso

sistema de valores e normas. Observe-se que, “[...] o funcionamento de mercados bem

sucedidos se deve não apenas ao fato das trocas serem permitidas, mas ainda à

existência de instituições solidariamente alicerçadas[...] 353”. Tais instituições, segundo

Carolina Munhoz em sua análise da obra, como a proteção eficaz de direitos

compactuados contratualmente e dos valores éticos presentes no comportamento das

partes, resulta, como exemplo, na negociação contratual sem que seja necessário o

constante litígio judicial visando o cumprimento do acordo. Neste sentido, “o

desenvolvimento e o uso da confiança na palavra e na promessa das partes envolvidas

podem ser um ingrediente importantíssimo para o êxito de um mercado354”.

352 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 90. 353 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 90. 354 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 299.

109

Amartya Sen, com inspiração nos teóricos liberais clássicos355, reconhece a

existência de uma esfera de valores no âmbito capitalista. Entretanto, pondera a

necessidade de certa relutância dado o excesso de otimismo em tais teorias, memorando

que “apesar de sua eficácia, a ética capitalista é, na verdade, muito limitada em alguns

aspectos, ligados particularmente a questões de desigualdade econômica, proteção

ambiental e necessidade de diferentes tipos de cooperação que atuem externamente ao

mercado356”. Observando que os grandes problemas enfrentados pelo sistema capitalista

na atualidade se relacionam com o excesso de desigualdades e o desenvolvimento da

noção de bens públicos.

Entretanto, ainda nesta seara, levando em conta a ideia de que o capitalismo se

mostrou exitoso na transformação do nível comum e geral de prosperidade econômica

sob a fundamentação de princípios e normas comportamentais que resultaram em

econômicas e eficazes transações de mercado, se mostra, pois, confiante na

compatibilidade de tal mecanismo com um vasto conjunto de valores que se integrem e

levem em consideração os problemas supra mencionados, indo “[...] além dos limites do

mecanismo de mercado puro357”. Na visão defesa, é de suma importância o

reconhecimento da compatibilidade do mecanismo de mercado e de uma vasta gama de

valores que se complementam e ultrapassam as bases institucionais do mercado puro.

Podemos concluir que o desenvolvimento, na ótica da liberdade, constitui um

processo de transformação da sociedade em que o indivíduo desempenha uma função

primordial. É através dele que são modificadas as estruturas existentes e proporcionadas

as mudanças que ultrapassam a produção econômica, refletindo, também, nas questões

políticas e sociais. Com a expansão da capacidade das pessoas, sendo a liberdade aqui

entendida em sua perspectiva instrumental, para que ocorra essa expansão e ausência de

privações, é promovido o processo de desenvolvimento, onde a liberdade aqui resultante

se mostra em seu conceito constitutivo.

355 Neste sentido Mônica Costa destaca uma profunda influência de Adam Smith na obra do economista

Indiano: “A sociedade de mercado prescrita por Adam Smith garantiria a opulência da nação, é fato. Mas

muitos conceitos tangentes precisam ser trabalhados e implementados para que essa sociedade promova o

bem-estar comum a partir da divisão do trabalho e do comércio. Uma coesa organização da sociedade

civil, instituições públicas sólidas e confiáveis, um Estado forte, mas não autoritário ou centralizador,

garantidor de direitos individuais e de participação social, um eficiente e independente sistema judiciário

e uma forte base ética comportamental seriam as condições mínimas para o que se pode conceber como

desenvolvimento para Adam Smith. Com a leitura dos textos de Amartya Sen, percebe-se que é nítida a

influência das ideias de Smith sobre o economista indiano”. SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e

Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 85. 356 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 299. 357 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 303.

110

Nesta perspectiva de liberdades instrumentais, no presente tópico foram

abordadas as cinco principais liberdades estudadas por Sen. Observe-se, entretanto, que

seu estudo não se resume à abordagem pontual de cada uma. Sendo, também,

fundamental, a compreensão conjugada entre as mesmas, sob uma ótica de cooperação

para o desenvolvimento uma das outras. Eis que é esta ideia que será abordada no tópico

vindouro.

111

5. RELAÇÃO ENTRE AS LIBERDADES DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E

FACILIDADES ECONÔMICAS COMO INSTRUMENTO PARA O

DESENVOLVIMENTO

5.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DESENVOLVIMENTO COMO

LIBERDADE DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA.

Diante do exposto no capítulo pretérito, a presente abordagem tem

continuidade tomando por fundamento o ideário apresentado por Amartya Sen em

desenvolvimento como liberdade.

Partindo da ideia de expansão de liberdades instrumentais como meio para a

consecução do desenvolvimento, neste momento abordar-se-á a questão da liberdade de

participação política, a importância da democracia e sua relevância para o

desenvolvimento, conforme preconizado pelo economista indiano.

O papel que a ordem jurídica em sua dimensão macro é, sem dúvidas, de

grande valia e relevância na busca pelo direito ao desenvolvimento. Sendo aqui defeso,

que a ordem jurídica tem como objetivo principal a promoção do desenvolvimento na

perspectiva da liberdade. Em outras palavras, como direito que será pretendido e

buscado em decorrência da “[...] existência de liberdades reais e instrumentais que

possibilitam se chegar ao patamar desenvolvimentista de uma sociedade, seja ela

baseada em uma localidade, em um Estado, ou mesmo a sociedade internacional358”.

É necessário compreender a importância que a construção da ordem jurídica,

através de um processo resultante do diálogo com os anseios da população, nos moldes

democráticos, tem nesta perspectiva teórico-desenvolvimentista. A liberdade política

constitui, assim, um dos núcleos do regime democrático, a base da legitimidade do

poder conferido ao Estado359.

Em sua análise pontual e específica nessa seara, Sen parte de uma constatação

importante para a defesa feita neste estudo. Afirma que “não é difícil pensar que

concentrar-se na democracia e na liberdade política é um luxo que um país pobre ‘não

358 OLIVEIRA, Diogo. MENDONÇA, Fabiano. XAVIER, Yanko. A governança pública e o Estado

regulador brasileiro na efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento. In MENDONÇA,

Fabiano. FRANÇA, Vladimir. XAVIER, Yanko (Org.). Regulação econômica e proteção dos direitos

humanos: Um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer,

2008. p. 77. 359 DUARTE JR, Ricardo. Agência Reguladora, Poder Normativo e Democracia Participativa: Uma

questão de legitimidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 209.

112

pode se dar’.360”. Em outras palavras, em países subdesenvolvidos, a democracia é algo

facilmente relegado ao segundo plano de preocupações, afinal as privações relacionadas

diretamente a questões econômicas se mostram aparentemente mais urgentes em ser

lidadas361. Esta percepção foi defendida por vários países em desenvolvimento

fundando-se na retórica de que é mais válido eliminar a pobreza e a miséria, do que

garantir liberdades políticas e direitos civis aos cidadãos, afinal, estes são enxergados

como de pouca utilidade à população mais pobre.

Ponderável, pois, ser temerária a posição defesa pelos países em

desenvolvimento, conforme acima transcrito. A abordagem necessária para a

compreensão de quais são as verdadeiras necessidades econômicas de uma população

deve ser feita levando em consideração a liberdade política que a população venha a ter

para expressar suas necessidades. Tal entendimento envolve a observação de “[...]

amplas inter-relações entre as liberdades políticas e satisfação de necessidades

econômicas362”.

Amartya Sen observa que a intensidade das necessidades econômicas, em

verdade, majora a urgência da ampliação das liberdades políticas. Observando a questão

da relevância da urgente expansão de liberdades políticas e direitos civis sobre três

aspectos distintos. Sendo, a importância direta dos reflexos na vida humana (aqui se tem

uma relação com a capacidade básica de participação política e social), o “[...] papel

instrumental de aumentar o grau que as pessoas são ouvidas quando expressam e

defendem suas reivindicações de atenção política363”. E, por fim, o papel construtivo ao

conceituar as necessidades (a ideia, neste ponto, se vincula à compreensão de quais

sejam as necessidades econômicas em questão)364.

360 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 174. 361 Nos interessa trazer a abordagem feita pelo Economista, afirmando que “concepções como essas são

apresentadas com muita frequência em debates internacionais. Por que se preocupar com a sutileza das

liberdades políticas diante da esmagadora brutalidade das necessidades econômicas intensas? Essa

questão, bem como outras afins que refletem dúvidas quanto à urgência da liberdade política e direitos

civis, tomou vulto na conferência de Viena sobre direitos humanos, realizada em meados de 1993, e

delegados de vários países argumentaram contra a aprovação geral de direitos políticos e civis básicos em

todo planeta, particularmente no Terceiro Mundo. Em vez disso, afirmou-se, o enfoque teria de ser sobre

‘direitos econômicos’ relacionados a importantes necessidades materiais”. SEN, Amartya.

Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 174. 362 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 175. 363 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 175. 364 Conforme assevera Ricardo Duarte em seu estudo sobre a obra: “A democracia em seu sentido

formal/procedimental consistiria nas liberdades políticas (instrumentais), enquando a no sentido material,

nas liberdades substantivas”. DUARTE JR, Ricardo. Agência Reguladora, Poder Normativo e

Democracia Participativa: Uma questão de legitimidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 209.

113

Observe-se que, apesar da afirmação feita no início do parágrafo anterior, o

regime democrático não pode ser encarado como um antídoto automático. As

oportunidades conferidas pela liberdade política precisam ser devidamente aproveitadas

e de maneira positiva para que o efeito almejado, qual seja, o desenvolvimento, seja

efetivamente alcançado. Carolina Munhoz, ponderando, em Sen, a dependência em

relação ao modo como tal liberdade é exercida, afirma que “seu uso é condicionado

pelos valores e prioridades dos indivíduos, assim como pelo uso que é feito das

oportunidades de articulação e participação disponíveis365”.

Nos países desenvolvidos, entre os argumentos contrários à proposta de um

avanço desenvolvimentista em que se observe de imediato, também, as liberdades

políticas e os direitos civis, são apontados por Sen em três direções distintas. Em um

primeiro entendimento, a liberdade de participação política e a ampla garantia de

direitos tolhem o crescimento e o desenvolvimento econômico. Um segundo

entendimento tenta demonstrar que se fosse facultado às pessoas em condição de

pobreza escolher entre a democracia e a satisfação de suas necessidades econômicas,

escolheriam a segunda opção. “Assim, por esse raciocínio, existe uma contradição entre

a prática da democracia e a sua justificação: a opinião da maioria tenderia a rejeitar a

democracia – dada essa escolha366”. Por último, o terceiro pensamento consiste no fato

de que o enfoque democrático, ou seja, a valorização excessiva das liberdades políticas

e direitos civis seria uma prioridade particular do mundo ocidental, contrariando os

valores e práticas asiáticos que, em tese, seriam voltados com maior enfoque para

questões de ordem e disciplina, em detrimento de liberdades substantivas propriamente

ditas.

Partindo dos argumentos apontados como sendo os comumente encontrados

em sentido contrário à expansão das liberdades políticas, o economista indiano observa

que, em se tratando do argumento da suposta incompatibilidade entre liberdade política

e crescimento ou desenvolvimento econômico, há poucas evidências no sentido de que

governos autoritários em que há supressão de direitos civis sejam verdadeiramente

efetivos na promoção do maior crescimento econômico. Em verdade, inexistem maiores

estudos empíricos que venham a se mostrar complementares no debate.

365 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 89. 366 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 176.

114

Entretanto, na visão aqui abordada, o processo se mostra complexo e

conjugado, ou seja, levando em consideração o fato de que “[...] existe agora um

razoável consenso quanto a uma lista geral de ‘políticas úteis’[...]367” no processo de

crescimento econômico. Entre estas, memoramos a abertura à concorrência, a utilização

dos mercados internacionais, o aumento do nível de alfabetização e educação formal

escolar, entre outros. O que é interessante, pois, nestes dados, é que nenhum se mostra

como de fundamental necessidade de manutenção por um regime autoritário, sendo

todos perfeitamente compatíveis com o sistema democrático. Ainda nesta discussão, é

fundamental lembrar-se do “[...] impacto da democracia e das liberdades políticas sobre

a vida e as capacidades do cidadão368”.

Nesta seara, Mônica Costa em seus estudos sobre a teoria aqui analisada,

complementa observando que “a centralização política é temerosa tanto porque nega aos

interessados imediatos a possibilidade de discutir suas necessidades reais, e assim

permitir que privações mais imediatas sejam superadas369”.

Ou seja, se o povo detém liberdade política de maneira à pressionar os

governos visando reivindicar questões que julguem necessárias, a resposta será

consideravelmente mais célere. Trata-se aqui do papel instrumental da liberdade

política.

Conforme observou Ricardo Duarte em seus estudos, a grande novidade trazida

por Amartya Sen em sua análise valorativa sobre as liberdades políticas se deu ao

enxergar a democracia em um conceito micro, pautado na individualidade presente na

liberdade necessária a qualquer pessoa para participar da vida política da sociedade em

que se encontra. Esta proposta, se afasta, então, do ideário que tem a democracia em sua

percepção macro, enxergando o povo como um ser uno e representado pelo conjunto da

sociedade370.

No capítulo anterior já fora abordado o conceito de liberdade instrumental e

fora feita uma rápida explicação sobre como se enquadravam as liberdades políticas

dentro deste rol de liberdades instrumentais. Repisemos, pois, a questão em comento.

Neste norte, importa memorarmos o fato de que as liberdades políticas são

valoradas com razão pela sociedade. Conforme afirma Sen, como criaturas sociais que

367 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 177. 368 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 178. 369 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 99. 370 DUARTE JR, Ricardo. Agência Reguladora, Poder Normativo e Democracia Participativa: Uma

questão de legitimidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 209-210.

115

somos, é perfeitamente aceitável que as pessoas “[...] valorizem a participação irrestrita

em atividades políticas e sociais371”. Outrossim, a devida formação e construção dos

valores individuais resulta de um processo comunicativo e de diálogo aberto e

constante, tendo as liberdades políticas função central no desenvolvimento deste

processo.

É, no ponto em questão, que Amartya Sen utiliza um de seus argumentos

famosos na defesa da referida liberdade instrumental. Sapientemente assegura que “[...]

nenhuma fome coletiva substancial jamais ocorreu em nenhum país independente com

uma forma democrática de governo e uma impressa relativamente livre372”.

Passando à abordagem sobre o papel construtivo da liberdade política, ou seja,

o papel finalista desta, retornamos ao argumento já trazido neste estudo, ou seja, tem-se

que as pressões naturais do modelo democrático resultem em respostas à questões

relativas à necessidades econômicas de maneira mais ágil, além da própria definição do

que venham a ser tais necessidades373. Assim, “os direitos políticos incluindo a

liberdade de expressão e discussão, são não apenas centrais na indução de respostas

sociais a necessidades econômicas, mas também centrais para a conceituação das

próprias [...]374”.

A presente exposição, tomando por base o ideário proposto na obra

desenvolvimento como liberdade, traz a noção de expansão das liberdades políticas

como instrumental do desenvolvimento. Entretanto, o conceito aqui abordado de

liberdades políticas abarca, além da própria ideia de participação popular democrática,

se relaciona, também, com direitos políticos e civis relativos à questão democrática.

Neste sentido, em direcionamento à delimitação temática proposta e

devidamente embasada, encaremos, pois, a ideia de liberdades políticas sob o enfoque

restrito na democracia participativa e sua expansão como instrumental do processo de

desenvolvimento.

371 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 179. 372 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 180. 373 Mônica Costa afirma que “as necessidades econômicas e a superação das privações fomentam a

importância da liberdade de participação política e da democracia. [...] A democracia é essencial, mas

assim como os mercados, por si só não supera problemas tangenciais ao processo de desenvolvimento. Os

sistemas democráticos ainda que mais favoráveis a este processo que os regimes totalitários, são

condicionados por valores e pelo uso das oportunidades disponíveis. É justamente neste ponto que se

tornam importantes as garantias de transparência como liberdades inerentes ao processo de

desenvolvimento”. SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora,

2011. p. 100. 374 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 181-

182.

116

Não deixando de mencionar a observação feita por Amartya Sen de que

“´[...]as liberdades políticas e as liberdades formais são vantagens permissivas, cuja

eficácia depende do modo como são exercidas375”, é preciso que a análise seja feita

pontualmente em uma abordagem da prática democrática. Ainda, levando em

consideração e seguindo a compreensão de que a democracia é uma relevante criadora

de oportunidades.

Conforme já fora tratado no presente trabalho, há uma patente crise no modelo

democrático de representação adotado no Estado brasileiro. Se mostrando cada vez mais

necessária uma abertura democrática voltada e direcionada para a participação popular.

O princípio democrático, entendido em sua relação com a organização da

titularidade e exercício do poder estatal, prescinde da existência de mecanismos que

possibilitem que os indivíduos exerçam suas liberdades políticas, participando dos

processos de decisão, controlando-os, legitimando, em suma, o poder político. Assim,

“a democracia consiste em um processo dinâmico, inerente a uma sociedade aberta e

ativa, a qual permite ao detentor do poder a possibilidade de desenvolvimento integral

liberdade de participação crítica no processo político, condições de igualdade [...]376”,

sendo tal igualdade expandida para questões de natureza econômica, política e social.

Valemos-nos, por fim, do que afirma o Professor Artur Cortez, este modelo de

Estado é um modelo de inclusão e justiça em que se faz necessária a participação ativa

dos órgãos dos poderes constituídos na condução de uma renovação cultural através

dessa ação estatal, modificando as bases sociais através da educação, no sentido aqui

proposto, conforme se verá, uma educação econômica377.

