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FACULDADES INTEGRADAS DE VITÓRIA (FDV) MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS ANDRÊSSA D’ANGELO ALCURI OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONSTITUCIONALIZAÇÃO, DEFESA E ADOÇÃO INTERNACIONAL VITÓRIA - ES 2005

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FACULDADES INTEGRADAS DE VITÓRIA (FDV) MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS

CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS

ANDRÊSSA D’ANGELO ALCURI

OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONSTITUCIONALIZAÇÃO, DEFESA E

ADOÇÃO INTERNACIONAL

VITÓRIA - ES

2005

ANDRÊSSA D’ANGELO ALCURI

OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE : CONSTITUCIONALIZAÇÃO, DEFESA E

ADOÇÃO INTERNACIONAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora das Faculdades Integradas de Vitória, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais. Orientador: Professor Doutor Daury César Fabriz.

Vitória 2005

Alcuri, Andressa D’Angelo. Os direitos da criança e do adolescente: constitucionalização, defesa e adoção internacional / Andrêssa D’Angelo Alcuri. – 2005. 183 p. Orientador: Daury César Fabriz. Dissertação (Mestrado) – Faculdades Integradas de Vitória. 1. Direito. 2. Adoção. I. Fabriz, Daury César. II. Faculdades Integradas de Vitória. III. Título.

ANDRÊSSA D’ANGELO ALCURI

OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE : CONSTITUCIONALIZAÇÃO, DEFESA E

ADOÇÃO INTERNACIONAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora das Faculdades Integradas de Vitória, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais.

BANCA EXAMINADORA: Prof. Dr. Daury Cesar Fabriz Orientador Prof. Dr. Prof. Dr.

Vitória 2005

Ao meu querido pai, Victor Emanuel Alcuri, exemplo de vida dedicada à justiça de Deus e dos homens, inspirador maior deste trabalho, a mais profunda saudade e o meu imenso amor. À minha mãe, Aurora D’Angelo Guerra Alcuri, mestra da vida e das letras, a gratidão e o carinho por tudo o que representa na minha formação e no meu caráter. A Tarcisio, maior incentivador dos meus ideais, por me fazer acreditar que tudo é possível, dividindo comigo as alegrias e as dificuldades. Minha vida não teria sentido sem a sua existência.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por proporcionar-me vida, saúde e os mais caros

presentes: meus sobrinhos Laila, Samir, Victor, Naira e Sarah,

e meus afilhados Caio e Helena.

Aos meus queridos irmãos, Victor Jr., Sâmia e José Flávio,

que, a seu modo, completam a minha existência.

Ao Professor Dr. Daury Cezar Fabriz, orientador dedicado e

exemplar, pela paciência e grandes ensinamentos que me

fizeram despertar para a luta e defesa dos direitos humanos.

Aos professores do Mestrado, pela partilha de seus

conhecimentos.

As funcionárias da Comissão Estadual Judiciária de Adoção

Internacional do Estado do Espírito Santo, pela valiosa

colaboração durante a elaboração deste trabalho.

Aos amigos Anna Lara e Dr. Samuel Meira Brasil, pelas

incontáveis demonstrações de amizade.

Aos colegas da turma de Mestrado, que homenageio nas

pessoas de Américo Bedê e José Roberto Almada e, em

especial, a Jeane Martins e Juliana Carvalho, a quem devo

grande parte deste sonho realizado.

“Qualquer atentado contra os direitos e liberdades da pessoa não é

uma questão doméstica dos Estados, mas sim um problema de

relevância internacional.”

Perez Luño

RESUMO

Demonstra que a adoção internacional é um instrumento que pode ser utilizado como uma benéfica solução para os problemas que afligem as crianças e os adolescentes, quando esses são privados do convívio familiar e, conseqüentemente, dos seus direitos básicos. Apresenta determinadas situações em que o referido instrumento revela-se como excepcional medida que remanesce para que os infantes possam ter assegurados, efetivamente, os direitos que lhes são constitucionalmente atribuídos de forma prioritária. Trata da concretização da condição jurídica da criança e do adolescente no plano interno e internacional, relacionando-a sempre com a vertente dos direitos humanos, propondo a análise da nacionalidade e da cidadania no Estado Democrático de Direito. São objetos de estudo os reflexos da adoção internacional nos limites do Direito brasileiro, espraiando-se pelo Direito Internacional, a partir do momento em que a globalização passa a figurar como inevitável, bem como os efeitos gerados por aquele instituto, com ênfase no direito à convivência familiar constitucionalmente previsto.

Palavras-chave: Criança e adolescente. Proteção e defesa dos direitos. Adoção internacional. Direitos humanos.

ABSTRACT

The study demonstrates that international adoption is an instrument that may be used as a favorable solution to the problems that afflict children and teenagers, when they are deprived of living together with the families and, consequently, of their basic rights. It presents certain situations that the referred instrument is revealed as exceptional rule that remains so that the infants can be effectively sure of their rights that are constitutionally assigned to them as a priority. It is about how to make real the juridical condition of the child and the teenager in the intern and international level, always relating this condition to the human right discussion, proposing the nationality analysis and the citizenship in the Democratic Right State. The international adoption reflexes in the limits of Brazilian Right are the studies objects, spreading throughout International Right, from the moment when the globalization appears as inevitable, as well as the effects generated by this kind of adoption, emphasizing the right of living together with the family, what is constitutionally foreseen. Keywords: Children and teenagers. Protection and defense of rights. International adoption. Human rights.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10 2 A CONCRETIZAÇÃO SOCIAL DA SITUAÇÃO DA CRIANÇA ............................... 14

2.1 OS DIREITOS DA CRIANÇA NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA 22

2. 2 A NOVA DIMENSÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA A PARTIR DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................................................................ 28

3 PRESERVAÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA: A A DOÇÃO COMO ALTERNATIVA ............................................................................................................. 47

3. 1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO ..................................................... 50

3. 2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO........................................ 58

3. 2 .1 Adoção internacional ..............................................................................64 3. 2 .2 A excepcionalidade da colocação da criança em famíl ia estrangeira ... 68 3. 2 .2 A realidade da criança brasileira e a adoçã o internacional .................70

4 A ADOÇÃO INTERNACIONAL E OS INSTRUMENTOS LEGAIS ............................ 93

4. 1 CONVENÇÃO DE HAIA .................................................................................... 93

4.2 OS PROCEDIMENTOS LEGAIS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL NO BRASIL ...................................................................................................................105

4. 3 A COMISSÃO ESTADUAL DE ADOÇÃO INTERNACIONAL E SUA FUNÇÃO NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ADOTÁVEIS .......................................................................................................... 115

5 O PROCESSO DE ADOÇÃO INTERNACIONAL NO ESTADO DO E SPÍRITO SANTO ........................................................................................................................ 122

5. 1 ASPECTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS DOS ADOTANTES E ADOTADOS .................................................................................................................................122

5. 2 A REALIDADE DA CRIANÇA CAPIXABA. ................................................... 127

5. 3 OS EFEITOS DO PROCESSO DE ADOÇÃO INTERNACIONAL E A REALIZAÇÃO PLENA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. .... 131

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 151 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 155 ANEXOS .................................................................................................................... 159

1 INTRODUÇÃO

A proposta do presente trabalho cinge-se no estudo dos direitos fundamentais da

criança e do adolescente, cotejando-se a Constituição Federal de 1988, em seu art.

227, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.69/90) e a Convenção Sobre os

Direitos da Criança, bem como a forma de proteção e solução para a efetivação desses

direitos. Assim, revela-se importante considerar que a criança e o adolescente se

mostram como seres humanos em formação e crescimento, desprovidos de aptidão

para o exercício e a proteção dos seus direitos, tendo em vista a sua condição de

hipossuficiente, decorrente de sua imaturidade física e psíquica, o que faz com que

necessitem de tratamento especial, objetivando a garantia do equilíbrio entre eles e os

adultos.

É importante ressaltar, nesse diapasão, que, pelo fato de serem humanos, possuem as

crianças e os adolescentes a proteção advinda dos instrumentos internacionais, como

aqueles dispostos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e ainda a

proteção constitucional dos direitos e garantias fundamentais. Ocorre que a forma

genérica como estão dispostos esses direitos, sem especificar a condição de

hipossuficiente da criança e do adolescente, acaba por tornar inócua a garantia dos

direitos básicos respectivos, causando abusos e violência de modo geral à infância e à

adolescência. É por essa razão que se faz necessária a especificação dos direitos da

criança e do adolescente, confirmando a disposição dos direitos já garantidos a todos

os seres humanos, com a criação de outros que sejam específicos da sua condição

hipossuficiente.

O que se pretende questionar a partir deste estudo é: discorrida tal especificação,

apesar da previsibilidade de hipossuficiência e sendo considerada valor fundamental a

se defender, a criança brasileira desamparada tem, de fato, assegurados e

materializados os seus direitos constitucionais fundamentais? Procurando a satisfação

dessa indagação, utiliza-se a proteção constitucional como variável básica para

entender e formular as atuais políticas sociais de proteção aos direitos da infância e

juventude. Assim, propõe-se a utilização da adoção internacional como alternativa à

garantia e preservação dos direitos da criança e do adolescente. Objetiva-se

demonstrar que a adoção internacional surge como uma benéfica solução para os

problemas que afligem a infância e a juventude, quando são privados da garantia e

conseqüente efetivação dos seus direitos, pois, em determinadas situações, esse

instituto trata de excepcional medida que remanesce para que uma criança ou

adolescente possa ter garantidos, efetivamente, os direitos que lhe são

constitucionalmente atribuídos de forma prioritária.

Seguindo essa linha de raciocínio, tem-se que a adoção internacional apresenta-se,

atualmente, como um dos temas mais complexos e polêmicos, quase sempre envolvido

em preconceitos, não sendo compreendido dentro da ordem globalizada que dominou a

vida de todos os seres humanos. Considerando a importante função que o instituto

desempenha na esfera internacional, por ser um dos instrumentos de realização do

direito fundamental de se ter uma família, mormente em um país como o Brasil, tão

abundante em crianças a serem protegidas, faz-se necessário estudá-lo na perspectiva

dos direitos humanos, alçado à categoria de direito fundamental, por ter sido esculpido

na atual Constituição Federal de 1988, por meio do art. 227.

A implementação da proposta apresentada demonstrará como se situa a condição

jurídica da criança e do adolescente no plano interno e no internacional, relacionando-

se sempre com a vertente dos direitos humanos. O pensamento defendido por Perez

Luño de que a Constituição surge como instrumento de afirmação e proteção dos

direitos humanos, cuja relevância é de interesse mundial, associado à sua idéia de que

qualquer ofensa contra os direitos e liberdades da pessoa não se trata de questão

interna, mas de um problema de importância internacional, serão a tônica deste estudo.

Sob esse marco teórico, pretende-se analisar o tema nos limites do Direito brasileiro,

espraiando-se pelo Direito Internacional, a partir do momento em que a globalização

passa a figurar como inevitável, utilizando-se como base de dados a realidade das

crianças e dos adolescentes do Estado do Espírito Santo.

A diversidade de legislações, documentos internacionais, doutrinas e conceitos que se

relacionam com o tema envolvem vários ramos das Ciências Jurídicas e Sociais, razão

pela qual o método de abordagem utilizado é o dedutivo.

Os métodos de procedimento visam a uma etapa mais concreta da investigação, com

um fim mais restrito em termos de explicação geral dos fenômenos menos abstratos.

Assim, no presente trabalho, utiliza-se o método histórico comparativo, uma vez que a

história comparada leva-nos ao conhecimento dos fatos, de onde partimos para analisar

a concretização social da criança e a adoção internacional desde o seu nascimento,

sua origem, até o momento atual, particularmente no Estado do Espírito Santo.

São utilizadas as técnicas de observação direta e indireta, com o uso da análise

documental associada à entrevista com profissionais da área jurídica, de Psicologia e

de Serviço Social (operadores) que atuam na Comissão Estadual Judiciária de Adoção

Internacional do Espírito Santo (CEJAI-ES) e no Juizado da Infância e Juventude de

Vitória, incluindo visitações às instituições acolhedoras de menores desamparados para

análises dos casos afetos a cada instância, cotejando-se a forma prática de atuar com

os respectivos referenciais teóricos e análise documental.

O estudo desdobra-se em cinco capítulos, seguidos da conclusão. Após a introdução,

inicia-se o segundo capítulo, no qual se faz uma panorâmica sobre a concretização

social da situação da criança no Brasil e no mundo, bem como sobre os seus direitos

na história constitucional brasileira, e a nova dimensão alcançada a partir da

Constituição Federal de 1988, conseqüência da evolução de paradigmas, até o alcance

do Estado Democrático de Direito.

No terceiro capítulo, trata-se das atuais políticas sociais destinadas às crianças e aos

adolescentes, propondo-se a utilização da adoção internacional como meio de

efetivação dos direitos relativos à infância e juventude. Para tanto, faz-se uma

retrospectiva sobre o instituto da adoção, apontando seus aspectos gerais, sua origem,

principais características, peculiaridades, conceituação e natureza jurídica tratados pela

doutrina. Em seguida, procede-se à análise da excepcionalidade da colocação da

criança e do adolescente em família estrangeira por meio da adoção internacional, com

ênfase na análise da nacionalidade e da cidadania no Estado Democrático de Direito.

No quarto capítulo, efetua-se um estudo acerca da adoção internacional e os

respectivos instrumentos legais. Analisa-se, nesse tópico, a Convenção de Haia e o

modo como o Brasil incorporou em seu ordenamento jurídico a adoção internacional, a

forma como a Constituição Federal de 1988 tratou do tema, bem como os

procedimentos legais relativos a esse importante instituto para, então, cuidar das

funções relativas às Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção Internacional, que

procedem à análise das condições sociopsicológicas dos adotantes.

No quinto capítulo, demonstra-se a forma e o processo de adoção internacional no

Estado do Espírito Santo, não se limitando às características teóricas, mas abordando

também as práticas, acompanhadas da análise dos aspectos sociais e psicológicos dos

atores envolvidos, levando-se em consideração a realidade da criança capixaba para,

por fim, tratar dos efeitos gerados pela adoção internacional, com ênfase nos direitos

constitucionalmente previstos.

2 A CONCRETIZAÇÃO SOCIAL DA SITUAÇÃO DA CRIANÇA

Os direitos da criança e do adolescente estão inseridos nos direitos e na luta pelos

direitos humanos. Trata-se de uma luta difícil, gradativa e crescente, pois as ofensas

ocorridas a esses direitos, à sua proteção e novas conquistas são constantes.

Entretanto, o objetivo deste trabalho trata da luta pelos direitos específicos da criança e

do adolescente, distinguindo-os dos direitos gerais da humanidade, pois os infantes só

foram descobertos como sujeitos de direitos no século XVIII, porque a menoridade

sempre foi, desde épocas passadas, considerada conforme o fator biológico ou, como é

atualmente entendido, biopsicossocial. Assim, o estágio da vida humana inferior aos

limites de idade fixados em lei resultou no emprego mundial do vocábulo menor,

quando, então, a doutrina, a legislação, os princípios e normas a ele inerentes, bem

como seus bens e interesses, vieram a ser sistematizados como direitos do menor,

como define Tavares (2001, p. 28), citando Rezende quando afirma que “[...] o Direito

do Menor é um direito novo, que se dirige ao menor que outrora não passava de

simples objeto do direito e recaía o patria potestas que atingia sua culminância no

arbítrio do pai de família”. Desse modo, esse ramo do Direito se dirigia a toda situação

irregular relativa ao menor, incluindo o tratamento que lhe era devido, e ainda a

prevenção de determinadas situações.

Trata-se de uma consequência da dinâmica da sociedade, que resulta na evolução da

Ciência do Direito apresentada em diversas categorias, princípios, conceitos e

classificação adequados, fazendo com que o velho Direito comum se desmembrasse

em vários ramos, que passaram a coexistir conjuntamente, com autonomia científica,

legislativa e acadêmica, como lembra Tavares (2001, p. 26):

A sofisticação da sociedade passou a exigir especial trato dos assuntos concernentes às pessoas em fase de desenvolvimento biopsicossocial, por isso, as consideradas em lei como hipossuficientes para arcarem com suas responsabilidades jurídicas. Sujeitos aptos ao gozo dos seus direitos, mas sem capacidade alguma de exercício pessoal com efetividade e autonomia (absolutamente incapazes), ou de capacidade incompleta (os relativamente

incapazes) [...]. Proclamou-se a situação jurídica da menoridade, com o tratamento legal inerente a essa condição humana.

Foi na forma descrita por esse autor que se necessitou de estudos específicos, com

autonomia acadêmica, a fim de acompanhar a construção legislativa apropriada para

cuidar das condições sociais relativas aos infanto-juvenis, o que ocasionou o

surgimento de um novel ramo do Direito, designado de Direito do Menor, que foi se

desenvolvendo ao longo do tempo, sempre em torno da menoridade, consolidando-se

como um direito protetivo e especial.

Entretanto, para se chegar a esse fundamento de validade, muitos caminhos foram

percorridos, pois, entre a maioria dos povos antigos, seja do Ocidente, seja do Oriente,

os filhos menores não eram considerados sujeitos de direito, eis que tinham a condição

de servos da autoridade paterna. Tratava-se do patria potestas, originado na

Antiguidade e institucionalizado no Direito Romano. Tal regime era comum entre vários

povos e originou-se das civilizações primitivas, nas quais o pai possuía o jus vitae necis

sobre a pessoa do filho não emancipado, o que permitia aliená-lo, ou até mesmo matá-

lo. O filho, assim, vivia sob o poder absoluto do seu pai, que era seu senhor, chefe do

clã, autoridade única no interior do lar, como sua propriedade, revelando-se como

verdadeiro objeto de Direito, e não sujeito de Direito.

A criança poderia, ainda, ser objeto de Direito estatal, como em Esparta, em

conseqüência de uma política de formação de seu exército, com seleção daqueles que

fossem fisicamente preparados, o que poderia ocasionar o sacrifício dos que possuem

alguma deficiência ou doença. Na mesma linha, encontra-se, no Código de Manu, a

previsão de que o filho de um brâmane com uma mulher de baixa categoria era

chamado de cadáver vivo. Esse mesmo Código, por sua vez, trazia disposições comuns

aos direitos sucessórios, mas não se referia a nenhuma proteção específica da criança

e do adolescente, garantindo apenas a sucessão ao patrimônio paterno, privilegiando o

primogênito. Apesar disso, algumas vezes encontrava-se, naquela época, sinais de

racionalidade, como no Código de Hamurabi, que cuidava de várias questões relativas

ao tema, como a previsão de pena de morte para o homem que roubasse um filho

menor de outrem, ou ainda a indenização do filho menor impossibilitado de assumir os

negócios do pai que fora feito prisioneiro de guerra, bem como a adoção, que apesar de

irrevogável, poderia ser desfeita se o adotado desejasse retornar à família de origem,

ou quando o adotante não cumprisse seu dever de promover a iniciação profissional do

menor.

Denota-se uma evolução no Direito Romano, quando passou a distinguir menores

impúberes e menores púberes, com semelhanças aos institutos da incapacidade

absoluta e relativa da modernidade. Naquela época, o Direito islâmico também

atenuava os rigores constantes do Alcorão na aplicação de penas a menores e órfãos

impúberes. Mas foi somente no Direito Medieval que se encontrou uma diminuição na

severidade de tratamento aos menores, o que se deu sob a influência do estoicismo e,

tempos depois, do Cristianismo, sem que fosse atenuado, entretanto, o dever filial de

respeito à autoridade paterna.

Esse princípio de reverência paterna foi mantido no Direito Canônico, mas como

preceito religioso, o que repercutia na educação doméstica cristã, em especial, entre os

católicos, que entendiam serem os menores mentalidades em desenvolvimento,

carregadas de submissão piedosa. Essa doutrina básica desenvolvida pelos doutores

da Igreja foi influenciando os costumes e direcionando o Direito, objetivando proteger o

ser humano mais frágil. Exemplo dessa mudança ocorreu com a proibição de

abandonar a prole, que passou a ser punida pelos decretos de Gregório IX, com penas

corporais e espirituais, e ainda com a perda do poder paternal, penas essas que

também passaram a ser aplicadas pelos tribunais comuns nos séculos XIV e XV. Nota-

se, dessa forma, que a incapacidade civil do filho era mantida em qualquer idade,

enquanto residisse na casa paterna e fosse pelo pai sustentado.

A partir do século XVI, o critério biológico passou a ser considerado para fixação da

maioridade civil, como se vê na maior parte dos povos europeus, que tinham a idade de

25 anos como parâmetro e, posteriormente, a capacidade núbil, as mulheres aos doze

anos de idade e os homens aos quinze anos. Nessa época permanecia a diferença de

tratamento dado aos filhos tidos no casamento, tidos como legítimos, decorrente do

status privilegiado preceituado no Direito Canônico, que proclamava o matrimônio como

um dos seus sacramentos, fundando a família legítima como uma instituição da

sociedade dirigida pela Igreja Católica Apostólica Romana. Como assevera Pereira

(1996, p. 11), apesar de tudo, “[...] a posição dos filhos naturais – liberi naturales stricto

sensu – longe de melhorar, piorou sob os imperadores cristãos, que criaram certos

entraves à faculdade de dispor o pai em seu favor”. Assim, por muito tempo,

permaneceu a discriminação entre os filhos nascidos fora das núpcias que estivessem à

margem do Direito, o que influenciou a legislação civil de diversos povos. Tanto é assim

que, no Direito Moderno, observa-se a manutenção do pátrio poder, como ditado pelos

romanos, obviamente acompanhando a evolução dos costumes.

No Brasil-Colônia, observa-se o reflexo das regras do Concílio de Trento (1563), que

tinha como espúrios aqueles filhos frutos de relação adúltera, incestuosa ou de

sacrilégios, bem como se ignorou a filiação extramatrimonial gerada por solteiros ou

viúvos. As regras das Ordenações do Reino, largamente aplicadas no Brasil,

consagravam velhos princípios da autoridade paterna, entretanto não mais como no

início do Direito Romano, quando a relação era de caráter religioso que sedimentava a

força política do clã familiar, pois, naquela época, havia a reverência aos deuses-lares.

Assim, a legislação luso-brasileira tratava do estado de incapacidade civil para o

exercício de direitos, embora fosse dura no que tange à repressão, com pena capital

com requintes de crueldade para os maiores, concedendo a pena de morte a ser

aplicada ao menor de 25 anos e maior de dezessete sob a forma suavizada de

enforcamento simples, denominada de pena de morte natural. Essa severidade na lei

durou durante o tempo de Colônia, sendo recepcionada após a Independência, vindo a

ser revogada somente com o Código Criminal do Império, de 1832, que preceituava

punição a adultos e muitas vezes a crianças e adolescentes. Essa política criminal

durou até a República, cuja legislação tratava com dureza os infratores de tenra idade,

como encontrado na Consolidação das Leis Penais, de 1890, que estipulava como não

criminosos os menores de nove anos, bem como os maiores de quatorze anos de idade

que agissem sem o completo discernimento.

Nesse mesmo ano, os Decretos n° 439, de 31 de maio, e nº 658, de 12 de agosto,

organizaram os serviços de assistência à infância desvalida, estabelecendo o

Regulamento Para o Asilo de Meninos Desvalidos, instituição criada no Rio de Janeiro.

Nessa época, tem-se ainda a disposição sobre o trabalho do menor, regido pelo

Decreto nº 1.313, que estipulava a idade mínima de doze anos para o trabalho, o que,

no entanto, se revelava como letra morta, pois a realidade é que as indústrias

nascentes e a agricultura utilizavam de mão-de-obra infantil em idade muito inferior ao

limite descrito na legislação.

A realidade daqueles tempos demonstrava que, com a liberdade dos escravos e a

chegada dos imigrantes, havia o agravamento dos problemas e o número das crianças

abandonadas, razão pela qual fora criada, em 1896, a Casa dos Expostos, na cidade

de São Paulo, objetivando o recolhimento dessas crianças.

A criação do Juizado de Menores, na Capital da República, foi autorizada pelo Decreto

nº 16.272, de 20 de dezembro de 1923, sendo instalado no ano seguinte, cuidando de

declarar a condição jurídica da criança, se abandonada, delinqüente, bem como

indicando o amparo necessário que deveria receber, inclusive através de abrigado

subordinados, com dependências distintas por sexo e por situação dos menores,

criando-se, ainda, o Conselho de Assistência de Proteção aos Menores.

Posteriormente, no ano de 1927, surgiu o Código de Menores, que consolidou as leis

até então existentes, tornando-se um diploma legal específico para os menores em

situação irregular, estabelecendo que estavam à tutela de autoridade competente e

sujeitos às medidas de assistência e proteção todos aqueles que contassem com

menos de dezoito anos de idade, desde abandonados ou delinqüentes, dispondo ainda

sobre as situações de abandono.

Sobre o instituto do pátrio poder, cabe salientar que foi adotado pela doutrina civil do

Brasil, regulado pela Consolidação das leis civis e, posteriormente, foi acolhido pelos

projetos de Código Civil que se sucederam. Assim se dera, tanto que, no Código Civil

de 1916, foi incluído o tema sobre os sujeitos hipossuficientes na área do Direito de

Família, levando-se em conta a família tida como nuclear, baseada no casamento civil,

como explicita Tavares (2001, p. 52):

Quaisquer filhos, enquanto menores, estão sob o regime do que a lei denomina de pátrio poder, e que atualmente se consubstancia em uma carga de deveres com muito mais peso que os poderes, estes mitigados com a evolução do Direito de Família. Tanto que se aceita como consentânea com a realidade social hodierna a denominação de pátrio poder-dever.

A partir de então, passou a família a ser a pedra angular da sociedade brasileira

juridicamente organizada, o que fez com que se passasse do direito repressivo para o

direito protetivo da criança e do adolescente. Apesar de lenta, essa evolução se deu na

ordem jurídica de muitos países, cujas regras passaram a obrigar os pais a

proporcionarem educação para seus filhos, preparando-os profissionalmente,

mantendo-os consigo e dando-lhes moradia, alimentação, vestuário e tratamento de

saúde. Assim, passa-se do Direito Privado sobre o menor para a intervenção do Direito

Público em favor do menor. Merece destaque, nesse tópico, asseverar que a Revolução

Francesa instituiu a igualdade entre os filhos legítimos, ilegítimos, naturais e espúrios,

concedendo-lhes os mesmos direitos, revelando-se como uma grande alteração em

relação à proteção dos menores, que durou tão-somente até a edição do Código Civil

Napoleônico, e só retornaram tais preceitos com a alteração legislativa acorrida após

mais de um século.

Apesar disso, a sociedade em evolução passou a exigir maiores considerações aos

interesses das crianças e dos adolescentes, objetivando a regulamentação da sua

proteção, como ocorreu nos Estados Unidos da América, onde a criança acusada de

um crime tinha tratamento idêntico ao adulto na Justiça Criminal Comum, o que

permaneceu até a criação da primeira Corte Juvenil, em 1870. Já em 1874, foi criada a

Sociedade Americana Para Prevenção da Crueldade Infantil e, posteriormente (1889),

foi instituída a primeira cadeira de Direito do Menor, o que se deu na Escola de Direito

do Colorado. Da mesma forma, no Direito Penal, foi-se substituindo a repressão rígida

pela filosofia educativa, iniciando-se esse processo na Inglaterra, por meio do Children

Act, de 1908, continuando em Portugal com legislação especial, em 1911, e

posteriormente na França e na Bélgica, em 1912, até chegar na Espanha, em 1920, e

aos outros países da Europa Continental.

Assim, após essa síntese histórica contemporânea do Direito Infanto-Juvenil, passa-se

à sua evolução no Direito Internacional, que teve início pela Liga das Nações, que

precedeu a Organização das Nações Unidas, marcando uma nova fase nesse campo

do Direito com a Declaração dos Direitos da Criança, de 1924. Foi o ponto de partida

pelo qual uma entidade internacional se posicionou com a recomendação aos Estados

filiados de cuidar de forma legislativa dos benefícios destinados à população infanto-

juvenil. Iniciou-se o combate ao tráfico de crianças na Convenção de Genebra de 1933,

seguindo-se à IX Conferência Internacional Americana de Bogotá, em 1948, que

instituiu a Declaração dos Direitos e Deveres do Homem, na qual constava a obrigação

de auxílio, alimento, educação e amparo aos filhos menores. No mesmo ano, em Paris,

foi emitida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispensando cuidados

especiais às crianças e à maternidade, recomendando a fixação de idade mínima legal

para a capacidade civil, o consentimento dos pais ou responsáveis para o casamento

dos menores, dentre outras questões.

Várias foram as convenções e conferências que se sucederam, como a Convenção de

Roma (1950), que tratou da privação da liberdade do menor, a Convenção Para

Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, do mesmo ano, que recomendou

proteção especial às mulheres e às crianças e a Conferência da ONU, de Genebra

(1952), dedicada ao amparo à maternidade. Outros documentos foram consignados

pela ONU com o fim de efetivar nas legislações nacionais dos Estados filiados a

doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, com relevância para o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos. Mas o que merece destaque de fato é a Convenção

Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969,

que pregava o respeito à vida desde a sua concepção, recomendando tratamento

judicial especializado para os menores, declarando quais são os seus direitos e os

deveres da família, da sociedade e do Estado com eles, princípio este instituído pelo

Brasil em sua Constituição Federal de 1988.

A liberdade individual e a integridade física e psicológica das crianças e jovens, com a

abolição do casamento infantil e a prática de esponsais de crianças, foi resguardada

pela Convenção Internacional Sobre o Consentimento para o Casamento, Idade Mínima

Para o Casamento e Registro de Casamento, aprovada pela Assembléia Geral da ONU,

em 1962, mas somente aos 29 de novembro de 1985 aquela Assembléia aprovou as

Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Administração da Justiça Juvenil,

mundialmente conhecidas como Regras de Beijing. Assim, em 1990, aquele órgão

editou as Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Prevenção da Delinqüência

Juvenil, famosas como Regras de Riad, e ainda as Regras Mínimas das Nações Unidas

Para Proteção aos Jovens Privados de Liberdade.

Enfim, o ponto culminante do Direito Internacional da Infância e da Juventude que,

funciona como referencial básico do Direito positivo brasileiro, quanto à proteção

integral da criança e do adolescente, é a Convenção dos Direitos da Criança, aprovada

pela Assembléia das Nações Unidas em 1989, promulgada no Brasil pelo Decreto

Executivo nº 99.710, de 1990. Essa Convenção provocou um deslocamento do

paradigma de proteção das pessoas, num contexto geral, para a proteção dos direitos

das pessoas em desenvolvimento. É um instrumento que transforma as necessidades

da infância em direitos humanos insternacionalmente reconhecidos.

Assim, toda essa evolução internacional do Direito da criança e do adolescente

funcionou como propulsor do Direito da Infância e da Juventude adotado pelo Brasil,

cujos direitos ali expostos são parte do objeto deste trabalho.

Desse modo, tem-se que a Declaração de Genebra resultou no primeiro Código de

Menores do Brasil, de 1927, conhecido como Código Mello Mattos, sendo o primeiro

não só do Brasil, mas também da América Latina, sendo seguido pela Lei 6.697, de

1979, revelando-se como o Código que elegeu como tema o cuidado com o menor em

situação irregular. A doutrina da proteção integral somente foi adotada pela Constituição

Brasileira de 1988 e, em conseqüência, do Estatuto da Criança e do Adolescente, de

1990, que passou a regulamentar os princípios e normas da Carta Federal. Apesar

disso, muitas leis anteriores se referiram à situação dos menores, como no Código

Comercial de 1850, que autorizava a atividade de comerciar aos menores

emancipados, bem como a faculdade de alienação de bens e hipoteca, resguardando-

se, entretanto, os interesses dos infantes nos casos de liquidação de sociedades

comerciais por intermédio de tutores e curadores especiais. Da mesma forma, o Código

Civil de 1916 regulou várias situações ligadas às relações jurídicas que envolviam

menores, apesar da presença do forte traço de patriarcalismo dominante à época, nos

moldes da família legítima nuclear fundada no casamento. No Código de Processo Civil

de 1939, persistiu a preocupação com os menores, o que permaneceu até o Código de

1973.

Há de se ressaltar, nesse contexto, a evolução do Direito de Família no Brasil, com

destaque para a atenção voltada à criança e ao adolescente, como determina o art. 227

da Constituição de 1988, que estabelece respeito à dignidade da pessoa em fase de

desenvolvimento, revelando-se como verdadeira mudança de paradigmas, como se

verá no decorrer deste trabalho.

2.1 OS DIREITOS DA CRIANÇA NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA.

A Constituição do Império do Brasil, de 1824, não dedicou qualquer direito aplicável à

criança ou ao adolescente, pois até mesmo a família mereceu normatização ordinária

no Direito privado. Tal se repetiu na Constituição da República de 1891. Assim,

somente com a Constituição de 1934, passou essa matéria a ser considerada, pois fez

referência direta à criança, quando tratou do trabalho infantil, estabelecendo a proibição

do trabalho aos menores de quatorze anos de idade, do trabalho noturno aos menores

de dezesseis anos e em indústrias insalubres aos menores de dezoito anos, dispondo

ainda sobre os serviços de amparo à maternidade e a infância.

Também na Carta autocrática de 1937, encontrava-se a proteção às crianças,

sobretudo aquelas mais carentes, pois estabelecia, como obrigação do Estado, a

assistência à infância e à juventude, assegurando-lhes condições físicas e morais para

o desenvolvimento de suas faculdades, repetindo regras relativas à proibição do

trabalho do menor, e dispondo sobre a possibilidade de pais miseráveis requererem

auxílio ao Estado para a subsistência e educação dos filhos. Tratava, ainda, como

dever dos entes federados, a criação de instituições de ensino público para aqueles que

não tivessem condições de estudar em escolas particulares, imputando aos pais falta

grave por abandono dos filhos menores, cabendo ao Estado o dever de prover a sua

subsistência.

Oportuno, nesse passo, é asseverar sobre a criação do Serviço de Assistência aos

Menores (SAM), o que se deu pelo Decreto-lei nº 3.779, de 1941, cujo objetivo era

prestar amparo social aos menores desvalidos e infratores, em todo o território nacional,

tendo como meta a centralização da execução de uma política nacional de assistência,

coordenando as entidades privadas e algumas estatais. No entanto, essa instituição foi

substituída pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), criada pela

Lei nº 4.513, de 1º de dezembro de 1964, fazendo com que a criança abandonada

deixasse de ser preocupação de entidades privadas e de alguns organismos estatais,

passando a fazer parte da própria política do Estado.

A Constituição democrática de 1946 manteve as disposições anteriores sobre os

menores, o que também permaneceu na Lei Maior de 1967, prevendo esta a

assistência à maternidade e à infância, determinando a obrigatoriedade de as empresas

comerciais, industriais e agrícolas de manterem ensino primário gratuito aos

empregados e seus filhos, com a garantia de fornecimento da aprendizagem, em

cooperação, aos menores trabalhadores. Instituiu, ainda, o ensino obrigatório e gratuito

nos estabelecimentos oficiais para as crianças entre sete e quatorze anos de idade, o

que confronta com a autorização de trabalho para os maiores de doze anos. A Emenda

Constitucional nº 1, de 1969, manteve os mesmos direitos, acrescentando que as

crianças excepcionais também teriam acesso à educação, com regulamentação por

meio de legislação especial.

O ano de 1979 foi declarado o Ano Internacional da Criança, surgindo a Lei nº 6.697,

que instituiu um novo Código de Menores, quando adveio o termo “menor em situação

irregular”, cujo significado era aquele menor abandonado materialmente, vítima de

maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e

autor de infração penal. Esse novo Código tinha como vantagens além da nova

conceituação de menor abandonado, a indicação das medidas específicas a serem

tomadas pelo Estado em frente à sua situação de carência, bem como a criação de

formas de atuação alternativas nos casos de falta ou mau relacionamento entre o

menor e sua família, ou entre aquele e a sociedade, com o regramento de todas as

atividades que atingissem o menor, incluindo trabalho, lazer, educação e influências

externas. Os juízes de direito das varas de menores passaram, a partir de então, a

possuir maiores poderes, pois poderiam atuar em todos os segmentos da sociedade,

quando constatada circunstância que atingisse o menor.

Entretanto, somente com a Constituição Federal de 1988 deu-se a abrangência

explícita dos direitos das crianças e dos adolescentes, estabelecendo regras sobre o

trabalho e a profissionalização, capacidade eleitoral, assistência social e seguridade

social, programação de rádio e televisão, múnus público de proteção integral e dever do

Estado, garantias democráticas processuais, incentivo à guarda, prevenção contra

entorpecentes, defesa contra abuso sexual, estímulo à adoção e à isonomia filial. Dessa

forma, procedeu-se definitivamente à política nacional de proteção integral da infância e

da adolescência no Brasil.

Assim como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança transformou as

necessidades da infância em direitos humanos internacionalmente reconhecidos, a

positivação constitucional os modifica para direitos fundamentais. Cabe o seguinte

conceito de Ferrajoli (1999, p. 22):

Os direitos fundamentais se afirmam como leis do mais fraco em alternativa à lei do mais forte, que vige na sua ausência. A história do constitucionalismo é a história dessa expansão progressiva da esfera pública dos direitos. Uma história não teórica, mas sim social e política, dado que nenhum desses direitos caiu do céu, mas foram todos conquistados à custa de rupturas internacionais.

Foi pelo art. 227 da Carta da República que se estabeleceram os novos moldes do

Direito da Criança e do Adolescente, preceituando sobre seus direitos humanos

fundamentais, individuais e sociais, além dos metaindividuais, que são os direitos de

primeira, segunda e terceira geração. Na verdade, todo esse processo alcançado pelas

crianças e adolescentes é resultado da evolução dos paradigmas de um Estado de

Direito para outro. Assim, trata-se o Estado de Direito de um paradigma inaugurado

para o Estado Brasileiro com a promulgação da Constituição da República de 1988 que,

em seu art. 1º, afirma ser o Brasil um Estado Democrático de Direito. Sobre esse ponto,

discute-se a interpretação jurídica do Estado de Direito por meio de paradigmas, sendo

certo que não há como sair de um paradigma sem a substituição do anterior, pois o

progresso do conhecimento não ocorre de forma evolutiva e pacífica, mas sim por

rupturas, saltos e modificações desses paradigmas, possibilitados pelas novas práticas

sociais.

A priori surge o paradigma constitucional da modernidade, chamado de Estado Liberal

de Direito, que, na lição de Bolzan de Morais (1996, p. 79), apresenta-se caracterizado

pelo conteúdo liberal de sua legalidade, no qual há o privilégio das liberdades

negativas, mediante uma regulação restritiva da atividade estatal. Aqui a lei, como

instrumento de legalidade, caracteriza-se como uma ordem geral e abstrata, regulando

a ação social pelo não-impedimento de seu livre desenvolvimento; seu instrumento

básico é a coerção por meio da sanção das condutas contrárias, colocando-se o

indivíduo como ator característico. Assim, surgem os direitos individuais, também

denominados de primeira geração.

Desse modelo, surgiu o Estado Social de Direito, com o desenrolar das relações

sociais. Sobre esse paradigma, Morais diz que tem por conteúdo jurídico o próprio

ideário liberal, agregado pela “questão social”, que traz consigo os problemas próprios

do desenvolvimento das relações de produção e aos novos conflitos emergentes de

uma sociedade renovada radicalmente, com atores sociais diversos e conflitos próprios

a um modelo industrial-desenvolvimentista. Aqui o Estado apresenta uma limitação,

ladeada por um conjunto de garantias e prestações positivas, que busca um equilíbrio

não atingido pela sociedade liberal. Assim, a lei assume uma outra função, de

instrumento de ação concreta do Estado, facilitando os benefícios, colocando o grupo

como personagem principal, que se corporifica de modo diferenciado a cada

movimento social, surgindo, assim, os direitos sociais e coletivos.

Vê-se que esses dois modelos apresentam um fim comum, qual seja, a adaptação

social. Seguindo o entendimento de Morais (1996, p. 79), é nesse ponto que o

surgimento do Estado Democrático de Direito, como novo paradigma, traz novidades,

pois incorpora características novas ao modelo tradicional. A questão da igualdade

surge como conteúdo próprio a ser buscado, assegurando condições mínimas de vida

ao cidadão e à comunidade. Passa-se a tratar de questões relativas à qualidade de vida

individual e coletiva dos homens. O papel da lei se modifica e torna-se um instrumento

de transformação, com o fim de manter o espaço vital da humanidade. As coletividades

difusas passam a ser os atores principais. Apesar desse moderno entendimento esse

autor lembra que se percebe nessa trajetória, uma redefinição contínua do Estado de

Direito, com a incorporação de conteúdos novos, em especial em face à imposição dos

novos paradigmas próprios ao Estado do Bem-Estar Social, e conclui sobre a

efetividade do Estado do Direito e suas evoluções da seguinte forma:

Como liberal , o Estado de Direito sustenta juridicamente o conteúdo próprio do liberalismo, referendando a limitação da ação estatal e tendo a lei como ordem geral e abstrata. Por outro lado, a efetividade da normatividade é garantida, genericamente, através de imposição de uma sanção diante da desconformidade do ato praticado com a hipótese normativa. Transmudado em social , o Estado de Direito acrescenta à juridicidade liberal um conteúdo social, conectando aquela restrição à atividade estatal a prestações implementadas pelo Estado. A lei passa a ser, privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado, tendo como método assecuratório de sua efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela ordem jurídica. Em ambas as situações, todavia, o fim ultimado é a adaptação à ordem estabelecida. Quando assume o feitio democrático , o Estado de Direito tem como objetivo a igualdade e, assim, não lhe basta a limitação ou promoção da atuação estatal, mas referenda a pretensão à transformação do status quo. A lei aparece como instrumento de transformação da sociedade, não estando mais atrelada inelutavelmente à sanção ou à promoção. O fim a que se pretende é a constante reestruturação das próprias relações sociais”. (grifos do autor)

E assim deve ser compreendido, pois, afirmando o art. 1º da Constituição ser o Brasil

um Estado Democrático de Direito, vincula, necessariamente, a uma nova análise dos

antigos institutos jurídicos, que não mais podem ser compreendidos do mesmo modo e

forma que outrora, havendo de se pensar acerca das conseqüências da mudança

advinda com o novo texto constitucional, a fim de reconstruir os institutos anteriormente

existentes, bem como expurgar da novel ordem jurídica todos os conceitos e institutos

incompatíveis com o novo paradigma. É importante frisar que toda essa evolução dos

paradigmas do estado de direito leva ao fundamento da função simbólica atribuída à

Constituição, pois permite que o liberalismo e a democracia convivam com o fim de

reduzir as diferenças econômicas e sociais à unidade formal do sistema legal de uma

Constituição que, colocada no ápice de uma pirâmide escalonada, fundamenta a

legislação, fazendo com que seja aceita como poder legítimo, em que deve prevalecer

o interesse da maioria. Assim hão de constar nos textos constitucionais os valores da

sociedade, sob pena de não corresponder à realidade social, política e econômica de

um povo. Desse modo, a Constituição revela a conformação do paradigma jurídico de

um Estado e de uma sociedade. Para ser legítima, a Constituição precisa assegurar

alguns direitos que, na visão de Galuppo (2002, p. 205), apud Habermas, são os

seguintes:

1) Direito à maior medida possível de iguais liberdades individuais de ação [...]; 2) Direitos fundamentais que resultam da elaboração politicamente autônoma do status de membro de uma associação voluntária sob o direito [...]; 3) Direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade de adjudicação de ações protetivas e da configuração politicamente autônoma de proteção jurídica individual [...]; 4) Direitos fundamentais a iguais oportunidades de participação em processos de formação da opinião e da vontade públicas na qual os cidadãos (Bürger) exercitam sua autonomia política e através dos quais eles positivam um direito legítimo [...]; 5) Direitos fundamentais à provisão de condições de vida que sejam socialmente, tecnologicamente e ecologicamente asseguradas [...], [a serem reconhecidos] caso se suponha que os cidadãos devam ter iguais oportunidades de utilizar os direitos fundamentais listados de 1) a 4)” (Habermas, 1994a: 155 a 157, com uma intercalação minha).

