falando de modelos de assistÊncia À saÚde e do programa de saÚde

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    R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianpolis, v.5, p. 78-103, jan./jul. 2008.

    FALANDO DE MODELOS DE ASSISTNCIA SADE E DO PROGRAMA DE SADEDA FAMLIA DO MINISTRIO DA SADE - BRASIL

    ON MODELS OF HEALTH ASSISTANCE AND THE PROGRAM OF FAMILY HEALTHOF THE BRAZILIAN HEALTH DEPARTMENT

    EL PROGRAMA DE SALUD DE LA FAMILIA DEL MINISTERIO DE LA SALUD DEBRASIL Y OTROS MODELOS DE ASSISTNCIA A LA SALUD.

    Cludia Hausman Silveira1

    RESUMOO artigo faz referncia aos trs modelos que inspiraram a construo do Programa deSade da Famlia no Brasil (Cubano, Ingls e Canadense), observando suas diferenas esemelhanas e comparando com o caso brasileiro. Para tanto, tambm construda umalinha relacional entre o Sistema nico de Sade (SUS) e a necessidade de uma prticaque permita a operacionalizao de suas diretrizes e princpios organizativos. Assim,chega-se a concluso de que o Programa de Sade da Famlia no Brasil, pela sua

    proposta multiprofissional de trabalho em equipe interdisciplinar em consonncia com oSUS pode ajudar a cumprir a lei da sade no Pas.Palavras-chave: SUS, Programa de Sade da Famlia, Interdisciplinaridade, modeloassistencial, prtica sanitria.

    ABSTRACTThe article makes reference to the three models that have inspired the construction of theProgram of Family Health in Brazil (Cuban, English and Canadian), observing theirdifferences and similarities and comparing them with the Brazilian case. Therefore, anassociative line is also constructed between the Only System of Health (SUS) and thenecessity of a practice which allows the functioning of its lines of direction and

    organization principles. Thus, we reach the conclusion that the Program of Family Healthin Brazil, for its multi professional work proposal in interdisciplinary teams, in accordancewith the SUS, can help keep the law of health in the Country.Key-words: SUS, Program of Family Health, Interdisciplinary, medical care model,sanitary practice

    RESUMEN

    1 Doutoranda do Programa de Ps-Graduao Interdisciplinar em Cincias Humanas (DICH) daUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sanitarista, professora do Departamento de Sade

    Comunitria da Universidade Federal do Paran (UFPR), Mestre em Sociologia das Organizaes (UFPR).

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    Este artculo referencia los tres modelos que inspiraron la construccin del Programa deSalud de la Familia en el Brasil (cubano, ingles y canadiense), observando sussemejanzas y diferencias y comparando con el caso brasileo. Para tanto se construyeuna relacin entre el Sistema nico de Salud (SUS) y la necesidad de una prctica que

    permita la concretizacin de sus principios y diretrizes. El trabajo llega a la conclusin deque el Programa de Salud de la Familia en el Brasil puede ayudar a cumplir la ley de lasalud en el Pas proponiendo equipos multiprofesionales que desarrollen un trabajointerdisciplinario de acuerdo con el SUS.Palabras-clave: SUS; Programa de Salud de la Familia; interdisciplinariedad; modeloasistencial; practica sanitaria

    A concepo de sade tem se transformado atravs dos tempos e das civilizaes,

    fato que indica sua estreita relao com a histria e a organizao poltica, econmica ecultural de um grupo social.

    A 8 Conferncia Nacional de Sade, em 1986 no Brasil, assim definiu sade:

    Em seu sentido mais abrangente, a sade a resultante das condies dealimentao, habitao, educao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a servios de sade., assim, antes de tudo, o resultado das formas de organizao social daproduo, as quais podem gerar grandes desigualdades nos nveis de vida. [...] Asade no um conceito abstrato. Define-se no contexto histrico de determinadasociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo serconquistada pela populao em suas lutas cotidianas. (NTEGRA do Relatrio...,1986)

    Vaitsman (1992) afirma que no se deve reduzir a determinao das doenas

    determinao das formas da organizao social da produo. E acrescenta:

    A existncia de sade, que fsica e mental, est ligada a uma srie de condiesirredutveis umas s outras. Um conceito ampliado no poderia ento considerarsade s como resultante das formas de organizao social da produo. Pois produzida dentro de sociedades que, alm da produo, possuem certas formas

    de organizao da vida cotidiana, da sociabilidade, da afetividade, dasensualidade, da subjetividade, da cultura e do lazer, das relaes com o meioambiente. antes resultante do conjunto da experincia social, individualizado emcada sentir e vivenciado num corpo que tambm, no esqueamos, biolgico.(VAITSMAN, 1992, p.170)

    Segundo o autor, uma concepo de sade no reducionista deveria recuperar o

    significado do indivduo em sua singularidade e subjetividade na relao com os outros e

    com o mundo (p.171).

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    Em funo da concepo de sade e de sua determinao os servios so

    organizados, constituindo, por sua vez, modelos assistenciais de sade.

    Segundo Campos (1989), a noo de Modelo Assistencial tem sido entendida de

    forma rgida e condicionadora de um desenho organizacional e tcnico. Afirma que:

    [ ] deveria ser conceituado como o modo como so produzidas aes de sade ea maneira como os servios de sade e o Estado se organizam para produzi-las edistribu-las. Este novo conceito tem duas utilidades imediatas: uma analtica, namedida em que permite identificar um determinado modo de produo existente; e

    outra operacional, que possibilita a construo de novas polticas para alm daanunciao de diretrizes gerais, ou seja, permite pensar modelos assistenciaisnovos, imaginados enquanto objetivos estratgicos a serem atingidos. (CAMPOS,

    1989, p.53)

    Para o mesmo autor, historicamente, no Brasil, identificam-se vrios modelosassistenciais que foram construdos atravs das diferentes polticas de sade

    implementadas. Destaca trs deles, por serem significativos na conformao do setor e

    por estarem ainda presentes no cenrio poltico: o modelo liberal-privativista, o modelo

    racionalizador-reformista e o Sistema nico de Sade.

    O primeiro organizado pelo mercado. Investe-se onde h possibilidade de lucro e

    o usurio paga sempre pela assistncia, seja de forma direta ou atravs da Previdncia

    Social. Isso gerou desigualdade no acesso aos servios e estruturou duas formas deateno: um atendimento especializado, tecnificado e resolutivo para a populao de

    maior poder aquisitivo, e um Pronto-Atendimento, impessoal e pouco resolutivo,

    comprado pelo Estado, que contratava ou credenciava hospitais e servios. Foi

    justamente essa interveno estatal, no sentido do aumento de cobertura, que permitiu a

    expanso do modelo liberal-privativista cuja lgica de ateno mdica era individual,

    curativa e economicamente racionalizadora. Neste modelo coube ao Estado o

    financiamento, a compra de servios e o atendimento daqueles cidados que no faziamparte do mercado formal.

