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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL CARMEN LAENIA ALMEIDA MAIA DE FREITAS A INFLUÊNCIA DA POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO: OS PROGRAMAS FEDERAIS NA GESTÃO ESCOLAR LIMOEIRO DO NORTE - CEARÁ 2016

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    MESTRADO ACADMICO INTERCAMPI EM EDUCAO

    FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS

    FACULDADE DE EDUCAO, CINCIAS E LETRAS DO SERTO CENTRAL

    CARMEN LAENIA ALMEIDA MAIA DE FREITAS

    A INFLUNCIA DA POLTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAO: OS

    PROGRAMAS FEDERAIS NA GESTO ESCOLAR

    LIMOEIRO DO NORTE - CEAR

    2016

  • CARMEN LAENIA ALMEIDA MAIA DE FREITAS

    A INFLUNCIA DA POLTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAO:

    OS PROGRAMAS FEDERAIS NA GESTO ESCOLAR

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado

    Acadmico Intercampi em Educao e Ensino da

    Universidade Estadual do Cear, como requisito

    parcial obteno do ttulo de mestre em Educao.

    rea de Concentrao: Educao, Ensino, Escola e

    Formao Docente.

    Orientador: Prof. Dr. Lus Tvora Furtado Ribeiro.

    Coorientadora: Prof.. Dra. Maria das Dores Mendes

    Segundo.

    LIMOEIRO DO NORTE - CEAR

    2016

  • CARMEN LAENIA ALMEIDA MAIA DE FREITAS

    A INFLUNCIA DA POLTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAO: OS

    PROGRAMAS FEDERAIS NA GESTO ESCOLAR

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado

    Acadmico Intercampi em Educao e Ensino

    MAIE da Faculdade de Filosofia Dom

    Aureliano Matos - FAFIDAM da Universidade

    Estadual do Cear UECE, como requisito

    parcial para obteno do Ttulo de Mestre em

    Educao e Ensino. rea de Concentrao:

    Educao, Ensino, Escola e Formao

    Docente.

    Aprovada em: 28/03/2016.

    BANCA EXAMINADORA

  • Para que sirva de incentivo e estmulo, dedico a

    todos os Profissionais da Educao de Morada Nova

    que assim como eu, sonham um dia receberem o

    Ttulo de Mestre.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus pela coragem e pela fora que surge de forma inexplicvel e me faz

    erguer a cabea e seguir sempre em frente, mesmo diante de tantos momentos adversos.

    Ao Prof. Dr. Lus Tvora Furtado Ribeiro pela ateno prestada a minha pessoa e pela

    acolhida sempre fraterna todas as vezes que ia at a Faculdade de Educao da UFC em busca

    de orientao.

    A Prof.. Maria Das Dores Mendes Segundo pela prontido em atender minhas ligaes,

    responder meus e-mails e contribuir de forma enriquecedora nessa coorientao.

    Ao Prof. Dr. Valdemarin Coelho Gomes pelas valiosas sugestes dadas durante o processo de

    qualificao e generosa participao tambm na banca de defesa dessa dissertao.

    Agradeo especialmente aos professores Jos Eudes Baima Bezerra, Lda Vasconcelos de

    Carvalho e Maria Madalena da Silva pela inspirao e exemplo desde a poca da graduao e

    incentivo permanente em seguir pelo caminho acadmico.

    Aos demais professores do Mestrado pelos momentos incomparveis de aprendizagem,

    regados sempre pelo compartilhamento de estudos tericos aprofundados e experincias

    prticas exitosas, contribuindo assim com minha maturidade intelectual e profissional.

    A Secretria de Educao de Morada Nova Maria Vieira de Lima Coelho pelo convite para

    fazer parte da equipe pedaggica e assim poder refletir sobre a educao a partir do olhar de

    gestora e pela concesso da licena por um perodo de um ano.

    A FUNCAP pela possibilidade de receber a bolsa de estudo por 10 meses e assim ajudar no

    meu deslocamento para Fortaleza e as para cidades que sedeiam o MAIE.

    A Diretora Geral Maria Beatriz Claudino Brando e ao Diretor do Departamento de Ensino

    Julliano Cruz de Oliveira do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear

    Campus de Morada Nova pela oportunidade de poder assistir as aulas do Mestrado.

    Aos sujeitos desta pesquisa, professores, diretores de escolas e gestores da secretaria

    municipal de educao, pela disponibilidade em fornecer informaes valiosas, tanto pelo

    acesso a documentos, quanto atravs de entrevistas.

    A minha famlia meu pai Lauro Pessoa Maia e minha me Maria Socorro de Almeida Maia

    pelo apoio incondicional de todas as horas, ao meu sogro Manoel Freitas Neto e a minha

    sogra Francisca Silveira Lima pelo emprstimo do quarto, da calmaria do stio durante os

    domingos de estudo.

  • Ao esposo Jos Maria de Freitas, meu porto seguro, meu companheiro, meu amigo, meu

    amante, meu cmplice em todas as situaes, agradeo a compreenso em meus momentos de

    estresse e o incentivo em meus momentos de conquista.

    Aos meus filhotes Luiz Guilherme Almeida Maia de Freitas e Joo Emanuel Almeida Maia de

    Freitas pelas peraltices durante os momentos de estudo e pelas cobranas constantes durante

    os perodos de ausncia.

    Agradeo imensamente aos meus irmos Ctia Maria de Almeida Maia por ocupar meu lugar

    de me durante minhas ausncias e Lauro Pessoa Maia Jnior pela assessoria tcnica e

    intelectual, alm da acolhida em sua residncia.

    Tambm agradeo as minhas colegas lotadas no Setor Pedaggico da Secretaria Municipal de

    Educao pelas experincias compartilhadas no desenvolvimento de projetos, na formao de

    professores, nas visitas s escolas e na realizao de eventos.

    Aos meus eternos amigos do MAIENCARRAPICHADOS: Aline Paiva por seu vasto

    conhecimento na escolha de obras bibliogrficas e na participao de eventos acadmicos;

    Edinou Maia por me ajudar a apurar o olhar de historiador; Francisco Alves por me apresentar

    a fascinante fuso entre a Matemtica e a Pedagogia; Irani Mendes por ser parceira nos

    momentos de estudo e solidria nos momentos de desabafo e angstia; Janderline Nobre por

    apresentar novos tericos marxistas; Maz Freitas por me aconselhar nas horas mais difceis;

    Patrcia Negreiros por me presentear com seminrios to ricos; Renato Abrantes por aumentar

    ainda mais a minha paixo pela filosofia; Soraia Colao por melhorar minha autoestima com

    seus sorrisos marcantes, suas canes inesquecveis e suas performances ilharias; irms Adjas

    pelos delrios de adolescente; Lcia Silva por me ensinar a valorizar nossa identidade;

    Luciana por suas anotaes preciosas e finalmente Glubia Arruda por sua doura, sua

    pacincia, sua ateno e seu carinho com nossa turma.

  • [...] quando tudo passa a ser controlado pela

    lgica da valorizao do capital, sem que se

    leve em conta os imperativos humano-

    societais vitais, a produo e o consumo

    suprfluos acabam gerando a corroso do

    trabalho, [...]

    (Istvn Mszros)

  • RESUMO

    Realizamos nessa pesquisa um estudo sobre a relao entre o modelo econmico vigente e o

    processo de definio das polticas educacionais e de financiamento atravs de programas

    federais, mediante a anlise das implicaes desses fenmenos sobre o modelo de gesto

    escolar no municpio de Morada Nova (CE). Considerando o contexto histrico das mudanas

    recentes ocorridas no mundo do trabalho, responsveis pelas transformaes que tm afetado

    todas as esferas sociais, dentre elas, a educao; o aparato terico desta proposta

    fundamentou-se nas abordagens que consideram a descentralizao da educao a partir dos

    processos de internacionalizao da economia e da crise estrutural do capital. Analisamos

    aspectos das polticas educacionais implantadas a partir de 1995 no Brasil com a Reforma do

    Estado, tendo como foco os programas de repasse de recursos s escolas. A metodologia de

    enfoque qualitativa estruturou-se na obteno de dados relativos aos programas educacionais

    federais, bem como na coleta de informaes relacionadas evoluo da poltica educacional

    no municpio de Morada Nova, durante os ltimos anos. O estudo desse conjunto de

    informaes, subsidiada pela abordagem terica de autores como Castro (2007), Ferreira

    (1998), Kuenzer (2002), Libneo (2009), Mszros (2011), Jimenez, Mendes Segundo e

    Rabelo (2009), Ribeiro (2010) e outros possibilitou a interpretao dos desdobramentos locais

    dessas polticas educacionais exgenas de financiamento da educao sobre a gesto da

    escola. A partir da investigao de documentos oficiais e das entrevistas realizadas com

    gestores das escolas municipais, membros do Comit de Anlise e Aprovao do PDDE

    Interativo e da equipe da Secretaria Municipal de Educao, evidenciou-se que a poltica atual

    de financiamento da educao bsica tem gerado um controle social e governamental da

    escola, pois os programas federais com seus pacotes fechados e sua prestao de contas

    burocrtica mais responsabilizam do que libertam. A anlise da realidade constatou tambm

    que a prtica da responsabilizao (do accountability) ao invs de implantar uma gesto

    democrtica na escola, inseriu na verdade uma gesto por resultados, causando mais

    dependncia do que autonomia.

    Palavras-chave: Poltica Educacional, Financiamento, Programas Federais, Gesto Escolar.

  • ABSTRACT

    This paper presents a study about the relationship between the current economic model and

    the definition process of educational policies and financing through federal programs by

    analyzing the implications of these phenomena on the school management model in Morada

    Nova city (Cear State, Brazil). Considering the historical context of the recent changes which

    have taken place in the work environment and are responsible for the transformations which

    have affected all the social spheres, including education, the theoretical data of this proposal

    are based on the approaches which consider the decentralization of education starting from the

    economy internalization processes and the capital structural crisis. Aspects of educational

    policies set since 1995 in Brazil with the Reformation of the State were analysed, focusing on

    the programs of passing on of resources to schools. The qualitative methodology was

    structured on the data collecting about the federal educational programs, as well as on the

    gathering of information related to the evaluation of the educational policy in Morada Nova

    City over the last years. The analysis of this information based on the theoretical approach of

    authors such as Castro (2007), Ferreira (1998), Kuenzer (2002), Libneo (2009), Mszros

    (2011), Jimenes, Mendes Segundo e Rabelo (2009), Ribeiro (2010) and others made possible

    the interpretation of the local implementing of these exogenous educational policies of

    education financing on school management. From the investigation of official documents

    and interviews done with city schools administrators, the members of the Committee of

    Analysis and Approval of the Interactive PDDE and with the team of the City Educational

    Board, it was verified that the current financing policy of basic education has generated

    social and governmental control of the school, for the federal programs with their enclosed

    packages and their bureaucratic accountability make one more accountable than liberated.