Não obstante a existência desses princípios que objetivam a garantia do Sistema de

Direitos defendido por Habermas, o certo é que todos eles se caracterizam como força

de mecanismo político-constitucional, almejando a garantia e a preservação dos direitos

fundamentais. São tais princípios inovadores que, apesar de todas as imperfeições, têm

importância fundamental ao dirimir conflitos oriundos do Estado Democrático de Direito.

Pode-se concluir, então, sobre a ideologia da Constituição, segundo Dantas (1999. p.

120) que,

[...] desta opção ideológica decorre o sentimento político da Constituição, expressa em uma supremacia, que, em última análise, significa uma maior

proteção que se confere à matéria constitucional, em conseqüência ocupando posição de destaque frente às demais matérias que formam o Ordenamento Jurídico.

Ou seja, a supremacia vem a ser uma opção de natureza política do Poder Constituinte,

como conclui o nobre autor ao afirmar como “[...] determinadas matérias como

essenciais e fundamentais à configuração ideológica do Estado”, da qual se denota que

a supremacia revela-se como ponto de partida para a própria Constituição. Partindo daí,

chega-se à questão de que a análise de todos dos princípios fundamentais da

Constituição do Brasil tem início clara e objetivamente logo no primeiro artigo, que

prescreve ser o Brasil um Estado Democrático de Direito. Abordadas todas essas

razões, tem-se que o exercício do Estado Democrático de Direito encontra dificuldades

e empecilhos instransponíveis em várias esferas da vida dos indivíduos. Muitas

questões constitucionais são colocadas à prova para o exercício desse Estado

Democrático, quando em um desses pontos, hão de surgir soluções às consequências

de uma sociedade que desampara famílias, no exato momento em que não lhes

proporciona condições mínimas de vida, para que possam manter seus filhos consigo,

com respeito aos direitos destes, expostos constitucionalmente. Trata-se essa questão

do ponto central deste trabalho.

2.2 A NOVA DIMENSÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA A PARTIR DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988, estabelecendo uma novel ordem jurídica, fez ocorrer a

chamada constitucionalização do Direito Civil, ocasionando mudanças radicais, em

especial no Direito de Família, quando passou a reconhecer entidades familiares

diversas daquelas originadas pelo casamento, que deixou de ser a pedra angular do

Direito de Família. Assim, após a promulgação da nova Carta Federal, extraiu-se do

Código Civil o papel de lei fundamental do Direito de Família, em especial no que tange

ao relacionamento entre pais e filhos. Eis que o Estatuto da Criança e do Adolescente

passou a ocupar tal lugar, em obediência às linhas traçadas pela Constituição da

República.

Essa incorporação da doutrina de proteção integral ao texto constitucional tornou-se

efetiva no momento em que tratou do modus operandi do princípio do melhor interesse

da criança e do adolescente. A partir de então, esse princípio passou a comandar todas

as relações familiares que envolvam criança e adolescente. Desse modo, todos os

institutos da filiação foram atingidos diretamente por essa nova doutrina, como o pátrio

poder, a guarda, o estabelecimento de paternidade, a adoção e a tutela, que passaram

a ter novos dispositivos a eles referentes, sejam na Lei Adjetiva Civil seja nas leis

extravagantes, tornando inócuas as disposições que divergissem dessa ordem

normativa.

A promoção da plena equiparação dos filhos, constante do art. 227, § 6º, da

Constituição Federal, se revela de vital importância, pois fez com que a situação jurídica

dos pais deixasse de ser pressuposto determinante da filiação, eis que o estado de filho

passou a independer do estado civil dos pais. Isso se deu porque, anteriormente à nova

Carta, os filhos tinham seu status jurídico ligado à situação civil-familiar dos pais, ou

seja, se não fossem esses casados legalmente, os filhos gerados por essa relação

seriam considerados ilegítimos, com direitos distintos dos filhos tidos como legítimos à

época. Ultrapassada essa idéia, passa-se à consolidação da base de direitos que tem

como titular a criança e o adolescente, como pessoas em desenvolvimento que têm

assegurado o seu melhor interesse de forma prioritária.

Assim, pela primeira vez na história das Constituições do Brasil, a questão relacionada

com as crianças passa a ser tratada como um tema público, sendo abordado

profundamente pela nova Constituição, que veio determinar, de forma absolutamente

prioritária, a proteção das pessoas em desenvolvimento, o que também está disposto

no Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo como dever da família, da

comunidade e do Estado o exercício dessa proteção, como entende Machado (2003, p.

407):

A estrutura peculiar do direito material de crianças e adolescentes se caracteriza por conformar todos eles para gerarem prestações positivas

(obrigação comissiva e não meramente omissiva) aos obrigados (representados pelo trinômio Estado, Família e Sociedade, empregado no caput do art. 227 da CF), sob a ótica de maior garantia, impondo-lhes dever de asseguramento prioritário.

Trata-se, então, de um trabalho conjunto de defesa e proteção, cujo primeiro

convocado foi a família, como célula da sociedade, sob o fundamento de que, mesmo

em condições mínimas, deve proporcionar a seus membros a assistência material,

educacional e afetiva, como define o conceito moderno de família.

É de vital relevo, nesse passo, tratar do conceito de família que, como se sabe, está em

constante mutação. A forma convencional, cuja pirâmide alinhava os descendentes de

cima para baixo a partir dos patriarcas e matriarcas, vem transmudando-se com

renovações constantes. Trata-se de renovações oriundas das relações modernas, que

exigem novas posturas e modificam conceitos.

Segundo Fiúza (2000, p. 29), pode-se dizer que existiram vários paradigmas para a

família, baseando-se no entendimento de Fustel de Coulanges, para quem, apesar das

dificuldades de se estabelecer modelos para a família plebéia, havia, sem dúvida,

paradigmas distintos para a plebe e para o patriciado, tanto na Grécia quanto na Roma

antiga. Já no Egito antigo, a estrutura familiar era muito semelhante à contemporânea,

assim como o caráter privado do casamento e do divórcio, características da civilização

greco-romana. Assim, no Egito da Baixa Época, tanto o casamento quanto o divórcio

eram permeados de formalidades administrativas, assim como na Roma Antiga, ao

tempo do Baixo Império.

Quanto à família grega, esta se parece muito com a romana, amoldando-se no mesmo

paradigma que, para ser entendido, devem ser levadas em consideração as classes

sociais daquele tempo, quais sejam: o patriciado, a plebe, a clientela e os escravos. Os

primeiros eram os detentores do poder, fundadores das cidades e seus descendentes,

enquanto a plebe é de origem incerta, pois atuava em áreas pouco nobres para um

patrício, como o comércio de varejo e trabalhos assalariados, apesar de existirem

plebeus ricos, mas não possuíam qualquer direito, pois não participavam da vida

política, religiosa ou militar, não pagavam tributos, nem possuíam cidadania para

invocar qualquer direito em sua proteção. Os clientes eram aqueles que se submetiam

ao poder de um chefe de família patrício, oferecendo préstimos e patrimônio em troca

de proteção, enquanto os escravos constituíam grande parte da população, tanto que a

economia era toda baseada na mão-de-obra escrava.

A cidade se dividia em três tribos, Tities, Ramnes e Luceres. Cada uma dessas tribos

se dividia em dez cúrias, que era a circunscrição territorial habitada por gentes. Cada

gens era composta por domus ou família, que era encabeçada por um páter-famílias,

ao qual se submetiam todos os demais membros da casa. Exercia ele várias funções,

como pai, esposo, juiz, administrador e sacerdote. Nessa época romana pré-clássica,

quando vigia a primogenitura, quando morria um páter-famílias, tinha seu lugar ocupado

pelo filho primogênito e, se não o tivesse, adotava um para essa função, pois o

importante era dar continuidade ao culto familiar.

A religião tinha um importante papel nessa época, quando existiam duas classes de

deuses: os superiores (deuses do Olimpo) e os inferiores (domésticos), que eram os

antepassados das famílias, representados em altar por um fogo que não se apagava,

cujo nome era Deus-Lar. Os antepassados comuns tinham importante papel, pois eram

fundadores da cidade, sendo cultuados por toda ela. Entretanto, somente seus

descentes podiam participar do seu culto, já que possuíam a cidadania para invocar o

sagrado direito da cidade.

Vê-se que a estrutura, nesse ínterim, era monogâmica e patriarcal, e as mudanças de

paradigma da família grupal para a família monogâmica parecem ter sido de ordem

econômica. Mas foi a introdução do Catolicismo e a queda o Império Romano no

Ocidente que impuseram nova transformação no paradigma familiar ocidental, causado

pelas invasões bárbaras, com seus costumes e crenças, e pela derrubada do Poder

Político central que, de certa forma, organizava e civilizava. Os povos bárbaros foram

civilizados pela Igreja, que era um meio centralizado, detentor do saber e das tradições

greco-romanas, que servia de garantia contra o Império Grego do Oriente. A partir de

então, o Catolicismo invadiu a Europa com seus costumes, leis e língua dos romanos,

processo esse que contou com parte da rígida moral judaica, contida na obra de São

Paulo. Foi essa moral católica que afastou a Idade Média dos paradigmas da

Antiguidade.

Na Era Medieval, introduz-se o casamento indissolúvel, apesar da arraigada prática de

poligamia entre os germanos e o contínuo concubinato entre os galo-romanos. Por isso,

muitos reis daquela época tiveram várias mulheres. A monogamia e a indissolubilidade

do casamento só se tornaram prática geral no século X, primeiramente entre o povo, e

depois entre os nobres.

Já a Revolução Industrial foi um marco histórico para a família, pois foi nessa época

que a sociedade começou a se transformar, com a urbanização e a concentração

capitalista, conseqüências da concorrência e da racionalização. O resultado desse

processo foi a massificação das cidades, das fábricas, das comunicações, das relações

de trabalho e da própria responsabilidade civil. O espaço doméstico se reduz, o casal

mediano é obrigado a compartilhar o mesmo leito, e a indissolubilidade do casamento é

posta em dúvida, quando, então, a mulher se vê na contingência de trabalhar para o

sustento do lar, dando início à libertação feminina. A própria Igreja revê sua doutrina e

atuação.

No século XX, houve a revolução sexual, também decorrente da Revolução Industrial,

que traz dúvidas aos paradigmas clássicos como: o heterossexualismo, o machismo, o

patriarcalismo, a monogamia, dentre outros. Nessa época, a Igreja Católica começa a

mudar sua doutrina, buscando o verdadeiro cristianismo, que prega o amor ao próximo

e a responsabilidade, sem a hipocrisia antes existente. Passa-se, então, à formação da

família contemporânea, em que o homem já não exerce mais a liderança absoluta da

casa, e o papel da mulher se torna cada vez mais ativo e importante, uma vez que os

sustento do lar é provido por ambos.

Passando-se à família brasileira, tem-se que foi unificada pelo casamento, conforme o

antigo Código Civil, o que gerava uma disparidade entre o direito positivo e a realidade

social, no exato momento em que as demais manifestações e realidades familiares não

encontravam qualquer proteção jurídica. Na verdade, trata-se de modelo jurídico

europeu que não condiz com a realidade do Brasil, tendo se originado do caráter

monista adotado pelo discurso jurídico da modernidade, o que acabou construindo um

direito uno, harmônico e coerente, originado exclusivamente do Estado, como leciona

Groppali (2003, p. 185):

No Estado se integram as vontades dos cidadãos particulares, e a sociedade, por intermédio dele, assume uma verdadeira e própria personalidade jurídica, adquirindo capacidade para querer e agir. O Estado é, portanto, o principal órgão do direito, pois que a ela não só é confiada a tarefa de prevenir e reprimir transgressões das normas jurídicas e de dirimir as controvérsias levantadas ente os cidadãos, mas também a de elaborá-lo, imprimindo-lhe o caráter de orbigatoriedade.

Nesse racionalismo, o Direito passa a organizar politicamente a sociedade, tripartindo o

Poder, confundindo-se com o próprio Estado, como explicita Ramos (2000, p. 62):

A preocupação com o fortalecimento e a centralização do poder, características do liberalismo e dos Estados modernos, conduziu à unificação política. Por sua vez, a preservação desta unidade política erigiu a unidade legislativa como um de seus pilares. Neste passo, a ideologia que embasou o Estado de Direito Liberal apóia-se em determinados princípios, em tese inarredáveis, respeitados como verdadeiros mitos. Dentre estes princípios, dois não podem ser dissociados das correntes racionalistas do século XVIII: a legalidade e a completude.

E assim o é, pois a legalidade considera exclusividade do Estado a produção de

normas jurídicas, considerando o monismo jurídico; já a completude pretende envolver

qualquer situação que possa ocorrer na sociedade, com a abrangência das regras de

Direito. Como afirma a citada autora, nas sociedades jurídicas da modernidade – em

que o Direito tem a pretensão de regular toda a vida social, o próprio sistema rege os

modos de produção das regras jurídicas, comandando a lei toda conduta humana,

incluindo a atividade legislativa, que, em sua produção, deverá recepcionar os fatos e

os atos ocorridos no mundo real como categorias e institutos neutros e abstratos, que

terão a função de ser fontes de produção do Direito, com o fim de regular o

comportamento de todos os indivíduos.

Nesse passo, oportuna é a lição de Bobbio (1994, p. 110), para quem a completude faz

parte da legalidade, significando que o Direito Estatal, organizado num sistema

coerente, sem antinomias, deverá ser capaz de regular toda e qualquer situação que

ocorra na sociedade, estabelecendo uma rede de jurisdição que pretende envolver toda

a realidade, sem deixar vazio. É essa completude, conceituada por Bobbio, que persiste

nos distintos sistemas jurídicos racionalistas, como o do Brasil. Representa essa

completude uma rejeição do pluralismo de fontes, que reconhece como Direito apenas

o Estatal, não levando em consideração qualquer critério ou valora adotado na redação

das normas. Foram os princípios liberal-racionalistas que o Código Civil vinha adotando,

com respeito literal ao princípio da legalidade, considerando o matrimônio como única

fonte da família.

Mas a verdade é que o casamento, da forma como era disposto nos antigos Códigos,

sempre conviveu com situações de fato diversas, como a união não matrimonializada

entre casais (período colonial) e a família monoparental, apresentada nos casos de

mães solteiras ou abandonadas pelo marido. Existia, então, uma antinomia entre o que

estava disposto no Código e a vida dos indivíduos, o que fez surgir inúmeras relações

familiares de fato, que não tinham qualquer reconhecimento jurídico. Tal dissociação

entre o Direito e a realidade pode ser localizada no pluralismo jurídico, que tem como

ponto em comum o reconhecimento da existência de um Direito de origem não estatal,

surgido com o passar do tempo, no momento em que o sistema jurídico positivo entra

em contato com a realidade da sociedade. Assim, o pluralismo acaba revelando as

falhas do sistema jurídico posto e a falta de fontes formais para trabalhar as relações

interpessoais. Mas o próprio Direito positivo acabou admitindo determinados

temperamentos na idéia de completude, e passou a não se colocar mais como auto-

suficiente.

A partir do século XX, o Direito positivo passou, de fato, a assumir a necessidade de

uma vinculação a um modelo sociopolítico-econômico, quando foram editadas leis

denominadas extravagantes, seguidas pelos estatutos – que regulam institutos ou

situações específicas, até se alcançar a Constituição, que passou a regular todos os

institutos do Direito Privado, incluindo a família. No Brasil, especificamente, a recepção

de tal paradigma, em se tratando de família, só veio ocorrer, verdadeiramente, com a

Constituição de 1988. Entretanto, percebe-se que, ao receber a realidade familiar o

Direito posto vem caracterizar uma concessão ao pluralismo, levando-se em

consideração que a ideologia básica da organização do sistema jurídico foi preservada.

Isso porque as transformações ocorridas ao longo da história do Brasil, com relação à

família, se ligam ao contexto socioeconômico-político do país. Desse modo, no Brasil

colônia, tem-se a família tradicional patriarcal, na qual os casamentos buscavam

interesses econômicos, cujos filhos eram considerados extensão do patrimônio do

patriarca. Posteriormente, um novo modelo de família surge, já no final das últimas

décadas do século XIX, quando ocorreram a Proclamação da República, o fim do

trabalho escravo, o início da industrialização, a urbanização e modernização do País.

Todos esses acontecimentos contribuíram para o surgimento de família constituída por

pai, mãe e poucos filhos, com a continuidade do pai como detentor da autoridade e à

mãe cabendo o papel de educar e zelar pelos filhos. Conforme Bittar (1993, p. 240 e

ss.), a família patriarcal cedeu lugar à família denominada nuclear, composta apenas

pelas pessoas que habitam o lar. Assim, para esse autor,

[...] um sentido de personalização da família estranhou-se nesse campo, voltando-se o legislador para, a par da proteção do núcleo em si, como bem maior, traçar regras próprias para defesa de cada um de seus componentes, em particular para a valorização da posição da mulher na sociedade conjugal e da paridade entre os filhos de diferentes origens.

Nos últimos trinta anos, as mudanças ocorridas no terreno sociopolítico, ligadas ao

processo de globalização da economia, vêm interferindo na dinâmica e estrutura

familiar, modificando totalmente seu padrão tradicional de organização. É essa nova

família aquela trazida pela Constituição Federal do Brasil de 1988, destacando o

Capítulo VII, que cuida da família, da criança, do adolescente, do idoso, conservando a

gratuidade do casamento e os efeitos civis do casamento religioso.

Um novo conceito de família surge, então, descrito no art. 226, que reconhece como

legítima a união estável entre homem e mulher (§ 3º), bem como a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes (§ 4º), e ainda que os direitos e

deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela

mulher (§ 5º). Da mesma forma, e de vital importância, a igualdade dos filhos havidos

ou não do casamento, ou por adoção, garantindo a todos eles os mesmos direitos e

deveres, sendo vedada qualquer discriminação decorrente de sua origem, exigindo,

ainda, que a adoção deverá ser assistida pelo poder público, na forma da lei,

estabelecendo casos e condições de sua efetivação por parte do estrangeiro. Segundo

Bastos (2000, p. 1044-1045), a Constituição passa, a partir de então, a

responsabilidade à família, à sociedade e ao Estado de assegurar à criança a ao

adolescente os direitos fundamentais, que assim define:

Tais direitos são o direito à vida, mas o essencial direito do homem em sociedade – por essa razão a Constituição veda a pena de morte, a eutanásia e o aborto – à saúde, à alimentação – direitos de subsistência fundamentais, à educação, ao lazer, à profissionalização e à cultura – todos relevantes para o desenvolvimento das potencialidades humanas em todas as suas aptidões – à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. São direitos de particular importância para a realização plena do cidadão.

A Constituição Federal de 1988 trouxe, dessa forma, uma nova corrente de valores que

se centra na dignidade da pessoa humana que, juntamente com o respeito aos direitos

humanos fundamentais, direitos da liberdade, direitos sociais e à igualdade formam o

significado da modernidade, qual seja, a democracia. Tal se deu porque houve uma

percepção geral de que um Estado Democrático de Direito deve ter, como objetivo

primordial, o princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual a novel

Constituição pretendeu torná-lo um fundamento da República.

A dignidade da pessoa humana é um valor subordinante que nunca cede em face dos

valores subordinados, demonstrando que na Constituição da República o homem nunca

decai da dignidade humana que se revela como fundamento do Estado Democrático de

Direito. A forma como está disposta a dignidade humana na Carta Federal não se

relaciona com as formas de comportamento, mas como atributo intrínseco da pessoa

humana, como valor de todo ser racional, independente da forma como se comporte.

Trata-se de um dos princípios constitucionais que orienta a interpretação de todo o

sistema jurídico brasileiro, razão pela qual deve servir de base para a efetividade dos

direitos constitucionais, como ensina Barroso (1996, p. 231-132):

Efetividade designa a atuação prática da norma, fazendo prevalecer, no mundo dos fatos, os valores por ela tutelados. Ao ângulo subjetivo, efetiva é a norma constitucional que enseja a concretização do direito que nela se substancia, propiciando o desfrute real do bem jurídico assegurado.

Sobre a efetividade e a dignidade da pessoa humana Machado (2003, p. 97-98) lembra:

A dignidade da pessoa humana é o ponto de esteio do Estado Democrático de Direito brasileiro – o fundamento básico dele, o ápice da pirâmide valorativa do ordenamento jurídico instituído pela Constituição Federal de 1988 – eis que, mesmo quando cotejada aos demais fundamentos referidos de maneira expressa no art. 1º da Carta Magna, ela tem posição de centralidade, porque atrai o conteúdo valorativo dos outro quatro. A cidadania referida no inc. II nada mais é do que a manifestação política da dignidade humana; O pluralismo jurídico representa a especificação de condição para a plena manifestação da cidadania; A soberania é uma roupagem pela qual esse poder do povo cidadão se manifesta; A colocação dos valores sociais e do trabalho e da livre iniciativa num mesmo patamar no texto constitucional, representa uma tentativa de detalhamento de parcela do conteúdo do valor dignidade humana, feita pela Assembléia.

Nesse sentido os direitos humanos da criança e do adolescente configuram direitos

humanos no sentido geral, por isso a dignidade da pessoa humana como disposta na

Constituição Federal ocupa posição de núcleo do qual advém conseqüências na

proteção dos direitos da infância e da juventude, como se verá no tópico seguinte.

Desse modo, vê-se que a Constituição Federal de 1988 introduziu relevantes mudanças

no conceito de família e no tratamento dispensado a essa instituição considerada a

base da sociedade. Como decorrência dos novos mandamentos constitucionais, foram

editadas leis especiais garantidoras daqueles direitos, com a atualização do texto da Lei

6.515/77, relativa à separação judicial e ao divórcio, a edição do Estatuto da Criança e

do Adolescente (Lei 8.069/90) que, dentre outras questões, trouxe toda prescrição a

respeito da adoção de menores, a normatização do reconhecimento de filhos havidos

fora do casamento (Lei 8.560/92) e as leis da união estável (Lei nº 8.971/94 e 9.278/96),

que concederam aos companheiros direitos a alimentos, meação e herança.

Essa previsão de igualdade, com relação aos filhos havidos ou não do casamento, veio

refletir-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, como afirma Moor (2001, p.42),

para quem, a par das mudanças sociais, a Constituição Federal de 1988, de forma

inovadora, dispôs sobre as relações familiares, que foram substancialmente alteradas,

modificando, inclusive, o conceito de família anteriormente previsto na legislação, não

mais prevendo uma forma única de família, bem como a desigualdade entre a filiação, o

que se reflete no instituto da adoção. Citando João Baptista Villela, a autora assevera

que “nenhum fenômeno talvez ponha mais a claro a derrocada da velha ordem familial

que a irrupção de um novo interlocutor no seu ambiente: o menor”, e conclui:

A dimensão que a questão da filiação toma é justamente a de colocar a pessoa no centro de toda discussão jurídica, com o intuito de concretizar o fim último da Constituição Federal de 1988, que é a preocupação com a dignidade da pessoa humana.

De forma mais ampla, Tepedino (1993, p. 21/23) entende que, cada vez mais, os

valores constitucionais devem incidir na normativa civilística, operando uma espécie de

despatrimonialização do Direito privado, em razão da prioridade atribuída, pela

Constituição, à pessoa humana, sua dignidade, personalidade e livre desenvolvimento.

Assevera, então, a mesma autora, que ocorre uma repersonalização das relações de

família, em que

[...] não deve a proteção do patrimônio suplantar a proteção das pessoas. Em conclusão, afirma-se: o interesse a ser tutelado não é mais o do grupo organizado como esteio do Estado, e das relações de produção existentes, mas de condições que permitam à pessoa humana realizar-se íntima e afetivamente, neste pequeno grupo social.

Assim, essa tendência de repersonalização da pessoa vai ao encontro da Constituição,

que coloca como valor primeiro a pessoa humana, modificando o modelo de família

expressamente previsto, bem como da igualdade cultuada, trazendo mudanças

consideráveis às relações entre as pessoas do grupo familiar, no qual a preocupação

primordial é a formação da personalidade dos componentes desse grupo, quando,

então, o vínculo biológico e o aspecto patrimonial tomam qualificações distintas

daquelas anteriormente existentes.

Esse repositório de leis inovadoras fez com que o Código Civil de 1916 se tornasse

arcaico, incompatível com os novos ordenamentos legais. Por tal razão, com a edição

do novo Código Civil (Lei no 10.406/2002), houve a indispensável atualização,

possibilitando que o Direito de Família fosse efetivamente regulamentado com as

concepções atuais de sua ampliação e com respeito aos seus componentes humanos.

Assim, a legislação brasileira atual demonstra que a família, hoje, é muito mais do que

simples amarras formais existentes entre entes descendentes. A realidade hodierna

mostra que o núcleo familiar é muito mais envolvente e acolhedor, pois traz a história de

cada um de seus componentes, inclusive daqueles entes que a família acolheu

generosamente. Indispensável, nesse passo, é a conclusão de Ramos (2000, p. 66):

[...] a sedimentação do novo discurso jurídico nos últimos anos direciona para uma releitura da instituição familiar, com destaque para a valorização dos laços afetivos, traduzidos numa comunhão espiritual e de vida, em prol da dignidade e solidariedade humanas. O reconhecimento desta nova função de família – núcleo unido pela comunhão de afeição e de vida entre um homem e uma mulher, ou entre a mãe e seu filho, ou o pai e seu filho –, objetivando promover a dignidade humana, justifica que o Direito positivo unifique sua proteção, recepcionando, ao lado da família matrimonializada, a família originada fora do casamento e a família monoparental, bem como fundamenta a igualdade entre todos os filhos, independente de sua origem, sejam filhos biológicos, sejam filhos havidos por adoção.

Claro se mostra, portanto, que ficou para trás o conceito de família como núcleo de

reprodução, passando a ser o centro de afeto e companheirismo. E assim, porque o

princípio da afetividade tem fundamento constitucional, pois projeta-se no campo

jurídico-constitucional a afirmação da natureza da família como grupo social fundado

especialmente nos laços de afetividade.

Lobo (2000, p. 245) indica três fundamentos essenciais do princípio da afetividade

constantes da Constituição Federal: igualdade dos filhos, independente da sua origem;

igualdade de direitos na adoção e comunidade formada por qualquer dos pais e seus

descendentes (incluindo os adotivos) que têm a mesma dignidade de família

constitucionalmente protegida. O caráter amplo que assume o conceito de família

demonstra que o afeto é que define a entidade familiar, incluindo pessoas em uma

família e fazendo com que haja partilha de vidas entre elas. Dessa forma, o repensar a

partir da noção de igualdade entre os filhos faz surgir novos valores que enriquecem o

instituto da adoção, cerne deste trabalho, no qual deve ser primordial a preocupação

com a pessoa do adotado e as verdadeiras condições da família em que está sendo

inserido, pois não existem mais os valores anteriormente reinantes nas relações

familiares, mas sim a preocupação com a afetividade e os seus reflexos positivos na

família. Oportuno, nesse passo, é citar Moor (2001, p. 60):

A família do futuro vai ser aquela que reúne os elementos individual, social e familiar, chamada indivíduo/social, em que prepondera a igualdade, respeito, a solidariedade e a afetividade. Nesta perspectiva, as dificuldades e conflitos não devem mais ser solucionados sob o texto frio da lei ou de acordo com concepções pessoais, religiosas ou provenientes de idéias estigmatizadas do saber unipessoal. A solução para os problemas familiares deve ser buscada a partir de teorias e métodos modernos; no estudo das causas e do porquê do relacionamento conflituoso, com auxílio preponderante de equipes interdisciplinares (psicólogos, terapeutas, sociólogos).

Trata essa idéia de analisar a questão da família, levando-se em consideração o

aspecto da conscientização geral da igualdade, pois somente assim, chegar-se-á à

família ideal. Nesse sentido, há de se ter a preocupação em desenvolver a adoção e a

idéia de família atual, de forma conjunta, a fim de que haja a efetivação prática da

igualdade, prevista constitucionalmente e recepcionada pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, o que pode se dar por meio de uma modificação no pensamento sobre

esses institutos no contexto da atualidade. E assim deve ser, pois, quando se estuda a

questão da família, deve levar-se em consideração a importância da igualdade, porque

somente assim se chegará à família ideal, que é a família indivíduo/sociedade, pondo

fim à hierarquia, e buscando o entendimento.

Tratadas todas essas questões relativas à família moderna, chega-se a outro

responsável pela proteção dos direitos da criança e do adolescente, a sociedade, que

também foi convocada para tal função, devendo ser incluída nesse contexto a

população em geral, os movimentos sociais, as entidades estatais e não-

governamentais, as instituições filantrópicas, os intelectuais, os juristas e todos aqueles

que participam de forma ativa no desenvolvimento dos infantes e adolescentes ou que,

indiretamente, auxiliam nos mecanismos de proteção, por meio de processos e

informação.

Por fim, tem-se a responsabilidade do Estado que, além de colocar a prioridade da

criança e adolescência dentro de suas políticas básicas, deve ainda concentrar sua

atuação nas demais áreas que a essa política sejam relativas. Especificamente sobre o

Poder Legislativo, tem esse o dever de criar mecanismos de proteção, exercendo a

função de promover programas afins por meio de suas bases políticas. Também o

Estado, pelo Poder Judiciário, é convocado, com o objetivo de aplicar de forma efetiva

as normas que tenham por fim impedir os desvios sociais e assegurar o direito ao

desenvolvimento regular e a estabilidade das relações familiares na sociedade,

proporcionando, ainda, ao jovem em situação irregular o atendimento respectivo nos

moldes dos princípios expostos no Estatuto.

Os direitos sociais garantidos pela Constituição Federal são auto-aplicáveis e

incontestáveis, estando entre eles a Previdência Social, a proteção à infância, a

assistência aos desamparados, além daqueles sociais ligados ao trabalho, tais como, o

salário família para os dependentes dos trabalhadores, um salário mínimo nacional

unificado e que atenda às necessidades básicas dos trabalhadores e respectivas

famílias, assim como a vedação ao trabalho dos menores de quatorze anos, com

exceção da condição de aprendiz. Também a saúde é dever do Estado e direito de

todos, como estipulado no art. 196 da Constituição Federal, que deu tratamento

especial à criança e ao adolescente em capítulo próprio e na legislação especial. Com

relação à educação, atingiu-se em grande avanço com a nova Constituição, pois houve,

inclusive, a fixação de percentuais mínimos obrigatórios no orçamento da União. Apesar

disso, o Brasil ainda possui milhões de analfabetos em todas as faixas etárias, o que

requer um programa prioritário para o atendimento imediato a essa deficiência.

Trata-se, portanto, de uma visão dos aspectos constitucionais de proteção da infância e

da adolescência, que só poderá se dar de forma concreta quando atendida uma série

de medidas, que não poderão servir de óbice à sua concretização, porque o homem é

titular de direitos que antecedem a instituição do Estado, razão pela qual lhe deve ser

assegurada uma esfera inviolável de proteção. Nesse contexto, a Constituição surge

como o instrumento de afirmação e proteção dos direitos humanos, como dispõe Luño

(2003, p. 24).

Assim, um dos mais importantes direitos que possui a criança, qual seja, o de ter e

pertencer a uma família, está objetivamente garantido na legislação nacional, pela da

Constituição Federal, em seus arts. 203, I; 226, § 6º; 227 e 229, bem como no Estatuto

da Criança e do Adolescente, em seus arts. 3º, 4º, 5º e 19 a 52. Trata-se de tema que já

era uma preocupação dos povos babilônicos, como lembra Liberatti (1995, p. 58),

sistematizado pelo Código de Hamurabi (1728-1686 a.C.): “106- Antes que um homem

possa adotar uma criança abandonada deverá antes procurar encontrar seus pais e se

os encontrar, deverá entregar-lhes o filho”. Observa-se que no campo internacional é

um tema que há muito vem despertando preocupação, como se pode ver da

Declaração dos Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1959, pela qual as Nações

Unidas proclamam a manutenção do vínculo familiar, prescrito no Princípio 6º. Desse

Princípio, deve ser destacado o desenvolvimento completo e harmonioso da

personalidade da criança, que precisa de amor e compreensão, criando-a, sempre que

possível, aos cuidados e responsabilidades dos pais, num ambiente de afeto e de

segurança material e moral, não sendo apartada de sua mãe, a não ser em casos

excepcionais.

Destarte, como muito bem asseverado por Liberati (1995, p. 58), o direito da criança de

viver em contato pleno com sua família biológica nada mais é do que a representação

pura e simples de um direito natural. E é por essa razão que as leis representativas do

Direito Positivo têm a obrigação de preservar, de maneira inconteste, a manutenção

desse vínculo, pois é no seio familiar que ocorre todo o desenvolvimento e socialização

da criança, adquirindo valores e normas de comportamento.

É bem verdade que há de se dar preferência à manutenção da criança em sua família

de origem e, conseqüentemente, no seu país de origem, deixando como última

alternativa a adoção por estrangeiros, como proclamou a Convenção de Nova York, de

26 de janeiro de 1990, estabelecendo, em seu art. 9º, n. 1,1 bem como a Convenção de

Haia de 1993, relativa à cooperação em matéria de adoção internacional, que em seu

Prólogo orienta que “[...] cada Estado deverá tomar, com caráter prioritário, medidas

adequadas que permitam manter a criança em sua família de origem [...]”.

Toda essa filosofia adotada pelas Nações Unidas2, difundida mundialmente em suas

Convenções, e que serviu de base para a edição do Estatuto da Criança e do

Adolescente, tem como lema a família como grupo fundamental da sociedade e

ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros e, em

particular, das crianças, que devem receber proteção e assistência necessárias a fim

de poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade,

reconhecendo, ainda, que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de

sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade,

amor e compreensão; devendo estar plenamente preparada para uma vida

independente na sociedade e ser educada de acordo com os ideais proclamados na

Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância,

liberdade, igualdade e solidariedade.

Em suma, a família tem como função primordial a afetividade, revelando-se como um

lugar onde cada indivíduo é aceito e acolhido com as suas peculiaridades, para que

possa se desenvolver amparado pela afetividade, amor e atenção recíproca. É um

direito natural inalienável da criança, que as normas legais têm a obrigação de proteger,

e o Estado o dever de fazer valer. Assim, se não é possível a garantia de uma família

natural para a criança e o adolescente, onde possam ser mantidos e formados com a

fruição dos seus direitos de maneira sadia e em conformidade com os objetivos do

Estado Democrático de Direito, que possam, então, exercer tais direitos no seio de uma

família substituta, por meio da adoção, que é a proposta deste estudo, assegurando-

lhes a convivência familiar e comunitária, a fim de que possam percorrer o caminho que

os guiem na integração da sociedade e do mundo.

1 Art. 9º, n. 1: “Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança”. 2 Disponível em <http://www.unicef.org/brazil/decl_dir.htm> Acesso em: 17 jan. 2004.

Denota-se que o desenvolvimento da criança e do adolescente implica ações que

contemplem a lei, especialmente no que diz respeito à família, como já tratado, e ainda

à educação, ao esporte e ao lazer. Desse modo, a evolução trazida pela globalização

fez com que fosse ampliado o reconhecimento da educação como forma de promoção

do desenvolvimento sustentável para a superação das desigualdades. Nesse passo, a

escola passou ter um novo papel, não mais se prendendo a ensinar a leitura e a escrita,

mas também se mostrando como importante instrumento na construção da cidadania

infanto-juvenil. Trata-se de um movimento global que exige do professor e da escola um

novo pensar, com perspectivas de desenvolvimento da criança e do adolescente para o

futuro, como esclarece Di Giorgio (2002, p. 147):

A escola deve avançar no sentido de ser legitimamente, institucionalmente e no imaginário social, uma entidade que cumpra socialmente uma função de dinamizadora cultural e social do seu entorno e é a partir do cumprimento dessa função mais ampla que ela poderá efetivamente atuar eficazmente no sentido de não mais instruir, mas educar crianças, jovens, adolescentes e também adultos.

Essa idéia se relaciona com os objetivos traçados pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente relacionados com a educação, contidos no art. 53, que são: pleno

desenvolvimento da criança e do adolescente, preparo para o exercício da cidadania e

qualificação para o trabalho. Entretanto, para a efetivação desses objetivos há

necessidade da ocorrência de diversos fatores, como maiores verbas para as escolas, a

relevância da formação do professor que, com a globalização, não mais atende às

exigências atuais de um mundo conectado. Isso porque a globalização envolve

mudanças de caráter social, político, econômico e legal, criando situações variáveis que

não encontram resguardo no modelo empregado. Além do mais, com a democratização

da educação, resultado do modelo socioeconômico atual, que impõe um sistema de

ensino de massas, surge a exigência de um novo posicionamento do professor, que

deve lidar com a informação como parte de seu conhecimento, a fim de trabalhar para a

construção de um nova ordem cidadã. Vale lembrar, entretanto, que a família e a

sociedade são também responsáveis por esse processo educativo, objetivando o

completo desenvolvimento da criança e do adolescente para o futuro.

Da mesma forma, o esporte e o lazer se enquadram nessa perspectiva de um futuro

melhor para a criança e o adolescente, como reconhecem e apontam, como direito

fundamental, a Constituição Federal, em seu art. 227, e o Estatuto Menorista, em seu

art. 4º. Por essa razão é que devem ser desenvolvidas políticas públicas nesse sentido,

para que sejam proporcionadas oportunidades aos infantes para se desenvolverem

adequadamente. Trata-se de uma conseqüência advinda com a globalização, que

contempla não só as atividades intelectuais mas também aquelas ligadas ao

desenvolvimento sadio e harmonioso da população infanto-juvenil. É por esse motivo

que a legislação não afastou a questão do esporte e do lazer, que fazem parte do

desenvolvimento infanto-juvenil, como uma resposta às demandas trazidas pela

globalização.

Assim, o desenvolvimento de uma criança e adolescente tem, na família e na

educação, incluindo o esporte e o lazer, o seu elemento básico e fundamental, razão

pela qual devem receber apoio, orientação, formação, promoção e sustentação,

mediante políticas sociais públicas para garantia dos direitos fundamentais dos infantes,

pois, apesar das transformações ocorridas na sociedade, nos planos social, econômico,

cultural, ético e político, a família e a educação permanecem como espaços

convenientes para o desenvolvimento da infância e da juventude, com capacidade de

transformar as crianças em cidadãos do mundo.

Conclui-se, portanto, que, em relação às regras e condutas ligadas à criança e ao

adolescente, seguiu-se uma trajetória histórica nas Constituições Federais e na

legislação específica que demonstram uma evolução na concepção e no tratamento

dispensados aos infantes. E o ápice nacional adveio com a Constituição Federal de

1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, regulando por completo os direitos

fundamentais infanto-juvenis, rompendo com um passado marcado pela violência e

pela discriminação, propiciando à criança e ao adolescente uma prioridade absoluta

para o Governo, para a família e para a sociedade em geral.

Os direitos humanos da criança e do adolescente, como dispostos na Carta da

República, estão inseridos dentre os direitos humanos que, para Luño (2003, p. 515)

constituem categorias que não podem desvincular-se dos ordenamentos jurídicos, sua

própria razão de ser se cifra em ser modelo e limite crítico das estruturas normativas e

institucionais positivas. Quando essa recepção se produz nos encontramos com os

direitos fundamentais, que são aqueles direitos humanos garantidos por um

ordenamento jurídico positivo, na maior parte dos casos em sua normativa

constitucional, e que gozam de uma tutela reforçada. Trata sempre de direitos humanos

positivados, cuja denominação evoca seu papel fundamentador do sistema jurídico e

político dos Estados de Direito.

Os tratados e as Declarações de Direitos da Organização das Nações Unidas

representaram grande avanço para a efetiva proteção dos direitos humanos, inclusive

quanto ao reconhecimento dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Por

isso a concepção deste trabalho visa destacar que a efetivação dos direitos humanos

não está limitada na esfera das relações internacionais pois, o efetivo respeito aos

direitos humanos no cotidiano do indivíduo, representa condição imprescindível para a

realização do Estado Democrático de Direito no mundo dos fatos, ainda mais tratando

de um país como o Brasil que tem em sua veia social resquícios do autoritarismo antes

dominante.

Por essa razão os indivíduos comprometidos com a proteção dos direitos humanos

devem buscar mecanismos técnico-jurídicos que auxiliem a concretização desses

direitos, e da sua efetiva aplicabilidade na vida dos cidadãos comuns.

3 PRESERVAÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA: A

ADOÇÃO COMO ALTERNATIVA

A humanidade está em constante evolução, buscando transformar o mundo em que

vive, objetivando torná-lo menos eivado de contrariedades. No entendimento de

Ferreira (2003, p. 1) essa busca tem o fim de aprimorar as técnicas produtoras de

instrumentos, relacionando-se com o mundo material e com regras de conduta, que se

dirigem às relações interindividuais. Assim, essa evolução, na atualidade, ganha um

contexto mundial, passando a ser tratada, a partir deste momento, de globalização.

Trata-se de uma nova ordem da qual advém conseqüências para toda a sociedade,

inclusive para as crianças e adolescentes, e obviamente para a educação e a família,

exigindo um novo pensar sobre o papel de cada um deles diante dessa novel realidade.

É importante asseverar que esse processo de quebra de fronteiras foi acompanhado

pela conquista de vários direitos relativos ao cidadão. Ao longo do tempo, muitos foram

os desafios enfrentados pela doutrina dos direitos humanos, podendo-se afirmar que

houve um processo de expansão gerado pelos fatos sociais, que exigiam o

reconhecimento de novos direitos que garantissem não só a convivência em harmonia

como também o respeito aos valores envolvidos, como já exposto neste trabalho.

