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FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO MチRCIA MARIA LUVISETI CRIMINALIDADE ECONヤMICA E DEVIDO PROCESSO LEGAL: a busca pela concretização do chamado direito penal econômico em face dos direitos e garantias processuais fundamentais CURITIBA 2007

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FACULDADES INTEGRADAS CURITIBAPROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

MÁRCIA MARIA LUVISETI

CRIMINALIDADE ECONÔMICA E DEVIDO PROCESSO LEGAL:a busca pela concretização do chamado direito penal econômico em

face dos direitos e garantias processuais fundamentais

CURITIBA2007

MÁRCIA MARIA LUVISETI

CRIMINALIDADE ECONÔMICA E DEVIDO PROCESSO LEGAL:a busca pela concretização do chamado direito penal econômico

em face dos direitos e garantias processuais fundamentais

Dissertação apresentada ao Programa deMestrado em Direito Empresarial dasFaculdades Integradas Curitiba, comorequisito parcial para obtenção do Títulode Mestre em Direito.

Banca Examinadora constituída pelosseguintes professores:

__________________________________________Prof. Dr. Luiz Antonio Câmara

Presidente

__________________________________________Prof. Dr. Rodrigo Sánchez Rios

Membro

__________________________________________Prof. Dr. Fábio André Guaragni

Membro

Curitiba2007

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr.Luiz Antonio Câmara, por suacooperação e tolerância.

Que extraordinário, que imensurável,que, por assim dizer, estupendo esobre-humano, logo, não será, em taiscondições, o papel da justiça! Maior queo da própria legislação. Porque, sedignos são os juízes, como partesuprema, que constituem no executardas leis -, em sendo justas, lhesmanterão eles a justiça, e, injustas, lhespoderão moderar, se não, até, no seutato, corrigir a injustiça.De nada aproveitam as leis, bem sesabe, não existindo quem as amparecontra os abusos; e o amparo sobretodos essencial é o da justiça tão alta noseu poder, quanto na sua missão.

(Rui Barbosa. Oração aos moços)

LUVISETI, Márcia Maria. Criminalidade Econômica e Devido ProcessoLegal: a busca pela concretização do chamado direito penal econômico emface dos direitos e garantias processuais fundamentais. Curitiba, 2007.163p. Dissertação de Mestrado em Direito das Faculdades IntegradasCuritiba.

RESUMO

Com o aumento da criminalidade econômica, muito em razão dacontribuição dos avanços científico e tecnológico, bem como da globalização,a atuação do Estado na disciplina das relações sociais, e no estabelecimentode valores por meio do Direito Penal, tem assumido papel preponderante naestrutura da Justiça Criminal. Neste contexto, objetivando-se aconcretização da prevenção geral positiva, sustenta-se a necessidade, diantede fatos típicos, de ser aplicada a sanção correspondente. Todavia o DireitoMaterial, em se tratando de criminalidade econômica, encontra-se diante deobstáculos que precisa transpor. A utilização excessiva de tipos penaisabertos e de delitos de perigo abstrato, as dificuldades relativas à autoria, adelimitação do bem jurídico etc., são questões que carecem deenfrentamento, fazendo-se imprescindível uma aproximação do Direito PenalEconômico com os postulados do Direito Penal Clássico. As questões nasquais se encontra envolta a criminalidade econômica não se restringem aoDireito Material, pois o processo tem se afastado de sua principal função,qual seja de impor limites à atuação do poder do Estado. O devido processolegal tem sucumbido diante da busca pela prevenção geral positiva, razãopela qual, hoje, admite-se, não pacificadamente, a denúncia genérica, ainversão do ônus da prova, e chega-se a beira da admissão de umaresponsabilidade penal objetiva; tudo sob o argumento, principal, de que oscrimes econômicos (cometido, de regra, por meio de empresas ouorganizações criminosas) geram dificuldades investigatórias que justificamtais medidas. Neste diapasão, busca-se, neste estudo, identificar os fatoresda crise na qual o processo penal atual se encontra, destacando-se anecessidade da promoção da prevenção geral positiva sem que se afaste, nocampo processual, das garantias fundamentais, em especial o devidoprocesso legal.

PALAVRAS-CHAVE: criminalidade econômica; expansão do direito penal;devido processo legal; garantias fundamentais.

LUVISETI, Márcia Maria. Criminalidade Econômica e Devido ProcessoLegal: a busca pela concretização do chamado direito penal econômico emface dos direitos e garantias processuais fundamentais. Curitiba, 2007.163p. Dissertação de Mestrado em Direito das Faculdades IntegradasCuritiba.

RESUMEN

Con el aumento de la criminalidad económica, principalmente en razón de lacontribución de los avances científico y tecnológico, así como de laglobalización, la actuación del Estado en la disciplina de las relacionessociales, y en el establecimiento de valores por medio del Derecho Penal haasumido papel preponderante en la estructura de la Justicia Criminal. Eneste contexto, objetivándose la concretización de la prevención generalpositiva, se sostiene la necesidad, delante de hechos típicos, de ser aplicadala sanción correspondiente. Sin embargo, tratándose de criminalidadeconómica, el Derecho Material se encuentra delante de obstáculos quenecesita transponer. La utilización excesiva de tipos penales abiertos y dedelitos de peligro abstracto, las dificultades relativas a la autoría, ladelimitación del bien jurídico etc., son cuestiones que carecen deenfrentamiento haciéndose imprescindible una aproximación del DerechoPenal Económico con los postulados del Derecho Penal Clásico. Lascuestiones en las cuáles se encuentra envuelta la criminalidad económica nose restringen al Derecho Material, pues el proceso se alejó de su principalfunción: la de imponer límites a la actuación del poder del Estado. El debidoproceso legal ha sucumbido delante de la búsqueda por la prevencióngeneral positiva, razón pela cual hoy se admite, no pacificadamente, ladenuncia genérica, la inversión de la carga de la prueba, y se llega al bordede la admisión de una responsabilidad penal objetiva; todo bajo elargumento principal de que los crímenes económicos (cometido, de regla, pormedio de empresas u organizaciones criminales) generan dificultadesinvestigatorias que justifican tales medidas. En este diapasón, se busca, eneste estudio, identificar los factores de la crisis en la cual el proceso penalactual se encuentra, destacándose la necesidad de la promoción de laprevención general positiva sin que se aleje, en el campo procesal, de lasgarantías fundamentales, en especial el debido proceso legal.

PALABRAS-CLAVE: criminalidad económica; expansión del derecho penal;debido proceso legal; garantías fundamentales.

SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................ 092 DIREITO PENAL ECONÔMICO: PREMISSAS METODOLÓGICAS..... 12

2.1 Aspectos conceituais............................................................. 122.2 A necessária delimitação do bem jurídico.............................. 232.3 enfrentamentos necessários á aplicação dos postulados doDireito Penal Clássico.................................................................. 322.4 Parâmetros de moderação diante do movimento pelaexpansão do Direito Penal........................................................... 54

3 A FRAGILIZAÇÃO DAS LIBERDADES PÚBLICAS DIANTE DACRIMINALIDADE ECONÔMICA.......................................................... 66

3.1 O processo justo e o ideal de proteção dosdireitos........................................................................................ 663.2 Função da pena nos crimes contra a ordem econômica eseus reflexos processuais............................................................ 743.3 Efetividade das investigações: a utilização de mecanismosque priorizam os fins em detrimento das liberdadespúblicas...................................................................................... 823.4 A denúncia genérica em confronto com o devido processolegal............................................................................................ 953.5 Responsabilidade penal objetiva e inversão do ônus daprova: tendências impróprias no âmbito da criminalidadeeconômica................................................................................... 111

4 A BUSCA POR UM DIREITO PENAL ECONÔMICO EFICIENTE:IDÉIAS EM CONTRUÇÃO................................................................... 120

4.1 Processo penal efetivo e criminalidadeeconômica................................................................................... 1204.2 O chamado “Direito de Intervenção”: o enfrentamento dosilícitos econômicos na visão de WinfriedHassemer.................................................................................... 1324.3 Jesús-María Silva Sánchez e seu direito penal de duasvelocidades: a justificativa para uma postura expansionista e aconseqüente flexibilização das garantiasfundamentais.............................................................................. 1394.4 O garantismo penal de Luigi Ferrajoli frente à modernacriminalidade.............................................................................. 1434.5 Processo penal e criminalidade econômica: síntesereflexiva...................................................................................... 148

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 1546 REFERÊNCIAS................................................................................ 157

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos dias atuais, verifica-se uma complexidade social semprecedentes, tendo em vista as mudanças de idéias, pensamentos ecomportamentos, aliado aos constantes avanços tecnológicos e científicos,que ocasionaram um descontrolado desenvolvimento econômico, cultural esocial.

Dentre os fenômenos que tornaram a sociedade pós-industrialuma sociedade complexa, pode-se indicar a globalização, a integraçãosupranacional, a imprevisibilidade de condutas, o aumento da criminalidadeorganizada e a insegurança crescente.

Tal cenário acabou por influenciar o Direito Penal, tendendo asua expansão, principalmente na seara econômica, já que a complexidade edinamicidade da sociedade atual fazem dela um ambiente fértil para acriminalidade econômica.

Todavia, os primeiros esforços científicos de um Direito PenalEconômico não são tão recentes. Verifica-se que os mesmos se iniciaramapós a Segunda Grande Guerra, tudo em decorrência dos reflexos dosmovimentos, em especial político e econômicos, que a antecederam.

Assim, o presente trabalho inicia sua análise a partir daSegunda Guerra Mundial, lembrando que, a partir da década de 90 (séc. XX)é que se intensificaram as discussões em torno do tema Direito PenalEconômico, principalmente em razão de um novo modelo social, aglobalização.

