falta de avião da fab impede transplante de coração em criança

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Domingo 10.1.2016 l País l O GLOBO l 5 -BRASÍLIA- Gabriel tem 12 anos e precisa de um cora- ção novo. Doadores para crianças na fila de espera são raros. Doações de coração, então, são raríssi- mas. O órgão é o que tem o menor tempo de is- quemia — o menor período em que pode ficar sem irrigação sanguínea nenhuma: quatro horas, o prazo completo para trocar de peito. No primeiro dia do ano, o menino de Brasília teve uma oportu- nidade real de transplante. O coração novo, po- rém, não chegou ao Planalto Central. O órgão surgiu em Pouso Alegre (MG), a menos de mil quilômetros de Brasília, e a oferta foi oficial- mente feita pela Central Nacional de Transplantes à central de regulação no Distrito Federal. A equi- pe que cuida de Gabriel nem embarcou: faltou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para buscar o coração em Minas. A FAB confirmou ao GLOBO que recebeu o pe- dido para o transporte do órgão e que “não pôde atender por questões operacionais.” O episódio passou a ser investigado pela FAB: “As circunstân- cias envolvidas no caso estão sendo apuradas” , diz nota do Centro de Comunicação Social da Aero- náutica à reportagem. Pouco mais de uma semana depois, Gabriel con- tinua na lista de espera por um coração. Em Brasí- lia, são duas crianças na fila: Gabriel e Laura, uma bebê de nove meses. A perda da oportunidade, por falta de transporte, foi considerada grave pela equi- pe médica, gerou mobilização e revolta de profissi- onais e vem sendo cercada de sigilo. O sistema de transplante de órgãos, quase que in- teiramente feito por meio do Sistema Único de Saú- de (SUS), é considerado eficiente. Mas não está imune a falhas, em especial o transporte interesta- dual de órgãos. O GLOBO apurou que o caso de Ga- briel não é o único. Em Brasília, ao longo de 2015, houve outras recusas, em especial de coração, por falta de uma aeronave da FAB ou comercial. Gabriel é acompanhado no Instituto de Cardiolo- gia do DF, o único em Brasília a fazer transplante de coração. O instituto não divulgou boletins médicos sobre a saúde do garoto e não permitiu o acesso à família. O hospital confirmou que, no dia 1º, a equi- pe médica não embarcou para Minas para fazer a avaliação do coração por falta de transporte. CONDIÇÕES PARA TRANSPLANTE ERAM FAVORÁVEIS A Central Nacional de Transplantes fez a oferta do coração a diferentes centrais locais, entre elas a do DF. No e-mail disparado às centrais já foi informada a falta de logística para transportar o órgão. Até o primeiro semestre de 2014, cabia aos estados orga- nizar essa logística. Agora, a Central Nacional cuida de horários, dias e disponibilidade de voos. As condições eram favoráveis para o coração de Minas bater no peito de Gabriel. Pouso Alegre, a menos de mil quilômetros de Brasília, tem aeropor- to. A Central Nacional de Transplantes não fez obje- ção à qualidade do órgão, apenas à falta de disponi- bilidade de aeronaves. E, naquele dia 1º, aviões da FAB não decolaram para transportar autoridades. Em 30 de dezembro, uma aeronave da FAB deco- lou de Brasília a São Paulo para transportar o presi- dente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. No dia anterior, a FAB transportou de Brasília para o Rio o presidente da Câmara, Edu- ardo Cunha. Não houve voos nos dias 2 e 3. Aeronaves da FAB já percorreram distâncias mai- ores para buscar um coração. Foi assim em 4 de agosto de 2015, quando um morador de Brasília re- cebeu um órgão de Jaraguá do Sul (SC), a 1,5 mil quilômetros. A FAB fez mais dois transportes de co- ração para Brasília em 2015. O segundo mais dis- tante foi buscado em Arapongas (PR), a 1,1 mil qui- lômetros. Ministério da Saúde e FAB assinaram um acordo de cooperação técnica no fim de 2013 para priorizar o transporte de órgãos e tecidos. — Já esbarrei em situações como essa. Quando vemos que não há transporte, já paramos o proce- dimento — afirma um médico que atua com transplantados de coração na capital. O presidente da Associação Brasileira de Trans- plante de Órgãos, Roberto Manfro, elogia o sistema de transplantes e diz que situações como a envol- vendo o coração em Minas não são frequentes: — Não existe sistema que funciona 100% o tem- po todo. A falta de transporte ocorre em situações de estresse do sistema. Nessa área, a taxa de suces- so é alta e a atuação do poder público é elogiável. Agora, cada órgão que deixa de ser transplantado, uma pessoa deixa de ser beneficiada. O GLOBO perguntou à FAB e ao Ministério da Saúde se a falta de disponibilidade de uma aerona- ve para buscar o coração em Minas estava relacio- nada a cortes de despesas em razão do ajuste fiscal e, consequentemente, à falta de combustível. As duas instituições não responderam. O ministério também não respondeu se o coração disponível pa- ra doação se perdeu. “O paciente G.L.A. encontra- se na lista nacional de espera por transplante, em caráter prioritário e com acompanhamento da sua situação de saúde” , informou. O Ministério da Saúde afirmou ainda que o possí- vel doador surgido no dia 1º estava em Itajubá, “a 40 minutos de carro de Pouso Alegre, onde fica a pista de pouso mais próxima” . O registro da Central Naci- onal de Transplantes diz que era Pouso Alegre. “O tempo para a realização de todo o procedi- mento, desde a retirada do coração do peito do do- ador até seu implante no peito do receptor não po- de ultrapassar quatro horas, sob pena de insuces- so do procedimento. Esse exíguo tempo dificulta a sua realização da retirada e do transplante em ca- sos em que o potencial doador se encontra no in- terior do país” , diz a nota do ministério. “A existência de um potencial doador com mor- te encefálica confirmada não significa que seu co- ração, por exemplo, possa ser utilizado ou mesmo possa ser adequado ao candidato a receptor pri- meiro colocado na lista de prioridades para trans- plante ou para qualquer outro candidato a recep- tor na lista de espera” , completa. Segundo o minis- tério, em 2014 foram mais de 5 mil voos para trans- porte de órgãos, de graça, na aviação civil. l Menino de 12 anos, de Brasília, deixou de receber órgão de doador de Minas; caso revolta médicos de Brasília VINICIUS SASSINE [email protected] ANDRÉ FEITOSA/04-08-2015 Logística. Equipe médica chega a Brasília com coração de doador de Jaraguá do Sul: transporte feito em avião da FAB Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança SAÚDE PÚBLICA _

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Page 1: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

Domingo 10 .1 .2016 l País l O GLOBO l 5

-BRASÍLIA- Gabriel tem 12 anos e precisa de um cora-ção novo. Doadores para crianças na fila de esperasão raros. Doações de coração, então, são raríssi-mas. O órgão é o que tem o menor tempo de is-quemia — o menor período em que pode ficarsem irrigação sanguínea nenhuma: quatro horas,o prazo completo para trocar de peito. No primeirodia do ano, o menino de Brasília teve uma oportu-nidade real de transplante. O coração novo, po-rém, não chegou ao Planalto Central.

O órgão surgiu em Pouso Alegre (MG), a menosde mil quilômetros de Brasília, e a oferta foi oficial-mente feita pela Central Nacional de Transplantesà central de regulação no Distrito Federal. A equi-pe que cuida de Gabriel nem embarcou: faltou umavião da Força Aérea Brasileira (FAB) para buscaro coração em Minas.

A FAB confirmou ao GLOBO que recebeu o pe-dido para o transporte do órgão e que “não pôdeatender por questões operacionais.” O episódiopassou a ser investigado pela FAB: “As circunstân-cias envolvidas no caso estão sendo apuradas”, diznota do Centro de Comunicação Social da Aero-náutica à reportagem.

Pouco mais de uma semana depois, Gabriel con-tinua na lista de espera por um coração. Em Brasí-lia, são duas crianças na fila: Gabriel e Laura, umabebê de nove meses. A perda da oportunidade, porfalta de transporte, foi considerada grave pela equi-pe médica, gerou mobilização e revolta de profissi-onais e vem sendo cercada de sigilo.

O sistema de transplante de órgãos, quase que in-

teiramente feito por meio do Sistema Único de Saú-de (SUS), é considerado eficiente. Mas não estáimune a falhas, em especial o transporte interesta-dual de órgãos. O GLOBO apurou que o caso de Ga-briel não é o único. Em Brasília, ao longo de 2015,houve outras recusas, em especial de coração, porfalta de uma aeronave da FAB ou comercial.

Gabriel é acompanhado no Instituto de Cardiolo-gia do DF, o único em Brasília a fazer transplante decoração. O instituto não divulgou boletins médicossobre a saúde do garoto e não permitiu o acesso àfamília. O hospital confirmou que, no dia 1º, a equi-pe médica não embarcou para Minas para fazer aavaliação do coração por falta de transporte.

CONDIÇÕES PARA TRANSPLANTE ERAM FAVORÁVEISA Central Nacional de Transplantes fez a oferta docoração a diferentes centrais locais, entre elas a doDF. No e-mail disparado às centrais já foi informadaa falta de logística para transportar o órgão. Até oprimeiro semestre de 2014, cabia aos estados orga-nizar essa logística. Agora, a Central Nacional cuidade horários, dias e disponibilidade de voos.

As condições eram favoráveis para o coração deMinas bater no peito de Gabriel. Pouso Alegre, amenos de mil quilômetros de Brasília, tem aeropor-to. A Central Nacional de Transplantes não fez obje-ção à qualidade do órgão, apenas à falta de disponi-bilidade de aeronaves. E, naquele dia 1º, aviões daFAB não decolaram para transportar autoridades.

Em 30 de dezembro, uma aeronave da FAB deco-lou de Brasília a São Paulo para transportar o presi-dente do Supremo Tribunal Federal, RicardoLewandowski. No dia anterior, a FAB transportoude Brasília para o Rio o presidente da Câmara, Edu-

ardo Cunha. Não houve voos nos dias 2 e 3.Aeronaves da FAB já percorreram distâncias mai-

ores para buscar um coração. Foi assim em 4 deagosto de 2015, quando um morador de Brasília re-cebeu um órgão de Jaraguá do Sul (SC), a 1,5 milquilômetros. A FAB fez mais dois transportes de co-ração para Brasília em 2015. O segundo mais dis-tante foi buscado em Arapongas (PR), a 1,1 mil qui-lômetros. Ministério da Saúde e FAB assinaram umacordo de cooperação técnica no fim de 2013 parapriorizar o transporte de órgãos e tecidos.

— Já esbarrei em situações como essa. Quandovemos que não há transporte, já paramos o proce-dimento — afirma um médico que atua comtransplantados de coração na capital.

O presidente da Associação Brasileira de Trans-plante de Órgãos, Roberto Manfro, elogia o sistemade transplantes e diz que situações como a envol-vendo o coração em Minas não são frequentes:

— Não existe sistema que funciona 100% o tem-po todo. A falta de transporte ocorre em situaçõesde estresse do sistema. Nessa área, a taxa de suces-so é alta e a atuação do poder público é elogiável.Agora, cada órgão que deixa de ser transplantado,uma pessoa deixa de ser beneficiada.

O GLOBO perguntou à FAB e ao Ministério daSaúde se a falta de disponibilidade de uma aerona-ve para buscar o coração em Minas estava relacio-nada a cortes de despesas em razão do ajuste fiscal

e, consequentemente, à falta de combustível. Asduas instituições não responderam. O ministériotambém não respondeu se o coração disponível pa-ra doação se perdeu. “O paciente G.L.A. encontra-se na lista nacional de espera por transplante, emcaráter prioritário e com acompanhamento da suasituação de saúde”, informou.

O Ministério da Saúde afirmou ainda que o possí-vel doador surgido no dia 1º estava em Itajubá, “a 40minutos de carro de Pouso Alegre, onde fica a pistade pouso mais próxima”. O registro da Central Naci-onal de Transplantes diz que era Pouso Alegre.

“O tempo para a realização de todo o procedi-mento, desde a retirada do coração do peito do do-ador até seu implante no peito do receptor não po-de ultrapassar quatro horas, sob pena de insuces-so do procedimento. Esse exíguo tempo dificulta asua realização da retirada e do transplante em ca-sos em que o potencial doador se encontra no in-terior do país”, diz a nota do ministério.

“A existência de um potencial doador com mor-te encefálica confirmada não significa que seu co-ração, por exemplo, possa ser utilizado ou mesmopossa ser adequado ao candidato a receptor pri-meiro colocado na lista de prioridades para trans-plante ou para qualquer outro candidato a recep-tor na lista de espera”, completa. Segundo o minis-tério, em 2014 foram mais de 5 mil voos para trans-porte de órgãos, de graça, na aviação civil. l

Menino de 12 anos, de Brasília, deixou de receber órgãode doador de Minas; caso revolta médicos de Brasília

VINICIUS SASSINE

[email protected]

ANDRÉ FEITOSA/04-08-2015

Logística. Equipe médica chega a Brasília com coração de doador de Jaraguá do Sul: transporte feito em avião da FAB

Falta de avião da FABimpede transplante decoração em criança

SAÚDE PÚBLICA_

Page 2: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

Segunda-feira 18 .1 .2016 l País l O GLOBO l 5

-BRASÍLIA- O menino que deixoude receber um coração novopor falta de um avião da ForçaAérea Brasileira (FAB) morreuna noite da última sexta-feira,14 dias depois da oferta — e darecusa, pela impossibilidadedo transporte — de um órgão.Gabriel tinha 12 anos e estavainternado na Unidade de Tera-pia Intensiva (UTI) de um hos-pital em Brasília, à espera deum transplante.

Uma oportunidade real sur-giu no primeiro dia do ano,com um coração em boascondições, disponível emPouso Alegre (MG), a menosde mil quilômetros da capitalfederal. A chance acabou des-perdiçada por falta de trans-porte, como O GLOBO mos-trou em reportagem publica-da no dia 10.

O estado de saúde do meni-no vinha se agravando. A mor-te ocorreu na noite de sexta-feira e foi confirmada por fami-liares e por um profissional desaúde que atua no sistema detransplantes de coração emBrasília. O enterro de Gabrielfoi ontem, numa cidade no in-terior de Minas Gerais, ondevive a família do menino.

No sábado, por volta das 16h,uma nova doação de coraçãosurgiu no sistema de trans-plantes e, dessa vez, em Brasí-lia. Não haveria, portanto, ne-cessidade de transporte. Umadolescente de 16 anos do Dis-trito Federal teve morte cere-bral após ser baleado na cabe-ça. A família decidiu doar to-dos os órgãos. Gabriel era oprimeiro da fila à espera de umcoração. O órgão foi destinadoao segundo da lista.

A família de Gabriel estavaem Brasília para tratar o pro-blema no coração do menino.Ele era uma das duas criançasna capital federal inscritas nalista de transplante — a outra éuma bebê de 9 meses.