    The analysis of the reality also ascertained that the accountability practice, instead of

    establishing a democratic management at school, in fact it inserted a management for results,

    causing more dependence than autonomy.

    KEY WORDS: Educational policy, Financing, Federal Programs, School management

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ANA Avaliao Nacional da Alfabetizao

    ANEB Avaliao Nacional da Educao Bsica

    ANRESC Avaliao Nacional do Rendimento escolar

    CAED Centro de Polticas Pblicas e Avaliao da Educao da UFJF

    CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

    CME Conselho Municipal de Educao

    CEI Centro de Educao Infantil

    DF Distrito Federal

    EC Emenda Constitucional

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio

    EEB Escola de Educao Bsica

    FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    FHC Fernando Henrique Cardoso

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    FUNCAP Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    GPR Gesto Por Resultados

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios

    IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MAIE Mestrado Acadmico Intercampi em Educao e Ensino

    MDE Manuteno e Desenvolvimento do Ensino

    MEC Ministrio da Educao

    OCDE Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento Econmico

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    ONU Organizao das Naes Unidas

  • PDE Plano de Desenvolvimento da Escola

    PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

    PME Plano Municipal de Educao

    PNE Plano Nacional de Educao

    PNATE Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

    SEDUC Secretaria de Educao do Estado do Cear

    SME Secretaria Municipal de Educao

    UAB Universidade Aberta do Brasil

    UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    VF/a Valor Fixo/ano

    VPC/a Valor Per Capita/ano

  • LISTA DE APNDICES

    APNDICE 1 Termo de Confidencialidade ................................................................. 124

    APNDICE 2 Roteiro de entrevista com a equipe gestora da SME ............................ 125

    APNDICE 3 Roteiro de entrevista com a equipe gestora da escola ........................... 126

    APNDICE 4 Roteiro de entrevista com a equipe do Comit e Anlise do PDDE

    Interativo ...............................................................................................

    127

  • LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 1 IDEB 5 ANO ....................................................................................... 102

    GRFICO 2 IDEB 9 ANO ....................................................................................... 103

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 Avaliaes em Larga Escala no Sistema Educacional Brasileiro ......... 24

    QUADRO 2 Modelos de Administrao ................................................................... 42

    QUADRO 3 Linha do Tempo: a educao e o (no) financiamento ao longo da

    histria ...................................................................................................

    76

    QUADRO 4 Avanos e Retrocessos da vinculao de Recursos para a Educao ... 77

    QUADRO 5 Valores Referenciais do PDDE ............................................................. 86

    QUADRO 6 Distribuio dos Programas Federais na Rede de Ensino de Morada

    Nova ......................................................................................................

    96

    QUADRO 7 Matrcula em Morada Nova .................................................................. 101

    QUADRO 8 Plano de Ao ....................................................................................... 106

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Metas Projetadas 5e 9 anos ................................................................ 103

    TABELA 2 Referencial de Clculo .......................................................................... 105

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................... 18

    2

    AS MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO: DA

    REVOLUO INDUSTRIAL REESTRUTURAO

    CAPITALISTA .............................................................................

    28

    2.1 COMO TUDO COMEOU? ............................................................... 31

    2.2 FORMAS DE ORGANIZAO DA PRODUO:

    TAYLORISMO, FORDISMO E TOYOTISMO ...................

    32

    2.3 A REESTRUTURAO CAPITALISTA ........................................... 35

    2.4 O NOVO TRABALHO DOCENTE ................................................... 37

    3 O ESTADO E A EDUCAO: NOVAS EXIGNCIAS PARA A

    GESTO ..............................................................................................

    46

    3.1 COMO SURGIU O ESTADO? PRIMEIRAS APROXIMAES ... 46

    3.2 AS TEORIAS DO ESTADO: CLSSICA, LIBERAL E CRTICA 48

    3.3 O ESTADO NO SCULO XX E A REFORMA DO APARELHO

    ESTATAL BRASILEIRO ..................................................................

    58

    3.4 DESCENTRALIZAO CENTRALMENTE CONTROLADA: A

    GESTO DEMOCRTICA COMO BANDEIRA ..........................

    64

    4

    4. A AGENDA INTERNACIONAL E A DEFINIO DAS

    POLTICAS EDUCACIONAIS: A CHEGADA DOS

    PROGRAMAS FEDERAIS NA EDUCAO MUNICIPAL ...

    71

    4.1 ALGUNS EVENTOS MUNDO A FORA .................................... 72

    4.2 A POLTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAO NO

    BRASIL............................................................................................

    75

    4.3 AS POLTICAS EDUCACIONAIS E OS PROGRAMAS

    FEDERAIS QUE REPASSEM RECURSOS S ESCOLAS

    80

    4.3.1 PDDE Educao Bsica .............................................................. 85

    4.3.2 PDDE Educao Integral ................................................................ 87

    4.3.3 PDDE Qualidade ................................................................................. 88

    4.3.4 PDDE Estrutura ............................................................................ 89

    5 O FINANCIAMENTO DA EDUCAO EM MORADA NOVA:

    AUTONOMIA OU DEPENDNCIA? .........................................

    93

  • 5.1 MORADA NOVA: CONTEXTO HISTRICO, SOCIAL,

    ECONMICO E EDUCACIONAL ..........................

    93

    5.2

    A GESTO DA EDUCAO VIA PROGRAMAS FEDERAIS:

    UMA ANLISE A PARTIR DAS PERCEPES DOS ATORES

    SOCIAIS ..........................................................................................

    107

    6 CONSIDERAES FINAIS ..................................................... 113

    REFERNCIAS ................................................................................. 118

    APNDICES ........................................................................................ 123

    ANEXOS ........................................................................................ 128

  • 18

    1 INTRODUO

    A presente dissertao fruto do trabalho de pesquisa desenvolvido durante o

    Mestrado Acadmico Intercampi em Educao e Ensino da Universidade Estadual do Cear.

    O tema de estudo aqui proposto: a poltica de financiamento da educao bsica vincula-se a

    Linha de Pesquisa Educao, Escola, Ensino e Formao Docente e tem a rede municipal de

    ensino de Morada Nova como campo de materializao dessa poltica atravs da implantao

    de programas federais.

    O ponto de partida para a pesquisa foram as percepes decorrentes das mudanas

    ocorridas no contexto educacional nos ltimos anos. Neste sentido, nosso objetivo geral

    elucidar a forma como a relao entre o modelo econmico e a definio da poltica de

    financiamento da educao bsica, interfere na implementao de programas federais e como

    esses influenciam o modelo de gesto no municpio de Morada Nova.

    Atravs dos objetivos especficos pretendemos esclarecer como as mudanas

    ocorridas no mundo do trabalho influenciam o trabalho docente; compreender a relao entre

    a reforma estatal brasileira e a descentralizao das polticas educacionais; conhecer a poltica

    de financiamento da educao que repassa recursos s unidades escolares via programas

    federais; avaliar as implicaes dessa poltica sobre a gesto escolar no municpio de Morada

    Nova.

    Assiste-se nas dcadas de 1990 e 2000 uma gama de acontecimentos na

    educao brasileira: a aprovao da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    (LDB) Lei N 9.394/96 , aprovada em 20 de dezembro de 1996; a elaborao do Plano

    Nacional de Educao (PNE), aprovado em 09 de Janeiro de 2001; a implantao do Fundo

    de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio

    (FUNDEF), regulamentado pela Lei N 9.424 de 24 de dezembro de 1996 e atualmente j

    substitudo pelo Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e Valorizao

    dos Profissionais da Educao (FUNDEB) regulamentado pela Lei n 11.494 de 20 de

    Junho de 2007.

    Com efeito, a partir da adoo da atual LDB tem-se percebido um quadro de

    inmeras mudanas no contexto educacional brasileiro. Verifica-se dentro do mbito escolar a

    mudana da proposta curricular, atravs da elaborao dos Parmetros Curriculares Nacionais

    (PCNs); a chegada do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE); o monitoramento dos

    resultados do processo ensino-aprendizagem, atravs da aplicao de avaliaes externas

    como as provas do Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (SAEB), do Exame

  • 19

    Nacional do Ensino Mdio (ENEM) e do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

    (ENADE); e at mesmo o incentivo a prticas de voluntariado, como o Projeto Amigos da

    Escola.

    Segundo Vieira e Albuquerque (2001, p. 45), no campo educacional brasileiro, a

    dcada de 1990 caracterizada por [...] uma redescoberta da educao como um campo frtil

    de investimentos., pois nesta dcada inmeros acordos internacionais foram firmados e assim

    as agncias internacionais passam a determinar as formas de regulao e gesto da educao

    no pas. Leher (1998) citado por Jimenez e Mendes Segundo (2007) esclarece que at os anos

    de 1960, a educao era tida como questo secundria, uma atividade marginal e

    dispendiosa. Depois do Banco mundial, ela passa a ser tema prioritrio na agenda global.

    Uma vez firmada a parceria entre um Estado-nao e uma agncia bilateral, a

    relao de dependncia inaugurada. Jimenez e Mendes Segundo (2007, p. 124) assim nos

    alertam:

    O Banco Mundial cobrar, [...], do pas tomador de seus emprstimos, uma

    declarao de compromisso com o desenvolvimento econmico e com a aceitao

    do monitoramento na definio de suas polticas setoriais. No caso da educao,

    impem-se mudanas devastadoras, aplicando-se aos padres de financiamento e

    forma de gesto dos sistemas de ensino, como s definies curriculares, aos

    processos avaliativos e modelos de formao docente, critrios estritamente

    empresariais e mercadolgicos.

    Na verdade, as mudanas no direcionamento das polticas educacionais atuais

    esto diretamente relacionadas s transformaes que acontecem no contexto

    macroeconmico. Estas transformaes so consequncias do processo de globalizao da

    economia, gerado pelo imperativo expansionista do capital, que toma a forma de uma

    proposta economicista definida como Neoliberalismo. Todas essas questes, colocadas

    anteriormente de forma bastante sucinta, levam aos seguintes questionamentos: Qual a relao

    entre o modelo econmico e a definio de polticas pblicas? Quais so as agncias

    financeiras internacionais e como elas orientam a escolha e a implantao de polticas

    educacionais nos pases perifricos? Quais so as polticas educacionais implantadas no Brasil

    a partir de 1995? Em qual contexto social elas foram elaboradas e com quais finalidades?