Nesse contexto, merece destaque a Constituição de Weimar de 1919, que trouxe uma

nova visão sobre os direitos sociais, na qual se encontravam normas sobre casamento

e juventude, tendo servido de exemplo para diversas constituições de países europeus,

e até mesmo para a Carta Política brasileira de 1934. Entretanto, tem-se, somente após

a Segunda Grande Guerra Mundial, o reconhecimento dos direitos fundamentais, que

foram dispostos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948,

transformando-se em um marco nesse sentido. Mas, no tocante à criança e juventude,

a Constituição de Weimar já previa determinados direitos, como assevera Barboza

(2000, p. 202- 203):

No que respeita à infância e juventude, a Constituição de Weimar considerava que a educação da prole para o desenvolvimento corporal, espiritual e social constitui o dever supremo e um ‘direito natural dos pais’ (art. 120), deixando evidenciado que a criança e o adolescente faziam parte integrante do complexo familiar e como tal gozam de proteção do Estado.

Ainda sobre o tema, Perez Luño (1998, p. 40) lembra que a Constituição de Weimar foi,

durante muito tempo, o texto inspirador das cartas constitucionais que tenham tentado

conjugar um sistema de direitos fundamentais das liberdades com os direitos

econômicos, sociais e culturais. A partir de então, passa a criança a ter direito à vida, a

um nome, à nacionalidade, a preservar sua identidade, à liberdade de expressão e

opinião, bem como reconhecida a sua dignidade e os direitos iguais a todos os

membros da família humana. Assim, os princípios básicos da Convenção Internacional

Sobre os Direitos da Criança foram incorporados à Constituição Brasileira de 1988,

vindo o Estatuto da Criança e do Adolescente a concretizar os novos direitos inerentes

aos infantes, colocando em relevo o valor intrínseco da criança como ser humano e o

respeito essencial à sua condição de pessoa em desenvolvimento.

Para reafirmar o princípio do melhor interesse da criança, que já era previsto na

legislação brasileira, surgiu a adoção em sede constitucional, vindo como uma doutrina

de proteção integral com base na Declaração Universal dos Direitos da Criança,

adotada pela Organização das Nações Unidas em 1959. E assim deve ser, tendo em

vista que não é possível falar em adoção sem considerar a idéia de abandono de

crianças, bem como a realidade e os problemas específicos das regiões em que vivem,

e ainda as questões gerais sobre direitos humanos, pois, como leciona Luño (1998,

p.46), tais direitos devem ser entendidos como um conjunto de faculdades e instituições

que, em cada momento histórico, tornam concretas as exigências da dignidade, da

liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente

pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.

Desse modo, pode-se afirmar que hoje se torna induvidosa a existência dos direitos

fundamentais da criança e do adolescente, revelando-se imperioso, entretanto, que a

efetividade desses direitos esteja incluída nos trabalhos dos operadores do Direito que

atuam nessa área. Isso porque, mais uma vez encampando a lição de Luño (1998, p.

46), os direitos fundamentais possuem um sentido mais preciso e estrito, pois só

descrevem o conjunto de direitos e liberdades jurídica e institucionalmente

reconhecidos e garantidos pelo Direito Positivo, tratando-se sempre de direitos

delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação corresponde ao seu caráter

básico e fundamentador do sistema jurídico político do Estado de Direito.

Por essa razão, os direitos humanos se sobrepõem aos direitos fundamentais, como

ensina Jayme (2005, p. 3):

Os direitos humanos sobrelevam-se aos direitos fundamentais uma vez que a aplicação daqueles, apesar de supletiva, é posterior à destes, somente vindo a ocorrer quando as instituições nacionais recusarem-se, por qualquer razão, a garantir os direitos essenciais do ser humano.

Entretanto, hodiernamente, como já explicitado neste estudo, resta induvidoso que o

princípio do melhor interesse da criança, de observância indispensável para a

concretização dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, foi totalmente

incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, para a sua efetiva

aplicação, impende um trabalho de interpretação no confronto com as normas civis, a

fim de sejam plenamente efetivados. Segundo Barroso (1996, p. 141), para

interpretação das normas jurídicas, devem-se ter, como ponto de partida os princípios

constitucionais, que são os conjuntos que espelham a ideologia da Constituição, seus

postulados básicos e afins que compõem as normas eleitas pelo constituinte como

fundamento e qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. Assim, o citado

autor clama pelo dever maior do jurista, qual seja, o de pugnar pela eficácia social do

Direito, entendendo que o Direito existe para realizar-se.

Também a sociedade tem despertado maior interesse quanto aos direitos inerentes aos

infantes, pois vem observando com maior acuidade essas questões. Tanto é assim que,

em julho de 1990, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente em

substituição ao antigo do Código de Menores de 1979, objetivando definir os direitos da

criança e do adolescente como dever da família, da sociedade e do Estado, devendo

ser assegurados com absoluta prioridade. Surge, assim, a convivência familiar e

comunitária como uma das prerrogativas básicas e primordiais do ser humano.

Em se tratando o Brasil de um país que tem hoje 200.000 crianças abandonadas, e

195.000 delas se encontram em instituições, a adoção surge como instrumento

emergente para proporcionar uma família substituta para crianças e adolescentes que

estejam institucionalizadas, abandonadas de fato, e que, dessa forma, teriam atendidos

os seus direitos especificados na Constituição Federal e nas Declarações inerentes às

crianças e adolescentes.

Assim, na perspectiva da evolução que se opera na legislação brasileira, no tocante à

família, faz-se necessário um esforço conjunto para beneficiar as crianças e

adolescentes que não lograram êxito em nascer em uma família estruturada com

capacidade para proporcionar-lhes o necessário para a realização plena de todos os

seus direitos mundial e constitucionalmente garantidos, mesmo que seja por meio

alternativo proposto por este trabalho, qual seja, a adoção.

3.1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO

Falar do instituto da adoção remonta à Antiguidade, quando se encontram casos como

o dos gêmeos Rômulo e Remo, adotados por uma loba, e posteriormente por Faustulo

e Aca Laurentia, bem como a previsão constante do Código de Manu, da Índia do

Século XIII, que dizia: “Aquele a quem a natureza não deu filhos, pode adotar um para

que as cerimônias fúnebres não cessem”. Da mesma forma, o art. 185 do Código de

Hamurabi: “Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho,

criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem". Também na Bíblia

destacam-se alguns registros relativos à adoção, como a de Termulos, filha do faraó

egípcio, ao adotar Moisés, que fora encontrado às margens do rio Nilo. Esse episódio,

inclusive, é tido como a primeira adoção internacional então registrada.

Tem-se que na Grécia a adoção existiu como forma de perpetuar o culto familiar pela

linha masculina, assim como na hipótese de falecimento do pater familias, quando não

houvesse herdeiro, ou seja, pessoa capaz de continuar o culto aos deuses-lares, a

adoção supria essa finalidade. No entanto, esse instituto difundiu-se de forma plena

pelo Direito romano, que possuía disciplina e ordenamento jurídico sistemático no

Código de Justiniano, pelo qual um chefe de família sem herdeiros podia adotar como

filho um menino de outra família. Dispunha que o adotado deveria receber o nome do

adotante bem como herdar seus bens.

Assim, pode-se concluir que o princípio basilar da adoção na Antiguidade, que foi

absorvido pelo direito civil contemporâneo, era o de que a adoção não poderia se

afastar da filiação natural: adoptio naturam. É importante ressaltar, entretanto, que o

objetivo da adoção nas culturas latina, grega ou hindu era simplesmente dar herdeiros

patrimoniais e culturais às famílias que não os tivessem pelo modo natural

consangüíneo, e que pretendessem manter o culto doméstico aos seus antepassados

ou aos seus deuses pessoais.

Na Idade Média, época na qual reinava o Direito Canônico, o instituto não foi

contemplado na legislação eclesiástica. Diz-se que tal doutrina entendia ser a família

cristã apenas aquela oriunda do sacramento matrimonial, como se afirmava também

que a adoção afrontava diretamente os interesses econômico-financeiros da Igreja

Católica, razões pelas quais houve uma diminuição significativa da adoção nessa

época.

Sabe-se que a legislação francesa influenciou diversas culturas, inclusive a brasileira,

por isso é importante ressaltar que, na Idade Moderna, quando da Revolução Francesa,

a adoção voltou a ser apresentada, o que se deu de forma clara pelo Código de

Napoleão, de 1804. Posteriormente a esse período, as adoções hoje foram agravadas

pelo êxodo rural, a rápida industrialização, o progresso da tecnologia e a

superpopulação urbana, ocorridos em diversos países, como lembra Albergaria (1996,

p. 31), seguindo entendimento de Grace Abbot, afirma que:

[...] foi nos Estados Unidos que a adoção adquiriu sua nova fisionomia, após rápida evolução. O Estado de Michigan, ao editar sua lei em 1891, condicionava a decisão a uma prévia investigação e reconhecia o Estado pela primeira vez o seu interesse em assegurar a adoção com sucesso. O exemplo foi seguido por outros Estados.

No entanto, os registros de casos de adoção internacional começam a surgir no início

do século XX, nos países vítimas de guerras e catástrofes naturais, e aumentando

ainda mais após a Segunda Grande Guerra Mundial, como esclarece Costa (1998, p.

58):

É conhecido que ao fim do segundo conflito mundial emergiram nos países envolvidos multidões de crianças órfãs sem qualquer possibilidade de acolhimento em suas próprias famílias. Se por um lado, a opinião pública experimentou a necessidade de amparar os pequenos órfãos, por outro, os governos, ainda que conscientes da responsabilidade por sua proteção, não se achavam preparados para enfrentar um problema de tamanha envergadura. A adoção de crianças por parte de famílias de países que haviam sofrido, em menores proporções, as conseqüências do conflito, surgiu, então, como a melhor alternativa produzida por um encontro de vontades: a comunidade sensibilizada com o drama das crianças que tiveram suas famílias dizimadas e os governos interessados em dar solução aceitável a uma questão que por si só não podiam equacionar.

Esse mesmo autor lembra que, após esse período, com o sucesso do Plano Marshall,

que possibilitou o soerguimento econômico da Europa, somado à política de controle de

natalidade e à legalização do aborto, acabaram provocando um declínio nas taxas de

natalidade dos países desenvolvidos. Por essa razão, e diante da ausência de crianças

disponíveis para adoção, casais norte-americanos e da Europa Ocidental passaram a

dirigir sua atenção aos países do Continente Asiático, subdesenvolvidos e

extremamente pobres. Afirma Costa (1998, p. 60):

Verifica-se, então, nos anos 60 e 70, uma mudança no direcionamento das adoções internacionais, que passam a ser feitas na Ásia, principalmente, na Coréia, onde milhares de crianças órfãs e desnutridas despertaram sentimentos ao mesmo tempo de culpa e solidariedade nos países industrializados.

E foi com esse fluxo asiático que a adoção internacional adquiriu, definitivamente, suas

características fundamentais que ainda persistem na atualidade, quais sejam, as

crianças adotadas são provenientes de países com alto índice demográfico e baixo

desenvolvimento econômico, e os adotantes são indivíduos que vivem em países ricos

e industrializados, especialmente da Europa e dos Estados Unidos.

Após a década de 70, quando o número de crianças adotáveis na Ásia começou a

diminuir, os interesses dos Países do Primeiro Mundo passaram a ser dirigidos para a

América Latina, que, desde aquela época, já atravessava sérios problemas

econômicos, com graves questões sociais, como descreve Costa (1998, p. 62/63):

Numerosos casais sem filhos biológicos, alimentados pela idéia de milhões de crianças abandonadas, em nossa região, partem numa busca quase desesperada de menores adotáveis, dirigindo-se diretamente às autoridades judiciárias ou se utilizando de imtermediários particulares, que passam a procurá-los para seus clientes, muitos se envolvendo em atividades ilícitas para conseguí-los. [...] deve-se ressaltar que as facilidades trazidas pelos meios de comunicação de longa distância favoreceram a divulgação de informações e agilizaram os pedidos de adoção vindos do exterior. Da mesma maneira foram facilitados os intercâmbios e os auxílios filantrópicos e de cooperação entre países ricos e pobres, o que contribuiu para o aumento dessas adoções.

Após esse período, somente no fim da década de 80 é que essa situação veio a ser

alterada, mediante revisões legislativas internas dos países da América Latina, com o

objetivo primordial de impedir a saída indiscriminada de crianças, coibindo os abusos

que se verificavam com a edição de normas mais restritivas e, sobretudo, em respeito

aos princípios consagrados na Convenção de Haia de 1993.

A verdade é que houve uma intensa evolução da adoção internacional até os tempos

modernos, entretanto essas mudanças não trouxeram maiores benefícios para os

adotados. Sobre esse ponto, destaca Figueiredo (2002, p. 17):

Do culto aos deuses de família e de suprir carências para os casais sem filhos, para uma visão equivocada de que se trata de um instrumento caritativo ou que tem a possibilidade de resolver genericamente problemas sociais de uma nação, este foi o verdadeiro trajeto do instituto da adoção. Juridicamente, em praticamente todo o mundo ocidental, o mesmo se materializava de forma extremamente simples, regido pelo princípio da autonomia da vontade das partes, mediante a lavratura de uma escritura pública para tornar o ato erga omnes . (grifo do autor)

Observa-se tal evolução quando se parte da corrente contratualista, que tratava a

adoção como um negócio jurídico, para a corrente publicista, que entende a adoção

como um instituto de direito público, e mostrando a importante função político-social do

instituto. Assim, com o passar dos anos, o que se viu foi a publicização do instituto, bem

como a divulgação da idéia de que o que se busca é uma família para uma criança (e

não a equivocada e antiga idéia de “uma criança para uma família”), fazendo-se

constar, em quase todas as legislações mundiais, não obstante as diferentes realidades

de cada país.

Segundo dados colhidos com a Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional

do Estado do Espírito Santo (CEJAI-ES), para demonstrar a discrepância existente

entre os países de Primeiro Mundo para com os países de Terceiro, com relação a esse

instituto, pode-se observar os países europeus, onde há elevado nível de vida, com

baixas taxas de natalidade, chegando a crescimento demográfico negativo. Essa

realidade não significa que não ocorram abandonos naquela região, entretanto, tais

abandonos encontram amparo na rede pública, com qualidade inigualável. Esses

abandonos, na maioria das vezes, são resultantes de mães usuárias de drogas, que

perdem a guarda dos filhos em conseqüência de uma legislação rigorosa.

Podem ser destacados outros fatores que influenciam a redução de crianças a serem

adotadas nesses países, como o uso ordenado de contraceptivos, ou a possibilidade da

realização de aborto legal, aliados ao aumento de casos de infertilidade, tão comuns

neste mundo moderno. Todos esses fatores, somados a outros específicos de cada

país daquele continente, levaram a adoção internacional para os países de Terceiro

Mundo, diante da miséria absoluta em que se encontram suas crianças, cujas famílias

estão abaixo da linha da pobreza, vivendo sem as mínimas condições de dignidade.

Assim, conforme esse levantamento, a realidade atual demonstra o acréscimo de

pessoas dos países ricos interessadas em adotar, que partem para os países menos

favorecidos por não encontrarem crianças disponíveis para adoção em seu país de

origem. A globalização que se expande sem medida traz consigo uma série de

conseqüências, pois os problemas que afetam a humanidade também atravessam

fronteiras, fazendo com que as relevantes questões econômicas, sociais, políticas e

ecológicas, partam do nacional para o transnacional, gerando vítimas nos países que

não oferecem política pública decente, nem tampouco incentivam a manutenção da

criança no seio da sua família.

Atualmente, segundo a referida pesquisa da CEJAI-ES, observa-se uma diminuição das

adoções de crianças de origem latina e o aumento para aquelas originadas do Leste

Europeu e da China, por razões que parecem óbvias, como a semelhança de biotipo,

bem como a existência de máfias que controlam todas as atividades lucrativas nesses

territórios. Entretanto, tal quadro parece permanecer por pouco tempo, pois tais países

vêm se adequando com relação à própria economia, alterando suas legislações e

aderindo às convenções internacionais, obviamente para a sua própria sobrevivência.

Percebe-se, com essa realidade, que somente nos países do Terceiro Mundo não há a

preocupação devida do Estado com essas crianças e suas famílias, que se encontram

em total desamparo. Ao invés de direcionar seus esforços para diminuir as

desigualdades sociais e regionais, com melhor distribuição de renda e geração de

empregos com capacidade de fortalecer os vínculos familiares nas camadas pobres da

população, o que de fato ocorre é que o Poder Público acaba retirando de si mesmo

essa responsabilidade, fazendo com que o direito à família natural não seja uma

prioridade. A adoção passa, então, a ser a solução para esse caos social.

No Brasil, a adoção surge por influência das Ordenações do Reino de Portugal,

passando a vigorar unicamente consoante o Código Civil de 1916. Durante anos, vigeu

um sistema de adoção que privilegiava dar filhos aos casais que não os podiam ter,

sem dar muita ênfase aos direitos dos filhos adotivos, até o advento da Constituição

Federal de 1988 e posteriormente o Estatuto da Criança e do Adolescente, que visa ao

melhor interesse da criança e do adolescente, prevalecendo os direitos destes, acima

de qualquer outro. O duplo sistema de adoção que vigia até o Novo Código Civil

dispunha de princípios tão díspares, que defini-los sob o mesmo prisma, praticamente,

se torna uma difícil missão. O Código Civil de 2002 também traz disposições sobre a

adoção, entretanto não revoga, expressa ou tacitamente, a Lei n.º 8.069/90, o que pode

gerar algumas divergências interpretativas. No entanto, analisando o art. 267 da citada

Lei que dita “Revogam-se as Leis nºs 4.513 de 1964 e 6.697 de 10 de outubro de 1979

(Código de Menores) e as demais disposições em contrário”, pode-se concluir,

conforme o pensamento de Siqueira (2004, p. 51):

Analisando-se, com atenção, verificaremos que o espírito da lei, a vontade e a intenção do legislador foi, em definitivo, banir a adoção restrita, a adoção-

contrato, deixando apenas em vigor a adoção plena, de caráter irrevogável e irretratável destinada, única e especificamente, para proteger a criança e os adolescentes, isto é, menores de 18 anos.

Aclarado esse ponto, há de ser asseverado que, dentre todas as ordens normativas,

pode-se destacar o Código de Menores como legislação que proporcionou grande

evolução ao instituto da adoção, uma vez que concentrou o seu objetivo na proteção

integral do menor sem família. Apesar disso, o Código Civil persistia na idéia da adoção

simples, mediante contrato e escritura pública, o que demonstrava um retrocesso à

evolução trazida pelo Código de Menores, como salienta Aguiar Moura, citado por

Albergaria (1996, p. 37) :

Para a lei é bastante a escritura pública (art. 375). Mas assim não deveria ser. Trata-se de um ato importantíssimo do Direito de Família e que modifica o estado da pessoa e a relação de parentesco, portanto, como conseqüências muito sérias para o adotante e o adotado. Influi mesmo na esfera jurídica de outras pessoas na hipótese de impedimentos matrimoniais e mesmo de direitos sucessórios. Não afina com a lógica dos direitos personalíssimos, ligados ao estado da pessoa, que possam os particulares alterar, sem a intervenção de órgão jurisdicional.

Diante de tal exposição, pode-se ter que o Código de Menores, de forma muito mais

ampla do que o Código Civil, previa a intervenção do Estado no procedimento judicial

da adoção simples, não só para exercer o controle da legalidade, mas também o juízo

de oportunidade ou de conveniência dessa adoção. Assim, há de se lamentar que

muitos anos se passaram, até que a adoção atingisse a sua a meta final de evolução.

Da mesma forma, quanto às adoções internacionais no Brasil, estas se realizavam por

meio de simples escrituras públicas, vindo a Lei 6.679/79 (Código de Menores) fixar

critérios objetivos para a sua concessão. Tratava aquela legislação que somente as

crianças que se encontravam desprovidas de alimentação, educação, vestuário, saúde

e lazer poderiam ser adotadas, ou seja, somente aqueles infantes de pais

hipossuficientes é que poderiam ser adotados. Naquela época, o procedimento para

tais adoções se dava de modo altamente inapropriado, cuja titulação era “verificatório

simples cumulado com adoção”, como lembra Figueiredo (2002, p. 38):

[...] o estrangeiro peticionava por intermédio de advogado, a mãe era citada e intimada a comparecer a uma audiência na qual verbalizava o desejo de que o seu filho fosse adotado pelo casal alienígena, sendo que muitas vezes os estrangeiros nem se faziam presentes, mas representados por terceiros através de instrumento procuratório. Após tal audiência, o Juiz concedia uma ‘guarda pré-adotiva’, e o estágio de convivência era realizado no exterior, por um ou dois anos, até que para Lei do outro país fosse possível a consumação da adoção. Isto feito, os adotantes remetiam pelo correio um relatório de estágio de convivência (feito pelo órgão governamental ou entidade ali credenciada), abria-se vista ao Ministério Público e, após o seu parecer, o Juiz prolatava uma sentença deferindo a adoção, a qual se materializava através de uma escritura pública, sendo que na decisão era nomeado um terceiro com procurador da criança para que o Juiz estrangeiro decidisse pela adoção em seu país.

Várias eram as conseqüências desse rito totalmente contrário ao interesse da criança.

Dentre elas, podem-se destacar: muitas sentenças prolatadas nos países estrangeiros

se davam com base apenas na guarda pré-adotiva, por isso muitos dos processos de

adoção no Brasil jamais foram concluídos; existência da casos de crianças que não se

adaptaram, sendo transferidas para famílias diversas, ou encaminhadas a orfanatos,

quando não eram deportadas de volta ao Brasil, muitas vezes já sem falar a língua

pátria; muitas crianças eram abandonadas, e acabavam por pedir esmolas na ruas, sem

que houvesse qualquer tipo de sanção para os pais adotivos; os pais brasileiros

perdiam seus filhos pelo simples fato de serem pobres; os pais adotantes e as crianças

adotadas se conheciam falando línguas distintas, sem ter uma pessoa que os

apresentasse devidamente, para que houvesse uma aproximação adequada, trazendo,

com isso, dificuldades insuperáveis para ambos os lados.

O que se via, de fato, é que o controle das adoções internacionais era muito inferior aos

utilizados nas adoções nacionais. A justificativa parece pairar na extrema valorização

das condições materiais dos estrangeiros oriundos dos países desenvolvidos, deixando

de lado a cultura de nossa raça, nossas raízes, a família natural, bem primordial

ignorado sem reservas, tendo como conseqüência a despreocupação desmedida com

a construção da nação brasileira. Também deve ser levada em consideração a

ausência de previsão constitucional sobre o tema, que só exsurgiu com a Constituição

de 1988, bem como de normas processuais específicas, tudo isso por pairar sobre as

cabeças dos brasileiros uma equivocada noção de que a adoção é ato de caridade, e,

sendo assim, melhor seria encaminhar a criança a uma família substituta estrangeira do

que mantê-la com os pais biológicos sem condições financeiras.

O Código de Menores deu o primeiro passo, mas foi a partir da promulgação da

Constituição Federal de 1988, bem como da vigência do Estatuto da Criança e do

Adolescente que muitos caminhos foram percorridos, limitando a adoção em adoção

plena, ensejando a intervenção do Estado no Direito de Família. A adoção passou a ter

um tratamento diferenciado, quando houve a criação nos âmbitos estaduais das

CEJAs, que passaram a efetuar um controle eficiente e obrigatório, com cadastro de

pretendentes estrangeiros em todas as comarcas.

Felizmente, a visão equivocada anteriormente reinante vem se dissipando com a

publicização do instituto da adoção, reconhecendo-a como um instituto de direito

público e mostrando a sua importante função político-social, o que sói acontecer em

momento mais do que oportuno, pois, quando a realidade do abandono e da existência

abaixo da linha da pobreza dos menores deste país parece se aproximar de cada

indivíduo, a preocupação passa a ser geral, surgindo, então, um controle legal interno

eficiente e uma cooperação internacional que vem se ampliando, à medida que vai

explodindo o fenômeno da globalização, como se verá nos tópicos seguintes.

3.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO

A adoção, ao longo da história, é vista como um instituto cujo motivo de existência foi a

família, como forma de salvaguardar a extinção das famílias sem descendentes, o que

era indispensável nas civilizações antigas. Hodiernamente, para a terminologia jurídica,

o instituto da adoção é uma modalidade artificial de filiação pela qual se aceita como

filho, de forma voluntária e legal, um estranho no seio familiar. Como lembra Siqueira

(2004, p. 25), os conceitos básicos que definem o instituto da adoção derivam

basicamente do pensamento de Cícero: “adotar é pedir à religião e à lei aquilo que da

natureza não se pode obter”. Baseando-se nesse entendimento, Siqueira assim se

manifesta sobre a adoção:

É evidente que adotar é conceber espiritualmente uma criança como filho, é uma inseminação artificial jurídica. Assim, entendemos, pois que o filho é concebido biológica e espiritualmente. Entre o filho natural e o adotado existe semelhança: o primeiro é concebido por uma afinidade biogenética; o segundo, recebido por afinidade cristã-espiritual. Em ambas existe a ‘concepção’ sem a qual não se perfaz a raiz da adoção para que brote a árvore da família com os frutos do amor desejado.

Assim, as diversas legislações se baseiam nesse entendimento, que define a adoção

como ato de tomar por filho o que não o é por natureza. Entretanto, esse conceito vem

sofrendo mutações temporais, como se pode ver do grande número de conceitos

surgidos com o passar do tempo. Desse modo, analisando a adoção desde sua origem,

Liberati (1995, p. 13) diz que “[...] deriva do latim adoptio , que significa dar seu próprio

nome a, pôr um nome em; tendo, em linguagem mais popular, o sentido de acolher

alguém”.(grifo do autor) No entanto, para a doutrina, tem-se na lição de Diniz (1999, p.

346) que adoção “[...] é um instituto de caráter humanitário, que tem por um lado, por

escopo dar filhos àqueles a quem a natureza negou e por outro lado uma finalidade

assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e material do

adotado”. A verdade é que muitas correntes se formaram no decorrer dos tempos,

quando então o instituto da adoção passou a materializar-se de forma simples, pela

vontade das partes e a conseqüente lavratura de escritura pública, a fim de tornar tal

ato erga omnes. Trata-se, então, de uma visão privativista (ou contratualista), na lição

de Figueiredo (2002, p. 17), que traz as seguintes leituras, citando diversos civilistas

brasileiros, a saber:

a) Pontes de Miranda: ato solene pelo qual se cria entre adotante e adotado relação fictícia de paternidade e filiação. b) Caio Mário da Silva Pereira: adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim. c) Carvalho Santos: ato jurídico que estabelece entre duas pessoas relações civis de paternidade e filiação. d) Clóvis Bevilacqua: ato civil, pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho. e) Orlando Gomes: ato jurídico pelo qual o vínculo de filiação é criado artificlamente.

f) Silvio Rodrigues: ato do adotante pelo qual traz ele para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha.

Essa corrente contratualista se identifica com a filosofia do movimento histórico-jurídico

do século XIX, que considerava a autonomia da vontade como princípio, no qual o

Estado ocupava uma posição passiva. Posteriormente, houve a crise do individualismo,

quando, então, surgiu o Estado Intervencionista (Estado Social), o que ocasionou o fim

da autonomia da vontade. Nessa segunda fase, a adoção não tem o caráter

patrimonial, mas dá a idéia de proteção à infância carente, passando, dessa forma, a se

revelar como um ato jurídico, conforme define Bonnecasse, citado por Albergaria (1996,

p. 47):

É uma manifestação exterior de vontade, bilateral ou unilateral, cujo fim direto é criar, sobre o fundamento da regra de direito ou de uma instituição jurídica, contra ou a favor de uma ou várias pessoas num estado ou situação jurídica permanente e geral ou um efeito limitado que reduz na formação, modificação da regra de direito.

Ainda sobre a corrente contratualista, Figueiredo (2002, p. 17) assevera que tal

entendimento encara a adoção como negócio jurídico, encontrando resistência na

corrente publicista, que entende a adoção como um instituto de direito público, sendo

certo que esta última vem se firmando, diante do reconhecido grau político social do

instituto da adoção.Tal mudança de procedimento deveu-se justamente ao fato de que

o tratamento anteriormente dispensado à adoção dependia das regras privativistas do

Código Civil, o que foi sendo abolido, primeiramente pelo Código de Menores e

atualmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que traz disposições totalmente

delineadas na corrente publicista, segundo a qual interessa a natureza jurídica da

adoção. Sob esse aspecto, é oportuna a lição de Alves, citado por Figueiredo (2002, p.

18):

Interessa-nos mais a natureza jurídica da adoção, quando a maioria dos doutrinadores aludem ao seu caráter contratual, dizendo-a como um contrato sinalagmático e solene, em virtude do qual concordam em vincular-se o adotante e o adotado, mediante relações próprias da filiação jurídica, impostos a forma especial e os requisitos para as partes, subordinando-se o ato de adoção a uma declaração de vontade do adotante que só produz efeito com o consentimento do adotado ou do seu representante legal.

[...] Hoje, predominantemente a concepção publicista da adoção, cuida-se, em sua natureza, de instituto de ordem pública, o que justifica modernamente a sua existência e a fundamenta como uma relação jurídica resultante da combinação de dois interesses, um prevalente ou protegido, outro subordinado – como defendeu Carnelutti, fugindo à noção clássica e civilista de contrato.

E assim o é, pois, hodiernamente, a adoção é tratada como um instituto de ordem

pública e requer grande interesse do Estado. Ademais, após a edição da Lei 8.069/90

(Estatuto da Criança e do Adolescente), a natureza jurídica da adoção passou a ser a

constituição de um vínculo irrevogável de paternidade e filiação, mediante sentença

judicial. Nesse passo, merece destaque o entendimento trazido à baila por Liberati

(1995, p. 18) que, citando o professor Bem Kaus, assim expôs:

Com relação à adoção do novo Estatuto, não se pode considerar a simples biteralidade da manifestação da vontade que, aliás, a nova lei exige, para admitirmo-la como contrato. A participação do Estado é tão presente que o instituto escapa da ordem privativista para poder ser considerado, desenganadamente, como instituição ou instituto de ordem pública.

Assim, vê-se que a adoção irá valer se observados os interesses do adotando e do

adotante, mas sempre à luz do interesse público, que nada mais é do que o interesse

geral que se dará com a presença do Estado como chancelador do ato. Aclarado, pois,

tratar-se a adoção de um instituto de ordem pública, “[...] cuja autoridade e importância

do interesse juridicamente tutelado prevalecem sobre a vontade e manifestação dos

interessados, vez que o novo ordenamento legal impõe uma condição de validade para

o ato: a sentença judicial”, conforme conclui Liberati (1995, p. 19-20). Trata-se aqui de

uma concepção da adoção como instituição jurídica, fundada no Estado

Intervencionista ou Estado Social de Direito, que tinha como prioridade modificar as

relações sociais em prol dos mais fracos da sociedade. A adoção acaba, então, por

permitir a intervenção do Estado no Direito de Família, como assevera Albergaria (1996,

p. 44):

Silvio Rodrigues faz observação análoga, ao acentuar a função protetora do pátrio poder, que transcende a órbita do Direito Privado para ingressar na órbita do Direito Público. É um múnus público imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo interesse dos filhos. É do interesse do Estado a proteção de gerações novas, pois ela constitui matéria-prima da sociedade futura.

Essa transcendência da órbita do Direito Privado para ingressar no Direito Público se

mostra mais evidente no Estado Democrático de Direito, novel Constituição brasileira,

cuja concepção demonstra uma ligação de princípios do Estado Liberal e do Estado

Social, que estaria a serviço de uma minoria, mas também a serviço do progresso de

cada cidadão. É essa a função do Estado Democrático de Direito que destaca a

responsabilidade do Estado, da Sociedade e da Família na proteção da criança e do

adolescente, como preceituado pelo art. 227 da Constituição Federal. Entretanto, há de

se asseverar que a proteção do menor pelo Estado não significa a substituição da

autoridade paternal pela autoridade do Estado, como adverte Albergaria (1996, p. 45):

O menor pertence a si mesmo, ao seu destino pessoal, que transcende o tempo e não pode ser absorvido pelo Estado, sob pena de desfigurar a sua personalidade ou degradar a sua dignidade. Ora, acentua Savatier, a família e o Estado são feitos para o homem, e não o homem para família e o Estado.

E assim deve ser, pois o Estado Democrático de Direito tem função protetora que se

põe à disposição de todos os indivíduos, como assevera Perez Luño (2003, p. 212) ao

afirmar que, na transição para o Estado Democrático de Direito, a Administração

responsabiliza-se pela tarefa de proporcionar a todos os cidadãos as suas

necessidades básicas, a fim de propiciar-lhes o pleno desenvolvimento da sua

personalidade. Assim, denota-se que a natureza jurídica da adoção se modifica com o

passar do tempo. Passa por um processo de evolução, atendendo, atualmente, ao

Estado Democrático de Direito. Cabe, então, a definição de Marmitt (1993, p. 8) sobre a

adoção:

Hodiernamente é um instituto de ordem pública, através do que, pela intervenção judicial, entre pessoas estranhas ou não, são criadas relações de paternidade e filiação à semelhança da filiação biológica. É um ato jurídico pelo qual alguém recebe outrem como filho, parente ou não, dando nascimento a uma relação jurídica da paternidade e filiação, em fiel imitação à filiação biológica. A qualquer luz é ficção jurídica, vinculadora do adotante ao adotado por laços de paternidade e de filiação. É portanto, um instituto jurídico-protetivo através do qual o adotante outorga o estado de filho ao adotado, gerando efeitos pessoais e sucessórios idênticos aos da filiação consangüínea.

O certo é que o vínculo criado pela adoção visa a imitar a filiação natural, qual seja,

aquele oriundo de sangue, genético ou biológico, razão pela qual também é conhecida

como filiação civil. Quanto à sua conveniência, entretanto, muito se discute: em relação

à criança ou ao adolescente carente ou abandonado, é inafastável; quanto àquele que

não se encontra numa das situações acima elencadas, há quem diga que possibilita a

fraude fiscal, tráfico de menores, ou outros casos eivados de ilegalidade. Enfim, cabe a

definição de adoção adotada por Febres Cordero, citado por Albergaria (1996, p. 48):

É uma instituição jurídica, solene e de ordem pública, com a intervenção do poder judicial, pela qual se criam entre duas pessoas que podem ser estranhas entre elas, vínculos semelhantes aqueles que existem entre o pai ou a mãe unidas em registros , matrimônio e seus filhos.

Quanto à adoção internacional, a doutrina tem entendido que possui duas vertentes,

como leciona Albergaria (1996, p. 121), para quem tais vertentes podem ser vistas da

seguinte forma:

[...] a primeira a focaliza como instrumento de política social do menor ou forma de cooperação internacional. A segunda a considera como meio de agressão ao Terceiro Mundo, persistência do colonialismo externo, com a evasão massiva de braços e cérebros, esvaziando os países subdesenvolvidos de gerações de trabalhadores manuais ou intelectuais como se deduziu de sucessivas crises no Vietnã, Camboja e Bangladesh.

A verdade é que a adoção internacional se relaciona com a adoção nacional, devendo

levar-se em consideração os aspectos sociais, culturais e políticos dos países

envolvidos, como será analisado no tópico que tratará dos aspectos gerais deste

instituto. Apesar disso, cabe a conceituação de Liberati (1995, p. 34) sobre a adoção

internacional:

[...] em 07.03.1983, o Instituto del Niño, órgão da Organização dos Estados Americanos – OEA – reunido na cidade de Quito, para a III Conferência Interamericana de Direito Privado, elaborou as Bases para un Proyecto de Convención Interamericana sobre Adopción de Menores ’, definindo o art. 1º que ‘a adoção internacional de menores como aquela em que os adotantes e o adotado tenham residência habitual em países diferentes. (grifos do autor)

E complementa Liberati (1995, p. 17), citando o civilista português Antunes Varela: “[...]

hoje em dia, a adoção deixa de estar centrada na pessoa do adotante, nos seus

interesses ou na sua piedade, para revestir o caráter de verdadeira instituição social,

para se volver para os interesses do adotado”. Assim, tem-se que a adoção

internacional é o instituto jurídico de ordem pública que concede a uma criança ou

adolescente em estado de abandono a possibilidade de viver em um novo lar, em outro

país, assegurados o bem-estar e a educação, desde que obedecidas as normas do

país do adotado e do adotante, como pondera Costa (1998, p. 58):

A adoção internacional é uma instituição jurídica de proteção e integração familiar de crianças e adolescentes abandonados ou afastados de sua família de origem, pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural da procriação, um vínculo de paternidade e filiação entre pessoas radicadas em distintos Estados: a pessoa do adotante com residência habitual em um país e a pessoa do adotado com residência habitual em outro.

Pode-se ter, enfim, que a adoção é um instituto de ordem pública de grande interesse

do Estado, originado da própria realidade social, não sendo criado pela lei, mas

regulamentado pelo direito positivo acompanhando a realidade existente. Desse modo,

diante da natureza jurídica de tal instituto, tem este como objetivo criar uma relação de

parentesco entre pais e filhos, que não se dá pela consangüinidade, mas por um ato

jurídico voluntário, denominado adoção, que traz consigo uma série de conseqüências,

deveres e direitos, não só para os pais e filhos, mas também para o Estado, como se

verá no decorrer deste trabalho.

3.2.1 ADOÇÃO INTERNACIONAL

Como asseverado, a Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 227, sobre os

direitos da criança e do adolescente, que passam a ser titulares de interesses

juridicamente protegidos, tendo o Estado, a família e a sociedade como titulares

subordinados. Esse dispositivo demonstra, então, que o Direito brasileiro adotou a

teoria da proteção integral e, dentre as formas de adoção da criança e do adolescente,

está inserida a adoção prevista no § 5º do art. 227, que dita que “[...] será assistida pelo

Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação

por parte de estrangeiros”. Assim foi editada a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do

Adolescente), que admite a colocação de criança em família estrangeira no modalidade

de adoção e ainda estabelece as condições para que essa permissão seja levada a

efeito. Percebe-se, dessa forma, que a adoção internacional é um instituto de índole

constitucional e como tal deve ser tratado.

No Brasil, o instituto da adoção internacional nem sempre constou do Textos

Constitucionais, como se pode ver da Carta Outorgada de 1824 e da 1ª Constituição

Republicana de 1891. A Constituição de 1934 apresentava, então, os primeiros

registros no tocante à família e ao reconhecimento dos filhos naturais, vindo a

Constituição de 1937 ampliar esses registros, ao se referir às obrigações do Estado

com os seus governados, como a de propiciar educação, cuidados especiais à infância

e juventude abandonada moral, intelectual ou fisicamente, provendo-lhes condições de

conforto e cuidado, dentre outros. Entretanto, todos os textos não chegam a se referir à

adoção. As Constituições posteriores, como as de 1946 e de 1967 nada acrescentaram

além do que as anteriores estabeleciam, ainda mais em se tratando esta última de

Carta cuja redação se dera no auge da ditadura militar.

Sobre o tema aqui abordado, oportuna é a lição de Figueiredo (2002, p. 60), que

analisa a questão com duas reflexões:

[...] o fato de determinado direito se encontrar contido em texto constitucional não significa a sua implementação no ‘Mundo da Vida’, pois salta aos olhos, para quem tem um mínimo de noção de história recente do País, que os direitos sociais alongados da CF/37 não foram implantados e apenas consubstanciam uma espécie de modismo da época do chamado Estão provedor. [...] é que determinado direito, embora não constando expressamente da redação constitucional, integra o arcabouço traçado. É aquilo que Ivo Dantas distingue entre Direito da Constituição e Direito Constitucional, quando afirma: ‘se por um lado tudo que se encontra na Constituição é direito Constitucional, cumpre lembrar que nem todo direito Constitucional encontra-se na Constituição’ . (grifos do autor)

Complementando esse raciocínio, esse mesmo autor (2002, p. 60) cita Canotilho que

conclui:

Uma das consequências mais relevantes da natureza das normas constitucionais concebidas como heterodeterminações positivas e negativas das normas hierarquicamente inferiores é a conversão do direito ordinário em direito constitucional concretizado.

Levando-se em consideração tal posicionamento, tem-se que a adoção no Brasil

sempre se revelou como constitucional, sendo certo, no entanto, que a omissão sobre

tal instituto nas Cartas Constitucionais anteriores acabou motivando interpretações

distintas a respeito da sua fixação, critérios e condições, principalmente ao se tratar de

adoção internacional.

A Constituição Federal de 1988 veio, enfim, disciplinar especificamente sobre a adoção,

englobando na sua totalidade e abrangência todas as matérias relativas à família, ao

idoso, à criança e ao adolescente, como se pode ver do art. 226 e seus § 3º, 4º, 5º e 8º

e artigo 227, § 5º, que estabelecem que a adoção será sempre assistida pelo Poder

Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições para sua efetivação por

parte de estrangeiros. Por sua vez, o § 6° dita que “[...] os filhos havidos ou não da

relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,

proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, o que indica, na

visão de Barrichelo citado por Costa (1998, p. 234):

O referido parágrafo vai de encontro dos mais altos anseios sociais e humanitários, os quais vinham sendo buscados por adotantes e adotados, que diante da lei visualizavam diferenças, mas que a convivência e o amor haviam de há muito sepultado.

Assim, o art. 227 da Carta Federal de 1988 se revela como a origem dos direitos da

criança e do adolescente no direito patrio, pois foi a partir de então que passaram a ser

titulares de interesses juridicamente protegidos, sendo o Estado, a família e a

sociedade, por sua vez, titulares de interesses subordinados. Baseando-se nesse

dispositivo, pode-se afirmar, então, que o Direito brasileiro se filiou à Teoria da Proteção

Integral. Isso porque as modificações apresentadas pela Nova Carta, que estabeleceu

igualdade de direitos entre os filhos de qualquer natureza, representam, sem dúvida, o

maior avanço em termos dos direitos inerentes às crianças e adolescentes, pelo seu

alcance ético, social e humanitário.

Dessa forma, com a promulgação da Nova Carta, a adoção foi inserida de modo

pleno, atingindo as seguintes conquistas: constitucionalização formal do instituto da

adoção; obrigatoriedade da intervenção do Poder Público quando o adotando for

criança ou adolescente, com a inaplicabilidade do Código Civil; regras diferenciadas

para adoção internacional; igualdade entre filhos biológicos e adotivos; proibição de

qualquer discriminação em relação aos filhos. É em razão de tais previsões claramente

ditadas na Constituição vigente, que reina na doutrina o entendimento de que “[...] pela

primeira vez no Brasil, a questão da Adoção e especificamente da Adoção Internacional

encontra-se inserida hoje tanto no Direito Constitucional como no Direito da

Constituição”, como expõe Figueiredo (2002, p. 62). Entretanto, como leciona Barroso

(2003, p. 286),

A própria Constituição, no § 2° do citado artigo, e stabelece uma abertura do sistema de direitos fundamentais para além dos expressos no Artigo 5°, no Título II e, até mesmo, na própria íntegra da Constituição, com a outorga de status constitucional a direitos fundamentais presentes em tratados internacionais.