    Assim, desenvolveram-se no Brasil as Campanhas Sanitrias e os Centros de

    Sade tradicionais que trabalhavam apenas com alguns programas considerados

    necessrios ao controle de endemias ou da mortalidade infantil e materna. Foi com essa

    lgica que, mais recentemente, se desenvolveram os Postinhos de Sade, dentro da

    proposta de ateno comunitria aos carentes e marginalizados. (CAMPOS,1989 p.54-55)

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    Esse modelo encontra-se em crise financeira, crise de eficcia e de legitimidade h

    pelo menos vinte anos, porm ainda conta com o apoio de alguns setores da sociedade,

    empresrios, parte dos mdicos e da populao de maior poder aquisitivo.

    Em funo da crise do modelo anterior e da pouca expressividade dos movimentos

    sociais, nasce, dentro do Estado, um projeto que, sem pretender acabar com a medicina

    de mercado, tenta minimizar algumas distores da sua prtica liberal. Assim surge o

    modelo racionalizador-reformista, cujos projetos mais significativos foram, entre outros, as

    Aes Integradas de Sade (AIS) e o Sistema Unificado e Descentralizado de Sade

    (SUDS).

    Esses projetos contriburam para ampliar a capacidade de ateno do Estado e

    introduzir o planejamento de carter racionalizador e normativo em sade como substitutodo mercado na alocao de recursos, constituindo-se em um contraprojeto aos servios

    prestados e organizados pela lgica liberal. Esta coexistncia dos opositores acaba por

    estagnar o avano de ambos.

    Assim, vem ocorrendo no Brasil uma penetrao dos princpios e da organizao

    liberal mesmo na parte reformada dos servios; fazendo com que antigos Centros de

    Sade transformem-se em Pronto-Atendimento, Hospitais Municipais sejam organizados

    como se fossem privados, recursos pblicos continuem passando ao setor privado parafinanciar uma assistncia ainda gerenciada pela busca do lucro. Particularmente,

    interessa a essa discusso assinalar que dentro desse modelo hbrido a rede bsica no

    tem conseguido desenvolver-se, a no ser como extenso dos pronto-atendimentos do

    setor privado, principalmente porque os recursos prioritariamente continuam sendo

    investidos com outras finalidades. (CAMPOS,1989 p.55-56)

    O terceiro modelo, um projeto em construo, o Sistema nico de Sade (SUS),

    no qual o planejamento substitui o mercado de modo a permitir que as necessidades desade sejam o critrio de maior importncia na organizao da ateno. Exige uma rede

    bsica bastante grande para garantir, inclusive com pronto-socorro, a entrada no sistema.

    Possui, segundo Campos (1989, p.56), alguns objetivos estratgicos:

    a) constituir uma rede bsica distribuda por critrios demogrficos e

    socioeconmicos;

    b) compatibilizar as prticas preventivas, individuais e coletivas com a ateno

    demanda espontnea;

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    c) dispor de tecnologia, trabalhadores capacitados, apoio diagnstico e teraputico e

    infra-estrutura fsica capaz de possibilitar uma resolutividade de, aproximadamente,

    80% dos problemas;

    d) dispor de postos na rede bsica que ofeream o maior nmero de atividades

    possvel todos os dias, em diversos perodos, fazendo com que o usurio se

    desloque o mnimo possvel da sua regio;

    e) humanizar o atendimento e formar um vnculo com o usurio que seja baseado na

    parceria e no respeito s diferenas;

    f) construir um sistema de gerncia capaz de democratizar os processos de deciso

    e controle com competncia tcnica e poltica.

    O alcance desses objetivos estratgicos, necessrios construo do modelo,que apresenta as diretrizes e princpios organizacionais descritos no captulo 2 (item 2.1)

    do presente trabalho, faz com que o SUS percorra uma trajetria conflituosa em meio s

    suas prprias contradies e quelas oriundas da coexistncia de outros modelos.

    Ao se pensar na concepo de sade como norteadora da organizao dos

    servios, Vaitsman, ao construir um conceito ampliado, confere sentido s prticas

    sanitrias construdas para atender tanto lgica curativa individual quanto lgica

    preventiva e coletiva. Este conceito resgata o usurio e os profissionais como sujeitos daproduo em sade e explicita uma relao intrnseca entre a determinao estrutural e

    individual do processo sade/doena.

    Na busca da operacionalizao do modelo, atravs da construo dos distritos

    sanitrios, alguns municpios tm buscado referenciar-se na experincia de pases cujos

    sistemas de sade so reconhecidos mundialmente. Os trs modelos estrangeiros que

    mais tm inspirado as experincias nacionais so o cubano, o canadense e o ingls.

    Segundo Dupuy (1991), para o modelo de Cuba a questo da sade no somente um problema terico, tambm um problema prtico e intersetorial que precisa

    ser enfrentado pela sade pblica. A categoria sade-doena, base da medicina, social

    e histrica e sofre mudanas em funo dos modos de produo econmico-sociais e das

    bases de justia social e eqidade que fundamentam a organizao de determinado

    grupo social. Por isso, a sade e as instituies responsveis por ela no podem ser

    concebidas como autnomas ou independentes da sociedade qual pertencem e que as

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    produziu. Em Cuba, a responsabilidade pela sade da populao do Ministrio de

    Sade Pblica, nico dirigente do governo social (DUPUY, 1991 p.4-5).

    As principais medidas adotadas pelo Ministrio da Sade de Cuba no perodo de

    trinta anos de revoluo so as seguintes:

    a) deciso poltica do Estado e do governo para realizar transformaes

    profundas em sade;

    b) reconhecimento da sade como um direito do povo e um dever e

    responsabilidade do Estado;

    c) garantia da sade a cada cidado, pelo Estado, tornando gratuita a

    ateno sade para grupos, famlias e indivduos;

    d) criao de um nico rgo de sade o Ministrio de Sade Pblica ,com a responsabilidade principal de garantir a sade de toda a

    populao;

    e) a medicina tem uma base profundamente profiltica, curativa, integral,

    sociobiolgica e no exclusivamente biologicista;

    f) aumento substancial do oramento para a Sade Pblica, visando

    atender s necessidades crescentes da medicina hospitalar e

    ambulatorial;g) garantia da ateno sade atravs da Medicina Familiar: h uma

    policlnica e um consultrio do Mdico de Famlia para cada 720

    indivduos, atendendo toda a populao urbana e rural;

    h) participao das massas na soluo dos problemas de sade da nao

    por meio das diferentes instncias do Poder Popular e organizaes de

    massas;

    i) desenvolvimento, em todos os nveis de Sade Pblica, de um processode integrao da assistncia, docncia e investigao.

    Segundo Dupuy, Cuba, um pas subdesenvolvido, desde 1983 havia conseguido

    cumprir o objetivo emblemtico estabelecido na Conferncia de Alma Ata em 1978 de

    Sade Para Todos no ano 2000. Isto, no entanto, no quer dizer que o projeto de Estado

    no tenha sofrido ajustes e, em 1985, introduzida a figura do Mdico de Famlia, figura

    chave para o sistema at hoje.

    O modelo do mdico de famlia de Niteri de inspirao cubana.

