família e pós-modernidade - por roney ricardo
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Pós Modernidade, Hiper Modernidade, Modernidade Líquida, entre outros, são os títulos dados pelos especialistas da sociologia e de outros ramos do saber humano ao tempo em que vivemos. A despeito de qual dessas nomenclaturas possamos escolher, ou qual delas venha ser mais usada e explorada pelos especialistas no assunto, uma coisa é certa: vivemos num tempo de profundas mudanças e instabilidades. Não sou sociólogo, filósofo e nem antropólogo, mas me atrevendo a refletir sobre nosso tempo, gostaria de nomeá-lo com uma expressão bíblica já bem conhecida de todos nós: “Tempos Terríveis!”2 O sociólogo polonês Zigmund...TRANSCRIPT
Família e Pós Modernidade
Professor Roney Ricardo1
Pós Modernidade, Hiper
Modernidade, Modernidade Líquida, entre
outros, são os títulos dados pelos
especialistas da sociologia e de outros
ramos do saber humano ao tempo em que
vivemos. A despeito de qual dessas
nomenclaturas possamos escolher, ou qual
delas venha ser mais usada e explorada
pelos especialistas no assunto, uma coisa é
certa: vivemos num tempo de profundas
mudanças e instabilidades. Não sou
sociólogo, filósofo e nem antropólogo, mas
me atrevendo a refletir sobre nosso tempo,
gostaria de nomeá-lo com uma expressão
bíblica já bem conhecida de todos nós: “Tempos Terríveis!”2 O sociólogo polonês Zigmund
Bauman utiliza em sua obra a figura da liquefação, da liquidez, para descrever nosso tempo.
Para Bauman, nada é sólido, antes, tudo é líquido, isto é, tudo se desfaz, se desmancha, nada
é duradouro, seguro, firme. Sem dúvida alguma, uma percepção genial e verdadeira do
sociólogo Bauman. Nietszche, filósofo alemão do século 19, que escreveu sobre a “morte de
Deus”, é considerado por estudiosos como o filósofo que descreve antecipadamente todo o
século 20. Porém, em pleno século 21, reconhecemos que Nietsche tinha, de certa forma,
alguma razão em sua descrição, pois parte dela continua valendo para o nosso século. A
despeito do “boom religioso” que presenciamos atualmente no Brasil e no mundo todo, o
homem vem se apegando aos elementos dessa era pós moderna e “matando Deus”, por assim
dizer. Que pese o fato de que o ateísmo – a negação consciente de Deus – se fosse
catalogado como religião, em termos de número seria a quarta maior do mundo! Diante do
exposto, nos perguntamos qual o futuro da família e qual o impacto disso tudo para ela? Ou
melhor ainda (reformulando a pergunta): qual o impacto da pós modernidade sobre a família?
Para respondermos a essa pergunta precisamos primeiro considerar o fato de que
somos diretamente afetados em nosso cotidiano pelo pensamento pós moderno. Nossa família
é afetada assim também. Isso porque fazemos parte da sociedade, porque nós mesmos
somos a sociedade. Em nossas igrejas, muitas vezes, ensinamos e fomos ensinados a não
“misturarmo-nos com o mundo”, afinal, somos “igreja de Cristo”, um povo eleito, escolhido,
“chamado para fora” do mundo. Penso que trabalhamos muito mal esse conceito de
separação. Creio que ele é mais bem compreendido quando o consideramos como a não
adesão a práticas e à cosmovisão do mundo que se chocam frontalmente com os valores
bíblico-cristãos, e não necessariamente como o abandono ou a negação de relacionamentos,
de direitos e deveres sociais, da cidadania, da participação social, etc. Esquecemo-nos da
oração do Mestre Amado: “Pai, não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (Jo
17.15 – Almeida Corrigida e Revisada Fiel). Todavia, mesmo que façamos bem essa distinção
quanto ao conceito de separação do mundo, o problema da influência da pós modernidade
persiste de certa forma, a família continua e continuará sendo atingida pelos males da pós
modernidade. E quais são esses males? A pós modernidade é marcada por muitos fenômenos,
mas por exigüidade de tempo e espaço, quero salientar aqui apenas três desses fenômenos,
1 Membro da AD capixaba, graduado em teologia, psicanalista clínico, cursando Segunda Licenciatura em Pedagogia, escritor, professor de teologia e palestrante nas áreas de Família, Bíblia e Teologia. 2 Cf. 2 Timóteo 3.1 na NVI.
que sem dúvida alguma causam um impacto tremendamente negativo sobre a família. Daí a
importância de identificá-los, reconhecer sua nocividade e reagir a eles. O primeiro é o
fenômeno da fragilização dos relacionamentos humanos. Já não construímos ou mesmo,
não conseguimos construir relacionamentos duradouros. Abrimos mão das pessoas por pouca
coisa – muito facilmente. Cito mais uma vez Bauman: ele conta que alguém lhe relatou ter feito
500 “amigos” no facebook ! Em face disto, ele comenta que aos 86 anos não havia conseguido
realizar tal feito! Parece que tudo a nossa volta contribui para essa fragilização, inclusive as
modernas tecnologias da comunicação (mas que comunicação estamos produzindo?). Como
nunca antes o divórcio vem atingindo estatísticas astronômicas, pois afinal, o outro já não vale
tanto a pena assim. Importar o outro para a agenda pessoal é realmente um grande desafio.