DOAÇÕES SÃO RARASFamiliares contam que Gabrieltinha um coração com altera-ções, mesmo problema que vi-timou dois tios, e por isso de-pendia de um transplante paraviver. A doença se manifestarahá menos de seis meses.

Doações de coração são ra-ras; para crianças, mais ainda.O órgão tem quatro horas dachamada isquemia, períodoem que pode ficar sem qual-quer irrigação sanguínea atétrocar de peito. É o menor pra-zo entre os órgãos com possi-

bilidade de transplante.A Central Nacional de Trans-

plantes, em 1º de janeiro, dis-parou e-mails a centrais de re-gulação de alguns estados e doDistrito Federal para oferecer ocoração surgido em Pouso Ale-gre. Na oferta, porém, a centraljá comunicava a falta de trans-porte até a cidade mineira. Aequipe que cuidava de Gabrielsequer chegou a embarcar.

A FAB confirmou ao GLOBOque recebeu o pedido para otransporte do coração e que“não pôde atender por ques-tões operacionais”. A institui-ção informou ainda que o epi-sódio passou a ser investiga-do. “As circunstâncias envol-vidas no caso estão sendoapuradas”, afirmou a nota doCentro de Comunicação Soci-al da Aeronáutica.

As condições eram favorá-veis ao transplante do coração.A Central Nacional de Trans-plantes não informou objeçõessobre a qualidade do órgão.Fez apenas referência ao pro-blema logístico. Pouso Alegretem um aeroporto; naqueledia, aviões da FAB não decola-ram para transportar autorida-des; e a FAB já fez percursosmaiores, um deles superior a1.500 quilômetros, para buscarcorações que foram transplan-

tados em pacientes de Brasília.Transplantes no Brasil são

quase que inteiramente feitospelo Sistema Único de Saúde(SUS). O sistema é considera-do eficiente, mas tem falhasprincipalmente no transporteinterestadual de órgãos.

DESAFIO LOGÍSTICO O Instituto de Cardiologia doDistrito Federal, responsávelpor fazer os transplantes decoração em Brasília, não for-neceu informações sobre amorte de Gabriel. O Ministé-rio da Saúde, em nota enviadaà reportagem, disse que o me-nino “estava na lista nacionalde espera por transplante emcaráter prioritário e comacompanhamento da sua si-tuação de saúde.”

“Contudo, a realização deum transplante, bem como otempo de espera para cada ór-gão, varia de acordo com as ca-racterísticas do receptor e dopotencial doador que devem

guardar estreita compatibili-dade como características ge-néticas, tipo sanguíneo, varia-ções antropométricas, entreoutros aspectos”, cita a nota.

A pasta apontou ainda o“desafio logístico”. “O exíguotempo dificulta a realizaçãoda retirada e do transplanteem casos em que o potencialdoador se encontra no interi-or do país, como ocorrido nodia 1º de janeiro, em que opossível doador estava na ci-dade mineira de Itajubá, a 40minutos de carro de PousoAlegre, onde fica a pista depouso mais próxima.”

Em 2014, conforme o Minis-tério da Saúde, foram feitosmais de cinco mil voos paratransporte de órgãos. Essetraslado é feito, principal-mente, pela aviação comerci-al. Em 2013, o Ministério daSaúde e a FAB assinaram umacordo de cooperação técnicapara priorizar o transporte deórgãos e tecidos. l

Gabriel tinha 12 anos e deixou de ser transplantadoem 1º de janeiro por indisponibilidade de avião da FAB

VINICIUS SASSINE

[email protected]

ANDRÉ FEITOSA/FAB/04-08-2015

Em ação. Equipe médica transporta órgão pela FAB: traslado para Gabriel não foi possível por “questões operacionais”

Morre menino que nãorecebeu coração porfalta de transporte

“O exíguo tempodificulta arealização daretirada e dotransplante emcasos em que opotencial doadorse encontra nointerior do país”Nota do Ministério da SaúdeSobre localização do doador deGabriel em 1º de janeiro

Page 3: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

Quinta-feira 11 .2 .2016 l País l O GLOBO l 7

-BRASÍLIA- O Ministério Público do Distri-to Federal vai pedir ao Ministério Públi-co Federal (MPF) investigação sobre afalta de transporte que impediu trans-plante de coração em Gabriel, um me-nino de 12 anos, que morreu em Brasí-lia 14 dias depois de um órgão ser recu-sado em razão da indisponibilidade deavião da Força Aérea Brasileira (FAB). Ahistória foi revelada pelo GLOBO emreportagens publicadas em 10 e 17 dejaneiro deste ano.

A Promotoria de Defesa da Saúde ela-borou uma nota técnica em que apontaa necessidade de se investigar por quenão houve transporte aéreo disponívelpara o coração ofertado pela CentralNacional de Transplantes. O documen-to será remetido ao MPF, que tem acompetência de apurar assuntos da es-fera federal.

CHANCE RARA FOI PERDIDAPraticamente toda a cadeia que envol-ve um transplante no Brasil passa peloSistema Único de Saúde (SUS) e por ór-gãos da administração federal. Isso va-le, por exemplo, para a regulação dasofertas, administração das listas de es-pera e organização logística. A identifi-cação dos voos — ou acionamento daFAB, quando não há linhas aéreas dis-poníveis na aviação comercial — é umaatribuição da Central Nacional deTransplantes. Os estados e o DF man-têm as centrais locais de regulação.

Gabriel morreu num hospital emBrasília em 14 de janeiro. No dia 1º dejaneiro, a Central Nacional fez a ofertade um coração surgido em Pouso Ale-gre (MG), a menos de mil quilômetros

da capital federal. O menino era o pri-meiro da lista de espera no DF e não ha-via qualquer restrição à qualidade doórgão ofertado. A equipe do Institutode Cardiologia do DF, responsável pe-los transplantes em Brasília, nem che-gou a embarcar.

O e-mail disparado pela central já in-formava que não havia avião da FABdisponível para o transporte. Ao GLO-BO, a FAB confirmou ter recebido o pe-dido para o transporte e disse não teratendido por “questões operacionais”.O episódio passou a ser investigado in-ternamente pela Aeronáutica.

Agora, o MP do DF quer uma investi-gação por parte do MPF. A nota técnicaproduzida pela Promotoria de Defesa daSaúde ressalta que “Gabriel perdeu umachance rara de receber, tempestivamen-te, um coração sadio que lhe desse asmínimas condições de sobrevida”.

A distância entre Pouso Alegre e Bra-sília não era um empecilho, segundo anota, mesmo com o curto tempo dispo-nível — quatro horas — para o coraçãosair de um peito para outro. As reporta-gens do GLOBO mostraram que a FABtransportou a Brasília corações oferta-dos em 2015 em locais mais distantes,como Jaraguá do Sul (SC), a 1,5 mil qui-lômetros da capital federal, e Arapon-gas (PR), distante 1,1 mil quilômetros.

A nota destaca ainda que, menos deum mês antes da recusa do coração porfalta de transporte, o Ministério da Saú-de e a Secretaria da Aviação Civil renova-ram um acordo de cooperação paratransporte de órgãos. O acordo, de 2013,foi renovado em 3 de dezembro de 2015,“menos de um mês antes de ter sido im-possível o transporte de um coração sa-dio doado, entre Minas Gerais e o DF,que poderia ter salvo a vida de Gabriel”,

conforme a nota do MP. Pelo acordo,empresas da aviação comercial trans-portam os órgãos sem cobrar do SUS.

O documento aponta que o regula-mento técnico do Sistema Nacional deTransplantes estabelece um funciona-mento “24 horas por dia, 7 dias por se-mana” da Central Nacional de Trans-plantes, inclusive com a presença deum representante da central no Centrode Gerenciamento de Navegação Aé-rea. O material do MP reproduz parece-res da Infraero favoráveis à isenção dacobrança de tarifas de embarque e co-nexão de equipes responsáveis pelotransporte de órgãos. Esta foi uma dasnovidades do novo acordo de coopera-ção. Outra foi a inclusão do transportegratuito de medula óssea.

DOADOR ESTAVA EM ITAJUBÁPouso Alegre tem aeroporto e, em 1º dejaneiro, nenhum avião da FAB decoloupara fazer o transporte de autoridades.O Ministério da Saúde disse que o doa-dor estava em Itajubá, “a 40 minutos decarro de Pouso Alegre, onde fica a pistade pouso mais próxima”.

“O exíguo tempo dificulta a realizaçãoda retirada e do transplante em casos emque o potencial doador se encontra nointerior do país, como ocorrido no dia 1ºde janeiro”, afirmou a pasta por meio denota na ocasião da publicação da repor-tagem e da morte de Gabriel. O menino“estava na lista nacional de espera portransplante em caráter prioritário e comacompanhamento da sua situação desaúde”, sustentou o ministério.

Em 2014, segundo o ministério, fo-ram feitos mais de 5 mil voos paratransporte de órgãos. Esse transporte éfeito principalmente na aviação co-mercial. l

Problema impediu transplante para menino de 12 anos, que morreu

VINICIUS SASSINE

[email protected]

MP pede investigação sobrefalta de avião para coração

NotíciasCNC|Sesc|Senac

www.cnc.org.br www.sesc.com.br www.senac.br

Combate ao mosquito da zika

O Sistema CNC-Sesc-Senac está participando da mobilização

nacional de combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor

de zika, dengue e chikungunya.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e

Turismo participou da 277ª reunião do Conselho Nacional de

Saúde (CNS), em que o assunto teve prioridade. A articulação

dos diversos setores da sociedade, entre eles o empresariado,

foi avaliada como ponto fundamental para o sucesso das

ações.

Prevenção e informaçãoNo dia 28 de janeiro, a Diretoria de Saúde, Assistência e

Lazer do Departamento Nacional do Sesc realizou uma ação

de capacitação, o Sesc Alerta - Combate ao Aedes aegypti,

Dengue, Zika e Chikungunya. O evento teve a participação

de pesquisadores e especialistas da Fundação Oswaldo Cruz

e do Hospital Samaritano. O Departamento Nacional do

Senac, por intermédio da Cipa, também está realizando

ação de prevenção com os colaboradores e de divulgação de

informações, assim como a CNC.

Mutirão comunitárioDepartamentos Regionais do Sesc e do Senac participam

da mobilização. No Paraná, por exemplo, profissionais das

duas entidades realizam mutirão em vários municípios. Eles

estão se somando aos profissionais da vigilância em saúde e

das Secretarias Municipais de Saúde, visitando as residências

de bairros próximos às unidades do Sesc e do Senac. O

objetivo é reforçar o trabalho de orientação, envolvendo a

comunidade na luta para eliminar o mosquito Aedes aegypt.

Ajustes na cobrança de direitos autorais

ACNCindicouaFederaçãoNacionaldeHotéis,Restaurantes,

Bares e Similares (FNHRBS) para a Comissão Permanente

para o Aperfeiçoamento da Gestão Coletiva (CPAGC),

criada para debater e aprimorar questões referentes aos

direitos autorais no Brasil. A Federação luta para dar fim

à cobrança de direitos autorais pela execução de rádio e

TV nos quartos de hotéis, que são considerados espaços

de frequência individual – e não coletiva – pela Lei Geral

do Turismo. A Comissão é composta por representantes de

ministérios e órgãos do governo, de associações de titulares

de direitos autorais e de entidades de representação de

usuários, entre os quais a CNC e a FNHRBS.

Aquele abraço

O Sesc no Ceará realiza este mês o projeto Abraço Literário,com uma novidade: a inciativa se dará de forma itinerante

em escolas de Fortaleza. Amantes da leitura e apaixonados

pela escrita transformam sentimentos em palavras, afeto em

poesia, gestos em literatura e cultura em abraços e encontros

inesquecíveis. A ideia é promover trocas de experiências

literárias entre os alunos participantes.

Qual o Esporte que te Move?

No ano da realização de um dos maiores eventos esportivos

do planeta – as Olimpíadas Rio 2016 –, o Sesc, em São Paulo,

apresenta em todas as unidades do estado, cerca de 70

modalidades olímpicas e paralímpicas.

A unidade de Bom Retiro traz o projeto 42,195: Memóriasem Quilômetros, para contar o passo a passo da maratona

e o significado da modalidade. As Memórias do Corpo são

apresentadas em uma instalação audiovisual, no térreo e no

quarto andar da unidade. Nela, além de assistir a entrevistas

com maratonistas, o público poderá imergir numa prova,

vivenciando as sensações e os sentimentos que a envolvem,

como os gritos da torcida, os ruídos da cidade, os momentos

de solidão, com as passadas e a respiração tão características

dos atletas.

Potencial jovem

O Senac, em Sergipe, participou como parceiro do ProgramaMuitação – Construindo um lugar no mundo, do Instituto

Ecosocial, capacitando26 jovens.Em janeiro foramrealizadas

atividades na Cooperativa de Reciclagem do Bairro Santa

Maria (Coores) e no Instituto Social Micael. Adaptação do

programa sul-africano criado em 1998, ganhador do Prêmio

Ashoka Fellowship 2000 – rede de empreendedores sociais

que reúne 70 países –, o ProgramaMuitação objetiva despertaro potencial dos jovens para que fortaleçam sua autoestima e

sejam capazes de escolher a atuação profissional de forma

mais consciente.

Acesse nosso conteúdo em:

www.cncnoticia.com.br

AlexFrança

Participantes do Projeto Muitação, em Sergipe, com os orientadores

Disputa política dificulta aprovação da CPMF Recriação depende de

escolhas de liderança doPMDB e comando da CCJ

-BRASÍLIA- Aposta do governo para resol-ver a crise fiscal, a CPMF esbarra numasérie de prazos e dificuldades políticasna Câmara que atrapalham sua recria-ção. A presidente Dilma Rousseff espe-ra contar com R$ 10,15 bilhões da con-tribuição neste ano, com a cobrança dotributo a partir de setembro, mas essedinheiro está muito distante de entrarefetivamente no caixa. A primeira difi-culdade política envolve a disputa pelaliderança do PMDB na Câmara, cujoresultado influenciará diretamente oandamento da proposta.

Para que a CPMF tramite rapidamente,o governo precisa que o atual líder doPMDB, Leonardo Picciani (RJ), aliado fielde Dilma, seja reconduzido. Isso porquecaberá a ele escolher o novo presidente daComissão de Constituição e Justiça, ondea proposta está parada há quatro meses.Caberá ao novo presidente da comissãopautar sua votação. Já se Picciani perderpara o candidato do presidente da Câma-ra, Eduardo Cunha (RJ), o deputado HugoMotta (PB), a tendência é que Cunha atuepara dificultar o andamento da proposta.

O deputado Arthur Lira (PP-AL), que erapresidente da comissão até o mês passa-do, acumulou a função de relator da novacontribuição e antecipou ao GLOBO queseu relatório será favorável à recriação. Elepromete apresentar seu voto na primeirasessão da CCJ, mas destaca que caberá aonovo presidente da comissão decidirquando pautar a matéria. Para garantir acobrança a partir de setembro, o governoprecisa que a proposta seja promulgadaem maio, para cumprir o prazo obrigató-rio antes do início da cobrança.