Diante das condutas executadas neste novo cenário, surgiu anecessidade de novos estudos, pois o padrão da criminalidade mudou, e oresultado das pesquisas até então desenvolvidas não davam contam deresponder às questões próprias da nova forma de criminalidade. A dogmáticapenal clássica passou a não se adaptar às novas espécies de crimes contra a

ordem econômica, em face de alguns princípios consagrados do DireitoPenal.

Como delimitar o bem jurídico a ser tutelado diante destanova forma de criminalidade? Há autonomia científica neste novo ramo doDireito? Como superar as dificuldades de tipificação das condutas? E asquestões investigatórias? Como obter uma investigação eficiente sem quesejam lesionadas as garantias constitucionais? Como identificar o autor e opartícipe?

Na tentativa de superar, dentre outras, estas questões, teveinício a utilização indiscriminada de tipificações de delitos de perigo abstratoe tipos penais em branco, bem como a presença marcante de elementosnormativos do tipo etc.

A questão da autoria e da participação, no que concerne à suadelimitação, tem sido objeto de significativas discussões. Como definir autore partícipe, se hoje existe uma estrutura organizacional das empresasbaseada no princípio de decisão do trabalho e no princípio da hierarquia?

Neste contexto, os problemas não se restringiram ao direitomaterial, mas influenciaram significativamente o sistema processual penal,já que este deve realizar o direito penal sem menosprezar os direitosfundamentais do imputado. É nesta dupla finalidade do processo penal quereside o problema da criminalidade econômica.

A fim de superar os entraves materialmente existentes, teveinício a utilização de subterfúgios processuais para que o Estado atingisseseus pretendidos fins.

Assim, lesões às garantias fundamentais têm sidoexperimentadas cotidianamente, no campo do direito material, afetados têmsido os princípios da culpabilidade, da ultima ratio, da taxatividade(conseqüentemente o da legalidade) etc.; e, no campo processual, osprincípios da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, emsuma, o devido processo legal.

É justamente a problematização destas questões, e ademonstração de que o princípio do devido processo legal não tem sido umlimitador suficientemente apto a impedir as ações lesivas verificadas napráxis, o que se pretende demonstrar.

E, para o estudo que se desenvolverá, parte-se do pressupostode que os postulados fundamentais do Direito Penal (material e processual)não podem ser desprezados, mas serem tomados como referencial a norteara presente pesquisa e, conseqüentemente, as conclusões a que se chegar.

Ainda seguindo a orientação que se adota, serão analisados osmecanismos tendentes a conferir maior eficiência ao processo penal nainvestigação dos crimes contra a ordem econômica, chegando-se a falar emefetividade, não obstante a promoção das liberdades públicas tenha sidodeixada à margem do interesse dos responsáveis pela administração daJustiça.

Percebe-se, nitidamente, que a prevenção geral positiva temsido alçada à condição de fim maior nos processos dos crimes contra aordem econômica, o que inegavelmente representa uma distorção dos finspróprios o processo penal, quais sejam assegurar a punição do culpado e aliberdade do inocente.

No campo da criminalidade econômica os valoresdemocráticos do processo penal têm sido desprezados, havendo anecessidade de que se volte a análise das questões da modernacriminalidade para os valores estruturais do sistema penal.

Com vistas ao referencial indicado é que são feitas, ao final, oapontamento das posturas de Winfried Hassemer, Jesús-María SílvaSánchez e Luigi Ferrajolli, indicando a síntese de seus pensamentos para, apartir deles, analisar o tratamento que, segundo suas posturas, deve serdispensado à criminalidade econômica.

Na busca por uma aproximação com os parâmetros teóricosadotados, busca-se, ainda, demonstrar que as garantias não devem ser

flexibilizadas aleatoriamente, mas somente em situações extremas, onde severifique a colidência de princípios, cuja solução seja, necessariamente, osacrifício de um deles.

2 DIREITO PENAL ECONÔMICO: PREMISSAS METODOLÓGICAS

2.1 Aspectos conceituais

As necessidades sociais de proteção têm conduzido aoaparecimento de novos interesses considerados dignos de tutela penal,fazendo surgir o chamado Direito Penal Econômico, em contraposição aoDireito Penal Clássico, Nuclear ou Tradicional.1

Diante do intervencionismo estatal2/3 do século XX, após aPrimeira Grande Guerra, a crise econômica de 1929 (com a quebra da bolsade New York), e a Segunda Grande Guerra, verificaram-se os primeirosesforços científicos vinculados ao Direito Econômico4, visto que talintervenção5 não podia ocorrer sem a existência de determinadas normaslimitadoras de direitos e deveres.

1 PAVÓN, Pilar Gómez. Cuestiones actuales del derecho penal económico: elprincipio de legalidad y las remisiones normativas. Revista de Derecho Penal yCriminología, Madrid, 2. época, n. 1 extraordinario, p. 425-470, mar. 2000. p.425-426.2 Sobre as causas do intervencionismo estatal, Manoel Pedro Pimentel traz: “Novasrelações entre o capital e o trabalho, a revolução dos meios de produção e detransporte, o nascimento das empresas, com investidores anônimos, as novasposições do mercado financeiro, a complexa interação dos fatores do mercadoeconômico, do trabalho e do mercado financeiro, dos preços dos salários e dasrendas, tudo isso tornou necessária a ajuda do Estado com medidas de proteção,surgindo paulatinamente a intervenção estatal com o dirigismo econômico”.(PIMENTEL, Manoel Pedro. Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dosTribunais, 1973. p. 08.)3 Jorge de Figueiredo Dias destaca que: “Com a crise generalizada que, a partirsobretudo do primeiro conflito mundial, atinge a sociedade burguesa, de muitosquadrantes, volta porém, a reclamar- se uma mais decidida intervenção do Estadona vida social.” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penalsecundário: um contributo para a reforma do direito penal económico e socialportuguês. In: PODVAL, Roberto (org.). Temas de Direito Penal Econômico. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 13.)4 Definindo Direito Econômico, Eduardo Novoa Monreal discorre: “es una ramajurídica que se origina y adquiere desarrollo dentro de Estados que se atribuyen, enmayor o menor grado, una dirección de la economía nacional y que la hacen efectivapor medio de leyes que les reconocen facultades para regular las actividadeseconómicas que se hallan en manos de particu lares o, eventualmente, paraasumirlas en forma parcial. Es precisamente el conjunto de leyes y preceptos detodo orden (aun de rango constitucional, como se ha visto) relativo a ese aspecto elque forma la materia positiva de tal Derecho económico”. (MONREAL, EduardoNovoa. Reflexiones para la determinación del delito económico. Anuario de DerechoPenal y Ciencias Penales, Madrid, v. 35, n. 1, p. 43-75, ene./abr. 1982. p. 58.)5 Neste sentido: “Corresponde o direito penal econômico ao direito econômico, quesurge com a primeira guerra mundial e com o fim da economia liberal, através daintervenção do estado no processo econômico, que é fenômeno impressionante dostempos modernos. O direito econômico é o direito da economia dirigida”.(FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócios.

O Direito Econômico, desta forma, sob a égide da defesa daordem pública, econômica e social, caracterizou-se como um arsenal detécnicas jurídicas, a serviço do Estado6, para a realização de suas diretrizeseconômicas, muito embora, até hoje, o seu conceito seja incerto e vago7.

Com base neste Direito Econômico é que se busca conceituaro Direito Penal Econômico, muito embora não haja uma conceituaçãounânime entre os autores, como se verá adiante.

Ainda que as discussões sobre o Direito Penal Econômicosejam mais antigas que a globalização8, principalmente na Europa, foi apartir deste novo modelo social, no final do século XX, que novas discussõesacerca do Direito Penal Econômico se evidenciaram (principalmente noBrasil), as quais ressaltam sua importância. Tal fenômeno, também

Revista de Direito Penal e Crimino logia , Rio de Janeiro, v. 33, p. 122-129,jan./jun. 1982. p. 123.)6 A propósito, Eduardo Novoa Monreal traz: “Abandonando la tesis capitalista sobretotal prescindencia de él en las actividades económicas, le asigna funciones de granrelieve e importancia dentro de éstas, que van desde una simple tarea defiscalización y de control hasta su incorporación a las actividades de esta clase,pasando por una muy aceptada facultad de regulación ob ligatoria de los procesoseconómicos privados y de planificación imperativa de éstos”. (MONREAL, EduardoNovoa. Reflexiones para la determinación del delito económico. Anuario de DerechoPenal Y Ciencias Penales, Madrid, v. 35, n. 1, p. 43-75, ene./abr. 1982. p.55)7 Vide: “Um conceito que já vimos definir: ora como direi to de empresa, ora como oconjunto de normas que conformam a economia e regulam o seu processo, ora como odirei to da direcção da economia pelo Estado , ora como um simples espír i to particularde tratamento do direito, como um mero méthode d’approche e não como qualquerramo ou domínio específico do Direito”. (COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuelda Costa. Sobre a concepção e os princípios do Direito Penal Econômico: notas apropósito de colóquio preparatório da AIDP. Direito Penal Econômico e Europeu:textos doutrinários. Coimbra: Coimbra Editora, v. 1, p. 347-364, 1998. p. 335-336.)8 Para Eugenio Raúl Zaffaroni, este novo modelo social é caracterizado por: “a) larevolución tecnológica es, ante todo, comunicacional: la velocidad de comunicaciónaumenta hasta limites insospechados hace pocos años; b ) se produjo una reduccióndel poder regulador económico de todos los estados, aunque en diferente medida,invocando la necesidad de favorecer un mercado mundial; c) se acelera laconcentración de capital, con evidente predominio del financiero; d) se desplazanlos capitales con costo cero hasta donde se hallan mayores rentas, por lo general acosta de reducción de costos por recortes de personal; e) el poder politico compitepor atraer esos capitales, o sea que los políticos compiten por reducir su poder,especialmente en los países periféricos; f) el uso del salario y del empleo comovariab le de ajuste provoca creciente desempleo y deterioro salarial; g) comoresultado de todo lo anterior, los estados perdieron su capacidad de mediaciónentre capital y trabajo; h) los sindicatos carecen de poder para reclamar contra esasituación; i) la especulación financiera adopta formas que cada vez tornan másborrosos los límites entre lo lícito y lo ilícito; j) los refugios fiscales para capitalesde origen ilícito son conocidos por todos y nadie los obstaculiza; k) el afán deatraer capitales lleva a reducciones de la recaudación fiscal, que no alcanzan acompensar los crecientes impuestos al consumo, pagados por los de menor renta”(ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La Globalización y las Actuales Orientaciones de laPolítica Criminal. In: PIERANGELI, José Henrique (coord.). Direito Criminal . BeloHorizonte: Del Rey, 2000. p. 14-15.)

conhecido como poder planetário9, pode ser visto como uma forma de poder epensamento único existente, atingindo a economia, com a maximização dosmercados, em virtude da evolução tecnológica, e da integração em regime deblocos econômicos.