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    Vasconcellos (1998, p.167), cita o encarte de divulgao do Programa do Mdico

    de Famlia de Niteri que cita o modelo cubano:

    O Plano Mdico de Famlia de Cuba fundamenta-se na concepo humanstica, a

    qual prioriza o homem como sujeito de sua histria, a partir de determinantes sociais. Em

    termos de programao, o conceito de medicina familiar no estabelece uma relao de

    subordinao entre partes ou nveis, e sim uma matriz de inter-relaes de apoio e

    fortalecimento, o que no confundido com a quebra de hierarquizao dos nveis de

    ateno.

    Para a autora, o Programa Mdico de Famlia de Niteri foi criado como uma

    estrutura paralela chamada rede para viabilizar seu projeto poltico. A equipe bsica

    era formada pelo mdico generalista e a auxiliar de enfermagem, tendo por retaguardasupervisores nas mais diferentes reas.

    O modelo canadense se aproxima do Movimento de Cidades Saudveis da

    Organizao Mundial de Sade, no qual verifica-se a nfase da sade como poltica

    central de governo e a articulao intersetorial como principal estratgia de atuao.

    (SILVA JUNIOR,1998, p.94)

    No Frum Sadecidade, realizado em Curitiba em dezembro de 1994, o Dr. Jack

    Lee, Chefe do Departamento de Sade Pblica de Toronto, afirmou que os principaispontos a serem trabalhados de forma indissocivel no projeto das cidades saudveis so

    a eqidade, a economia e o desenvolvimento. O Estado tem a funo de prover polticas

    e legislao ambiental e educacional, bem como de estabelecer parcerias com a

    comunidade que lhe garantam exprimir suas necessidades e buscar solues. Para Lee,

    Toronto pretende uma poltica de sade baseada na participao da comunidade,

    cooperao multissetorial e horizontal, pois uma cidade saudvel aquela que est,

    continuamente, modificando e recriando mecanismos sociais que permitam mudanasno s nos indicadores de sade, mas tambm nos processos desenvolvidos para a sua

    produo. Neste enfoque, a atuao do setor sade deve dar nfase preveno, a

    tomada de deciso deve ser compartilhada entre todos os segmentos da comunidade e

    governo e, ainda, deve haver co-responsabilidade na construo e desenvolvimento dos

    processos geradores de sade.

    O mdico de famlia do modelo canadense responsvel pela sade das famlias a

    ele vinculadas, independentemente dos seus locais de residncia, e utiliza o mtodo

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    clnico centrado no paciente, chamado de diagnstico abrangente. Este tipo de ateno

    exige seis intercomponentes: a explorao da doena e da experincia de adoecer, a

    compreenso integral do indivduo, a busca de um campo comum, a incorporao da

    preveno e promoo da sade, a melhora da relao mdico-paciente e a percepo

    realista das situaes. Para o Canadian College of Family Physician, o mdico de famlia

    incorpora em sua prtica quatro princpios de Medicina Familiar: competncia clnica,

    prtica que leva em conta a idia de populao de risco, respeito pela comunidade e

    suas caractersticas e vnculo estreito com seus pacientes. Tal figura de mdico, com

    aprofundada formao clnica, tem sido o ideal das especializaes em medicina familiar,

    reivindicado por esta categoria profissional.

    O modelo ingls constri-se, historicamente, na segunda metade do sculo XIX,quando o Estado liberal no consegue mais furtar-se das investigaes sobre as

    condies de vida nas cidades, das aes de saneamento do meio, do controle das

    endemias e da assistncia mdica aos pobres no mbito local.

    Segundo Rosen (1994), as Leis dos Pobres na Inglaterra constituram-se em um

    sistema de assistncia que surge no sculo XVI e subsiste at a Segunda Guerra

    Mundial, tendo sido alvo de diversas mudanas nesse longo perodo. Por volta de 1600 a

    pobreza e o desemprego j assumiam propores alarmantes na Inglaterra isabelina,fazendo com que o Estado assumisse o problema que a Igreja no conseguia mais

    resolver. As freguesias foram orientadas a arrecadar impostos, conseguir empregos, punir

    os indolentes e prestar caridade aos idosos, doentes e incapacitados.

    No sculo XVIII, os trabalhadores que recebiam salrio abaixo da subsistncia

    passaram a receber penses que, por sua, vez oneraram de tal forma os gastos do

    Estado que levaram votao, em 1834, de uma nova Lei dos Pobres, bem mais dura,

    em que a pobreza dos fisicamente capazes era entendida como uma falha moral e aassistncia passa a ser restrita s casas asilares (workhouses). O crescimento de

    filosofias humanitrias no sculo XIX leva ao abrandamento da nova lei.

    preciso entender que a partir da Lei dos Pobres que a medicina inglesa torna-

    se social, impondo um controle mdico sobre o pobre. Um elo de autoritarismo une ricos e

    pobres nas cidades, os primeiros garantindo no serem afetados pelas epidemias

    originadas nas classes pobres e os segundos podendo se tratar gratuitamente ou com

    baixo custo. Esta forma de ateno torna as classes pobres mais aptas ao trabalho e

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    menos perigosas s classes ricas. Em 1875, a criao do health service, com seus

    aproximadamente mil health officers, garante coletivamente o mesmo controle j mantido

    pela Lei dos Pobres. Este servio tinha por funes localizar e intervir nos locais

    insalubres, controlar e obrigar vacinao e localizar e registrar a ocorrncia de doenas

    epidmicas. Tal forma autoritria de controle mdico no se desenvolve impunemente e

    enfrentada, historicamente, por diversos grupos, principalmente de dissidncia religiosa.

    (Foucault, 1998)

    A atribulada primeira metade do sculo XX (que passa por duas guerras mundiais,

    a Revoluo Russa e a crise capitalista dos anos 30) acaba por reforar a interveno do

    Estado na economia que, pressionado pelas organizaes de trabalhadores, precisa

    desenvolver polticas sociais que terminam por gestar o seu Sistema Nacional de Sade.A legislao social inglesa substitui as Leis dos Pobres por um abrangente sistema de

    servios pblicos. O desemprego industrial do sculo XX mostrou tambm as

    determinaes estruturais da pobreza.

    A medicina social inglesa permitiu a coexistncia de trs sistemas de ateno

    sade em um mesmo grupo social: uma medicina assistencial dirigida aos mais pobres,

    uma medicina coletiva encarregada de atuar sobre situaes de risco coletivo (vacinas,

    epidemias, etc.) e uma medicina privada cujo benefcio restringe-se populao quedispe de meios para compr-la. Este modelo tem inspirado a organizao de diversos

    sistemas nacionais de sade, inclusive o brasileiro.

    Em 1920, um mdico ingls chamado Bertrand Dawson critica o modelo americano

    sistematizado por Flexner e prope a reestruturao dos servios de sade na Inglaterra.

    Tinha o Estado como provedor e gerenciador de polticas de sade executadas por

    servios responsveis por aes curativas e preventivas em regies geograficamente

    determinadas. Tambm falava em aes coordenadas realizadas por mdicosgeneralistas que atuassem sobre indivduos e comunidades.