No entanto, além do problema na CCJ, aavaliação reinante hoje é que não há climano Congresso para a aprovação novos im-postos. Como forma de tentar sensibilizardeputados e senadores, o Ministério daFazenda passou a considerar a possibili-dade de alíquota regressiva — ou seja, cu-jo percentual reduza a cada ano. A infor-mação foi revelada no domingo pela colu-na de Lauro Jardim. O governo não apre-sentou uma proposta concreta, já que a re-dução impacta no orçamento estimadopara os próximos anos com a CPMF.

— A regressividade seria uma diminui-

ção ano a ano e conforme a redução dadependência da arrecadação do imposto.Isso está sendo calculado pela receita —disse ao GLOBO um auxiliar de Dilma.

CORTE NO ORÇAMENTO DESTE ANOAmanhã, o governo sinalizará se aindaconta ou não com a CPMF. Será anuncia-do o corte no Orçamento da União desteano. Com a economia em retração e umOrçamento inflado, a área econômicaanalisa cortes entre R$ 20 bilhões e a R$ 50bilhões. A reação negativa à proposta étanta que a presidente foi vaiada na sema-na passada pelos congressistas, ao defen-der a recriação do tributo durante discursofeito na sessão de reabertura dos trabalhosdo Legislativo. No dia seguinte, Dilma cha-mou o presidente do Congresso, senadorRenan Calheiros (PMDB-AL). Queria sa-ber a repercussão de sua ida ao Congressoe as chances de aprovar a CPMF.

Para tentar salvar politicamente a medi-da, Dilma foi aconselhada a apresentaruma pauta mais ampla de controle de gas-tos, como fixação de um teto para as des-pesas do governo. A tentativa é convencerou sensibilizar os parlamentares de que ogoverno precisa do dinheiro de formaemergencial, para fechar as contas, masfará esforços de melhora do gasto públicono longo prazo. Os parlamentares avisa-

ram que o simples aumento ou criação deimposto não passa. Na quarta-feira, o go-verno foi derrotado na votação da MedidaProvisória 692, que tratava de aumento detributos sobre a alienação (venda) de imó-veis. A Câmara alterou alíquotas e valoresda tributação, reduzindo à metade a previ-são de arrecadação com a MP.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR),que foi relator do Orçamento de 2015,disse que a CPMF só passa se vier acom-panha de outras medidas:

— A CPMF só passa se com medidasconcretas de redução de gastos do gover-no. É preciso compor uma equação. Nãoadianta só o aumento de imposto. Da for-ma como algumas despesas obrigatóriasestão crescendo, vai ter que criar umaCPMF a cada ano. O modelo de gastochegou à exaustão, à falência.

Já a oposição diz que a CPMF não se-rá aprovada. O líder do DEM no Sena-do, Ronaldo Caiado (GO), disse que odiscurso da presidente Dilma não alte-rou a disposição do Congresso contrá-ria à CPMF.

— Foi um discurso de anúncio de im-postos. Não sensibilizou ninguém. Eleveio muito mais por conveniência. Elasabe que não vai passar, qualquer pessoade bom senso sabe. Mas ela não temDNA politico — disse Caiado. l

ANDRE COELHO/20-05-2015

Hugo Motta. Parlamentar aliado de Cunha

SIMONE IGLESIAS E CRISTIANE JUNGBLUT

[email protected]

ANDRE COELHO/09-07-2015

Leonardo Picciani. Fiel à presidente Dilma

Page 4: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

Quarta-feira 27 .4 .2016 l País l O GLOBO l 9

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140

Índice de detentos por 100mil habitantes é mais quedobro da média mundial

-BRASÍLIA- Cerca de 40% dos pre-sos no Brasil estão confinadossem sentença definitiva, segun-do Levantamento Nacional deInformações Penitenciárias doMinistério da Justiça. Os dadossão de dezembro de 2014, a ba-se mais atualizada. O percentu-al corresponde a quase 250 mildo total de 622.202 detentos,hoje, no país. Em um ano, a po-pulação carcerária aumentouem 40.695 detentos — média de113 prisões por dia.

A superlotação é outro pro-blema que segue sem solução.Apesar das mais de 30 mil no-vas vagas nas cadeias, passan-do de 341.253 para 371.884 emum ano, a quantidade conti-nua insuficiente: falta espaçopara cerca de 250 mil presos.

Entre 2013 e 2014, o índicede detentos por 100 mil habi-tantes no país passou de 288,6para 306,2. É mais do que o do-bro da média mundial: 144 por100 mil habitantes.

— Temos que aliar melhoria dagestão prisional com visão críticada prisão. Conseguimos prenderautores de homicídios? Váriossão presos por crimes sem vio-lência — aponta o diretor-geraldo Departamento PenitenciárioNacional, Renato De Vitto. l

Cerca de 40%dos presos nãotêm sentençaem definitivo

RENATA MARIZ

[email protected]

-BRASÍLIA- “Coração só pode ser com FAB. Sem FAB,não tem coração.” As frases foram ditas ao telefo-ne por uma enfermeira da central de órgãos paratransplante no Distrito Federal, ao saber que aForça Aérea Brasileira (FAB) acabara de recusaruma aeronave que transportaria um coração dointerior de Minas Gerais a Brasília. O menino Ga-briel, de 12 anos, seria o destino final do órgão. Arecusa da FAB ocorreu em 1º de janeiro — Gabri-el morreu 14 dias depois. A história, revelada peloGLOBO, motivou ação civil pública do MinistérioPúblico Federal (MPF), que levou a Justiça Fede-ral no DF a determinar, em caráter de máxima ur-gência, que o governo federal providencie otransporte de órgãos sempre que necessário. E afrota de aeronaves da FAB deve ser utilizada.

A decisão liminar é do último dia 22. O juiz fe-deral Itagiba Catta Preta Neto determinou que ogoverno faça o transporte dos órgãos e das equi-pes médicas responsáveis “sempre que requisi-tados pela Central Nacional de Transplantes”.“No desempenho dessa obrigação, a União de-verá utilizar veículos da União (aeronaves, am-bulâncias, etc. das Forças Armadas ou outrosórgãos) ou requisitados dos estados-membros,municípios ou mesmo particulares”, escreveuCatta Preta na decisão.

A ação foi apresentada à Justiça no último dia14 pela procuradora da República Luciana Lou-reiro Oliveira. Um inquérito investiga supostas ir-regularidades na gestão do Sistema Nacional deTransplantes, do Ministério da Saúde, desde2013. O inquérito detectou problemas de logísticano transporte de corações e pulmões. “O MPF te-ve, então, notícia de fato que causou comoção emtodo o país: o caso do menino Gabriel LangkamerAssis, de 12 anos, que aguardava um transplantede coração no DF”, citou a procuradora.

FAB RECUSOU TRANSPORTE PARA 71 CORAÇÕESA investigação do MPF constatou as falhas no ca-so de Gabriel, com um sargento da FAB alegandoem conversa telefônica que “não tinha mais re-curso e aeronave”, e também a recorrência doproblema ao longo dos anos no transporte de co-ração e pulmão, órgãos com pouco tempo hábilpara a realização de transplante. A FAB negoutransporte para 71 corações captados em 2015.

Além da medida de urgência, o MPF quer que aUnião seja condenada a regulamentar e prover,em 180 dias, os meios logísticos necessários aotransporte de órgãos. Cada instituição envolvida,como a FAB, deve ter suas competências definidasno processo. A proposta, segundo o MPF, é que“não haja perdas dos órgãos captados por força daimpossibilidade logística de traslado”. Este pedidoainda depende de produção de provas. l

Liminar determina que União deve utilizar todafrota das Forças Armadas, de estados e municípios

VINICIUS SASSINE

[email protected]

Justiça decide queFAB não pode negartransporte de órgãos

ANDRÉ FEITOSA/4-8-2015

Pressa. Avião da FAB chega a Brasília com equipe de transplantes trazendo coração de Jaraguá do Sul, Santa Catarina

O CORAÇÃOQUE FALTOUA GABRIEL

Ahistória de Gabriel, o meninode 12 anos que dependia de umcoração novo para viver, foi contadapelo GLOBO em duas reportagensem janeiro. Um coração sadiosurgiu em Pouso Alegre (MG),menos de mil quilômetros deBrasília, onde Gabriel era tratado. Ocoração chegou a ser oficialmenteofertado pela Central Nacional de

Transplantes à central de regulaçãono Distrito Federal.

O garoto era uma das duascrianças na fila e destino natural docoração, pelas características doórgão. Consultada pela centralnacional, a Força Aérea Brasileira(FAB) informou que não tinhaaeronave disponível. A falta delogística já constava no e-mail dacentral naquele 1º de janeiro.Procurada pelo jornal, a FABinformou que “não pôde atenderpor questões operacionais” e que“as circunstâncias do caso”estavam sendo apuradas”. Gabrielmorreu 14 dias depois de o coraçãose perder por falta de transporte.

AFAB é signatária de um acordo

de cooperação para transportarórgãos, mas sustenta não haverobrigação no deslocamento, que,segundo a instituição, ocorre porrazões humanitárias. Empresas deaviação comercial são as principaistransportadoras, também peloacordo. No caso de coração epulmão, o tempo de isquemia —período em que um órgão pode ficarsem irrigação sanguínea — é muitocurto, de quatro e seis horas,respectivamente.

U

Memória

NA WEBglo.bo/1Qze6PwÁudios mostramrecusa de transporte

de coração ao menino Gabriel

Page 5: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

ACTI

ON IM

AGES

/SPO

RTIN

G PI

CTUR

ES

MUHAMMAD ALI (1942-2016)

Adeus ao mito doboxe transcende

mundo do esportee traduz alcance

de talento quemarcou gerações

PÁGINAS 51 e 52

Reinado peso-pesado

JOSÉ PADILHADelação premiada nos livra de

quem nos fez de otários. PÁGINA 13

Recusas daFAB impedemtransplantes

de 153 órgãos

Obrigada por lei a transpor-tar autoridades, a FAB deixa de carregarórgãos para transplantes, o que já pro-vocou mortes, conta VINICIUS SASSINE.Entre 2013 e 2015, a FAB recusou otransporte de 153 órgãos saudáveisque se perderam pela impossibilidadede outras formas de deslocamento.Nos dias em que os pedidos foram ne-gados, a Aeronáutica atendeu a 716 re-quisições de ministros e de presidentesde STF, Câmara e Senado. PÁGINAS 8 e 9

MIC

HEL

FILH

O

Na fila. Afonso Rerison Aguiar de Souza, 14 anos, está pela segunda vez na lista de espera por um coração em hospital de Fortaleza. Na primeira tentativa, aguardou o órgão por um ano

Nos mesmos dias,Aeronáutica atendeu a

716 pedidos de políticos

EXCLUSIVO

DOMINGO

OGLOBODOMINGO, 5 DE JUNHO DE 2016 ANO XCI - Nº 30.253 Irineu Marinho (1876-1925) (1904-2003) Roberto Marinho RIO DE JANEIRO oglobo.com.br

EXCLUSIVO

‘Depois do que vi no Haiti,acho que a Humanidade

não deu certo’LUCIANO HUCK

PÁGINA 42

ELIO GASPARITurma da Zelotes repete soberba

das empreiteiras. PÁGINA 6

REVISTA O GLOBO

INDEPENDENTE EANTENADA: O PERFIL DA JULIETA HOJE

SEGUNDO CADERNO

Popular no samba, ocavaquinho invade o funk e dá uma nova cara ao gênero.

O BATIDÃO DO CAVACO

MANUELA DIAS ESCREVESÉRIE SOBRE DILEMAS DA JUSTIÇA SEGUNDO CADERNO

TV+

Delações de Odebrecht eOAS alarmam políticos

ESCÂNDALOS EM SÉRIE_

O avanço das negociações para adelação dos empreiteiros MarceloOdebrecht e Léo Pinheiro no âmbi-to da Lava-Jato alarma políticos dediversos partidos e agravará a crisepolítica. Os donos da Odebrecht eda OAS devem revelar caixa doispara as campanhas presidenciaisde Dilma Rousseff (PT) e Aécio Ne-ves (PSDB) em 2014, além de pro-pina para até 13 governadores e 36senadores, segundo a “Veja”. Repor-tagem de ontem do GLOBO mos-trou que Sérgio Machado, ex-presi-dente da Transpetro, relatou propi-na de R$ 70 milhões para o presi-dente do Senado, Renan Calheiros,o senador Romero Jucá e o ex-presi-dente José Sarney, todos do PMDB.Os acusados negam. PÁGINA 3

O Papa Francisco baixouum decreto que facilita adestituição do cargo de bisposque encobrirem casos depedofilia. Vítimas, porém,consideram que o Vaticanoprecisa fazer mais. PÁGINA 44

Papa ameaçaafastar bisposomissos

Combate à pedofilia

Volta, Kamura CHICO

— Governar despenteia!