Diante de tal desenvolvimento acelerado, ressaltou-se aligação dos desajustes da economia com a criminalidade, atribuindo-serelevância a esta forma de delinqüência sofisticada.

Assim, faz-se mister reconhecer que com a globalização10

houve um redimensionamento da criminalidade econômica pré-existente,passando a ser organizada, sem fronteiras, possuindo uma estruturahierarquizada, diferenciando-se dos padrões de criminalidade que tinhamsido até então objeto de consideração penal11.

Manoel Pedro Pimentel, na década de setenta do séculopassado, já afirmava que com o aumento da complexidade da vida moderna,“disfarçada, aqui, em grupo de homens de negócios, ali em empresa de vulto,acolá em sociedade comercial, a criminalidade prosperou largamente,

9 Confirmando a afirmação: “El fenómeno general es la globalizac ión . Peroglobalización es una expresión ambigua , porque se emplea tanto para designar elhecho de poder mismo como también la ideología que pre tende legi t imar lo . Esindispensab le no confundir ambos conceptos y, por ello, preferimos llamarglobalización al hecho de poder en sí mismo , y denominar fundamental ismo demercado o pensamiento único a la ideología legitimante. En este entendimiento, laglobalización no es un discurso, sino nada menos que un nuevo momento de poderplanetar io . Se trata de una realidad de poder que legó y que, como las anteriores,no es reversib le. La revolución mercanti l y e l co lonial ismo (s iglos XV y XVI), larevolución industr ial y e l neocolonial ismo (s iglos XVIII y XIX) y la revoluc ióntecnológica y la g lobal ización (s iglo XX), son tres momentos de poder planetar io”.(ZAFFARONI, op. c i t . , p. 12.)10 Sobre este redimensionamento da criminalidade econômica, Sílva Sánchezdiscorre: “/.../os fenômenos econômicos da globalização e da integração econômicadão lugar à conformação de modalidades novas de delitos clássicos, assim como àaparição de novas formas delitivas. Desse modo, a integração gera umadelinqüência contra os interesses financeiros da comunidade, produto da integração(fraude orçamentária – criminalidade alfandegária- , fraude às subvenções), aomesmo tempo em que contempla corrupção de funcionários das institu ições daintegração. Além disso, gera a aparição de uma nova concepção de obje to do del i to ,centrada em elementos tradicionalmente alheios à idéia de delinqüência comofenômeno marginal em particu lar, os elementos de organização, transnacionalidadee poder econômico. Criminalidade organizada, criminalidade internacional ecriminalidade dos poderosos são, provavelmente, as expressões que melhor definemos traços gerais da delinqüência da globalização.” (SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. Aexpansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós -industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais,2002. Série as ciências criminais no século XXI, v. 11. p. 79-80.)11 Vide: FRANCO, Alberto Silva. Globalização e criminalidade dos poderosos. In:PODVAL, Roberto (org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Revistados Tribunais, 2000. p. 256-257.

impunemente, valendo-se das falhas da legislação, das deficiências dosistema, da corrupção, da pressão política, da exploração das mais diversasformas de prestígio social”12.

Contudo, cumpre ressaltar que outras causas são levantadaspara a explicação do aumento da criminalidade econômica, tais como ainfluência da planificação econômica13 e o desenvolvimento da sociedadepós-industrial (denominada de sociedade de risco)14.

É comum falar-se que tal criminalidade pertence a um DireitoPenal Econômico 15/16, embora não haja um consenso17 entre osdoutrinadores acerca do conceito e da terminologia utilizada18.

12 PIMENTEL, op. c i t . , p. 04-05.13 Sobre a planificação, Carlos Pérez del Valle discorre: “En efecto, es cierto que laburocratización des sistema económico estimula comportamientos delictivos en dossentidos diferentes: por un lado, mediante la regulaciones de deberes económicosrespecto al Estado (evasión de impuestos, fraudes de subvenciones, infraccionespropias de la economía ‘sumergida’); por otro, mediante la sanción de actividadesirregulares en ámbitos de la actividad económica en los que se produce unaintervención estatal (corrupción de funcionarios que tienen deberes relacionadoscon la intervención económica en la vida económica).” (PÉREZ DEL VALLE, Carlos.Introducción al Derecho penal económico. BACIGALUPO, Enrique (dir.). Curso deDerecho Penal Económico. Barcelona: Marcial Pons, 1998. p. 21-22.)14 Para Paz Mercedes de la Cuesta, sociedade de risco “es aquella que, tras superarel modelo económico de la sociedad industrial, ha convertido la tecnología en labase del funcionamiento social (sociedad tecnológica). Entre los aspectos másdestacados y novedosos de este nuevo modelo social, se incluye la generación degrandes y nuevos riesgos derivados de nuevas actividades industriales o técnicas ysus implicaciones políticas”. (AGUADO, Paz Mercedes de la Cuesta. Sociedadtecnológica y globalización del derecho penal. In: AGUADO, Paz Mercedes de laCuesta (org.). Derecho Penal económico. Mendoza: Ediciones Jurídicas Cuyo,2003. p. 22)15 Neste sentido, René Ariel Dotti afirma: “Não existe uniformidade entre osescritores a propósito da denominação da disciplina. Direi to Penal Econômico é umadesignação de trânsito correntio na doutrina brasileira e internacional.” (DOTTI,René Ariel. O direito penal econômico e a proteção do consumidor . Rio deJaneiro: Livraria Ghignone Editora, 1982. p. 28)16 Como não há uniformidade sobre a designação de Direito Penal Econômico,Eduardo Correia destaca: “Falam uns, na verdade, em direito penal económico ouda economia (Wirtschaftsstrafrecht – na Alemanha Federal; droi pénal économique –em França; Straftaten gegen die Volkswirtschaft – crimes contra a economiapopular, na Repúb lica Democrática Alemã; outros, sobretudo na América do Norte,sob a influência de Sutherland, de <criminalidade de colarinho branco> - White-collar criminality; a lguns em criminalidade ocupacional (Clinard e Quinney);preferem outros empregar a expressão <criminalidade das corporações> (corporatecrime). Para uma parte da doutrina francesa usa - se também a designação de <droitpenal dês affaires> - direito penal dos negócios, das empresas”. (CORREIA,Eduardo. Introdução do direito penal econômico. Direito Penal Económico eEuropeu: textos doutrinários. Coimbra: Coimbra Editora, v. 1, p. 293-318, 1998. p.295-296.)17 Ainda sobre a não uniformidade do conceito de criminalidade económica, KlausTiedemann já destacava, na década de setenta do século passado, que: “Resultasorprendente que a pesar de las décadas de investigación sobre este tema, no hayatodavía acuerdo sobre el concepto de delincuencia económica o una acab ada noción

Para uma definição do conceito de Direito Penal Econômico,vários critérios metodológicos são utilizados, tais como o legalista19, com odelito econômico exibindo os mesmos ingredientes clássicos do delitoconvencional, empregados pela dogmática clássica; criminológico ousociológico20, que considera o delito econômico como produto do processosocial dentro do sistema capitalista; político criminal21, com a elaboração dodelito econômico devendo ser reconhecido não só pelo direito positivo, mas