    Os servios para as famlias de uma regio especfica devem possuir como baseum centro primrio de sade, ou seja, um estabelecimento que oferea os serviosde medicina curativa e preventiva e que esteja a cargo de mdicos generalistas,

    junto com um servio de enfermagem eficiente, e que tenha a colaborao deconsultores e especialistas visitantes. Os centros de sade sero de diferentestamanhos e nveis de complexidade, de acordo com as condies locais ou quanto

    sua localizao na cidade ou reas rurais. O pessoal consiste, na sua maioria,

    de mdicos do distrito correspondente, sendo possvel assim para os pacientes

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    seguir com seus prprios mdicos. Um grupo de centros primrios de sade deve,por sua vez, ter um centro secundrio de sade como base. [...] Os centros desade secundrios, por sua vez, devem formar vnculo com o hospital. (DAWSON,

    1920, apud SILVA JUNIOR, 1998, p.54-55)

    Silva Junior (1998), salienta que a aparente polaridade da medicina flexneriana

    americana-tecnificada, especializada, medicalizada, hospitalocntrica, medicocntrica e

    de alto custo com a proposta de Dawson verdadeiramente representa os dois lados de

    uma mesma moeda. A conjuntura poltica e econmica inglesa da poca fez com que o

    Estado incorporasse as demandas dos trabalhadores sem que fosse alterada a estrutura

    de dominao de classe e a hierarquia de poder. Esta poltica atenuou as vocaes

    socialistas do Partido Trabalhista ingls na dcada de 40. A proposta de Dawson foi

    implantada nessa mesma dcada com o plano Beveridge.

    Assim, os mdicos generalistas, com menor prestgio profissional, passaram a

    atender s periferias urbanas e s classes trabalhadoras, sendo cooptados pelo Sistema

    de Sade, que os utilizava como triadores para os hospitais e mdicos especialistas.

    Ainda hoje, a indstria mdico-farmacutica influencia a tendncia dos gastos em sade

    quando fixa os preos dos produtos comprados pelo Estado ingls.

    Em 1994, o Dr. Walter W. Rosser, professor do Departamento de Famlia e

    Medicina Comunitria da Universidade de Toronto, proferiu palestra em Curitiba fazendouma comparao entre pases que trabalham com cuidados primrios de sade. Ele

    afirma que as prticas generalistas, ainda hoje, tm um papel muito importante no sistema

    nacional de sade britnico. Mais da metade dos mdicos na Gr-Bretanha so mdicos

    gerais comunitrios (general partitioners - GPs). Todo cidado britnico deve se registrar

    com um GP, que sua porta de entrada para o sistema. Um especialista s atender um

    paciente se ele for referenciado por um mdico geral comunitrio. Os GPs so pagos por

    um sistema de captao e so encorajados a trabalhar junto com uma enfermeiracomunitria, fisioterapeutas e outros profissionais da sade. A partir de 1990 o mdico

    geral comunitrio que tem mais de 7.000 pacientes cadastrados deve manter um contrato

    com hospitais e especialistas para garantir a ateno em todos os nveis. Isto fora os

    hospitais a melhorar a qualidade da ateno e, acredita-se, a baixar o custo do

    atendimento. O sistema britnico tem estimulado os GPs a desenvolverem clnicas e, com

    a ajuda de outros profissionais, ofertarem algumas prticas especficas, alm de fazerem

    visitas domiciliares na comunidade.

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    O modelo ingls mundialmente reconhecido pela sua resolutividade e tem sido

    usado como referncia para diversas experincias, inclusive na sia e frica de influncia

    inglesa. No Brasil, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o Grupo Hospitalar Conceio

    (GHC) um dos maiores complexos hospitalares da Amrica Latina, formado por quatro

    sociedades annimas: o Hospital Nossa Senhora da Conceio S.A., o Hospital da

    Criana Conceio S.A., o Hospital Cristo Redentor S.A. e o Hospital Fmina S.A., cada

    um com CGC prprio. O Ministrio da Sade tem 98% das aes do grupo e financia sua

    folha de pessoal. O custeio se d atravs do faturamento.

    Em 1983 comea o Servio de Medicina de Famlia (SMF), com uma unidade

    experimental que visava formar Mdicos Gerais Comunitrios (MGC) e prestar assistncia

    comunidade vizinha ao hospital. Posteriormente, a ateno ampliada para acomunidade funcional do Grupo Hospitalar Conceio. A populao da zona norte de

    Porto Alegre j procurava o Hospital Conceio, que tinha autonomia legal para investir

    na proposta. O servio comeou com quatro unidades bsicas de sade, chegando a

    treze no perodo de 1990 a 1994. O espao fsico necessrio foi viabilizado pela

    populao local, que se responsabilizou pela delimitao e manuteno da rea de

    abrangncia do servio. Em 1994, na gesto do ento prefeito Tarso Genro (PT), a

    Secretaria Municipal da Sade de Porto Alegre assume o processo de municipalizao dasade e define priorizar outras reas para expandir a rede. Esta municipalizao tardia

    fruto de conflitos poltico-partidrios entre o governo do Estado do Rio Grande do Sul

    (PMDB) e as duas gestes do PT na capital. A Secretaria Municipal negava-se a receber

    uma rede sucateada herdada do processo de estadualizao da sade e tampouco

    possua servio prprio, exceo feita ao Pronto-Socorro Municipal, um servio de

    referncia para o Pas.

    Hoje, a Secretaria da Sade de Porto Alegre conta com 30 postos de sade quefazem Sade da Famlia e que foram estruturados com a assessoria do Grupo Hospitalar

    Conceio, alm dos 13 postos gerenciados por esse hospital. Alm disso, oferece

    aproximadamente outros 100 postos de servios de ateno primria.

    A residncia mdica tem a durao de dois anos, sendo o primeiro ano

    desenvolvido integralmente dentro de unidades bsicas de sade e o segundo dividido

    igualmente entre a unidade bsica e o hospital. O servio baseou-se no modelo ingls de

    assistncia e, tambm, teoricamente, nos anais da Conferncia de Alma Ata, ocorrida na

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    Rssia em 1978. Sua proposta de trabalho conseguiu se legitimar dentro de uma

    instituio hospitalar apoiando-se em movimentos populares e em alianas polticas na

    busca da construo do SUS. Como foi uma das primeiras propostas institucionalizadas a

    apresentar resultados concretos e satisfatrios, passou a ser referncia visitada por

    gestores e equipes que tinham a responsabilidade de construir sistemas locais de

    sade.(Ferreira et alli, 1996)

    Para o Chefe da Diviso de Sade Comunitria do Hospital Nossa Senhora da

    Conceio, Djalmo Sanzi Souza, entrevistado em setembro de 1999, a idia dos cuidados

    primrios em sade precisa ser resgatada e entendida de forma complementar a um

    sistema que apresente referncia e contra-referncia em diferentes nveis de

    complexidade da ateno.O que chama a ateno na abordagem dos trs modelos que, em fases mais

    atuais de seu desenvolvimento na dcada de 80, assumem como marco conceitual as

    recomendaes da Conferncia de Alma Ata, que referenda os cuidados primrios de

    sade e a racionalizao de recursos como estratgias para alcanar o objetivo de sade

    para todos no ano 2000. Um segundo ponto que os trs modelos citados so

    medicocntricos, ou seja, tem neste profissional o pilar do sistema.