    Como estas polticas educacionais interferem no financiamento da educao? Assim

    analisaremos como as polticas educacionais, particularmente as de financiamento da

    educao, influenciam a gesto escolar em mbito municipal a partir da realidade do

    municpio de Morada Nova, cidade cearense localizada no semirido nordestino.

  • 20

    Se todas essas mudanas interferem direta ou indiretamente na regulao da

    educao no pas, e mais especificamente na gesto escolar, os gestores e os educadores do

    Municpio de Morada Nova no podem ficar alheios a essa realidade. Da a importncia que

    justifica essa pesquisa, para que possamos compreender essa nova configurao do contexto

    educacional brasileiro e, em especial, das polticas educacionais.

    Uma experincia de 18 anos de prtica docente permite-nos afirmar que muitas

    mudanas vm afetando o cotidiano escolar. Parte dessa experincia se deu no Centro de

    Educao Bsica Coronel Jos Epifnio das Chagas, localizado na Avenida Manoel Castro,

    N 600, no centro da cidade de Morada Nova. A ltima atuao na escola se deu como

    coordenadora pedaggica. Foi durante esse perodo, que tais vivncias fizeram despertar o

    interesse pela gesto escolar.

    Depois da atuao na Secretaria Municipal de Educao foi possvel ver que o

    governo federal promove uma poltica de financiamento da educao por meio de programas

    federais que repassam recursos diretamente para que as escolas administrem. Tambm foi

    possvel ver de perto a angstia dos gestores para administrar esses recursos, pois se tais

    programas atribuem certo tipo de autonomia gesto municipal e escolar, ao mesmo tempo,

    transferem para ela a responsabilidade pelos resultados e condicionam a continuidade do

    funcionamento vindo deles ao completo enquadramento da rede e consequentemente da

    escola a seus parmetros.

    A temtica Gesto Escolar nos induz a uma srie de indagaes: Qual o papel da

    Gesto Escolar? Como deve ser o seu processo de escolha? O que gesto democrtica? Ser

    que os gestores escolares esto preparados para administrar os recursos que entram na escola

    via programas federais? Como podemos perceber a temtica gesto escolar campo frtil para

    muitas investigaes, permeadas por problemas ainda no devidamente esclarecidos, pelo

    menos, no mbito do municpio onde esta pesquisa pretende se desenvolver. Da a relevncia

    da mesma, para que gestores e educadores moradanovenses discutam sobre este tema.

    Utilizaremos como referencial terico, autores que tratam dos temas do

    financiamento e da gesto democrtica como Romo (2006) e Brito (2010) respectivamente,

    alm de outros que abordam a questo da descentralizao da educao a partir dos processos

    de internacionalizao econmica, dentre eles: Castro (2007), Ferreira (1998), Kuenzer (2002)

    e Libneo (2009). Esses autores advogam que todas essas demandas surgidas no contexto

    escolar so frutos do modelo econmico neoliberal, que, desde meados do sculo XX, vem

    em todo o mundo ditando regras, manipulando governos, determinando as polticas pblicas,

  • 21

    dentre elas as educacionais, e, dessa forma, transferindo a educao da esfera social para a

    esfera econmica.

    necessrio reconhecer aqui, que mesmo utilizando esses autores, estamos

    cientes que embora eles possam dar sua contribuio fazendo uma tima crtica ao

    neoliberalismo, suas reflexes se encerram por ai. Em outras palavras, eles no chegam raiz

    da questo, a Crise Estrutural do Capital, da o limite de sua crtica. Diante disso se faz

    necessrio fazer uso tambm de outros tericos que partem de um pensamento mais radical a

    partir do legado de Marx, como Mszros (2011) e as pesquisadoras Jimenez, Mendes

    Segundo e Rabelo (2009) que estudam o complexo da educao a partir da crise estrutural do

    capital, alm de Ribeiro (2016) e outros.

    Concordamos com Behring (2003, p. 31-32) quando ele afirma que [...] a crtica

    marxista [...] contm os mais ricos recursos heursticos, categorias tericas e aportes para um

    mergulho analtico nos processos scio-histricos da sociedade burguesa [...]. Assim se

    vamos analisar a educao numa sociedade capitalista como a nossa, vamos precisar da

    contribuio marxista. Pois Enquanto houver capitalismo, permanecem atuais o legado

    terico-metodolgico e as descobertas marxistas, [...] (p. 32). A partir do dilogo com esses

    estudiosos buscaremos destacar os pilares que fundamentam a poltica educacional atual, que

    so o financiamento da educao, a gesto escolar, a avaliao educacional e a formao

    docente.

    Esse contexto nos faz perguntar: como essas novas polticas educacionais se

    materializam dentro do campo da gesto educacional? Para atender ao conceito de Qualidade

    Total1, tambm incorporado educao, houve a necessidade de se modificar o conceito de

    gesto, que agora passa a ser reconhecido como Gesto Democrtica. importante destacar

    que essas mudanas ocorridas na educao no so apenas de carter conceitual, mas tambm

    de carter estrutural.

    O conceito de Gesto Democrtica no novo, pois nas dcadas de 1970 e 1980

    ela j se apresentava como bandeira de luta dos educadores progressistas. Como resultado

    dessa conquista a Constituio de 1988 afirma em seu Captulo III, Seo I (Da Educao),

    Art. 206, inciso VI que o ensino ser ministrado com base, dentre outros princpios, na

    1 O conceito de Qualidade Total passou a ser difundido no Brasil a partir de 1985, atravs da Fundao

    Cristiano Ottoni (FCO), rgo ligado Universidade Federal de Minas Gerais. Em 1992, a FCO, por

    solicitao da Secretaria de Educao daquele estado, passa a introduzir os princpios deste conceito

    no campo educacional (VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2001, p. 38).

  • 22

    gesto democrtica do ensino pblico, na forma da Lei; (BRASIL, 1989, p. 100). Este

    princpio reafirmado na LDB, atravs do seu artigo de nmero 14:

    Art. 14 Os sistemas de ensino definiro as normas da gesto democrtica do ensino

    pblico na educao bsica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os

    seguintes princpios:

    I - participao dos profissionais da educao na elaborao do projeto pedaggico

    da escola;

    II - participao das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou

    equivalentes. (CARNEIRO, 2007. p. 83).

    No Estado do Cear a Lei n 12.622 de 1996 cria o FADE - Fundo de Apoio ao

    Desenvolvimento da Escola. Esta lei transforma as unidades escolares em unidades

    oramentrias, determinando a autonomia financeira e instituindo os Conselhos Escolares.

    Direcionando a anlise para o municpio de Morada Nova, espao que

    corresponde ao foco deste estudo, nos ltimos anos, interessante ressaltar que muita coisa

    mudou aps a implementao da LDB, do FUNDEF e do FUNDEB. Com relao Gesto

    Democrtica, no existe lei especfica que institua os Conselhos Escolares. As escolas apenas

    possuem unidades executoras para o recebimento e a prestao de contas, dos recursos

    federais que chegam at elas.

    O Plano de Cargos, Carreira e Remunerao dos Profissionais do Magistrio de

    Morada Nova (2009, p. 23), em seu artigo 76 diz o seguinte a este respeito:

    Art. 76 A partir da data da promulgao desta Lei o Municpio dever promover

    estudos e elaborar legislao prpria para regulamentao da gesto democrtica do

    sistema de ensino, da rede e das escolas, fixando regras claras para a designao,

    nomeao e exonerao do diretor de escola, preferencialmente dentre os ocupantes

    de cargos efetivos da carreira docente.

    Tambm se percebe que os gestores atuais tm feito adeso de todos aqueles

    programas federais para o repasse de recursos s escolas municipais; bem como tm

    trabalhado em parceria com o Governo do Estado do Cear e implantado o Programa

    Alfabetizao na Idade Certa que tem gerado toda uma gesto por resultados, ao avaliar

    anualmente as redes de ensino.

    Na prtica, isto se materializa atravs das polticas educacionais, que trazem em

    seu corpo estratgias para garantir o sucesso escolar, dentre elas, podemos destacar a gesto

    baseada nos resultados. Isso enseja o surgimento das avaliaes em larga escala, contribuindo

    para a criao de rankings entre as escolas.

  • 23

    Sobre as avaliaes externas importante destacar que, no nvel federal, surge em

    1988 o SAEB, cuja aplicao ocorre a cada dois anos sob total responsabilidade do Instituto

    Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP). No ano de 2005

    criada a Prova Brasil, que corresponde a um exame censitrio, complementar ao SAEB. No

    nvel estadual, o governo do Cear instituiu em 1992 o Sistema Permanente de Avaliao do

    Estado do Cear (SPAECE).

    A temtica das avaliaes em larga escala nos faz lembrar que quando estvamos

    atuando em sala de aula tornava-se difcil compreender esse vasto espectro de avaliaes e at

    confuso diferenciar qual instituio ou qual rgo estava realizando o exame. Sem contar na

    angustiante tarefa que convencer as crianas a fazerem constantemente as to temidas

    provas. Hoje assistimos as aes da escola se restringirem na maioria das vezes, somente a

    preparao dos alunos para fazerem as tais avaliaes. Os professores passam o ano todo

    elaborando, aplicando e corrigindo simulados. Os contedos escolares se resumem apenas ao

    estudo da Matriz de Referncia que na verdade apenas um recorte do currculo. O prprio

    documento que norteia a construo de questes para as avaliaes do Instituto Nacional de

    Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira - Guia de Elaborao e Reviso de Itens do

    INEP (2010) faz uma ressalva sobre a Matriz Curricular:

    A Matriz de Referncia o instrumento norteador para a construo de itens. As

    matrizes desenvolvidas pelo INEP so estruturadas a partir de competncias e

    habilidades que se espera que os participantes do teste tenham desenvolvido em uma

    determinada etapa da educao bsica. importante destacar que a Matriz de

    Referncia no se confunde com o currculo, que muito mais amplo. (p.7)

    Toda Matriz de Referncia composta por uma gama de descritores que

    descrevem o contedo programtico e nvel de operao mental de determinada habilidade

    avaliada em cada etapa de ensino. Por exemplo, na Matriz de Referncia de Matemtica 5

    ano do SAEB, o descritor de nmero 26 contm o seguinte teor: D26 Resolver problema

    envolvendo noes de porcentagem (25%, 50% 100%) CAED/UFJF (2008). Cada item ou

    questo de uma avaliao em larga escala deve avaliar somente um nico descritor por vez.