Em delação, Sérgio Machado re-lata como eram pagas propinasa Edison Lobão. O ex-presidenteda Transpetro disse que R$ 300mil mensais em dinheiro vivoeram entregues a Márcio Lobão,filho do senador peemedebista,num escritório no Centro doRio. No total, foram repassadosR$ 20 milhões. PÁGINA 2

LAURO JARDIM

Propina deR$ 300 mil pormês para Lobão Disputa entre

conservadores

Eleições peruanas

Os peruanos votam hojedivididos entre candidatos compropostas semelhantes: KeikoFujimori, apoiada pelos maispobres, e Pedro Pablo Kuczynski,pela classe média. PÁGINA 41

Tríplex eramesmo de Lula

Apesar das negativas do ex-presidente, o empreiteiroLéo Pinheiro, da OAS, confir-mou nas negociações para adelação que Lula era de fatoo dono do tríplex no Guarujáe que fez reformas no sítio deAtibaia a pedido do petista,segundo a revista. PÁGINA 4

PALAVRA DE DELATOR

MERVAL PEREIRAO papel moderador que o

Supremo exerce hoje. PÁGINA 4

MÍRIAM LEITÃOO PT é incompatível com aestabilidade fiscal? PÁGINA 36

Empreiteiros devem relatar caixa dois para diversos partidosEm avançadas negociações de colaboração premiada com a Lava-Jato, Marcelo Odebrecht e Léo

Pinheiro deverão envolver Dilma, Aécio, 13 governadores e 36 senadores, segundo revista

VLT do Rio entrahoje nos trilhosPÁGINA 14

Passeio pela História

Copa AméricaESPORTES

A seleção brasileira não passou deum 0 a 0 com o Equador, namadrugada de hoje, na estreia naCopa América. O time equatorianoteve gol mal anulado. PÁGINA 46

SELEÇÃOTROPEÇA NA ESTREIA

VASCO VENCE E SEGUEINVICTO. FLU SÓ EMPATAPÁGINAS 47 E 48

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Page 6: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

POR REGIÃO DE DIVISÃO DA FAB* EM 2015

Nos horários entre a morte encefálica e a previsão para embarque da equipe de Brasília, estavam em aviões da FAB as seguintes autoridades

Uma adolescente de 17 anos teve morte ence-fálica às 13h, em Cascavel (PR). Família autorizou doação de órgãos – coração, fígado, rins, pâncreas e córneas – no mesmo dia

CORAÇÃO

PÂNCREAS

CÓRNEAS

RINS

FÍGADO

Ficha da doadora foi preenchida

às 13h

20.DEZ.2015 21.DEZ.2015

Horário de captação dos

órgãos foi marcado para 11h

A FAB recusou

transporte para os órgãos

PEDIDO RECUSAS

SÃO PAULO

BRASÍLIA

1,3

MIL

KM

920 KM

CASCAVEL (PR)

Ministro do EsporteGeorge HiltonDe Belo Horizonte para Brasília (736 km), entre 18h50e 20h25 do dia 20

Presidenteda Câmara Eduardo CunhaDo Rio paraBrasília (1.167 km), entre 9h15 e 10h45 do dia 21

Presidente do STF Ricardo LewandowiskDe São Paulo para Brasília (1 mil km), entre 13h10 e 14h35 do dia 21

foram negados pela FAB nos últimos três anos. No mesmo período, 716 voos transportaram autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário

4,5 mil pessoas

OS VOOS DAS AUTORIDADES

EXEMPLOS:

foram transportadas nesses voos (as autoridades mais seus caronas)

Em 84 vooso destino ou a partida foram as residências das autoridadesem seus estados

153 órgãos

SEM AVIÕES, ÓRGÃOS SÃO DESPERDIÇADOS

CHANCES PERDIDAS

NÚMERO DEÓRGÃOS RECUSADOSPOR ANO

20

56

77

2013 2014 2015

(SEGUNDO O SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE)

35244

35

27

11

2222

422

FÍGADO

CORAÇÃO

PÂNCREAS

PULMÃO

RIM

OSSO

TOTAL

222222

Em 2014

BRASÍLIA

CURITIBA

RECIFE/ATLÂNTICO

AMAZÔNICO

324815

3

163814

3

PEDIDOS RECUSAS

BRASÍLIA

CURITIBA

RECIFE/ATLÂNTICO

AMAZÔNICO

66

25

13

54

16

3

33

CINDACTA IV

CINDACTA III

CINDACTA I

CINDACTA II

A central de São Paulo recusouo coração por

“falta de logística” (falta de transporte)

Brasília aceitouos órgãos. Os

destinatários seriam Gabriel, de 12

anos, ou Firmino, de 59 anos, o

primeiro da lista

SÃO PAULO

BRASÍLIA

1,2

MIL

KM

78

2 KM

LAGES (SC)

A central de São Paulo recusou pâncreas no

dia 15, por falta de receptor pediátrico

em lista

A central de São Paulo recusou coração no dia 16, por conta da “distância”

(falta de transporte)

A central do DF rejeitou o coração

por “falta de logística” (falta de

transporte). O destinatário seria

Gabriel, de 12 anos

Ministro do Desenvolvimento Armando MonteiroDe Belo Horizonte para Brasília (736 km), entre 22h55 dodia 15 e 00h05 do 16

Ministro do Esporte George HiltonDo Rio para Brasília(1.167 km) entre 00h05e 1h35 do dia 16

Nos horários entre a oferta inicial e o previsto paracaptação, estavam em aviõesda FAB as seguintes autoridades

Oferta inicial foi feita às 22h35

15.DEZ.2015 16.DEZ.2015

Horário de captação dos

órgãos foi marcado

para 8h30

A FAB recusou

transporte para os órgãos

Um adolescente de 16 anos teve morte ence-fálica às 18h, em Lages (SC). Família autorizou doação de órgãos – coração e pâncreas – no mesmo dia

PÂNCREAS

CORAÇÃO

DISTÂNCIAS DISTÂNCIAS

*Cindacta são centros de controle do tráfego aéreo

Infografia: Carol Cavaleiro/ Editoria de Arte

8 l O GLOBO l País l Domingo 5 .6 .2016 Domingo 5 .6 .2016 l País l O GLOBO l 9

-BRASÍLIA- Um avião da Força Aérea Brasi-leira (FAB) rasgou o céu do Rio parabuscar o então presidente da Câmara,Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e levá-lode casa a Brasília. Naquela segunda-feira, 21 de dezembro de 2015, Cunhacomandaria uma das últimas reuniõesde líderes partidários antes do recesso.O deputado embarcou às 9h15m noAeroporto Santos Dumont, com maisoito caronas, e antes das 11h estava nacapital federal. No comando da Câma-ra, função da qual está afastado por de-cisão do Supremo Tribunal Federal(STF), os voos de Cunha a bordo de umavião da FAB eram uma rotina.

No dia anterior, longe do universoburocrático dos políticos brasileiros,uma equipe médica de Cascavel (PR)diagnosticava a morte cerebral de umaadolescente de 17 anos, assassinadacom uma facada no pescoço. A mãenão teve dúvidas, diante do diagnósti-co, e aceitou doar coração, fígado, pân-creas e rins da filha. No topo da fila dotransplante de coração estava o lavra-dor Firmino Pereira da Cruz, de 59anos, internado numa UTI em Brasília.A ficha de doadora foi preenchida às13h de 20 de dezembro. Uma equipemédica do DF se preparou para embar-car e buscar o órgão às 11h do dia se-guinte. A FAB, porém, disse que não ti-nha condições de fazer o transporte.

Firmino havia ingressado na fila dotransplante em novembro. Só conseguiuum coração novo em 11 de janeiro desteano. Debilitado pelos efeitos da doençade Chagas, o lavrador de Santo Antôniodo Descoberto, cidade goiana vizinha aBrasília, morreu um mês depois.

— Os médicos nos diziam que o tem-po de espera foi longo, que costumavaser menor. Na situação dele, o trans-plante era a única possibilidade de vi-da. Pelo menos estar numa fila propor-cionou um tratamento melhor — dizDiógenes Pereira, de 23 anos, o filho ca-çula de Firmino.

— Sei que não puderam doar os olhose o coração da minha filha. Não fiqueisabendo o destino de todos os órgãos,mas recebi carta de agradecimento porter ajudado a salvar outras vidas — diza mãe da adolescente morta no Paraná.

A recusa da FAB no caso de Firminonão foi fato isolado. Em três anos, entre2013 e 2015, a FAB deixou de forneceraviões para o transporte de 153 cora-ções, fígados, pulmões, pâncreas, rins eossos. Os órgãos saudáveis se perderampor conta dessas negativas e da falta deoutras alternativas de transporte.

Os registros das recusas são feitos pelaprópria FAB e pela Central Nacional deTransplantes (CNT), do Ministério daSaúde, unidade responsável por fazer ospedidos de transporte e oferecer os ór-gãos às centrais de regulação nos esta-dos. O levantamento foi obtido peloGLOBO via Lei de Acesso à Informação.

O jornal obteve também os dias exatosem que a FAB recusou os pedidos. Nosmesmos dias, a Aeronáutica atendeu a716 requisições de transporte de minis-tros do Executivo e de presidentes do Su-premo, do Senado e da Câmara. A médiaé de cinco autoridades transportadasnas asas da FAB para cada órgão desper-diçado. Em 84 casos, ministros e parla-mentares retornavam para casa ou dei-xavam suas casas rumo a Brasília. Quase

4 mil caronas foram dadas nesses voos.O ritmo do transporte de autorida-

des, amparado por lei, é intenso. So-mente no intervalo entre o preenchi-mento da ficha da adolescente do Para-ná como doadora e o horário previstopara captação e transporte do coração,a FAB levou Cunha e outras quatro au-toridades. O deputado George Hilton(PROS-MG), então ministro do Espor-te, deixou Belo Horizonte rumo a Brasí-lia. O então ministro da Educação, Aloi-zio Mercadante, foi para Aracaju. Re-nan Calheiros (PMDB-AL), presidentedo Senado, voou de Maceió a Brasília.O presidente do STF, Ricardo Lewan-dowski, de São Paulo à capital federal.As autoridades que usam aviões da FABnão são avisadas sobre a necessidadede usar o avião para captar um órgão.

Não há em sistemas da FAB registrosde recusas a pedidos de transporte deautoridades. Já as negativas para trans-porte de órgãos aumentaram, entre2013 e 2015, de 52,7% a 77,5% dos pedi-dos feitos. Para 153 “nãos”, a instituiçãodisse apenas 68 “sims”.

A legislação brasileira não obriga a Ae-ronáutica a transportar órgãos paratransplante. O que existe é um termo decooperação envolvendo Ministério daSaúde, empresas de aviação comercial eFAB. Até hoje, não houve casos de recusade companhias aéreas de transportar ór-gãos para o transplante. O trans-porte é encaixado nas rotasexistentes e é feito gra-tuitamente. Apenas em2015, 3,8 mil voos co-merciais transportaramórgãos para seremtransplantados.

A FAB é aciona-da nas situaçõesmais críticas, emque não há comousar uma rota comer-cial e nos casos de tempos deisquemia curtos. Este é o prazo má-ximo possível entre a extração do órgãodo doador e o enxerto no receptor. Parao coração e o pulmão, são quatro ho-ras. A CNT sempre aciona a FAB noscasos de oferta de coração. Se nãohá receptor no estado onde o ór-gão foi doado — a fila de espera énacional —, a central tenta fazer ocoração chegar a outras regiões.Dos 435 pacientes que entraramna lista do coração em 2015, 145(33,3%) morreram.

Na fila por um coração, Firmino estavano topo da lista, com recomendação deatendimento prioritário. O agricultor eraanalfabeto, vivia com a família numachácara e convivia com o medo da mor-te. Os protozoários do mal de Chagas ge-ram fibroses no coração. Firmino desco-briu a doença na década de 1990.

— Meu pai foi internado definitiva-mente numa UTI em 22 de novembrodo ano passado. Logo entrou na fila dotransplante — diz Diógenes.

Firmino, família e médicos saíramotimistas da cirurgia feita em janeiro,quando um coração surgiu em Brasília.Mas uma infecção pulmonar mudou osprognósticos de recuperação. Após amorte do pai, Diógenes ainda não crioucoragem para voltar ao hospital. l

Em 3 anos, 153 órgãos foram perdidos por recusas da FAB; nos mesmos dias, houve 716 viagens de autoridades

VINICIUS SASSINE

[email protected]

QUANDO SALVAR VIDAS NÃO É PRIORIDADE

AERONÁUTICAPÕE A CULPANA FALTADE VERBAForça Aérea lembratambém que não hálegislação específica

-BRASÍLIA- A Aeronáutica não temverba para transportar órgãos.A informação é da própria ins-tituição, em resposta enviadaao GLOBO. Segundo a ForçaAérea Brasileira (FAB), não hárepasses de recursos específi-cos para esse tipo de missão e,além disso, “as atuais restri-ções orçamentárias têm redu-zido ainda mais a disponibili-dade de horas de voo da Força”.

O jornal questionou se a FABentende ser necessária umaobrigação legal para o trans-porte de órgãos. “Não há ne-cessidade de se ter uma obri-gatoriedade legal, entretantodevem existir os recursos ne-cessários para a realizaçãodessas missões. A FAB tambématende diversas outras deman-

das da sociedade, como ajudahumanitária em casos de ca-tástrofes naturais e epidemias”,respondeu a Força.

A Aeronáutica explicou porque transporta autoridades semnegar pedidos: “Para o trans-porte de autoridades há legisla-ção específica que determina àFAB cumprir a missão. Para otransporte de órgãos não há.” Evoltou a falar em falta de di-nheiro: “A carência de recursose os altos custos que envolvema atividade aérea tornam difícilter meios exclusivos para essetipo de transporte.”

O Ministério da Saúde afir-ma que as recusas da FAB “nãosignificam necessariamente odescarte”: “O órgão é disponi-bilizado pela central nacionalnovamente para os estados se-lecionados nas listas de espe-ra, beneficiando o próximo pa-ciente”, disse a pasta.

O ministério ressaltou que onúmero de transplantes no Bra-sil “está entre os melhores domundo, sendo superior inclusi-ve ao da Espanha, referênciamundial na área de transplan-te“. “O número dobrou nos últi-mos dez anos, chegando em2015 a 23.666 procedimentos. OBrasil é referência mundial emtransplante, sendo o maior sis-tema público do mundo, com95% dos procedimentos feitosno SUS e com o paciente tendoacesso à assistência integral”. l

NA AVIAÇÃOCOMERCIAL,TRANSPORTEÉ GRATUITOMas os acordos decooperação nãotêm força de lei

-BRASÍLIA- Acordos de coopera-ção com empresas aéreas, fir-mados desde 2001, garantem otransporte de órgãos destina-dos ao transplante. As obriga-ções de cada parte envolvidaficaram expressas nos docu-mentos, que não têm força delei. É uma situação diferentedo transporte de autoridadesnos jatos da Aeronáutica: umdecreto de 2002 determina asviagens de ministros e parla-mentares.

O Ministério da Saúde, pormeio da Central Nacional deTransplantes (CNT), compro-meteu-se a manter pessoal 24horas por dia, todos os dias doano, na sala de decisões doCentro de Gerenciamento daNavegação Aérea. Ali são to-

madas as decisões sobre rotasda aviação comercial ou pedi-dos à Força Aérea Brasileirapara o transporte de órgãos.

“A conjugação de esforçostem como fundamento o aten-dimento do interesse públicode conferir celeridade notransporte de órgãos, com vis-tas a contemplar as situaçõesde urgência e evitar os desper-dícios de órgãos”, diz o acordode cooperação de 2015.

A função das empresas é fa-zer o transporte gratuito de ór-gãos. A Aeronáutica é respon-sável por dar prioridade a pou-sos e decolagens das aerona-ves e por permitir acesso deservidores da CNT à sala dedecisões. A FAB argumentaque transportar órgãos não émissão atribuída à instituição,e que só o faz em aproveita-mento de outras missões.

No caso de autoridades, odecreto 4.244, de 2002, deter-mina o transporte do vice-pre-sidente, dos presidentes de Se-nado, Câmara e Supremo e doscomandantes das Forças Ar-madas. Essas viagens podemser motivadas por segurança eemergência médica, serviço edeslocamento para local de re-sidência. Em abril de 2015, apresidente Dilma suspendeu apossibilidade de ministros via-jarem nesses aviões para o lo-cal de domicílio. Voos de presi-dente e vice têm caráter sigilo-so, por razões de segurança. l

O BEBÊ QUE LUTACONTRA OTEMPO PORUM CORAÇÃOFalta de transporteaéreo agrava cenárioem FortalezaVINICIUS SASSINE

Enviado [email protected]

-FORTALEZA- De seus 9 meses de vida, AnaKemely Albuquerque passou oito me-ses e meio dentro de um hospital, emFortaleza. Ana Kemely é um bebê miú-do (pesa 4,5 quilos), com uma respira-ção cansada, mas “com muita vida nosolhos”, como diz a mãe, Ana CarolineAlbuquerque, de 23 anos. A meninanasceu sem o lado esquerdo do cora-ção. Sofreu paradas cardíacas sucessi-vas, uma convulsão, duas cirurgias. Es-tá na lista de espera por um coração no-vo desde 20 de abril. Não pode esperar.