    J no caso brasileiro, na sua histria mais recente, a equipe de sade e ocompartilhamento de responsabilidades pelos seus membros tm sido fundamentais na

    oferta dos servios. Segundo Nemes (1990, p.76), a programao foi a forma de

    organizao que a Sade Pblica, a partir da experincia de So Paulo, encontrou no

    Brasil para responder s necessidades das polticas de extenso de cobertura dos

    servios de sade na dcada de 70, e fundamenta-se em duas vertentes de pensamento

    sobre os servios de sade: a medicina comunitria e o planejamento em sade.

    A medicina comunitria surge como um modelo alternativo para realizar umareforma mdica nos EUA dos anos 60 que visava atender s minorias marginalizadas,

    buscando intervir tambm na organizao dos servios.

    A medicina comunitria uma resposta inadequao da prtica mdica paraatender s necessidades de sade das populaes que devem ser solucionadastanto como resposta ao princpio do direito sade como por sua significao parao processo de desenvolvimento social. Mas localiza os elementos responsveispela inadequao no apenas nos aspectos internos do ato mdico individual,mas sobretudo em aspectos organizacionais da estrutura da ateno que tomem

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    por base o cuidado dos grupos sociais, antes que dos indivduos.(DONNANGELO, 1976, p.86)

    A medicina comunitria consolida-se como movimento mundial na Conferncia

    Internacional sobre Cuidados Primrios de Sade de Alma Ata. A programao em sadeincorpora a ateno primria sade integrando atividades de promoo, preveno e

    cura em uma mesma unidade, regionalizando e hierarquizando as atividades e utilizando

    amplamente trabalhadores no mdicos nos servios.

    O Planejamento normativo, metodologia de governo no perodo da ditadura no

    Brasil, estende suas propostas economicistas aos setores sociais. Segundo Nemes,

    programar sinnimo de planejar o melhor uso para os recursos disponveis. (1990,

    p.77). Assim, as idias da medicina comunitria ajudariam a usar de modo mais racionalos recursos disponveis, apoiada nas concepes do modelo Cendes/OPS (1965) de

    planejamento e programao em sade. Ainda para a autora, a programao procurou

    incorporar a assistncia mdica individual a um conjunto de outras atividades que

    compunham um plano de interveno dirigido a coletivos. (p.78)

    O enfoque programtico definia atividades de rotina e atividades eventuais. As

    primeiras eram previstas por grupos de clientes que participavam de programas e

    subprogramas. Suas principais atividades normatizadas eram o atendimento mdico

    individual e as atividades bsicas realizadas pelo restante da equipe, como vacinao,

    visita domiciliar, chamada aos faltosos e realizao dos exames laboratoriais disponveis.

    As atividades eventuais destinavam-se ao atendimento da demanda espontnea

    individual.

    Os dois conjuntos de atividades foram articulados pela Histria Natural da Doena

    de Leavell e Clark, em 1976. Os programas respondiam a grupos populacionais

    especficos por idade, sexo, etc. e, os subprogramas, aos danos sofridos por aqueles

    grupos, tudo isso visando aumentar a eficcia dos servios. Dentro da mesma lgica, para

    estender a cobertura so institudas a pr e a ps-consulta, bem como o atendimento de

    enfermagem, buscando racionalizar a utilizao da consulta mdica. Alm disso,

    trabalhava-se com o conceito de assistncia integral, afastando da Sade Pblica a idia

    de fazer somente preveno. O enfoque programtico introduz um forte controle no

    sistema, normatiza os processos de trabalho e sistematiza a avaliao.

    O enfoque de risco, que fundamenta o Programa de Sade da Famlia

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    conceitualmente, uma das correntes de explicao multicausal na determinao do

    processo sade/doena. Este modelo embasou tambm a construo do enfoque

    programtico na operacionalizao da Sade Pblica ainda na dcada de 70.

    Porm, tanto a Medicina Comunitria quanto a Conferncia de Alma Ata perdem

    potncia racionalizadora, uma vez que no conseguem mudar a lgica do procedimento

    centrado no profissional mdico, e tampouco propem alterar a micropoltica do processo

    de trabalho mdico cotidiano.

    Neste sentido, o Programa de Sade da Famlia (PSF) ou Estratgia de Sade

    da Famlia (ESF) - do Ministrio da Sade no Brasil busca a construo de uma prtica

    sanitria multiprofissional e interdisciplinar que busca superar as limitaes acima.

    Para tanto, preciso entender a construo da Estratgia do ponto de vista danecessidade de sua criao e conexo com o Sistema nico de Sade (SUS).

    As diretrizes do SUS devem ser compreendidas da seguinte forma:

    Universalidade: a garantia da ateno sade a todo e qualquer cidado

    nos servios pblicos ou contratados no territrio nacional, em consonncia

    com a passagem da Constituio Brasileira segundo a qual a sade direito

    de todos e dever do Estado.... (BRASIL, Constituio..., 1988, p.91) No

    sinnimo de gratuidade. Eqidade: todo cidado igual perante o SUS e ser atendido, conforme suas

    necessidades, at o limite do sistema. No sinnimo de igualdade.

    Integralidade: o homem um ser integral, possuindo, minimamente, trs

    dimenses: uma biolgica, uma emocional e uma social, a serem contempladas

    por um sistema de sade tambm integral, voltado a promover, proteger e

    recuperar sua sade em todos os nveis de complexidade.

    Seus princpios organizativos orientam para a: Regionalizao e hierarquizao: os servios so organizados em nveis de

    complexidade tecnolgica crescente, dispostos em uma rea geogrfica

    delimitada e com definio da populao a ser atendida com vistas a um

    aumento da eficcia, eficcia e efetividade do sistema.

    o O acesso deve dar-se pelo nvel primrio de ateno, a unidade bsica

    de sade, que deve resolver a maioria dos problemas e referenciar

    servios de maior complexidade, se necessrio. Organizado desta forma,

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    favorece as aes de vigilncia, educao, ateno ambulatorial e

    hospitalar.

    Resolutividade: trata-se de dar soluo aos problemas dentro de cada nvel de

    competncia.

    Descentralizao: redistribuio das responsabilidades quanto s aes e

    servios de sade entre os vrios nveis de governo, a partir da idia de que

    quanto mais localmente a deciso for tomada, maior a chance de eficcia e

    efetividade.

    o Dever haver uma profunda redefinio das atribuies dos vrios nveis

    de governo com um ntido reforo do poder municipal sobre a sade

    municipalizao da sade , cabendo ao municpio, portanto, a maiorresponsabilidade das aes.