É, neste sentido, que a compreensão aqui trazida toma por enfoque a expansão

das liberdades políticas em analogia com o modelo de democracia participativa. Ou

seja, partindo da utilização de instrumentos constitucionalmente previstos para a

participação direta no governo, além da participação política facultada nos mais

diversos órgãos da administração. Defende-se, como instrumento do desenvolvimento, a

efetivação do direito à participação política através de um modelo de democracia

participativa, onde o cidadão encontra espaço para reivindicar interesses individuais,

coletivos e/ou difusos.

375 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 182. 376 DUARTE JR, Ricardo. Agência Reguladora, Poder Normativo e Democracia Participativa: Uma

questão de legitimidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 210. 377 BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos

fundamentais. São Paulo: Método, 2008. p. 172.

117

Em nossa curta vivência e experiência com tal abertura política, tal espaço se

vê aberto, através dos variados mecanismos existentes e previstos no ordenamento

jurídico378. Em que pese a pouca difusão e efetiva participação, não podemos olvidar a

previsão de instrumentos como os orçamentos participativos, as audiências públicas,

consultas públicas, iniciativa popular na proposição de leis, referendos e plebiscitos. Os

instrumentos mais conhecidos e utilizados neste modelo, onde sua efetivação ocorre por

diversos meios perante a administração pública (com especial relevo nas agências

reguladoras) e o poder legislativo.

A presente análise é desenvolvida no sentido de que “a liberdade política é

auxiliar na realização de outras liberdades, como a possibilidade de acesso aos

mercados379”. Sendo, também, como já dito, fundamental na compreensão de quais as

necessidades econômicas sentidas pela população visando o desenvolvimento de

políticas públicas e a condução do aparato estatal com fulcro em uma realidade sentida e

comunicada.

Visando compreender a crucial inter-relação entre a democracia participativa e

as liberdades e facilidades econômicas como instrumental ao desenvolvimento, será

feita uma análise, também, da importância dos mercados e de sua proteção para o

processo em comento.

5.2 FACILIDADES ECONÔMICAS, TUTELA DA CONCORRÊNCIA E

DESENVOLVIMENTO.

378 Se mostram com profunda relevância as considerações da professora Daniella Maria dos Santos Dias

ao afirmar que: “Em âmbito interno, como forma de enfrentar os fenômenos econômicos e políticos

produzidos pela globalização, o Estado precisa redimensionar seus fins e suas instituições jurídico-

políticas, assim como resgatar o sentido da política, da democracia e da cidadania. A necessidade de

novas instituições e de novas organizações em âmbito nacional que possam abordar e solucionar as

problemáticas presentes é pauta obrigatória para o enfrentamento desta crise paradigmática por que passa

o Estado Democrático de Direito haja vista a insuficiência dos modelos organizativos e de suas

instituições para solucionar os problemas da atualidade. [...] O redimensionamento das funções estatais

depende de mudanças paradigmáticas a se consolidar sob uma nova cultura jurídica, uma nova forma de

perceber, de compreender, de interpretar e de solucionar os problemas em âmbito estatal. A crise da

democracia deve ser enfrentada com mais democracia!”. DIAS, Daniella Maria dos Santos. Democracia

e Desenvolvimento Sustentável. In: XVI Congresso Nacional do CONPEDI, 2007, Belo Horizonte:

Fundação Boiteux, 2007. Disponível

em:<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/daniella_maria_dos_santos_dias.pdf>. Acesso

em: 5 jan. 2014. p. 1469. 379 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 99.

118

Neste ponto, analisaremos com maior profundidade o desenvolvimento sob a

perspectiva da expansão das liberdades e facilidades econômicas. Repisemos, pois, este

conceito.

Ao tratar a ideia de facilidades econômicas, Amartya Sen se refere às

oportunidades e possibilidades que um indivíduo tem de participar efetivamente do

mercado, se utilizando de recursos econômicos com propósitos de consumo, produção e

troca. Tem-se, aqui, um conceito amplo referente às múltiplas possibilidades que um

cidadão tem (ou deveria ter) de participar efetivamente do mercado, seja como

consumidor, seja como produtor interessado.

Endossando a afirmativa anterior, cumpre memorar, com base nas

considerações já feitas no capítulo pretérito, que é justamente no ideário clássico sobre a

liberdade de troca e transação como liberdade fundamental e de relevante valorização

por parte das pessoas, que restam propostas, pela primeira vez, as ideias relativas à

relação entre a contribuição do mecanismo de mercado e sua importância para o

crescimento econômico380.

Quanto à inafastabilidade do ideário econômico clássico na presente análise,

Sen afirma com muita propriedade que “a necessidade de um exame crítico dos

preconceitos e atitudes político-econômicas tradicionais nunca foi tão grande381”.

Pondera com sensibilidade que, na atualidade, existem grandes preconceitos com

relação às teorias, como, por exemplo, a mal vista questão do mercado puro. Sugere que

tais pensamentos pré-concebidos devem ser devidamente investigados, ponderados, e

parcialmente rejeitados, se incoerentes os argumentos. A proposta aqui desenvolvida,

não se presta em reviver os mesmos erros percebidos no passado, mas, sim, apresenta-se

com o enfoque de aproveitar o melhor em cada abordagem e se utilizar de tais méritos.

380 De maneira complementar, é necessário trazer as ponderações do Professor Otacílio dos Santos

Silveira Neto sobre o marco teórico em comento, observando que “são inegáveis as conquistas da

economia mundial advindas do liberalismo econômico. Não há registro de outro período econômico tão

inovador e de tamanha expansão da economia mundial quanto o período liberal. As bases da economia

que temos nos dias atuais, tanto no Brasil, como no restante do mundo, foram moldadas a partir das

concepções liberais do século XIX. Aliás, mudanças significativas na sociedade como o acesso das

pessoas aos bens de consumo de massa (as chamadas sociedades de consumo), o surgimento dos

automóveis, o crédito financeiro, as conquistas da medicina, como a vacina, a descoberta da luz elétrica,

do avião, as grandes invenções da química, tudo isso foi conquistado dentro do período do liberalismo. A

própria Revolução Francesa, por sinal, que é um dos marcos do Estado democrático moderno e que

influenciou profundamente inúmeras outras constituições ao redor do mundo, tem seu nascedouro junto

com o período liberal”. SILVEIRA NETO. Otacílio dos Santos. A instrumentalidade da atividade

financeira do Estado como indutora do desenvolvimento econômico: O papel dos incentivos fiscais

na promoção da livre concorrência e da livre iniciativa. In Revista de Direito Público da Economia

– RDPE. Belo Horizonte, ano 11, n.41, jan. / mar. 2013. p. 127. 381 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 136.

119

Em se tratando da presente abordagem sobre a questão do mecanismo de

mercado, Mônica Sousa afirma que “quando há a opção estatal pelo mercado, por si só

há a opção pela liberdade, pois um dos primeiros desdobramentos da liberdade é no

campo econômico382”. Então, o argumento mais imediato em favor da liberdade de

mercado se relaciona com a própria fundamentação teórica deste conceito. Contudo, a

experiência histórica ensina que tal princípio não pode ser desmedido, havendo uma

necessidade de preservação de condições de equidade, ou seja, no sentido de assegurar a

igualdade de oportunidades de participação neste mercado.

Compreendendo a multiplicidade dos fatores envolvidos e a relevância das

facilidades econômicas (no conceito trazido por Amartya Sen) em relação ao processo

de desenvolvimento, aliada, também, à necessidade de uma delimitação temática

visando a boa condução dos estudos aqui desenvolvidos, optou-se por um enfoque na

questão da expansão da liberdade de concorrência, através do seu controle e

manutenção, como um marco teórico desenvolvimentista. Sendo, por evidente,

precedido e sempre abordado juntamente com a questão, intrinsecamente vinculada, da

liberdade de mercado em sentido amplo.

É válido ponderar, de início, que apesar da tão grande importância do acesso e

participação nos mercados, considerável parte da população enfrenta sérias privações

relacionadas à efetiva vivência orientada ao mercado, vivendo inteiramente a margem

das sociedades direcionadas neste sentido e, por consequência, não participando do

processo de desenvolvimento. O que justifica, pois, a defesa das políticas públicas aqui

propostas, conforme ver-se-á adiante.

Quanto à relevância dos mercados, deve ser dado o devido reconhecimento ao

fato de que a mera liberdade de transação já se mostra com importância fundamental no

processo desenvolvimentista, independente dos resultados que venha a produzir.

Não afastando, por óbvio, a análise de quais são as consequências desta

participação. Sen sugere que a abordagem deve ser feita de maneira integrada,

considerando ambas as situações de grande importância nesta compreensão. Ou seja,

tanto a liberdade de participação em seu sentido instrumental, quanto o necessário

exame das consequências da participação efetiva no mercado, sendo, ambas,

importantes para a análise do direito concorrencial com vistas ao desenvolvimento.