Nesse contexto, tem-se que a Adoção Internacional constitucionalmente prevista não é

suficiente para assegurar juridicamente todo o processo respectivo, razão pela qual, em

atendimento à Convenção de Haia, foram criados diversos mecanismos que asseguram

a sua efetivação, como as CEJAs, que juntamente com as organizações legitimamente

criadas e registradas efetuam um controle eficiente e obrigatório, com cadastro de

pretendentes estrangeiros em todas as comarcas, de acordo com procedimentos legais

que determinam, no âmbito de um Estado, a possibilidade e os requisitos necessários

para que seja realizado tal instituto, como se verá nos tópicos seguintes.

3.2.2 A EXCEPCIONALIDADE DA COLOCAÇÃO DA CRIANÇA EM FAMÍLIA

ESTRANGEIRA

O Estatuto da Criança e do Adolescente dita, em seu art. 19, o princípio

internacionalmente reinante de que a criança e o adolescente devem ser criados

preferencialmente no seio de sua família de origem, preceituando medidas que visam

ao amparo do menor e também da sua família. Entretanto, quando isso não se torna

possível, devem a criança e o adolescente ser colocados em família substituta, nas

seguintes formas: guarda, tutela ou adoção, devendo ser seguida essa ordem,

preferencialmente.

A adoção de uma criança ou adolescente é destinada a qualquer pessoa que preencha

os requisitos legais pertinentes, existindo a exceção ditada pelo art. 29 do Estatuto da

Criança e do Adolescente que dita que “[...] não se deferirá colocação em família

substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza

da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado”. Assim, quando se fala na

medida excepcional levantada pelo art. 31 daquela norma legal, não se está referindo à

preferência dos nacionais antes dos estrangeiros, pois, quando dispõe que “[...] a

colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente

admissível na modalidade de adoção”, quer dizer que o estrangeiro apenas pode valer-

se do instituto da adoção, sendo-lhe proibidas a guarda e a curatela. Evidente que “[...]

não se trata de preconceito, aliás constitucionalmente inconcebível, contra a família

estrangeira, mas de evitar a mudança de país da criança e do adolescente”, como

assevera Jorge Junior (2001, p. 64), o que impende determinadas cautelas que a lei

impõe, com o objetivo maior de proteger o menor, como lembra Viana (1996, p. 86):

Mister ponderar, ainda, que o adotado passará a viver em outro país, com costumes e línguas diferentes. Quando se trata de criança em tenra idade, a adaptação é sempre mais fácil. Quando consideramos que a idade para ser adotado foi alterada, é necessário refletir, antes, se a mudança não trará reflexos negativos para o menor, pelas dificuldades de adaptação. Cumpre ao juiz abordar a questão sob o impacto de fatores climáticos, sociais, culturais e psicológicos. A questão assume contorno mais complexo quando consideramos que o adotando não fará estágio de convivência no país onde irá viver.

Essa medida legal é justificada para assegurar a permanência do infante em território

nacional durante toda a tramitação do processo de adoção, a fim de que só deixe sua

terra natal quando lhe forem conferidas todas as garantias, bem como ao adotante, que

terá segurança no procedimento. Nesse passo, cabe destacar o pensamento de Liberati

(1995, p. 64):

[...] entende-se como proibido – e aí está a excepcionalidade – o fato de o requerente requerer a guarda ou a tutela porque esses institutos são colocados à disposição do interessado nacional, e com finalidades totalmente diferentes.

Além de toda a segurança proporcionada por essa excepcionalidade da lei, há de ser

asseverado que raras são as adoções de recém-nascidos feitas por estrangeiros não

radicados no País, pois são geralmente adotados por casais brasileiros. O mesmo não

acontece com crianças de maior faixa etária, que, na sua maioria, foram rejeitadas por

casais nacionais, sendo encaminhadas para adoção internacional. Assim, cabe o

comentário de Aoki, citado por Costa (1998, p. 239):

Na prática, contudo, a excepcionalidade pouco atinge os casos de adoção internacional, resguardados em sua maioria para aquelas crianças ou alguns adolescentes já preteridos há algum tempo pelos casais nacionais, que ainda guardam o preconceito, em sua maioria, de adotar apenas recém-nascidos, e normalmente de pais conhecidos, além de outros resquícios de preconceitos de todos conhecidos.

Desse modo, em se tratando do instituto da adoção, não se revela como ponto crucial o

fato de ser feita por nacional ou estrangeiro. O objetivo principal é que a criança que se

viu privada de sua família natural seja acolhida por uma família substituta. Estando a

família preparada para receber mais um ente em seu seio, e restando atendidos os

requisitos legais, não importa a nacionalidade dessa família, pois, para a adoção trata-

se de aspecto de menor relevância. Há de se procurar, ao máximo, afastar as crianças

das instituições, propiciando-lhes uma família. Esse é o verdadeiro objetivo da lei.

3.2.3 A REALIDADE DA CRIANÇA BRASILEIRA E A ADOÇÃO INTERNACIONAL

O Brasil é um país de grandes áreas férteis, com subsolo abundante, incontáveis áreas

verdes, contando com uma geografia variada e uma cultura tão rica e diversificada, mas

que, contrariamente ao imaginado, apresenta uma realidade que não condiz com sua

riqueza natural e humana. Segundo relatório da ONU,3 os bolsões de pobreza ainda

são uma realidade no País, destacando o Nordeste, pela exposição à seca e pela

antiga e extensa história de concentração de posse de terra. Os aspectos mais

negativos do Brasil levantados pelo relatório são socioeconômicos, tais como: renda,

saúde, educação e meio ambiente. Além dessa realidade, conta hoje o Brasil com 180

milhões de habitantes, conforme levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE).4Tal estudo demográfico demonstra que as famílias

estão tendo cada vez menos filhos, com uma média de 2,39 no ano de 2000. Apesar

disso, a população continua crescendo, e tem diminuído a mortalidade infantil que, no

entanto, permanece num patamar alto (30 óbitos por mil nascidos vivos) se

considerados os índices de países vizinhos como a Argentina (21 mortos por mil

nascidos vivos), Chile (12 mortos por mil nascidos vivos) e Uruguai (15 óbitos por mil

nascidos vivos).

Sobre as crianças, o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que

59% da população brasileira é formada por pobres e excluídos, e quatro milhões de

crianças entre 5 e 14 anos trabalham. Levantamento pior diz respeito à prostituição

infantil, pois o Brasil ocupa o segundo lugar, sendo o primeiro da América Latina. Por

fim, e não menos pior, diz o relatório que, no Brasil, os jovens menores de dezoito anos

morrem violentamente em número sem comparação com qualquer outro lugar do

mundo, com exceção dos países que se encontram em guerra.

A verdade é que a globalização fez com que a economia fosse o setor mais valorizado,

deixando os direitos humanos em segundo plano, o que vem aumentando a pobreza.

3 Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em: 20 jan. 2005. 4 Disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 20 jan. 2005

Os indivíduos não têm alcance aos direitos básicos, como alimentação, saúde, trabalho

e educação, e são as crianças abandonadas, oriundas desse estado deplorável, que se

encontram em situação de risco, para as quais o Governo prevê apenas uma

possibilidade: a institucionalização. Deve ser esclarecido, entretanto, que o Governo

não permanece totalmente inerte quanto às políticas sociais relativas às crianças e

adolescentes. Mas o que se tem feito ainda é uma “gota no oceano” quando se enxerga

a realidade desses infantes brasileiros. Ainda assim, como afirma Albergaria (1996, p.

25):

[...] a urbanização, a industrialização, o crescimento demográfico, o progresso tecnológico teriam efeitos negativos, dentre os quais a marginalização social, e por isso, deveria ser dada prioridade ao potencial humano nas planificações do desenvolvimento, acentuando-se que os grupos marginais, principalmente os adolescentes, deveriam ser inseridos na corrente do desenvolvimento. Uma planificação adequada poderá atenuar e prevenir os efeitos negativos de uma rápida transformação social.

E assim deve ser, pois a economia de um país deve constar como objetivo da política

de desenvolvimento, mas a promoção do homem há de ser a base dessa política, pois

está acima de qualquer valor. No entanto, a realidade é que não só o Brasil, mas a

América Latina, de modo geral, pouco tem se importado com a política social. Mas,

apesar disso, o Brasil passou a ter nova perspectiva após o adoção do Estado

Democrático de Direito pela Constituição Federal de 1988. Isso porque, como entende

Perez Luño (2003, p. 224 e ss), para o Estado Democrático de Direito, a tarefa da

Administração é proporcionar aos cidadãos as condições necessárias e os serviços

públicos adequados ao pleno desenvolvimento do indivíduo, reconhecidos por meio das

liberdades tradicionais, mediante a consagração constitucional dos direitos

fundamentais de caráter econômico, social e cultural.

Há que se louvar o Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado uma das leis

mais avançadas do mundo referente à infância e adolescência. Ocorre que o caminho

da lei para a aplicação e a prática tem sido percorrido vagarosamente, não conseguindo

acompanhar o crescimento da miséria e o abandono dos infantes. É por essa razão que

a sociedade civil tem tomado frente em muitas questões sociais inerentes às crianças,

principalmente no que tange àquelas abandonadas ou institucionalizadas, num trabalho

conjunto com o Poder Judiciário. Existem programas oficiais que cuidam dessas

crianças, mas não se encontra algum que objetive especificamente o fim da

institucionalização de menores.

Conforme informações do Juizado da Infância e Juventude de Vitória, o Estado do

Espírito Santo apresenta um trabalho louvável feito pela sociedade civil, no qual

empresas e igrejas se unem em defesa dos direitos da criança e do adolescente,

cuidando da educação, assistência aos meninos de rua, creches, casas de passagem,

reintegração familiar, oficinas de aprendizagem, dentre tantos outros apoios. Alguns

municípios do Estado apenas apóiam alguns programas dirigidos às crianças

abandonadas, mas não cuidam por completo de qualquer um deles, pois sempre

contam, de uma forma ou de outra, com o apoio da sociedade civil, ou seja, não

existem, por parte da Administração Pública, ações concretas que permitam a

prevenção do abandono de crianças nas instituições.

O que de fato se vê é o afastamento das crianças e adolescentes marginalizados da

convivência em sociedade, isso porque após a internação desses menores, ainda há a

possibilidade de que sejam abandonados nas próprias instituições. Assim, não ocorre

somente o abandono desses infantes pelos seus pais, mas também pela sociedade e

pelo Estado, quando eles são esquecidos nas instituições acolhedoras. Importantes

trabalhos empíricos citados por Weber (2003, p. 72) afirmam que a criança

institucionalizada

[...] é o protótipo dos resultados devastadores da ausência de uma vinculação afetiva estável e constante e dos prejuízos causados por um ambiente empobrecido e opressivo ao desenvolvimento infantil. Trata-se de uma visão destruidora em relação à manutenção de crianças em instituições.

Toda essa realidade parece distante do que preceitua a Constituição Federal, que

elegeu claramente a criança e o adolescente como prioridade absoluta do Estado, da

família e da sociedade como um todo. Posteriormente, adveio o Estatuto da Criança e

do Adolescente que passou a regular como essa prioridade deve ser respeitada e

tratada, com destaque aos direitos fundamentais do ser humano, o direito à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,

ao respeito e liberdade, com enfoque especial à convivência familiar e comunitária.

Como lembra Bedê Freire Jr. (2001, p. 246):

Do ponto de vista doutrinário e teórico, os direitos fundamentais nunca possuíram um reconhecimento formal e filosófico tão completo, a ponto de Bobbio destacar que não se precisa mais justificar os direitos fundamentais, o problema moderno está na efetivação dos direitos.

Fazer verdade toda essa previsão constitucional é um desafio do Estado, que conta

com as redes de apoio, os conselhos dos direitos, conselhos tutelares e ainda

dedicando políticas públicas direcionadas ao amparo infanto-juvenil.

É importante ressaltar que a legislação legou ao Ministério Público importante papel

fiscalizador e garantidor dos direitos inerentes à criança e ao adolescente previstos na

Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, razão pela qual,

visando a atender a esses mandamentos legais, o Ministério Público criou o Centro de

Apoio Operacional da Infância e Juventude, previsto na Lei Orgânica daquele órgão (Lei

8.625, 12-02-1993). Esse Centro de Apoio Operacional tem o objetivo de estimular a

integração e o intercâmbio entre as promotorias de infância e juventude e entre estas e

os demais órgãos do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente,

além de prestar-lhes apoio técnico e jurídico.

Conforme informações colhidas no Ministério da Justiça,5 seguindo linhas determinadas

pelo Estatuto, o sistema de garantias engloba ampla articulação, distribuindo

responsabilidades nas diversas esferas, em cujas especificidades baseia-se todo o

Programa de Defesa. Em seus três eixos, quais sejam, a promoção, o controle e a

defesa, o sistema de garantia se concretiza por meio dos diversos fóruns de defesa da

sociedade civil e conselhos multissetoriais, como os da área da educação, saúde e

outros. Dessa forma, são parceiros naturais os Governos Estaduais, as Prefeituras, os

Conselhos Tutelares e de Direitos, Centros de Defesa, a Defensoria Pública, o

5 Disponível em: <www.mj.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2005.

Ministério Público, as Varas da Infância e da Juventude, assim como as organizações

não governamentais.

Essa é a prática que visa aproximar os ditames constitucionais internos às questões

dos direitos humanos em um plano internacional, retirando do Estado o domínio total na

efetivação desses direitos, como explica Fabriz (1999, p. 225-226):

A compreensão da interdependência e o princípio da indivisibilidade desses direitos coloca a questão dos Direitos do Homem em um outro nível de orientação, na perspectiva de uma proteção mais ampla desses direitos, na adoção de mecanismos mais eficazes, deixando de ser uma questão somente ligada aos domínios do Estado. Além disso, a compreensão e a vivência desses direitos reclama uma orientação disciplinar mais abrangente, na medida em que esses Direitos tocam as várias dimensões existenciais da humanidade.

Baseado nesse entendimento, os Conselhos Municipais têm papel de importância no

setor ligado à criança e ao adolescente pois está mais próximo da realidade e ao

alcance da população necessitada. Sua responsabilidade é decidir se as políticas

públicas de atendimento à população infanto-juvenil do município estão cumprindo o

que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente. Sua composição se dá na

forma colegiada, com metade de seus membros provindos do Poder Público e a outra

metade da sociedade civil. Têm, ainda, a função de acompanhar e avaliar instituições

governamentais e não-governamentais em seus programas de apoio à infância e à

juventude, participar de elaboração do orçamento municipal e administrar o Fundo

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujo objetivo é captar os recursos

provenientes de várias fontes, destinados a promover e defender os direitos da infância

e da juventude.

Quanto ao Conselho Tutelar, tem este atribuição distinta do Conselho Municipal já que

cuida de detectar problemas na comunidade, pois recebe denúncias de suspeitas e

casos concretos de ameaças e violações a esses direitos, evitando que seja acionada a

justiça. Trata-se de uma entidade colegiada, mas é formada por cinco conselheiros

escolhidos pela comunidade, com mandato de três anos, cujas decisões são

autônomas, mas com subordinação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, como

esclarece Amaral e Silva, citado por Pereira (1992, p. 30):

Não cabe ao Conselho Tutelar a função de aplicar sanção punitiva. Ele vai proteger. Vai encaminhar crianças e jovens que não estejam sendo atendidos em seus direitos fundamentais a programas comunitários que supram as falhas do atendimento desses direitos. As pessoas que compõem os Conselhos Tutelares são preferencialmente requisitadas, escolhidas entre pessoas ligadas às diversas áreas de especialidade.

Os dispositivos legais que tratam do Conselho Tutelar deixam claro que sua atuação é

limitada aos procedimentos de ordem administrativa, sendo-lhe vedado interferir nos

procedimentos de competência do Poder Judiciário, entretanto, tem-se observado

casos em que o Conselho exerce atividade relacionada com a colocação de crianças

em famílias substitutas, com a ciência das autoridades que não têm condições de

manter uma estrutura adequada que atenda aos princípios legais e doutrinários

oriundos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se de prática que vai de

encontro ao comando legal, como aponta o Juiz da Vara da Infância e Juventude de

Vitória (ES), Paulo Roberto Luppi:

O que não se pode entender é que os Conselhos Tutelares têm atribuições das mais importantes dentro de uma Comarca e por se tratar de uma instituição criada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, necessita de adquirir credibilidade e respeito na sua jurisdição de forma que possa cuidar dos interesses das crianças e dos adolescentes em toda a sua plenitude, dentro dos limites das suas atribuições e inclusive com a colaboração da sociedade. Não se justifica tamanho interesse em pretender fazer a colocação de crianças em famílias substitutas, principalmente de crianças de tenra idade para famílias estrangeiras. Os Conselhos Tutelares não têm autoridade nem mesmo para fazer a reintegração familiar de crianças ou adolescentes que estejam abrigados. No máximo, sua atuação se limita a colocar em abrigo aquelas que tenham sido encontradas em estado de abandono, com a conseqüente comunicação à autoridade judiciária da sua jurisdição. A partir daí, cabe ao Judiciário encontrar a maneira mais adequada de prover a reintegração familiar ou encontrar uma família substituta, nas modalidades de guarda ou adoção, respeitando-se os direitos daquelas pessoas regularmente habilitadas. (Disponível em: <www.tj.es.gov.br.> Acesso em: 20 jan. 2005).

Vê-se, portanto, que o Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina com eqüidade e

justiça todo o tratamento a ser dado à criança e ao adolescente, estabelecendo regras

para sua institucionalização e condições facilitadoras de colocação desses infantes em

família substituta, sem prejudicar o direito a convivência com a família biológica, mas

permitindo o pátrio poder familiar nas situações expressamente consignadas em lei, por

meio do devido processo legal. Hão de ser respeitados, nesses casos, os postulados da

Constituição Federal e do Estatuto, que estabelecem como a Convenção de Haia de

1993, o princípio do maior interesse da criança, definindo a preferência pelo convívio

com a família natural. No entanto, diante da crítica realidade das crianças abandonadas

e sem família, o Estatuto vem estimular essa nova forma de família, qual seja, a

substituta, como modo de suprir falta da família natural, quando, em seu art. 25, repetiu

a regra constitucional de conceituação da família no seu art. 226 e parágrafos. Desse

modo, fica assegurada a proteção integral à criança, seja na sua família natural, seja

em família substituta, conforme entende Pereira (1992, p. 30/31).

E assim deveria ser, mas não é o que ocorre, pois o que se denota é que não existe um

verdadeiro interesse de pôr fim às instituições de menores, ou de fazer proliferar a bem-

sucedida tentativa das casas-lares, colocando em funcionamento os conselhos

municipais, estaduais e nacional de direitos da criança ou, então, lançar mão de outro

recurso, a fim de propiciar ao infante o exercício do direito à vida familiar, o que pode se

dar pela adoção.

Diante de toda essa realidade, a adoção surge como um instrumento para proporcionar

uma família substituta para aquela criança que esteja, de fato, abandonada por seus

familiares e esquecida pela sociedade e pelo Estado em instituições. A adoção, nesse

caso, poderia fazer parte da política do Estado destinada à infância, pois assim, de

alguma forma, estar-se-ia colocando em prática os ditames constitucionais e o Estatuto

da Criança e do Adolescente. Pode-se concluir, portanto, que, apesar dos grandes

avanços ocorridos no Brasil em diversos setores, que se deram principalmente após o

fim da ditadura militar, permanece a distância entre as garantias constitucionais e a

triste realidade. O Governo, apesar de alguns esforços, não tem conseguido diminuir os

problemas sociais graves, o que gera um grande número de crianças carentes e

abandonadas nas instituições, tão distantes e alheias aos seus direitos e garantias

preceituados pela Constituição Federal.

Por todas essas razões é que não se revela suficiente o reconhecer de novos direitos,

mas o de garanti-los, devendo passar do direito pensado para o direito realizado. Ao

analisar o presente e o futuro dos direitos do homem, Bobbio (1992, p. 25) chama a

atenção para a importância das Declarações quanto a esses direitos, asseverando que,

nesse processo histórico, existem três fases: inicia-se buscando como fonte as obras

dos filósofos, em segundo lugar os direitos positivos se tornam autênticos, mas não

universais, pois dizem respeito aos direitos do cidadão de um determinado Estado e,

por fim, a terceira fase que tem início com a Declaração de 1948, pela qual os direitos

se tornam universais, uma vez que pertencem a todos os homens, ao mesmo tempo em

que se tornam também positivados, pois proporciona-lhes um processo que os tornam

efetivos e protegidos até mesmo em face do Estado. É apenas no final desse processo

que o citado autor entende que existirão direitos do homem, como cidadão do mundo.

Em relação aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, todo esse processo

narrado por Bobbio já tem completado quase todas as fases, sendo necessário, ainda,

fazer acontecer a fase que lhe proporciona plena efetividade, pois somente dessa forma

existirão verdadeiramente os direitos fundamentais para as crianças e os adolescentes

como indivíduos, membros da família humana.

Importante salientar que após a Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança,

de 1989, de forma brilhante, o Brasil foi o primeiro país a criar lei específica de proteção

à criança e ao adolescente, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, de

1990. Entretanto, torna-se quase impossível a eficácia da norma, quando a realidade

social não é modificada. É necessário que se reverta esse quadro de abandono,

desamparo, miséria, solidão e falta de amor, pois uma questão é certa, aquela mãe ou

pai que é abandonado pelo Estado é aquele mesmo pai que abandona seu filho. É

preciso colocar ao alcance desses indivíduos as suas necessidades básicas e os seus

direitos de cidadãos para que possam exercer o seu verdadeiro estado democrático de

direito. Nesse sentido, esclarece Jayme (2005, p. 8-9):

Contudo, é necessária a consciência de que a todos os seres humanos deve-se assegurar o direito de usufruir um conjunto de condições indispensáveis a uma vida digna, livre e humana. Esse patrimônio jurídico pessoal constitui-se de, pelo menos, uma adequada participação na cultura e na educação, com moradia apropriada e com renda que permita satisfazer, de modo permanente e com tranqüilidade, livre de angústias, as necessidades do indivíduo e de sua família. O Estado tem de comprometer-se, através de ações negativas e afirmativas, a não permitir que os membros da comunidade vivam em condições incompatíveis com a dignidade humana. Os governantes devem atentar para o fato de que a injustiça social gera, por mais que haja governos

livremente eleitos, a impossibilidade de construção de um Estado Democrático de Direito, com instituições democráticas sólidas e estáveis.

Essa é, então, a única alternativa para superar o desamparo daquelas crianças que são

perversamente abandonadas e institucionalizadas. E se, mesmo que haja toda essa

revolução social, ainda assim, persistir o abandono dessas crianças por seus pais, que

não haja esse mesmo abandono pelo Estado, que deve atuar de maneira eficiente, a

fim de propiciar a esses menores o direito a uma vida digna em uma família substituta.

Por todas essas questões é que merece análise o que diz respeito às crianças

institucionalizadas, pois a estimativa apresentada pelo Governo Federal6 é que, das

200.000 crianças abandonadas no Brasil, 195.000 se encontram em instituições. Muitas

são as razões que levam ao abandono de crianças. Entretanto, em um país como o

Brasil, não é possível analisar somente as variáveis psicológicas e emocionais da mãe

que abandona, tendo em vista o país onde essa mãe reside, lugar que tem grande

parte da população considerada abandonada pelo Estado. Para se obter a resposta

para o abandono de crianças, é necessário que se faça uma análise não só da mãe que

abandona, mas também das condições abandonantes da sua existência, pois existe um

conjunto delas, como as de nível socioeconômica, estruturais, psicossociais, culturais,

dentre tantas outras, como leciona Liberati (1995, p. 19):

O abandono pode se revestir de vários aspectos: o material, o psicológico, o moral, o afetivo. O abandono material é o mais visível; sua manifestação está relacionada com a sobrevivência. É a ausência de alimento, de roupa, de remédio, etc. O abandono psicológico é caracterizado pela rejeição, representada por sentimentos de angústia e agressividade. O moral age, sobretudo, nos valores pessoais, ou seja, a criança cresce carente dos sentimentos pelo egoísmo. O abandono afetivo é o mais pernicioso. Sua conseqüência atinge o âmago do ser. Caracteriza-se pela indiferença; resulta da absoluta carência de afeto, carinho e, principalmente, de amor. Sem o amor, uma pessoa não é nada; o amor é o alicerce que embasa as relações afetivas.

A institucionalização foi criada com o fim de proteger a infância, mas a verdade que a

realidade demonstra é que a maioria das crianças institucionalizadas são esquecidas

nas instituições, totalmente excluídas da sociedade. E isso porque o Estado entende

que, por se encontrarem em abrigos, essas crianças já têm garantidos todos os seus

direitos e garantias. Ora, os denominados abrigos deveriam servir para atender as

crianças por um prazo curto, mas não é o que acontece. Segundo levantamento

realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada7 (IPEA), das 626 instituições

pesquisadas, 589 oferecem programa de abrigo para crianças e adolescentes em

situação de risco pessoal ou social, e metade deles se localiza no região Sudeste

(49,1%), seguida pela região Sul (20,7%) e pela Região Nordeste (19%), contando as

Regiões Norte e Centro- Oeste conjuntamente com 12% do universo total. Esses

abrigos localizam-se na sua maior parte em São Paulo (34,1%) e, de um modo geral,

são abrigos não- governamentais (65%), onde predominam a influência da Religião

Católica (64,6%), enquanto 22,5% são evangélicos e 12,2% espíritas. Trata-se de

instituições relativamente novas, já que mais da metade surgiu a partir de 1990, quando

foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os abrigos pesquisados são financiados majoritariamente por recursos privados,

representando 58,5% das receitas obtidas no ano de 2002. As doações de pessoas

físicas correspondem a 8,9% das receitas e com contribuição de empresas num total

de 5,2%. Os recursos públicos correspondem a 41,5% do financiamento dos abrigos,

sendo a maior parte dos municípios, num total de 18,1%, contra 15,9% dos Governos

Estaduais e 7,5% de recursos federais. O Governo Federal atribui essa distribuição à

Lei Orgânica de Assistência Social, que estabelece a municipalização como estratégia

de execução da política de assistência, ficando a carga do Executivo Federal a

definição de diretrizes e de políticas nacionais.

A pesquisa informa, ainda, que as vinte mil crianças encontradas nos abrigos

pesquisados têm como maioria o sexo masculino (58,5%) e são afro-descendentes

(63,6%), com idade entre sete e quinze anos (61,3%) e mais de um terço está nos

abrigos há um período que varia de dois a cinco anos. A maioria absoluta é composta

por crianças e adolescentes abrigadas que possuem família (86,7%) e o motivo mais

indicado para estarem em abrigos foi a pobreza (24,2%), seguido pelo abandono

6 Disponível em: < www.ipea.gov.br. > Acesso em: 20 jan. 2004

(18,9%), violência doméstica (11,7%), dependência química dos pais e responsáveis

(11,4%), vivência de rua (7%) e orfandade (5,2%).

Como se vê, o principal motivo apontado para a institucionalização é a pobreza, o que

não representa razão para o abrigamento, uma vez que o Estatuto da Criança e do

Adolescente preceitua a obrigatoriedade de inclusão da família em programas oficiais

de auxílio nas situações em que pais ou responsáveis não apresentem condições de

cumprir suas obrigações de proteção os filhos. Se esses programas não acontecem,

dificilmente a situação da criança institucionalizada irá mudar, e sua permanência no

abrigo não terá fim.

Como a própria pesquisa concluiu, essa situação demonstra claramente que as

políticas de atenção às crianças e aos adolescentes não estão devidamente articuladas

com ações de atenção às suas famílias, o que evitaria a institucionalização, ou poderia

abreviá-la, quando fosse realmente necessária. O que de fato se percebe é que há

uma substituição da criança carente para a criança abandonada nos internatos, como

forma de esquecer a carência impingida por uma estrutura social tão injusta. Weber

(2003, p. 74) propõe uma frente de trabalho como forma de devolver a dignidade e o

respeito dos internos que já estão abandonados e proporcionar-lhes o direito primário

de convivência familiar e comunitária por meio da adoção, quando expõe:

A adoção neste sentido moderno implica necessariamente em adoções chamadas tardias (de crianças mais velhas), morais (crianças portadoras de deficiência ou graves problemas de saúde) e inter-raciais. Ao falar em adoção, é preciso entender que existem centenas de pessoas querendo adotar uma criança e milhares de crianças esquecidas nas instituições desejando uma família substituta.

A verdade é que esses dois segmentos da população, aqueles que querem adotar e os

que desejam ser adotados, não se encontram, por não haver uma política pública de

interesse nesse setor. Em visita a três instituições capixabas acolhedoras de menores,

pôde-se concluir que 80% das crianças nunca receberam visitas de seus familiares e

20% chegaram a receber visitas quando foram internados, sendo cessadas com o

passar do tempo. A falta de controle e de assistência por parte do Estado faz com que

essas crianças sejam esquecidas nas instituições, pois somente 10% delas estão

7 Disponível em www.ipea.gov.br. Acesso em 20 jan. 2004

legalmente disponíveis para adoção. E isso porque os pais das demais crianças, apesar

de tê-las esquecido e renegado por completo, ainda possuem o seu pátrio poder, o que

impossibilita a adoção.

A matéria publicada no periódico semanal Época (23-8-2004) confirma o levantamento

efetuado pelo IPEA, informando que os abrigos acabam funcionando como espécies de

colégios internos de crianças carentes, pois ali são deixadas por falta de condições

financeiras dos pais. Algumas delas recebem visitas regulares de pais ou mães, outras

são órfãs, mas são visitadas por avós ou tios, que não as disponibilizam para adoção,

mas também não as tiram do abrigo. Alguns menores são abandonados durante anos,

mas se deparam com um parente quando estão prestes a serem adotados. Assim,

apenas 5% das crianças que se encontram abrigadas estão disponíveis para adoção.

Por essa razão, a criança passa, em média, três anos e sete meses em abrigos até ser

adotada.

Outra questão trazida à baila no citado periódico diz respeito à preferência por adoções

de crianças até dois anos. Conforme a pesquisa, em São Paulo, existem 36

interessados em cada criança de zero a dois anos. Já para as crianças com mais de

dez anos, são 66 delas para cada pretendente. Nesses casos, é que um cadastro

nacional de adotantes e adotandos seria de enorme valia, bem como a agilização de

todo o processo, que às vezes passa de um ano. Todas essas pesquisas demonstram

que, mais uma vez, a falta de interesse e acompanhamento desses menores pelo

Estado faz com que sejam abandonados nas instituições, filhos de ninguém. A busca

de uma família substituta para essas crianças deveria ser levada com a devida

seriedade pelo Estado, pois como assevera Figueiredo (1995, p. 9):

[...] sendo a convivência familiar um direito assegurado na Lei, e malogrando as tentativas para permanência na família natural, é vital para o sistema a existência de um vigoroso programa de colocação em família substituta, especialmente para os que se encontram abrigados em entidades de atendimento.

Maior esforço é feito pela própria sociedade, como se pode ver da iniciativa de várias

entidades de Brasília8 (Distrito Federal) com a criação de casas-lares, onde as crianças

têm a oportunidade de desenvolverem-se dentro de um convívio familiar, pois não

moram em alojamentos nem comem em refeitórios, uma vez que as casas possuem

sala, quarto, cozinha e são compostas por uma mãe social e dez crianças. Essas

casas-lares, diferentemente dos abrigos, podem propiciar àquelas crianças que

perderam as perspectivas para adoção um ambiente familiar, no qual as denominadas

mães sociais são capacitadas em maternidade social, tornam-se profissionais

regulamentadas por lei e passam a conviver com esses filhos sociais, transmitindo-lhes

valores, ensinando-lhes limites e educando-os para a vida, até que alcancem a

maioridade. Trata-se de prática revolucionária, de iniciativa da própria sociedade, que

pode ser uma esperança ao fim do internamento em abrigos ou orfanatos.

Existe a necessidade clara de um programa amplo envolvendo os poderes constituídos

e a sociedade civil organizada, que possa garantir a promoção da convivência familiar e

comunitária, como na proposta incentivada por Figueiredo (1995, p. 7), cujo primeiro

passo diz respeito à instalação e funcionamento de um serviço de busca à família, que

se localizada, gera um trabalho de aproximação e convencimento de retorno ao lar e

fortalecimento dos vínculos familiares, decorrendo daí a necessidade do uso de

equipamentos comunitários básicos para suprir as necessidades detectadas, tanto as

emergenciais como as mais perenes. O segundo passo narrado pelo citado autor diz

respeito à manutenção de criança em abrigo que, não tendo sua família localizada,

deve ser encaminhada ao abrigo que, entretanto, deverá servir de medida excepcional

e transitória, até se chegar ao terceiro passo, qual seja, a busca de uma família

substituta para esse menor que se encontra abrigado, pois a adoção não pode ser

encarada como ato de caridade, nem tampouco vai resolver o problema social de

pobreza do País.

Nesse sentido, o que de fato representa a adoção nada mais é do que uma fórmula

legal para se dar uma família a quem não tem, a fim de resguardar-lhe os direitos

constitucionalmente previstos. Isso implica prévio cadastramento das crianças e

8 Disponível em: < www.aldeiasinfantis.org.br.> Acesso em: 23 jan. 2005.

pretendentes e na formulação de critérios objetivos que permitam identificar o melhor

adotando para os melhores adotantes. Quanto maior a Comarca, maior deve ser esse

sistema, não sendo aceitável que onde existem muitos candidatos ainda se utilize o

injusto sistema de ordem de inscrição.

E assim deve ser, pois o abrigo deve ser encarado como medida transitória,

emergencial e excepcional, como prescreve a lei. Nada pode justificar o abrigamento de

uma criança por muitos anos. A morosidade da aplicação de medidas protetivas pelas

Varas da Infância e da Adolescência, a indiferença e a incompetência do Estado não

podem servir de entrave ao interesse maior da criança. A prática da institucionalização

vai de encontro ao preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estado

deve pôr em prática um paradigma totalmente diverso do que vigora atualmente e lota

instituições de menores, passando a fazer valer aquele paradigma ditado pela

Convenção de Genebra Para Direitos da Criança e Adolescente, aplicando o que dita o

Estatuto, a fim de propiciar, então, a essas crianças, a efetivação de todos os seus

direitos e, em especial, o direito à vida familiar, como tem feito a própria sociedade, por

meio de novas alternativas de amparo e desenvolvimento infantil.

Seguindo essa linha de raciocínio, surge outra questão que merece importância, qual

seja, a nacionalidade e a cidadania, porque a organização social busca, a todo tempo,

encontrar soluções adequadas e definitivas para as controvérsias, tendo por fulcro a

realidade do conflito de interesses, o que se dá por meio do Direito, que se revela como

instrumento pelo qual a sociedade regula esses conflitos, estabelecendo, em cada

caso, qual interesse deve prevalecer, bem como criando mecanismos que possibilitam

definitividade as soluções impostas pelas leis. Como conclui de Paula (1995, p. 92), o

Direito tutela interesses individuais e sociais, “[...] protegendo-os com a força da

organização social. Estado de Direito, portanto, é aquele em que as soluções dos

conflitos obedecem aos primados da lei. É o contraponto do Estado violento e

arbitrário”. Entretanto, o Estado, baseado no Direito, como clama o citado autor, não

garante a existência de um Estado de Justiça Social. “[...] Para este, é mister que o

Direito tenha como origem um processo de criação popular, onde as definições da

prevalência de um interesse sobre o outro brotem da livre discussão” (p. 92). Assim, a

função protetiva do Estado é mais incisiva no Estado Democrático de Direito, que na

concepção de Albergaria (1996, p. 44):

[...] há uma união dos princípios do Estado Liberal e do Estado Social, cuja função não estaria somente a serviço de uma minoria, mas também a serviço do efetivo progresso de cada um dos cidadãos. É precisamente essa função do Estado Democrático de Direito que põe em relevo a co-responsabilidade do Estado, da Sociedade e da Família na proteção da criança e do adolescente, como prevê o art. 227 da Constituição.

Assim, como se vê, em um Estado Democrático de Direito, a evolução dos institutos

jurídicos deve sopesar a vontade da maioria, baseada na técnica e na doutrina,

procurando indicar as melhores vias para proteção dos fundamentos da Carta Federal,

quais sejam: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, conforme o seu art. 1°.

Nesse passo, importa a consideração da dignidade da pessoa humana encontrada na

criança e no adolescente e as formas como ela se expressa e é garantida em um

Estado Democrático de Direito, como lembra Mônaco (2002, p. 43), devendo sempre

ser asseverado que “[...] como indicado na Declaração sobre os Direitos da Criança, a

criança, em razão de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e

cuidados especiais, incluindo proteção jurídica apropriada, antes e depois do

nascimento”,9 como meio de garantir o reconhecimento amplo da sua condição de

sujeito de Direito, como passaram a ser consideradas após o advento da Declaração

Universal dos Direitos Humanos.

Isso porque o Estado Democrático de Direito tem sua função protetiva a serviço de toda

pessoa humana, como define Perez Luño (2003, p. 212), para quem, na transição para

o Estado Democrático de Direito, a Administração se responsabiliza pela tarefa de

proporcionar à generalidade dos cidadãos as prestações necessárias e os serviços

públicos adequados ao pleno desenvolvimento de sua personalidade, reconhecida não

só por meio das liberdades tradicionais, como também pela consagração constitucional

dos direitos fundamentais de caráter econômico, social e cultural.

9 Preâmbulo à Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989.

Desse modo, como já exposto, os pressupostos em que se baseia um Estado

Democrático de Direito são: prevalência da soberania popular no processo de

condução dos destinos da Nação; existência de mecanismos que garantam o controle

popular do exercício do poder; respeito incondicional às liberdades públicas,

especialmente no que concerne aos direitos fundamentais da pessoa humana, com

garantia pelos meios adequados e a efetivação concreta dos enunciados

constitucionais; e definição de relações socioeconômicas que possibilitem a eliminação

da opressão, da fome, da miséria, da ignorância, fornecendo condições de exercício da

cidadania a toda população (De Paula,1995, p. 92). Trata-se de disposição encontrada

no art. 1º da Constituição Federal de 1988, que preceitua que a República Federativa

do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem domo fundamentos: a

soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e

livre iniciativa e o pluralismo jurídico.

Feitas tais considerações, tratando-se o tema central do presente trabalho dos direitos

da criança e do adolescente e a adoção internacional, cujo fim é a colocação de uma

criança ou adolescente em um lar estrangeiro, proporcionando-lhe uma família e a

conseqüente garantia de todos os seus demais direitos legalmente expostos, mister se

faz a análise dos seguintes temas: a cidadania e a nacionalidade, que dizem respeito à

efetivação dos direitos civis, econômicos e sociais relativos a cada pessoa humana.

Nota-se claramente que com o passar dos anos, a idéia de cidadania vem alterando o

seu grau, as formas de participação e a sua abrangência. Assim, nunca é demais

lembrar que na Antiguidade, por cidadania entendia-se como a qualidade de um

indivíduo pertencer a uma comunidade, com todas as conseqüências de se viver em

uma sociedade. Cidadão era, assim, aquele que morava na cidade e participava de

seus negócios. Na verdade, tratava da minoria, tendo em vista as discriminações aos

estrangeiros, escravos, metecos e súditos. Como lembra Bertaso (2003, p. 408),

[...] os antigos já exercitavam a cidadania em suas municipalidades, através de assembléias populares, e, apesar de que nem todos participavam dos privilégios, atribuíam sentido coletivo às ações políticas. O discurso político dos povos antigos instalou, no cidadão, a obediência às ‘leis’ da cidade e os outros à vontade dos cidadãos.

Tratando da Idade Média, vê-se que a concepção medieval do Direito Natural, que tinha

como base o Estoicismo e a Jurídica Romana, passa a se vincular à vontade de Deus.

Nessa época, a doutrina de Santo Agostinho pregava que, se as leis terrenas não

fossem de acordo com as leis de Deus, não teriam vigência, e não deveriam ser

obedecidas. Assim, com a formação do Estado Moderno, influenciado pela tradição

iluminista, pretendeu-se a substituição dos antigos súditos por cidadão, quando, então,

houve a passagem do naturalismo para o positivismo, com o fim de concentrar todos os

poderes, inclusive o de criar o direito, ou como exemplifica Bobbio (1995, p. 26):

[...] nasce quando direito positivo e direito natural não mais são considerados direitos no mesmo sentido, mas o direito positivo passa a ser considerado como direito no sentido próprio [...]. O positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo.

Observa-se, a partir desse momento, que a cidadania dos antigos, que ditava uma

liberdade a partir da participação do indivíduo numa determinada comunidade, bem

como ligava esse indivíduo a seus pertences, acabava por ser derrubada pela moderna

liberdade individual, ou seja, “[...] essa dimensão de liberdade, mediatizada pela

cidadania, ensejada pelo Estado, pretendeu encontrar nos direitos positivados a base

protetora da liberdade, da ordem e da felicidade”, como esclarece Bertaso (2003, p.

416). A partir de então, pode-se entender que o Estado passou a ser o garantidor dos

direitos e deveres de todos os cidadãos, protetor funcional dos direitos de liberdade e

igualdade e detentor da soberania. Assim, hoje, na lição de Castro Junior (2003, p.

255), conceitua-se cidadania como

[...] a ação política do cidadão contra o Estado ou terceiro, através do Estado, para exigir direitos que são inerentes a sua personalidade jurídica. Tais direitos fazem parte do patrimônio do cidadão, denominados direitos de cidadania, que são o conjunto de direitos e obrigações civis, sociais, políticas, econômicas e culturais, dispostos nas mesmas normas, e que servem como requisito para que assim possa conviver em sociedade, subordinando os seus interesses aos da comunidade em que vive “sociedade civil” .

Nesse sentido, não se pode vislumbrar a hipótese de se praticar a cidadania, sem se

exercitar, a priori, a nacionalidade. Sendo assim, como conceito de nacionalidade, vale

o entendimento de Mota e Spitzcovsky (1997, p. 321) :

“[...] consiste no vínculo jurídico que incorpora o indivíduo ao povo. Elemento pessoal do Estado. O termo nacionalidade vem de nação, que sociologicamente designa uma comunidade natural, integrada em razão de certos caracteres comuns, objetivos (p. ex,. língua, religião) e subjetivos (p. ex., sentimentos).O Estado contemporâneo procura ser correlativo a uma determinada nação, daí ser tido como o Estado-Nação, daí o célebre princípio das nacionalidades (cada nação deve organizar-se num estado independente) que tanta influência tem na história dos últimos séculos. Por isso, a qualidade de membro de uma comunidade nacional, a qualidade de nacional, passou a designar, por exemplo, a qualidade de membro do elemento pessoal do Estado, o povo.