— No quarto dia de vida, ela sofreu aprimeira parada. Ficou entubada. Sou-be da cardiopatia, que era algo gravíssi-mo. Ela passou um mês na UTI e fez aprimeira cirurgia. Os médicos me dis-seram que ela poderia não sair viva delá — diz Caroline, que vive com a filha eos pais na periferia de Fortaleza.

A fila de transplante de coração paracrianças é arrastada. Faltam doadores,principalmente em razão da forte resis-tência de pais em doar órgãos no mo-mento da perda de filhos crianças ouadolescentes. A falta de transporte paraórgãos que surgem em outros estados ea corrida contra o tempo — são apenasquatro horas para o coração sair de umpeito a outro — agravam este cenário.

O Ceará concentra filas de pacientesdo Norte e de boa parte do Nordeste.Recife e Salvador dividem essa deman-da. O governo local oferece aeronavespara buscar órgãos doados em Sobral eJuazeiro do Norte, populosas cidadescearenses, mas a medida não é sufici-

ente. Praticamente não há captação deórgãos fora do estado.

Em 2014, a Central Nacional deTransplante (CNT) ofereceu pelo me-nos dois corações a Fortaleza, um doa-do em Campina Grande (PB) e outroem Natal. Mas não houve captação emtempo hábil por falta de transporte aé-reo. A Força Aérea Brasileira (FAB) re-cusou-se a fornecer aeronaves.

As equipes médicas nos ambulatóri-os de transplante de coração e fígadode Fortaleza, que estão entre os maio-res e mais importantes do país, têm co-mo rotina não contar com órgãos deoutros estados. A recusa é quase ins-tantânea. Três médicos coordenadoresdos ambulatórios dizem que a melho-ria do transporte aéreo diminuiria otempo de espera nas filas.

TAXA DE MORTALIDADE ALTANo ano passado, foram transportadosem voos comerciais apenas 37 cora-ções, oito pâncreas e dois pulmões, oque revela a dependência dos aviões daFAB no caso desses órgãos. Em 2015,segundo dados da Associação Brasilei-ra de Transplante de Órgãos (ABTO),236 pacientes estavam inscritos na listaà espera de coração. A fila tinha 49 me-ninos e meninas aguardando o mesmoórgão. As taxas de mortalidade foramelevadas: de 33,3% entre adultos e de27% entre crianças.

O Brasil fez 353 transplantes de co-ração em 2015, sendo 33 em crianças.Apenas quatro entre dez pacientes pe-diátricos que entraram na fila no anopassado conseguiram um coração no-vo. Ana Kemely é a criança que entroumais recentemente na fila por um co-

ração no Ceará.— Penso em tudo que ela já passou.

Se ela não desistiu, eu não posso desis-tir — diz a mãe.

Aos 14 anos, Afonso Rerison de Souzaestá pela segunda vez numa lista de es-pera por um coração. No Hospital deMessejana, em Fortaleza, ele conhecepraticamente toda a equipe médica. É omesmo hospital que conduz o trata-mento de Ana Kemely.

A primeira vez na fila durou quase umano. A mãe de Rerison, Antônia Aguiarda Silva, de 34 anos, decidiu retirá-lo dalista e retornar a Tianguá (CE), a 317 qui-lômetros de Fortaleza, porque estavagrávida. O bebê, Francisco Antônio, jácompletou 1 ano e 9 meses, e a famíliaestá de volta à capital para Rerison espe-rar por um coração.

Rerison tem uma cardiopatia congê-nita considerada grave pelos médicos.A vida em Fortaleza o afastou da escola,dos amigos, do futebol e da bicicleta.

— Depois de receber o coração, euqueria ser jogador de futebol, mas seique não posso. Aqui tinha um jogadorde futebol que teve de parar de jogar —diz o garoto.

Para a médica Klébia Castelo Branco,do serviço de transplante cardíaco pe-diátrico, um incremento no transporteaéreo aumentaria “sem sombra de dú-vidas” as chances das crianças. O Mes-sejana fez nove transplantes de coraçãoneste ano, dois em crianças. Para o mé-dico João David Neto, coordenador daunidade de transplante de coração, aconexão com outros estados diminui-ria a fila de espera:

— Se houvesse mais disponibilidadede aeronaves, a lista seria reduzida. l

FOTOS DE MICHEL FILHO

Esperança. Afonso Rerison Aguiar de Souza, de 14 anos, pela segunda vez na fila do transplante no Hospital de Messejana, em Fortaleza

Por um coração. Ana Kemely, de 9 meses, no colo da mãe, Ana Caroline: paradas sucessivas

ESPECIAL/ SAÚDE EM SEGUNDO PLANO_

‘SEM FAB NÃO TEMCORAÇÃO’, DIZ ENFERMEIRAAPÓS 3 ÓRGÃOS PERDIDOSMorte de menino de14 anos fez Justiçaordenar urgência

-BRASÍLIA- Pacientes da fila de es-pera por um coração em Brasí-lia tiveram pelo menos trêsoportunidades de transplanteno fim de 2015, todas elas perdi-das por falta de aviões da ForçaAérea Brasileira para transpor-tar a equipe de captação. Emum dos casos, o órgão surgiuem Goiânia, a 220 quilômetrosda capital federal, e mesmo as-sim não foi aproveitado.

Os três casos foram um pre-núncio do que ocorreria noprimeiro dia de 2016. A FAB serecusou a buscar um coraçãosaudável em Pouso Alegre, Mi-nas, para ser transplantado emGabriel Langkamer, de 12anos, internado na ocasião emuma UTI em Brasília. O meni-no morreu 14 dias depois. Ahistória foi revelada pelo GLO-BO em janeiro.

A divulgação do caso de Ga-briel levou a uma investigaçãona Procuradoria da Repúblicano Distrito Federal. Depois detrês meses de apuração, o MPFentrou com uma ação civil pú-blica, pedindo que a FAB sem-pre providencie o transportequando surgir uma oferta deórgão. Em 22 de abril, uma de-cisão judicial concordou com aação e determinou, em caráterde máxima urgência, que o go-verno providencie o transportepara o transplante de órgãos.

A ação do MPF reproduziu odiálogo entre uma enfermeirada central de regulação detransplantes do DF e uma fun-cionária da Central Nacionalde Transplantes (CNT), quehavia solicitado a um militarda FAB, sem sucesso, transpor-te para buscar o coração no in-terior de Minas. A servidoracontou: “Ele até falou: ‘Essa se-mana cês pediram três vezes’. Eeu falei: ‘Pois é, e três vezes fuieu.’ E três vezes...”

A enfermeira completou: “Eas três vezes foi a recusa. Cora-ção só pode ser com FAB. SemFAB não tem coração.”

O GLOBO analisou três recu-sas de transporte pela FAB nofim de 2015. Os corações, defato, haviam sido ofertados pa-

ra os pacientes de Brasília. Aprimeira recusa ocorreu em 16de dezembro. O coração surgiuem Lages (SC) e foi ofertado àcentral do DF. Faltaram meiospara transportá-lo. Depois, umnovo órgão surgiu em Cascavel(PR) no dia 20, com possibili-dade de captação no dia se-guinte. Se houvesse transpor-te, um dos destinatários seria oagricultor Firmino da Cruz,que estava internado numaUTI em Brasília.

A terceira oferta partiu deGoiânia, às 22h33m de 28 dedezembro. A central de regula-ção em Goiás disponibilizoucoração, fígado e pulmões. Ocoração foi oferecido a Brasíliapela central nacional, mas “nãohouve transporte disponível”,como confirmou a Secretaria deSaúde do DF. São Paulo, por suavez, aceitou o fígado e o buscouna capital goiana usando umpequeno avião. Os pulmões nãoforam aproveitados por razõesclínicas dos pacientes na fila.

MINISTÉRIO ADMITE FALHASEm 2015, a CNT viabilizou otransporte de 1.164 órgãos e2.409 tecidos por meio do ter-mo de cooperação com empre-sas aéreas e FAB. Os órgãostransportados na rota comercialano passado foram córneas(1.187), rins (877) e ossos (678).

Os números do transplanteno Brasil, país de dimensõescontinentais, são superlativos.Numa comparação entre 30 pa-íses, em números absolutos, oBrasil é o segundo país quemais faz transplantes de rim efígado. Falhas, porém, existem esão reconhecidas pelo Ministé-rio da Saúde. “O governo fede-ral mantém constante diálogocom as empresas para aprimo-rar, cada vez mais, os processosque envolvem o transporte aé-reo de órgãos e tecidos paratransplantes. A revisão constan-te dos procedimentos permiteidentificar falhas, analisar pon-tos de atenção especial, além depropor e implantar melhoriasna operacionalização dos trans-portes”, diz o ministério. l

MICHEL FILHO

Drama. Diógenes, de Santo Antônio do Descoberto: dor com a morte do pai

Trono vazio no VaticanoESPECIAL/ SAÚDE EM SEGUNDO PLANO_

NA WEBbit.ly/1TTrDJRInfográfico: as recusas da FAB eos voos de autoridades

NA WEBglo.bo/SH7sjCVídeo: As dificuldades,os sonhos e a fé de

quem está na fila de espera

Page 7: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

6 l O GLOBO l País l Segunda-feira 6 .6 .2016

FOTOS DE MICHEL FILHO

-BRASÍLIA E FORTALEZA- A falta de transporte para equi-pes médicas e órgãos já captados fez o sistema detransplante deixar de aproveitar 982 ofertas feitasao longo de cinco anos, de 2011 a 2015, o que sig-nifica que há uma recusa de órgão a cada dois di-as em razão de entraves logísticos. O levantamen-to inédito, feito pela Central Nacional de Trans-plantes (CNT) e ainda mantido fora dos relatóriosestatísticos oficiais sobre a área no país, revelaque o problema da falta de transporte não se res-tringe às negativas da Força Aérea Brasileira(FAB) para deslocar órgãos entre os estados.

O GLOBO mostrou ontem que a FAB se recu-sou a transportar 153 corações, fígados,pulmões, pâncreas, rins e ossos de 2013 a 2015.No mesmo período, levando em conta outrosfatores relativos ao deslocamento entre origeme destino de um órgão, as recusas chegam a 650.

Coração, fígado e pâncreas lideram a lista de ór-gãos recusados. Um coração tem qualidade paratransplante dentro de intervalo de quatro horassem irrigação sanguínea. É uma luta contra otempo — inglória em boa parte das vezes. Por fal-ta de transporte — não só aéreo, mas também pa-ra levar o órgão de um hospital até um aeroporto,por exemplo —, em 5 anos a CNT recusou 347 co-rações ofertados, 35,3% do total recusado; emmédia, uma recusa a cada 5 dias. A média para fí-gado é um por semana. O número de recusas porrazões logísticas subiu 42,4% entre 2011 e 2015.

Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à In-formação. A CNT é a responsável, no Sistema Na-cional de Transplantes (SNT), por providenciar otransporte do órgão e fazer a oferta às centrais deregulação nos estados. Primeiro, ela recebe dascentrais ofertas de órgãos que não serão aproveita-dos nesses estados. Depois, dispara e-mails a ou-tras centrais já com as rotas de voos comerciaisque poderão ser usadas. Se não há rota adequada,as centrais locais são informadas pela CNT. Casoainda assim as equipes mantenham interesse peloórgão, um pedido de transporte é feito à FAB, noscasos de coração, pulmão, fígado e pâncreas.

“SITUAÇÃO É ALARMANTE”, DIZ PROCURADORA Em fevereiro deste ano, em investigação iniciadaapós O GLOBO revelar recusa da FAB em buscarum coração a um garoto de 12 anos em Brasília, oMinistério Público Federal questionou a coorde-nação-geral do SNT sobre a quantidade de “situa-ções semelhantes à referida na reportagem” em2014 e 2015. “No ano de 2014 foram 70 recusas pa-ra coração por motivo de falta de logística (trans-porte) e no ano de 2015 foram 71 recusas de cora-ção pelo mesmo motivo”, disse a coordenação.

Gabriel aguardava na fila por um coração e mor-reu 14 dias após a recusa da FAB, em janeiro. Osdados fornecidos à procuradora da República Lu-ciana Loureiro são os mesmos entregues ao GLO-BO. Em abril, a procuradora moveu ação civil pú-blica na Justiça Federal em Brasília pedindo o for-necimento de transporte pelo governo federalsempre que houver oferta de órgão. A Justiça pro-feriu decisão liminar concordando com o pedido.

“Enquanto aeronaves da FAB — disponíveis pa-ra voo — ficam paradas em solo sem utilidade (ousão utilizadas para deslocamentos não urgentesde autoridades diversas), perdem-se corações (70em 2014; 71, em 2015), pulmões e vidas, porque oSistema Nacional de Transplantes não tem, nomomento, outra alternativa logística de transporteinterestadual de órgãos tão sensíveis à disposição”,escreveu a procuradora na ação. “Resta claro que asituação é alarmante e precisa ser corrigida. O sis-tema não dispõe de logística eficaz, segura e empleno funcionamento para transporte de órgãoscom curtíssimo tempo de isquemia (a exemplo decoração e pulmão) entre os estados”, continuou.

Denilson Oliveira Araújo, de 4 anos, está na filado coração em Fortaleza com mais três crianças, há8 meses. Os pais, Domingos José, de 30, e Maria deJesus Araújo, de 20, mudaram-se do interior do Pi-auí para uma casa próxima ao Hospital de Messeja-na, em Fortaleza, onde é feito o acompanhamento.

Domingos era agricultor no Piauí. Hoje faz “bi-cos” em Fortaleza, com renda de R$ 500 por mês,mais benefício de R$ 1.113 pago em casos de trata-mento fora de domicílio — atrasado há 4 meses.

— A gente tem de esperar o celular tocar. Na se-mana retrasada ligaram e falaram que surgiu umcoração. Depois disseram que não deu certo. Émuito difícil ver o filho da gente na lista de espera.Sabe Deus quando vai aparecer — diz Domingos.

As quatro casas coladas ao imóvel onde De-nilson mora com os pais abrigam pacientes àespera de pulmão. Os vizinhos deixaram as vi-das no Maranhão, em Pernambuco e no interiordo Ceará para ficarem próximos do hospital.

— É aperreado morar aqui. Só o aluguel são R$500 — diz o pai de Denilson, que percebeu o cansa-ço do filho aos 2 anos: não comia, só dormia, até re-ceber diagnóstico de cardiopatia que causava in-chaço do coração. — Tem que morar perto do hos-pital. Fomos avisados que vai ser necessário de um

a três anos, contando um ano após o transplante. O Ministério da Saúde diz trabalhar para otimizar

a logística do transplante, com assinaturas de acor-dos com companhias aéreas e incentivo a credenci-amento de equipes. “O ministério mantém acordo,voluntário e solidário, de cooperação com todas ascompanhias aéreas, incluindo a FAB. Nos casos emque não há viabilidade logística ou operacional pa-ra transportar órgãos, cada central de transplantedos estados e do DF deve auxiliar o Ministério a en-contrar soluções de transporte dos órgãos capta-dos”, disse a pasta, pela assessoria de imprensa.