    No caso do Estado do Cear como tambm acontece anualmente a aplicao do

    SPAECE, diferente do SAEB/Prova Brasil que s ocorre a cada dois anos e apenas nos anos

    mpares, por exemplo, 2013 e 2015, a Secretaria de Educao Estadual orienta que os

    municpios realizem formaes com os professores para o estudo dos descritores Matriz de

    Referncia. O quadro a seguir apresenta o rol de avaliaes que as instituies educacionais

    brasileiras esto submetidas a realizarem na atualidade:

  • 24

    Quadro 1 Avaliaes em Larga Escala no Sistema Educacional Brasileiro

    Avaliaes

    Externas

    SIGLA Onde Aplicada Periodicidade

    Programa de

    Alfabetizao na Idade

    Certa

    PAIC 1 2 3 4 5 anos do

    Ens. Fundamental

    Semestral

    Sistema Permanente de

    Avaliao do Estado do

    Cear

    SPAECE

    ALFA

    SPAECE

    2 ano Ens. do

    Fundamental

    5 e 9 anos do Ens.

    Fundamental e 1 2 e

    3 anos do Ensino

    Mdio

    Anual

    Anual

    Sistema Nacional de

    Avaliao da Educao

    Bsica - SAEB

    Provinha

    Brasil

    ANA

    ANEB

    ANRESC

    (Prova

    Brasil)

    2 ano do Ens.

    Fundamental

    3 ano do Ens.

    Fundamental.

    5 e 9 anos do Ens.

    Fundamental e 3 do

    Mdio (Amostral)

    5 e 9 anos do Ens.

    Fundamental (censitria

    turmas com pelo

    menos 20 alunos)

    Semestral

    Anual

    Bienal

    Bienal

    Programa Internacional

    de Avaliao de Alunos

    PISA Alunos com 15 anos Trienal

    Exame Nacional do

    Ensino Mdio

    ENEM Alunos do Ensino

    Mdio

    Anual

    Exame Nacional para

    Certificao de

    Competncias de

    Jovens e Adultos

    ENCCEJA Alunos jovens ou

    adultos

    Anual

    Exame Nacional de

    Desempenho de

    Estudantes

    ENADE Alunos do Ensino

    Superior

    Ao final da

    graduao

    Fonte: elaborao prpria a partir do Portal do INEP

  • 25

    Tudo isto que foi exposto at aqui nos permite afirmar que as polticas

    governamentais implantadas a partir de 1990 tm ocasionado uma reforma na educao de

    Morada Nova: a adeso de novos programas e projetos de financiamento das aes

    pedaggicas, novas formas de avaliao do rendimento escolar e novas maneiras de

    participao social. Consequentemente, isso tem gerado no contexto local, modificaes

    profundas na forma como nossas unidades escolares so gerenciadas e na maneira como esses

    gestores so preparados para desenvolver esta gesto. Resta-nos aprofundar o estudo para

    descobrir se estas interferncias externas desencadeiam mais implicaes positivas ou

    negativas na gesto escolar de nosso municpio.

    E com este intuito de descoberta que partimos para campo, acreditando que a

    cincia s consegue desvelar a realidade porque conta com um elemento fundamental, a

    pesquisa. Para Minayo (1998): [...] embora seja uma prtica terica, a pesquisa vincula

    pensamento e ao [...] (p.17). Neste sentido o presente trabalho apresenta uma natureza

    qualitativa, embora se utilize de dados quantitativos sem nenhum impedimento, pois de

    acordo com Matos e Vieira (2001) a articulao entre estes dois enfoques torna-se uma

    sintonia possvel no campo das Cincias Humanas.

    Essa abordagem qualitativa investigou a realidade local, levando em considerao

    os sujeitos envolvidos, para a partir desses, chegar a uma interpretao do fenmeno

    estudado. Para isso foi analisada a rede pblica municipal de educao de Morada Nova

    atravs do estudo de documentos oficiais da Secretaria de Educao, documentos das escolas,

    normativos legais que integram a legislao do municpio, sites e portais do Ministrio da

    Educao, alm da participao em reunies da SME e da realizao de entrevistas

    semiestruturadas com representantes da equipe da SME, da equipe do Comit Municipal do

    PDDE Interativo e da equipe dos diretores escolares, como mais uma tcnica de coleta de

    dados.

    O trabalho est estruturado sobre quatro procedimentos metodolgicos

    fundamentais que mesclam tcnicas da Pesquisa Bibliogrfica, da Pesquisa Documental e da

    Pesquisa de Campo. O lcus emprico da Pesquisa a secretaria de educao do municpio. A

    escolha por essa instituio se deve ao fato de alm de ser o nosso local de trabalho, o que

    facilita o acesso aos dados educacionais, informaes gerais sobre a rede, bem como o contato

    direto com os sujeitos envolvidos, l tambm o microcosmos de implantao, execuo,

    avaliao e monitoramento dos programas que financiam a educao bsica.

    O primeiro procedimento corresponde ao arrolamento de dados dos programas

    governamentais surgidos depois de 1995. Isto se dar pela anlise de documentos oficiais

  • 26

    produzidos por rgos como o MEC, o INEP, SEDUC/CE e SME de Morada Nova. De modo

    complementar, planeja-se a realizao de entrevistas aos responsveis locais pela implantao

    desses programas.

    O segundo procedimento diz respeito ao levantamento de dados relacionados

    evoluo dessa poltica de financiamento, via programas federais no municpio de Morada

    Nova, durante o recorte temporal j mencionado. Para tanto, alm do exame de dados da

    Secretaria de Educao Municipal, prev-se a realizao de entrevistas aos gestores do

    sistema educacional municipal e das escolas locais.

    J o terceiro, atinente anlise comparativa entre os dois conjuntos de dados

    obtidos, objetivando determinar a natureza e a magnitude das implicaes daqueles programas

    educacionais sobre o modelo de gesto escolar de Morada Nova. A sistematizao das

    informaes possibilitar uma averiguao preliminar das correlaes existentes entre os

    fenmenos estudados.

    O quarto e ltimo procedimento ser a interpretao de elementos sistematizados

    anteriormente, visando sntese das ideias que viro a compor o quadro terico representativo

    do problema em anlise. Considerando o contexto das mudanas socioeconmicas globais

    ocorridas nas ltimas dcadas, bem como seus desdobramentos sobre a definio das

    principais polticas educacionais, poder elaborar-se o modelo de interpretao da realidade

    local, sempre luz dos subsdios tericos do referencial citado anteriormente. O estudo

    bibliogrfico, voltado ao aprofundamento desses subsdios, ocorrer de modo concomitante s

    duas etapas iniciais do trabalho.

    Desse modo pretende-se organizar o texto em quatro captulos sendo que o

    primeiro vai mostrar como as constantes mudanas ocorridas no mundo do trabalho,

    decorrentes da reestruturao capitalista interferem no trabalho docente. Aqui sero descritas

    as principais formas de organizao do mundo do trabalho durante o sculo XX.

    No segundo captulo ser trabalhado o conceito de Estado desde o seu surgimento

    at a atualidade. Tambm ser apresentada a Reforma do Aparelho Estatal realizada pelo

    governo de Fernando Henrique Cardoso a partir de 1995; a poltica de financiamento da

    educao implementada no Brasil nas ltimas dcadas; bem como, a gesto democrtica.

    Assim ser possvel perceber a relao existente entre o modelo econmico e a educao.

    A partir do terceiro captulo comea a anlise dos dados do municpio de Morada

    Nova. Aqui sero estudadas as principais polticas educacionais implantados nos ltimos

    anos, a partir de decises em fruns internacionais e os principais programas federais

    presentes no municpio hoje.

  • 27

    Por fim no quarto e ltimo captulo ser descrito o contexto histrico, social,

    econmico e educacional de Morada Nova; bem como sero analisadas as falas dos gestores

    da educao municipal, dos responsveis pelo monitoramento dos programas federais no

    municpio e dos diretores das escolas a respeito da influncia da poltica de financiamento na

    gesto da rede municipal de ensino, para com isso se poder realizar a interpretao da

    realidade local e poder perceber a que ponto tudo isso causa de fato autonomia ou

    dependncia para o municpio.

    Para se coletar a percepo dos sujeitos locais em relao aos programas federais

    adotados pelo municpio, optou-se pela observao desses durante reunies realizadas pela

    Secretaria de Educao, com a presena do Comit Municipal do PDDE Interativo e dos

    diretores das escolas municipais, alm da realizao das j citadas entrevistas semiestruturas.

    Foram realizadas quatro entrevistas: uma com a gestora da Secretaria Municipal de Educao,

    outra com uma diretora de escola municipal e mais outras com duas professoras da rede

    municipal de ensino que compem o Comit Municipal de Anlise e Aprovao do PDDE

    Interativo.

  • 28

    2 AS MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO: DA REVOLUO INDUSTRIAL

    REESTRUTURAO CAPITALISTA

    Como j foi anunciado anteriormente esse primeiro captulo vai mostrar as

    principais formas de organizao do trabalho durante o sculo XX e como as constantes

    mudanas ocorridas no mundo do trabalho, decorrentes da reestruturao capitalista

    interferem no trabalho docente. Ele est dividido em quatro tpicos: o primeiro descreve

    como e quando comearam as mudanas no mundo do trabalho; o segundo mostra as

    principais caractersticas do Taylorismo, do Fordismo e do Toyotismo; o terceiro esclarece

    como vem ocorrendo a reestruturao capitalista e o quarto aborda sobre o novo trabalho

    docente a partir dessas mudanas.

    Analisando o processo histrico, pode-se perceber que j houve trs grandes

    revolues que mudaram profundamente o modo como as pessoas produzem os seus meios de

    subsistncia, como elas se relacionam e, consequentemente, como elas compreendem o

    conceito de Educao/Escola. preciso conhecer estes marcos histricos, para compreender

    como tais elementos afetam direta ou indiretamente o contexto educacional e escolar.

    De acordo com Libneo, Oliveira e Toschi (2009), ocorre na Inglaterra, durante a

    segunda metade do sculo XVIII, o fenmeno social conhecido como Revoluo Industrial.