sobre lo que es el derecho penal-económico. Las diferentes opiniones dependen delos puntos de vista adoptados por los distintos teóricos.” (TIEDEMANN, Klaus.Objetivos, propósitos y métodos de la investigación criminológica europea en elámbito de los delitos económicos. Revista de Derecho y Ciencias Penales , BuenosAires, año 6, n. 13/14, ene./jun. 1977. p. 155-156.)Na década de oitenta, continuava destacando: “La justificación para tratar estetema se deriva del fenómeno de que – a pesar del número y de la duraciónconsiderab le de esfuerzos científicos en la criminología, en la política criminal y enel Derecho penal – el concepto des Derecho penal económico y del delito económicono es claro, sobre todo en la criminología comparada y en el Derecho comparado”.(TIEDEMANN, Klaus. El concepto de derecho económico, de derecho penaleconómico y de delito económico. Cuadernos de política criminal , Madrid, n. 28,1986. p. 65.)18 Para Julio Maier, “no faltan, tampoco, quienes ya han variado la designa ciónoriginaria para crear otra, como la de ‘criminalidad no convencional’ /.../”. (MAIER,Julio B. J. Delincuencia socioeconómica y reforma procesal penal. Doctrina Penal –Teoría y Práctica en las Ciencias Penales, Buenos Aires, ano 12, n. 45 a 48, 1989.p. 518.)19 “/.../ el delito económico exhibe los ingredientes clásicos del delito convencional;cabe el análisis del tipo, de la antijuridicidad, o de la cu lpabilidad, con las mismasnotas empleadas por la dogmática tradicional; el b ien jurídico protegido aparecetambién en el esquema con su carácter pluridimensional o con su naturalezaheterogénea. Este traslado mecánico, por consiguiente, exhibe los mismosproblemas que la interpretación clásica y reconoce, ya de suyo, la legitimidad delorden normativo que le sirve de presupuesto.” (BAIGÚN, David. Tendencias actualesdel derecho penal económico en América Latina. Necesidad de un nuevo modelo.Revista Cubana de Derecho , Cuba, n. 11, p. 120–138, 1996. p.120.)20 Embora existam diversas teorias dentro deste critério sociológico visandoconceituar o direito penal econômico, traz- se a principal, que considera o delitoeconómico “como un producto del proceso social dentro del sistema capitalista, unhecho consustancial con su natureza o un eslabón integrante de su propiaarticulación, y la que, sin apuntar al análisis de su estructura, aprehende losfenómenos disfuncionales de la economía o de los espacios conexos”. (BAIGÚN,David. Tendencias actuales del derecho penal económico en América Latina.Necesidad de un nuevo modelo. Revista Cubana de Derecho , Cuba, n. 11, p. 120–138, 1996. p. 121.)Para Jorge de Figueiredo Dias tal critério conceitua direito penal econômico levandoem consideração o conceito dos crimes de colarinho branco, de Sutherland, ou seja,seria crime praticado por pessoas de escalões superiores, por pessoas de certasprofissões. (DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Prob lemáticageral das infracções contra a economia nacional. Direito Penal Econômico eEuropeu : textos doutrinários . Coimbra: Coimbra Editora, v. I, 1998, p. 333.)21 “El eje de la elaboración pasa, entonces, no sólo por lo que el derecho positivo yaha recogido de la realidad social, sino por la probab ilidad de incorporar otrosfenómenos que por su gravitación real demandan una incorporación a la ley. Eldelito económico refleja <lo que ya es y lo que puede ser>, el hecho típico y el que,sin serlo, exhibe ya desaprobación social, ecuación esta ú ltima que se resuelve, sinduda, a través de la práctica y contradicciones sociales.” (BAIGÚN, op. c i t . , p. 121.)

também como desaprovação social; criminalístico22, tendo em vista a suanormal complexidade, só podendo ser investigados e julgados por polícias emagistrados dotados de conhecimentos específicos; e, por último, o métodoeclético23, que define o delito econômico em função de uma violação deconfiança, vigente na vida econômica.

Verifica-se, portanto, que não há, assim, uma homogeneidadena conceituação de Direito Penal Econômico, com muitos autores24 oconsiderando a soma das normas jurídico-penais que se situam no espaçocoberto pelo Direito Econômico, baseados na teoria do direito penalsecundário e sancionatório.

O problema desta vertente teórica está no fato do próprioconceito de Direito Econômico ser incerto e vago. Para Jorge Figueiredo Diase Manuel da Costa Andrade, não existiria problema em se adotar talposicionamento desde que “se desse ao Direito Econômico o sentido e oconteúdo tradicional da doutrina germânica”25, que o considera como odireito da intervenção do Estado na Economia.

Assim, ao se recorrer ao direito penal para tutelar os mesmosvalores de tal intervenção, caracterizado por uma ordem pública econômica,estar-se-ia falando de Direito Penal Econômico26.

22 “A partir da circunstancia de os crimes econômicos, em virtude da sua normalcomplexidade, só podemser investigados e ju lgados mediante processos especiais,por polícias e magistrados dotados de conhecimentos da moderna vida econômica emediante o dispêndio de avultadas quantias, foi- se ao ponto de negar qualqueroutra nota identificadora do crime contra a economia.” (COSTA, José de Faria;ANDRADE, Manuel da Costa. Op. c i t . , p. 333.)23 “Um outro critério tem sido divulgado, que apresenta ainda afinidades com aspreocupações do domínio da criminologia. Referimo-nos ao critério seguido pelosautores que definem o delito econômico em função duma violação da conf iança emque assenta a vida econômica e sem a qual esta não é possível./.../ Uma solução intermediária ou mista seria a dos autores que definem o delitoeconômico como contendo na sua prática uma violação da conf iança (vigente navida econômica) mas acrescentando como nota igualmente necessária a lesão dumbem jurídico que se define como a vida econômica, a ordem econômica, etc”. (DIAS,Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. ci t . , p. 334.)24 Vide: TIEDEMANN, Klaus. El concepto..., op. c i t . , p. 71-72; DIAS, Jorge deFigueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. ci t . , p. 336.25 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. ci t . , p. 336.26 “Esta idéia leva a dogmática jurídico-penal para um espaço sensivelmentecoincidente com aquele a que se chega a partir dum conceito estrito de direitoeconómico. Não que com isto fiquem definitivamente superadas todas asdificuldades de definição. O critério adotado permite, na sua aplicação prática, aidentificação dum núcleo fundamental e geralmente reconhecido como Direito Penal

Muito embora se reconheça que todos os critérios acabam porcontribuir para uma melhor compreensão do Direito Penal Econômico emsua complexidade, também apresentam falhas, visto que nenhum delesalcançou conceituação perfeita e clara, ou seja, que não ocasionassequestionamentos e dúvidas27.

Dentre estes, o que melhor corresponde à realidade queconstitui o objeto deste estudo, é o critério político criminal28, podendo-sedizer, em sentido amplo, que delito econômico “é o comportamento com

Econômico – direito penal dos preços, das subvenções, do comércio externo – masnão resolve – à margem de toda a dúvida – certas zonas cinzentas. É o queacontece, entre outros casos, com a protecção da concorrência : será direito penaleconómico enquanto defesa da institu ição como tal, e já não enquanto puniam deformas desleais de concorrência em detrimento dos concorrentes. São estashesitações que permitem que autores, colocados na mesma perspectiva e adaptandoo mesmo critério – o da intervenção do Estado, restrinjam o Direito PenalEconômico a um mínimo ou o alarguem exageradamente, de modo a inclu ir nele amaior parte do direito patrimonial do Código Penal”. (DIAS, Jorge de Figueiredo;ANDRADE, Manuel da Costa. Op. c i t . , p. 337.)27 Sobre a conceituação do Direito Penal Econômico, tem-se: “A primeira tentativade identificar o direito penal econômico foi de Sutherland, levando em consideraçãoas características do autor, com amparo na criminologia de modelo etiológico”.Neste sentido ver: DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. ci t . ,p. 332.28 Discorrendo sobre o sentido amplo de Direito Penal Econômico, adequado com àsnecessidades político- criminais existentes, Fábio André Guaragni destaca: “Porém,seja pela gradual diminuição do intervencionismo estatal no limiar do século XXI,seja pela necessidade de um direito penal mais apto a tocar a realidade em queopera, em tempos de economia globalizada e – portanto – do fenômeno da‘brasilianização’ da economia, em que a porção majoritária do povo encontra - seexclu ída do mercado de consumo (opera- se dentro da dicotomia inclusão/exclusãoatravés da qual o sistema econômico apresenta seu agir comunicativo), conformeleciona Zaffaroni, parece-nos evidente que a concepção do direito penal econômicoem sentido amplo melhor se coaduna com as necessidades político-criminais de darcobro, tanto quanto possível, às conseqüências deletérias que o modelo neoliberalde economia com globalização de mercados impõe às classes sociais de menor poderaquisitivo. Afinal, pensar- se em direito penal econômico como marco de união dorol de infrações lesivas à ordem pública, neste passo, significa tutelarconsumidores enquanto parcelas hipossuficientes das relações de mercado,significa garantir o livre florescimento de uma economia de centros de produção edistribuição de produtos concorrentes entre si e geradores de empregos, significagarantir aos participantes das sociedades comerciais que atuam na economia demercado confiança na atividade empresarial etc. enfim, são projeções de ordempolítico- criminal que vão além da atuação do Estado na economia, e que carecem deuma guarida jurídico-penal na qual sejam pensados princípios, orientações,modelos processuais e executórios aptos a fazer frente a todas estas demandas.Daí, afigura - se adequado reunir- se todos os fatos lesivos que orbitam nestemicrocosmo sob um mesmo manto de produção legislativa e doutrinária, pensadoatravés de uma política criminal atenta a tais nuances da realidade. Neste passo,justa a pretensão de desenvolver- se um direito penal econômico em sentido amplo,como estrutura de proteção jurídico penal da ordem econômica como tutora daprodução, distribuição e consumo de bens no mercado”. (GUARAGNI, Fáb io André.O novo tratamento dos crimes contra a propriedade intelectual à luz do direitopenal econômico (Comentários à Lei 10.695, de 01.07.2003). In: GEVAERD, Jair;TONIN, Marta Marília (coords.). Direito Empresarial & Cidadania: questõescontemporâneas. Curitiba: Juruá, 2004. p. 101-102.)

resultado danoso social que lesiona diretamente a ordem econômica,entendendo esta como um bem supra-individual ou coletivo, cabendo tanto oque se encontra incorporado na legislação, como as desaprovações sociaisque reclamam sua tipificação”29.

A finalidade do Direito Penal Econômico é, portanto, protegeros bens e interesses humanos relacionados com a ordem econômica30.Tutela-se a regularidade da produção, distribuição e consumo de bens(tutelar o mercado em si). Faz-se mister ressaltar que este não é um campoautônomo do conhecimento jurídico-penal31, tão somente protege bensjurídicos supra-individuais32.