Segundo a pasta, há 27 centrais locais de noti-ficação e distribuição, mais 460 centros detransplante e 1,2 mil equipes especializadas: “OBrasil é referência mundial, sendo o maior siste-ma público do mundo. O paciente tem acesso aexames preparatórios, cirurgia, acompanha-mento e medicamentos pós-transplantes”. l

Falta de transporte para equipes médicas leva à recusa de corações, fígados, pulmões, pâncreas e rins

VINICIUS SASSINE

Enviado [email protected]

QUASE MIL ÓRGÃOSDESPERDIÇADOS

ESPECIAL/ SAÚDE EM SEGUNDO PLANO_

Expectativa. Denilson, de 4 anos, com os pais Maria e Domingos: “É muito difícil ver o filho da gente na lista de espera”, diz o agricultor sobre o menino, que aguarda um coração

FILAS PARATRANSPLANTEDE FÍGADO SÃOMAIS EXTENSASTaxas de mortalidadenesses casos variam de14% a até 40%

-FORTALEZA- As doenças hepáticas, maisfrequentes, tornam as filas por um fí-gado muito mais extensas que as docoração. As taxas de mortalidade vari-am de 14% a 40%.

No serviço de transplante de fígadodo Hospital das Clínicas da Universida-de Federal do Ceará (UFC), esse índiceé de 14%, segundo o médico José Huy-gens Garcia, coordenador do serviço.Quase cem pessoas estão na fila hojeesperando um fígado, boa parte delesda Região Norte, onde apenas Amazo-nas e Acre fizeram transplante do órgãono ano passado.

Huygens defende que o transporteaéreo seja incrementado principal-mente em duas situações: no caso dehepatites fulminantes e em retrans-plantes de urgência, quando um pri-meiro transplante não tem êxito.

— Um órgão em outro estado é recusa-do de cara por não haver logística. A filado fígado é a fila da agonia. Só se faz umterço dos transplantes necessários. OBrasil precisa normatizar esse transporteà distância. É difícil encaixar em voos co-merciais — diz o médico da UFC.

MORTE APÓS QUASE 1 ANO DE ESPERA O corretor de imóveis Francisco VilmarCavalcante morreu aos 46 anos, em ou-tubro de 2014, depois de quase um anona fila do fígado. Ele tinha lúpus e con-viveu com a doença por 17 anos. Umadoação surgiu na reta final, os médicoschegaram a tentar a cirurgia, mas semêxito. Vilmar morreu 15 dias depois. Amulher dele, a professora Aline MariaCavalcante, de 47 anos, e a filha de 19ainda moram a poucas quadras doHospital das Clínicas.

— A espera foi muito angustiante, do-lorosa para ele e para a gente. Chegáva-mos no hospital e víamos as pessoas játransplantadas, ou esperando. Era an-gustiante. Se um órgão tivesse surgidoantes, ele teria tido mais chances de so-brevida. Quando surgiu, fiquei muitofeliz e disse a ele: “Meu filho, seu fígadochegou” — lembra Aline. l

QUANTIDADE DE ÓRGÃOS RECUSADOS POR FALTA DE TRANSPORTE CHEGOU A 235 EM 2015

Fonte: Sistema Nacional de Transplantes, via Lei de Acesso à Informação

A LOGÍSTICA ALÉM DA FAB

Editoria de Arte

TOTAL

PRINCIPAISESTADOSOFERTANTES

165 167 195 220 235SC 48PR 27SP 35

SC 46PR 21SP 18

SC 48PR 47MG 26

SC 70PR 32MG 22

SC 53PR 42GO 20

2011 2012 2013 2014 2015

74

67 6570 71

35

47

40

62

75

34

36

0

46

53

17 10

51

32

18

37

49 16

FÍGADO

CORAÇÃO

PÂNCREAS

PULMÃO

RIM

Tristeza. Aline, viúva de Francisco Vilmar, que morreu sem conseguir receber um fígado: “A espera foi dolorosa”

NA WEBglo.bo/1Y9iwEHVídeo: Família enfrenta dificuldades na filade transplante

Page 8: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

Terça-feira 7 .6 .2016 l País l O GLOBO l 7

ANDRE COELHO

-BRASÍLIA- O transplante no Brasil contará com pelomenos uma aeronave da Força Aérea Brasileira(FAB) destinada exclusivamente ao transporte deórgãos ou de pacientes. A decisão foi tomada on-tem pelo presidente interino, Michel Temer, emresposta à reportagem publicada pelo GLOBO nodomingo que revelou recusas da FAB em trans-portar 153 corações, fígados, pulmões, pâncreas,rins e ossos entre 2013 e 2015.

Temer assinou o decreto que inclui novas atri-buições do Ministério da Saúde e da FAB notransporte de órgãos. Pelo decreto, que será pu-blicado hoje no “Diário Oficial da União”, o mi-nistério deve requisitar o apoio da FAB, e a Ae-ronáutica, por sua vez, “manterá permanente-mente disponível, no mínimo,uma aeronave que servirá ex-clusivamente a esse propósito”.

Nos mesmos dias em que dei-xou de fornecer aeronaves parabuscar órgãos destinados a trans-plantes, a FAB atendeu a 716 re-quisições de transporte de minis-tros do Executivo e de presiden-tes do Supremo Tribunal Federal(STF), do Senado e da Câmara.Em 84 casos, ministros e parla-mentares voltavam de Brasíliapara suas casas nas cidades dedomicílio ou faziam o caminhoinverso. Esses voos transporta-ram 4,5 mil pessoas — as autori-dades e seus caronas. Não há re-gistros de negativas para o trans-porte de autoridades. Já o índicede recusas para transportar ór-gãos aumentou de 52,7% em2013 para 77,5% dos pedidos fei-tos em 2015.

Um decreto de 2002, que temforça de lei, obriga a FAB a trans-portar autoridades. O deslocamento de órgãos,por sua vez, não tinha arcabouço legal — haviaapenas acordos de cooperação técnica que en-volvem Ministério da Saúde e empresas aéreasprivadas. As empresas fazem o transporte de gra-ça, quando as rotas comerciais se encaixam nasdemandas surgidas, e não há casos de recusas apedidos da Central Nacional de Transplantes(CNT). Na edição de ontem, o jornal revelou queproblemas de logística levaram a CNT a recusar982 órgãos em cinco anos, um a cada dois dias.Na lista estão 347 corações ofertados, que não pu-deram ser transportados.

Em pronunciamento no Planalto, Temer dissesentir “tristeza cívica” com as informações dareportagem. Ele não falou sobre medidas relaci-

onadas ao uso das aeronaves por autoridades. — Para nossa tristeza cívica, nós verificamos

que a notícia registrava que não havia avião daFAB para transportar aquele material. Acabei deassinar um decreto onde se determina à Aero-náutica, com a sua absoluta concordância, que semantenha permanentemente um avião no solo, àdisposição, para qualquer chamado para o trans-porte destes órgãos. Ou ainda, se for para trans-portar aquele paciente para o local onde está oórgão ou o tecido, que assim também se faça. Por-tanto, não haverá mais, a partir de agora, essa de-ficiência. O número apontado era um númeromuito significativo e, portanto, preocupante. Estaé a primeira comunicação, que me parece que le-va em conta a ideia de que saúde é vida. E nósprecisamos estar atentos a esse fato que parece,ou pode parecer, de menor relevância, mas temuma relevância extraordinária — disse Temer.

A reportagem revelou que, em21 de dezembro de 2015, um co-ração deixou de ser transporta-do de Cascavel (PR) para Brasí-lia. O paciente que o receberiasó conseguiu um coração novoem 11 de janeiro — ele morreuum mês depois. No intervalo en-tre o preenchimento da ficha dadoadora e o horário previsto pa-ra a captação do órgão, aviõesda FAB transportaram o presi-dente afastado da Câmara, Edu-ardo Cunha (PMDB-RJ), e ou-tras quatro autoridades.

O decreto do presidente inte-rino diz que o Ministério daSaúde deve “requisitar apoio daFAB para o transporte de órgãos,tecidos e partes, até o local ondeserá feito o transplante, ou,quando assim for indicado pe-las equipes especializadas, paratransporte do receptor até o lo-cal do transplante”. O texto alte-ra decreto de 1997 que regula-

mentou a lei de remoção de órgãos. Também es-tá no decreto que, quando equipes especializa-das indicarem que o receptor deva ser transpor-tado ao local da retirada de órgãos, este poderáser acompanhado por familiares, pessoas indi-cadas e profissionais de Saúde. A assessoria deimprensa do Planalto explicou que os custosdessas viagens devem ser arcados pela FAB, queserá notificada a manter a aeronave sempre ap-ta, com combustível, para os trajetos para osquais for solicitada. l

Temer assina decreto determinando que FABmantenha aeronave à disposição para transplantes

CATARINA ALENCASTRO, EDUARDO BARRETTO E

VINICIUS SASSINE

[email protected]

TRANSPORTE DEÓRGÃOS TERÁ

AVIÃO EXCLUSIVO

ESPECIAL/ VIDAS EM SEGUNDO PLANO _

Decreto. Michel Temer depois de declaração à imprensa sobre o transporte de órgãos para transplantes no país

“Nós precisamosestar atentos aesse fato (falta deavião paratransporte deórgãos) que temuma relevânciaextraordinária”Michel TemerPresidente interino

NA WEBhttp://bit.ly/1TTrDJRInfográfico: Os órgãos com transporterecusado e os voos das autoridades

-BRASÍLIA- A Central Nacional de Transplantes(CNT), unidade do Sistema Nacional de Trans-plantes (SNT) responsável por organizar e via-bilizar o transporte de órgãos, funcionou porquatro anos e meio dentro de uma instituiçãoprivada, que inclusive arcou com a folha de pa-gamento dos funcionários da central vinculadaao Ministério da Saúde. A Procuradoria da Re-pública no Distrito Federal instaurou inquéritocivil para investigar por que a CNT funcionou àscustas de uma entidade privada entre julho de2010 e janeiro de 2015.

A situação levou a procuradora Luciana Lou-reiro Oliveira a expedir, em junho de 2015, reco-mendação aos ministérios da Saúde e do Plane-jamento para que dotem a CNT e a coordena-ção-geral do SNT de “recursos estruturais e hu-manos suficientes ao pleno atendimento dasatribuições desses órgãos”.

A CNT funcionava dentro do Aeroporto Inter-nacional de Brasília. Foi transferida para o Insti-tuto de Cardiologia do DF (ICDF) em julho de

CENTRALFUNCIONOU EMINSTITUIÇÃOPRIVADAInstituto de Cardiologiado DF chegou a pagarsalário de funcionários

2010 e lá permaneceu até janeiro de 2015. A cen-tral foi deslocada para um prédio anexo ao Minis-tério da Saúde somente após o início das investi-gações pelo Ministério Público Federal (MPF).

O ICDF é uma entidade privada sem fins lu-crativos, conforme seu estatuto social, e é o úni-co hospital “multitransplantador” da regiãoCentro-Oeste, segundo a instituição. O institutofaz transplantes de coração, fígado e rins. Os só-cios do ICDF — cuja mantenedora é a FundaçãoUniversitária de Cardiologia — têm participa-ções em outras empresas privadas na área mé-dica, conforme os documentos reunidos no in-quérito do MPF. A instituição firmou 62 convê-nios no valor de R$ 37,7 milhões com o Ministé-rio da Saúde desde 1999.

Em documento encaminhado ao MPF, a supe-rintendência do ICDF confirmou que nenhum“instrumento jurídico” foi formalizado para quea CNT funcionasse no hospital. “O funciona-mento da CNT nas instalações do ICDF deu-semediante a solicitação do secretário de Atençãoà Saúde e da diretora do SNT no primeiro se-mestre de 2010, cuja demanda foi atendida a tí-tulo de colaboração de nossa instituição paracom o setor público”, diz o documento.

O instituto listou 26 funcionários que atuavampara a CNT e que eram pagos pelo ICDF, comomostram contratos entregues pelo instituto aoMPF. “Os funcionários eram subordinados à dire-toria do SNT. O ICDF não recebeu nenhum tipode contrapartida do Ministério da Saúde duranteo período”, informou a entidade ao MPF. Nem oMinistério da Saúde nem o ICDF responderamao GLOBO por que a entidade privada pagava sa-lários dos funcionários da CNT.

“A mudança foi embasada na redução de custose melhores condições de trabalho aos colabora-dores. Não há qualquer tipo de favorecimento aoinstituto”, diz o ministério por meio da assessoriade imprensa. “O ICDF atendeu ao pedido visandounicamente a continuidade do serviço prestadopela CNT”, diz a assessoria do instituto. l

Page 9: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

Sirkis admite reunião,mas nega caixa 2

PSDB vê acusaçãocom cautela; paralíder do DEM, ‘elaagora caiu na rede’

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Um dos coor-denadores da campanha de Ma-rina Silva em 2010, o ex-deputa-do federal do PV pelo Rio de Ja-neiro Alfredo Sirkis negou ontemter havido caixa 2 para a candida-ta na disputa daquele ano. Eleconfirma, porém, ter se reunidocom o então presidente da OAS,Adelmário Pinheiro, o Léo Pi-nheiro, e o candidato a vice-pre-sidente de Marina, GuilhermeLeal, para pedir uma colabora-ção para a campanha.

Segundo informação publi-cada pelo colunista Lauro Jar-dim, na edição do GLOBO deontem, Pinheiro prometeu aosprocuradores da Lava-Jato fa-lar sobre um pedido de contri-buição para a disputa de 2010,que teria sido feito por Leal epaga fora da contabilidade ofi-cial apresentada à Justiça Elei-toral. Pinheiro tenta fechar umacordo de delação premiada.

Sirkis afirma que, depois do en-contro, Pinheiro fez duas doa-ções, a seu pedido, de R$ 200 mil— a primeira em agosto e a se-gunda em setembro de 2010, to-talizando R$ 400 mil. Os repassesforam registrados no TribunalSuperior Eleitoral (TSE) comocontribuições para o Comitê Fi-nanceiro Único do PV no Rio deJaneiro, em vez do comitê dacampanha nacional.

“As doações serviram paraapoiar a campanha presidencialno Estado do Rio de Janeiro, a degovernador, de deputados fede-rais e estaduais, que funcio-naram naquela eleiçãocom uma logística unifi-cada (material, pesquisas,

rádio e TV)”, escreveu Sirkis, emnota divulgada também ontem.

“Não cabe a insinuação de quea campanha de Marina tenha re-cebido quaisquer doações ile-gais”, completou.