382 SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 96.

120

Não é desnecessário memorar que quando é feita uma análise de mercado,

busca-se compreender suas formas reais, ou seja, as possíveis imperfeições e

circunstancias fáticas que o conduzem, em uma tentativa de entender as influências que

possibilitem efetivamente ou possam impor limitações aos seus próprios mecanismos383.

Assim, diante do exposto, a liberdade de mercado conjuga a liberdade de

acesso ou iniciativa juntamente com a liberdade de permanecer nestes e atuar em regime

de concorrência. Ora, se inexiste facilidade econômica de ingresso no mercado ou se a

livre iniciativa não vem acompanhada de um mínimo de segurança contra atitudes

desleais e anticompetitivas, haveria apenas um fértil terreno para condutas que

proporcionassem o retrocesso em termos de desenvolvimento.

É importante frisar que o presente trabalho não aparta e nem se afasta da

importância e eficiência que os mercados mostram na promoção do crescimento

econômico, entretanto, com vistas ao equilíbrio econômico e social clamado pelos

Estados modernos, existe a necessidade de uma ação interventiva do poder estatal no

domínio econômico, visando promover a melhor distribuição das benesses da produção

entre os partícipes deste sistema384.

Aqui, toma-se como base o fato de que a análise de mercado não depende

apenas do que eles podem fazer para beneficiar a vida dos indivíduos que dele se

valham, mas, também, do que é facultado e permitido que se faça dentro desta estrutura,

e sua importância ao desenvolvimento.

Daí, então, é compreendida a necessidade da intervenção estatal no âmbito do

mercado como propulsora deste processo. Cumprindo observar que dificilmente um

processo desenvolvimentista pode abdicar da realidade do livre mercado, entretanto, a

bem da boa condução da coisa pública, percebe-se a patente necessidade de uma

intervenção mínima com fulcro no “[...]custeio social, da regulamentação pública ou da

boa condução dos negócios do Estado quando eles podem enriquecer – ao invés de

empobrecer – a vida humana385”.

383 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 141. 384 SILVEIRA NETO. Otacílio dos Santos. A instrumentalidade da atividade financeira do Estado

como indutora do desenvolvimento econômico: O papel dos incentivos fiscais na promoção da livre

concorrência e da livre iniciativa. In Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo

Horizonte, ano 11, n.41, jan. / mar. 2013. p. 127. 385 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 22.

121

Eis que a intervenção estatal386 na liberdade de mercado se apresenta como

crucial opção para a manutenção e preservação desta mesma liberdade387 e, por

conseguinte, como um instrumento desenvolvimentista, na visão aqui abordada e

defesa, do desenvolvimento como liberdade.

É evidente que a interferência estatal resultante na proteção e defesa da

concorrência não está relacionada (nem deve ser) com questões de desincentivo ao

desenvolvimento e à concorrência positiva. Apenas se trata de uma postura necessária

por parte do estado, que visa preservar “as regras do jogo” de mercado. Que proíba o

abuso do poder econômico e as demais várias condutas desleais previstas em lei e

possíveis nas relações mercadológicas. Não sendo, pois, uma intervenção exagerada e

plenamente controladora, mas, sim, uma intervenção que surge da necessidade de

preservação de condições mínimas que garantam a existência desta própria liberdade

instrumental.

Neste patamar, em retorno aos conceitos abordados no capítulo relativo ao

antitruste, de maneira sintética podemos afirmar que o princípio da livre

concorrência388, assim denominado pela doutrina brasileira, e erigido a tal posto no

texto constitucional pátrio de 1988, é a abertura que dispõem os particulares para que

possam competir entre si, de maneira lícita, visando êxito econômico com base na

legislação pertinente e visando o desenvolvimento nacional e a justiça social389. É,

conforme visto, um princípio adotado pela Constituição como sendo o propulsor que

rege a economia de mercado brasileira, garantindo equilíbrio entre os interesses

386 “O papel do Estado como regulador da atividade de mercado é longe de ser desnecessário. Não há na

obra de Adam Smith a defesa do completo afastamento do Estado da sociedade de mercado; a ingerência

pública é necessária para a garantia das liberdades, inclusive a de mercado e para a sua administração.”

SOUSA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 96. 387 Complementarmente, Mônica Sousa citando Albuquerque assevera que “quando há opção estatal pelo

mercado (respeito à propriedade privada, garantia da livre iniciativa), por si só há a opção pela liberdade

pois um dos primeiros desdobramentos da liberdade é no campo econômico.” SOUSA, Mônica Teresa

Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 96. 388 De maneira diversa à compreensão usual, Eros Roberto Grau pondera que “a afirmação,

principiológica, da livre concorrência no texto constitucional é instigante. De uma banda porque a

concorrência livre – não liberdade de concorrência, note-se – somente poderia ter lugar em condições de

mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. Este, no entanto – o poder

econômico – é não apenas um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente

institucionalizado, no mesmo texto que consagra o princípio.[...] De outra banda, é ainda instigante a

afirmação do princípio porque o próprio texto constitucional fartamente o confronta.” GRAU, Eros

Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 389 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3.ed. São Paulo: Método, 2011. p.

256.

122

monopolísticos de grupos privados e os interesses do empreendedor individual de

permanecer no mercado390.

É de se observar que o estudo aqui desenvolvido se apega a uma questão de

aparente contradição, apesar de sua plena possibilidade de justificativa. Conforme já

tratado em nossa abordagem sobre a livre concorrência, a gênese do antitruste é a

garantia da liberdade concorrencial e da livre escolha pelos partícipes do mercado.

Entretanto, restou explicada a necessidade de uma tutela estatal, através de políticas

publicas, que venha a manter a estrutura de mercado, de maneira que restem aliados os

aspectos da liberdade de ingresso e concorrência, além da possibilidade de

desenvolvimento de políticas públicas que venham a cumprir objetivos sociais e

econômicos391.

Em se tratando desta relação própria entre tutela da concorrência e

desenvolvimento de políticas públicas, pontua Rafael Macedo que, mesmo

considerando a defesa da concorrência substancialmente uma política pública “[...] a

complexidade das relações que gravitam em torno do Estado, impõe por vezes que a

política concorrencial ceda a outros imperativos, como por exemplo, o desenvolvimento

econômico392”. É, então, com base nesta compreensão que se delineia o presente

trabalho, ou seja, a defesa aqui proposta se dá na perspectiva de políticas públicas

relacionadas à defesa da concorrência com vistas ao desenvolvimento393.

Sobre o conceito de políticas públicas, Maria Paula Dallari Bucci afirma que

“devem ser vistas como processo ou conjunto de processos que culminam na escolha

nacional e coletiva de prioridades, para a definição de interesses públicos reconhecidos

390 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.

95. 391 Em termos complementares, o professor André Elali observa que “o direito concorrencial, dada a

importância que alcançou, tornou-se instrumento central da política econômica tantos dos países

desenvolvidos quanto dos em desenvolvimento. Assim, afigura-se correta a afirmação de que a

concorrência se tornou uma dimensão essencial do mercado, resultando a liberalização do mercado na

necessidade de serem postas em prática políticas e leis da concorrência sólidas e eficazes, já que

constituem os instrumentos essenciais para se assegurarem o bom funcionamento do mercado e a

proteção dos consumidores”. ELALI, André. Incentivos Fiscais Internacionais: Concorrência fiscal,

mobilidade financeira e crise do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 98. 392 MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e

Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 115. 393 “Tendo-se em mente os objetivos da Lei Antitruste, aparece clara, conjuntamente com o aspecto

instrumental desse tipo de norma, sua aptidão para servir à implementação de políticas públicas,

especialmente de políticas econômicas entendidas como ‘meios de que dispõe o Estado para influir de

maneira sistemática sobre a economia. Ou seja, o antitruste já não é encarado apenas em sua função de

eliminação dos efeitos autodestrutíveis do mercado, mas passa a ser considerado instrumento ou meio de

que dispõe o Estado para conduzir e conformar o sistema”. FORGIONI, Paula. Fundamentos do

Antitruste. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.188.

123

pelo direito394”. Complementarmente, em se tratando das políticas públicas para a

promoção da concorrência, Carolina Munhoz afirma que “[...] é preciso, em primeiro

lugar, que ela seja elaborada e implementada de forma clara e coerente, além de

compatível com a matriz institucional existente395”.

É necessário frisar que a mera existência de uma legislação antitruste não

sustenta o sistema concorrencial por si, nem refletem naturalmente no processo de

desenvolvimento. É fundamental, pois, que haja condições estruturais, jurídicas e

econômicas, que, aliadas à legislação concorrencial, garantirão o processo

competitivo396397.

Além disso, conforme afirma Bercovici, “[...] não é possível compreender o

papel do Estado no processo de desenvolvimento exclusivamente pelas políticas

públicas”. Em outras palavras, assevera o doutrinador que a existência das políticas da

concorrência, por si só, não tem como consequência, necessariamente, o

desenvolvimento. Apesar de se mostrarem de fundamental importância neste processo.