    Participao dos cidados: garantia constitucional de participao organizada

    no processo de formulao de polticas e no controle de sua execuo em

    todos os nveis, atravs de: Conselhos Locais, Municipais, Estaduais e Nacional

    de Sade e da organizao de Conferncias Municipais, Estaduais e Nacional

    de Sade; garantidas todas as informaes necessrias populao no que diz

    respeito sade. Complementaridade do setor privado: quando for necessria a contratao

    de servios, exigem-se trs condies (BRASIL, Constituio..., 1988):

    o deve se dar na forma de um contrato de direito pblico;

    o o servio privado deve incorporar os fundamentos, princpios e tcnicas

    do SUS, uma vez que atua em nome deste;

    o dever obedecer mesma lgica organizativa do SUS, atendendo a sua

    necessidade de regionalizao e hierarquizao.Tero prioridade os servios no lucrativos (BRASIL, Constituio..., 1988).

    Primeiramente, o gestor deve planejar o setor pblico e depois complement-lo com o

    privado, seguindo as diretrizes e princpios do SUS. fundamental definir normas e

    procedimentos a serem anexados aos convnios e contratos.

    A partir desse momento histrico, diversos atores sociais que participaram do

    movimento sanitrio brasileiro passaram a se incorporar ao aparelho de Estado na

    conduo do processo de construo do SUS.

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    Contudo, a incompatibilidade ideolgica entre o projeto da reforma sanitria

    brasileira e a organizao poltica e econmica da sociedade brasileira determina um

    ritmo de desenvolvimento muito lento na implementao do projeto.

    Por maior que seja o arcabouo jurdico e legal que ampare o SUS, no fazer-se

    cotidiano que ele adquire forma e consistncia. Eugnio Vilaa Mendes chama de

    espao operativo aquele em que um sistema de sade adquire concretude mediante o

    estabelecimento, num territrio determinado, de uma relao direta e recproca entre suas

    unidades produtoras de servios, geridas por uma autoridade sanitria e uma populao

    dada, com suas necessidades e representaes (1995, p.139). Ele aponta como o

    espao operativo do SUS o distrito sanitrio, criado pelo Art. 10 da Lei n 8080, entendido

    como o processo social de mudanas das prticas sanitrias no Sistema nico deSade (1995, p.159), no se restringindo a ser apenas mais uma etapa no processo de

    descentralizao poltico-administrativa do sistema de sade.

    O processo de distritalizao, tal como nos aponta Mendes (1995), apia-se em

    trs conceitos fundamentais: territrio, problema e prticas sanitrias, discutidos a seguir:

    Territrio - a idia de distrito sanitrio est associada a uma base territorial que,

    em funo do modelo adotado na organizao dos servios para resolver problemas de

    sade, deve adotar uma concepo dialtica de territrio, o territrio-processo. ParaGiacomini,

    Nesta concepo o espao social organizado conforme uma construodinmica, que leva em conta as tenses e os conflitos sociais existentes [...] queapontam para a construo de critrios que levam em conta a cultura, aparticipao poltica da sociedade organizada, o perfil epidemiolgico dasade/doena, a realidade scio-econmica que divide a sociedade em classes efraes, diferentes umas das outras em seus modos de viver, adoecer e morrer.(GIACOMINI,1992, p.60)

    O autor inclui na construo dos critrios os equipamentos disponveis nos servios

    de sade, alm de aspectos demogrficos, geogrficos e divises administrativas

    preexistentes. Ele alerta para a complexidade da construo do territrio-processo que se

    realiza por aproximaes sucessivas e, portanto, nunca est concludo.

    A construo do territrio-processo identifica diferentes conjuntos sociais no seu

    interior que demandam sua identificao, atravs de uma diagramao dinmica que

    associa os problemas s condies de vida dos diferentes grupos populacionais,

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    configurando-se nos chamados mapas inteligentes.

    Mendes (1995) sugere a seguinte subdiviso para o territrio do distrito sanitrio:

    Territrio-Distrito, que obedece lgica poltico-administrativa; Territrio-rea, que se

    refere rea de abrangncia de uma unidade de sade, um espao de organizao

    bsico da prtica da ateno demanda; e Territrio-Microrea, como espao definido

    pela homogeneidade socioeconmico-sanitria, que se aproxima do conceito de rea

    homognea de condies de vida e que tem como objeto a prtica da vigilncia sade.

    Dentro da rea homognea de condies de vida pode-se identificar uma (ou mais

    de uma) micro-rea de risco, que um espao privilegiado de enfrentamento dos

    problemas de sade, de forma contnua, atravs de operaes direcionadas superao

    dos ns crticos identificados na rede causal. (Mendes, 1995, p.168). As micro-reas derisco so sempre o espao prioritrio das aes.

    Problema - segundo Matus (1987a), o problema traduz aquela diferena entre o

    e o deve ser. Por isso diz tambm que ele sempre auto-referenciado, pois ele

    ser problema dependendo do ator social que explica a realidade. Portanto, a concepo

    de sade fundamental para a problematizao nesta rea. Outra questo fundamental

    o conhecimento do territrio nas suas singularidades.

    A principal diferena entre o enfoque por problema e o enfoque por programa queeste ltimo, da forma como tem sido desenvolvido, tem servido s concepes tecno-

    burocrticas dos servios de sade sem respeitar as necessidades de sade da

    populao, nem tampouco as singularidades dos territrios-processo envolvidos no

    planejamento local. O enfoque por programa parte sempre de problemas definidos e

    explicados da mesma forma para todos, segmentando a realidade, que deve ser pensada

    de forma multidisciplinar. Citando Mendes, pode-se dizer que seguidamente encontra-se a

    seguinte situao: enquanto a sociedade tem problemas, as organizaes de sade tmprogramas, [...] que no do conta de responder aos desafios de uma realidade articulada

    por problemas complexos e mal-estruturados, necessitando para seu enfrentamento uma

    ao interdisciplinar (1995, p.171).

    Seguindo este raciocnio pode-se afirmar que o enfoque por problemas parte de

    um territrio, onde atores auto-referidos ideologicamente encontram e explicam

    problemas que sero enfrentados atravs de prticas sanitrias norteadas pela

    concepo de sade da equipe e construdas de forma interdisciplinar.

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    Cabem aqui algumas observaes:

    a) importante evidenciar a diferena entre uma mera sobreposio de

    conhecimentos (multidisciplinaridade) e uma integrao conceitual e

    metodolgica de duas ou mais disciplinas (interdisciplinaridade), bsica tanto

    para a eficcia do enfrentamento dos problemas quanto para o crescimento da

    prpria equipe, e que deve estar atenta para a introduo de novos

    profissionais e de novos saberes, quando necessrios, seja na forma de

    assessoria ou de forma mais permanente;

    b) ainda na perspectiva acima, esta interao de conhecimentos deve articular

    um campo de produo do cuidado (MERHY E FRANCO, 1999) dentro do

    qual a equipe de referncia do usurio elaboraria um projeto teraputicosob a gerncia de um profissional, o gestor do cuidado;

    c) o enfrentamento de determinados problemas pode ser realizado atravs de

    programas, quando isto for conveniente, guardando as devidas adaptaes.