Sirkis também deu mais deta-lhes sobre o encontro: “Houve areunião em São Paulo (...). Foi apartir de iniciativa do sr. Léo Pi-nheiro, que tinha interesse emconhecer as ideias da campa-nha presidencial de Marina pe-lo PV. A reunião foi curta e con-sistiu principalmente de per-guntas do sr. Léo Pinheiro sobrenossas posições em relação àeconomia brasileira e questõesambientais”, relatou Sirkis. Deacordo com os registros do TSE,os R$ 400 mil da OAS foram gas-tos pelo PV do Rio com pessoale impressão de materiais diver-sos para o partido.

Líderes partidários na Câmarae no Senado receberam comcautela a informação de queMarina Silva recebeu recursosda OAS. Nos bastidores, ironiza-ram que Marina é uma das mai-ores críticas dos partidos e dapolítica de doações.

O líder do PSDB na Câmara,deputado Antônio Imbassahy(BA), disse que a citação a Ma-rina surpreende e que é preci-so verificar se a informação seconfirmará.

— Mas a simples citação é algonovo, porque até aqui ela nãoestaria envolvida em nenhumprocesso — disse Imbassahy.

Já o líder do DEM na Câma-ra, deputado Pauderney Aveli-no (AM), criticou o fato de Ma-rina sempre estar atacando osdemais partidos e políticos.

— Agora, ela que caiu na rede.É preciso separar o que é doaçãoe o que é dinheiro de corrupção.No caso dela, que se julga a fada

da floresta, que fica criti-cando todo mun-

do, é complica-da (a citação)— dissePauderney. l

PEDR

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RILO

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THIAGO HERDY

E CRISTIANE JUNGBLUT

[email protected]

Na rede. MarinaSilva entra no radarda Lava-Jato comrevelação deex-presidente daOAS, que tentafechar acordo dedelação premiada

6 l O GLOBO l País l Segunda-feira 13 .6 .2016

-BRASÍLIA- Com a ajuda de parentes, asses-sores e empresas com as quais tem liga-ção, o presidente do DEM, senador JoséAgripino Maia (RN), teria realizado ope-rações suspeitas no valor de R$ 15,9 mi-lhões entre dezembro de 2011 e novem-bro de 2014. O indício é de que houve la-vagem de dinheiro. A informação está emum relatório do Conselho de Controle deAtividades financeiras (Coaf) e integra in-quérito aberto no Supremo Tribunal Fe-deral (STF) para investigar o parlamentar.

Agripino é investigado sob suspeita deter recebido o dinheiro como propina daOAS, uma das empreiteiras alvo da Lava-Jato. Em troca, o senador teria viabiliza-do a liberação de recursos do BNDES pa-ra a empreiteira, para financiar a cons-trução do estádio Arena das Dunas, emNatal, construído para a Copa de 2014.

Segundo parecer da Polícia Federalinserido no inquérito, a movimentaçãofinanceira suspeita foi realizada “exata-mente em épocas de campanhas elei-torais (2010 e 2014), fornecendo maisum indício de que os pedidos de doa-ções eleitorais feitos pelo parlamentarà OAS foram prontamente atendidos, epodem ter-se constituído em formadissimulada de repasse de propina”.

Para a PF, os elementos da investiga-ção até agora fornecem “reluzentes indí-cios de que, de fato, as obras referentes àArena das Dunas em Natal, entre 2011 e2014, passou por diversos entraves pe-rante os órgãos de controle e o própriobanco público financiador do empreen-dimento, o que corrobora a suspeita deque José Agripino Maia efetivamenteatuou com a finalidade de auxiliar a em-presa, destinatária do financiamento, nasuperação dessas dificuldades”. Entre oselementos que confirmam a tese estãodiálogos registrados no celular de LéoPinheiro, ex-presidente da OAS.

Os investigadores também estão con-vencidos de que o doleiro AlbertoYoussef e os operadores Rafael AnguloLopez e Adarico Negromonte Filho fo-ram a Natal em mais de uma oportuni-dade, entre 2011 e 2014, para abastecero caixa dois da OAS.

A defesa de Agripino entregou umapetição ao ministro Luís Roberto Barro-so, relator do inquérito, explicando quenão há nada de suspeito na movimen-tação bancária do senador. O dinheiroseria fruto de dividendos da rede de co-municação e também de loteamentosda família Maia. Além disso, na mesmaépoca, o senador teria recebido doa-ções da mãe (no nome de quem estãoos empreendimentos imobiliários) eteria feito transferências financeiraspara os dois filhos na mesma época.

— Esse dinheiro se refere a um longo

período da minha vida. A minha famí-lia tem loteamentos, como o Alphaville,e vários empreendimentos imobiliáriosdos quais eu tenho participação. Eu te-nho o direito de doar aos meus filhos etambém de receber doação da minhamãe — esclareceu o senador.

Uma das movimentações que intriga-ram o Coaf foi o saque de R$ 170 mil deuma das contas de Agripino. Cerca de40 dias depois, o dinheiro foi deposita-do de volta na mesma conta de formafracionada. O senador explica:

— É um direito que eu tenho. Eu ia fa-zer um negócio que, depois, não foiconcretizado.

Outra movimentação suspeita foi odepósito em espécie de R$ 90 mil emuma de suas contas. Agripino explicouque tinha R$ 100 mil em espécie em ca-sa, e que tinha inclusive declarado omontante no Imposto de Renda do anoanterior. Portanto, não há qualquer ti-po de ilegalidade na operação.

Agripino admitiu que recebeu di-nheiro da OAS, mas de forma legítima,na forma de doação para campanha,conforme foi declarado à Justiça Eleito-ral. Ele acredita que os dados bancáriose fiscais, dos quais Barroso já pediu aquebra dos sigilos em abril, esclarece-rão a legalidade das operações finan-ceiras. Além de Agripino, tiveram os si-gilos quebrados o filho dele, o deputa-do Felipe Maia (DEM-RN), e de mais 14pessoas. Os dados já foram encaminha-dos ao STF e estão sob sigilo. l

Agripino Maia é investigado por indícios de receber propina da OAS

CAROLINA BRÍGIDO

[email protected]

AILTON DE FREITAS

Investigado. O presidente nacional do Democratas, senador potiguar José Agripino Maia

Coaf vê operações suspeitasem conta de presidente do DEM

O bancário aposentado Os-mar Teroço, de 60 anos,consultou sua posição nalista de espera por um fíga-

do na última sexta-feira e constatouque era o quinto na fila. No começo damanhã de ontem, numa nova consultana internet, Teroço viu que saltara paraa primeira posição. Uma hora depois,pelo telefone, chegou a boa notícia doHospital das Clínicas (HC) da Universi-dade Federal do Ceará (UFC): um fíga-do saudável foi ofertado a Fortaleza. Oórgão chegou a tempo, graças ao novoprotocolo adotado por decreto do pre-sidente interino Michel Temer, após sé-rie de reportagens de O GLOBO revelara recusa de pedidos de transporte porfalta de aeronaves em solo.

O órgão só não foi implantado porrazões puramente médicas. O fígadonão era compatível, fator que acom-panha a angústia de quem está na fi-la de espera. Outro órgão, que nãochegou pela FAB, estava sendotransplantado ontem à noite.

Desta vez, o transporte não foi umimpeditivo ao transplante. A ForçaAérea Brasileira (FAB) transportou oórgão de Natal à capital cearense nofim da tarde de ontem. Teroço seria oprimeiro a fazer uma cirurgia, rece-bendo um órgão transportado pelaFAB, depois do decreto presidencial

que reserva pelo menos uma aeronaveda FAB exclusivamente ao transporte deórgãos destinados ao transplante. O de-creto foi assinado na última segunda-fei-ra, um dia depois da reportagem doGLOBO revelar que a Aeronáutica recu-sou pedidos para transportar 153 cora-ções, fígados, pulmões, pâncreas, rins eossos entre 2013 e 2015. Nos mesmos di-as das recusas, a FAB atendeu a 716 re-quisições de transporte de autoridades.

Um decreto de 2002 obriga o atendi-mento a ministros e presidentes de po-deres. O deslocamento de órgãos eraassegurado apenas por acordo de coo-peração com o Ministério da Saúde. Odecreto publicado na terça-feira temforça de lei e determinou que a FAB“manterá permanentemente disponí-vel, no mínimo, uma aeronave que ser-virá exclusivamente a esse propósito(transporte do órgão ou do paciente,dependendo do caso)”.

O fígado que surgiu em Natal, e foi des-cartado, não teria chances de chegar a For-taleza, uma distância de 532 quilômetros,

se não fosse por meio de um avião daFAB. A central de transplantes consta-tou existir voos comerciais apenas pelamanhã e, então, acionou a Aeronáuti-ca. A instituição colocou à disposiçãoum Bandeirante C-95. A aeronave par-tiu de Recife para Natal e, já com o fíga-do embarcado, de Natal a Fortaleza.Pousou às 18h30m na capital cearense.Este foi o segundo transporte de órgãoapós o decreto. O primeiro buscou umfígado em Salvador e o levou a Recife,na noite de quinta-feira, mas o trans-plante também não foi realizado porconta das condições do órgão.

OTIMISMO ATÉ O CONTRATEMPOA cirurgia de Teroço começou às 19hde ontem e duraria mais de cinco ho-ras. A cirurgia foi interrompida e reto-mada com a chegada do novo órgão. Obancário tem uma cirrose grave, queresultou em câncer no fígado. Saiu coma mulher do Paraná para fazer o trata-mento em Fortaleza.

— Há três anos estamos nessa ca-minhada toda. Alugamos uma quiti-nete perto do hospital. A espera na fi-la é muito difícil e angustiante — diz acostureira Sandra Aniceto, 47 anos,mulher de Teroço.

O bancário tem três filhos e integra-va a fila de quase cem pacientes à es-pera de um fígado no HC. Para a pro-dução da série de reportagens, OGLOBO esteve no ambulatório, coor-denado pelo médico José HuygensGarcia. l

Com novo protocolo, FABtransporta órgão ao Ceará

Fígado chegou a tempo em Fortaleza, mas não foi implantado por incompatibilidade

DIVULGAÇÃO/FAB

Via aérea. Militar da FAB entrega a um técnico a caixa com o fígado para o transplante

SAÚDE A JATOVINICIUS SASSINE

[email protected]ÍLIA-

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PMDB CONTRA-ATACA

Na semana em que Rodrigo Janot pediu aprisão preventiva de quatro dirigentes doPMDB, o ministro peemedebista GeddelVieira Lima (Secretaria de Governo)reinterpretou o ato como um “ataque aoprocesso político brasileiro”. A expressãofoi usada por Geddel no programa “Preto nobranco”, apresentado pelo colunista doGLOBO Jorge Bastos Moreno no CanalBrasil. A entrevista foi ao ar ontem à noite.

Ao ser perguntado se o pedido de prisãopreventiva dos senadores Renan Calheiros eRomero Jucá (por obstrução da Lava-Jato),do ex-senador José Sarney, e do deputadoafastado Eduardo Cunha (por operar paraimpedir sua cassação) havia “abalado aestrutura” do governo interino, Geddelrespondeu: “Evidente que um caso desseimpacto causa estupefação, causa surpresa,ecausa sobretudo perguntas. O que gerouisso? O que levou isso? O que está por trásdisso? Apenas a busca do combate àcorrupção? Há algo mais do ponto de vista doque pode ser encarado como um ataque aoprocesso político brasileiro. Essas respostasvão surgir a medida que o supremo tribunalfederal se manifeste a respeito das razões quelevaram a esse pedido”.

GEDDEL: HOUVE ‘ATAQUEAO PROCESSO POLÍTICO’

Page 10: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

CHICOExpertise

— Não falei que a gente voltava logo?

O TCU deusinal verde para a Uniãorepassar R$ 2,9 bilhõesao Rio para a segurança.À noite, o presidente in-terino, Michel Temer, as-sinou a MP autorizandoa liberação. Com a verba,o estado poderá rema-nejar recursos do pró-prio caixa para concluira obra do metrô. Hoje,será apresentada a novaEstação Jardim Oceâni-co, na Barra. PÁGINA 10

TCU dá aval a repasse de R$ 2,9 bi ao Rio

EM PARATY

Mato Grosso

BOA VIAGEM

CAMINHOS ENTRE RIOSDO CERRADO LEVAM AALDEIAS DOS PARECIS

MÁR

CIA

FOLE

TTO

OGLOBOQUINTA-FEIRA, 30 DE JUNHO DE 2016 ANO XCI - Nº 30.278 Irineu Marinho (1876-1925) (1904-2003) Roberto Marinho RIO DE JANEIRO oglobo.com.br

SEGUNDO CADERNO

POESIA E IMAGEM NA ABERTURA DAFESTA LITERÁRIA

Depois de apoiar a votação na Câmara que permitiu queestrangeiros tenham até 100%de empresas aéreas, o governorecuou e fez acordo no Senadopara vetar esse artigo. PÁGINA 21

Governo recua no setor aéreo

Abertura do mercado

A meta fiscal do ano que vemvai prever déficit superior a R$ 100 bilhões. E o governo nãodescarta novo rombo nas contaspúblicas em 2018. PÁGINA 25

Déficit fiscal vaisuperar R$ 100 bi

Rombo em 2017

Investigações sobre o ataqueque matou 42 anteontem emIstambul reforçam a suspeitade que o responsável foi oEstado Islâmico. PÁGINAS 27 e 28

Estado Islâmico éprincipal suspeito

Atentado em Istambul

O STF decidiu que condenadosem todo o país poderão cumprirpena em casa, com tornozeleiraeletrônica, caso não haja vagano sistema prisional. PÁGINA 9

STF: condenadopode ir para casa

Se não houver vaga

O ministro Dias Toffoli, do STF,revogou a prisão do ex-ministroPaulo Bernardo, acusado dereceber R$ 7 milhões desviadosde empréstimos de servidores.Preso há seis dias, o petista foisolto ontem à noite. O MPF sedisse perplexo. A Justiça de SPestendeu a decisão a outrossete presos da OperaçãoCusto Brasil. PÁGINA 6

Toffoli ordena,e PauloBernardo é solto

Operação Custo Brasil

Temer reajusta benefício acima do prometido por DilmaAliados do presidente interino criticaram as medidas por contrariar discurso deausteridade fiscal; aumento dos servidores terá custo de R$ 26 bilhões até 2019

AJUSTE POLÍTICO_

Em meio à grave crise fiscal, o presi-dente interino, Michel Temer, conce-deu reajuste médio de 12,5% para osbenefícios do Bolsa Família, o que re-presentará gasto extra anual de cerca

de R$ 3 bilhões. À noite, com aval doPlanalto, o Senado aprovou aumentode 41,5% para servidores do Judiciárioe do Ministério Público da União, comimpacto previsto de R$ 2 bilhões neste

ano e de R$ 26 bilhões até 2019. Aliadosde Temer, entre eles PSDB e DEM, criti-caram as medidas, que têm forte apelopopular, mas contrariam o discurso deausteridade fiscal. PÁGINA 3

Cai chefe doantidoping nosJogos PÁGINA 34

ANCELMO GOIS

Benjamin Moserquer restaurar

casa deClarice

Lispector,no Recife.