    Este momento da Histria, tambm reconhecido como Primeira Revoluo Cientfica e

    Tecnolgica, caracterizado pela substituio gradativa da produo artesanal pela produo

    fabril, a partir da utilizao da energia oriunda do vapor. Da a adoo da mquina a vapor

    como principal smbolo desse tempo.

    J na segunda metade do sculo XIX, ocorre na Europa a Segunda Revoluo

    Cientfica e Tecnolgica, que caracterizada, dentre outras coisas, pelo aproveitamento da

    energia eltrica e pelo aumento considervel da produo (que agora se d em grande escala,

    ou seja, a chamada produo em massa).

    A Terceira Revoluo comeou, no por acaso, tambm na Europa, durante a

    segunda metade do sculo XX. Sua principal caracterstica corresponde utilizao da

    energia termonuclear que, dentre outras consequncias, possibilitou a conquista espacial e o

    aumento do poderio blico das grandes potncias.

    No seio desta terceira revoluo manifesta-se o fenmeno da Globalizao, o qual

    interpretado por Libneo, Oliveira e Toschi (2009, p. 70) como [...] uma gama de fatores

    econmicos, sociais, polticos e culturais que expressam o esprito da poca e a etapa de

    desenvolvimento do capitalismo em que o mundo se encontra atualmente.

  • 29

    Conforme os estudos destes autores, e mais especificamente o estudo de Kuenzer

    (2002), pode-se perceber que o capitalismo exigiu que a globalizao da economia mudasse o

    seu padro de acumulao. Isso trouxe para o mundo do trabalho mudanas complexas, que

    repercutem, inclusive, no setor educacional.

    O modo de produo Taylorista / Fordista, fortemente marcado pela definio de

    papis (trabalho intelectual e trabalho manual), substitudo por um modelo tecnolgico que

    permite aos pases importar e exportar seus produtos, graas s novas tecnologias que

    possibilitam a fabricao veloz de modernos equipamentos, os quais flexibilizam a base

    tcnica, antes rgida, trazendo dinamismo produo de bens e servios. Com isso, o modo de

    produo capitalista adquire um novo padro de acumulao (pois, se as grandes indstrias

    produzem mais rpido, tambm passam a vender mais rpido e, consequentemente, lucram de

    modo mais intenso).

    Segundo Ferreira (1998), este novo contexto atualmente tem gerado o que a

    autora chama de poca de ambiguidades, pois as descobertas cientficas e tecnolgicas, ao

    mesmo tempo em que propiciam ao ser humano comodidade, conforto, praticidade, aumento

    da expectativa de vida, segurana, interao e progresso; tambm podem levar as pessoas ao

    individualismo, intolerncia, tenses, guerras, misria, excluso e destruio dos recursos

    naturais. Conforme as palavras da prpria autora:

    [...] encontramo-nos nesta transposio de sculo, vivendo um tempo onde

    constataes dolorosas nos encaminham para a barbrie, em clima de guerra e de

    insegurana social. Um tempo ambguo e paradoxal, um tempo de desespero e dor,

    de sofrimento e misria, tragdia e violncia, de anulao e negao das capacidades

    humanas. Vivemos numa poca em que, potencialmente, se estendem nossas

    possibilidades vitais: de conhecimento, comunicao, movimento, diminuio da

    dor, aumento do prazer, sustentao da vida, num mundo social onde novas

    identidades culturais e sociais, emergem, se firmam, apagando fronteiras,

    transgredindo proibies e tabus identitrios. Vivemos numa poca em que,

    violentamente, se aniquilam essas possibilidades vitais. (FERREIRA, 1998, p. 99).

    A autora evidencia a desagregao da sociedade e a diviso social entre as classes

    de tal forma que determinados estratos tm acesso a todas as vantagens do mundo moderno,

    enquanto outros se veem impiedosamente excludos. Nota-se tambm o processo de

    dominao do homem pelo homem onde uma pequena minoria de privilegiados explora e

    domina uma grande maioria de miserveis.

    Outro autor que tambm vem descrevendo e assim desvelando de forma bastante

    contundente, densa e radical, o que h por trs da cortina de mudanas que estamos

  • 30

    presenciando, o filsofo hngaro Istvn Mszros, um dos mais influentes tericos

    marxistas da contemporaneidade.

    Este terico argumenta que o sistema global do capital vem enfrentando desde o

    final dos anos de 1960 at os dias atuais, uma crise estrutural jamais vista. Ricardo Antunes

    na introduo do Livro A Crise Estrutural do Capital do prprio Istvn Mszros, assim nos

    descreve:

    Poderamos lembrar vrios autores crticos, dentro da esquerda, que procuraram ir

    alm das aparncias e descortinar os fundamentos estruturais e sistmicos do

    derretimento e da liquefao do sistema de capital. Robert Kurz, [...]. Franois

    Chesnais [...]. No entanto, foi Istvn Mszros que desde o final dos anos 1960 vem

    sistematicamente descortinando a crise que ento comea a assolar o sistema global

    do capital. Alertava que as rebelies de 1968 assim como a queda da taxa de lucro e

    o incio da monumental reestruturao produtiva do capital datado de 1973 j eram

    ambas expresses sintomticas da mudana substantiva que se desenhava, tanto no

    sistema capitalista quanto no prprio sistema global do capital. Mszros indicava

    que o sistema de capital (e, em particular, o capitalismo), depois de vivenciar a era

    dos ciclos, adentrava em uma nova fase, indita, de crise estrutural, marcada por

    um continuum depressivo que faria aquela fase cclica anterior virar histria.

    Embora pudesse haver alternncia em seu epicentro, a crise se mostra longeva e

    duradoura, sistmica e estrutural. (2011, p. 10). Itlicos do autor.

    Novamente conforme Ferreira (1998, p. 101):

    Este avano cientfico e tecnolgico, que desenvolveu-se a partir da dcada de 80

    permitiu a formao de oligoplios internacionais e redes globais informatizadas de

    gesto que possibilitaram as formas globais de interao que presenciamos hoje e

    que constituem a nova configurao do sistema mundial de produo.

    Est acontecendo o que Adam Schaff (SCHAFF, 1993 apud FERREIRA, 1998, p.

    101) chama de nova revoluo tcnico-cientfica ou segunda revoluo industrial, cujo

    princpio bsico do processo de automao corresponde substituio da eletromecnica pela

    microeletrnica [...], ou seja, a implantao da tecnologia de informao como eixo

    fundante do processo produtivo.. Ferreira (1998, p. 101-102) assevera ainda que:

    Hoje, em vez das enormes corporaes do passado com milhares de operrios,

    produzindo desde a matria prima aos produtos finais, verticalmente estruturadas

    com suas imensas redes burocratizadas, se d a descentralizao do processo

    produtivo..

    Este processo de descentralizao do modo produtivo acarreta duas consequncias

    negativas: o enfraquecimento dos sindicatos e o aumento do desemprego, pois [...] o que

    caracteriza esta reestruturao produtiva o fato de que a automao e robotizao

  • 31

    provocaram um grande incremento da produtividade e riqueza social, reduzindo

    consideravelmente a demanda do trabalho humano [...] (FERREIRA, 1998, p. 103). Nesta

    passagem possvel perceber de forma mais clara que essa reestruturao produtiva tambm

    poltica e ideolgica.

    Novamente segundo Ricardo Antunes ao introduzir o livro de Mszros:

    [...] outra contradio vital na qual o mundo mergulhou ainda mais intensamente

    neste incio de sculo: se as taxas de desemprego continuam se ampliando,

    aumentam de forma explosiva os nveis de degradao e barbrie social oriundas do

    desemprego. Se, ao contrrio, o mundo produtivo retomar os nveis de crescimento

    anteriores, aumentando a produo e seu modo de vida fundado na superfluidade e

    no desperdcio, teremos a intensificao ainda maior da destruio da natureza,

    ampliando a lgica destrutiva hoje dominante. (MSZROS, 2011, p. 13)

    Se antes havia a linha de produo, agora, existe a clula de produo. Se mudou

    a base de produo, mudou tambm o tipo de trabalhador, o qual deve passar a ser flexvel,

    autnomo e comunicativo. Para gerar esse novo profissional necessria uma nova

    qualificao profissional, uma nova pedagogia do trabalho, que prepare o trabalhador para

    lidar com o incerto, algo prprio do dinamismo produtivo. esta nova pedagogia do trabalho

    a responsvel pela gerao de uma nova pedagogia escolar.

    Na verdade, o que se percebe o fato de que essas novas mudanas ocorridas no

    mundo do trabalho repercutirem no contexto educacional, de forma mais negativa do que

    positiva, pois ao adotarem as polticas definidas, por exemplo, pelo Banco Mundial, os pases

    perifricos, tais como o Brasil, passam a contar com estratgias restritivas de ajuda, as quais

    nada mais querem do que a reduo de custos, regida pela chamada racionalidade financeira

    (KUENZER, 2002, p. 54).

    2.1 COMO TUDO COMEOU?

    Segundo Brasil (2012b) antes da existncia da fbrica, at o sculo XVI, o arteso

    isolado em sua prpria casa, conseguia produzir manualmente um nmero insipiente de

    produtos primeiramente para o consumo prprio e posteriormente para comercializar na vila

    onde morava. Naquele contexto o trabalhador se identificava com o produto final do seu

    trabalho, pois acompanhava todo o processo de transformao da matria-prima, desde sua

    extrao da natureza at o seu acabamento.

    Com o passar do tempo esse mesmo arteso em parceria com outros, abre uma

    pequena oficina ou manufatura para fabricar em menos tempo, mais produtos (sapatos, peas

  • 32

    de vesturio, mveis, etc.). Aqui quando o trabalho manufaturado substitui o trabalho

    artesanal, comea a busca cada vez maior por novos mercados e comea tambm uma

    simplificada diviso do trabalho entre esses artfices, que mesmo assim, ainda so donos do

    espao, da matria-prima e das ferramentas utilizadas.

    Na medida em que o tempo avanava, desenvolvia-se tambm o processo de

    industrializao. Surgem as primeiras fbricas (tecelagens, metalrgicas e siderrgicas) e

    depois os primeiros parques industriais na Inglaterra no final do sculo XVIII. Aqui o

    trabalhador j no mais dono dos meios de produo, mais somente dono da fora de

    trabalho. Ele tambm no se reconhece mais no produto final do seu trabalho porque agora s

    acompanha apenas uma nica etapa de todo o processo. aqui tambm, no seio da revoluo

    industrial que comea a se intensificar a diviso entre o trabalho intelectual e o trabalho

    manual, entre os que planejam e os que executam, entre os administradores da fbrica e os

    operrios da fbrica.