    No precisamos e no devemos partir sempre do zero; o que se coloca a

    impropriedade de nortear as nossas aes por programas preestabelecidos.

    Pode-se afirmar ainda que o enfoque por problema leva a um melhor diagnstico

    estratgico, uma vez que possibilita o compartilhamento, no interior de um territrio, dossaberes de diversos atores, alm de abrir espao populao no planejamento das

    aes.

    Segundo Mendes (1995), os problemas podem exigir fundamentalmente duas

    formas de enfrentamento: uma contnua, cotidiana, que se constitui no objeto das prticas

    sanitrias da vigilncia sade, cujo maior espao de atuao no Territrio-Microrea;

    a outra, ocasional, quando percebida e demandada pela populao, atravs da prtica da

    ateno demanda. Assim, para o autor, deparamo-nos com dois tipos de problemas desade: os problemas de enfrentamento contnuo (PEC) e os problemas de enfrentamento

    ocasional (PEO).

    Alm dos problemas de sade propriamente ditos, a equipe enfrenta tambm os

    problemas de organizao dos servios, que, seguidamente, constituem um entrave a ser

    resolvido para garantir a soluo ou a interveno nos primeiros.

    Os problemas j solucionados exigem aes que mantenham, consolidem e

    avaliem os resultados para garantir a resolutividade do sistema.

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    Prticas Sanitrias - so entendidas como o conjunto de processos de trabalho

    articulados em operaes que impem uma estratgia de ao sobre os determinantes

    e os condicionantes dos problemas ou sobre os efeitos da existncia deles num territrio

    determinado. (MENDES, 1995, p.176)

    Assim, identificam-se duas prticas sanitrias: uma delas voltada para a interveno

    sobre os problemas de enfrentamento contnuo, que se fundamenta na promoo sade e

    na ateno coletiva do modelo sanitrio; e outra voltada para a interveno pontual sobre os

    problemas de enfrentamento ocasional, que se fundamenta na ateno demanda no nvel

    individual auto-percebido do modelo clnico.

    Apesar de a interveno no distrito sanitrio utilizar de forma hegemnica o

    enfrentamento contnuo de problemas, as duas prticas devem ser organizadas de formacompatvel, pois o enfrentamento de problemas ocasionais confere legitimidade ao

    sistema e aporta informaes epidemiolgicas s aes coletivas.

    A vigilncia sade deve contemplar ambas as prticas, que devem ser

    organizadas atendendo a lgicas prprias, sem perder de vista a integralidade das aes.

    Quanto aos processos de trabalho, para Merhy e Franco (1999, p.30) os fazeres

    que enfrentam problemas se concretizam nas tecnologias de trabalho utilizadas para

    produzir sade. No mesmo trabalho, definem tecnologia como o conjunto deconhecimento e agires aplicados produo de algo. Desta forma, entendem que o

    acolhimento (universalizao do acesso, escuta qualificada do usurio e compromisso

    com a resoluo do problema), o vnculo/responsabilizao (estabelecimento de

    referncia entre equipe e usurio e responsabilidade quanto produo do cuidado) e a

    autonomizao (produo de cuidado que leva autonomia do usurio) so tecnologias

    fundamentais para a formao de uma nova subjetividade entre os profissionais de sade.

    Nessa perspectiva, a Estratgia de Sade da Famlia se coloca como a PrticaSanitria proposta pelo Ministrio da Sade capaz de contribuir para a reorientao do

    modelo assistencial a partir da rede bsica de ateno sade de acordo com os

    princpios do SUS, conferindo s Unidades Bsicas de Sade uma nova forma de

    atuao, com definio de responsabilidades entre servio e populao.

    Os objetivos especficos do PSF so:

    - Prestar, na unidade de Sade e no domiclio, assistncia integral, contnua, comresolubilidade e boa qualidade s necessidades de sade da populao adscrita.

    - Intervir sobre os fatores de risco aos quais a populao est exposta.

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    - Eleger a famlia e o seu espao social como ncleo bsico de abordagem noatendimento sade.- Humanizar as prticas de sade atravs do estabelecimento de um vnculo entre

    os profissionais de sade e a populao.

    - Proporcionar o estabelecimento de parcerias atravs do desenvolvimento deaes intersetoriais.

    - Contribuir para a democratizao do conhecimento do processo sade/doena,da organizao dos servios e da produo social da sade.- Fazer com que a sade seja reconhecida como um direito de cidadania e,

    portanto, expresso da qualidade de vida.- Estimular a organizao da comunidade para o efetivo exerccio do controlesocial. (BRASIL, Ministrio..., 1997, p.10).

    Ainda segundo o Ministrio da Sade (BRASIL, Ministrio..., 1997, p.1-33), devem

    ser seguidas as diretrizes abaixo, respeitando as diferenas loco-regionais: Carter substitutivo das prticas convencionais, individuais e curativas,

    centradas na figura do mdico. Embora seja hierarquizado, apresenta

    carter complementar ao sistema que tem como porta de entrada a

    unidade bsica de sade.

    Adscrio da clientela, o que exige definio de territrio e rea de

    abrangncia a serem estabelecidos localmente, tomando-se em conta

    critrios de ordem sociopoltica e econmica das regies, bem comodensidade demogrfica, acesso aos servios e outros critrios de

    relevncia local.

    Cadastramento, ou seja, criao de um sistema de informao,

    construdo localmente atravs de visitas domiciliares que ajudaro a

    formar um vnculo entre equipe de sade e populao e um diagnstico

    que permitir identificar, alm dos problemas de sade, outras demandas

    que contribuiro para a melhoria da qualidade de vida da comunidade.

    A instalao das unidades de Sade da Famlia poder acontecer em

    unidades j existentes ou construdas para tal fim, desde que adequadas

    ao nmero de profissionais que iro compor a equipe, obedecendo aos

    princpios bsicos de capacidade instalada, dimenso da populao a ser

    atendida, enfrentamento dos determinantes do processo sade/doena,

    integralidade da ateno e possibilidades locais.

    recomendvel que a composio das equipes contemple,

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    minimamente, um mdico de famlia ou generalista, um enfermeiro, um

    auxiliar de enfermagem e Agentes Comunitrios de Sade (ACS). Estas

    equipes estaro sempre abertas a novas categorias profissionais em

    funo das demandas e possibilidades locais, sendo responsveis por

    uma populao adscrita e devendo residir no municpio, com regime de

    trabalho de dedicao integral. Os ACSs devem residir na rea de

    abrangncia de seu trabalho.