A criminalização moderna, relacionada ao Direito PenalEconômico, pode ser vista como uma forma de expansão do direito penal,com a “criação de novos ‘bens jurídicos penais’, ampliação dos espaços deriscos jurídico-penalmente relevantes, flexibilização das regras de imputaçãoe relativização dos princípios político-criminais de garantia”33.

Entretanto, não pode ocorrer uma expansão imoderada doDireito Penal Clássico, que será melhor trabalhada em item próprio, vistoque a necessidade de que a aplicação do direito se amolde à práxis, não podeocorrer sem que seja resguardado ao máximo possível os direitos individuaisdo cidadão.

Hoje, ao se referir à conotação liberal (clássica) do DireitoPenal, há que se visualizar seus contornos técnicos, que não se confundem

29 BAIGÚN, op. c i t . , p. 126.30 CONDE, Francisco Muñoz. Principios políticos criminales que inspiran eltratamiento de los delitos contra el orden socioeconómico en el proyecto de códigopenal español de 1994. Revista Brasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, ano3, n. 11, p. 07-20, ju l./set. 1995. p. 09.)31 Não há uma unanimidade entre os autores a respeito da autonomia do DireitoPenal Econômico, como se pode ver: “Com relação ao Direito Penal Econômico, maisrecente do que o Direito Penal do Trabalho, surgiu, como seria natural, a esperadaposição doutrinária de minoria, pugnando pela sua autonomia.” (CABRAL NETTO, J.Direito Penal Econômico. JUS: Revista Jurídica do Ministério Público, BeloHorizonte, v. 16, n. 4, p. 81-100, 1985. p. 90.)32 Para Klaus Tiedemann, direito penal econômico é a “defesa penal da atividadeinterventora e reguladora do Estado na economia; ademais, transgress ões no campodos assim chamados (especiais) bens juríd icos supraindividuais da vida econômica,que por necessidade conceitual transcendem a dos delitos patrimoniais clássicos”.(TIEDEMANN, Klaus. El concepto..., op. c i t . , p. 67-68.)33 SÁNCHEZ, op. c i t . , p. 21.

com os do Direito Penal do Estado gendarme, que se opõe ao Estado deDireito. O Estado gendarme é o que pretende implantar/manter a ingerênciado Estado em todas as suas ordens, e que, embora se volte mais para oeconômico, expressa-se também no campo penal; enquanto o Estado deDireito, traduz-se na seara propícia para o desenvolvimento de um DireitoPenal de Direitos Humanos, que expressa o sentido apropriado do termo34.

É bem verdade, e não se pode negar, “que nenhum direitopenal positivo realiza plenamente os direitos humanos, mas o direito penalliberal (em sentido técnico) tende a isto”35. Neste contexto, mister se fazdestacar que a expansão deste direito penal deve ser vista como a últimaalternativa na solução dos conflitos hodiernamente existentes, para que nãohaja, assim, um desrespeito a garantias arduamente alcançadas.

Isto porque se entende que os princípios gerais de DireitoPenal Clássico se aplicam ao Direito Penal Econômico36, devendo as regrasdeste ser interpretadas em conexão com aqueles princípios, pois o mesmonão possui uma parte geral autônoma, distinta daquela onde se inserem asnormas básicas de todo o sistema37.

O Direito Penal Econômico se encontra, desta forma, sujeitoaos princípios fundamentais do Direito Penal Clássico, não podendo “fugir às

34 Vide: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direitopenal brasileiro . Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.332.35 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Op. c i t . , p. 333.36 A propósito, Nilo Batista destaca: “A procura de uma identidade própria para oDireito Penal Econômico não deve afastá - lo do direito penal, nem das conquistasque gradualmente, e não sem muitas dificuldades, se obtiveram dentro do direitopenal. Um uso alternativo do direito penal, para que atinja igualmente osdelinqüentes de colarinho branco, não pode ser um uso deformado e deformador dodireito penal. O respeito a alguns dos princípios, como os da reserva legal e daculpabilidade, deve ser incondicional; e se o direito penal econômico deles seafastar, não apenas estará deixando de ser penal, mas em verdade estará deixandode ser direito”. (BATISTA, Nilo. Concepção e Princípios do Direito Penal Econômico,inclusive a proteção dos consumidores, no Brasil. Revista de Direito Penal eCriminologia, Rio de Janeiro, v. 33, p. 79-89, jan./jun. 1982. p. 89.)37 BATISTA, op. c i t . , p. 84-85. Neste sentido: RIGHI, Esteban. Derecho penaleconómico comparado. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1991. p. 303;AFTALIÓN, Enrique. El b ien jurídico tutelado por el derecho penal económico.Revista de Ciencias Penales, Santiago del Chile, v. 25, n. 2, p. 79-91, mayo/ago.1966. p. 82; BAJO, Miguel; BACIGALUPO, Silvina. Derecho penal económico.Madrid: Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces S.A., Colección Ceura, 2001. p.14.

exigências que se colocam em volta de todos os preceitos penais”38, muitoembora possua toda uma especialidade revestindo seus tipos penais.

Contudo, muitas categorias e teorias gerais do Direito PenalClássico encontram-se incompatíveis com os delitos contra a ordemeconômica, tais como a análise do dolo e da culpa em relação àcriminalidade das corporações; da autoria, da tentativa, da antijuridicidade esua exclusão, bem como da culpabilidade.39

Sendo assim, sem perder de vista o fato de que o Direito PenalEconômico se encontra subordinado ao Direito Penal Clássico, suascaracterísticas próprias exigem medidas adaptativas das categoriascientificas deste à especificidade da natureza econômica daquele, para quepossa ser eficaz.

Pode-se dizer que existem quatro pontos básicos de discussãona seara do Direito Penal Econômico, quais sejam: “a questão da construçãosistemática e suas conseqüências práticas, a questão das estruturas deinteração coletiva aos instrumentos de imputação jurídico-penal, o problemada acessoriedade do Direito Administrativo e a problemática da eficiência,isto é, a questão da aplicabilidade do Direito Penal Econômico no processopenal”40.

38 PIMENTEL, op. c i t . , p. 10.39 Fundamentando tal afirmação, Juarez Cirino Santos ressalta: “Portanto, se aposição do Direito Penal Econômico em face do Direito Penal coloca a subordinaçãodaquele aos princípios e categorias conceituais deste (com a necessidade dotratamento científico das condutas proib idas por aquele com o instrumentalmetodológico deste), por outro lado gera contradições no interior da metodologiacientífica generalizada, ligadas à diversidade da matéria de proib ição, a nível deautoria, de meios e modos de execução, de relação de causalidade, de resultados, e,especia lmente, de estruturação sub jetiva do comportamento criminoso e doselementos informadores da reprovação da conduta típica não justificada. Aincompatibilidade entre a matéria da proib ição do Direito Penal Econômico(caracterizada pela psicologia individual, nas dimensões de representação e devontade, com resultados danosos circunscritos, avaliados com base em umaliberdade pressuposta, fundamentado o poder concreto de agir de outro modoconforme exista ou não a consciência da antijuridicidade, e admitindo escusasabsolutórias em situações de inexigib ilidade de comportamento diverso) deve sersuperada por novos critérios científicos capazes de apreender a especificidade damatéria da proib ição daquela”. (SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal econômico.Revista de direito penal e criminologia , Rio de Janeiro, v.33, p. 196-201,jan./jun. 1982. p. 199.)40 SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanentes del Derecho penaldespués del milenio. Madrid: Editora Tecnos, 2002. p. 187.

A punição dos crimes econômicos no Brasil acaba por gerarlesões a fundamentos do Direito Penal Clássico, tais como: o princípio dalegalidade, do qual decorre a taxatividade, e o da culpabilidade. Oslegisladores, ao que parece, têm agido de forma puramente pragmática,apenas formulando novos tipos penais, cheios de lacunas, ou seja, nãoorientam nem sistematizam de antemão os tipos penais do Direito PenalEconômico.41

A cifra oculta relacionada a crimes de matéria econômicaatinge níveis espantosos, visto que os tribunais brasileiros só por exceçãoconhecem e decidem tais crimes42. Quase não existiram, no século passado,processos criminais iniciados a partir de constatações descobertas eminspeções de rotina da autoridade administrativa, em atividades sujeitas àfiscalização.43