Ademais, importa trazer a opinião do professor Ivo Waisberg que demonstra

certa preocupação com a pressão exercida pelos países desenvolvidos sobre os países

em desenvolvimento no tocante à necessidade de elaboração de legislações antitruste. O

que resulta, por vezes, no fato de a legislação concorrencial se afastar da questão central

desenvolvimentista, o que é um erro. Afinal, do mesmo modo como já fora abordado no

capítulo relativo ao estudo do antitruste, “copiar leis de concorrência desconsiderando

as necessidades particulares dos seus estágios de desenvolvimento pode impedi-los de

crescer social e economicamente398”.

394 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.

APUD MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de

políticas públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito

Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 116. 395 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 151. 396 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 151. 397 “Há que se ter em conta que o livre jogo do mercado apresenta falhas relevantes, que podem

comprometer uma bem sucedida estratégia de desenvolvimento. Em muitos setores, em virtude da

intensidade da escala de produção, dos custos elevados de investimento ou dos riscos e incertezas

associados à atividade empresarial, os agentes privados são carentes de impulso governamental para

empreenderem os seus planos de investimento. Na ausência destas medidas, a falta de incentivos pode

cercear o desempenho de atividades que são essenciais para a sustentabilidade do crescimento econômico

do país. É justamente desta premissa que deve partir o desenho de uma política industrial, que nada mais

é que um mecanismo de correção e fomento de mercados”. CARVALHO, Vinícius Marques de. Outros.

Nova lei de defesa da concorrência comentada. São Paulo: RT, 2012. p. 24. 398 WAISBERG, Ivo. Direito e Política da Concorrência para os Países em Desenvolvimento. São

Paulo: Lex Editora S.A., 2006. p. 42.

124

A defesa feita pelo autor segue a linha teórica aqui abordada, no que se refere à

promoção de políticas públicas desenvolvimentistas que se alinhem com os interesses

do mercado na defesa de suas estruturas.

Uma observação de grande relevância, ainda nos ensinamentos de Waisberg, se

refere ao que denomina “princípio do desenvolvimento”, assim, entende que tal

princípio “[...] permite que as decisões sejam tomadas caso por caso, levando-se em

consideração um equilíbrio de várias políticas e o efeito nos aspectos econômicos e

sociais399”.

Não se trata, entretanto, de compreender o direito concorrencial em um caráter

flexível e em desrespeito à legislação positiva400. Mas, sim, entender a livre

concorrência, constitucionalmente prevista, sob o prisma do desenvolvimento, como

objetivo fundamental da república, conforme fora devidamente tratado401.

A abordagem casuística no tocante às políticas públicas desenvolvimentistas,

também, é um ponto de interseção com a análise antitruste. Neste sentido, sendo

realizados estudos fundados nas regras concorrenciais em paralelo à análise do caso

concreto, onde serão ponderados os efeitos resultantes da aplicação ou não aplicação da

legislação no caso, sempre observando a relação entre os resultados ali previstos e o

desenvolvimento econômico e social402.

Em rápida síntese das ideias aqui propostas, foi abordada a perspectiva de

Amartya Sen de que, entre as liberdades instrumentais cuja expansão constitui o meio

para o desenvolvimento, as facilidades econômicas se mostram na dianteira com sua

relação bem estabelecida com o crescimento econômico.

399 WAISBERG, Ivo. Direito e Política da Concorrência para os Países em Desenvolvimento. São

Paulo: Lex Editora S.A., 2006. p. 49. 400 Sobre a legislação concorrencial, Vinicius Carvalho afirma que “tem como sua principal característica

a flexibilidade de seus dispositivos. Fusões, aquisições e cooperações entre empresas podem ser

aprovadas pelo CADE, caso apresentem benefícios econômicos, como a possibilidade de gerarem

aumento de produtividade ou desenvolvimento tecnológico – todos esses objetivos típicos de uma política

industrial”. CARVALHO, Vinícius Marques de. Outros. Nova lei de defesa da concorrência

comentada. São Paulo: RT, 2012. p. 28. 401 “Assim, a multiplicidade da questão concorrencial, que possibilita que esta seja arrolada como política

pública, e ao mesmo tempo como garantia de manutenção sistêmica, decorre necessariamente do seu

impacto em outras variadas esferas da vida econômica e social, como no pleno emprego, das relações de

consumo, e sobretudo, no desenvolvimento”. MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência:

Instrumento de implementação de políticas públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163

f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São

Paulo, 2008.p. 116. 402 WAISBERG, Ivo. Direito e Política da Concorrência para os Países em Desenvolvimento. São

Paulo: Lex Editora S.A., 2006. p. 50.

125

A livre concorrência desponta aqui como sendo uma facilidade econômica

cujas políticas públicas constituem um evidente estímulo ao desenvolvimento403. Nesta

perspectiva, identificamos o aparente contrassenso residente na necessidade da

intervenção estatal para a expansão da liberdade de competir. Explicando, conforme já

fora estudado, o laissez-faire do liberalismo clássico permite que partícipes do mercado

se utilizem de estratagemas de abuso de poder econômico que resultem na quebra da

noção estrutural do mercado livre. Assim sendo, compreende-se que há um claro papel

do Estado na manutenção desta ordem livre.

Ocorre que, a manutenção da liberdade de competir em um mercado, não

necessariamente acarreta em um processo desenvolvimentista eficaz, o que justifica a

utilização do sistema estatal de tutela da concorrência, fundando-se no princípio do

desenvolvimento, e se efetuando através de políticas públicas que atuem como incentivo

ao processo aqui almejado.

As políticas públicas da concorrência apresentadas com finalidades de

desenvolvimento nos aparecem como verdadeiras opções de aplicabilidade da teoria

desenvolvimentista proposta por Amartya Sen.

Outro ponto de fundamental observância na abordagem da tutela da

concorrência se funda na ideia de que as necessidades econômicas da população que

embasam, também, as políticas públicas devem ser perfeitamente compreendidas. A

este conceito, o professor Calixto Salomão, denomina “democracia econômica404”. Ou

seja, a permissão e incentivo da difusão do conhecimento econômico e a possibilidade

de exigir dos órgãos públicos o suprimento dos anseios da sociedade.

403 Cumpre trazer as conclusões chegadas por Rafael Macedo: “As políticas de concorrência também são

benéficas sob o ponto de vista do desenvolvimento econômico doméstico, à medida que oferece

oportunidades para novos empreendedores. Um mercado desprovido de barreiras à entrada artificiais,

possibilita o surgimento a qualquer momento, de novas empresas, o que também reflete positivamente na

geração de empregos e aumento da renda. Além dos benefícios já enumerados, outro identificável é

possibilidade do aumento da arrecadação de tributos pelo Estado, nas hipóteses de aumento de quantidade

de agentes atuantes no mercado. Se a adoção de políticas de concorrência é importante ou pelo menos,

constitui mecanismo capaz de aprimorar o processo de desenvolvimento em razão dos benefícios

identificáveis no mercado doméstico, a mesma afirmação pode ser feita no âmbito internacional, isso

porque as relações de mercado operam-se em escala global, inclusive sob a forma de competição entre

países, onde a difusão de valores como a liberalização e abertura de mercados são fatores de grande

relevância”. MACEDO, Rafael Rocha. Direito da Concorrência: Instrumento de implementação de

políticas públicas para o desenvolvimento econômico. 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em Direito

Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.p. 120. 404 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In SALOMÃO FILHO, Calixto

(coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 32.

126

É, então, nesta relação entre duas das liberdades instrumentais apontadas por

Sem (expansão das liberdades políticas e facilidades econômicas) que o presente estudo

tem sua continuidade.

5.3 A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DEFESA DA

CONCORRÊNCIA COMO INSTRUMENTO AO DESENVOLVIMENTO.

Novamente, far-se-á necessário que seja apresentada a perspectiva do

desenvolvimento como liberdade. Partindo da proposta da expansão das liberdades

instrumentais, conforme já trazida, Sen também observou a necessidade de que tais

liberdades se inter-relacionassem e se complementassem visando o aumento das

capacidades das pessoas. Isto significa, em outras palavras, que as liberdades podem se

suplementar mutuamente e reforçar umas às outras. Sendo importante compreender esta

perspectiva ao estudar as políticas de desenvolvimento405, o que faremos no presente

tópico.

A proposta de conectar as liberdades instrumentais, sabidamente distintas entre

si, se funda na compreensão de que tais “[...] direitos, oportunidades e intitulamentos

possuem fortes encadeamentos entre si, que podem se dar em diferentes direções406”. O

processo de desenvolvimento ocorre, de maneira propensamente mais exitosa, através

dessas inter-relações.