Na observância de tal conceituação, vislumbra-se a necessidade de que o indivíduo

pertença a um território para que possa usufruir dos direitos inerentes àquela pátria.

Ocorre que essas transformações que derrubam fronteiras, por mero interesse de

mercado, acabam criando embaraços, principalmente no que se refere à aquisição da

nacionalidade como condição do exercício da cidadania. Como visto, todo esse

processo de quebra de fronteiras foi acompanhado pela conquista de vários direitos

inerentes ao cidadão, o que foi ocorrendo após a Segunda Guerra Mundial, quando

houve o crescimento econômico e o surgimento de instituições supranacionais, o que

acabou por ampliar o conceito clássico de cidadania, porque a relação, existente entre

a cidadania e a nacionalidade, fez nascer discussões entre o pensamento conservador,

já existente, e o pensamento progressista, que surgia com todo esse movimento.

Assim, para o primeiro, a cidadania se refere aos nacionais de um determinado

território, enquanto, para o segundo, a cidadania funda-se no contrato. Já no plano

jurídico, existe a definição de nacionalidade que determina as condições de acesso à

justiça: o jus soli, referente ao nacional de um país que nele nasce, e o jus sanguinis,

relativo aos nacionais e seus descendentes, mesmo que tenham nascido em outra

pátria.

Posteriormente, exsurgiu um pensamento mais democrático, que objetivou desagregar

completamente a cidadania da nacionalidade, procurando dar-lhe uma dimensão

puramente cultural, enquanto a cidadania teria uma dimensão jurídica e política. Em

suma, essa “nova” cidadania, no entendimento dos estudiosos modernos, não se revela

como aquela cidadania de um nacional, mas “[...] trata-se de uma cidadania superposta,

complementar, uma dupla cidadania, porque não substitui a cidadania dos nacionais

dos Estados-membros”, como lecionam Dal Ri Junior e Oliveira (2003, p. 15). Com base

em tal teoria, todos são considerados cidadãos, não importando sua nacionalidade, seu

sexo, sua idade, sua profissão ou sua condição social. A teoria dessa nova cidadania

mantém a concepção política voltada aos direitos humanos, o que possibilita a

permanência das culturas próprias de estrangeiros, pois não são considerados os

efeitos da mobilidade e do deslocamento dos cidadãos cosmopolitas.

Denota-se que a cidadania moderna possui, então, uma proteção transnacional, como

sói acontecer com os direitos humanos. Assim, todo esse processo histórico, que ao

longo do tempo vem moldando conflitos entre diversos países doravante tão distintos

politicamente, definindo trajetórias de cada um deles e fazendo com que o interesse de

mercado se sobreponha às ideologias e sistemas políticos, acaba deixando de lado o

que deveria ser o objetivo primordial de cada nação: a proteção dos direitos de cada

cidadão, em toda a sua magnitude. Por tudo isso é que o exercício da cidadania implica

uma luta constante contra um processo de dominação por exploração ou por exclusão,

sob o risco de permanecer apenas nas mãos de alguns privilegiados,

independentemente dos direitos positivados, ignorando os deveres

constitucionalizados. Sobre o tema leciona Fabriz (1999, p. 218);

[...] apesar da tentativa de uma nova teorização ou na ampliação do conceito em torno dos direitos de cidadania, verificamos que em países como o Brasil, esses direitos não são efetivados na prática, portanto inexistentes. Essa situação deve-se ao ranço deixado pelo nosso histórico passado marcado pelo autoritarismo, operando sempre na canalização dos conflitos como forma de conceder uma cidadania do tipo desfocada, cujo significado fica condicionado à vontade daqueles que exercem o poder em determinado momento.

Nesse passo, mesmo que se faça uma conceituação teórica a respeito dessa

cidadania, o que de fato merece relevo é que esse pensamento seja construído a cada

dia pela sociedade civil, na pujança desse mundo globalizado. Mas que o seja num

contexto de cidadania planetária, contrapondo-se aos interesses políticos dos Estados,

e ao poder econômico do mercado, para, só então, fazer valer o seu verdadeiro sentido.

Assim, para analisar o instituto da adoção internacional, que é o tema deste trabalho,

deve-se levar em consideração a condição jurídica da criança e do adolescente no

plano interno e no internacional, sem descurar da vertente dos direitos humanos, em

uma abordagem imprescindível nessa quadra em que a globalização passa a figurar

como inelutável, modificando conceitos e sentidos dos diversos institutos jurídicos. Para

tanto, mister se faz tratar a dogmática aqui exposta como as garantias técnicas que o

Direito Internacional Privado procura fornecer ao procedimento da adoção internacional,

balizado pelos direitos humanos. E assim deve ser, pois, como leciona Mancini (2003,

p. 51):

[...] a ciência do Direito Internacional, sendo daquela do Direito Humano Universal como espécie desse gênero, é imposta antes de tudo ao espírito a necessidade lógica de reconhecer como a base mais ampla e profunda, sobre a qual o edifício inteiro possa ser erguido, o próprio princípio gerador do Direito Universal.

Dito isso e seguindo a esteira do pensamento do citado autor, existem duas leis

naturais que são formas perpétuas da associação humana: a família e a nação. Esta,

em sua gênese histórica, “[...] não pode ser outra que a própria família, a qual se

ampliou por descendência e por gerações sobre o território que ocupava ou uma

associação de famílias unidas entre si pela religião dos conúbios” (Mancini, 2003, p.

53). Apesar disso, esclarece aquele autor que a instituição da família sempre teve

numerosas defesas, enquanto raras foram as vozes que se levantaram em prol da

causa das nacionalidades oprimidas, que têm como as condições naturais e históricas o

território comum, e a raça um importante elemento constitutivo, pois é expressão de

uma identidade de origem e de sangue. De fato, são determinadas propriedades

transmitidas na raça que formam o espírito nacional, resultado de um conjunto de

qualidades físicas e morais que se tem em comum com os próprios irmãos. De igual

importância, a palavra surge como vínculo de unidade nacional, pois, pelo idioma de

uma Nação, se manifesta a sua unidade de natureza moral e há a criação de idéias

dominantes.

Todos esses elementos citados por Mancini (2003, p. 62-63), entretanto, não são

suficientes para constituir inteiramente a nacionalidade. E é o mesmo doutrinador que

esclarece que somente com a consciência a nacionalidade pode ser constituída

plenamente, por meio de uma unidade moral de um pensamento comum, de uma idéia

predominante que faz da sociedade o que ela é porque nela se realiza. Assim, consiste

a nacionalidade em uma “[...] sociedade natural de homens com unidade de território,

de origem, de costumes e de língua, configurados numa vida em comum e numa

consciência social” (Mancini, 2003, p. 62-63).

E é desse pensamento que decorre que a legitimidade, a conservação e o

desenvolvimento da nacionalidade passam a ser para os homens não só um direito,

mas um dever jurídico. O “direito da nacionalidade, portanto, não é senão a mesma

liberdade do indivíduo, estendida ao desenvolvimento comum do agregado orgânico

dos indivíduos que formam as nações”(Mancini, 2003, p. 62-63). Essa liberdade está

intimamente ligada aos direitos dos homens que, no contexto deste trabalho, pode ser

ligada aos ditames constitucionais da Carta Federal de 1988, dentre eles, o direito de

pertencer a uma família.

A realidade é que coexistem diversas Nações, é e por essa razão, entende Mancini

(2003, p. 67-76) que, na “[...] gênese dos direitos internacionais a Nação e não o Estado

representa a unidade elementar, a mônade racional da ciência”. Assim, no princípio da

nacionalidade está “[...] incluído também o limite ao injusto desenvolvimento de uma

nação em detrimento das outras e disso manar a livre harmoniosa coexistência de

todas”. Isso porque o princípio da nacionalidade não pode significar senão a

inviolabilidade e proteção de todas as nações, pois trata-se do fundamento e dos

conjuntos de utilidades legítimas de um povo.

Destarte, mesmo utilizando-se a nacionalidade como fundamento dos demais direitos

inerentes ao indivíduo de um determinado Estado, a proteção desses direitos relativos

à criança e ao adolescente não pode ser compreendida fora da ordem globalizada, que

é a realidade atual do mundo que é uno, e o destino de cada homem está entrelaçado

ao de todos os outros, como afirma Luño (1998, p. 41), para quem qualquer atentado

contra os direitos e liberdades da pessoa não é uma questão doméstica,mas um

problema de relevância internacional. Nesse mesma sentido, esclarece Costa (1999, p.

266)

A flexibilização das fronteiras territoriais, o deslocamento cada vez mais rápido e intenso de pessoas além das fronteiras, o aumento das uniões entre homens e mulheres de diferentes nacionalidades e a internacionalização da família, tudo isso permite comunicarmo-nos de outra maneira, quebrarmos desconfianças e preconceitos, conhecermo-nos melhor e tratarmo-nos mais cooperativamente.

Citando Martin Luther king, conclui o citado autor que “[...] todos nós estamos presos

numa rede inescapável de mutualidade, confinados numa única peça do destino. O que

afeta uma pessoa, afeta a todos indiretamente. Temos que viver juntos devido à

estrutura inter-relacionada da realidade”. Nesse mesmo sentido, Jayme (2005, p. 191)

esclarece que o fundamento maior do Estado Democrático é a dignidade da pessoa

humana, da qual se elevam todos os direitos relacionados a proporcionar ao indivíduo

as condições mínimas necessárias à sua plena satisfação, e complementa:

É ponto pacífico, tanto na doutrina e na jurisprudência, que o Estado não pode furtar-se ao cumprimento do preceito estabelecido em normas de direito internacional dos direitos humanos, sob a invocação do direito interno ou do princípio da soberania. Além disso, quando o Estado, por qualquer razão, descumpre esse preceito fundamental, que é o respeito à dignidade humana, entra em cena o sistema de proteção internacional dos direitos humanos, representados pelos órgãos de proteção regional, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

É, portanto, dentro desse contexto, que a adoção internacional deve ser inserida

quando surge para proteger o direito da criança à vida familiar e, em conseqüência,

todos os seus demais direitos, quando esta se encontra realmente abandonada, e não

logrou êxito em obter os direitos básicos em seu país de origem, pois não há de se

invocar a soberania como valor superior e contrapor-se ao interesse social de proteção

ao menor e à própria essência do mundo atual, pois, como leciona Costa (1999, p.

268):

O que todos desejamos é que os avanços produzidos na proteção internacional da criança, incorporados ao Direito positivo brasileiro e latino-americano, mediante a paulatina ratificação das convenções internacionais pelos países de nossa região, não se restrinjam apenas à dimensão normológica, pois a criança desamparada, centro de nossas preocupações e valor fundamental a se defender, somente terá assegurada a efetiva proteção de seus direitos pelo ponderado labor dos que atuam nessa delicada área, na qual, infelizmente, ainda grassam muitos preconceitos e equívocos.

É indene de dúvidas que toda criança tem direito de ser criada e educada no seio de

sua própria família, no seu país de origem e na sua cultura. E é por essa razão que a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção das Nações Unidas sobre os

Direitos da Criança e o Pacto de São José da Costa Rica preconizam que toda pessoa

tem o direito de conservar a sua nacionalidade, da qual derivam a manutenção dos

vínculos com a terra, as tradições, a cultura e a língua materna. Evidentemente, a

adoção internacional surge como medida excepcional, somente justificada quando não

há outra alternativa para a criança em seu próprio país, mas ela não pode ser privada

de buscar o seu bem-estar em uma família estrangeira.

Portanto, a criança e o adolescente desamparados devem ser valor fundamental a se

defender, de forma que não haja preconceitos ou condicionamentos ideológicos

prévios, como a pátria, a cultura e a língua. A afirmação injustificada de nacionalismos

ou a invocação da soberania como valor politicamente superior não podem servir de

entraves para o atendimento ao Estado Democrático de Direito preceituado pela Carta

Magna de 1988 a todos os cidadãos brasileiros.

4 A ADOÇÃO INTERNACIONAL E OS INSTRUMENTOS LEGAIS

Em se tratando de adoções nacionais, as soluções são dadas em conformidade com as

disposições legislativas próprias, inspiradas na melhor doutrina, bem como na prática

jurisprudencial dos direitos internos. Entretanto, com relação à adoção internacional,

tem-se que, por muitas vezes, se revela como campo de conflitos de leis, e isso porque

até recentemente se tratava de instituto desconhecido, inexistindo, inclusive,

disciplinamento em alguns ordenamentos jurídicos.

Hodiernamente, a comunidade internacional tem buscado soluções para os conflitos em

matéria de adoção internacional, procurando harmonizar, sempre que possível, o

tratamento de determinados institutos, viabilizando os relacionamentos transfronteiras,

com maior cooperação entre os países em nível mundial, por meio de Convenções e

Tratados.

Assim, o Brasil, na esteira de todos os instrumentos universais e regionais, inseriu, pela

primeira vez no Texto Constitucional de 1988, o capítulo relativo à Família, à Criança e

ao Adolescente, ao Idoso, explicitando sobre os direitos fundamentais e ainda

promovendo a legislação infraconstitucional por meio do Estatuto da Criança e do

Adolescente, redirecionando a proteção ao menor e ao adolescente, com as respectivas

regulamentações, como se verá nos tópicos seguintes.

4.1 CONVENÇÃO DE HAIA

A Adoção Internacional constitui um dos problemas de mais difícil solução no campo do

Direito Internacional, tendo em vista o crescente número de adoções por estrangeiros,

que foi se tornando viável por meio de Tratados, Convenções e Declarações, medidas

tomadas para garantir maior segurança e proteção ao adotado.

Como já enfocado, as guerras contribuem para a repressão social e econômica de um

povo, o que levou a comunidade internacional a estabelecer acordos com fins

humanitários. Foi em Genebra, na Liga das Nações, após a Primeira Grande Guerra

onde primeiro se abordou sobre a proteção à infância. Também após a Segunda

Guerra Mundial, com o surgimento da Declaração dos Direitos do Homem (1948), foi

que originou, posteriormente, a Declaração dos Direitos da Criança (1959), documento

este que fez com que o mundo passasse a observar a criança como um ser especial,

com necessidade de proteção e cuidados, a serem recebidos pelos pais e também por

toda a sociedade.

Nesse sentido, deve-se a essa Declaração todo o desencadear de medidas de proteção

à criança e ao adolescente, como a adoção, que hoje é encontrada nos ordenamentos

jurídicos, com ênfase para os interesses do adotando, sendo realizada em âmbito

nacional e internacional. Todo esse processo de afirmação internacional dos direitos

humanos, como assevera Perez Luño (1998, p. 42), abre um resquício de esperança de

uma humanidade definitivamente liberada do temor de ver constantemente violados os

seus direitos mais essenciais. A partir de então, esse vem sendo o caminho

irrenunciável para os espíritos comprometidos com a causa da emancipação integral

humana.

Após a Declaração dos Direitos da Criança, foram firmados Pactos Internacionais

relativos aos Direitos Civis e Políticos e aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,

que passaram a vigorar internacionalmente em 1976, acordos esses que previam, em

seu bojo, disposições relativas à família e ao menor, dentre elas, o registro civil do

infante, o direito à nacionalidade, proteção contra a exploração econômica e social,

dentre tantos outros. Especificamente na América Latina, destacam-se o Código de

Bustamente (1928) e o Tratado de Montevidéu (1940), sendo o primeiro firmado na

Sexta Conferência Internacional de Havana, ratificado por todos os Estados

americanos, com exceção da Argentina, Estados Unidos, México, Paraguai e Uruguai.

O princípio adotado pelo Código de Bustamante foi o da validade, ou seja, da

capacidade das partes e os efeitos de uma adoção dependeriam da lei pessoal do

adotante e também do adotado. Tal princípio foi também adotado pelo Tratado de

Montevidéu, firmado entre o Uruguai e a Argentina. Com o passar dos anos, o Código

de Bustamante não mais atendeu à realidade americana, vindo, então, os países latino-

americanos a firmarem suas relações nas Conferências Interamericanas de Direito

Internacional Privado (CIDIP), realizadas no Panamá (1975), Montevidéu (1979), La

Paz (1984), Montevidéu (1989) e México (1994), que continuam sendo ratificadas pelos

Estados Americanos.

Ressalta-se que, em La Paz, foi celebrada a Conferência Interamericana sobre

Conflitos de Leis em Matéria de Adoção, promulgada no Brasil pelo Decreto 2.429, de

17-12-1997. Na Conferência Interamericana realizada em Montevidéu, no Uruguai,

celebrou-se a Convenção Sobre Restituição Internacional de Menores. Uma das

temáticas tratadas na Conferência Interamericana acontecida no México resultou na

Convenção Sobre o Tráfico Internacional de Menores, ratificada no Brasil pelo Decreto

nº 2.740, de 20-08-1998.

A Conferência de Haia de Direito Internacional Privado foi criada em 1893, inicialmente

com 57 países membros, tornando viáveis convenções sobre diversos temas, como

conflitos entre leis de nacionalidade e domicílio, sobre reconhecimento de divórcio e

separação legais; celebração e validade de casamentos, transferência internacional de

crianças, dentre muitos outros. Em 15 de novembro de 1965, foi realizada, na cidade de

Haia, a Conferência sobre a Adoção Internacional, surgindo, então, a Convenção de

Haia, que tinha como foco central as discussões que versavam sobre a lei aplicável,

jurisdição e reconhecimento em matéria de adoção. Tal Convenção estabeleceu que as

regras sobre jurisdição versariam sobre a residência habitual do adotante, o que fez

com que somente a Áustria, Reino Unido e Suíça assinassem o texto, sendo recusado

por todos os países em desenvolvimento e por aqueles que reconheciam a

nacionalidade como fundamento para determinação da jurisdição.

Posteriormente, houve a Convenção de Estrasburgo, de 24-04-1967, que teve como

objetivo realizar entre os Estados membros do Conselho da Europa, uma união mais

estreita, com a finalidade de favorecer o progresso social, promovendo o bem-estar do

menores. Tal Conselho novamente se reuniu, aos 20-05-1980, em Luxemburgo, e

acordou sobre a Convenção Européia Sobre o Reconhecimento e a Execução das

Decisões Relativas à Guarda de Menores e Sobre o Restabelecimento da Guarda de

Menores. A Assembléia Geral das Nações Unidas, de 20-11-1989, aprovou por

unanimidade a Convenção Sobre os Direitos da Criança, resultado de um trabalho de

mais de dez anos, expedido quando comemoravam os trinta anos da Declaração

Universal dos Direitos da Criança de 1959.

A partir de então, dentro de um quadro de situações reais, profissionais e

representantes dos Estados-membros da Convenção de Haia se especializaram,

enfrentando questões relativas às barreiras de línguas oficiais, incluindo temas

amigáveis, retirando discórdias graves, tudo para compor os interesses dos países,

utilizando-se da escuta de posicionamentos, na posição de membros ad hoc, de países

com experiência exacerbada no assunto, embora não fosse país interegrante. Tal se

dera com o Brasil, na décima sétima Conferência, quando então se originou a

Convenção sobre adoção internacional.

Especificamente sobre adoção internacional, sabe-se que as divergências de interesses

entre países de acolhimento e os de origem das crianças, bem como problemas

internos de cada ente político, somados à falta de uma linha operacional equânime,

acabaram fazendo com que a criação de uma normativa multilateral para a questão da

adoção internacional não se realizasse há mais tempo. Sobre o tema Figueiredo (2002,

p. 28), traz como indicativo de tais dificuldades o conteúdo do documento de referência

do Save the Children, instituição britânica de apoio às crianças:

Na Índia somente os hindus têm acesso à adoção legal, enquanto no Nepal a adoção de crianças por estrangeiros continua sendo autorizada somente se o nome da criança não for modificado e se ela não for convertida a outra religião. [...] geralmente a adoção não é possível nos países ilâmicos. O Alcorão proíbe a criação de laços artificiais de filiação, embora muitos países islâmicos ofereçam de fato formas alternativas de cuidados familiares como o ‘Kafalah’. Poucos Estados Islâmicos (a Síria e o Egito por exemplo) autorizam a adoção de crianças por parte de cristãos. E alguns países Islâmicos introduziram a noção de adoção no seu quadro legislativo (por exemplo a Tunísia e a Indonésia).[...] Em muitas sociedades africanas não se pode aceitar que uma criança seja aparentada a alguém fora da família ou do grupo clãnico, e a extinção dos laços de sangue é inconcebível.

Por tal razão é que se fazia necessária a edição de uma norma que fosse cumprida

com êxito. Foi então, em Haia, em 29-05-1993, no âmbito da 17ª Conferência de Direito

Internacional Privado, que se concluiu a Convenção Relativa à Proteção e à

Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, com o objetivo primordial de

exterminar o tráfico internacional, seqüestro e a venda de crianças. Assim, foram

estabelecidas medidas comuns com o fim de resguardar o interesse superior da

criança, levando-se em consideração os princípios já reconhecidos por instrumentos

internacionais, ou seja, respeitando-se os direitos fundamentais internacionais. Como

lembra Luño (1998, p. 43), os direitos fundamentais aparecem como a fase mais

avançada do processo de positivação dos direitos naturais nos textos constitucionais

do Estado de Direito, cujo processo tem como ponto intermediário a conexão com os

direitos humanos. Sobre o tema, tem-se a visão de Marques (2002, p. 43):

[...] tanto o ECA (Lei 8.069/90) quanto a Convenção de Haia de 1993 (Dec. 3.087/99) representam uma nova visão da adoção internacional, concentrada agora nos direitos humanos da criança, no seu bem-estar e no seu interesse superior. Supera-se, assim, a visão anterior da adoção, concentrada nos interesses patrimoniais familiares, no eventual direito de procriação dos pais adotivos e seus interesses de continuação da família. Especialmente, com o princípio da subsariedade da adoção internacional em relação à adoção nacional (art. 31 do ECA e art. 4° da Convenção de Haia de 1993), há uma clara mudança de perspectiva do Direito Internacional Privado brasileiro: não basta mais somente preencher os requisitos formais e materiais para a adoção internacional, há que se exaurir as possibilidades de solução nacional, em respeito aos direitos humanos da criança.

Baseado nesse entendimento, tal Convenção estabelece, em sete capítulos, medidas e

regras que devem ser adotadas pelos Estados-Partes. O primeiro capítulo (arts. 1º ao

3º) trata da sua aplicação. Destaca o art. 1º os objetivos da norma, quais sejam:

estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas levando em

consideração o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais;

instaurar um sistema de cooperação entre os Estados contratantes que assegure o

respeito às ditas garantias e, conseqüentemente, previna o seqüestro, a venda ou o

tráfico de crianças; assegurar o reconhecimento, nos Estados contratantes, das

adoções realizadas, segundo a convenção. Sobre tais objetivos, Costa (1998, p. 200)

explica:

O propósito da Convenção de Haia de 1993, que se inspirou principalmente nas diretrizes da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, é o de estabelecer um sistema de cooperação administrativa entre os países de acolhida e os países de origem, de sorte a minimizar os abusos, assegurar que os interesses da criança sejam prevalentes na adoção e garantir o reconhecimento das adoções efetivadas sob sua égide.

Todos esses objetivos traçados pela Convenção de Haia são concentrados no sujeito

de direito mais frágil, qual seja, a criança, e nos seus respectivos direitos fundamentais

de manutenção de vínculos familiares, de preservação de sua origem, de sua

identidade cultural e da sua plena realização como pessoa em desenvolvimento. Tais

princípios são nitidamente refletidos no Direito Brasileiro, como se pode ver da

Constituição Federal que dispõe, em seu art. 227, § 5°, o acompanhamento pelo Poder

Público, na forma da lei, das adoções internacionais, reconhecendo os direitos

fundamentais das crianças e impondo uma concentração nos direitos do filho.

A Convenção traz, em seu art. 4º, como destaque, o interesse superior da criança,

como sendo a necessidade do consentimento dos pais biológicos e da criança, a

proibição de contato entre os futuros pais adotivos e os pais da criança ou quem

detenha a sua guarda, a necessidade de estar a criança considerada como adotável

pela autoridade competente e os futuros pais aptos a adotar, incluindo aqui também o

art. 5º. Os requisitos a serem atendidos pelo Estado de origem do adotando estão

prescritos no art. 4° do 2º Capítulo, cuja primeira previsão diz respeito ao

reconhecimento, pela autoridade competente do Estado de origem, de que a criança é

adotável, com a devida concordância dos pais, perante a autoridade judiciária e o

Ministério Público. É dispensada tal concordância quando se tratar de pais falecidos,

destituídos de pátrio poder ou desconhecidos juridicamente. É relevante observar,

quanto a esse dispositivo, que deve haver a constatação de que a adoção internacional

atende aos interesses superiores da criança, ou seja, que não haja a possibilidade de

que essa criança seja mantida no país de origem, pela ausência de uma família para

ela. Denota-se, portanto, que com as disposições contidas nesse preceptivo, quis a

Convenção repetir todos os cuidados que deve ter o Juiz da Infância e Juventude,

quando tratar com qualquer adoção nacional, incluindo-se, apenas, as observações

relativas à adoção internacional.

No tocante aos requisitos a serem atendidos pelo Estado de origem do adotando no

âmbito externo, estão estes descritos no art. 5° do mesmo Capítulo, que prevê que a

adoção só ocorrerá, quando houver a devida verificação de que os futuros pais

adotivos encontram-se habilitados e aptos para adotar; for assegurado que os futuros

pais adotivos foram convenientemente orientados e tiver verificado que a criança foi ou

será autorizada a entrar e a residir permanentemente no Estado de acolhida.

De acordo com a Convenção de Haia de l993, cada país nomeará uma Autoridade

Central, para desincumbir-se das tarefas impostas e tomar todas as medidas para “[...]

facilitar, seguir e acelerar o processo em vista da adoção” (art. 6º). Será estabelecido

um sistema internacional de cooperação entre as autoridades centrais dos países de

origem e dos países de acolhimento, que funcione como pólo controlador da lisura do

processo de adoção. A Instituição da Autoridade Central foi acolhida em diversas

legislações, dentre elas: a do Brasil, art. 52, do ECA (Comissões Estaduais Judiciárias

de Adoção), Bolívia, arts. 99 a 104, (Organismo Nacional), Colômbia, art. 118 e ss.

(Instituto Colombiano de Bienestar Familiar), Chile, art. 42 (Serviço Nacional de

Menores), Equador, arts. 115 a 118, (Departamento Técnico de Adopciones), Peru art.

134 (Secretaría Técnica de Adopciones), India (Resolução de 4 de julho de l989, revista

em l992 (Central Adoption Resource Agency), Honduras (art. 20), Polônia, art. 9 do

Decreto de l7 de agosto de l993 (Publiczny Osrodec Adopcyjno-Opiekunczy ou Centro

Público de Adoção e Tutela), Romênia, arts. 6 a 10 (Comitê Romeno para Adoção -

Cra) e Albânia, arts. 6 a 10 (Comitê Albanês para Adoção - CAA). A função da

autoridade central é destacada por Marques (2002, p. 51):

Na nova Convenção de Haia sobre cooperação em matéria de adoção internacional, a figura da autoridade central aparece como um pólo controlador da lisura do processo de adoção, como fórum de contatos e de informação entre os interessados na adoção. A autoridade central do país de acolhida é responsável pela seleção do candidato a adotante (art. 15) e tem o monopólio de controle da iniciativa da adoção pelos candidatos a adotante (art. 14), uma vez que o processo começa necessariamente com os candidatos dirigindo-se à sua autoridade central e não àquela do país de origem da criança, para evitar a pressão e a procura desenfreada de crianças adotáveis naquele país. O contato com a autoridade central do outro país é de responsabilidade exclusiva também da autoridade central do país de acolhida (art. 15, 2). O sistema proposto é um sistema de contatos somente entre autoridades públicas, evitando as pressões

e os comprometimentos frente às agências de adoção ou aos adotantes individuais.

Vê-se, então, que essas autoridades deverão tomar todas as medidas necessárias para

que a efetivação da adoção internacional somente se realize quando houver interesse,

segurança e proteção à criança. Deverá, também, haver cooperação entre essas

autoridades, a fim de se alcançar o fim almejado.

Os organismos, sem fins lucrativos, que podem atuar em matéria de adoção

internacional, têm regras a serem seguidas, descritas nos arts. 10 ao 12. Tais

organismos são designados pelas autoridades centrais e comunicados ao Bureau

Permanente da Conferência de Haia de Direito Privado, como descrito no art. 13. No

caso do Brasil, que possui vários entes federados, pode haver a designação de mais de

uma autoridade central, que atuará apenas no seu âmbito territorial. Entretanto, a

direção de todas elas deve ser feita por uma única autoridade central, a quem caberá

fazer a comunicação entre os Estados membros, cabendo-lhe apenas a função

intermediária entre o Estado de acolhida e a autoridade central do ente federado, sendo

da responsabilidade desse último cuidar de todo o procedimento administrativo.

O procedimento para a adoção internacional está prescrita no art. 14 do Capítulo

Terceiro, bem como no Quarto Capítulo, nos arts. 15 ao 22. Nessa fase, cuida-se de

verificar a aptidão dos solicitantes, bem como dos infantes em condições de serem

adotados, o que será feito por meio de um relatório confiado à Autoridade Central, que

ali deverá pronunciar-se. Tal decisão não se trata de sentença de adoção, mas tão-

somente de uma decisão judicial a ser proferida pelo juiz competente, a quem caberá

examinar os elementos objetivos e subjetivos do processo. É bem verdade que existe

corrente divergente desse sentido, cuja idéia trazida por Erson Teodoro Oliveira, citado

por Carvalho (2002, p. 22) enuncia que

[...] em suma a adoção em si, na forma prevista pela Convenção, conquanto preveja o rompimento parental anterior (destituição do pátrio poder), pode consumar-se tanto por sentença judicial (se a Autoridade Central for exercida por órgão do Poder Judiciário) como por decisão administrativa (se a Autoridade Central for exercida por organismos credenciados).

Entretanto, o próprio Carvalho (2002, p. 23) mostra entendimento mais razoável,

quando diz que a adoção internacional trata de um processo judicial, pois não causa a

destituição do pátrio poder, mas a transferência, que são institutos diversos. Sendo

assim, cuida essa decisão administrativa de uma fase anterior ao processo relativo à

adoção internacional, que se revela como um procedimento bipartido, que se inicia com

a fase administrativa (que principia no pais de acolhida e finaliza com a expedição do

documento de habilitação), findando com a fase judicial, com a sentença.

O reconhecimento e os efeitos da adoção são encontrados no Quinto Capítulo da

Convenção, descritos nos arts. 23 ao 27. Merecem destaque, nesses artigos, as

conseqüências advindas do reconhecimento da adoção, quais sejam: a) do vínculo de

filiação entre a criança e seus pais adotivos; b) da responsabilidade paterna dos pais

adotivos a respeito da criança; c) da ruptura de filiação preexistente entre a criança e

sua mãe ou pai, se a adoção produz efeito no Estado contratante em que teve lugar.

Torna-se importante, ainda, destacar a determinação contida no art. 27, que prevê

como e quando uma adoção realizada em um Estado de origem, que não prevê como

efeito a ruptura do vínculo preexistente de filiação, poderá, pelo Estado de acolhida, ser

convertida em uma adoção que produza tal efeito.

As disposições gerais e cláusulas finais são encontradas nos Capítulos Sexto e Sétimo.

No primeiro encontram-se as seguintes disposições gerais: a) a não derrogação, pela

Convenção, de leis de um Estado contratante quando este determine que a adoção

seja efetivada nesse Estado, ou quando proíba a colocação da criança no Estado de

acolhida ou, ainda, proíba o deslocamento da criança antes da adoção; b) a decisão de

não haver contrato entre pais adotivos e os pais da criança ou qualquer outra pessoa

que detenha a sua guarda até que se tenha estabelecido que a criança é adotável e se

cumpra o previsto no art. 4°, letra “c” e art. 5° d o documento; c) o sigilo da origem da

criança e de informações que possam identificar os pais e a história médica da criança

e de sua família; d) a proibição de benefícios indevidos, quando da intervenção em uma

adoção internacional; e) a obrigação de que toda autoridade competente deve informar

à Autoridade Central, quando constate que uma disposição da Convenção não foi

respeitada para que ela mesma tome as medidas adequadas; f) os custos com a

tradução certificada de documentos recebidos pelo Estado destinatário; g) a celeridade

nos procedimentos de adoção; h) as considerações que devem ser atendidas no caso

de um Estado que possua, em matéria de adoção, dois ou mais sistemas jurídicos

aplicáveis, quer em diferentes unidades territoriais, quer em categorias diferentes de

pessoa; i) a proibição de reservas à Convenção; j) a previsão de uma Comissão

Especial para examinar o funcionamento prático da Convenção. Os últimos capítulos

da Convenção, arts. 43 a 48, tratam da assinatura, por parte dos Estados, das

ratificações, adesões, da data quando a Convenção entrará em vigor, bem como de

outras disposições administrativas.

Tem-se, assim, que tais normas fornecem instrumentos efetivos para a solução de

problemas identificados em adoções anteriores à Convenção de Haia, sendo dirigidas

não somente àqueles que atuam no processo em si, como aos Estados envolvidos, que

devem zelar pelo nível jurídico e ético exigido. É dessa forma que o sistema da

Convenção aumenta a comunicação entre autoridades, a gama de informações

trocadas e a segurança quanto à autenticidade e seriedade dos estudos realizados e

documentos de habilitação expedidos. O sistema propicia, igualmente, um aumento da

confiança nos atos judiciais elaborados.

Pode-se concluir, portanto, que a opção da Convenção foi impor regras mínimas de

cooperação e de ética a todas as adoções internacionais, colocando no centro a

atenção ao deslocamento internacional da criança, sem dar juízo de valor às normas

nacionais, que não deixaram de valer, passando apenas a contar com o reforço da

competência outorgada às autoridades centrais dos países. A Convenção deixa indene

de dúvidas que em todos os casos de transferência internacional da criança é de vital

importância à proteção desse infante, mediante uma efetiva cooperação entre as

autoridades nacionais envolvidas para assegurar a melhor condição possível, com

maior efetividade na proteção aos direitos da criança.

A Convenção 33, relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de

Adoção Internacional10 entrou em vigor ao dia 1° de maio de 1995 e aprese ntava 46

países ratificantes, até a data de 15 de agosto de 2004. De acordo com as regras do

Convenção, é exigido um prazo de três meses, além do mês no qual se efetivou o

depósito, para que passe a vigorar, sendo esse prazo destinado à comunicação, do

depositário, ao restante da comunidade participante, bem como possa o novo país

participante se organizar administrativamente, a fim de atender, da melhor forma, as

diretrizes contidas no acordo. Existem, ainda, os países que assinaram a Convenção

mas ainda não a ratificaram, num total de seis. São eles: Estados Unidos, Irlanda,

Bélgica, Rússia, China e Hungria. Os Estados Unidos já possuem autorização

legislativa para a devida ratificação. A justificativa apresentada para a falta da

assinatura da ratificação pelos Estados Unidos encontra resposta no entender de

Figueiredo (2002, p. 56), que traz como causas de tais circunstâncias o seguinte:

[...] a) a diversidade das legislações processuais em cada um dos Estados-membros da federação americana, dificultando a operacionalização uniforme e exigindo negociações e tratativas entre o governo central e os governos estaduais; b) ausência de tradição de os USA participarem de acordos multilaterais (vide registro de que é um dos únicos países do mundo que não ratificaram a Convenção de New York sobre os Direitos da Criança contidos no item 3.1), sendo mais próprios da diplomacia daquele país os acordos bilaterais.

Por fim, tem-se os países que consultaram sobre a Convenção, mas que não

cumpriram a assinatura no prazo de eficácia de seis meses (conforme art. 44 do acordo

multilateral), num total de dezesseis, sendo eles: Andorra, Moldávia, Lituânia, Paraguai,

Nova Zelândia, Ilhas Mauricio, Burundi, Geórgia, Mônaco, Islândia, Mongólia, Estônia,

Guatemala, África do Sul, Guiné e Azerbaijão. Torna-se importante ressaltar que existe

um prazo de três meses, além do prazo que se efetivou o depósito para que a

Convenção entre em vigor no país adeso. Essa espécie de vacatio objetiva que o país

aderente possa comunicar sua adesão aos demais participantes, e ainda para que

10 Disponível em: <http://www.hcch.net/e/status/adoshte.html>. Acesso em: 15 ago. 2004. Original em inglês (tradução nossa).

tenha condições de se estruturar administrativamente para o cumprimento adequado do

acordo, isso porque se mostra relevante e indispensável que os países atualizem suas

legislações, bem como celebrem acordos bilaterais que complementem as regras

convencionais e atendam aos interesses ligados às adoções internacionais, a fim de

que as previsões da Convenção possam, de fato, ser colocadas em prática e

efetivadas.

O Brasil depositou sua assinatura em 10 de março de 1999, passando a viger a partir

de 1º de julho de 1999. Tal ratificação tem como base o § 2º do art. 5º da Constituição

Federal que destaca que “[...] os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Assim, o

Brasil, utilizando-se do comando constitucional, nada mais fez do que buscar o modus

operandi, objetivando o resguardar dos direitos inerantes às crianças e à família,

conforme previsto na Constituição da República, pois a Convenção apresenta um

conjunto de regras que cuidam de disciplinar a adoção internacional, a fim de que sua

efetivação tenha tratamento igualitário entre os países de origem da criança e aquele

que a irá acolher, atendendo sempre ao interesse superior do infante. E assim o é, pois

a Convenção de Haia não veio revogar o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas

objetiva orientar quais normas domésticas devem permanecer, como assevera Marques

(2002, p. 67):

O que muda é o espírito da lei, mas atualizado e adaptado à aproximação dos países, globalização e facilidade tanto de contatos internacionais privados, como de deslocamento de crianças, de agentes facilitadores independentes ou de agências internacionais de adoção (intermediários) e de informação e cooperação das autoridades competentes, visando a evitar o tráfico de crianças, o abandono induzido para adoção internacional de bebês e o benefício financeiro de qualquer um daqueles que participam na adoção de crianças.

Apesar desse entendimento, revela-se imperioso asseverar que é passível ao Brasil o

deferimento de adoções internacionais para casais estrangeiros oriundos de países que

não ratificaram a Convenção em enfoque, desde que seja observado o princípio da

subsidiariedade, dando-se preferência aos adotantes brasileiros, e ainda que não

existam pretendentes de países que ratificaram o pacto, em consonância com a

Constituição Federal de 1988 e a Convenção de Viena de 1969. Desse modo,

ocorrendo adoção internacional por pretendente de país que não ratificou a Convenção

de Haia, as regras desse acordo não são aplicáveis, pois devem vigorar aquelas

expostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo recomendável, ainda, que a

sentença contenha exigências de cunho do direito das obrigações, a fim de assegurar

ao adotado a plena cidadania.

Assim, como concluído por Costa (1998, p. 234), após a ratificação do texto integral da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança da Assembléia das Nações Unidas, o

Brasil tem hoje, apesar de algumas imperfeições contidas no Estatuto, uma das

legislações mais avançadas do mundo, no que diz respeito aos direitos da criança e do

adolescente. E assim o é, pois, ao ratificar sua assinatura na Convenção de Haia,

passou o Brasil a cooperar administrativa e judicialmente contra o tráfico de crianças e

a zelar pelo respeito aos direitos fundamentais dos entes envolvidos nas adoções

internacionais brasileiras requeridas por estrangeiros domiciliados em outros países.

Passou-se, dessa forma, a tratar a adoção internacional como humanitária e

multifuncional, concentrada nos direitos fundamentais da criança e do adolescente

mundialmente reconhecidos.

4.2 OS PROCEDIMENTOS LEGAIS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL NO BRASIL

Os requisitos necessários para que se realize a adoção por estrangeiros são regulados

por diversos procedimentos legais no âmbito de um Estado. O Brasil possui, em sua

legislação, toda a regulamentação necessária relativa à adoção internacional, sendo

certo que houve uma adaptação da legislação interna com observância ao contido na

Convenção Relativa à Proteção e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional,

concluída em Haia, em 29 de maio de 1993. A nova Carta Constitucional de 1988

trouxe inovações significativas, merecendo destacar, dentre elas, o art. 1º, que

preceitua, em seu inciso III, a dignidade da pessoa humana dentre os fundamentos do

Estado Democrático de Direito. Além de tal preceptivo, apresenta a Lei Maior vários

objetivos, como se pode ver do seu art. 3º, que prevê: constituir uma sociedade livre,

justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação. Assim, além do tema referente à adoção internacional, em vários

momentos, a Constituição de 1988 também tratou de matérias pertinentes aquele

instituto, tais como: os direitos e garantias fundamentais, os direitos sociais e políticos,

a proteção à infância e, em capítulo especial, à criança e ao adolescente. E é esse

tema, abordado no capítulo VII da Constituição da República, que trouxe relevantes

alterações ao tratar da família, do idoso, da criança e do adolescente, fazendo iguais

todos os componentes da entidade familiar.

Além de toda previsão constitucional disciplinadora em matéria de adoção, tem-se que

o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.06 9/90) trouxe uma nova visão acerca

das necessidades da família, principalmente da criança. E foi com esse Estatuto,

popularmente conhecido como ECA, que a adoção ganhou fôlego e ampliou horizontes,

apesar de tratar-se de instituto antigo em nosso ordenamento, vindo como

conseqüência do art. 227, § 5º da Constituição Federal: “A adoção será assistida pelo

Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação

por parte de estrangeiros”. Os artigos reguladores da adoção (arts. 39 ao 52)

encontrados no Estatuto referem-se às crianças e adolescentes que são assim

definidos pelo art. 2º: criança: “[...] pessoa até doze anos de idade incompletos”, e

adolescente: “[...] pessoa entre doze e dezoito anos de idade”.

Segundo o Estatuto, tudo o que diz respeito à adoção por nacionais aproveita-se aos

estrangeiros, sendo certo que existem exigências especiais com relação a estes

últimos, tais como requisitos pessoais dos adotantes, documentos devidamente

traduzidos, bem como a realização de estágio de convivência dos adotantes com os

infantes. Com relação à adoção internacional, é importante salientar que, para a sua

concretização, mister se faz que as pessoas que integram a relação processual

possuam domicílio em países distintos. Domicílio, nesse caso, é considerado como

fator identificador da adoção por estrangeiros por grande parte da legislação

internacional, o que difere da Constituição Federal do Brasil que, em seu art. 227, § 5º

elegeu a nacionalidade do adotante. Sobre o tema, leciona Costa (1998, p. 242-243):

[...] conforme já observado no estudo da tratativa internacional a evolução do Direito Internacional Privado tem rechaçado a nacionalidade e domicílio legal como pontos de conexão. O primeiro, com os seus complexos problemas políticos e, o segundo, nem sempre coincidente com o país da verdadeira e estável residência da criança, suscitando problemas subjetivos de investigação e prova da intenção de permanência e ânimo definitivo de viver em determinado lugar. Importa, mais um vez, destacar que a conexão residência habitual, por se constituir em solução mais adequada à proteção dos interesses da criança do que tradicionais e superados nacionalidade e domicílio legal, vem recebendo as preferências da mais moderna doutrina na matéria, sendo majoritariamente adotada pelas recentes Convenções Internacionais.