41 Fabio André Guaragni, discorrendo sobre a delimitação dos crimes pertencentesao Direito Penal Econômico, no Brasil, esclarece: “O universo legislativo brasileironão oferece critério capaz de delimitar os crimes que pertencem ao quadro dodireito penal econômico, na medida em que não há um conjunto normativo quetenha pretendido reunir todas as práticas delitivas que possam ser acolhidas peloâmbito deste setor do direito penal. Isto poderia ocorrer através de um setor doCódigo Penal ou mediante a consolidação de todas as matérias a ele pertinentes, aocupar espaço no campo da legislação extravagante, também denominada especialou complementar. Ao contrário, o ordenamento jurídico prevê crimes integrados noâmbito do direito penal econômico de modo absolutamente esparso, estando algunsprevistos no Código Penal, como é o caso dos crimes de moeda falsa (arts. 289 a292) e contrabando ou descaminho (art. 334), bem como outros previstos em leisespeciais que não guardam entre si qualquer relação. Assim, por exemplo, os crimescontra a economia popular, reunidos na Lei 1.521/51, a tutela penal do consumidorassente no Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, os crimes contra aordem tributária e as relações de consumo previstos na Lei 8.137/90”. (GUARAGNI,Fábio André. O novo tratamento dos crimes contra a propriedade intelectual à luzdo direito penal econômico (Comentários à Lei 10.695, de 01.07.2003). In:GEVAERD, Jair; TONIN, Marta Marília (coords.). Direito Empresarial & Cidadania :questões contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2004. p. 98-99.)42 Já na década de oitenta do século passado, Heleno Cláudio Fragoso destacava agrande cifra oculta no que diz respeito à criminalidade econômica: “Entre nós odireito penal tem sido amargo privilégio dos pobres e desfavorecidos, que povoamnossas prisões horríveis e que constituem a clientela do sistema. A estrutura geralde nosso direito punitivo, em todos os seus mecanismos de aplicação, deixainteiramente acima da lei os que têm poder econômico ou político, pois estes selivram com facilidade, pela corrupção e pelo tráfico de influências. Denunciamos,portanto, entre nós, como fenômeno generalizado, o da desigualdade com quefunciona o sistema punitivo, que serve a uma estrutura político- socialprofundamente injusta e opressiva. /.../ O direito penal econômico é, portanto,uma ficção. Os crimes praticados nas sociedades comerciais conduzem a segura etranqüila impunidade. E para isso concorre amplamente um sistema legal que secaracteriza pela inconsistência e graves defeitos.” (FRAGOSO, op. c i t . , p. 125-126.)43 Vide: BATISTA, op. c i t . , p. 80-81. Continua: “A raridade de tais processos, aliadaà complexidade com que se dispõe muitas vezes sua matéria de fato, e ao cunhoespecial e restrito do debate jurídico que propicia, são elementos que rompem com

Entretanto, não só lesões a fundamentos do Direito PenalClássico estão ocorrendo, mas também ao Processo Penal Democrático, noque se refere a determinadas garantias processuais da pessoa atingida.Ademais, verifica-se que existe uma dificuldade na formação da instruçãoprobatória no processamento dos crimes econômicos, bem como umadificuldade na fixação da competência.

O processo penal, em muitos casos de criminalidadeeconômica, acaba sendo utilizado como um instrumento repressor, desegurança pública, deixando de lado o seu papel de protetor dos direitosfundamentais, assumindo uma postura não ética para com o indivíduosubmetido ao mesmo.

Para se entender melhor esta estrutura, no tópico 2.3,analisar-se-á as deficiências existentes na transposição das balizas doDireito Penal Clássico para o Direito Penal Econômico, a fim de que,posteriormente, sejam avaliadas as dificuldades e avarias no processamentode tais crimes.

2.2 A necessária delimitação do bem jurídico tutelado

O Direito Penal funda-se “no postulado de determinadosvalores jurídicos, qualquer que seja a ordem política sôbre a qual seestrutura.”44 O legislador, desta forma, realiza uma tarefa de carátervalorativo, com referência a determinados interesses, e as proíbe por meio dasanção penal.

Tal valoração deve ter como pilastra a consciência social epolítica da comunidade, com sujeição aos princípios do direito penal liberal.Faz-se necessário, assim, que o legislador, antes de descrever e sancionar

a rotina do aparelho judiciário, adestrado para os processos relativos às figurastradicionais da criminalidade contra o patrimônio”. (p. 83)44 ETCHEVERRY, Alfredo. Objetividade jurídica do delito econômico. Trad. LéliaMendes Fragoso. Revista Brasi leira de Criminologia e Direito Pena l, Rio deJaneiro, v. 2, n. 6, ju l./set. 1964. p. 99.

determinadas condutas, tenha uma idéia clara sobre qual é o bem jurídico45

com dignidade penal que se pretende proteger.

Suzana Aires de Sousa destaca que “para a política criminal, éa tutela dos bens jurídicos que simultaneamente define a função do direitopenal e marca os limites da legitimidade da sua intervenção”46. O postuladode que o delito constitui lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico nadamais é do que o respeito ao princípio penal da exclusiva proteção de bensjurídicos47.

45 “Los b ienes jurídicos se confunden con determinados intereses vitalesindividuales o sociales, cuya alta importancia hace valiosa la manutención de undeterminado estado en el que ellos se conserven indemnes. Su valor se establececonforme a un interés medio que toma en cuenta el Derecho. El interés que está enla base de cada bien jurídico no lo crea el Derecho sino que es fruto de unadeterminada forma de concebir a la sociedad y a los individuos que la forman, laque se refleja en un concreto régimen de organización social, política y económicaque se estab lece en un país en una cierta etapa de su historia. Pero es el Derechoel que capta y recoge ese interés y el que, elevándolo a la categoría de b ien jurídico,lo coloca como base del orden social que le corresponde proteger y sostener”.(MONREAL, op. c i t . , p. 63)46 SOUSA, Susana Aires de. Direito penal das sociedades comerciais. Qual o bemjurídico? Revista Portuguesa de Ciência Criminal , Coimbra, ano 12, n. 1,jan./mar. 2002.p. 51.47 Luiz Regis Prado, acerca do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos,discorre: “O pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato eprimordial do Direito Penal reside na proteção de bens jurídicos – essenciais aoindivíduo e à comunidade - , dentro do quadro axiológico constitucional oudecorrente da concepção de Estado de Direito democrático ( teor ia consti tuc ionaleclé tica) . Reveste- se tal orientação de capital importância, pois não há delito semque haja lesão (princípio da lesividade ou ofensividade) a um bem jurídicodeterminado. Sob esta perspectiva, a tutela penal só é legítima quando socialmentenecessária (princípio da necessidade), imprescindível para assegurar as condiçõesde vida, o desenvolvimento e a paz social, tendo em conta os ditames superiores dadignidade e da liberdade da pessoa humana”. (PRADO, Luiz Régis. Curso de DireitoPenal Brasi leiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 1, p.118.)

Desde o seu aparecimento no mundo jurídico penal48, com aconceituação de Birnbaum, em 1834, tendo como base o conceito materialde crime do período Iluminista, apresentando-o como um dado da realidadeempírica protegido pela ordem jurídica, ou melhor, como algo que está forado tipo, pertencente à realidade exterior49, a noção de bem jurídico tempercorrido diversos caminhos, não existindo uma conceituação, até hoje,precisa50.

Primeiramente, cumpre salientar que o seu nascedouro sedeve a razões de natureza política - por ser uma conseqüência necessáriadas transformações econômicas e políticas da época (nova concepção deEstado), e de natureza dogmática, para servir como termo de referência defatos ofensivos.

Luiz Regis Prado aduz que “o bem jurídico possui umatranscendência ontoaxiológica, dogmática e prática que em certo sentido é

48 Acerca do aparecimento do bem jurídico no mundo jurídico penal, Hans -HeinrichJescheck e Thomas Weigend discorrem: “En la his tor ia de la Dogmática el conceptode bien jurídico ya tuvo entrada a princípios del siglo XIX. Bajo la influencia de lateoria del contrato social, la doctrina penal de la Ilustración entendió al delitocomo infracción de derechos sub jetivos; por este motivo, Feurbach se vio obligado averificar la existencia en cada infracción penal un derecho sub jetivo del individuo odel Estado como ob jeto de protección. Por el contrario, Birnbaum , el fundador de lanueva teoría del b ien jurídico, no divisó derecho alguno en el b ien jurídico sino unbien material garantizado por el poder del Estado que podía corresponder alindividuo o la colectividad u que fue concebido como algo susceptib le de serlesionado en un sentido natural. Con Binding el concepto sofrió una primeradepuración a través de la concepción del b ien jurídico como una situación valoradapor el legislador (‘todo en lo que el legislador ha pensado como condición de unavida sana de la comunidad jurídica y es para ésta digna de valor’). También paraLiszt trasladó el peso específico del concepto de b ien jurídico desde el derechosubjetivo al ‘interés protegido juridicamente’ pero, a diferencia de Binding que sólotrató el b ien jurídico de modo accesorio, vio en él el concepto central de laestructura del delito. El gran proceso de la Dogmática penal en los años veinte denuestro siglo condujo a que el b ien jurídico dejara de ser entendido en el sentido deun interés concreto preexistente a la norma; el b ien jurídico se convirtió más b ienen un simple medio de auxilio de la interpretación, en una ‘abreviatura de la ideadel fin’, en el ‘fin en su forma más concisa’.” (JESCHECK, Hans-Heinrich;WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal. Parte General. Trad. Miguel OlmedoCardenete. 5. ed. Granada: Editorial Comares, 2002. p. 274-275.)49 Vide: SOUSA, op. c i t . , p. 52.50 Segundo Jescheck, bem jurídico deve ser entendido, atualmente, como “um valorabstracto del orden social protegido juridicamente, em cuya defensa está interesadala comunidad y cuya titu laridade puede corresponder a um individuo o lacolectividad. La doctrina más moderna, con razón, pone de relieve que los b ienesjurídicos no deben ser comprendidos como bienes materiais, sino que se trata delas relaciones de las personas con los intereses reales, así sucede, por ejemplo, conla facu ltad de disposición de las cosas (propiedad), con la fiabilidade de los mediosde prueba (autenticidad de documento) o con la capacidad de funcionamiento delcuerpo y sus órganos (integridad corporal)”. (JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND,Thomas. Op. c i t . , p. 275-276.)

basilar e, por isso, indeclinável. De sua essência, entidade e conteúdodepende, não só a estruturação técnica, senão a própria existência doordenamento punitivo de qualquer Estado de cultura”51.

Para alguns autores, como Jorge Figueredo Dias e Manuel daCosta Andrade52, Luis Arroyo Zapatero53, Claus Roxin54, e no Brasil, LuizRegis Prado55, o bem jurídico penal existe na medida em que se encontrarefletido num valor jurídico constitucionalmente reconhecido56.