O reflexo desta percepção se mostra na necessidade de desenvolver e manter

uma multiplicidade de instituições para que ocorra o pleno funcionamento das

liberdades mencionadas. Amartya Sen cita, como exemplos, “[...] sistemas

democráticos, mecanismos legais, estruturas de mercado, provisão de serviços de

educação e saúde, facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação, etc.407”. A

natureza de tais instituições poderia se desenvolver através de iniciativa pública, privada

ou instituições de características mescladas e distintas, como ONG’s e cooperativas.

Uma das propostas centrais trazidas na obra, ora abordada, é a de que os fins e

meios do desenvolvimento exigem que a liberdade seja encarada de maneira

405 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 57. 406 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 71. 407 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 71.

127

centralizada na análise das políticas de desenvolvimento408. Tendo o indivíduo uma

importância crucial neste processo, sendo necessário que a população participe e seja

plenamente ativa nos processos que envolvem seu próprio destino, não se conformando

em uma posição passiva. Na condução do processo desenvolvimentista, então, é

necessário que Estado e sociedade sejam participantes efetivos através de seus papéis

amplos no “[...] fortalecimento e expansão das capacidades humanas409”.

Conforme já trazido, este estudo se desenvolve no tocante à expansão das

liberdades políticas relacionada à expansão das facilidades econômicas e sua relevância

ao desenvolvimento. Os conceitos aqui estudados se resumem na democracia

participativa aplicável na defesa da livre concorrência como sendo instrumental ao

processo de desenvolvimento.

O professor Calixto Salomão Filho corrobora com a defesa aqui trazida,

afirmando que a aplicação democrática, em matéria econômica, vista apenas sob os

cânones do modelo representativo não se mostra plenamente eficaz. Propondo que o

processo de decisão econômica tenha expansão na sociedade, sendo permitida e

incentivada a difusão do conhecimento nesta matéria. Relevando, também, a

importância dos princípios instrumentais da ordem econômica previstos no texto

constitucional410.

Por sua vez, em uma abordagem mais específica à questão da concorrência,

Carolina Munhoz defende que, levando em consideração o fato de “a promoção da

concorrência envolver, normalmente, aparições institucionais e afirmações públicas para

divulgar e defender posições favoráveis à concorrência411”, a melhor forma de se

estabelecer uma política da concorrência visando o desenvolvimento seria através do

estímulo e incentivo ao debate, além do fornecimento de informações com precisão e

408 Amartya Sen defende a necessidade de uma abordagem múltipla do desenvolvimento, partindo da

análise das dificuldades e êxitos ocorridos em diferentes países nas últimas décadas. Enxergando que tais

questões têm estreita relação com um fundamental equilíbrio do papel exercido pelo governo e demais

instituições políticas e sociais, em relação ao funcionamento e papel dos mercados. Defende que “é

preciso haver uma abordagem integrada e multifacetada visando a um progresso simultâneo em diferentes

frentes, incluindo diferentes instituições que se reforçam multuamente”. SEN, Amartya.

Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 152. 409 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 71. 410 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In SALOMÃO FILHO, Calixto

(coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 40. 411 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 158.

128

difusão do conhecimento econômico, resultando, por conseguinte, em um processo de

decisões melhor e mais informado412.

O caráter teórico do presente estudo leva a crer que o ideário aqui proposto se

mostra inaplicável na realidade do ordenamento brasileiro. Entretanto, a proposta aqui

trazida condiz com as possibilidades que o modelo de regulação brasileiro apresenta. O

que se observa, em verdade, é a existência da possibilidade de participação popular na

administração pública, em nosso estudo através da autoridade concorrencial, de maneira

que se tenha um respaldo popular nas decisões promovidas por tais entes.

Neste sentido, a professora Munhoz defende que a autoridade concorrencial

estimule o debate público, fornecendo informações que visem promover o entendimento

do papel da concorrência na economia e os benefícios de sua aplicação. Ou seja, propõe

uma atuação Estatal (através do órgão regulador ou autoridade concorrencial) no sentido

de instrumentalizar a população para a compreensão do processo econômico (ampliando

a possibilidade de efetiva participação dos indivíduos), de maneira que estejam

municiados, os mesmos indivíduos, para tomar as melhores decisões, em matéria

econômica, através da participação democrática413.Esta perspectiva acompanha o que

existe de mais moderno na seara do Direito Administrativo Econômico, correspondendo

ao ideário da democratização da administração pública. Em outras palavras, há neste

tópico uma defesa à questão da participação popular na estrutura organizacional e

procedimental de “gestão da res publica”414.

Em continuidade à defesa aqui proposta, é necessário observar o importante

papel desempenhado pelas agências reguladoras na promoção das liberdades

instrumentais aqui estudadas, tanto na perspectiva de uma abertura para a participação

democrática na administração pública, quando para asseverar e garantir a liberdade de

mercado.

412 Complementa a professora, afirmando que “a promoção da cultura da concorrência é importante pois

constitui uma forma de fortalecer as instituições ligadas à concorrência, e permite a implementação de

condições que conduzem a uma estrutura de mercado mais competitiva. Isso pode se dar de diversas

formas. É importante promover a conscientização não apenas dos agentes no mercado, mas também da

população em geral, sobre o que constitui a concorrência, quais são os seus benefícios e as implicações de

medidas que dificultam o processo competitivo. É o caso, por exemplo, da explicitação dos efeitos e reais

custos que uma barreira comercial pode causar sobre a concorrência, ou dos direitos que assistem aos

prejudicados por uma prática restritiva do comércio”. MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito,

Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo: Lex Editora S.A., 2006. p. 164.. 413 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, Livre Concorrência e Desenvolvimento. São Paulo:

Lex Editora S.A., 2006. p. 164. 414 SANTOS, André Luiz Lopes dos. CARAÇATA, Gilson. A consensualidade e os canais de

democratização da Administração Pública. In CARDOZO, José Eduardo. QUEIROZ, João Eduardo.

SANTOS, Márcia (Org.). Curso de Direito Administrativo Econômico. Vol. I. São Paulo: Malheiros,

2006. p. 793.

129

Neste patamar, o Conselho Administrativo de defesa da Econômica – CADE –

conforme já visto, a entidade brasileira responsável pela tutela da concorrência, prevê,

como instrumento de participação popular, que afeta diretamente suas decisões, as

consultas públicas, que acabam por constituir um importante e valioso instrumento de

defesa da concorrência. Sendo, tal expediente de participação popular, ainda mais

valioso em virtude do seu facílimo acesso através de sítio eletrônico.

Sobre este meio de participação, cumpre pontuar que as consultas públicas são

importantes políticas públicas que visam estabelecer uma ligação entre a sociedade e a

classe representativa, permitindo que os cidadãos participem da formulação de outras

políticas públicas, através da participação direta reflexa no envio de opiniões. Constitui

um sistema que permite a discussão da coisa pública de maneira ágil e pouco custosa.

O avanço da internet e a realidade digital vividos na contemporaneidade são

grandes aliados para a promoção de políticas públicas de participação popular nas

decisões dos órgãos da administração pública, por constituírem meios onde inexistem

barreiras e que se dotam de uma publicidade e acessibilidade deveras relevante.

André Santos e Gilson Caraçato observam que tal modalidade participativa

vem ganhando espaço notório nos atuais moldes da administração pública brasileira, se

relacionando com os temas atinentes à ação normativa das agências reguladoras.

Pontuando, também, com grande destaque, que existe uma absurda disparidade relativa

à capacitação técnica do povo no geral com relação aos efetivos partícipes e envolvidos

diretamente com o objeto regulado.

É notório, entretanto, que o desconhecimento sobre tais ferramentas impera em

uma sociedade em que o profundo desinteresse político ainda é marca. Além do mais,

dado o caráter não vinculante do resultado de tais consultas, é possível que haja um

reflexo na credibilidade de tais expedientes perante a mínima parcela da população que

demonstra o interesse em participar e fiscalizar atentamente os órgãos representativos.

Discussão que não nos cumpre nesta oportunidade.

Em retorno à realidade aqui estudada, as consultas públicas no CADE

revestem-se de caráter democrático, inclusive, com possibilidade de participação na

edição de seu próprio regimento interno. Conforme se constata da consulta nº 01/2012

que, em face da entrada em vigor da nova lei da concorrência, abria oportunidade para

que fossem enviadas contribuições415 que objetivassem a elaboração do regimento

415 Consulta Pública n.º 01/2012

Período para contribuições: de 19/03/2012 a 19/04/2012

130

interno do CADE, da resolução sobre o pedido de aprovação dos atos de concentração

econômica e sobre a resolução que disporá acerca do procedimento sumário para análise

de atos de concentração. Ou seja, inclusive as questões de controle interno do órgão são

postas em aberto para contribuição popular, o que representa um relevante ganho para a

própria democracia.