PÁGINA 15

MEMÓRIARESTAURADA

O fotógrafo WalterCarvalho e o escritorArmando FreitasFilho dividirammesa-tributo àpoeta AnaCristina Cesar.

Aeroportos terãoreforço contraterror PÁGINA 14

CARLOS ALBERTOSARDENBERGReformas são umanecessidade, não uma virtude. PÁGINA 18

O juiz da Lava-Jato aceitou a 2ªdenúncia contra Dirceu, acusadode receber propina. PÁGINA 7

Moro torna Dirceu réu de novo

Flamengo vence;Fluminense perde PÁGINA 31

Campeonato Brasileiro

MÍRIAM LEITÃOProposta do governopara a Previdênciamais assustou do queconvenceu. PÁGINA 22

Apesar da crise, Judiciário eBolsa Família terão aumento

FOTOS DE ALEXANDRE CASSIANO

Ana Júlia, de 8 anos ecoração novo, foi umadas 14 pessoas benefi-ciadas este mês pelamedida que reservaao menos um avião daFAB para o transportede órgãos para trans-plante. A regra foi ado-tada após reportagensde VINICIUS SASSINE

revelarem a perda deórgãos saudáveis porfalta de aviões. PÁGINA 8

AnaJúlia

volta asorrir

VIDA NOVA

MIC

HEL

FILH

O

Maior campeão olímpico,o americano confirmousua vinda ao Rio com va-ga nos 200m borboleta. ACBF convocou Neymar,Prass e Douglas Costa pa-ra os Jogos. PÁGINAS 32 e 33

Phelps vempara quintaOlimpíada

Fenômeno. Phelps é o primeiro atleta homem a integrar a seleção americana em cinco edições dos Jogos

MARK J. TERRILL/AP

Edição de Brasília • Preço deste exemplar no Distrito Federal • R$ 4,00 • Circula com esta edição: Segundo Caderno

Page 11: Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança

8 l O GLOBO l País l Quinta-feira 30 .6 .2016

-BRASÍLIA- Os médicos que cuidam de AnaJúlia Aleixo, de 8 anos, já haviam tomadoa decisão. Sem alternativas palpáveis, re-correriam a uma máquina para fazerfuncionar o coração da menina. A altadose da medicação não garantia mais asfunções mínimas do órgão.

— A durabilidade desse procedimen-to é de 15 dias. Se falha ou não aparecedoador no período, a gente perde o pa-ciente — diz a médica Cristina Afiúne,coordenadora do transplante cardíacopediátrico do Instituto de Cardiologiado Distrito Federal (ICDF).

A espera de Júlia por um transplantese aproximava dos seis meses. Nos últi-mos três, ela estava no grupo das priori-dades nacionais, aguardando interna-da numa UTI do ICDF. A máquina éconsiderada uma última tentativa desobrevida, um estímulo artificial àsfunções do coração, acometido por fi-broses decorrentes de uma cardiopatia.

A partir das 2h30m do último dia 20,madrugada de uma segunda-feira, Júliadispensava qualquer artificialidade pa-ra viver. Foi o horário em que começoua bater em definitivo em seu peito umcoração novo e saudável. O órgão cru-zou os céus de Minas Gerais, Goiás eDF, dentro de um avião da Força AéreaBrasileira (FAB), para levar vida a Júlia.Às vésperas do transplante, a meninahavia deixado de comer, conversar eandar. Uma semana depois da cirurgia,caminha, sorri e faz planos.

— Para o futuro eu penso em muitascoisas. É outra vida, então são muitascoisas legais que eu estou pensando —diz a menina, que colocou tiara e ba-tom discreto para falar com a equipe doGLOBO. A caminhada da UTI até a saladestinada à conversa ela fez pratica-mente sozinha.

DECRETO COM FORÇA DE LEIOs transportes de órgãos para trans-plante — em especial o coração, o quemais desafia o tempo — eram uma ex-ceção na FAB, como O GLOBO revelounuma série de reportagens publicadasnos dias 5, 6 e 7 deste mês. A Aeronáuti-ca recusou transportar, entre 2013 e2015, 153 corações, fígados, pulmões,pâncreas, rins e ossos.

Em resposta à revelação feita pelo jor-nal, no dia seguinte à publicação daprimeira reportagem da série, o presi-dente interino, Michel Temer, editouum decreto, com força de lei, que obri-ga a disponibilidade exclusiva de pelomenos uma aeronave da FAB para otransporte de órgãos. Antes, a FAB só

era obrigada a transportar autoridades.Em três semanas de validade, os aviões

da Aeronáutica fizeram 12 voos paracaptar 14 corações, fígados e pâncreas,em nove estados, até o dia 27 deste mês,conforme levantamento do Ministérioda Saúde e da Aeronáutica. A maioriados transplantes foi exitosa. Ao longodos 365 dias de 2015, a FAB atendeu aapenas 24 solicitações de voos. Em trêsanos, houve 68 “sims” para 153 “nãos”.

Às 17h30m do dia 19, a Central Naci-onal de Transplantes (CNT) acionou aFAB para buscar um coração em Uber-lândia (MG), a 430 quilômetros de Bra-sília. No topo da lista de espera, quasedependente a uma máquina, estava Jú-lia. A família de uma criança de 6 anos,que morreu num acidente, tomou a de-cisão de doar os órgãos.

— Não surgia nenhuma oportunida-de. Doação para criança é bem difícil.Eu pensava: “Meu Deus, quando essecoração vai chegar?”. Eu chorava a noitetoda — conta a mãe de Júlia, a diaristaMaria Aparecida Leite, de 36 anos.

ALEGRIA COM O NOVO CORAÇÃOEram 19h quando quatro integrantesda equipe médica do ICDF, dois pilo-tos e um mecânico da FAB embarca-ram na Base Aérea de Brasília, num ja-tinho Learjet 35, o mesmo que tam-bém transporta autoridades. Pousa-ram uma hora depois em Uberlândia.Às 23h, o avião decolou rumo a Brasí-lia. Chegou 40 minutos depois. A ci-rurgia terminou às 2h30m.

Naquele dia, o piloto Vitor AlmeidaFreitas, de 31 anos, integrava a tripula-ção que fica de sobreaviso por 24 horasna Base Aérea. Coube a ele planejar osvoos de ida e volta e pilotar o jato.

— Assim que eles chegam com o ór-gão, temos de estar prontos para acio-nar o motor. Existe uma motivaçãogrande em fazer parte desse processode salvar uma vida, de ser útil a al-guém. Estreitamos as distâncias —afirma o tenente.

A distância relativamente curta entreUberlândia e Brasília deu mais tranqui-lidade ao trabalho da equipe. O cora-ção tem apenas quatro horas para sairde um peito a outro. Os fatores logísti-cos, para além da falta de avião nas ro-tas interestaduais, levaram o sistema detransplantes a deixar de aproveitar 982órgãos em cinco anos, entre 2011 e2015, como revelou a segunda reporta-gem da série publicada pelo GLOBO nocomeço deste mês.

Júlia foi para a cirurgia “emocionada”,como ela conta:

— Eu fiquei emocionada (quandosoube que ia ganhar um coração novo).

Era ruim antes do transplante. Eu via aspessoas correndo, brincando e eu nãopodia fazer nada. Aí ficava triste. Euqueria agradecer muito a quem decidiudoar. Foi muito corajoso.

A menina se recupera bem. Os médi-cos planejam para hoje a saída da UTI emais 20 dias numa enfermaria, até re-ceber alta. As chances de rejeição aocoração novo, maiores nos primeirosseis meses, variam de 30% a 40%.

— Ela não tem nenhum sintoma clínicoou ecocardiográfico de rejeição. Se tudocorrer bem, terá vida normal, vai podercorrer e brincar — diz a médica Cristina.

Júlia mora com os pais e três irmãos emLuziânia (GO), no entorno do DF. O paivende picolé e água na porta de ministé-rios, entre eles o Ministério da Saúde. Afamília precisa pintar a casa e retirar omofo para receber a menina de volta.

O sistema de transplante no Brasil épraticamente todo feito pelo SistemaÚnico de Saúde (SUS), que respondepor 95% dos procedimentos. Foi assimcom o tratamento de Júlia, custeadopelo SUS. É um dos maiores sistemaspúblicos do mundo, com 23,6 miltransplantes em 2015. Somente com amedicação imunossupressora, destina-da a 71,1 mil transplantados, o SUS gas-tou R$ 362 milhões em 2015, conformeo Ministério da Saúde. Mas falhas ocor-rem, numa área sensível em que se cor-re contra o tempo.

Agora, outra Ana Júlia, de 7 anos, estána fila de espera em Brasília. Por contade uma cardiopatia congênita, ela já fezcinco cirurgias cardíacas. O aniversárioda menina é no próximo dia 13.

— Ela falou que vai ganhar um coraçãode aniversário — diz a médica do ICDF. l

Reserva de aviões da FAB para transportede órgãos salva menina de 8 anos e

viabiliza 14 transplantes em três semanas

VINICIUS SASSINE

[email protected]

NO PEITO DEANA JÚLIA, O

SUCESSO DE UM ATO SIMPLES

VIDAS EM PRIMEIRO PLANO_

MICHEL FILHO

Vida nova. Ana Júlia sorri ao lado da mãe após transplante: “Era ruim antes, eu via as pessoas brincando e eu não podia fazer nada”

Fonte: Força Aérea Brasileira

ÓRGÃOS TRANSPORTADOSAVIÕES DA FAB CRUZARAM PAÍS PARA SALVAR VIDAS EM JUNHO

Editoria de Arte

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FÍGADO

FÍGADO

FÍGADO

PÂNCREAS

CORAÇÃO

CORAÇÃO

FÍGADO

CORAÇÃO

CORAÇÃO

CORAÇÃO

CORAÇÃO

PÂNCREAS

Salvador

Natal

Fortaleza

Florianópolis

Uberlândia

Goiânia

Aracaju

Petrolina

Navegantes

Campo Grande

Florianópolis

Lajes

DIA ÓRGÃO ORIGEM

Recife

Fortaleza

Brasília

Curitiba

Brasília

Brasília

Brasília

Recife

Curitiba

Brasília

São Paulo

Curitiba

Recife/ Salvador/ Recife

Recife/ Natal/ Fortaleza/ Recife

Fortaleza/ Brasília/ Fortaleza

Guarulhos / Curitiba/ Florianópolis/Curitiba/ Guarulhos

Brasília/ Uberlândia/ Brasília

Anápolis/ Goiânia/ Brasília/ Anápolis

Brasília/ Aracaju/ Brasília

Recife/ Petrolina/ Recife

Canoas/ Curitiba/ Navegantes/Curitiba/Canoas

Brasília/ Campo Grande/ Brasília

Galeão/ Guarulhos/ Florianópolis/ São Paulo/ Galeão

Canoas/ Curitiba/ Lajes/ Curitiba/ Canoas

DESTINO ROTA FAB

CORAÇÃO+

CORAÇÃO+

SÉRIE DO GLOBOGEROU MUDANÇA

No dia 10 de janeiro, O GLOBO

mostrou que a falta de

disponibilidade de avião da FAB

impediu o transplante de coração

em uma criança de 12 anos, em

Brasília. Ele deixou de receber o

órgão de um doador de Pouso

Alegre (MG), cidade a menos de

mil quilômetros da capital federal.

Ocaso revoltou médicos. Gabriel, o

menino doente, morreu 14 dias

depois da recusa do órgão.

No dia 5 de junho, O GLOBO

iniciou uma série de reportagens

mostrando que, se havia

dificuldade em conseguir voos da

FAB para o transporte de órgãos, o

mesmo não ocorria com

autoridades que viajam pelo país.

No dia seguinte, um decreto

presidencial mudou as regras.

U

Memória

-BRASÍLIA- O uso exclusivo de pelo menosuma aeronave da FAB para o transportede órgãos mostrou, nas primeiras trêssemanas de validade do novo decreto, aimportância desse recurso para o trans-plante de coração. Dos 14 órgãos trans-portados, oito são corações. Os outrossão quatro fígados e dois pâncreas. Otempo de isquemia do coração é deapenas quatro horas, período em quepode ficar sem irrigação sanguínea, atéser deslocado de um peito a outro.

Os corações foram buscados em San-ta Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás,Minas Gerais e Pernambuco. Os recep-tores estavam em grandes centrostransplantadores em São Paulo, Paraná,Brasília e Pernambuco. O GLOBO iden-tificou que pelo menos três dos oito pa-cientes tinham menos de 21 anos deidade. O transplante se mostrou inicial-mente exitoso no caso dos três. Um jo-

vem de 20 anos internado em São Paulorecebeu um coração captado por umavião da FAB em Florianópolis no dia24. A distância percorrida foi de 700quilômetros.

Dois dias antes, uma aeronave fez umtransporte dentro de um mesmo esta-do, Pernambuco, o que não ocorria.Um coração deixou Petrolina e seguiupara Recife, separadas por mais de 700quilômetros. A receptora foi uma ado-lescente de 14 anos. “O transplante foibem-sucedido. Normalmente, aciona-mos o táxi aéreo do estado. No entanto,devido à urgência, a central decidiu so-licitar à FAB, que atendeu a demandaprontamente”, informou a Secretaria deSaúde de Pernambuco, por meio da as-sessoria de imprensa.

Ana Júlia Aleixo, de 8 anos, recebeuem Brasília o coração captado emUberlândia (MG). Outros dois órgãos,

buscados em Goiânia e em CampoGrande, foram transplantados emadultos na capital federal.

Em pelo menos três casos não houveêxito no transplante. São os casos dedois fígados levados para Recife e For-taleza, que acabaram não aproveitados,e de um coração transportado de Nave-gantes (SC) para Curitiba. Neste caso, areceptora “não evoluiu bem” e morreuapós o transplante, segundo a Secreta-ria de Saúde do Paraná. Já o transplantede um coração e um pâncreas numhospital em Campina Grande do Sul(PR), no dia 18, foi bem-sucedido, e ospacientes já tiveram alta do hospital,conforme a secretaria.

— O sistema já melhorou muito e ho-je é robusto. Sou testemunha oculardisso desde 1997, quando se instituiu oSistema Nacional de Transplantes, comuma lista única de receptores por ór-

gão. É preciso conseguir o máximo deazeitamento entre todos os atores en-volvidos, com um trabalho concatena-do. O decreto veio valorizar e garantir oque a FAB já fazia — diz Maria Inez Ga-delha, diretora do Departamento deAtenção Especializada e Temática doMinistério da Saúde.

“O transporte de órgãos é motivo deorgulho para a FAB. Ajudar a salvaruma vida alenta o coração, traz sentidoà jornada e é combustível não só para arealização profissional, mas tambémpessoal”, diz a Aeronáutica. A FAB afir-ma ainda que continua a priorizar otráfego de aeronaves comerciais quetransportam órgãos. l

NAS ASAS DA FAB, 8 CORAÇÕES, 4 FÍGADOS E 2 PÂNCREAS

NA WEBhttp://bit.ly/296FAlT Infográfico: Órgãos com transporterecusado e os voos das autoridades