    A atribuio das equipes envolve atividades a serem constantemente

    avaliadas atravs do acompanhamento dos indicadores de sade da rea

    de atuao, devendo as equipes estar preparadas para:

    - conhecer a realidade das famlias pelas quais so responsveis, com nfase nassuas caractersticas sociais, demogrficas e epidemiolgicas

    - identificar os problemas de sade prevalentes e situaes de risco aos quais apopulao est exposta

    - elaborar, com a participao da comunidade, um plano local para o enfrentamentodos determinantes do processo sade/doena

    - prestar assistncia integral, respondendo de forma contnua e racionalizada demanda organizada ou espontnea, com nfase nas aes de promoo sade

    - resolver, atravs da adequada utilizao do sistema de referncia e contra-referncia, os principais problemas detectados

    - desenvolver processos educativos para a sade, voltados melhoria doautocuidado dos indivduos

    - promover aes intersetoriais para o enfrentamento dos problemas identificados

    A base de atuao das equipes so as unidades bsicas de sade, incluindo asatividades de:

    - visita domiciliar - com a finalidade de monitorar a situao de sade das famlias.

    A equipe deve realizar visitas programadas ou voltadas ao atendimento dedemandas espontneas, segundo critrios epidemiolgicos e de identificao derisco. O acompanhamento dos Agentes Comunitrios de Sade em microreas,selecionadas no territrio de responsabilidade das unidades de Sade da Famlia,representa um componente facilitador para a identificao das necessidades e

    racionalizao do emprego dessa modalidade de ateno- internao domiciliar - no substitui a internao hospitalar tradicional. Deve ser

    utilizada no intuito de humanizar e garantir maior qualidade e conforto ao paciente.Por isso, s deve ser realizada quando as condies clnicas e familiares dopaciente a permitem. A hospitalizao deve ser feita sempre que necessria, como devido acompanhamento por parte da equipe

    - participao em grupos comunitrios - a equipe deve estimular e participar dereunies de grupo, discutindo os temas relativos ao diagnstico e alternativas paraa resoluo dos problemas identificados como prioritrios pelas comunidades.(BRASIL, Ministrio..., 1997, p.15-16)

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    Quanto reorganizao das prticas de trabalho, o Ministrio prope a necessidade

    de um diagnstico da sade da comunidade e, para tanto, refere-se diretriz do

    cadastramento das famlias da rea de abrangncia e conseqente formulao de

    indicadores epidemiolgicos e socioeconmicos que norteariam o planejamento e

    organizao das aes de sade. Tambm devem ser utilizadas outras fontes oficiais de

    dados e da comunidade para a construo deste diagnstico. O

    planejamento/programao local baseia-se na idia de considerar tanto quem planeja

    como para qu e para quem se planeja [...] Alm disso, o processo de planejamento deve

    ser pensado como um todo e direcionado resoluo dos problemas identificados no

    territrio [...] visando melhoria progressiva das condies de sade e de qualidade de vida

    da populao assistida [...] contrape-se ao planejamento centralizado (1997, p.19). Estaforma de planejamento amplia a participao e est em consonncia com o enfoque

    estratgico de planejamento utilizado como referencial na construo do distrito sanitrio.

    O PSF um dos componentes das polticas de sade e as unidades que o

    implementam organizam-se de forma complementar ao sistema. Neste programa o

    atendimento deve ser realizado por uma equipe, visando a uma abordagem

    multiprofissional no enfrentamento dos problemas, de forma enfaticamente preventiva,

    mas tambm curativa, com integralidade da ateno, em parceria com a comunidade edentro das possibilidades locais. Quando da necessidade de encaminhamento para nveis

    de maior complexidade do sistema de sade, em respeito ao princpio da integralidade da

    ateno e hierarquizao do sistema, deve formar-se um processo de referncia e

    contra-referncia, em que a equipe do PSF permanece como responsvel pelo

    acompanhamento dos indivduos e famlias.

    A educao continuada um processo de capacitao e informao que permite

    atender s necessidades de maneira dinmica e eficaz, possibilitando aperfeioamentoprofissional, desenvolvimento do trabalho de equipe e criao de vnculo com a

    populao. Este processo, respeitando as realidades loco-regionais, deve envolver

    tambm as instituies formais de ensino, tais como as universidades ou, at mesmo,

    educao distncia na capacitao de recursos humanos. A formao em servio deve

    ser priorizada.

    O estmulo ao intersetorial deve ser constante, uma vez que os problemas

    de sade ou a prpria situao sanitria so determinados socialmente e, por sua vez, as

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    questes sociais tampouco sero resolvidas setorialmente.

    O acompanhamento e avaliao das aes devem considerar a realidade local e

    a participao popular, uma vez que seus resultados no so dados meramente tcnicos,

    mas uma informao que interessa a todos os envolvidos, sejam gestores, profissionais

    de sade ou populao, sendo fundamental sua ampla divulgao e discusso. Os

    instrumentos usados na avaliao devem aferir minimamente as reais alteraes

    ocorridas no modelo assistencial, a satisfao do usurio e dos profissionais, a qualidade

    do trabalho desenvolvido pela equipe e o seu impacto nos indicadores de sade. J o

    acompanhamento e a avaliao da atuao das unidades de Sade da Famlia podem ser

    feitos atravs da organizao de um sistema de informao, de um relatrio de gesto e

    de outros instrumentos a serem definidos pelos gestores municipais e/ou estaduais.O controle social, que na sade entendido como a participao da populao na

    definio, execuo, acompanhamento e fiscalizao das polticas pblicas do setor, um

    princpio e uma garantia constitucional regulamentada pela Lei Orgnica de Sade n

    8.142/90. Esta lei definiu, alm dos demais fruns formais e informais, as conferncias e

    os conselhos de sade, nas trs esferas de governo, como prprios para o exerccio do

    controle social.

    No referido documento constam ainda os nveis de competncia das trs esferasde governo, sendo o nvel municipal definido como o espao de execuo da estratgia

    de Sade da Famlia e, portanto, responsvel por definir a melhor adequao dos meios e

    condies operacionais para a sua implementao, cabendo-lhe, dessa forma:

    - elaborar o projeto de implantao da estratgia de Sade da Famlia para areorientao das unidades bsicas de sade - eleger reas prioritrias para a

    implantao do projeto- submeter o projeto aprovao do Conselho Municipal de Sade- encaminhar o projeto para parecer da Secretaria Estadual de Sade e Comisso

    Intergestores Bipartite- selecionar e contratar os profissionais que comporo a equipe de sade- promover, com o apoio da Secretaria Estadual da Sade, a capacitao das

    equipes de sade- implantar o sistema de informaes e avaliao da estratgia de Sade da Famlia- acompanhar e avaliar sistematicamente o desempenho das unidade de Sade da

    Famlia- inserir o financiamento das aes das unidades de Sade da Famlia na

    programao ambulatorial do municpio, definindo a contrapartida municipal

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    - garantir a infra-estrutura/funcionamento da rede bsica necessria ao plenodesenvolvimento das aes da estratgia de Sade da Famlia. (BRASIL,Ministrio..., 1997, p. 27-28)

    A implantao e implementao do Programa de Sade da Famlia que o Ministrioda Sade preconiza est fundamentado nos conceitos que norteiam a construo do SUS

    e, ainda que tenha se inspirado em modelos estrangeiros, assume personalidade prpria,

    em consonncia com a lei da sade no Brasil.

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    Artigo recebido em 29 de abril de 2008.

    Artigo aceito em 30 de junho de 2008.