    A partir do sculo XIX alguns estudiosos comeam a se preocupar com a

    organizao do trabalho e assim novas demandas vo surgindo como, por exemplo, a questo

    da racionalizao, da diminuio do tempo de produo, do aumento da produtividade e

    consequentemente da lucratividade. a partir dessas pesquisas realizadas que vo surgir

    novas formas de organizao do mundo do trabalho. So essas novas maneiras de organizar o

    trabalho humano no sculo XX que vamos analisar no prximo tpico.

    2.2 FORMAS DE ORGANIZAO DA PRODUO: TAYLORISMO, FORDISMO E

    TOYOTISMO

    O Taylorismo um modelo de administrao que visa aperfeioar o modo como

    os capitalistas administram suas empresas e proporcionar ao empresariado maior

    lucratividade. De acordo com Pinto a ideia fundamental desse sistema de organizao o de

    uma especializao extrema de todas as funes e atividades do trabalhador (2007, p. 36),

    tendo como elemento essencial o Estudo do Tempo.

    Esse modelo de administrao empresarial foi desenvolvido por Frederick

    Winslow Taylor (1856-1915) jovem operrio aprendiz norte-americano que comeou sua vida

    profissional em uma fbrica metalrgica. Durante sua experincia como supervisor Taylor:

    [] percebeu que a capacidade produtiva de um trabalhador de experincia mdia

    era sempre maior que a sua produo real na empresa. Verificava que, se por um

    lado a destreza adquirida com o tempo aumentava a sua produtividade, por outro,

  • 33

    parte desta era perdida na troca constante de operaes, de ferramentas, nos

    deslocamentos dentro do espao fabril etc. (PINTO, 2007, p. 29).

    Ele percebeu tambm que alm das condies tcnicas, os trabalhadores tambm

    desenvolviam seus macetes para controlar o seu prprio tempo de trabalho, o que no

    considerava positivo, pois acreditava que quanto menor fosse o tempo empreendido na

    fabricao de um produto, maior seria a produtividade, portanto maior seria tambm a

    lucratividade e consequentemente melhor seria a oferta de empregos. Ento buscando chegar

    a uma soluo para esse problema resolveu subdividir todas as atividades do operrio e a

    cronometrar todo e qualquer gesto por mais simples que fosse para finalmente poder calcular

    o tempo real que um trabalhador gastava para executar aquela atividade. Com esses resultados

    em mos Taylor acreditava que os administradores poderiam cobrar de seus funcionrios o

    tempo dirio real de trabalho, nem mais (pois seria prejuzo para o empregado) nem menos

    (pois seria prejuzo para o empregador).

    Foi assim que a diviso tcnica do trabalho a partir desse momento passou a ser

    estabelecida pelas empresas como uma norma a ser obedecida pelo empregado e a ser cobrada

    pelo patro. O interessante que essa diviso minuciosa do trabalho vai ocasionar a

    contratao de mo de obra barata e, portanto pouco qualificada. Isso bvio porque se

    dividindo uma funo complexa em inmeras outras funes mais simples possvel

    contratar um operrio como pouco conhecimento, pois o que sua atividade laboral vai exigir

    apenas uma habilidade mnima, especfica e repetitiva.

    Todo esse processo de racionalizao da produo idealizado e posto em prtica

    por Frederic Taylor tendeu-se a se intensificar com o advento de uma nova forma de

    organizao do mundo do trabalho o Fordismo.

    O Fordismo outra tendncia de administrao do modo de produo capitalista

    criado por Henry Ford (1862-1947) tambm nos Estados Unidos no final do sculo XIX e

    incio do sculo XX. Ford comeou como mecnico em uma pequena oficina; depois foi

    contratado por empresas fabricantes de veculos a vapor; posteriormente realizou inmeros

    estudos sobre motor a combusto; depois construiu seu primeiro carro em 1894 (um

    calhambeque); e, por fim, construiu em 1903 em Detroit, a Ford Motor Company, ainda hoje,

    uma das principais fabricantes de veculos automotores do mundo. Seu principal objetivo era:

    [] a diminuio do tempo de fabricao dos veculos em sua empresa. Isso

    reduziria o custo de cada veculo, o que implicaria a diluio dos custos fixos numa

    grande quantidade de automveis produzidos, atingindo-se assim, a chamada

    economia de escala. (BRASIL, 2012b, p. 76).

  • 34

    Por acumular a experincia de construtor, pesquisador, empresrio e tambm

    gestor, Ford pde executar inmeras inovaes em sua empresa. Um exemplo disso criao

    da linha de produo ou linha de montagem um [] mecanismo composto de estaes de

    trabalho que transportam peas e ferramentas, diminuindo o tempo de deslocamento do

    trabalhador no interior da fbrica e aumentando a velocidade da produo [] (BRASIL,

    2012b, p. 77).

    Outro exemplo de pioneirismo o fato dele j naquela poca pensar em um

    grande mercado consumidor. Assim criou a produo em massa ou produo em larga escala,

    atravs no apenas da fabricao de produtos padronizados, como da prpria padronizao

    dos processos produtivos e com isso estimulou o consumo em massa.

    Com o tempo o Taylorismo e o Fordismo se fundiram em um s o Sistema

    Taylorista/Fordista modelo de administrao e organizao do trabalho presente nos pases

    centrais de economia capitalista, a partir da primeira grande guerra. De modo geral pode-se

    dizer que esse modelo de administrao baseia-se na centralizao do poder (estrutura

    verticalmente hierarquizada) e na padronizao da produo (repetio na realizao das

    atividades laborais).

    Enquanto o Taylorismo/Fordismo se desenvolveu e se consolidou no contexto de

    crescente economia; o Toyotismo germinou em meio a um lento crescimento da economia.

    Esse novo modo de organizao do trabalho comeou no Japo por intermdio do

    engenheiro industrial Taiichi Ohno que viu na empresa onde trabalhava a Toyota Motor

    Company a necessidade que o pas tinha de crescer depois da destruio da II Grande

    Guerra.

    Essa empresa em 1947 implantou um dos mais caractersticos elementos desse

    sistema a autonomao termo que surge da fuso das palavras autonomia e automao e se

    traduz num:

    [...] processo pelo qual acoplado s mquinas um mecanismo de parada automtica

    em caso de detectar-se algum defeito no transcorrer da fabricao, permitindo-as

    assim a funcionar autonomamente (independente da superviso humana direta), sem

    que se produzissem peas defeituosas. A implantao de tal mecanismo passou a

    permitir que a um s operrio fosse atribuda a conduo de vrias mquinas dentro

    do processo produtivo, rompendo com a relao um trabalhador por mquina,

    clssica do sistema taylorista/fordista (CORIAT, 1994, p.37, apud PINTO, 2007, pp.

    74-75).

    Mesmo com a crise em 1949 (e a demisso de funcionrios em 1950) a Toyota

    atravs de seu processo de autonomao, conseguiu atender a demanda de produtos feita pela

  • 35

    Coria durante a guerra (1950-1953). Essa situao excepcional (de ter que produzir muito em

    pouco tempo ou ento a empresa decretaria falncia) exigiu dos trabalhadores uma rpida

    adaptao, ao mesmo instante em que tinha que desenvolver mltiplas funes e se

    responsabilizar por vrias etapas do processo produtivo.

    Como nos lembra Pinto (2007):

    A combinao de autonomao, polivalncia e celularizao, promoveu uma

    realocao das mquinas por trabalhador, estabelecendo, [...] no apenas uma nova

    racionalizao das operaes de cada posto no processo produtivo, mas uma nova

    sincronizao dos postos e das clulas entre si, visando uma diminuio tanto do

    acmulo de estoques em cada mquina (ou em cada clula), bem como perdas de

    tempo no decorrer do transporte dos produtos ao longo da fbrica. (pp. 80-81).

    Aqui fica clara a principal diferena entre Taylor e Ohno e, portanto entre o

    Taylorismo e o Toyotismo: enquanto o primeiro buscava a especializao de cada funo

    laboral, o segundo defendia a polivalncia ou multifuncionalidade do trabalho humano. Outra

    diferena que nesse novo modo de organizao do trabalho, ocorre um novo rearranjo no

    interior da fbrica: ao invs da linha de produo, onde os trabalhadores permaneciam

    isolados em seus postos de trabalho ou separados em departamentos, agora existe a clula de

    produo, onde os operrios ficam arrumados em ilhas produtivas compostas por grupos de

    trabalhadores que podem escolher seu prprio lder.

    interessante observar aqui que termos como especializao e departamentos,

    polivalncia e lder nos rementem ao contexto educacional; as primeiras expresses se

    assemelham ao modelo mais antigo de organizao educacional e as segundas, a um modelo

    mais moderno. Essa semelhana entre empresa e escola ser tratada mais adiante.

    2.3 A REESTRUTURAO CAPITALISTA

    Durante um bom tempo os pases capitalistas de economia central lucraram

    bastante com o modelo Taylorista/Fordista de produo em larga escala. Isso s foi possvel

    devido interligao entre trs importantssimos elementos: o fortalecimento dos movimentos

    sindicais, a criao de um Estado de Bem Estar Social e o crescimento econmico.

    No entanto, de acordo com PINTO (2007), a partir dos anos de 1970 com a crise

    do petrleo e a concorrncia das atividades do setor de servios, as indstrias da poca

    tiveram que modificar sua produo, deixando de lado a padronizao e investindo em

  • 36

    tecnologias que agregassem valor aos seus produtos, bem como na personalizao dos

    mesmos.

    Isso vai exigir das empresas grandes mudanas em sua organizao interna como:

    flexibilidade na produo, diminuio do tempo gasto, baixo preo e qualidade dos produtos,

    entrega rpida, reduo do quadro de funcionrios, de equipamentos e de estoques. Todas

    essas mudanas impostas pelo contexto dos anos 70 eram impensveis no modo rgido de

    produo Taylorista/Fordista que teve que ser substitudo para que no se tornasse um

    impedimento para o crescimento econmico.