Aqui, uma importante crítica e ressalva acerca das consultas públicas no

CADE, esta, que se refere à publicidade de seus resultados. Ou seja, apesar da facilidade

encontrada para a participação na formulação de políticas de defesa da concorrência, a

transparência discricionária do órgão inexiste, o que afeta consideravelmente sua

credibilidade democrática.

Mesmo assim a vasta gama de consultas públicas já realizadas pelo CADE nos

fornece uma boa noção em termos práticos de como funciona a relação entre liberdades

políticas e liberdades econômicas visando o desenvolvimento, tema abordado no

presente estudo.

Bastante abrangentes são as temáticas em que há possibilidade de realizarem-se

consultas públicas no CADE. Em uma análise detalhada das consultas já conclusas,

encontramos desde questões referentes a resoluções até questões de definição de

conceitos relevantes para a defesa da concorrência no cenário brasileiro.

Faz-se mister uma ponderação de que a experiência brasileira nesta seara é

muito recente e, ainda, não tão difundida. Entretanto, a perspectiva e expectativa dos

estudiosos da concorrência é de que haja um fortalecimento crescente do Sistema

Brasileiro de Defesa da Concorrência, com respaldo, tanto administrativo quanto

judicial.

Endereço eletrônico para recebimento de contribuições: [email protected]

O Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade, tendo em vista a proximidade da

entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 e a necessidade de regulamentação infralegal de diversos

procedimentos previstos no referido diploma, comunica que se encontram disponíveis na internet, para

consulta pública, no endereço eletrônico www.cade.gov.br, os seguintes documentos:

a) Proposta de Regimento Interno, a ser aprovada nos termos do art. 9º, inciso XV, da Lei nº

12.529/2011;

b) Proposta de Resolução que dispõe sobre o Pedido de Aprovação dos Atos de Concentração Econômica,

nos termos do art. 53, caput, da Lei nº 12.529/2011;

c) Proposta de Resolução que dispõe sobre o Procedimento Sumário para Análise de Atos de

Concentração, nos termos do art. 53, caput, e do art. 54, inciso I, da Lei nº 12.529/2011

O período de consulta pública será de 30 (trinta) dias, com término em 19 de abril de 2012.

As contribuições devem ser enviadas, por escrito, ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica -

Cade, no endereço Setor Comercial Norte – SCN – Quadra 02 – Projeção C – CEP 70712-902 – Brasília

– DF, contendo referência expressa no envelope “Consulta Pública n.º 01/2012”, ou pelo endereço

eletrônico [email protected].

131

A título exemplificativo, quanto à nossa pouca experiência, cumpre tratar,

apesar de aparentemente simples, a deveras relevante consulta nº 02/2010416 que tratava

da padronização das ementas dos processos administrativos do CADE. Esta resolução

resultou na facilidade de compreensão das temáticas julgadas e a consequente busca

jurisprudencial. Observe-se, também, sua importância ao conjugar-se com os resultados

da consulta de nº01/2010417 que tratou da desnecessidade de publicação do inteiro teor

do acórdão dos julgados, visando maior celeridade processual na defesa da

concorrência.

Em termos práticos, ambas as consultas facultaram ao órgão a possibilidade de

maior agilidade com relação aos julgados, digam-se, administrativos, dotando de maior

eficiência os processos de defesa da concorrência, não deixando de facultar à sociedade

a preferência por eficiência ou maior segurança por parte dos réus nestes tipos de

processo.

Outra interessante consulta pública que nos fornece a ideia da dimensão deste

expediente para aliar os interesses públicos aos interesses do mercado, se vê na consulta

nº01/2012418, em sua segunda parte, que questiona e pondera o conceito de “ramo de

416 Consulta Pública n.º 02/2010

O PRESIDENTE DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA, no uso de suas

atribuições, tendo em vista o disposto no art. 31 da lei n. 9.784/99, comunica que se encontra disponível

na internet, no endereço eletrônico http://www.cade.gov.br, proposta de Resolução que “Estabelece a

padronização de ementas de julgamentos realizados perante o CADE e dá providências”.

A alteração visa à padronização de ementas de julgamentos realizados perante o CADE de modo a

contribuir para a produção estatística sobre a atividade do órgão e para a pesquisa jurisprudencial.

O período de consulta pública será de 30 (trinta) dias, com término no dia 19 de abril de 2010, inclusive, a

fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam oferecer contribuições, sempre por escrito e enviadas ao

Conselho Administrativo de Defesa Econômica, no endereço Setor Comercial Norte – SCN – Quadra 02

– Projeção C – CEP 70712-902 – Brasília – DF, contendo referência expressa no envelope ‘Consulta

Pública n.º 02/2010 – Ementas’, ou ainda pelo endereço eletrônico ‘[email protected]’. 417 Consulta Pública n.º 01/2010

O PRESIDENTE DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA, no uso de suas

atribuições, tendo em vista o disposto no artigo 175, parágrafo 2º, do Regimento Interno deste Conselho,

aprovado pela Resolução CADE n.º 45, de 28 de março de 2007, comunica que se encontra disponível na

internet, no endereço eletrônico http://www.cade.gov.br, proposta de Resolução que “Aprova a Emenda

Regimental nº 01/2010, que elimina a obrigatoriedade de elaboração de acórdãos de julgamentos pelo

CADE e dá providências”.

A alteração visa à eliminação da necessidade de elaboração de acórdão de processos julgados no CADE,

dentro de uma perspectiva de economicidade, celeridade processual e desburocratização dos processos

perante o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

O período de consulta pública será de 30 (trinta) dias, com término no dia 08 de março de 2010, inclusive,

a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam oferecer contribuições, sempre por escrito e enviadas ao

Conselho Administrativo de Defesa Econômica, no endereço Setor Comercial Norte – SCN – Quadra 02

– Projeção C – CEP 70712-902 – Brasília – DF, contendo referência expressa no envelope ‘Consulta

Pública n.º 01/2010 – Emenda Regimental’, ou ainda pelo endereço eletrônico

[email protected]’. 418 O Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade, tendo em vista a proximidade

da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 e a necessidade de regulamentação infralegal de diversos

132

atividade empresarial” previsto na nova lei da defesa da concorrência. Abre-se a

possibilidade, neste caso, de participação popular que influenciará diretamente nas

decisões a partir de uma pacificação do conceito em consulta. É de se observar, na

consulta em questão, a diferença entre os temas abordados na mesma consulta quando

em sua primeira parte419, tratou do novo regimento interno do CADE baseado na lei

12.529/11, já trazido por nós em citação prévia.

Vê-se, claramente, que os objetivos das consultas públicas não repousam

apenas em questões organizacionais, mas, sim, em diversos assuntos relevantes para a

coletividade sejam de maneira direta ou indireta.

É grande a relevância das consultas públicas do CADE para a relação entre

democracia participativa (sob a capa da expansão das liberdades políticas) e defesa da

concorrência (entendendo como liberdade de mercado e expansão das facilidades

econômicas), ao se vislumbrar a facilidade de comunicação existente nas referidas

consultas e sua relevância e pertinência temática para a defesa da concorrência.

Conforme verificado no presente trabalho, não nos restam dúvidas que a

relação entre liberdades políticas e liberdades de mercado são extremamente relevantes

para o processo de desenvolvimento. A perspectiva por nós trazida foi apresentada na

consubstanciação desta relação através da participação popular nas decisões que

envolvem problemas relativos à defesa da concorrência, tomando como exemplo a

atuação do CADE.

Em que pese à recente idealização da democracia participativa e o princípio da

participação popular como instrumentos para efetivação do princípio democrático, e sua

ainda prematura aplicabilidade prática, verifica-se uma mudança paradigmática na

postura da sociedade no tocante a necessidade de se compreender e participar mais

ativamente das decisões políticas tomadas pelos representantes.

O espelho por nós encontrado não poderia ser melhor. É no CADE que a figura

das consultas públicas se mostra como um tímido instrumento de participação popular

procedimentos previstos no referido diploma, comunica que se encontra disponível na internet, para

consulta pública, no endereço eletrônico www.cade.gov.br, o seguinte documento:

a) Proposta de Resolução que especifica o conceito de “ramo de atividade empresarial”, previsto no art.

37, inciso I, da Lei no 12.529/2011;

O período de consulta pública será de 30 (trinta) dias, com término em 22 de abril de 2012.

As contribuições devem ser enviadas, por escrito, ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica -

Cade, no endereço Setor Comercial Norte – SCN – Quadra 02 – Projeção C – CEP 70712-902 – Brasília

– DF, contendo referência expressa no envelope “Consulta Pública n.º 01/2012”, ou pelo endereço

eletrônico [email protected].

133

que, apesar de mostrar-se ainda desconhecida, começa a ganhar corpo com o

fortalecimento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência alterado pela lei

12.519/11.

Foi com base nas propostas apresentadas que se desenvolveu o presente

trabalho. Defendeu-se uma necessária vinculação entre os dois tipos de liberdades

apresentados, com fulcro na teoria de Amartya Sen, visando uma expansão dessas

liberdades para o processo de desenvolvimento.