Como bem observa o Reverendo Hernandes Dias, em uma de suas pregações, os pais hoje
tentam compensar “ausência com presentes”. Estamos mais preocupados com a “pós-
graduação” do que com a construção de relações profundas. Nossas salas de estar a muito
deixaram de ser projetadas para que as pessoas se sentem uma em frente à outra. O resultado
dessa fragilização para a família? Esfacelamento! O segundo fenômeno que menciono é o que
o filósofo Mário Cortella chama de miojização3 da vida!
4 Tudo em nosso tempo é
extremamente rápido, e convenhamos: em nossa agenda apertada, isso nos atrai muito, nos
parece útil, muito útil. Mas essa aceleração acaba reduzindo também a duração e qualidade de
coisas importantes em nossas vidas. Oferecem-se cursos superiores em dois anos ou menos,
mas isso reduz a qualidade do conhecimento adquirido. Nossas refeições tornaram-se fast
food5 mas no pacote, não apenas a comida ficou mais rápida, isso também reduziu
drasticamente o tempo que passamos juntos com nossos familiares nesses momentos de
refeição (é claro, estou sendo muito otimista, afinal, fazer as refeições juntos também já deixou
de fazer parte da nossa agenda). Tudo hoje é rápido, tudo dura pouco, inclusive nossos
relacionamentos. O terceiro fenômeno da pós modernidade que menciono é o da ruptura com
os marcos antigos. Um valor marcante da pós modernidade é não ter nenhum valor a se
preservar. O relativismo tem sido levado a cabo até as últimas conseqüências. Mas mesmo
pensadores não cristãos se perguntam até onde e quando podemos levar isso avante?
Considerar valores cristãos no contexto pós moderno tornou-se um desafio enorme, afinal
defender conceitos como virgindade, fidelidade conjugal, amor ao próximo, entre outros, é
expor-se ao ridículo (ridículo na mentalidade pós moderna).
Em face disso tudo (e ainda muito mais!), o que fazer? Talvez como nunca antes, como
cristão estou tendo a oportunidade de vivenciar o “sereis odiados por minha causa” e o desafio
de não conformar-se com o mundo, como diz Paulo em Romanos 12.1ss. Mas, para as
famílias, esse é o caminho! Fazer a vontade de Deus significa em muitos momentos, romper
com padrões comportamentais estabelecidos pela sociedade pós moderna. Como disse no
início, eu chamaria nossa era de “Tempos Terríveis”, pegando emprestada a expressão do
apóstolo Paulo. É claro que há coisas boas, mas o perigo jaz à porta! É o momento de
fortalecer os elos familiares, fortalecer as nossas relações. É hora de aproximar-se do outro
não apenas pelo som reproduzido por uma aparelho celular ou pela tela de um PC, mas face a
face, o velho olho a olho, mano a mano. Penso que a resposta para os males oferecidos pela
pós modernidade está em retornarmos aos valores cristãos, resumidos na dupla ordenança:
amar ao Senhor sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Já sei: na pós
modernidade isso parece até uma utopia e se você optar por essa escolha, estará, certamente
sozinho, ou no máximo, entre um número minguado de pessoas, afinal, nosso tempo é o tempo
do consumismo, do interesse pessoal. Essa conversa de amar o próximo e de valores já não
faz muito sentido. Todavia, como bem disse Madre Teresa de Calcutá, “O dever é uma coisa
3 Uma referência ao macarrão instantâneo da marca Miojo, que é preparado em apenas três minutos. A ideia é a de rapidez, instantaneidade. 4 E aqui tomo emprestada a metáfora do ilustre filósofo. 5 Expressão inglesa que significa “comida rápida”.
muito pessoal; decorre da necessidade de se entrar em ação, e não da necessidade de insistir
com os outros para que façam qualquer coisa”. O que Bauman constata é apenas uma
adaptação em termos sociológicos do que Paulo já antevira séculos antes: “nos últimos dias
sobrevirão tempos terríveis. Os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes,
blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis,
caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, precipitados, soberbos,
mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas
negando o seu poder...” (2 Tm 3.1-5). Interessante notar que em face de toda essa descrição
assustadora que Paulo faz, um tanto desoladora, Paulo diz a seu filho na fé, Timóteo: “Mas
você...” Louvamos a Deus porque sempre haverá um “mas você”oferecido graciosamente por
Cristo Jesus. Como disse o Pastor David Wilkerson, construa as paredes ao redor de você e da
sua família. Deus o abençoe ricamente em Cristo.
Professor Roney Ricardo
Membro da AD capixaba, graduado em teologia,
psicanalista clínico, cursando Segunda Licenciatura em Pedagogia,
escritor, professor de teologia e palestrante nas
áreas de Família, Bíblia e Teologia.