    Foi assim que surgiram outras experincias de organizao do trabalho que vo

    exigir do empregado o desenvolvimento de inmeras habilidades; ao mesmo em que vo

    exigir do empregador a implantao de mecanismos de participao como forma de controle

    da resistncia por parte dos trabalhadores. So essas mudanas no interior da fbrica e em

    outras instituies e no modo como o trabalhador se comporta nelas que chamamos de

    Reestruturao Capitalista. Embora essa reestruturao seja mais visvel na dimenso

    produtiva, ela tambm acontece nas dimenses poltica e ideolgica, pois as modificaes no

    so apenas na forma como o trabalhador altera a produo, mas tambm na forma como ele

    compreende essa produo e na forma como ele se porta frente s questes sociais, j que esse

    mesmo trabalhador ou tem sua luta sindical enfraquecida ou acaba sendo cooptado.

    O Toyotismo um bom e atual exemplo de como esse processo de reestruturao

    da produo capitalista vem ocorrendo nos ltimos anos. Nas palavras de Pinto ele superou o

    modelo anterior:

    [] por no buscar eliminar ou minimizar o confronto entre a classe trabalhadora e

    o empresariado nos locais de trabalho, mas sim, por aproveitar-se dessa situao e,

    atravs da manipulao da subjetividade dos trabalhadores, extrair-lhes o acmulo

    de conhecimentos tcitos que adquire, a favor da acumulao capitalista. (2007, p.

    72).

    Segundo esse mesmo autor o Toyotismo tem:

    [] como fundamento uma metodologia de produo e de entrega mais rpidas e

    precisas [], associada justamente manuteno de uma empresa enxuta e

    flexvel. Isso obtido pela focalizao no produto principal gerando

    desverticalizao e subcontratao de empresas que passavam a desenvolver e a

    fornecer produtos e atividades , com utilizao de uma fora de trabalho

    polivalente agregando em cada trabalhador atividades de execuo, controle de

    qualidade, manuteno, limpeza, operao de vrios equipamentos simultaneamente,

    dentre outras responsabilidades. (2007, p. 53)

  • 37

    Ricardo Antunes na introduo do livro: A Crise Estrutural do capital Mszros

    (2011) comenta sobre a reestruturao produtiva que corri o trabalho, descrevendo um pouco

    dessa passagem do velho modelo rgido para um novo modelo flexvel:

    Depois da intensificao do quadro crtico nos Estados Unidos e demais pases

    capitalistas centrais, estamos presenciando profundas repercusses no mundo do

    trabalho em escala global. No meio do furaco da crise que agora atinge o corao

    do sistema capitalista, vemos a eroso do trabalho relativamente contratado e

    regulamentado, herdeiro da era taylorista e fordista, modelo dominante no sculo

    XX resultado de uma secular luta operria por direitos sociais que est sendo

    substitudo pelas diversas formas de empreendedorismo, cooperativismo,

    trabalho voluntrio, trabalho atpico, formas que oscilam entre a

    superexplorao e a prpria autoexplorao do trabalho, sempre caminhando em

    direo a uma precarizao estrutural da fora de trabalho em escala global. Isso

    sem falar na exploso do desemprego que atinge enormes contingentes de

    trabalhadores [...]. (p. 13).

    Del Pino resume bem essa nova conjuntura:

    Apoiada numa nova base tcnica, flexvel, est em curso uma diminuio do tempo

    global de trabalho necessrio, o que colabora no s para a reduo dos postos de

    trabalho, como tambm para a extino de inmeras profisses, enquanto novas

    ocupaes so criadas. Estamos vivenciando mais uma importante contradio

    criada sob o capitalismo. As foras produtivas desenvolvem-se como nunca, mas os

    benefcios desse desenvolvimento atingem cada vez menos pessoas. A grande massa

    de trabalhadores est excluda desse processo. (1996, p. 79).

    Ao se analisar de forma bem ampla as mudanas que ocorrem no cho da fbrica

    decorrentes da troca de um regime de organizao do trabalho rgido e hierrquico para um

    regime flexvel e descentralizado possvel perceber embora de forma sutil, que essas

    mesmas mudanas tambm ocorrem no cho da escola. E isso vai requerer um novo trabalho

    docente que exigir uma nova formao docente. essa relao to prxima (embora parea

    distante) entre mundo do trabalho e a formao dos profissionais da educao que trataremos

    no prximo tpico.

    2.4 O NOVO TRABALHO DOCENTE

    Toda essa mudana na organizao do trabalho em geral e no modelo de

    gerenciamento da educao e da escola em particular, vai exigir dos profissionais da

    educao, sejam eles docentes ou gestores, uma nova postura, adquirida a partir de uma nova

    formao.

  • 38

    Segundo Cunha (2003) at o final dos anos setenta aqui no Brasil era forte a

    influncia da Psicologia da Educao na formao docente que dava especial ateno aos

    aspectos cognitivos e comportamentais.

    Ribeiro (2010) afirma que primeiramente por influncia da Pedagogia Tradicional

    o professor necessitava dominar os conhecimentos da cultura geral, pois todo o processo

    educativo centrava-se na figura do professor. Este era visto como o nico detentor de um

    saber erudito que deveria transmitir aos alunos, agentes passivos desse processo.

    Com a influncia da Pedagogia Nova as relaes pedaggicas passaram a ser mais

    consideradas, enquanto que os contedos antes valorizados ficaram em segundo plano. A

    centralizao do processo ensino-aprendizagem desloca-se para o educando. Ainda de acordo

    com Ribeiro (2010) ao professor cabe agora desenvolver uma postura relacional, devendo

    atuar como incentivador da aprendizagem. O autor observa que assim, a formao do docente

    tornou-se superficial, sem o devido enfoque intelectual, pois se limitou a preparar o

    profissional para o uso de mtodos e tcnicas pedaggicas.

    Somente na dcada de 1980 que comea a influncia da Sociologia da Educao

    no Brasil. somente nesse momento sobre a influncia de uma Teoria Crtica da Educao

    que se torna possvel perceber que so as condies sociais que determinam os fenmenos

    educacionais. A partir daqui o currculo poderia ser visto como artefato cultural.

    J nos anos noventa a formao de professores reaparece no cenrio educacional

    com forte apelo profissionalizao. Formar o professor passa a ser encarada como uma

    questo de estado e o slogan profissionalizar o professor. Essa uma exigncia dos

    organismos internacionais, determinada a partir da Conferncia Mundial de Educao Para

    Todos realizada em Jomtien na Tailndia em 1990 que estabeleceu os quatros pilares da

    educao: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

    A temtica Profissionalizao torna-se recorrente nos documentos oficiais e nos

    trabalhos da ANPED Associao Nacional de Pesquisa em Educao buscando encontrar

    uma nova identidade docente. Dentre os aspectos enfatizados nesse modelo de

    profissionalizao podemos destacar: o currculo das competncias; o vis pragmtico; a

    abordagem interna escola, ligada alterao da prtica pedaggica e qualidade do ensino.

    Duas crticas podem ser feitas a esse momento da educao brasileira: a primeira

    que a transformao na prtica pedaggica passa a ser vista como a nica responsvel pela

    transformao da sociedade. Mas sendo a competncia tcnica, a dimenso fundante da

    profissionalizao docente, temos ento, profundamente comprometida a formao ampla do

    educador. A outra crtica a ser tecida sobre esse contexto que vrios estudiosos da educao

  • 39

    apontaram limites na discusso das polticas educacionais, porm no discutiram sobre os

    determinantes sociais dessas polticas.

    Casassus (1995) revela que o termo profissionalizao est relacionado com a

    eficcia poltica (capacidade de gerar o dilogo social) e eficincia especializada

    (competncia tcnica na gesto pblica). Em outras palavras a profissionalizao serviria

    como um mecanismo fundamental da reforma do estado.

    Usando as prprias palavras do professor Ribeiro (2010) pode-se fazer o seguinte

    resumo a respeito da formao docente:

    Em sntese, percebe-se que no movimento atual das foras sociais, [...] alguns

    modelos predominantes apareceram para a formao do educador: um mais

    tradicional, explicitamente sedimentado e influenciado pelos moldes da cincia

    instrumental, preocupado com a transmisso de contedos, e que atende a diviso

    social do trabalho do capitalismo, em sua fase anterior, ou seja, ao modelo taylorista

    e fordista das relaes de produo e de trabalho; o segundo a formao dos

    especialistas em educao, j to criticada e defasada em sua prtica e que, pouco,

    ou quase nada, estava envolvida com a docncia; o outro caminho aparece com

    roupagem de renovao e de melhoria de qualidade: formao de educadores

    eclticos, com conotao polivalente e que atende s exigncias neoliberais do

    modelo empresarial aplicado educao e escola. Sua nfase era a competio, a

    reduo de pessoal, os treinamentos e a produtividade; o quarto modelo, no qual se

    incluem a formao do educador generalista, teve por base o entendimento de que os

    movimentos na sociedade so parmetros maiores para a reflexo social e

    educacional. Essa formao exige fundamentao terica e cultural consistente para

    uma leitura da realidade, tem como base a prxis do educador, na qual ele relaciona

    a teoria e a prtica. Existe uma nfase numa educao que valorize o ensino dos

    contedos, sem perder de vista os condicionamentos e as perspectivas histricas dos

    contextos sociais. Um quinto modelo o que enfatiza principalmente o magistrio.

    Bastante preocupado com o baixo rendimento e a precria aprendizagem dos alunos,

    ele prioriza uma formao baseada especialmente nas metodologias e nas tcnicas de

    ensino. (p. 113-114).

    Desde a dcada de 1970 o Banco Mundial vem ditando um modelo de educao

    para os pases perifricos. Esse modelo aponta para educao bsica como o nico caminho

    para o desenvolvimento econmico, ao mesmo tempo em que sugere a privatizao dos outros

    nveis de educao.

    A justificativa que a educao superior torna-se um nvel muito oneroso para os

    pases em desenvolvimento e que para formar uma mo de obra qualificada basta o

    investimento em um ensino que garanta o saber ler, escrever e calcular. Segundo Digenes e

    Lima (2011) o que importa garantir um saber mnimo que possibilite ao cidado sua

    insero num mundo globalizado.

    Da vem necessidade do surgimento do currculo das competncias que se

    concretiza na implementao das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos Parmetros

  • 40

    Curriculares Nacionais que acrescentam os Temas Transversais que advm da influncia de

    fatores culturais. formao cabe desenvolver as potencialidades atravs do enfoque nas

    atitudes e nos valores.

    Segundo Lima e Ferreira (2011) para atender as exigncias internacionais o

    governo brasileiro lana programas que diminuem a obrigao do estado com a educao

    superior, ao mesmo tempo em que acarreta a sua privatizao ao incentivar a iniciativa de

    instituies particulares. O interessante que essas medidas so anunciadas como uma

    poltica de acesso e democratizao do ensino superior.