Conforme foi discorrido, para legislar sobre o delito contra aordem econômica, imprescindível se torna determinar qual é o bem jurídicoque se deseja proteger. No âmbito do Direito Penal Econômico, não é tarefafácil a determinação do bem jurídico protegido57, tendo em vista odinamismo da sociedade moderna, especialmente no campo econômico.

No Direito Penal Clássico, via de regra, não se encontramdificuldades para determiná-los, visto que aparecem ligados a pessoa em

51 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2003. p. 25.52 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. ci t . .53 “Por lo que sólo es necesaria la relevancia constitucional del b ien, sino además,tal como propone la corriente funcionalista, éste debe ser necesario para elmantenimiento de un determinado sistema social. En este modelo la referencia a laConstitución sirve para evitar en enfoque meramente tecnológico del funcionalismo,en el cual están ausentes los ju icios de valor.” (ZAPATERO, Luis Arroyo. Derechopenal económico y Constitución. Revista Penal, Barcelona, año 1, n. 1, p. 01-15,ene. 1998. p. 02.)54 “El punto de partida correcto consiste en reconocer que la única restricciónpreviamente dada para el legislador se encuentra en los principios de laConstitución. Por tanto, un concepto de b ien jurídico vinculantepolíticocriminalmente sólo se puede derivar de los cometidos, plasmados en la LeyFundamental, de nuestro Estado de Derecho basado en la libertad del individuo, através de los cuales se le marcan sus limítes a la potestad punitiva del Estado”.(ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. 2. ed. Trad. y notas Diego MauelLuzón Peña et a l. Madrid: Civitas Ediciones, 1997. p. 55-56.)55 PRADO, Bem jurídico..., op. c i t .56 Sobre o bem jurídico ter como base a Constitu ição, Jorge de Figueiredo Diasdiscorre: “Rege- se aqui a idéia de que a função do direito penal – de todo o direitopenal, inclusive do direito penal administrativo – é a protecção de bens jurídicos,considerados como interesses socialmente relevantes cu ja defesa é condiçã oindispensável do livre desenvolvimento da personalidade do homem. E de que,assim, a elevação de um interesse à categoria de bem jurídico dependeessencialmente, não tanto do <sistema social> qua tala , quanto da ordem axiológicajurídico-constitucional como expressão do espaço de consenso comunitário sem oqual a ordem jurídico-penal não pode ser pensada em termos democráticos”. (DIAS,Jorge de Figueiredo. Op. c i t . , p. 57).57 “Uno de los puntos en discusión desde la perspectiva dogmática y políticocriminal es el referente a la caracterización de los b ienes jurídicos en el ámbito delDerecho Penal Económico.” (RAMÍREZ, Juan Bustos. Perspectivas actuales delderecho penal económico. Revista de Ciencias Penales , Montevideo, n. 2, 1996. p.35.)

suas relações específicas, sendo fácil a visualização das intervençõesabusivas ocorridas. O bem jurídico tutelado nos crimes contra a ordemeconômica não está ligado à pessoa, mas sim ao funcionamento e existênciado sistema58.

Assim, uma das distinções entre Direito Penal Clássico eDireito Penal Econômico se traduz na essência dos bens jurídicos. Enquantono primeiro tutela-se direitos individuais, no segundo busca-se proteger osdireitos chamados supra-individuais, sendo divididos, conforme CarlosMartinez-Bujan Perez59, de um lado, como bens jurídicos gerais, que secaracterizam por pertencer a todas as pessoas que integram a comunidadesocial e, de outro, como bens jurídicos difusos, que interessam apenas a umgrupo de pessoas do sistema social.

Esta distinção (bens jurídicos individuais e supra-individuais)acaba por buscar sua legitimação última na dupla função desempenhadapela personalidade do homem no contexto material do Estado de Direito,como homem concreto e socializado, ou seja, na esfera de sua atuaçãopessoal e comunitária.60

Enrique R. Aftalion destaca que a ordem pública econômica éo bem jurídico tutelado no Direito Penal Econômico, buscando prevenircondutas que possam ocasionar um dano potencial a economia nacionalconsiderada em seu conjunto.61

Cumpre ressaltar que existe uma estreita ligação entre oconceito de Direito Penal Econômico e o bem jurídico tutelado por ele.

58 Vide: RAMIREZ, op. c i t . , p. 35.59 Carlos Martínes-Buján Pérez traz uma classificação interna dentro dos bensjurídicos supra- individuais: “Y es que, en efecto, se impone ante todo unadistinción básica dentro de los b ienes supraindividuales o colectivos: de un lado,hay bienes jurídicos generales, que se caracterizan por ser intereses pertenecientesa la generalidad de las personas que se integran en la comunidad social; de otro,hay bienes jurídicos que – en expresión moderna que ha cobrado fortuna – se handenominado <difusos>, que, a diferencia de los anteriores, no son intereses queafectam a la totalidad de las personas. Pues b ien, procede indicar que en el marcode la categoría de los delitos socio-económicos que se cuentan figuras delictivasque pueden ser integradas en uno u otro grupo”. (MARTINEZ-BUJAN PEREZ, Carlos.Derecho Penal Económico. Parte General. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998. p. 94)60 Neste sentido: DIAS, Jorge de Figueiredo. Op. c i t . , p. 60.61 AFTALION, op. c i t . , p. 87. No mesmo sentido ver: BAIGÚN, op. c i t . , p. 120–138.

Conforme for o critério adotado para a sua conceituação, chegar-se-á adeterminado bem jurídico62. Sendo assim, é possível identificar e delimitar oDireito Penal Econômico a partir da identificação do bem jurídico que sepretende proteger63.

Portanto, como o critério adotado neste trabalho foi o depolítica criminal, tem-se que o bem jurídico tutelado, assim como já expostoacima segundo as lições Klaus Tiedemann e Aftalion, é a ordem públicaeconômica.64

A invocação da ordem pública econômica como bem jurídicotraz alguns problemas, visto que sua definição não é precisa, gerandoproblemas na amplitude do Direito Penal Econômico, como esclarecem RaúlCervini e Gabriel Adriasola ao discorrem que “utilizou-se então o recurso àsimples menção de uma ‘ordem econômica’ no sentido amplo, que servissecomo bem jurídico autônomo, e uma definição de limites tão imprecisosampliava o objeto do Direito Penal Econômico até quase confundi-lo com oDireito Penal convencional ou de segurança pública.”65

62 “Una corriente centra en la economía en su conjunto el objeto de protección.Lindemann, por ejemplo, decía que Derecho penal económico es el elenco deconductas punib les que se dirigen contra el conjunto total de la economía o contraramas o instituciones fundamentalmente importantes de ese conjunto./.../ Otra concepción atiende al fenómeno de la planif icación , centrando en ella laobjetividad. Aquí, en posiciones extremas se ha llegado al absurdo de sostener quela planificación es un concepto aplicab le exclusivamente a los regímenes de tiposocialista (ejemplo: Aftalion) y que en consecuencia, sólo en ellos es posib leanalizar autónomamente la materia. Fuera de estas postu lar, actualmente, lamayoría entiende a la planificación como un concepto abstracto, neutro orelativizado.Existen también variantes que atienden a las nociones de l iberdad económica(Jescheck), o de in ic iativa pr ivada (Ludjer), con lo que indirectamente circunscribenel Derecho penal económico al funcionamiento de las regras del mercado.”(CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa: desde unavisión garantista. Buenos Aires: IBdeF, 2005. p. 66-67.)63 Neste sentido, ver: CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. ci t . , p. 56; RIGHI,Esteban. Derecho..., op. c i t . , p. 318; MARTINEZ-BUJAN PEREZ, op. c i t . , p. 71.64 “Si, como hemos visto, a l Derecho económico corresponde, como bien jurídicogenérico, la protección y preservación de un orden público económico, este mismobien jurídico constituirá el ob jeto de protección general de los tipos penalesdestinados a prevenir hechos que signifiquen formas concretas de lesión o depuesta en peligro de él, según libre elección del legislador respectivo. /.../ Porconsiguiente, todo delito económico tendrá como bien jurídico protegido propioalgún aspecto del orden público económico concreto establecido en un país.”(MONREAL, op. c i t . , p. 65.). Ver também: ZAPATERO, op. c i t . , p. 02.)65 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. c i t . , p. 59.

Ao se falar em tutela da ordem econômica existente, estar-se-áfalando, num sentido amplo, “da regulação jurídica da produção,distribuição e consumo de bens e serviços, e em segundo lugar, coloca aproteção dos interesses patrimoniais, e posteriormente a tutela dosinteresses coletivos relacionados com a regulação econômica do mercado”66.

Segundo Carlos Martinez-Buján Pérez, ao se adotar umaconcepção ampla do conceito de Direito Penal Econômico, possuindo comobem jurídico a ordem pública econômica, esta passa a ser um bem mediato,tendo em vista a existência de um bem imediato lesionado em cada casoconcreto, tal como o patrimônio individual.67

Não se pode esquecer, que para a tutela destes novosinteresses, deve-se, impreterivelmente, respeitar o caráter fragmentário esecundário do Direito Penal. As condutas a serem tipificadas devem terrelevância para justificar a interferência do Direito Penal, pois do contrário,devem ser resolvidas por meios extra-penais.68

Vencida esta etapa, necessário se faz distinguir os bensjurídicos individuais dos bens jurídicos supra-individuais69. Pode-se dizerque “a distinção, em tal sentido, então estará dada quando a ação valoradafor suscetível, potencial ou efetivamente, de lesionar bens jurídicos dosoutras pessoas, distintas do titular do direito patrimonial afetado”70.