Assim, se constata que a expansão das liberdades políticas, através da efetiva

participação nas decisões do CADE por meio das consultas públicas, atua

conjuntamente na expansão das facilidades econômicas, através da defesa da

concorrência, no caso analisado. Sendo a participação popular importante para

descrever e definir quais os valores, as vontades ou os anseios sociais em relação ao

próprio sistema de mercado. Dotando, inclusive, de carga social, o demonizado sistema,

ao tentar dar uma forma ao mercado em que haja respaldo popular e justiça social.

134

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o aqui exposto, algumas considerações se fazem necessárias

para clarificar o entendimento pretendido. Sendo, entretanto, necessária uma rápida

lembrança sobre os conceitos apresentados.

Em se tratando da primeira delimitação temática aqui apresentada, referente ao

fenômeno democrático, foram pontualmente tratados os seguintes aspectos: a crise da

representatividade, democracia participativa e a abertura constitucional visando à

expansão do princípio democrático. Memoramos tais peculiaridades fundamentais para

a compreensão ampla deste estudo.

Partindo da exposição sobre o conceito de “povo”, restou compreendido que a

definição adotada e necessária para o entendimento dos rumos do estudo aqui

desenvolvido, seria a de que, esta entidade, consistiria na totalidade de cidadãos

politicamente ativos e capazes de participar da escolha de representantes que atuariam

no controle do poder estatal, legitimados pela escolha majoritária da população.

Por conseguinte, o regime democrático representativo, em seu ideário mais

basilar, é entendido como o regime político em que o povo escolhe seus representantes

através do voto, os legitimando ao exercício do poder administrativo e legislativo.

A evidente crise do modelo representativo em decorrência da ruptura dos

fundamentos que justificam o regime democrático, tais como efetiva representação e

confiabilidade, enseja a possibilidade de uma abordagem com vistas à expansão do

caráter participativo nas relações entre Estado e cidadãos, que sejam de seu interesse ou

que afetem diretamente a qualidade de vida destes últimos.

Eis que nos surge com relevante viabilidade, o modelo democrático

participativo. Justificado, neste estudo, com fundamento no cerne filosófico do sistema

democrático. O modelo de democracia participativa, aqui defeso, se consubstancia em

plena analogia com a expansão das liberdades políticas e das possibilidades de

participação popular nas decisões do Estado.

Com base no que se afirma acima e sabendo que a Constituição Federal de

1988 prevê em inúmeros dispositivos a possibilidade de utilização de instrumentos de

caráter democrático e dos mais diversos matizes, identificamos o princípio democrático

participativo legitimador para a participação popular em decisões e questões de

135

relevância apresentadas por órgãos da administração pública, conforme ao final se

propõe.

No segundo momento deste trabalho, em que pese a presumível e aparente falta

de conexão com a questão pretérita, é trazido ao debate uma abordagem da livre

concorrência, seu conceito em termos econômicos, a fundamentação teórica do

antitruste e as previsões jurídico-constitucionais e infraconstitucionais de sua tutela.

Ressalta-se, neste momento, que o modelo teórico construído no capítulo

referente se deu visando explicar a importância da tutela estatal do mercado, através de

políticas públicas de manutenção e preservação da livre concorrência.

Tal percepção se funda nas inúmeras benesses resultantes de um mercado em

que existe plena possibilidade de ingresso e permanência. Ponderando que as atitudes

que se coloquem em sentido contrário a tal liberdade sejam veementemente rechaçadas

por uma legislação protetora deste ambiente em si, com objetivo de manter a sua própria

estrutura de funcionamento eficiente.

Neste ponto, é percebida a importância das políticas da concorrência que

norteiam o direito antitruste. Através de uma abordagem onde restou conhecida a

moderna compreensão da importância deste tipo de tutela jurídica e a realidade

brasileira em se tratando do Direito concorrencial.

Assim, novamente, foi identificado o perfil constitucional da tutela da

concorrência. Conforme estudado, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu texto o

que restou conhecido como “constituição econômica”. Delimitação constitucional que

reflete a importância do fenômeno econômico na condução dos objetivos políticos do

Estado, previstos na Carta Magna. Restando, então, estabelecida fundamentalidade da

defesa da concorrência para o sistema econômico e político brasileiro.

A terceira etapa deste estudo consistiu na abordagem específica da questão do

desenvolvimento. Sendo abordado, tal conceito, com fulcro na multiplicidade de

interpretações presentes em toda a doutrina econômica e jurídica.

Seguindo a compreensão de que o fenômeno do desenvolvimento deve ser

compreendido em abrangência, não se restringindo à mera compreensão econômica,

mas, também, ao desenvolvimento em um sentido político e social, identificamos na

teoria proposta pelo economista indiano Amartya Sen, conceitos que julgamos

fundamentais no estudo deste processo.

No ideário proposto pelo teórico, o desenvolvimento é um processo amplo que

ocorre em expansão das liberdades que uma pessoa é capaz de usufruir. Neste sentido, a

136

liberdade é encarada como objetivo central do desenvolvimento e, também, como

principal meio para a consecução deste processo.

Levando em consideração o papel instrumental da liberdade, ou seja, a sua

utilização como principal meio no processo desenvolvimentista, Sen propõe cinco

liberdades instrumentais cuja expansão considera fundamental no processo estudado,

sendo, conforme já exposto, as liberdades políticas, facilidades econômicas, as

oportunidades sociais, a transparência e a segurança protetora ou segurança social.

Com base no exposto acima, o processo de desenvolvimento deve contar com a

expansão de cada uma das liberdades instrumentais apontadas, observando que as suas

inter-relações se mostram de grande importância neste processo encarado de maneira

global.

Assim, partindo da noção de inter-relação entre a expansão das liberdades

políticas e das facilidades econômicas, enxergando-as de maneira conjunta, é que se

desenvolveu este trabalho.

Explicamos, a expansão das liberdades políticas foi aqui tratada sobre a forma

de democracia participativa. Sabe-se, por óbvio, que a noção de liberdades políticas é

mais abrangente que o conceito trazido. Entretanto, diante da necessidade metodológica

de uma abordagem verdadeiramente propositiva, foi estabelecida esta identificação

conceitual.

Sendo, a democracia participativa um modo de aumento e expansão das

possibilidades que um cidadão tem de participar do governo a que se submete, é patente

que sua efetiva aplicação resultará na expansão da liberdade instrumental em comento.

Em se tratando das facilidades econômicas, conforme foi estudado, encontra-se

uma ampla gama de conceitos que se enquadram nesta definição. Conforme visto,

tratamos em particular a questão da livre concorrência.

Apesar da aparente contradição entre intervenção estatal e manutenção de uma

ordem livre, a visão aqui trazida compreende que um dos modos em que ocorre a

expansão das facilidades econômicas é através da tutela do antitruste. Isto se justifica,

pois, há como resultado, uma maior liberdade de participação e permanência no

mercado, afinal, existe a tutela jurídica e institucional que age contra atitudes desleais

vindas dos próprios participes deste sistema.

Eis que o questionamento final para a compreensão da temática reside em

como pode ocorrer esta inter-relação tão necessária ao desenvolvimento.

Explica-se levando em conta a realidade brasileira.

137

Conforme visto, no Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica –

CADE – é o órgão estatal responsável pela defesa de mercado e, consequentemente, da

concorrência.

Apesar do novel aspecto institucional conferido ao CADE pela Lei 12.519/11,

um interessante instrumento é utilizado pelo órgão, qual seja, as consultas públicas que

visam tomar conhecimento da percepção da população e dos interessados nas questões

referentes ao órgão e à defesa da concorrência.

É, então, partindo da identificação desta possibilidade em específico que

fazemos a efetiva relação com o aspecto teórico aqui trazido. Ou seja, as consultas

públicas realizadas pelo órgão concorrencial nos aparecem como exemplo de

instrumento útil à visão de desenvolvimento aqui abordada.

Neste sentido, a percepção da expansão das liberdades políticas

consubstanciada sob a forma de participação popular nas decisões de governo é

instrumentalizada no corpo das consultas públicas elaboradas pelo CADE. Por sua vez,

o órgão é responsável pela expansão das facilidades econômicas, ao manter livre o

sistema concorrencial. Em inter-relação, as consultas públicas se mostram como uma

forma relacional entre ambas as liberdades, sendo, a difusão deste meio e do

conhecimento econômico importantes instrumentos na busca pelo desenvolvimento.

Restando, então, neste ponto a relevância e fundamentalidade da presente

proposta: a importância da difusão das consultas públicas do CADE como instrumento

de promoção do desenvolvimento, encarado por três óticas distintas, a possibilidade e

liberdade de participação popular na decisão estatal, a própria instrumentalidade da

defesa da concorrência e a relação crucial ao desenvolvimento, ainda observada em sua

importância na construção do conhecimento econômico e político.

138

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