    Dentre elas pode-se destacar o exemplo da educao a distncia que se de um lado

    pode atingir os lugares mais longnquos, do outro, pode tambm servir como um mercado

    lucrativo de venda de servios educacionais de qualidade duvidosa. O PROUNI por sua vez

    ao oferecer bolsas de estudos a estudantes em instituies privadas impede que uma fatia

    significativa dos recursos pblicos seja aplicada a instituies estatais; alm de beneficiar com

    iseno fiscal grandes empresas que sequer garantem uma boa qualidade nos cursos

    oferecidos. J o FIES ao oferecer o financiamento de cursos superiores em instituies

    particulares tira de muitos alunos a oportunidade de estudarem em uma verdadeira

    universidade que privilegie o trip entre ensino, pesquisa e extenso.

    A imerso na realidade brasileira nos permite afirmar que as polticas

    governamentais implantadas a partir de 1990 tm trazido para o seio da educao: a adeso de

    novos programas e projetos de financiamento da educao (Programa Universidade para

    Todos PROUNI e do Programa de Financiamento Estudantil FIES); alm de novas formas

    de avaliao do rendimento dos alunos (realizao de avaliaes em larga escala, contribuindo

    para a criao de rankings).

    Consequentemente, isso tem gerado no contexto da formao docente

    modificaes profundas, pois se hoje j houve a massificao da escola e a educao vista

    como mercadoria, consequentemente o mercado vai sempre ter uma demanda por novos

    professores. Esses por sua vez, vo precisar de uma formao cada vez mais rpida. Essa

    formao aligeirada e superficial vai gerar a procura por uma formao continuada, ou

    formao em servio.

    Por fim imprescindvel notar que a atuao de professores que faam frente

    complexidade e aos enormes desafios que caracterizam os contextos educacionais, contudo,

    via de regra, a formao dos professores ainda ocorre em uma perspectiva de salas de aula

    ideais e de escolas que no mais existem. Paralela a tal demanda temos uma crescente

    burocracia e um aumento de atribuies s escolas e aos docentes.

  • 41

    Tanto a criao e a manuteno efetiva de comunidades de aprendizagem,

    envolvendo escola e universidade, quanto a reflexo e a investigao que valorizem a prtica

    como fonte e local de aprendizagem so aes que auxiliam (re) construo do

    conhecimento e da profisso docente.

    Um aumento na qualidade da educao exige profissionais habilitados a

    enfrentarem os desafios pertinentes docncia e que incorporem o compromisso com o

    ensino e a aprendizagem no decorrer de sua vida profissional.

    Anteriormente, no modelo Taylorista/Fordista, [] a funo do ensino superior

    era a formao de quadros especializados para atender s demandas de uma produo cada

    vez mais diversificada [] (KUENZER, 2002, p. 16). No havia a necessidade de formao

    continuada, pois o curso superior j correspondia s formaes inicial e final. Alm disso, o

    trabalhador, por j ter adquirido a estabilidade, no necessitava atualizar-se, na medida em

    que quase no havia dinamismo no desenvolvimento cientfico-tecnolgico, e o mercado

    ainda comportava-se de maneira estvel e rgida.

    Com a transferncia da base eletromecnica para a base microeletrnica, surgem

    repentinos avanos na produo, com o advento de novos equipamentos. Tudo isso

    repercutir na formao do profissional, que agora deve desenvolver inmeras competncias.

    Eis que surge a demanda por uma formao continuada e flexvel, que possa acompanhar as

    rpidas transformaes do mercado produtivo.

    Se foram alteradas as formas de gesto, como vimos anteriormente, alteram-se

    tambm a formao desses novos gestores, que iro atuar nas unidades escolares. A formao

    do generalista substitui a do especialista. O que importa no a memorizao de

    procedimentos, mas a capacidade de usar o conhecimento cientfico para superar as

    adversidades. Importa, ainda, saber trabalhar em grupo, dividir as responsabilidades, conhecer

    novas formas de organizao, gesto e controle do trabalho. Vejamos aqui as caractersticas

    da reestruturao produtiva e do Toyotismo aparecendo novamente.

    O quadro a seguir ilustra de forma resumida os principais aspectos que

    caracterizam cada modelo de organizao do trabalho:

  • 42

    Quadro 2: Modelos de Administrao

    BUROCRTICO GERENCIAL

    Modelo Piramidal Modelo Circular

    Comea no Ps-Guerra Comea na Redemocratizao do Pas

    Atende ao Padro Nacional-Desenvolvimentista Atende ao Padro Econmico Global

    Aumento da Interveno Estatal Diminuio do Papel do Estado

    Concentrao de poder Delegao de poder (empowerment)

    Centralizao Descentralizao

    Hierarquia Democracia

    Burocracia Autonomia

    Estabelecimento de normas Definio de metas

    Controle das decises Monitoramento dos resultados

    Chefia Gerncia

    Direo Gesto

    Prticas de responsabilizao (accountability)

    Fonte: Elaborao prpria a partir de Castro (2007).

    No quadro acima possvel identificar novamente que vrios termos, expresses

    e/ou conceitos utilizados no mundo empresarial, migraram para o contexto educacional. Isso

    tanto ocorreu no passado quando da utilizao do modelo mais rgido, como no presente com

    a adoo do modelo mais flexvel.

    Ao analisarmos os documentos oficiais de muitos eventos internacionais que

    marcaram as dcadas de 1990 e 2000, tendo sido realizados por rgos como a ONU, a

    UNESCO e o Banco Mundial, possvel observar que esses dispositivos ao elegem a

    educao como fator primordial para o desenvolvimento da economia dos pases perifricos,

    coloca sobre o professor um fardo muito grande de responsabilidade, ao mesmo tempo em

    que estimulam a elaborao de instrumentais constantes de avaliao. A esse respeito vejamos

    o que diz Ramos:

    [...] as reformas educativas, na Europa, na Amrica Latina e no Brasil, desde os anos

    de 1990, imprimem forte centralidade na gesto e na responsabilizao de

    professores, notadamente em relao ao rendimento escolar que, conforme anlises

    oficiais, luz do reformismo conservador, depende sobremaneira da boa atuao

    desses profissionais, menosprezando outras variveis. (2015, p. 13)

    Jimenez, Mendes Segundo e Rabelo (2009) na anlise que fazem das declaraes

    aprovadas nessas conferncias nos alerta sobre essa questo:

  • 43

    [...] as polticas de avaliao so instrumentos sistemticos e peridicos, presentes

    na forma de recomendaes, em todas as declaraes aqui apresentadas. Na

    essncia, criam a iluso de que preciso reformar a educao, atribuindo ao

    professor um papel determinante no alcance da qualidade do ensino pblico. Nessa

    acepo, responsabilizam o docente pelo inventrio infindvel de problemas

    educacionais, condenando-o pelas precrias condies do ensino pblico com que

    nos defrontamos de forma particularmente drstica nos pases pobres. (p. 14).

    Neste sentido cabe ao professor tentar se qualificar se aperfeioar para estar

    altura do desafio proposto. Neste caso ele forado a procurar programas alternativos de

    formao continuada e/ou em servio, cursos distncia com carga horria reduzida,

    aligeirados, aos fins de semana, com fragmentao do currculo, muitas vezes pagos, alm de

    outras formas precarizadas de aperfeioamento.

    Para Ribeiro (2016) essa nova fase de desenvolvimento do capitalismo tem gerado

    novas formas de explorao do trabalho docente:

    Contraditoriamente, ao mesmo tempo que a educao escolar se torna central e o

    trabalho do professor [] considerado indispensvel, [ocorre] a desvalorizao social

    e de remunerao da profisso de professor [...]. Excessiva jornada de trabalho, nas

    escolas ou em casa, [...] formao inicial ou continuada nas frias ou em fins de

    semana, exigncia crescente pela participao em cursos de ps-graduao em

    horrios complementares aos de trabalho, demanda crescente pela participao em

    numerosos programas governamentais implementados na escola, obrigao velada

    de preparar alunos para as avaliaes de desempenho [...], necessidade de

    atualizao permanente em novas abordagens, metodologias didticas ou com as

    novas tecnologias, sem falar na convivncia com o medo trazido pela trgica

    novidade do crescimento da violncia nas escolas [...]. [Tudo isso traz] como uma de

    suas consequncias mais negativas, a desiluso e o cansao fsico e mental, de que

    so vtimas alguns professores diante de sua profisso. (p. 18-19)

    Essas difceis condies de trabalho tambm tem gerado uma precarizao do

    trabalho docente, ocasionando a reduo do trabalho formal e regular e abrindo brechas para a

    implantao de regimes e contratos de trabalho mais flexveis, o que vai trazer o aumento do

    trabalho informal, do trabalho temporrio, da subcontratao, da terceirizao. Assim como

    nos lembra Harvey (1993) citado por Behring (2003) vai haver uma diviso muito ntida da

    classe trabalhadora: de um lado, um grupo de profissionais concursos e/ou estabilizados com

    maior qualificao e melhores salrios e do outro, um grupo de profissionais com alta

    rotatividade, menor nvel de escolarizao, perda dos direitos e diminuio salarial.

    por isso que podemos afirmar que a reestruturao capitalista alm de ser uma

    reestruturao produtiva tambm na verdade, uma reestruturao poltica e ideolgica, pois

    toda essa precarizao do trabalho vai gerar como nos lembra Behring (2003) um retrocesso

    da luta sindical. A esse respeito, vejamos o que nos diz o autor:

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    Esses processos abalam as condies de vida e de trabalho da classe trabalhadora e

    vm desencadeando mudanas nas formas de organizao poltica. Presencia-se a

    queda dos ndices de sindicalizao, bem como a dificuldade de organizar

    politicamente [os trabalhadores]. [...] Esses processos apontam para obstculos na

    constituio de uma conscincia de classe para si, minando a solidariedade de classe

    e enfraquecendo a resistncia reestrutura produtiva. (p. 36-37)

    No Brasil a LDB em seu Art. 87, pargrafo 4, define que a partir de 2007 [...]

    somente sero admitidos professores habilitados em nvel superior ou formados por

    treinamento em servio.. (CARNEIRO, 2007, p. 202). Isso tem gerado uma verdadeira

    corrida por formao e uma proliferao de cursos de formao de professores, tanto em

    instituies particulares como em instituies pblicas.

    Baseando-se nas leituras de autores como Brzezinski (1997), podemos afirmar

    que estes cursos de formao de professores em servio, caracterizam-se pela diminuio da

    estru