Diante de tal exposição, tem-se que a residência habitual se mostra como conexão a

ser adotada, como disposto na Convenção de Haia. É bem verdade que esse não é o

único problema enfrentado pela diversidade de legislações aplicáveis à adoção, pois a

transferência de crianças de um país para outro, confiando-lhes a uma nova família,

proporcionando-lhes novas culturas, sempre traz consigo problemas jurídicos e sociais,

que têm sido tratados constantemente pela Organização das Nações Unidas (ONU) e

pela ordem legislativa internacional, que não poupam fôlego para apresentar as

soluções, o que fazem por meio de convenções que se apresentam como uma

regulamentação supra-estatal, com o fim de controlar o aumento da procura de crianças

para serem adotadas.

No plano interno, observa-se que os países procuram adaptar-se a essas

regulamentações internacionais, por meio de reformas legislativas, objetivando regular

o instituto, solucionando a situação apresentada. Tais medidas, efetivadas pelas

convenções internacionais e legislações nacionais, visam à regulamentação da adoção

por estrangeiros, coibindo o tráfico de crianças, legalizando os processos, para que

haja confiança entre os países envolvidos e para aquelas pessoas que desejam adotar.

Assim, com a ratificação da Convenção de Haia relativa à Adoção Internacional, o Brasil

tem demonstrado estar à frente de muitos países signatários, pois tem apresentado

diretrizes totalmente direcionadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente,

como assevera Liberati (1995, p. 46/47), ao se referir ao XII Congresso da Associação

Internacional de Juízes de Menores e de Família, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro,

no período de 24 a 29 de setembro de 1996, quando houve, então, grande debate

sobre o tema da adoção internacional, demonstrando uma preocupação especial por

parte dos magistrados e promotores de Justiça com assento nas Varas de Família, de

Criança e Adolescente que, ao tratarem do tema geral do encontro “O Menor separado

de sua Família”, acabaram por aprovar quatro recomendações, assim citadas por

aquele autor:

1-Toda adoção, nacional ou internacional, deve ser judicialmente controlada, desde o momento da guarda e concedida por decisão judicial. Quando se tratar de Adoção Internacional, o Juiz ou Tribunal poderão contar com a colaboração de instituições especializadas públicas ou privadas, devendo estas últimas ter o reconhecimento, autorização e controle dos países envolvidos. Os Estados deverão estabelecer, por convenções bilaterais uma comunicação direta entre as autoridades judiciárias no curso do procedimento da adoção. 2- A Adoção Internacional deve ser utilizada somente após o esgotamento de todas as possibilidades de manter a criança em sua própria família ou em uma nova família em seu país de origem. 3- O Congresso recomenda que a formação de magistrados, advogados, assistentes sociais, psicólogos e sociólogos inclua matéria relativa à adoção, numa perspectiva interdisciplinar que abranja todos os aspectos técnicos dessas especialidades. 4 – O Congresso recomenda a todos os Governos aderirem à Convenção Interamericana sobre os conflitos de leis em matéria de Adoção de Menores, firmada em La Paz, Bolívia, a 24.5.1984, na 3ª Conferência Interamericana de Direito Internacional Privado (CIPID III), respeitadas as reservas de cada Estado signatário.

Ao que se vê, os juristas, bem como todos aqueles que estão envolvidos no processo

de adoção internacional, como os juízes de Direito das Varas da Infância e Juventude,

os representantes do Ministério Público, assistentes sociais e demais servidores, têm

promovido e participado de diversos encontros, não só no Brasil, como em outros

países, abordando e discutindo o tema, cada vez com mais singularidade, como trata

Liberati (1995, p. 47), citando o Congresso de Turim, na Itália, no período de 16 a 21 de

setembro de 1990, que teve como principais conclusões:

1- Todas as crianças devem ter o direito de crescer em seu próprio país, no seio de sua família; a adoção internacional só deve ter lugar quando não possa ser respeitado este direito fundamental. 2 – A adoção nacional nos países de origem deve ser estimulada. 3 – A adoção internacional deve processar-se por organismos profissionais controlados pela autoridade pública. 4- deve ser favorecida a coordenação entre os governos dos países de origem e de acolhida para que se fortaleça a autoridade competente e a luta contra o tráfico de crianças. 5 – A criança deve ser informada do fato de ter sido adotada e ter acesso a todas as informações relativas à sua origem.

Especificamente no Brasil, como já asseverado, a adoção realizada por nacionais ou

estrangeiros é regulada pelo ECA (Lei 8.069/90), conforme disposto no seu Capítulo III.

Tal Estatuto destaca a proteção integral à criança e ao adolescente, inspirando-se em

ordens normativas internacionais, como lembra Gatelli (2003, p. 72-73) citando Munir

Cury:

A doutrina da proteção integral inspira-se na normativa internacional, materializada em tratados e convenções, especialmente os seguintes documentos: a) Convenções das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; b) Regras Mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e Juventude (Regras de Beijing); c) Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade; e d) Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad).

Destarte, como dito, aplica-se o Estatuto a todas as pessoas de zero a dezoito anos de

idade e, excepcionalmente, aqueles entre dezoito e vinte e um anos de idade, quando

expresso em lei, conforme prevê o art. 2º, em seu parágrafo único: “[...] nos casos

expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 e 21

anos de idade”, bem como quanto à adoção, que é prevista no art. 40: “[...] o adotando

deve contar com no máximo 18 anos à data do pedido, salvo se já estiver sob a guarda

e tutela dos adotantes”. Como assevera Costa (2004, p. 87), esse dispositivo abre

exceção para admitir a adoção do chamado menor-adulto, ou seja, de pessoas entre 18

e 21 anos, desde que já estejam sob a guarda e tutela dos adotantes. E complementa

aquele autor:

Diante da excepcional conquista que representou o acolhimento do princípio da isonomia dos filhos de qualquer natureza, pela Lei Maior, nem haveria como se cogitar ter um filho discriminado ou de segunda categoria, um filho em status

inferior, maior de 21 anos. Nem haveria como se desfazer de um filho adotivo maior, através da dissolução do vínculo de filiação adotiva.[...] A adoção é instituto por demais sublime e grandioso para que se amesquinhe com exegeses restritivas, alicerçadas no fechamento egoístico da família consangüínea, em estranhas concepções sobre meias filiações e no aceitar de uma desigualdade que só provocará traumas psíquicos ao adotado, tudo em nome de interesses menores, porque puramente patrimoniais, ou seja, vinculados à herança.

Assim, conclui-se que não há mais que se dispensar tratamento diferenciado aos filhos,

pois a filiação não comporta adjetivos, sendo todos igualmente filhos. Desse modo, a

proteção à criança e ao adolescente surge quando havidas as hipóteses do art. 98 do

ECA, que são: “I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta,

omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta”. Vê-se,

então, que tal preceptivo prevê a proteção daqueles infantes carentes (Inciso I), em

situação irregular ou vítimas (Inciso II) e aqueles que praticam atos infracionais (Inciso

III). Assim, a partir da ocorrência de quaisquer dessas situações, pode a autoridade

competente fazer valer as medidas constantes do art. 101 do mesmo Estatuto que

prevê:

[...] I encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II orientação, apoio e acompanhamento temporários; III matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII abrigo em entidade; VIII colocação em família substituta.

É importante esclarecer que a autoridade competente para a tomada de tais medidas é

aquela prevista no inciso III do artigo 148 do ECA, qual seja, a Justiça da Infância e da

Juventude, pois como expõe Costa (2004, p. 194),

[...] as medidas previstas nos incisos I a VII são de competência comum do Conselho e do Juiz, e a do inciso VIII (colocação em família substituta) apenas deste último, por envolver interferência direta no exercício do pátrio-poder-dever, especialmente, em um dos seus principais atributos que é a guarda.

Em suma, ocorrendo quaisquer das hipóteses apresentadas no art. 98 do ECA, e

devidamente verificadas pela autoridade competente, passam a se revelar como

motivos ensejadores que dificultam a convivência da criança ou adolescente com sua

família natural. Desse modo, a adoção surge como uma forma supletiva de integrar o

menor à sociedade, evitando a sua institucionalização. Entretanto, sabe-se que a

colocação da criança em família substituta é medida extremamente excepcional, que só

ocorre quando a convivência familiar se tornar impossível. Ademais, é oportuno lembrar

o contido no art. 23 do ECA: “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui

motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder”. Sobre esse artigo,

cabe a lição de Costa (2004, p. 45):

Importa observar, ainda, que embora a carência ou a falta de recursos materiais, por si só, não configure motivo suficiente para suspensão do pátrio-poder-dever, máxime se consideramos a existência, em nosso País, de 32 milhões de brasileiros em situação da mais degradante miséria, não se pode, em sã consciência, aceitar a paternidade ou a maternidade irresponsáveis. Colocar no mundo filhos e mais filhos, sobretudo, quando fruto de relações superficiais e passageiras, quando não se reúne condições mínimas de susntetá-los, criá-los e educá-los, constitui, além de grave irresponsabilidade, violação dos deveres inerentes ao pátrio-poder-dever e do princípio da paternidade responsável, invocado pela Constituição Federal em seu art. 226, § 6°.

Infelizmente, grande é a distância entre o objetivo da lei e a realidade do Brasil, que

está longe de resolver a situação de pobreza em que se acham milhões de famílias

brasileiras. Feita tal observação, denota-se que a adoção vem regida nos arts. 39 ao 52

do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tratam dos requisitos e procedimentos

que visam à proteção da criança e de seus interesses, como ter uma família e conviver

em comunidade. Assim, como previsto no Estatuto, a adoção será deferida quando

apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Com relação aos requisitos necessários à adoção no Brasil, tem-se que são divididos

em pessoais e formais, no entendimento de Gatelli (2003, p. 76), sendo os pessoais

aqueles elencados nos arts. 40 e 42 do Estatuto, referindo-se à capacidade, à idade, à

diferença de idade e proibições. Já os requisitos formais são previstos nos arts. 165 ao

170 do mesmo Estatuto, bem como nos arts. 50 e 51. Lembra, ainda, o citado autor,

algumas hipóteses que podem ensejar a colocação do infante em família substituta, tais

como: orfandade comprovada (quando as crianças não possuem guarda de fato ou

judicial com pessoas que assegurem os seus direitos); abandono total (hipótese de

maior freqüência); situações cujo interesse maior da criança e do adolescente exija que

não permaneça no meio familiar (hipótese respaldada no art. 98 do Estatuto e disposta

no art. 20 da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989).

No que tange à idade mínima para adotar, o art. 42 do ECA estabelece como sendo 21

anos, o que veio a ser facilitado pelo Novo Código Civil, que reduziu a idade mínima

para adotar de 21 para 18 anos (art. 1.618), o que se mostra em consonância com a

plena capacidade do sujeito para todos os atos da vida civil, fixada pelo art. 5º do

mesmo instituto. Parece temerário esse limite, quando se pensa que o indivíduo em tão

tênue idade possa ter estabilidade econômico-financeira, mas entendeu a lei que,

mesmo com pais tão jovens, estaria a criança protegida. Assim, tratando-se de adoção

por cônjuges ou companheiros, um deles deverá ter completado dezoito anos, mantida,

em qualquer caso, a diferença mínima de dezesseis anos entre adotante e adotado

como previsto no art. 42, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Destarte, esse

dispostivio vem sendo questionado, quando se trata de adoção conjunta, e apenas um

dos adotantes possuir a diferença de dezesseis anos, como se vê da jurisprudência

oriunda do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis:

ADOÇÃO – Diferença de idade entre adotante e adotando que não alcança os dezesseis anos, mas apenas 15 anos e 6 meses – Artigo 42, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente – Irrelevância – Interpretação da lei que deve ser feita em favor dos interesses do menor (artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e 6º da Lei nº 8.069/90. Recurso não provido.11 ADOÇÃO – Requisito – Idade – Diferença exigida entre adotante e adotado – Não preenchimento pela mulher – Deferimento apenas em relação ao marido – Inadmissibilidade – Interregno etário quase atingido e prevalência do interesse do menor – Interpretação do artigo 42, § 3º, c/c o artigo 43, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente – Recurso provido.12

11 Apelação Cível nº 35.959-0 – Sertãozinho – Câmara Especial – Relator: Silva Leme – 20-03-97. Disponível em: < www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 11 out. 2004. 12 JTJ 178/18. Disponível em: < www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 11 out. 2004.

Também tratam de impedimentos o art. 42, § 1º e o art. 44 do Estatuto, o primeiro

cuida da proibição para adotar os ascendentes e irmãos do adotando, e o segundo

dispositivo dita que, enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu

alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado. O Novo Código

Civil não alterou essa norma. Assim, pode-se concluir que podem adotar maiores de

dezoito anos, independente do seu estado civil, sexo ou nacionalidade, conforme

dispõe o Código Civil em vigor.

Aclarados tais pontos sobre os requisitos pessoais do adotante, é relevante afirmar que

os requisitos formais da adoção somente se constituem por sentença judicial, proferida

por um Juiz da Vara da Infância e Juventude, conforme previsto no art. 148, III, da Lei

8.069/90. Tais processos seguem procedimentos especiais, previstos no Capítulo III,

daquele Estatuto, podendo se dar no modo contencioso (quando não configuradas as

situações previstas no art. 166) ou no procedimento de jurisdição voluntária, sendo este

último a regra, que ocorre nas seguintes hipóteses: existir concordância dos pais ou do

representante legal em juízo; houver prévia destituição do pátrio poder; pais

desconhecidos e falta de seu representante legal; pais falecidos e falta de

representante legal. Ademais, o art. 165 do ECA trata dos requisitos para a concessão

de pedidos de colocação em família substituta, havendo de ter o consentimento pessoal

e obrigatório do adotando que tiver mais de doze anos de idade e, quando inferior a

esta, deverá emitir sua opinião para que haja o deferimento da adoção (arts. 16, II e 28,

§ 1º).

Há de existir, ainda, antes da adoção, o denominado estágio de convivência, que

deverá ocorrer em território nacional, com o acompanhamento de equipe profissional

que, apresentando relatório social e laudo pericial, irá auxiliar o juiz em sua decisão

(arts. 167 e 168). A existência de toda essa equipe que auxilia o juiz da Infância e

Juventude, é incumbência do Poder Judiciário, que deve prover recursos para a sua

manutenção. As atribuições da equipe interprofissional estão subordinadas à autoridade

judiciária e são aquelas previstas no art. 151, dentre elas: fornecer subsídios, por

escrito, por laudos, ou verbalmente (na audiência); desenvolver trabalhos de

aconselhamento, orientação e encaminhamento e ainda tantas outras. Seguindo o

processo, a adoção, preenchidos os requisitos pessoais e formais, será deferida de

modo irrevogável, conforme disposto no art. 48, por meio de sentença judicial, nos

termos do art. 47 do ECA.

É importante frisar que o Estatuto ainda prevê que, em todas as comarcas deve haver

um credenciamento das pessoas interessadas na adoção, conforme se vê no art. 50,

cujas competências e habilitações são do juízo do foro do adotando ou dos habilitados

(art. 50 e 147). Hodiernamente, sabe-se que existe um sistema que integra as

informações entre as comarcas e auxilia o magistrado com relação às crianças a serem

adotadas e os seus possíveis pretendentes. Especificamente sobre o credenciamento

de estrangeiros, deve ser observado o Decreto 3.087/99, que promulga a Convenção

Relativa à Proteção das Crianças em Matéria de Adoção Internacional, de Haia, de 29

de maio de 1993. Além desse Decreto, outras medidas foram adotadas para viabilizar o

atendimento à Convenção, dentre elas a Portaria 815, de 28-09-1999, do Diretor Geral

do Departamento de Polícia Federal que, em seu art. 1º, instituiu o cadastramento

obrigatório das entidades nacionais e estrangeiras que atuam em adoção internacional

de crianças e adolescentes brasileiros e define, em seu art. 2°, o chefe da Divisão de

Polícia Marítima, Aeroportuária ou de Fronteira como o competente para receber o

requerimento de cadastramento.

Existe, ainda, o Decreto 3.174, de 16-09-1999, que define a Secretaria de Estado dos

Direitos Humanos do Ministério da Justiça como Autoridade Central Federal Brasileira,

que tem a função de fazer cumprir as determinações constantes da Convenção, como

previsto no art. 1º. O art. 4º desse decreto obriga, como Autoridades Centrais no âmbito

dos Estado federados e do Distrito Federal, as Comissões Estaduais Judiciárias de

Adoção, previstas no art. 52 da Lei 8.069/90. O art. 5º cria o Conselho das Autoridades

Centrais do Brasil, presidido pela Autoridade Central, e composto por um representante

de cada autoridade central dos Estados Federados e do Distrito Federal, por um

representante das Relações Exteriores e um do Departamento de Polícia Federal.

Pode-se observar que a preocupação do Brasil com o instituto da adoção internacional

vem sendo demonstrada pelas edições normativas relativamente recentes, como

aquela referente ao credenciamento de todas as organizações que atuam em adoção

internacional neste País, disciplinada pela Portaria da Secretaria de Estado dos Direitos

Humanos (SDH) nº 14, de 27-07-2000. Cabe salientar que todas essas medidas

estabelecidas pelo Governo brasileiro objetivam à aplicação da Convenção Relativa à

Proteção das Crianças em Matéria de Adoção Internacional, de Haia, de 29 de maio de

1993, visando a uma uniformização de procedimentos a serem adotados em matéria de

adoção internacional.

Assim, desde 1º de julho de 1999, quando o Brasil se tornou definitivamente signatário

da Convenção relativa à proteção das crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção,

conforme Decreto 3.087/99, publicado no Diário Oficial da União, em 21-06-1999, os

princípios jurídicos e sociais trazidos de maneira precursora pela Constituição, bem

como aqueles advindos com o Estatuto da Criança e do Adolescente e, finalmente pela

Convenção de Haia, instruem a razão da proteção total a ser prestada com ilimitada

prioridade ao direito à saúde, à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, objetivando impedir a negligência, a discriminação, a exploração, a

violência, a crueldade e a opressão.

No Estado do Espírito Santo, tem-se avançado e buscado a efetivação de maneira

satisfatória de todos os preceptivos relativos à adoção internacional, com um trabalho

exemplar realizado pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do

Estado do Espírito Santo (CEJAI- ES), como se verá no tópico a seguir.

4.3 A COMISSÃO ESTADUAL JUDICIÁRIA DE ADOÇÃO INTERNACIONAL E SUA

FUNÇÃO NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ADOTÁVEIS

Conforme prevê a Convenção de Haia de 1993, devem os Estados partes determinar

as autoridades centrais, cuja competência se revela na coordenação e controle dos

procedimentos administrativos de cada país, a fim de que haja cooperação, intercâmbio

e informações acerca das crianças aptas a serem adotadas, bem como daqueles

candidatos a pais adotivos, atendendo às legislações internas dos países membros

envolvidos, colocando sempre, em primeiro lugar, a proteção do infante, como prescrito

na Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU. Em geral, essas autoridades

centrais são um número de um por Estado parte, não havendo óbice, entretanto, que

países federativos, como o Brasil, optem por instalar números diversos.

No Brasil, especificamente, a autoridade central fica a cargo das Comissões Estaduais

Judiciárias de Adoção Internacional, que no Estado do Espírito Santo, foi criada pela

Resolução nº 16/93, de 20 de setembro de 1993, publicada no Diário Oficial de 30 de

setembro de 1993 e transformada em Comissão específica para Adoção Internacional,

pela Resolução 001, de 13 de fevereiro de 1998, publicada no Diário da Justiça de 17

de fevereiro do mesmo ano. Posteriormente, a CEJAI capixaba foi incluída na estrutura

do Tribunal de Justiça Estadual e, ainda no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça,

pela Lei Complementar nº 195, de 14 de dezembro de 2000, publicada no Diário Oficial

de 15 de dezembro de 2000. Enfim, passou a ser considerado como um dos órgãos

que exerce o Poder Judiciário estadual, a teor do art. 10, XV da Lei Complementar nº

234, de 18 de abril de 2002, publicada no Diário Oficial de 19 de abril de 2002. Assim,

a CEJAI-ES tem sede na Capital do Estado do Espírito Santo, vinculada à estrutura

administrativa da Corregedoria Geral de Justiça, e tem sua composição formada por

seis membros, conforme dispõe o art. 4º do Regimento Interno (Resolução 039/02),

sendo o desembargador Corregedor Geral da Justiça membro nato e presidente; um

desembargador escolhido pelo Tribunal Pleno como vice-presidente, atuando somente

em substituição eventual do presidente; o juiz titular da Vara única ou Primeira Vara da

Infância e Juventude da Capital; o promotor de Justiça ou o procurador de Justiça

coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Promotores da Infância e Juventude;

um psicólogo e um assistente social, ambos da mesma Vara, indicado pelo juiz titular.

É inegável que a criação das comissões de adoção se revelaram um marco decisivo

para o enfrentamento das irregularidades das adoções internacionais. Nesse sentido,

vale ressaltar que a Legislação brasileira, objetivando coibir abusos no tocante às

adoções e sua finalidade, sofreu modificações principalmente quanto à adoção

internacional. Sobre esse aspecto, o Estatuto da Criança e do Adolescente já previa em

seu art. 52, que “[...] a adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e

análise de uma Comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o respectivo

laudo de habilitação para instruir o processo competente”. E é baseado em tal

dispositivo que a CEJAI tem como missão primordial proteger os superiores interesses

da criança, bem como mantém um intercâmbio com outros órgãos internacionais de

apoio à adoção, por meio de um sistema de controle e acompanhamento das situações

ocorridas. Essa missão visa, principalmente, a por fim ao tráfico internacional de

crianças e às adoções irregulares. Ainda mais, a criação das CEJAIs teve o objetivo de

desfazer a imagem distorcida da Justiça brasileira no exterior, que dava a entender que

o Judiciário fechava os olhos quando tratava de adoções de crianças, como se fossem

objetos. Sobre esse ponto, lembra Marmitt (1993, p. 144/145):

A Comissão também tem o mérito de mostrar à imprensa que as adoções internacionais, além da legislação específica, ainda se orientam por regulamentação complementar, expedida pelos Juizados da Infância e Juventude, pelas Corregedorias-Gerais da Justiça e por convênios com associações fiscalizadas pelos Governos dos países estrangeiros, com reconhecimento oficial, e que são acompanhadas no exterior pela Justiça brasileira. Outrossim, servirá para demonstrar que a destituição do pátrio poder é algo muito sério, só ocorrente em casos extremos, de total impossibilidade de os pais poderem ficar com os filhos. E como tais podem ser apontados a doença mental, o desvio de conduta, os maus- tratos, o abuso sexual, e outros males provados irreversivelmente, que totalmente incapacitem os genitores. Tudo isso afastará noticiários inconseqüentes como os de comércio e exportação de crianças, e quejandos.

Apesar de tão notável missão, a doutrina especializada, capitaneada por Liberati (1995,

p. 126), faz críticas com relação à redação dada pelo legislador ordinário ao citado art.

52, que não cuidou de tornar a Comissão um órgão com função e atividades

obrigatórias, delegando tal tarefa aos Estados. Desse modo, não se trata a CEJAI de

órgão de existência obrigatória, pois, quando cuidou de instituí-la, o Estatuto da Criança

e do Adolescente previu que a adoção poderá ser condicionada a estudo prévio e

análise dos interessados. É aqui que Liberati (1995, p. 126) dá a idéia de que, se o

legislador utilizou, naquele dispositivo, o termo deverá, toda adoção transnacional teria

que obrigatoriamente passar pelo estudo e análise da Comissão.

Vai ainda mais longe Marmitt (1993, p. 145), quando afirma que o “[...] assunto

pressupõe legislação específica estadual, dentro dos limites da competência

concorrente, constitucionalmente deferida aos Estados-Membros, ut art. 24, XV”.

Entretanto, melhor se apresenta a opinião de Liberati (1995, p. 127), para quem o art.

52 do ECA dispõe a CEJAI como uma Comissão judiciária, de âmbito estadual,

incumbindo ao Poder Judiciário a organização e a prestação jurisdicional, que poderá

ser viabilizada mediante decreto, resolução ou qualquer outra forma de regulamentação

interna. E conclui Marmitt (1993, p. 145), da seguinte forma:

Nesse sentido, a CEJAI é órgão de existência opcional, vinculado e administrado pelo Poder Judiciário estadual, composto por agentes com poder de jurisdição e por técnicos, que emitem pareceres de natureza consultiva e opinativa nos processos de habilitação para a adoção de interessados estrangeiros e de caráter vinculante ao Juiz da Infância e da Juventude.

Portanto, é importante destacar que os trabalhos desenvolvidos por essas Comissões

têm início com um estudo prévio das condições sociais e psicológicas daqueles

estrangeiros interessados na adoção, conferindo maior segurança ao processo, com a

utilização de práticas convencionadas pelo Serviço Social Internacional. É com a

expedição do certificado expedido pela CEJAI que o interessado passa a ter a

habilitação necessária que o capacita ao requerimento da adoção. Esse relatório a ser

expedido deve conter informações sobre a identidade dos adotantes, a sua capacidade

para adotar, sua aptidão, situação familiar, social, pessoal, médica, os motivos que os

levaram a adotar e, por fim, o perfil da criança que estaria apta a ser adotada.

Assim, se esse certificado é precedido de um estudo, paira no ar a dúvida quanto à

validade de uma habilitação sem o referido documento. Sob esse aspecto mais uma

vez Liberati (1995, p. 128) esclarece que, em se tratando de adoções requeridas em

Estados que já têm constituída a CEJAI, deverá, então, o adotante, habilitar-se

previamente, para depois ingressar com a ação. No caso de inexistir a CEJAI em

determinado Estado, caberá ao juiz da Comarca respectiva acolher o pedido de

adoção, tomando todo o cuidado que o caso requer, encaminhado os autos aos

profissionais para análise psicológica, social e averiguação do estágio de convivência.

A tendência mais moderna13 têm demonstrado que a utilização das CEJAIs como

preparação dos candidatos estrangeiros à adoção, tem trazido maior segurança ao

julgador, quando da análise do pedido. Assim, a faculdade que a lei oferece ao juiz de

exigir ou não o certificado de habilitação passa a ser, para alguns magistrados, quase

uma obrigação, pela garantia e credibilidade dos serviços e análises prestados pelos

profissionais das Comissões, creditando total idoneidade a todo o processo de adoção.

Como leciona Costa (1998, p. 255),

[...] a exigência do laudo de habilitação da CEJA não é, portanto, determinante da decisão judicial, mas condicionante da atividade jurisdicional, que exige o atendimento de certos requisitos legais para que a relação processual se constitua e desenvolva validamente.

Tanto é assim que no Estado do Espírito Santo, é obrigatória ao estrangeiro a

obtenção do certificado de habilitação para adotar, conforme dispõe o § 2º do art. 1º do

Regimento Interno da CEJAI (Resolução nº 039/02). Tal certificado tem o prazo de seis

meses e não poderá ser utilizado para mais de uma adoção, a não ser que se trate de

um único processo, com mais de um adotando. Desse modo, tendo o pretendente

estrangeiro autorização para adotar mais de uma criança ou adolescente e fazendo uso

do certificado de habilitação para apenas uma adoção, deve requerer a emissão de

novo certificado, sem que seja necessário renovar os trâmites na Comissão.

13 Tarcísio José Martins Costa, citado por Gustavo Ferraz de Campos Mônaco (ob. cit., p. 105), afirma que o parecer elaborado pela CEJAI tem função de “[...] pressuposto processual objetivo, indispensável à constituição válida da relação de processo nas ações de adoção requeridas por estrangeiros não radicados no Brasil”. E ainda: “Adoção – Adotantes Estrangeiros – Complementação do Estudo Social – Dispensa pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional – Admissibilidade – Ato que não se insere no juízo de conveniência da Comissão – Concessão da habilitação para adoção, ademais, que não excluirá a avaliação do conteúdo do estudo por parte do juiz competente. O laudo de habilitação é apenas requisito da admissibilidade do pedido de adoção, mas não é fundamento para sua concessão. Não vincula, o Juiz, único competente para o reconhecimento e aplicação do instituto”(TJSP – Cam. Especial, MS, Rel. Torres de Carvalho, j. 17-6-1993, RJTJSP 146/256).

No Estado do Espírito Santo, diferentemente de outras federações,14 não é comum a

interposição de recursos visando à modificação de decisão negativa do referido

certificado, apesar de haver previsão no art. 25 do Regimento Interno respectivo, que

prevê o reexame ao mesmo Órgão das decisões da Comissão, num prazo de cinco

dias, com relatoria do presidente.

Com relação às atribuições dessa Comissão, revela-se importante salientar que os

serviços prestados pelos profissionais que a compõem não são remunerados, pois são

considerados de natureza pública relevante. Ademais, a gratuidade desses serviços

encontra respaldo no art. 142 do Estatuto menorista. Tais atribuições estão descritas no

art. 3º do seu Regimento Interno, podendo ser destacadas as seguintes: a) organizar e

manter atualizado um Cadastro Geral Unificado para uso de todas as comarcas do

Estado; b) lançar nome de pretendente considerado inidôneo no Cadastro Nacional de

Inidôneo; c) fiscalizar, coordenar e orientar a atuação dos organismos credenciados no

país de origem pela Autoridade Central Administrativa Federal para promoção de

adoções internacionais; c) realizar trabalho de divulgação de projetos de adoção; d)

ajustar acordos de cooperação para formalizar adoções e normas de controle de

acompanhamento de adotados no exterior; e) expedir laudo de habilitação, certidão de

credenciamento de entidade, declaração de continuidade do feito e certificado de

conformidade de adoção internacional; f) propor medidas adequadas a assegurar o

perfeito desenvolvimento das adoções internacionais; g) manter relacionamento e

intercâmbio entre as CEJAs e CEJAIs de outros Estados e com entidades brasileiras e

internacionais, que atuem no campo da adoção internacional, o que poderá ser feito por

meio de convênio.

Diante de tantas atribuições, existe a idéia de delegar à CEJAI o controle dos pedidos

de inscrição relativos aos nacionais e estrangeiros residentes no Brasil, da mesma

forma que atua em relação aos estrangeiros que aqui não residem. Sob essa tendência,

merece louvor a tese de Liberati (1995, p. 130), para quem tal idéia é tentadora, mas

14 O poder da decisão relativamente a pedido de adoção por estrangeiro é do Juiz da Comarca, e a Comissão Estadual Judiciária de Adoção tem a função de apenas emitir pareceres sobre a matéria. Assim, não cabe mandado de segurança contra indeferimento de habilitação perante a referida Comissão, uma vez que não há direito líquido e certo sendo atacado. Os direitos e deveres decorrentes do processo de adoção deverão ser discutidos junto ao Juízo competente, que decidirá a questão”(TJMG – 2ª Cam., MS, Rel. Abreu Leite, j. 3-9-1996, RT 74/332).

não encontra nas Comissões condições operacionais a curto prazo para colocar em

prática mais essa atribuição, por entender que as CEJAIs terão que capacitar-se

técnica e materialmente para cumprir tal mister. Acredita-se, com base naquele autor,

que o tempo e a experiência permitirão que as Comissões possam exercer plenamente

todas as atribuições ligadas à preparação da adoção nacional ou transnacional, criando

banco de dados com informações sobre os adotantes e adotandos, facilitando o

trabalho judicante dos magistrados de comarcas mais distantes e fazendo com que

crianças e adolescentes aptos à adoção permaneçam o menor tempo possível em

instituições acolhedoras de menores.

Diante de todo o exposto, há de preponderar o entendimento de Costa (1998, p. 253),

para quem a criação das comissões judiciárias destinadas à análise da pretensão

adotiva internacional e à implantação de registro centralizado de interessados

estrangeiros em adoção constitui-se em medida altamente moralizadora. Além de evitar

que adoções internacionais sejam concedidas sem a observância dos requisitos legais,

coíbem a perigosa intermediação. Trata-se de exigência prévia de avaliação de

interessados na adoção por entidade pública que se revela atualmente quase como

regra geral imposta na legislação de vários países. E assim deve ser em todo o

procedimento da adoção, visando sempre ao melhor interesse do adotando.

5 O PROCESSO DE ADOÇÃO INTERNACIONAL NO ESTADO DO

ESPÍRITO SANTO

O processo de adoção internacional no Estado do Espírito Santo segue os ditames

legais inerentes à matéria e ainda o disposto no Regimento Interno da CEJAI-ES.

Assim, a realidade da criança capixaba e o processo seguido até que a adoção surta

seus efeitos encontram similitude com os procedimentos que correm em outros Estados

do Brasil.

Entretanto, algumas peculiaridades específicas da adoção internacional no Estado do

Espírito Santo merecem uma análise mais apurada, como se verá nos tópicos

seguintes.

5.1 ASPECTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS DOS ADOTANTES E ADOTADOS

A experiência advinda dos trabalhos executados pelos servidores especialistas do

CEJAI–ES demonstra que dois pontos são encontrados tratando-se dos aspectos

sociais e psicológicos que envolvem a adoção. O primeiro com relação aos pais

adotantes (expectativa, sonho com a paternidade) e o segundo com relação aos filhos

adotandos (esperança advinda de uma experiência de abandono).

A verdade é que a adoção envolve quaisquer sentimentos que uma relação humana

pode formar, pois imita uma relação natural capaz de enfrentar os obstáculos da

relação pessoal existente em qualquer família. O que se revela certo, entretanto, é que

a adoção não pode servir para resolver problemas do casal, como se fosse a tábua de

salvação, depositando na criança todas as esperanças de transformação da vida dos

adotantes. À criança não se pode condenar esse fardo. O que pode acontecer é que a

sua chegada seja tão positiva que acabe transformando a vida do casal, naturalmente.

A esterilidade, dentre outras questões, como a substituição de um filho que faleceu, ou

o medo de gerar um filho com doenças incríveis, são motivos que os casais trazem para

justificar a adoção. Entretanto, necessário se faz observar que a maternidade traz

consigo vários aspectos, dentre eles: o biológico, o educativo, o afetivo e o social,

englobando, ainda, a máxima de que mãe não é só aquela que gera, mas também a

que cuida, assim como toda paternidade advém do amor à criança.

As dificuldades a enfrentar são muitas, como em qualquer seio familiar. Mas, em se

tratando de adoção, certo é que, com relação à criança de pouca idade, tem esta a

capacidade de adaptar-se com mais facilidade, pois o adotando, que já tem seu modo

de vida próprio, requer uma convivência harmoniosa com seus pais adotivos, a fim de

satisfazer todas as suas necessidades. Assim, os anseios e esperanças do casal

devem estar voltados para o interesse da criança, a fim de proporcionar-lhe uma vida

sadia, integrando-a à comunidade familiar. Sobre esse aspecto, lembra Liberati (1995,

p. 209):

O casal deverá preparar-se para superar aquela urgência de ter um substituto para aquele filho que não gerou. Deve, também, sentir a alegria imensa de poder criar uma criança que nasceu de outras pessoas. Somente assim estará no ponto para assumir um projeto de adoção, baseado na realidade, onde seu desejo amadurecido poderá cruzar-se com a historia de uma criança que necessita de uma família. Criança, essa, que incorporará não só os desejos dos pais adotivos, mas terá um lugar somente seu, onde exercerá sua condição de filho.

Enfim, o primordial é que o casal reconheça que a adoção não é um gesto de

solidariedade, nem tampouco a resposta para a realização de duas pessoas. O desejo

honesto de ter um é o que há de prevalecer. E é por essa razão que o trabalho exercido

por técnicos, na área de Psicologia e Assistência Social, tem grande valia na adoção. É

esse trabalho que permite aos futuros pais desmistificarem idealizações, às vezes

inalcançáveis, com a adoção. Sobre o tema, é oportuna a opinião de Moor (2001, p.

160):

A paternidade, por ser uma questão precipuamente de função, deixa de ser um fato da natureza e passa a ser um fato cultural. Assim, não basta a reunião de pais e filhos, mas é necessário o estabelecimento do vínculo psíquico, que vai definir a família antes como uma estruturação psíquica.

Em muitos casos, até mesmo a hereditariedade da criança se mostra como uma das

preocupações mais constantes. É nessa hora que o trabalho assistencial funciona como

um elo, que liga o casal ao ponto principal do seu desejo: ter um filho, recebendo-o

como ele é, com sua própria individualidade e, sem impor sonhos, constituir uma

verdadeira família. É um trabalho difícil, segundo informam os técnicos atuantes no

CEJAI-ES, mas é por meio dele que a angústia advinda da espera transforma-se em

esperança. E é por essa razão que a equipe assistencial responsável em acompanhar

os futuros pais adotivos deve desenvolver um trabalho rigoroso, examinando

cautelosamente cada situação, principalmente em se tratando de adoção internacional,

quando a criança será encaminhada ao país de origem de seus pais adotivos.

É importante salientar que os pais adotivos não são mais pais do que aqueles naturais,

simplesmente porque são pais adotivos. É bem verdade que a paternidade advinda da

adoção revela-se como uma conquista mais difícil, por envolver aceitação de ambas as

partes e ainda desprendimento aos desejos pessoais. Mas nem por isso os pais

adotivos podem se desvirtuar do seu verdadeiro caminho, pois a capacidade de ser pai

deve seguir os anseios do filho, seus sonhos e realizações, aceitando a evolução

normal de sua individualidade, que segue separada dos adultos.

Obviamente, toda essa construção no relacionamento há de ter a participação não só

dos pais, mas também de toda a família, que tem como núcleo principal o afeto. E é

esse afeto que distingue a família de outras organizações comunitárias. E assim deve

ser, pois com o desenvolvimento do afeto familiar, tem-se o amor gratuito, de pura

doação recíproca. Esse amor há de ser tão potente que terá a força de liberar o casal

adotante do egoísmo, e receber no seu seio familiar a pessoa que pode ser seu filho,

trazendo-o para um relacionamento educativo e emocional, que se realiza na união dos

pais. A mãe, em todo esse processo, ocupa um lugar especial, pois por sua própria

natureza, tem uma sensibilidade mais aguçada do que o pai, como se possuísse um

poder exclusivo para captar sentimentos.

É certo que a adaptação familiar é contínua, havendo uma dinâmica que cuida de

reestruturar e redefinir o equilíbrio, sempre buscado por seus membros. As relações

existentes entre esses membros influencia no comportamento de cada indivíduo que

compõe a família, e assim, sucessivamente, até que todos os integrantes tenham suas

relações entrelaçadas. Esse processo é o que ocorre quando a criança passa a fazer

parte da família, pois a entrada de um novo membro causa um desequilíbrio

momentâneo, que será ajustado com o passar do tempo. Até mesmo aquelas crises

emocionais, tão comuns nas relações interpessoais, têm seu modo de solução através

do diálogo, que gera a confiança, tornando mais forte o relacionamento.

A verdade é que a adoção gera muitos temores. Entretanto, a adoção não pode

prender-se na história, no passado, na saúde, e na forma física da criança, sob pena de

desvirtuar totalmente a sua finalidade. Os temores devem ser encarados como

expectativas positivas e saudáveis, como demonstração antecipada de afeto à criança

que está por vir. Apesar disso, existe um temor que por vezes se torna real, qual seja, a

falta de reciprocidade no afeto entre filhos adotivos e seus pais, o que geralmente

ocorre quando as crianças já são crescidas e trazem uma história de vida eivada de

sentimentos das mais diversas formas. Maus-tratos, abandonos e tantas outras

situações fazem com que a criança se esqueça do verdadeiro significado do amor, o

que a torna resistente a uma nova relação.

No entanto, quando se fala em adoção, sabe-se que há toda uma preparação

psicológica, material e sentimental do casal para receber um filho. E, por essa razão, as

dificuldades enfrentadas cotidianamente passam a ser encaradas de forma mais

simples e amena. O afeto deve sanar todas as inseguranças advindas das

preocupações que possam existir. Enfim, como leciona Liberati (1995, p. 222), quando

a “[...] adoção decorre de um profundo amadurecimento dos adotantes, transforma-se

no mais puro e agradável relacionamento, dando sentido à comunidade familiar, porque

fundado no amor”.

Nada mais certo do que afirmar que a opção pela paternidade biológica ou adotiva

trazem consigo uma carga de riscos, que devem ser analisados e caso sejam aceitos,

que o sejam como um grande desafio que a natureza oferece ao homem. Não há como

negar que a regra geral é que as crianças que sofrem abandono trazem consigo

problemas psicológicos, mas também é correto afirmar que a família adotiva, usando as

armas do amor e do afeto, é capaz de impedir que a rejeição sentida pela criança

provoque danos em seu comportamento. E é essa mesma rejeição que faz com que a

maioria das crianças adotadas não tenham vontade de conhecer o seu passado, que

passa a ser para eles um período triste e desagradável da vida.

Por todas essas questões, é que os psicólogos que prestam serviço no CEJAI-ES

aconselham a comunicação dos pais com o filho sobre sua condição de adotado, pois,

a partir daí, inicia-se a formação da identidade desse infante. Obviamente, a

comunicação deve ser gradual, ao seu tempo e modo, pois somente o tempo tem

condições de fornecer ao casal os instrumentos necessários para fazê-la, de acordo

com os fatos que vão ocorrendo na vida dessa família. Essa verdade tão importante só

tem a capacidade de tornar a união dos filhos com os pais mais firme, pois é baseada

na confiança.

Segundo esses mesmos estudiosos do CEJAI-ES, as adoções de crianças maiores

não apresentam grandes diferenças daquelas de recém-nascidos, devendo, não só os

pais adotivos, mas também toda a comunidade familiar, trabalhar conjuntamente na

relação com a criança adotiva, a fim de atingir a maneira correta de se relacionar. Esse

estudo demonstra, seguramente, que a base do relacionamento adotivo tem seu pilar

na honestidade, com informações claras e sem mitos à criança sobre sua condição,

demonstrando-lhe que veio à família como fruto de amor e afeto existente entre o

casal, que, ao transbordar, foi capaz de recebê-la como filho para compartilhar desses

sentimentos. Assim, a adoção terá atingido a sua verdadeira finalidade: tornar essa

criança feliz, em toda sua plenitude, tornando realidade o seu direito constitucional à

convivência familiar e comunitária.

5. 2 A REALIDADE DA CRIANÇA CAPIXABA

A criança capixaba não apresenta situação diferente daquelas que vivem em outros

Estados da Federação, cuja realidade se mostra distante dos preceitos exigidos pelo

texto da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. A divisa

limítrofe existente entre o Estado do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, Minas Gerais e

Bahia faz com que os problemas enfrentados com relação às crianças encontrem

similitudes. E esse dado é facilmente comprovado em pesquisas realizadas pela CEJAI-

ES e pelas CEJAIs dos demais Estados.

Apesar de ser o menor Estado da Região Sudeste, o Espírito Santo apresenta um

grande número de crianças institucionalizadas, sem contar aquelas que se encontram

em instituições não credenciadas, ou que simplesmente existem sem que o Estado

tome conhecimento disso. Mas a realidade viva, que se pode ter contato com visitas a

algumas instituições acolhedoras de menores que funcionam legalmente, é que as

crianças são levadas aqueles abrigos pelos problemas que afetam toda a Nação

brasileira: a miséria, a fome, o despreparo para a maternidade, o desamparo social, o

desemprego, as drogas e tantas outras razões que são mostradas cotidianamente pelos

meios de comunicação e pelas ruas das cidades.

Mesmo com essa realidade tão triste, o trabalho do CEJAI–ES vem diminuindo o

número de crianças institucionalizadas. Entretanto, esse trabalho seria ainda mais

eficiente se houvesse um controle maior por parte do Estado, com credenciamento e

acompanhamento constante de todas as instituições existentes em solo capixaba, com

cadastramento das crianças que ali se encontram, para que possam ser

disponibilizadas para adoção. Trata-se de medida que nada mais seria do que a

observância plena dos ditames constitucionais e das normas do Estatuto menorista,

constantemente ignorados pelos operadores do Direito.

Em visitas realizadas a duas instituições acolhedoras de menores, pôde-se observar as

crianças renegadas pelos pais, pela família, e até mesmo pelos brasileiros, que teimam

em adotar crianças com até dois anos de idade, claras e com as suas características. E

é por essa razão que as crianças que permanecem institucionalizadas são, em sua

quase totalidade, maiores de dois anos de idade, negras ou pardas, com algum

problema físico ou mental. A idade das crianças se mostra como a maior restrição

apresentada pelas pessoas que pretendem adotar.

A primeira instituição visitada foi o Lar das Meninas I e II (Casa Vida), mantida num

trabalho conjunto pela Igreja Católica do bairro de Santo Antônio (Mitra Diocesana de

Vitória) e pela Prefeitura Municipal de Vitória, que cede uma servidora para prestar

serviços, sendo a Casa Vida I acolhedora de meninas de dois a doze anos de idade,

hoje contando com 22 crianças institucionalizadas, e a Casa Vida II, que trata de

meninas de doze a dezoito anos de idade, com um total de onze crianças. Desse

quantitativo, nem todas foram disponibilizadas para adoção pelos pais ou responsáveis

e permanecerão ali, até completarem a maioridade. As outras aguardam ansiosas o

surgimento de alguém que lhes queiram como filhos., mas esse é um sonho difícil de

realizar, e às vezes tão distante.

Em todo o Estado, juízes das Varas da Infância e Juventude tentam, da melhor forma

possível, realizar um trabalho com a comunidade de sua jurisdição, ma,s sem o apoio

do Estado, torna-se difícil, quase impossível essa missão. Nem sempre o magistrado

toma conhecimento da existência de uma criança em determinada instituição, e não há

meios técnicos, profissionais e financeiros de fazer um acompanhamento desses

centros acolhedores de menores. Em contato com alguns juízes das varas

especializadas, toma-se conhecimento de que, em algumas comarcas, crianças são

acolhidas por pessoas comuns em suas próprias casas, e ali vão permanecendo, até

que tomem um rumo em suas vidas, desconhecido pelas autoridades.

Situações como essas vêm despertando na doutrina a idéia de descentralização do

poder estatal, delegando aos municípios as decisões referentes à saúde, à educação e

à segurança que, conseqüentemente, traria atitudes democráticas entre os indivíduos e

em suas relações com os representantes do poder público local, como expõe Fabriz

(1999, p. 229):

Nessa perspectiva caberia até mesmo a municipalização do poder judiciário, ou criação de núcleos de composição de conflitos, compostos pelos próprios munícipes. Essas relações face-a-face fomentariam contínuo caráter pedagógico, no exercício e na efetivação da cidadania e da democracia, em seus mais altos graus. A municipalização do poder judiciário contribuiria para que o Direito fosse percebido pelos cidadãos como um bem cultural inerente à vida em sociedade, na medida em que haveria a aproximação na relação entre cidadãos e órgãos jurisdicionais, na concretização dos direitos.

Enquanto essa idéia não se concretiza, essencial seria que o Estado tomasse a

providência de disponibilizar uma equipe técnica para acompanhamento dessas

instituições, com o devido cadastro, como dispõe o Estatuto da Criança e do

Adolescente, que parece não existir em situações como tais. Uma das prerrogativas

mais básicas e primordiais do ser humano, o direito à convivência familiar e

comunitária, é renegada às claras.

Tomando-se por base a Comarca de Vitória, capital do Espírito Santo, denota-se que as

adoções internacionais realizadas são daquelas crianças abrigadas, devidamente

acompanhadas pela equipe técnica do Juizado da Infância e Juventude e

disponibilizadas para adoção pelo Magistrado da Vara, via ofício, à Comissão Estadual

de Adoção. O processo dura, em média, dois meses, período que também poderia ser

diminuído, caso todos os setores envolvidos funcionassem em um mesmo prédio, ou

trabalhassem conjuntamente.

Mas, apesar de todas as dificuldades apresentadas, o trabalho da CEJAI-ES vem

crescendo e, segundo seus dados, no ano de 1998, foram realizadas apenas duas

adoções internacionais para a Itália; em 1999, foram dezoito para aquele país, e duas

para a França; em 2000, foram nove para a Itália e três para a França; em 2001,

aconteceram três para a Itália e dez para a França; em 2002, a Itália acolheu dez

crianças capixabas, enquanto a França recebeu sete; em 2003, foram quatorze

adoções no total, sendo três para a Itália e onze para a França; e, finalmente em 2004,

a Espanha passa a acolher os infantes capixabas, iniciando com apenas um até o mês

de outubro, a Itália com quatro e a França recebendo dez.

Um breve estudo desse levantamento realizado pela CEJAI-ES mostra que a França

tem demonstrado grande interesse em acolher as crianças capixabas, e várias são as

razões para tanto, A primeira delas é que a França, assim como o Brasil, possui

autoridade central, denominada Missão de Adoção Internacional (MAI), o que torna

mais fácil o contato entre os profissionais envolvidos e o trâmite de todo o processo,

que envolve documentação dos adotantes e cadastros das crianças disponíveis para

adoção. Nesse caso, tudo é feito via consulado, o que torna mais ágil e confiável o

processo. Com relação aos demais países, esses contam com as suas próprias

instituições, devidamente credenciadas conforme dispõe a Convenção de Haia, e ainda

com um intermediário que atua representando os pais estrangeiros aqui no Brasil.

Em contato com a diretora do Instituto La Casa, de Milão, Itália, que também cuida de

adoções internacionais, um dado interessante foi conhecido pela CEJAI-ES, que diz

respeito às razões pelas quais os estrangeiros preferem adotar crianças latinas, em

especial, as brasileiras, sob a alegação de que essas crianças possuem características

específicas do próprio povo, como a simplicidade com que ultrapassam os problemas e

enfrentam situações difíceis, adaptando-se com maior facilidade à nova vida que lhe é

proporcionada. Essa é realmente uma característica do povo brasileiro, bastando um

passar d’olhos na história nacional para se chegar a essa conclusão. Da mesma forma,

segundo a diretora italiana, as crianças européias não aceitam com facilidade o

abandono e, por ser uma situação rara, têm dificuldades de encarar os obstáculos que

lhes são oferecidos, e não se abrem facilmente para receber um novo lar, uma nova

família.

De toda a pesquisa realizada na CEJAI-ES e nas instituições acolhedoras de menores,

a conclusão a que se chega é que o grande número de crianças que ali se encontram

poderia ser consideravelmente diminuído, se houvesse um controle real de infantes

institucionalizados no Estado do Espírito Santo e se fosse criada uma equipe técnica

para acompanhamento, visitação e cadastramento dessas crianças, para que a sua

existência fosse levada ao conhecimento do Ministério Público e do Juiz da Vara da

Infância e Juventude, o que nem sempre acontece.

Nesse sentido, necessita-se efetuar o cadastramento prévio das crianças e

pretendentes, formulando critérios objetivos que permitam identificar o melhor adotando

para os melhores adotantes. Assim, quanto maior for a Comarca, maior deverá ser esse

sistema, devendo ser abolido por completo a velha regra de ordem de inscrição, porque

não há como se admitir num mundo tão moderno, que ainda não se utilizem os

mecanismos da computação, interligando todas as comarcas via rede, com o fim de

trocar informações objetivando manter as crianças o menor tempo possível nas

instituições. Trata-se de medida urgente, pois são muitas as crianças abandonadas

pelas suas famílias, esquecidas pela sociedade e renegadas pelo Estado, no exato

momento em que não lhes proporciona o direito constitucional a uma vida família. É

uma grande responsabilidade do Estado que teima em fechar os olhos para os direitos

constitucionais inerentes às crianças, em especial as capixabas, renegando-lhes o

exercício pleno do seu estado democrático de direito.

5. 3 OS EFEITOS DO PROCESSO DE ADOÇÃO INTERNACIONAL E A

REALIZAÇÃO PLENA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Atualmente tem-se visto a adoção transnacional como forma de cooperação

internacional que, como explica Albergaria (1996, p. 121) é considerada como meio de

agressão ao Terceiro Mundo, persistência do colonialismo externo, como a evasão de

braços e cérebros, que deixam desprovidos os países subdesenvolvidos de

trabalhadores manuais ou intelectuais.

Diante desse pensamento reinante, a Organização das Nações Unidas há muito vinha

se preocupando com a importância da adoção internacional e sua evolução rápida, para

que fosse utilizado como instrumento de ajuda à infância. Trata-se do processo de

afirmação internacional dos direitos humanos, defendido por Luño (1998, p. 42) e assim

narrado por Jayme (2005, p. 24):

Esse périplo histórico evidencia o dinamismo dos direitos humanos, que devem ser entendidos como um conceito aberto, receptivo a novos conteúdos, que venham incorporar as evoluções e transformações que ocorrem na sociedade, com a finalidade de aperfeiçoar a existência humana com dignidade.

E foi na esteira desse dinamismo dos direitos humanos que se iniciou o processo de

estudo acerca da uma Convenção Internacional que legislasse sobre adoção. Muitos

encontros e seminários foram realizados, destacando-se o Seminário Europeu de

Leysin (1960), quando foram elaborados importantes princípios sobre os procedimentos

da adoção, que acabaram influenciando na evolução desse instituto nas legislações

posteriores. Foram princípios nucleares desse encontro: considerar a adoção como

método utilizado para que uma criança, privada de um lar, tenha uma família e, ainda, a

eleição de adotantes recaia, sempre que possível, em um casal do país da criança.

Em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a

Convenção Sobre os Direitos da Criança, que estabeleceu os seguinte princípios:

reconhecimento de direitos fundamentais; proteção integral da criança; prioridade

imediata para a infância, princípio do interesse maior da criança e a família como grupo

social primário e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de seus membros,

especialmente das crianças.

Posteriormente, editada a Convenção Internacional Sobre a Proteção de Crianças e a

Colaboração em Matéria de Adoção (Haia, 1993), muitos países modificaram suas leis

sobre a adoção, ou ainda revêem sua legislação interna, demonstrando uma tendência

positiva para o aperfeiçoamento da legislação e do procedimento utilizado no instituto

da adoção. Trata-se de um esforço internacional para assegurar o bem-estar da criança

adotada, assim como uma situação jurídica estável no seu país ou no país dos

adotantes.

A Constituição Federal de 1988 determinou, com prioridade absoluta, a proteção das

pessoas em desenvolvimento, sendo dever da família, da comunidade e do Estado a

proteção da criança, como resultado de um processo de institucionalização dos Direitos

e Garantias Fundamentais, como assevera Piovesan (1997, p. 58):

Desde o seu preâmbulo, a Carta de 1988 projeta a construção de um Estado democrático de Direito [...]. A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.

Seguindo a esteira constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como

a Convenção Sobre os Direitos da Criança, estabelecem como princípio o interesse

maior da criança, definindo a preferência pelo convívio com a família natural.

Entretanto, diante da inegável realidade das crianças abandonadas e sem família, o

Estatuto estimula outras formas de família substituta, nacional ou subsidiariamente à

estrangeira, como meio de suprir a ausência da família natural.

Assim, surge a adoção internacional que, em atendimento à Convenção de Haia,

concentra-se nos direitos humanos da criança, no seu bem-estar e no seu interesse

superior. O bem-estar da criança passa a ter um duplo sentido, como assevera

Marques (2002, p. 67), que é o bem-estar econômico e afetivo, com direito à identidade

cultural e o respeito aos direitos humanos, nos quais se inclui o direito de manifestar-se

e ser sujeito ativo de sua própria adoção. É a adoção transnacional humanitária

multicultural, concentrada nos interesses da criança, agora definidos conforme os

reflexos do sujeito de direitos humanos, com direto à convivência familiar, que

possibilita que ela seja transferida de um país para outro, de uma cultura para outra, de

uma família para outra, tudo em prol do seu bem-estar, mediante um procedimento

judicial sério, por decisão das autoridades judiciárias e daqueles que o representam.

Ao processo de adoção internacional deve preceder a existência de crianças ou

adolescentes aptos para a entrega. Assim, resta claro que apenas o Laudo de

Habilitação fornecido pela CEJAI não proporciona ao adotante a adoção de imediato,

pois várias considerações devem ser levadas em conta e devidamente analisadas.

Primeiramente, necessária se faz a verificação do estado de abandono do menor, a

destituição do poder paternal dos seus pais biológicos, a impossibilidade de colocação

desses infantes em lares de seus familiares, devendo, então, serem cadastrados e

relacionados pela Justiça da Infância e Juventude como prontos para a adoção.

O auxiliar técnico social tem um papel relevante no intercâmbio entre o Juizado e o

estrangeiro interessado na adoção, pois caberá a ele a comunicação ao adotante da

existência de criança ou adolescente apta a ser colocada em família substituta, função

esta de exímio auxílio ao magistrado da Vara respectiva. Obviamente, inexistindo

crianças dispostas para a adoção, deverá o interessado aguardar o momento oportuno.

O art. 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que a adoção internacional

poderá ser condicionada a estudo prévio e análise de uma Comissão Estadual

Judiciária de Adoção, o que possibilita que interessados ingressem diretamente em

juízo com o pedido de adoção. Entretanto, conforme previsto no art. 2º do Regimento

Interno da CEJAI-ES, nenhuma adoção internacional poderá ser processada neste

Estado sem a prévia habilitação do interessado perante aquela Comissão. Assim, após

obter o Laudo de Habilitação, o adotante está autorizado a realizar a adoção em

qualquer Comarca capixaba. Nesse ponto, é importante destacar a relevância do

trabalho desenvolvido pela CEJAI, pois faz desnecessária a inscrição dos adotantes em

mais de uma Comarca, a partir do momento em que todas as crianças disponíveis

estão cadastradas no cadastro geral daquela Comissão, criado justamente para facilitar

todo o processo.

Escolhida a criança dentre aquelas disponíveis no cadastro geral da CEJAI, deverão os

adotantes postularem a adoção internacional, protocolando o pedido por meio de

petição inicial (conforme os requisitos do art. 165 do ECA e do art. 282 do Código de

Processo Civil, e aqueles dispositivos específicos da adoção) ao juiz competente, que o

despachará, deferindo ou não o início do estágio de convivência dentro do prazo que

entender necessário, conforme prevê o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Especificamente na Comarca da Capital do Estado do Espírito Santo, tal prazo é fixado

em 35 dias. No mesmo despacho, deverá o magistrado solicitar o processo de

habilitação à CEJAI-ES e poderá determinar o apensamento do processo de destituição

do pátrio poder, se houver, encaminhando, posteriormente, ao Ministério Público.

Durante o estágio de convivência, deverão adotantes e adotando permanecer no

Estado do Espírito Santo, a fim de possibilitar o trabalho da equipe interprofissional, que

fará visitas periódicas aos interessados e à criança, até que se encerre o prazo

concedido pelo juiz, trazendo relatório aos autos. O estágio de convivência traz

discussões na doutrina nacional, tendo em vista o disposto no art. 31 do ECA que diz

que “[...] a colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional,

somente admissível na modalidade de adoção”, e ainda o § 1º do art. 33 do mesmo

Estatuto dita que “[...] a guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser

deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no

de adoção por estrangeiros”. Entretanto, mais uma vez, Liberati (1995, p. 150)

esclarece, ao denominar de incidental a guarda nos processos de adoção, com o fim de

proteger o período em que a criança fica sem a proteção do pátrio poder e sem a

definição judicial, assim, enquanto o juiz analisa o processo, a criança fica

provisoriamente coberta pelo instituto da guarda.

A resposta trazida por aquele autor vem dissipar quaisquer dúvidas com relação a tal

guarda, pois resta evidente que, para uma criança que está quase por ser adotada,

melhor seria a concessão de uma guarda-provisória àquele que pretende adotá-la, até

que finde a tramitação de todo o processo, para que tenham a oportunidade de

conhecer-se mutuamente, mesmo, num curto espaço de tempo, pois, se tiver que haver

rejeição imediata, que o seja em solo brasileiro. Apesar de válida a intenção do

comando legal que impede a guarda em tais casos, o certo é que sua intenção principal

é que o adotante não saia do país com a criança a ser adotada, razão pela qual o

estágio de convivência deve se dar por autorização ou de guarda com validade limitada

e circunscrita à comarca onde corre o processo.

Assim, se o próprio Estatuto prevê, em seu art. 46, a realização do estágio de

convivência, com referência expressa ao adotante estrangeiro no § 2°, nada mais justo

de que tal se dê enquanto se aguarda o desenrolar do processo. Esse ponto merece

uma observação, porque trata o estágio de convivência de uma exigência legal

dispensada tão-somente às adoções internacionais, ou seja, as adoções nacionais não

necessitam de seu cumprimento, quando o adotando for menor de um ano de idade.

Sobre esse ponto, leciona Siqueira, citado por Costa (1998, p. 250):

Com esse estágio de 15 ou 30 dias e a adoção plena, as coisas se complicam em face da irrevogabilidade e da ausência de um período mais longo de adaptação e ajustamento. O § 4º do art. 51 diz que antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do território nacional. Concluímos dizendo que, doravante, o estágio de convivência será realmente de 15 dias para os adotandos até 2 anos e 30 dias para os demais, na certeza de que os direitos são iguais perante a Constituição – se o estrangeiro pode, o brasileiro pode muito mais.

Essa diferenciação de tratamento entre nacionais e estrangeiros, quanto a este

aspecto, parece despropositada Afinal, apesar de ser o estágio de convivência uma

medida salutar de conhecimento mútuo, o certo é que uma criança com menos de um

ano de idade não tem condições de demonstrar alteração de comportamento ou

afetividade, bem como não tem como trocar os carinhos e cuidados que venha receber

dos adotantes. Tal preceptivo legal, portanto, demonstra uma certa discriminação com

os estrangeiros. Costa (1998, p. 250) apresenta opinião mais razoável sobre o assunto:

A nosso ver, embora o estágio mínimo de convivência fixado pelo Estatuto em 15 e 30 dias não inviabilize as adoções por estrangeiros, que continuam a se realizar em nosso país, não resta dúvida que a melhor solução é a de deixar ao juiz, a quem compete estabelecer as condições em que a adoção deva ser deferida determinar em cada caso qual a duração do estágio de convivência. Esse período tem, contudo, o único mérito de possibilitar aos adotantes dos diferentes países algum conhecimento da realidade sociocultural do Brasil, que, no futuro, poderão transmitir ao adotado. Enquanto meio de avaliar a adaptação do adotando e a própria conveniência da constituição do vínculo, trata-se de uma autêntica ficção legal, em virtude não só da exigüidade de sua duração, mas, principalmente, por se dar inteiramente fora do contexto onde o menor irá viver.

Tem razão o citado autor, ainda mais se levado em consideração o fato de que o

estágio de convivência se dará em país diverso daquele em que a criança irá viver,

então, melhor seria a solução do sistema anterior, em que o estágio se realizava no

país de acolhimento, dentro do contexto sociocultural em que o adotando viveria, com

informações e estudos psicossociais realizados por intermédio de agências

especializadas, o que poderia ser feito com as medidas protetivas constantes do art. 21

da Convenção de Direito Internacional Privado de Haia sobre Adoção, de 1993. Tal

regra, na forma como se apresenta, acaba por ser prejudicial até mesmo aos superiores

interesses da criança.

Aclarada a questão, passa-se à manifestação do Ministério Público, também prevista

legalmente, pelo art. 168 do Estatuto, que fixa um prazo de cinco dias para ser ouvido.

Todas as funções do Ministério Público, como custus legis, devem ser observadas

nessa fase, como a verificação da regularidade do processo, bem como deve ser

requerida a realização de estudo social da situação, obviamente levando-se em

consideração a opinião da equipe interprofissional que funcionou nos autos respectivos.

Outro ponto que merece relevo é no tocante ao adotando maior de doze anos, que

precisa dar seu consentimento à pretensão do adotante, como se vê do § 2° do art. 45

do Estatuto. Trata-se de pré-requisito necessário e obrigatório que, inexistindo, torna

nulo todo o processo.

A existência do contraditório se dará sempre que houver resistência por quaisquer das

partes envolvidas, caso em que a adoção seguirá o rito ordinário preceituado pelos arts.

282 a 475 do Código de Processo Civil, e ocorrerá nas seguintes situações: a) quando

os genitores do adotando ainda forem vivos, estiverem na regência do pátrio poder ou

não concordarem com a adoção. Ausentes esses pais, dá-se a nomeação de curador

especial para a proteção dos interesses do menor adotando, hipótese em que também

poderá haver o contraditório. Somente tais casos fazem necessária a presença de

advogado no processo, caso contrário, é opcional, conforme previsto no Estatuto da

Criança e do Adolescente. Sobre tal assertiva, muito bem explanou Liberati (1995, p.

148), quando disse:

A posição assumida pelo Estatuto de prescindir da assistência de advogado nas ações de colocação de criança ou adolescente em família substituta, nacional ou estrangeira, em procedimentos não contraditórios, decorre da necessidade imperiosa de conceder a prestação jurisdicional com a maior brevidade possível, vez que tais ações representam relações afetivas e são revestidas de cunho eminentemente social.

Pode-se concluir, portanto, que a anuência dos genitores é o que determina o tipo de

procedimento, pois, se houver a concordância deles, será jurisdição voluntária (arts.

165 a 170 do ECA) e, inexistindo tal manifestação, haverá o contraditório, previsto nos

arts. 167, 168 e 170 do Estatuto. Caso que merece destaque é lembrado por Liberati

(1995, p. 149), quando o titular do pátrio poder for menor de 21 anos, que, para a

realização do ato judicial deverá estar representado ou assistido, conforme previsto no

art. 384, V, do Código Civil. Oportuno é lembrar que todo o processo é gratuito, como

dita o § 2º do art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Havendo o prolatar da sentença, opera-se a adoção, pois é por meio da sentença

judicial que se constitui o vínculo desse instituto, que se convalida tão-somente

mediante decisão constitutiva, que produz o efeito de criar, modificar ou extinguir uma

relação jurídica. A partir da sentença, então, findado o prazo recursal, a adoção torna-

se irrevogável, como disposto no art. 48 do Estatuto, o que impossibilita o

restabelecimento do vínculo paternal dos pais naturais, que só poderão fazê-lo por meio

de uma nova adoção. Vê-se, aqui, que, ao proferir a sentença de adoção, opera-se a

extinção do pátrio poder aos pais naturais, passando-o aos pais adotantes, como

preceituado pelo art. 392, IV, do Código Civil. Essa destituição do pátrio poder, para

Liberati (1995, p; 162), constitui uma sanção aplicada aos pais naturais por terem

desprezado o dever de criar, assistir e educar seus filhos, conforme legalmente

previsto. O objetivo de tal sanção é, portanto, proteger o interesse maior da criança e do

adolescente.

Assim, após a realização da audiência e a prolatação da sentença, os interessados

receberão os documentos necessários para cancelamento do registro anterior e

efetivação do registro atual, no Cartório de Registro Civil competente. Se o adotante

preferir a mudança do prenome do adotando, deverá requerê-lo ao juiz e, não o

fazendo, o prenome de origem permanecerá, acrescido do nome de família dos novos

pais. Obtido o novo registro, será expedido documento autorizativo para emissão do

passaporte e, posteriormente, será entregue alvará para viagem ao exterior.

Segundo Antunes Varela, citado por Albergaria (1996, p. 85), a adoção traduz-se numa

mudança da família do adotado: ele sai da família natural para entrar na família adotiva.

A função específica da adoção se revela num duplo efeito: por um lado, integra

completamente o adotado como filho do adotante e na sua família e, por outro lado,

extingue para o futuro as relações de parentesco entre o adotado e a família originária.

Assim, o art. 41 do Estatuto narra os efeitos da adoção, bem como o art. 21 da

Convenção Sobre os Direitos da Criação preceitua sobre o sistema de adoção, sempre

enfatizando que a consideração primordial será o interesse maior da criança.

O primeiro efeito produzido pela adoção ocorre quando a sentença judicial transita em

julgado. Desse modo, revestindo-se a adoção do caráter da irrevogabilidade, tem-se

aconselhado, como assevera Siqueira (2004, p. 129), que, havendo recurso, seja este

recebido no efeito suspensivo, mesmo que sejam os adotantes brasileiros, a fim de

evitar uma surpresa desagradável com uma possível reforma da sentença. Entretanto,

não sendo mais possível a utilização de recurso para modificação da sentença,

extingue-se o vínculo e transfere-se o pátrio poder para os pais adotantes, conforme

previsto no art. 467, do Código de Processo Civil. Mais uma vez, é oportuna a lição de

Siqueira (2004, p. 129):

A irrevogabilidade é o marco peculiar da adoção para evitar que ocorram interesses outros que prejudiquem as conquistas alcançadas pelo instituto no que concerne aos aspectos patrimoniais e sucessórios, quanto aos alimentos, vínculos de parentesco, etc., considerando que os adotados se equivalem e são equiparados aos filhos consangüíneos com os mesmos direitos e deveres.

Desse modo, havendo a morte ou a destituição do pátrio poder dos pais adotivos, não

há qualquer direito para o pai natural, que só poderá obtê-lo mediante nova adoção.

Importante modificação adveio com a Constituição Federal de 1988 que, em seu art.

227, § 6º, equiparou a filiação decorrente de adoção àquelas naturais e legítimas, em

todos os seus aspectos. Tal preceito constitucional veio modificar os dispositivos do

antigo Diploma Adjetivo Civil (arts. 376 e 336), que sempre mereceu censura por parte

dos estudiosos, como lembra Granato (2003, p. 68), pois tratam de dispositivos pelos

quais o parentesco resultante da adoção se limitava ao adotante e ao adotado,

estabelecendo parentesco meramente civil entre eles. Assim, o art. 41 do Estatuto veio

atribuir a condição de filho ao adotado, equiparando-o em tudo ao filho natural.

Para a Itália, país que acolhe muitos capixabas pela forma de adoção, os efeitos

produzidos por esse instituto, em relação à filiação, emergem do art. 27 da legge

184/83,15 que dispõe que, com a adoção, cessa a relação de parentesco com a família

de origem, com exceção para os impedimentos matrimoniais. Também a relação de

15 Disponível em:< http://www.giustizia.it/cassazione/leggi/l184_83.html>.Acesso em: 13 nov..2004. (original em italiano).

parentesco se revela como um dos efeitos gerados pela adoção no Brasil, pois,

passando o adotado a ser filho legítimo dos adotantes, há a integração da criança

adotada à sua nova família. O Estatuto, em seu art. 20, e a Nova Constituição de 1988,

bem como o Novo Código Civil, estenderam o vínculo de parentesco do adotando com

a família do adotante, como se fosse um vínculo biológico, inclusive com relação aos

direitos sucessórios (art. 1, § 2º, do ECA).

Com relação aos direitos sucessórios, trata-se agora de tema simples, diante da forma

igualitária com a qual a Constituição Federal tratou os filhos adotados, concedendo-lhes

os mesmos direitos e deveres daqueles filhos havidos naturalmente, como já enfocado.

Entretanto, há uma exceção contida no § 1º do art. 41, do ECA, e no Código Civil em

vigor, caso em que um dos cônjuges (ou convivente) adota o filho do outro. Nesse caso,

persistem os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge do adotante e seus

parentes, sendo o adotado chamado à vocação hereditária de ambas as partes, no

caso de falecimento de qualquer deles.

Dentre os países que acolhem os pequenos capixabas por adoção, a Espanha e a Itália

também têm previsão legal com relação ao direito sucessório dos adotados. O Código

Civil Espanhol,16 em seu art. 108, dispõe que a filiação matrimonial e não matrimonial,

assim como a adotiva, surtem os mesmos efeitos, conforme as disposições do Código.

Da mesma forma, o Código Civil Italiano,17 em seu art. 536, estabelece que as pessoas

em favor das quais a lei reserva uma quota hereditária e são sucessores diretos são: o

cônjuge, o filho legítimo, o filho natural, o ascendente legítimo e, no mesmo dispositivo,

afirma que o filho legítimo é equiparado ao adotivo.

Outro efeito gerado pela adoção brasileira, e não menos importante, é a representação

legal a ser exercida pelos pais adotivos, com fundamentação legal na sentença

constitutiva de adoção, que gera para os filhos adotados os mesmos direitos em relação

aos filhos naturais. Diante disso, todas as obrigações que a Nova Constituição e a Lei

16 Disponível em: < http://civil.udg.es/normacivil/estatal/CC/3T3C2.htm>. Acesso em: 13 nov.2004. (original em espanhol). Disponível em:< http://www.jus.unitn.it/cardozo/Obiter_Dictum/codciv/Codciv.htm>. Acesso em: 13 nov.2004. 17 Disponível em:< http://www.jus.unitn.it/cardozo/Obiter_Dictum/codciv/Codciv.htm>. Acesso em: 13 nov.2004. (original em italiano).

Civil obrigam aos pais em relação aos filhos, também são estendidas aos pais

adotantes em relação aos filhos adotados, como aquelas dispostas no art. 1.634, do

Código Civil, dentre elas: dirigir a criação e educação dos filhos menores; tê-los em sua

companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico se o outro dos pais não lhe

sobreviver ou o sobrevivo não puder exercitar o pátrio poder; representá-los até os

dezesseis anos nos atos da vida civil; assisti-los após essa idade nos atos em que

forem partes, suprindo-lhes consentimento; reclamá-los de quem ilegalmente os

detenha; exigir que prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e

condição. Independentemente da vontade, portanto, os pais adotivos estão obrigados

aos deveres paternais, pela simples razão de terem sido investidos judicialmente na

condição de titulares do pátrio poder.

O direito de alimentar também surge como um dos efeitos da adoção, sendo possível

ao filho adotado o direito de pleitear alimento aos seus pais e familiares, se assim o

necessitar. Da mesma forma, o pai adotivo pode fazê-lo, pois os alimentos são devidos

na forma recíproca entre adotante e adotado, como se fossem pais e filhos naturais.

Obviamente que a obrigação alimentar não envolve somente o alimento em si, mas

também o direito à vida e à integridade física do alimentando. E é por essa razão que o

direito a alimentos pode deixar de ser exercido, mas é irrenunciável, por tratar-se de

direito personalíssimo. Tamanha é a preocupação mundial com a questão alimentar de

crianças e adolescentes, que foi firmada em Haia, em 24 de outubro de 1956, a

Convenção Relativa à Lei Aplicável em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores,

demonstrando que a obrigação de prestar alimentos é universal, pois daí advém a

própria sobrevivência.

Ademais, o planejamento familiar, embora livre, deve fundar-se na dignidade da pessoa

humana e na paternidade responsável, pois, como preceitua a Constituição Federal de

1988, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta

prioridade, o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar. Assim, pelo art.

226, § 7º, a Carta Federal pôs fim à preeminência da paternidade biológica, trazendo a

noção de paternidade responsável, cuja idéia é a de que o direito da filiação não é

somente o direito da filiação biológica, mas é também o direito da filiação que se vive.

Destarte, constitui-se o vínculo da adoção por meio da sentença terminativa e

constitutiva, quando então se resolve o problema entre as partes com o mérito e.

conseqüentemente, seus efeitos. Assim, a irrevogabilidade proposta pelo Estatuto dá a

idéia de que os efeitos produzidos pela adoção não podem ser desfeitos pela simples

vontade das partes. Conforme lembra Liberati (1995, p. 186):

Esta assertiva fundamenta-se no fato de que o adotante, insatisfeito com seu filho adotivo – e este com aquele, não pode renunciar unilateralmente à adoção já constituída pela sentença definitiva. Tampouco pode fazê-lo se o adotado praticar aqueles atos que autorizam a deserdação [...], ou incorrer nos motivos que o desautorizam a sucedê-lo [...].

Esse autor (1995, p. 186/187) ainda acrescenta que a posição aqui adotada, com

relação à irrevogabilidade da adoção, encontra situação idêntica em países como a

Espanha (art. 180, do Código Civil), França (art. 359, do Código Civil) e na Itália que,

após tornar definitivo tal instituto, não permite revogação, com a exceção contida nos

arts. 51 a Legge n. 184/83 e 305 e seguintes do Código Civil, respectivamente. Enfim,

quanto à legislação do país de origem do adotante, cabe salientar que, no Brasil,

deferida a adoção, esta passa a ser perfeita, exaurindo a jurisdição e provocando os

efeitos próprios da constituição do vínculo de filiação. É por essa razão que o Estatuto,

em seu art. 51, § 2º, prescreve que “[...] a autoridade judiciária, de ofício ou a

requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto

pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência”.

Tal providência parece salutar, na medida em que pode coibir aborrecimentos futuros. E

assim deve ser, pois não se mostra justo que na sua pátria de origem, tenha a criança

todas as garantias constitucionais, e no país de acolhida não tenha resguardados

aqueles direitos. O maior interesse da criança deve sempre ser respeitado, em qualquer

situação. E essa não é uma preocupação específica do Brasil. Liberati (1995, p.

190/191) lembra que a declaração da eficácia da sentença brasileira na Itália segue um

procedimento próprio e, citando os magistrados italianos Francesca Ichino e Mario

Zevola, afirma que vários são os passos que o adotante italiano deve dar ao receber a

sentença de adoção em país estrangeiro.18

Feitas todas essas considerações acerca das questões decorrentes do direito das

sucessões e afins na adoção, passa-se aos efeitos que produzem em nível de estado

familiar, relativamente à sua família biológica e à nova família a que adere, e ainda os

efeitos que se produzem com relação ao estado pessoal, daí advindo relações de

nacionalidade e de nome, atinentes ao tema deste trabalho.

Com relação ao nome, tem-se no § 5° do art. 47, do Estatuto, a previsão que dá o

direito ao nome do adotado e a faculdade de alterar o prenome. Assim, o adotado

adquire o nome dos pais adotantes, como sinal claro da personalidade do filho e de sua

integração na nova família, como complementa Albergaria (1996, p. 88):

O direito ao nome é um dos direitos fundamentais da criança, como prevê o item 3° da Carta Internacional dos Direitos da Cria nça. O nome como expressão de personalidade irá possibilitar ao adotando não só a integração na família adotiva, como a sua inserção na vida social, para exercer em muitos planos seus direitos e obrigações. O nome abre ao novo ser o universo jurídico, sem o qual estará excluído da vida jurídica.

18 Liberati (1995, p. 190-191) traz como procedimentos mais importantes: “[...] para que a sentença de adoção, de guarda pré-adotiva, de tutela, ou de proteção ao menor, emitida pela autoridade de seu país a favor de cônjuges italianos, seja válida também na Itália, é necessária a declaração de eficácia por parte do Tribunal de Menores do lugar da residência dos cônjuges. Estes deverão, portanto, informar o tribunal da chegada do menor estrangeiro e depositar a documentação (traduzida e legalizada) que consentiu seu ingresso na Itália. O Tribunal procederá em seguida a uma série de verificações: a) se já está decretada a declaração de idoneidade dos cônjuges à adoção internacional; b) se a sentença estrangeira está conforme à legislação do país que a emitiu; c) se a sentença estrangeira não é contrária aos princípios fundamentais que regulam na Itália o Direito de Família e de Menores. Verificado isso, o Tribunal declarará eficaz ou não a sentença estrangeira. Contra o decreto é possível somente o recurso de Cessação, por parte dos cônjuges, do Ministério Público e do tutor eventualmente nomeado para o menor no exterior. A lei italiana considera como condição necessária para consentir na adoção o decurso do período de, pelo menos, um ano de convivência do menor com os cônjuges que querem adotá-lo. A condição vale também para a adoção de menor estrangeiro. É por esta razão que a sentença emitida no exterior não pode ser declarada eficaz como adoção, se não resulta ter cumprido um período de guarda pré-adotiva de, pelo menos, um ano. Se a sentença estrangeira não prevê a guarda pré-adotiva ou se não está comprovado que a guarda seja contada, a sentença estrangeira será declarada somente como guarda pré-adotiva. Proceder-se-á, em seguida, à nomeação de um tutor para o menor na Itália que se disporá à vigilância do bom andamento da guarda. O início do ano de convivência vai datado no momento do ingresso do menor na Itália junto com o casal ou , se puder ser provado, também no momento do início, no exterior da convivência do menor com os cônjuges, logo depois da sentença da autoridade estrangeira. Somente depois de decorrido o ano e se a guarda tiver obtido êxito, o Tribunal de Menores poderá pronunciar o decreto autorizando a adoção. Após a expedição do decreto que declara eficaz com os efeitos da adoção, a sentença estrangeira ou o decreto com o qual resultou em êxito da guarda pré-adotiva, autoriza-se a adoção; o menor estrangeiro torna-se filho legítimo dos cônjuges que o adotaram e os efeitos são os mesmos que produzem quando o adotado é um menor italiano”.

Sem dúvida, a possibilidade de alterar o prenome propiciará a melhor integração da

criança à nova família, expurgando qualquer estigma da vida anterior. E assim deve

ser, pois na adoção há a constituição de filho do adotante, com total desvinculação dos

pais e parentes naturais. O passado é extinto por completo, não constando nada mais

no seu registro, que é aberto, com desconstituição do originário.

Outra questão de grande importância diz respeito à nacionalidade do adotado, pois

existem ordenamentos distintos, que, se considerados individualmente, a concedem ou

não. Trata-se de tema da maior relevância, pois, em se tratando a adoção de instituto

que visa à total integração do adotado no seio da nova família, obviamente que tal não

ocorreria acaso não lhe fosse concedida a nacionalidade do adotante. A doutrina mais

moderna, capitaneada por Costa (1998, p. 157), entende que se trata de matéria cuja

natureza é autônoma, intimamente ligada ao regime constitucional nacional, que deve

encontrar uma solução. Dessa forma, a manutenção ou modificação da nacionalidade é

efeito que depende do Direito Público, que integra a matéria do poder discricionário do

Estado. Conclui-se, assim, que a diferença de nacionalidade entre adotando e adotante

não se constitui em óbice à adoção, devendo os Estados estabelecer regras favoráveis,

na medida do possível, a aquisição da nacionalidade dos pais pelos filhos adotivos,

como recomendou o Instituto de Direito Internacional, citado pelo autor indicado.

Claro está que a criança ou adolescente adotados manterão sua nacionalidade

brasileira reconhecida e assegurada, salvo se pretendam, expontaneamente, adquirir a

nacionalidade de seus pais adotivos, quando será, então, declarada a perda da

nacionalidade brasileira, conforme o inc. II, § 4°, art. 12, da Constituição Federal.

Obviamente podem existir legislações que exijam a naturalização do adotado como

condição para que possa permanecer no território em que os adotantes residam

habitualmente, caso em que o Brasil reconhecerá subsistir a nacionalidade brasileira,

como preceituado na alínea “b”, II, do mesmo dispositivo citado. Sobre o tema,

assevera Mônaco (2002, p. 117):

O constituinte admitiu tal hipótese de mantença da nacionalidade ao reconhecer que o disciplinamento da nacionalidade está em estreito relacionamento com os fatores da vida social, motivo pelo qual não poderia

deixar de levar em conta que, querendo ou não, de forma mais ou menos passageira, transformando-nos em país de emigração, o que acarretou a sua suavização da regra da perda em virtude da aquisição voluntária.

Pode-se perceber, assim, que a nacionalidade depende das regras de conflito, sendo

oportuno, dessa forma, citar os alguns países que permitem a naturalização do

adotado, conforme Mônaco: Itália, França, Suécia, Holanda, Espanha, Suíça, Reino

Unido, Bélgica, China, Irlanda, Japão e Polônia. A Alemanha e a Romênia vedam

expressamente a aquisição da nacionalidade pelo adotado.

Os direitos e obrigações do filho adotivo são idênticos àqueles relativos ao filho

biológico, revelando-se como direitos fundamentais do filho que definem o conteúdo do

poder paternal, pois são direitos da criança necessários ao desenvolvimento de sua

personalidade e do seu bem-estar material e moral. Por tal razão é que uma das

questões de maior problemática da adoção internacional diz respeito à necessidade de

assegurar que a adoção, existindo em um determinado ordenamento jurídico, possa ser

reconhecida em ordenamento diverso.

É bem verdade que a possibilidade de se reconhecer um procedimento estrangeiro é

admitida na maioria dos Estados, como corolário do duplo princípio da colaboração

internacional e da economia processual. Apesar disso, não existe, por parte dos

Estados, um critério igualitário para o procedimento da adoção.

Segundo Costa (1998, p. 158) os diversos Estados, de modo geral, subordinam o

reconhecimento da sentença estrangeira a um exequatur ou procedimento equivalente,

a fim de que ela possa ter força executiva e autoridade de coisa julgada no

ordenamento jurídico interno, no qual se solicita sua validade e, citando Opertti Badán,

afirma que, no que diz respeito à adoção, que classifica como procedimento de

jurisdição voluntária, entende que somente quando a instituição implique a execução

sobre os bens ou coerção sobre as pessoas será necessário o exequatur propriamente

dito.

Entretanto, vários são os países cujo sistema jurídico tem, na competência internacional

para decidir a adoção, um obstáculo ao reconhecimento da constituição do vínculo.

Alguns deles exigem o cumprimento prévio de determinados requisitos, previstos na lei

interna, o que também se revela um obstáculo à validade de uma sentença estrangeira

constitutiva de adoção. Exemplificando, Costa (1998, p. 160) cita a Itália que, apesar de

colocar a criança adotiva estrangeira em posição de igualdade com as crianças

italianas, exige uma custódia pré-adotiva de pelo menos um ano para que se confirme a

sentença estrangeira, o que parece outra adoção. Acrescenta, ainda, aquele autor que

existem alguns países, como a Alemanha, Argentina, França, Grécia e Portugal, que,

para validarem as adoções internacionais, aplicam as normas gerais de

reconhecimento da sentença estrangeira, o que gera uma variação do sistema de

revisão de mérito ao da delibação.

A conclusão a que se chega é que a maioria das dificuldades apresentadas para

reconhecimento da sentença estrangeira é resultante da tendência de os países

aplicarem suas próprias leis. Por essa razão é que grande tem sido a batalha por parte

das Nações Unidas, do Conselho da Europa e da Organização dos Estados

Americanos, com o fim de estabelecer normas e provimentos que propiciem maior

facilidade à adoção internacional e o conseqüente reconhecimento pelos Estados. E

assim deve ser, pois como leciona Siqueira (2004, p. 131),

O princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, com a garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e outros afins, constitui um processo que exige um longo caminhar pela estrada da consciência cívica nacional fortalecida.

Trata-se de entendimento baseado na concepção unitária de direitos humanos, como

assevera Machado (2003, p. 407):

Essa conformação estrutural diferenciada dos direitos – assentada na concepção unitária dos direitos humanos, que reconhece a inafastável interdependência entre os chamados ‘direitos civis’, ou ‘direitos da liberdade’ e os chamados ‘direitos sociais’, ou ‘direitos de igualdade’ – caracteriza-se pela positivação de todos esses direitos daquela mesma maneira, com a finalidade de lograr proteção integral dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes: na essência da problemática, apenas se alcança efetividade plena para qualquer destas ‘classes’ de direitos quando todos estão suficientemente satisfeitos.

E é por essa razão que essa estruturação especial dos direitos fundamentais das

crianças e adolescentes requer uma tutela jurisdicional diferenciada, como lembra a

mesma autora, devendo-se ter-se como princípios orientadores o Direito da Criança e

do Adolescente, os princípios constitucionais gerais do Direito da Infância e Juventude,

como tratados neste trabalho, quais sejam: o Princípio da Proteção Integral, o Princípio

do Respeito à Peculiar Condição de Pessoa em Desenvolvimento, o Princípio da

Igualdade de Crianças e Adolescentes, o Princípio da Prioridade Absoluta e o Princípio

da Participação Popular na Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes, sendo

este último aquele que objetiva chamar a comunidade organizada a participar da defesa

dos direitos de crianças e dos adolescentes, a fim de reforçar a proteção integral.

Tal proteção deve existir na esteira de uma cultura jurídica humanista, como esclarece

Fabriz (1999, p. 238):

Sendo o Direito um fenômeno humano e universal, há que se estabelecer um elo de ligação entre os vários Direitos e os vários sistemas jurídicos existentes. Tal elo encontra-se justamente na formulação de uma cultura humanista universal que encontre nos Direitos Humanos a sua essência, sem perder de vista as realidades locais de cada povo. Dessarte, qualquer teoria, tratado, lei, decisão ou mesmo as relações sociais intersubjetivas que ocorrem no cotidiano, deverão pautar-se pelos Direitos Humanos.

Nessa linha, partindo para uma conotação mundial de direitos humanos, diante do

grande número de transferência de infantes de um país para outro, pela adoção, surgiu

um interesse internacional em proteger a criança, propiciando ao adotante a segurança

devida, o que fez com que os Estados membros signatários da Convenção Relativa à

Proteção da Criança e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de Haia (29-

05-1993), estabelecessem garantias para que as adoções internacionais levem em

consideração, prioritariamente, o interesse superior da criança e o respeito aos direitos

fundamentais reconhecidos pelo Direito Internacional. E, ainda mais, prevê a

Convenção a instauração de um sistema de cooperação entre os Estados contratantes,

a fim de assegurar o respeito às garantias e, conseqüentemente, prevenir o tráfico de

crianças, assegurando o reconhecimento, pelos Estados contratantes, das adoções

realizadas de acordo com a Convenção.

Desse modo, o que não se pode admitir de maneira alguma é que a criança seja

encaminhada para uma situação que lhe seja ainda pior do que a que vivia

anteriormente. Porque a criança e o adolescente, segundo dispõe o art. 3°, do seu

Estatuto, “[...] gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,

sem prejuízo da proteção integral de que trata essa lei, assegurando-lhes, por lei ou por

outros meios, todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, em condições de liberdade e

dignidade”.

Nesse passo, levando-se em consideração a realidade de um mundo globalizado, vale

a lição de Luño (1998, p. 41), para quem “[...] qualquer atentado contra os direitos e

liberdades da pessoa não é uma questão doméstica dos Estados, mas sim um

problema de relevância internacional”. Isso porque o mundo contemporâneo tem sofrido

profundas alterações na organização política mundial, principalmente em conseqüência

da globalização, razão pela qual tem tomado vigor a idéia de uma mundialização e da

internacionalização dos direitos humanos, como mecanismo de redução às graves

conseqüências advindas da conversão do mercado promovida pela globalização, como

ensina Jayme (2005, p. 189):

O modelo de desenvolvimento capitaneado pelos países ricos mostrou-se econômica, social e ambientalmente insustentável. Os resultados decorrentes da crise gerada por este modelo foram a ampliação do gap entre os ricos e os pobres e a exploração desordenada das reservas naturais, além dos seus limites de sustentabilidade; conseqüentemente, a globalização não inclusiva ocasionou instabilidades socioeconômicas e políticas nos países periféricos. Por isso, a mundialização vem em substituição à globalização, porquanto inadmissível atribuir-se exclusivamente ao mercado a capacidade de fazer a inclusão dos excluídos, de reduzir a pobreza, de distribuir renda e outras medidas necessárias ao desenvolvimento sustentável, por não ser esse o seu propósito, que não é outro senão o do lucro. A mundialização busca equilibrar as exigências do mercado com as medidas necessárias ao desenvolvimento sustentável e à dignidade humana.

Essa idéia apresentada por meio do processo de mundialização propõe a redefinição de

vários conceitos e atitudes que possam tornar concretas as competências dos Estados

na qualidade de promotor do bem comum. Assim, com relação à adoção internacional,

há de ser respeitado o interesse maior do infante, interesse este que deverá reger todas

as adoções supranacionais, num esforço conjunto de todos os Estados envolvidos.

É nesse momento que todas as pessoas devem dedicar-se às práticas jurídicas ligadas

à proteção internacional dos direitos humanos como meio de cultivar o Direito, como

leciona Fabriz (1999, p. 242):

[...] uma nova cultura jurídica humanista deve ser compreendida como um novo modo de cultivar o Direito, levando-se em consideração o complexo de princípios e valores característicos da sociedade em geral, vigentes em nossa época, cujo o esforço coletivo, a partir de uma participação efetiva de todos os cidadãos, instituições e segmentos que compõem a totalidade da sociedade, possam implementar um Direito que realmente aproxime-se das reais dimensões humanistas do homem, nas preservação incondicional da vida, da dignidade e integridade da pessoa humana, visando ainda, à defesa do Direito como elemento de aglutinação, desenvolvimento e transformação social.

Nesse sentido, a Convenção representa, então, o mínimo que toda sociedade deve

garantir às suas crianças, reconhecendo, em um único código, todas as normativas

relativas às medidas de privilégio e proteção em favor dos infantes que os países

signatários devem adotar e incorporar às suas leis. Não restam dúvidas de que os

direitos assegurados pela instituição da adoção internacional ao imenso quantitativo de

crianças transferidas de um país para outro somente poderão ser efetivamente

garantidos se houver uma ampla e estreita cooperação entre os Estados.

Assim, para que a sentença no processo de adoção internacional surta seus reais

efeitos, necessário se faz que atinja o objetivo primordial traçado na Constituição

Federal de 1988, no Estatuto da Criança e Adolescente, na Declaração Universal dos

Direitos Humanos, na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança e na

Convenção Internacional Sobre a Proteção de Crianças e a Colaboração em Matéria de

Adoção (Haia, 1993), qual seja, proporcionar àquela criança ou adolescente que não

teve como alternativa permanecer em sua família natural ou a colocação em família

substituta no seu próprio país, e a garantia dos seus direitos básicos, que o seja junto

de uma família estrangeira, a fim de que possa encontrar o seu bem-estar e a sua

felicidade, usufruindo do convívio familiar e comunitário sadios, com a garantia e a

efetivação dos direitos a eles inerentes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos da criança e do adolescente estão inseridos na luta pelos direitos humanos.

Trata-se de uma árdua luta, gradativa e progressiva, pois as violações ocorridas a

esses direitos, a sua proteção e novas conquistas são permanentes e constantes. A

infância e a juventude brasileiras têm sua história dividida em dois momentos: o

primeiro anterior e o segundo posterior à Constituição Federal de 1988, seguida da

edição do Estatuto da Criança e do Adolescente. Na fase anterior, os menores eram

tidos como objetos de intervenção no mundo dos adultos, sem que interesses

concretos fossem levados em consideração no tratamento das muitas relações

jurídicas que pudessem atingi-los. Foi somente a Constituição Brasileira de 1988 que

estabeleceu um sistema especial e prioritário de proteção aos direitos fundamentais

dos infantes.

O fundamento primordial desse sistema se baseia no reconhecimento da condição de

hipossuficiência que possuem as crianças e os adolescentes, pois são seres humanos

em formação e crescimento, desprovidos de aptidão para o exercício e a proteção dos

seus direitos, condição decorrente de sua imaturidade física e psíquica, que faz com

que necessitem de tratamento especial. A base para esse sistema especial está

disposta no art. 227 da Constituição Federal, que descreve os direitos humanos de

crianças e adolescentes, e no art. 1º, III, que prevê a dignidade da pessoa humana

como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Além do reconhecimento de sua condição peculiar trazida pela atual Constituição

Federal, também o Estatuto da Criança e do Adolescente representa um instrumento

legal para o desenvolvimento desses entes hipossuficientes, revelando-se como uma

verdadeira constituição infanto-juvenil, regulamentando os direitos fundamentais

relativos à infância e à adolescência, como a vida, a educação, a convivência familiar e

comunitária, o lazer e profissionalização. Desse modo, o desenvolvimento de uma

criança e adolescente tem, na família e na educação, em que se inclui o esporte e o

lazer, o seu elemento básico e fundamental, razão pela qual devem receber apoio,

orientação, formação, promoção e sustentação por meio de políticas sociais públicas

para garantia dos seus direitos fundamentais, pois, apesar das transformações

ocorridas na sociedade no plano social, econômico, cultural, ético e político, a família e

a educação permanecem como espaços convenientes para o desenvolvimento da

infância e juventude, com capacidade de transformar as crianças em cidadãos do

mundo. Apesar disso, a maioria das crianças brasileiras continua tendo seus direitos

fundamentais submetidos a muitas violações, em decorrência da forma de organização

da sociedade, da distribuição de riqueza, tendo em vista que o Brasil tem uma das mais

altas taxas de desigualdade econômica do mundo. Assim, editada a Lei nº 8.069/90

(Estatuto da Criança e do Adolescente), passou-se a admitir a colocação de criança em

família estrangeira na modalidade de adoção, e ainda se estabeleceram as condições

para que essa permissão pudesse ser levada a efeito. Percebe-se, dessa forma, que a

adoção internacional é um instituto de índole constitucional e, como tal, deve ser

tratada.

Cuidando-se do instituto da adoção, não se revela como ponto crucial o fato de ser feita

por nacional ou estrangeiro. O objetivo principal é que a criança que se viu privada de

sua família natural seja acolhida por uma família substituta. Estando a família

preparada para receber mais um ente em seu seio e restando atendidos os requisitos

legais, não importa a nacionalidade dessa família, pois, para a adoção, trata-se de

aspecto menos relevante. Há de se procurar, ao máximo, afastar as crianças das

instituições, propiciando-lhes uma família. Esse é o verdadeiro objetivo da lei.

Evidentemente, a adoção internacional surge como medida excepcional, somente

justificada quando não houver outra alternativa para a criança em seu próprio país, pois

ela não pode ser privada do seu bem-estar mesmo em uma família estrangeira. A

criança e o adolescente desamparados devem ser valor fundamental a se defender, de

uma forma que não haja preconceitos ou condicionamentos ideológicos prévios, como

a pátria, a cultura e a língua. Portanto, a afirmação injustificada de nacionalismos ou a

invocação da soberania, como valor politicamente superior, não podem servir de

entraves para o atendimento dos objetivos perseguidos pelo Estado Democrático de

Direito preceituado pela Carta Magna de 1988 a todos os cidadãos brasileiros.

A estruturação especial dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes requer

uma tutela jurisdicional diferenciada, devendo ter como instrumentos orientadores de

todo o Direito da Criança e do Adolescente os princípios constitucionais gerais do

direito da infância e juventude, como tratados neste trabalho, quais sejam: o Princípio

da Proteção Integral, o Princípio do Respeito à Peculiar Condição de Pessoa em

Desenvolvimento, o Princípio da Igualdade de Crianças e Adolescentes, o Princípio da

Prioridade Absoluta e o Princípio da Participação Popular na Defesa dos Direitos de

Crianças e Adolescentes, sendo este último aquele que objetiva chamar a comunidade

organizada a participar da defesa dos direitos de crianças e adolescentes, a fim de

reforçar a sua proteção integral. Essa é a razão pela qual os Direitos Humanos não

devem permanecer somente nas mãos dos operadores do Direito, pois suas ações

envolvem caráter interdisciplinar, podendo ser avaliadas em diversas perspectivas.

Assim, partindo para uma conotação mundial, diante do grande número de

transferência de infantes de um país para outro por meio da adoção, surgiu um

interesse internacional em proteger a criança, propiciando ao adotante a segurança

devida, o que fez com que os Estados Membros signatários da Convenção Relativa à

Proteção da Criança e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de Haia (29-

05-1993), estabelecessem garantias para que as adoções internacionais levem em

consideração, prioritariamente, o interesse superior da criança e o respeito aos direitos

fundamentais reconhecidos pelo Direito Internacional. E ainda mais, prevê a

Convenção a instauração de um sistema de cooperação entre os Estados contratantes,

a fim de assegurar o respeito às garantias e, conseqüentemente, prevenir o tráfico de

crianças, assegurando o reconhecimento, por esses Estados, das adoções realizadas

de acordo com a Convenção.

Levando-se em consideração a realidade de um mundo globalizado, vale a lição de

Luño (1998, p. 41), para quem “[...] qualquer atentado contra os direitos e liberdades

da pessoa não é uma questão doméstica dos Estados, mas sim um problema de

relevância internacional”. E assim é porque o mundo contemporâneo tem sofrido

profundas alterações na organização política mundial, principalmente em conseqüência

da globalização, razão pela qual tem tomado vigor a idéia de mundialização e

internacionalização dos direitos humanos, como mecanismo de redução às graves

conseqüências advindas da conversão do mercado promovidas pela globalização. Essa

idéia apresentada pelo processo de mundialização propõe a redefinição de vários

conceitos e atitudes que possam tornar concretas as competências dos Estados na

qualidade de promotor do bem comum. Com relação à adoção internacional, há de ser

respeitado o interesse maior do infante, interesse este que deverá reger todas as

adoções supranacionais, num esforço conjunto de todos os Estados envolvidos.

O direito material de crianças e adolescentes possui a característica de gerar prestação

positiva do Estado, da família e da sociedade, como disposto no art. 227, da

Constituição Federal, com a garantia e a segurança prioritárias. Esse sistema

diferenciado de direitos assenta-se na concepção unitária de direitos humanos, ou seja,

os direitos da infância e da adolescência só serão efetivados se os direitos que

compõem essa concepção unitária (direitos de liberdade e de igualdade) forem

suficientemente satisfeitos. Essa interdependência e indivisibilidade coloca os Direitos

Humanos em um patamar cuja perspectiva se dá de forma mais ampla, com a adoção

de mecanismos mais eficazes, escapando ao domínio único do Estado.

Essa teoria demonstra a extrema importância nas ações dos cidadãos comuns e dos

juristas que pensam em exercitar o Direito, pois devem fazê-lo sob a ótica dos Direitos

Humanos, propiciando a identificação dos momentos de ruptura de paradigmas

diversos, facilitando a transparência das intervenções ideológicas que atravessam o

sistema jurídico, possibilitando uma maleável compreensão desse fenômeno, a fim de

cooperar com o aprimoramento da ciência jurídica.

Nesse sentido, pode-se concluir que a Doutrina da Proteção Integral que orienta todo o

Direito da Criança e do Adolescente, na forma concebida pela Constituição Federal de

1988, representa um instante de profunda interrupção no Direito anterior, pois

fortaleceu a linha de igualdade e democracia do Direito Iluminista, estabelecendo uma

novel ordem na doutrina, regulada com a moderna idéia de radical proteção aos

Direitos Humanos, não sendo possível, sob qualquer pretexto, ser encarada e tratada

de forma diversa.

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ANEXOS

ANEXO A – Convenção Relativa a Proteção das

Crianças e a Cooperação em Matéria de Adoção

Internacional

Os Estados signatários da presente Convenção, Reconhecendo que, para o

desenvolvimento harmonioso de sua personalidade, a criança deve crescer em meio

familiar, em clima de felicidade, de amor e de compreensão;

Recordando que cada pais deveria tomar, , com caráter prioritário, medidas adequadas

para permitir a manutenção da criança em sua família de origem;

Reconhecendo que a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma

família permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada

em seu país de origem;

Convencidos da necessidade de prever medidas para garantir que as adoções

internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus

direitos fundamentais, assim como para prevenir o seqüestro, a venda ou o tráfico de

crianças; e .

Desejando estabelecer para esse fim disposições comuns que levem em consideração

os princípios reconhecidos pôr instrumentos internacionais, em particular a Convenção

das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, e pela

Declaração das Nações Unidas sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Aplicáveis à

Proteção e ao Bem-estar das Crianças, com Especial Referência às Práticas em

Matéria de Adoção e de Colocação Familiar nos Planos Nacional e Internacional

(Resolução da Assembléia Geral 41/85, de 3 de dezembro de 1986),

Acordam nas seguintes disposições:

C A P Í T U L O I

Âmbito de Aplicação da Convenção

ARTIGO 1º

Apresente Convenção tem pôr objetivo:

a) estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas

segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que

lhe reconhece o direito internacional;

b) instaurar um sistema de cooperação entre os Estados Contratantes que

assegure o respeito às mencionadas garantias e, em conseqüência previna o

seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças;

c) assegurar o reconhecimento nos Estados Contratantes das adoções

realizadas segundo a Convenção .

ARTIGO 2º

1 . A Convenção será aplicada quando uma criança com residência habitual em um

Estado Contratante ("o Estado de origem") tiver sido, for, ou deva ser deslocada para

outro Estado Contratante ("o Estado de acolhida"), quer após sua adoção no Estado de

origem pôr cônjuges ou pôr uma pessoa residente habitualmente no Estado de

acolhida, quer para que essa adoção seja realizada, no Estado de acolhida ou no

Estado de origem .

2 . A Convenção somente abrange as adoções que estabeleçam um vinculo de filiação .

ARTIGO 3º

A Convenção deixará de ser aplicável se as aprovações previstas no artigo 17, alínea

"c", não forem concedidas antes . que a criança atinja a idade de 18 (dezoito) anos .

C A P Í T U L O II

Requisitos para as Adoções Internacionais

ARTIGO 4º

As adoções abrangias pôr esta convenção s6 poderão ocorrer quando as autoridades

competentes do Estado de origem:

a) tiverem determinado que a criança é adaptável;

b) tiverem verificado, depois de haver examinado adequadamente as

possibilidades de colocação da criança em seu Estado de origem, que uma adoção

internacional atende ao interesse superior da criança;

c) tiverem-se assegurado de:

1) que as pessoas, instituições e autoridades cujo consentimento se requeira para a

adoção hajam sido convenientemente orientadas e devidamente informadas das

conseqüências de seu consentimento, em particular em relação à manutenção ou à

ruptura, em virtude da adoção, dos vínculos jurídicos entre a criança e sua família de

origem;

2) que estas pessoas, instituições e autoridades tenham manifestado seu

consentimento livremente, na forma legal prevista, e que este consentimento se tenha

manifestado ou constatado pôr escrito;

3) que os consentimentos não - tenham sido obtidos mediante pagamento ou

compensação de qualquer espécie nem tenham sido revogados, e

4) que o consentimento da mãe, quando exigido, tenha sido manifestado após o

nascimento da criança; e

d) tiverem-se assegurado, observada a idade e o grau de maturidade da criança,

de:

1) que tenha sido a mesma convenientemente orientada e devidamente informada

sobre as conseqüências de seu . consentimento à adoção, quando este for exigido;

2) que tenham sido levadas em consideração a vontade e as opiniões da criança;

3) que o consentimento da criança à adoção, quando exigido, tenha sido dado

livremente, na forma legal . prevista, e que este consentimento ' tenha sido' manifestado

ou constatado pôr escrito;

4) que o consentimento não tenha sido induzido mediante pagamento ou compensação

de qualquer espécie .

ARTIGO 5º

As adoções abrangidas pôr esta Convenção só poderão ocorrer quando as autoridades

competentes do Estado de acolhida:

a) tiverem verificado que os futuros pais adotivos encontram-se habilitados e

aptos para adotar;

b) tiverem-se assegurado de que os futuros pais adotivos foram

convenientemente orientados;

c) tiverem verificado que a criança foi ou será autorizada a entrar e a residir

permanentemente no Estado de acolhida .

C A P I T U L O III

Autoridades Centrais e Organismos Credenciados

ARTIGO 6º

1 . Cada Estado Contratante designará uma Autoridade Central encarregada de dar

cumprimento às obrigações impostas pela presente convenção .

2 . Um Estado federal, um Estado no qual vigoram diversos I I , sistemas jurídicos ou

um Estado com unidades territoriais autônomas Modera designar mais de uma

Autoridade Central e especificar o âmbito territorial ou pessoal de suas funções . O

Estado que fizer uso dessa faculdade designará a Autoridade Central à qual poderá ser

dirigida toda a comunicação para sua transmissão à Autoridade Central competente

dentro desse Estado .

ARTIGO 7º

1 . As Autoridades Centrais deverão cooperar entre si e promover a colaboração entre

as autoridades competentes de seus 'respectivos Estados a fim de assegurar a

proteção das crianças e alcançar os demais objetivos da Convenção .

2 . As Autoridades Centrais tomarão, diretamente, todas as medidas adequadas para:

a) fornecer informações sobre a legislação de seus Estados em matéria de

adoção e outras Informações gerais, tais como estatísticas e formulários padronizados;

b) informar-se mutuamente sobre o funcionamento da Convenção e, na medida

do possível, remover os obstáculos para sua aplicação .

ARTIGO 8º

As Autoridades Centrais tomarão, diretamente ou com a cooperação de autoridades

públicas, todas as medidas apropriadas para prevenir benefícios materiais induzidos

pôr ocasião de uma adoção e para impedir qualquer prática contrária aos objetivos da

Convenção .

ARTIGO 9º

As Autoridades Centrais tomarão todas as medidas apropriadas, seja diretamente ou

com a cooperação de autoridades públicas ou outros organismos devidamente

credenciados em seu Estado, em especial para:

a) reunir, conservar e permutar informações a relativas à situação da criança e

dos futuros pais adotivos, na medida necessária à realização da adoção;

b) facilitar, acompanhar e acelerar o procedimento de adoção;

c) promover o desenvolvimento de serviços de orientação em matéria de adoção

e de acompanhamento das adoções em seus respectivos Estados;

d) permutar relatórios gerais de avaliação sobre as experiências em matéria de

adoção internacional;

e) responder, nos limites da lei do seu Estado, às solicitações justificada a de

informações a respeito de uma situação experiências em matéria de adoção

internacional; respeito de uma situação particular de adoção formuladas pôr outras

Autoridades Centrais ou pôr autoridades públicas . .

ARTIGO 10

Somente poderão obter e conservar o credenciamento os organismo que

demonstrarem sua aptidão para cumprir corretamente tarefas que lhe possam ser

confiadas .

ARTIGO 11

Um organismo credenciado deverá:

a) perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites

fixados pelas autoridades competentes do Estado que o tiver credenciado;

b) ser dirigido e administrado pôr pessoas qualificadas pôr sua integridade moral

e pôr sua formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional;

c) estar submetido à supervisão das autoridades competentes do referido

Estado, no que tange à sua composição, funcionamento e situação financeira .

ARTIGO 12

Um organismo credenciado em um Estado Contratante somente poderão atuar em

outro Estado Contratante se tiver sido autorizado pelas autoridades competentes de

ambos os Estados .

ARTIGO 13

A designação das Autoridades Centrais e, quando for o casos o âmbito de suas

funções, assim como os nomes e endereços dos organismos credenciados devem ser

comunicados pôr cada Estado Contratante ao Bureau Permanente da Conferência da

Haia de Direito Internacional Privado .

C A P Í T U L O IV

Requisitos Processuais para a Adoção Internacional

ARTIGO 14

As pessoas com residência habitual em um Estado Contratante, que desejem adotar

uma criança cuja residência habitual seja em outro Estado Contratante, deverão dirigir-

se à Autoridade Central do Estado de sua residência habitual .

ARTIGO 15

1 . Se a Autoridade Central do Estado de acolhida considerar que os solicitantes estão

habilitados e aptos para adotar, a mesma preparará um relatório que contenha

informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes

para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica seu meio social, Os motivos que os

animam, sua aptidão para assumir uma adoção internacional, assim como sobre as

crianças de que eles estariam em condições de tomar a seu cargo .

2 . A Autoridade Central do Estado de acolhida transmitirá o relatório à Autoridade

Central do Estado de origem .

ARTIGO 16

1 . Se a Autoridade Central do Estado de origem considerar que a criança é adotável,

deverá:

a) preparar um relatório que contenha informações sobre a identidade da

criança, sua adotabilidade, seu meio social, sua evolução pessoal e familiar, seu

histórico médico pessoal e familiar, assim como quaisquer necessidades particulares da

criança;

b) levar em conta as condições de educação da crianças assim como sua origem

étnica, religiosa e cultural;

c) assegurar-se de que os consentimentos tenham sido obtidos de acordo com o

artigo 4; e

d) verificar, baseando-se especialmente nos relatórios relativos à criança e aos

futuros pais adotivos, se a colocação prevista atende ao interesse superior da criança .

2 . A Autoridade Central do Estado de origem transmitirá à Autoridade Central do

Estado de acolhida seu relatório sobre a criança, a prova dos consentimentos

requeridos e as razões que justificam colocação, cuidando para não revelar a

identidade da mãe e do pai; . caso a divulgação dessas informações não seja permitida

no Estado de origem .

ARTIGO 17

Toda decisão de confiar uma criança aos futuros pais adotivos somente . Poderá ser

tomada no Estado de origem se:

a) a Autoridade Central do Estado de origem tiver-se assegurado de que os

futuros pais adotivos manifestaram sua concordância;

b) a Autoridade Central do Estado de acolhida tiver aprovado tal decisão, quando

esta aprovação for requerida pela lei acolhida ou pela Autoridade Central do Estado de

acolhida ou pela Autoridade Central do Estado de origem;

c) as Autoridades Centrais de ambos os Estados estiverem de acordo em que se

prossiga com a adoção; e

d) tiver sido verificado, de conformidade com o artigo 5, que os futuros pais

adotivos estão habilitados e aptos a adotar e que a criança está ou será autorizada a

entrar e residir permanentemente no Estado de acolhida .

ARTIGO 18

As Autoridades Centrais de ambos os Estados tomarão todas medidas necessárias

para que a criança receba a autorização de salda do Estado de origem, assim como

aquela de entrada e de residência permanente no Estado de acolhida .

ARTIGO 19

1 . O deslocamento da criança para o Estado de acolhida só poderá ocorrer quando

tiverem sido satisfeitos os requisitos do artigo 17- .

2 . As Autoridades Centrais dos dois Estados deverão providenciar para que o

deslocamento se realize com toda a segurança, em condições adequadas e, quando

possível, em companhia dos pais adotivos ou futuros pais adotivos .

3 . Se o deslocamento da criança não se os relatórios a que se referem os artigos 15 e

16 serão restituídos às autoridade, as que os tiverem expedido .

ARTIGO 20

As Autoridades Centrais manter-se-ão informadas sobre a procedimento de adoção,

sobre as medidas adotadas para levá-la a efeito, assim como sobre o desenvolvimento

do período probatório, se este for requeri-do .

ARTIGO 21

Quando a adoção deva ocorrer, após o deslocamento da criança, para o Estado de

acolhida e a Autoridade Central desse Estado considerar que a manutenção da criança

na família de acolhida já não responde ao seu interesse superior, essa Autoridade

Central tomará as medidas necessárias à proteção da criança, especialmente de modo

a:

a) retirá-la das pessoas que pretendem adotá-la e assegurar provisoriamente seu

cuidado;

b) em consulta assegurar sem demora, uma nova colocação da criança com com

a Autoridade Central do Estado de . origem, vistas à sua adoção ou, em sua falta, uma

colocação alternativa de caráter duradouro . Somente Poderá ocorrer uma adoção se a

Autoridade Central do Estado de origem tiver sido devidamente informada sobre

adotivos; os novos pais adotivos .

c) como último recurso assegurar o retorno da criança ao Estado de origem, se

assim o exigir o interesse da mesma .

ARTIGO 22

1 . As funções conferidas Autoridade Central pelo presente capítulo poderão ser

exercidas pôr autoridades públicas ou pôr organismos credenciados de conformidade

com o capítulo III, e sempre na forma prevista pela lei de seu Estado

2 . Um Estado Contratante Poderá declarar ante o depositário da Convenção que as

funções conferidas à Autoridade Central pêlos artigos 15 a 21 poderão também ser

exercidas nesse Estado, dentro dos limites permitidos lei e sob o controle das

autoridades competente desse Estado, Pôr organismos e pessoas que:

a) satisfizerem as condições de Integridade moral, de competência profissional,

experiência e responsabilidade exigidas pelo mencionado Estado;

b) forem qualificados pôr seus padrões éticos, e sua formação e experiência para

atuar na área de adoção Internacional .

3) O Estado Contratante que efetuar a declaração prevista no parágrafo 2 informará

com regularidade ao Bureau Permanente da Conferência da Haia de Direito

Internacional Privado os nomes e endereços desses organismos e pessoas

4) Um Estado Contratante poderá declarar ante o depositário da Convenção que as

adoções de crianças cuja residência habitual estiver situada em seu território somente

poderão ocorrer se as funções conferidas às Autoridades Centrais forem exercidas de

acordo com o . parágrafo 1 .

5) Não obstante qualquer declaração, efetuada de conformidade com o parágrafo 2, os

relatórios previstos nos artigos 15 e 16 serão, em todos os casos, elaborados sob a

responsabilidade da Autoridade Central ou de outras autoridades ou organismos, de

conformidade com o parágrafo 1 .

C A P Í T U L O V

Reconhecimento e Efeitos da Adoção

ARTIGO 23

1 . Uma adoção certificada autoridade competente do Estado onde ocorreu, será

reconhecida de pleno direito pêlos demais Estados Contratantes . O certificado deverá

especificar quando e quem outorgou os assentimentos previstos no artigo 17, alínea "c"

.

2 . Cada Estado Contratante, no momento da assinatura, ratificação, aceitação,

aprovação ou adesão, notificará ao depositário da Convenção a identidade e as

funções da autoridades que, nesse Estado, são competentes para expedir esse

certificado, bem como lhe notificaras igualmente, qualquer modificação na designação

dessas autoridades .

ARTIGO 24

O reconhecimento de uma adoção só poderá ser recusado em um Estado Contratante

se a adoção for manifestamente contrária à sua ordem pública, levando em

consideração o interesse superior da . criança .

ARTIGO 25

Qualquer Estado Contratante poderá declarar ao depositário da Convenção que não' se

considera obrigado, em virtude desta, a reconhecer as adoções feitas de conformidade

com um acordo concluído com base no artigo 39, parágrafo 2 .

ARTIGO 26

1 . O reconhecimento da adoção implicará o reconhecimento:

a)do vinculo de filiação entre a criança e seus pais adotivos;

b)da responsabilidade paterna dos pais adotivos a respeito da criança;

c)da ruptura do vinculo de filiação preexistente entre a criança e sua mãe e seu

pai, se a adoção produzir este efeito no Estado Contratante em que ocorreu .

2 . Se a adoção tiver pôr efeito a ruptura do vínculo preexistente de filiação, a criança

gozará, no Estado de acolhida e em qualquer outro Estado Contratante no qual se

reconheça a adoção, de direitos equivalentes aos que resultem de uma adoção que

produza tal efeito em cada um desses Estados .

3) Os parágrafos precedentes não impedirão a aplicação de quaisquer disposições

mais favoráveis à criança, em vigor no Estado Contratante que reconheça a adoção .

ARTIGO 27

1 . Se uma adoção realizada no Estado de origem não tiver como efeito a ruptura do

vinculo preexistente de filiação, o Estado de acolhida que reconhecer a adoção de

conformidade com a Convenção poderá convertê-la em uma adoção que produza tal

efeito, se;

a) a lei do Estado de acolhida o permitir; e

b)os consentimentos previstos no artigo 4, alíneas, 'c' e 'd', tiverem sido ou forem

outorgados para tal adoção .

2 . o artigo 23 aplica-se à decisão sobre a conversão .

C A P Í T U L O VI

Disposições Gerais

ARTIGO 28

A Convenção não afetará nenhuma lei do Estado de origem que requeira que a adoção

de uma criança residente habitualmente nesse Estado ocorra nesse Estado, ou que

proíba a colocação da criança no Estado de acolhida ou seu deslocamento ao Estado

de acolhida antes da adoção .

ARTIGO 29

Não deverá haver nenhum contato entre os futuros pais adotivos e os pais da criança

ou qualquer outra pessoa que detenha a sua guarda até que se tenham cumprido as

disposições do artigo 4 . alíneas 'a', salvo os casos em que a adoção for efetuada entre

membros de uma mesma família ou em que as condições fixadas pela autoridade

competente do Estado de origem forem cumpridas .

ARTIGO 30

1 . As autoridades competentes de um Estado Contratante tomarão providências para a

conservação das informações de que dispuserem relativamente à origem da criança e,

em particular, a respeito da identidade de seus pais, assim como sobre o histórico

médico da criança e de sua família .

2 . Essas autoridades assegurarão o acesso, com a devida orientação da criança ou de

seu representante legal, a estas informações, na medida em que o permita a lei do

referido Estado .

ARTIGO 31

Sem prejuízo do estabelecido no artigo 30, os dados pessoais que forem obtidos ou

transmitidos de conformidade com a Convenção, em particular aqueles a que se

referem os artigos 15 e 16, não poderão ser utilizados para fins distintos daqueles para

os quais foram colhidos ou transmitidos .

ARTIGO 32

1 . Ninguém poderá obter vantagens materiais indevidas em razão de intervenção em

uma adoção internacional .

2 . Só poderão ser cobrados e pagos os custos e as despesas, inclusive os honorários

profissionais razoáveis de pessoas que tenham intervindo na adoção .

3 . Os dirigentes, administradores e empregados dos organismos intervenientes em

uma adoção não poderão receber remuneração desproporcional em relação aos

serviços prestados .

ARTIGO 33

Qualquer autoridade competente, ao verificar que uma disposição da Convenção foi

desrespeitada ou que existe risco manifesto de que venha a sê-lo, informará

Imediatamente a Autoridade Central de seu Estado, a qual terá a responsabilidade de

assegurar que sejam . tomadas as medidas adequadas .

ARTIGO 34

Se a autoridade competente do Estado destinatário de um documento requerer que se

faça deste uma tradução certificada, esta deverá ser fornecida . Salvo dispensa, os

custos de tal tradução estarão a cargo dos futuros pais adotivos .

ARTIGO 35

As autoridades competentes dos Estados Contratantes atuarão com celeridade nos

procedimentos de adoção .

ARTIGO 36

Em relação a um Estado que possua, em matéria de adoção, dois ou mais sistemas

jurídicos aplicáveis em diferentes unidades territoriais:

a)qualquer referência à residência habitual nesse Estado será entendida como

relativa à residência habitual em uma unidade territorial do dito Estado;

b)qualquer referência à lei desse Estado serão entendida como relativa à lei

vigente na correspondente, territorial;

c)qualquer referência às autoridades competentes os às autoridades públicas

desse Estado será entendida como relativa às autoridades autorizadas para atuar na

correspondente unidade territorial;

d) qualquer referência aos organismos . credenciados do dito Estado será

entendida como relativa aos organismos credenciados na correspondente unidade

territorial .

ARTIGO 37

No tocante a um Estado que possua, em matéria de adoção, dois ou mais sistemas

jurídicos aplicáveis a categorias diferentes de pessoas, qualquer referência à lei desse

Estado serão entendida como ao sistema jurídico indicado pela lei do dito -Estado .

ARTIGO 38

Um Estado em que distintas unidades territoriais possuam suas próprias regras de

direito em matéria de adoção não estará obrigado a aplicar a Convenção nos casos em

que um Estado de sistema jurídico único não estiver obrigado a fazê-lo .

ARTIGO 39

1 . A convenção não afeta os instrumentos internacionais em que os Estados

Contratantes sejam Partes e que contenham disposições sobre as matérias reguladas

pela presente Convenção, salvo declaração em contrário dos Estados vinculados pêlos

referidos instrumentos internacionais .

2 . Qualquer Estado Contratante poderá concluir com um ou mais Estados Contratantes

acordos para favorecer a aplicação da Convenção em suas relações reciprocas . Esses

acordos somente poderão derrogar, as disposições contidas nos artigos 14 a 16 e 18 a

21 .

Os Estados que . concluírem tais acordos transmitirão uma copia dos mesmos ao

depositário da presente Convenção .

ARTIGO 40

Nenhuma reserva à convenção será admitida .

ARTIGO 41

A Convenção será aplicada às solicitações formuladas em conformidade com o artigo

14 e recebidas depois da entrada em vigor da Convenção no Estado de acolhida e no

Estado de origem .

ARTIGO 42

O Secretário-Geral da Conferencia da' Haia de direito Internacional Privado convocará

periodicamente uma Comissão Especial para examinar o funcionamento prático da

Convenção .

C A P Í T U L O VIII

Cláusulas Finais

ARTIGO 43

1 . A Convenção estará aberta à assinatura dos Estados que eram membros da

Conferência da Haia de Direito Internacional Privado quando da Décima-Sétima

Sessão, e aos demais Estados participantes da referida Sessão .

2 . Ela será ratificada, aceita ou aprovada e os instrumentos de ratificação, aceitação ou

aprovação serão depositados no Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos

Países Baixos, depositário da convenção .

ARTIGO 44

1 . Qualquer outro Estado poderá aderir à Convenção depois de sua entrada em vigor,

conforme o disposto no artigo 46, parágrafo 1' .

2 . O instrumento , de adesão deverá ser depositado junto ao depositário da Convenção

.

3 . A adesão somente surtirá efeitos nas relações entre o Estado aderente e os Estados

Contratantes que não tiverem formulado objeção à sua adesão nos seis meses

seguintes ao recebimento da notificação a que se refere o artigo 48, alínea "b" . Tal

objeção poderá igualmente ser formulada pôr qualquer Estado no momento da

ratificação, aceitação ou aprovação da convenção, posterior à adesão . As referidas

objeções deverão ser notificadas ao depositário .

ARTIGO 45

1 . Quando um Estado compreender duas ou mais unidades territoriais nas quais se

apliquem sistemas jurídicos diferentes em relação às questões reguladas pela presente

Convenção, poderá declarar, no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação,

da aprovação ou da adesão, que a presente Convenção será aplicada a todas as suas

unidades territoriais ou somente a uma ou várias delas . Essa declaração poderá ser

modificada pôr meio de nova declaração a qualquer tempo .

2 . Tais indicando-se expressamente as unidades territoriais às quais a Convenção será

aplicável .

3 . Caso um Estado não formule nenhuma declaração na forma do presente artigo, a

Convenção será aplicada à totalidade do território do referido Estado .

ARTIGO 46

1 . A Convenção entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte a expiração de um

período de três meses contados da data do depósito do terceiro instrumento de

ratificação, de aceitação ou de aprovação previsto no artigo 43 .

2 . Posteriormente, a Convenção entrará em vigor:

a)para cada Estado que a ratificar, aceitar ou aprovar posteriormente, ou

apresentar adesão à mesma, no primeiro dia do mês seguinte à expiração de um

período de 'três meses depois do depósito de " I seu instrumento de . ratificação,

aceitação, aprovação ou adesão;

b) para as unidades territoriais às quais se tenha estendido a aplicação da

Convenção conforme o disposto no artigo 45 . , no primeiro dia do mês seguinte à

expiração de um período de três meses depois da notificação prevista no referido artigo

.

ARTIGO 47

1 . Qualquer Estado-Parte na presente Convenção poderá denunciá-la mediante

notificação pôr escrito, dirigida ao depositário .

2 . A denúncia surtirá efeito no primeiro dia do mês subseqüente à expiração de um

período de doze meses da data de recebimento 'da notificação pelo depositário . Caso

a notificação fixe um período maior para que a denúncia surta efeito, esta surtira efeito

ao término do referido período a contar da data do recebimento da notificação .

ARTIGO 48

O depositário notificarão aos Estados-Membros da Conferência da Haia de Direito

Internacional Privado, assim como aos demais Estados participantes da Décima-Sétima

Sessão e aos Estados que tiverem aderido à Convenção de conformidade com o

disposto no artigo 44:

a)as assinaturas, ratificações, aceitações e aprovações a que se refere o artigo

43;

b)as adesões e as objeções às adesões a que se refere o artigo 44;

c)a data em que a Convenção entrará em vigor de conformidade com as

disposições do artigo 46;

d)as declarações e designações a que se referem os artigos 22, 23, 25 e 45;

e) os Acordos a que se refere o artigo 39;

f) as denúncias a que se refere o artigo 47 .

Em testemunho do que, os abaixo-assinados, devidamente autorizados, firmaram a

presente Convenção . Feita na Haia, em 29 de maio de 1993, nos idiomas francês e

inglês, sendo ambos os textos igualmente autênticos, em um único exemplar, o qual

será depositado nos arquivos do Governo do Reino dos Países Baixos e do qual uma

copia certificada será enviada, pôr via diplomática, a cada um dos Estados-Membros da

Conferência da Haia de Direito Internacional Privado pôr ocasião da Décima-Sétima

Sessão, . assim com a cada um dos demais Estados que participaram desta Sessão .

ANEXO B – Decreto Legislativo n° 63, de 1995

Aprova o texto da Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças

e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia, em 29 de

maio de 1993 .

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art . - 1° É aprovado o texto da Convenção sobre Co operação Internacional e Proteção

de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia,

em 29 de maio de 1993 .

Parágrafo único . São sujeitos à apreciação do Congresso Nacional quaisquer atos que

possam resultar em revisão à referida Convenção, bem como quaisquer atos que, nos,

termos do art . 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos

gravosos ao patrimônio nacional .

Art . 2° Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação .

Senado Federal, em 19 de abril de 1995.

Senador José Sarney

Presidente do Senado Federal