Esta nota distintiva diferencia, assim, o bem jurídico doDireito Penal Clássico daquele do Direito Penal Econômico. As condutasprotegidas pelo primeiro afetam um interesse individual, e pelo segundo, o

66 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. c i t . , p. 64.67 “/.../ a diferencia de la noción anterior no se trata aquí ya de tutelar elintervensionismo estatal, sino de salvaguardar la actividad económica en el marcode la economía de mercado, en virtud de lo cual los límites de es ta segundaconcepción del Derecho penal económico se ven notab lemente ampliados, alaparecer el orden económico como un bien jurídico mediato o de segunda orden decada una de las figuras delictivas concretas, detrás de los b ienes jurídicos que encada caso resu lten inmediatamente protegidos”. (MARTINEZ-BUJAN PEREZ, op. c i t . ,p. 35)68 CASTAÑÓN, José Manuel Paredes. Los delitos de peligro como técnica deincriminación en el derecho penal económico: bases político-criminales. Revista dederecho penal y criminología , Madrid, n. 11, enero 2003. p. 119.69 “Este criterio de la supraindividualidad no difiere mayormente de aquel que hablade bienes jurídicos colectivos de carácter económico” . (CONDE, op. c i t . , p. 11-12.)70 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. c i t . , p. 60.

interesse coletivo com proteção sobre um número indeterminado depessoas.71

Quando se diz que o Direito Penal Econômico tutela direitossupra-individuais, isto não quer dizer que não pode, ademais, protegerinteresses jurídicos de um particular72/73.

Segundo Eduardo Novoa Monreal, uma parte considerável doscrimes econômicos “atacam não apenas a ordem pública econômica, mastambém econômicos ou patrimoniais de uma ou várias pessoasparticulares”74.

Esta é a postura mais admitida atualmente, embora sejacriticada, tendo em vista o fato de que ao se admitir a ordem econômicacomo bem jurídico do Direito Penal Econômico, pode-se chegar àconseqüência de não se conseguir delimitar o seu âmbito de atuação, comotambém precisar o que é delito econômico.

Assim, a conduta definida como crime econômico estáfuncionalmente condicionada à estrutura sócio-econômica concreta em ummomento determinado. O bem jurídico, desta forma, reflete condutas sociaisconcretas protegidas pela norma penal em um sistema social determinado,

71 Conforme ROMERA, Oscar E. Los cometidos del Derecho Penal Económico y susnúcleos prob lemáticos. Revista de Derecho Penal y Procesal Penal , Buenos Aires,v. 1, set. 2004. p. 192.72 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. c i t . , p. 70. Estes autores afirmam que:“Lo que se afirma es que, en el Derecho penal socioeconómico, la norma penaltrasciende de la protección de esos b ienes particulares, y el b ien colectivo ocupa elprimer lugar, por ser el que otorga fundamento propio a la prohib ición; b ) por otraparte, algunos de los clásicos tipos patrimoniales que tutelan fundamentalmentebienes individuales pueden asumir modalidades trascendentes que permiten sucaracterización como delitos económicos.”73 “Son necesarias, sin embargo, dos acaraciones: a ) Dela afirmación de que eldelito económico ampara b ienes supraindividuales no se deduce que no puedaademás quedar protegido el b ien jurídico de un particu lar. Así, por ejemplo, lasnormas de defensa de un particu lar. Así, por ejemplo, las normas de defensa de lacompetencia, que naturalmente, están orientadas a proteger la libre concurrenciaen una economía de mercado (b ien jurídico colectivo), amparan también interesesindividuales de los consumidores, y de los competidores del autor de la infracción.Lo que aquí se afirma es que la horma penal trasciende la protección de esos b ienesparticu lares, ocupando el b ien colectivo el que otorga fundamento a la prohib ición.En los delitos económicos los intereses de la comunidad están situados en primerplano, y por ello la incriminación no ha tenido en cuenta la esfera privada desindividuo y de su patrimonio, aunque reciban protección incidental.” (RIGHI,Esteban. Derecho..., op. c i t . , p. 318-319.)74 MONREAL, op. c i t . , p. 68.

sendo classificado em dois grandes grupos, os que estabelecem relação comas bases de existência do sistema social e os que estabelecem relação com ofuncionamento do sistema social75. A ordem pública econômica como bemjurídico do Direito Penal Econômico encontra-se situada no primeiro grupo,portanto, variará de acordo com o sistema imperante76.

E mais, para selecionar as condutas socialmente desvaloradasno âmbito econômico, necessário se torna analisar as condições concretasda estrutura social e a forma concreta em que se dão as relações econômicasna dita estrutura social, apresentando, assim, uma limitação ao direito depunir do Estado.77

A dificuldade de se delimitar o bem jurídico na searaeconômica, conseqüentemente, está na complexidade dos interessesafetados. A conceituação deste bem jurídico é dinâmica78, não se esgotandonas situações e relações existentes, mas sim também, deve abarcar osobjetivos estatais de justiça social.79

Segundo Alessandro Baratta, ao se estender a tutela penal aosinteresses difusos e às funções da administração pública, a distinção entre aconcepção defensiva e promocional do bem jurídico perdeu parte de seu

75 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. c i t . , p. 83-84.76 A este propósito, Eduardo Novoa Monreal destaca: “Este b ien jurídico presentaráun contenido diferente, según sea el modo concreto de organización político-económica adoptado en cada país y, por ello, no es posib le precisar este contenidode manera general. Ello podría hacerse solamente en referencia a una legislaciónnacional dada.Con todo, hay algunas características genéricas que por corresponder a la nociónmisma de orden púb lico económico, tal como la tenemos explicada, van a estarsiempre presentes. Estas características genéricas podemos resumirlas así: a ) Eseorden púb lico económico corresponde a un determinado sistema de organizacióngeneral de la economía que está implantando en un país. B ) Ese orden púb licoeconómico se establece por razones de interés general. C) Ese orden públicoeconómico domina imperativamente sobre toda la organización económica del país yobliga a todos los ciudadanos, tanto administradores (autoridades) comoadministrados (particulares), pese a tener como destinatarios preferidos a estosúltimos, pues son éstos los que más frecuentemente pueden menoscabarlo,distorsionarlo o desconocerlo”. (MONREAL, op. c i t . , p. 65.)77 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. c i t . , p 85.78 Sobre uma conceituação dinâmica do bem jurídico, Juan M. Terradillos Basocodiscorre: “Así, se ha entendido que la función propulsora, no meramenteconservadora, que el Estado sigue hoy reivindicando, impone una configuracióndinámica del concepto de b ien jurídico, que no se agota en la cristalización desituaciones y relaciones existentes, sino que ha de abarcar los objetivos estatalesde justicia social”. (BASOCO, Juan M. Terradillos. Empresa y Derecho Penal.Buenos Aires: Villela Editor, 2001. p. 103.)79 Vide: CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. ci t . , p. 88.

significado80. Assim, “as normas penais se transformam em um instrumentode administração de situações particulares, de riscos excepcionais: emoutras palavras, um instrumento de resposta contingente a situações de‘emergências’ concretas”81.

O bem jurídico, por fazer parte do conceito material de crime,inegavelmente exerce uma função de garantia. Portanto, somente pode-seadmitir a ampliação do objeto da tutela penal à medida que o mesmo semantenha suficientemente definido e reconhecível, sem perder de vista a suanitidez82.

A determinação do bem jurídico resolve outros problemastrazidos pelos tipos penais econômicos, tais como a “classificação dos tiposde crime quanto ao perigo ou efectiva lesão do bem ou bens protegidos e asolução a adoptar nas situações de concurso de crimes e sobretudo alegitimação destas incriminações”83. Ademais, a “moderna ciência penal não

80 Neste sentido, o referido autor destaca: “Limitar -me-ei, portanto, a indicar umasegunda alternativa entre duas linhas de interpretação que começa a perfilar - se jánas próprias origens das teorias do bem jurídico e que sempre esteve presente emsua história. Trata- se da alternativa entre um uso exclusivamente defensivo e umuso também promocional da pena com respeito a bens e interesses relevantes. Estaalternativa adquire a sua mais notável expressão na denominada ‘teoriametodológica’ do bem jurídico introduzida por Honig em 1919. Trata - se de duaslinhas de tendência no interior da mesma concepção instrumental da funçãopunitiva. Podemos denominar as teorias promocionais de ‘teorias do bem jurídicono sentido lato’ e as teorias defensivas as ‘teorias do bem jurídico no sentidoestrito’. No entanto, esta distinção, como veremos mais adiante, foi se tornandocada vez mais imprecisa e perdendo relevância prática, na medida em que a tutelapenal começou a estender- se aos interesses individuais e circunstanciais paraáreas de interesses gerais e difusos.” (BARATTA, Alessandro. Funções instrumentaise simbólicas do direito penal. Lineamentos de uma teoria do bem jurídico. RevistaBrasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, ano 2, n. 5, jan./mar. 1994. p. 07.)81 BARATTA, op. c i t . , p. 12.82 Neste sentido, Raúl Cervini e Gabriel Adriasola discorrem: “Procediendo con ta lcautela, veremos que las nuevas tipificaciones podrán ser acompañadas por unadeterminación suficientemente precisa o al menos reconocib le de su inherenteobjetividad jurídica, sin forzar el alcance de las acciones ni desdibujarartificiosamente la necesaria nitidez del pretendido bien jurídico. Todo este procesode afinamiento jurídico, con vocación garantista, presupondrá una lectura abierta ydemocrática de la realidad y sus contradicciones, así como de una metodologíaespecializada e idónea como para abordar los sofisticados procesos funcional-operativos que crean los nuevos conflictos de la actualidad. Evidentemente cuandoel objeto de tutela no se encuentre suficientemente definido o reconocib le, losmedios jurídicos serán necesariamente ago. Contrariamente a ello, la nitidez delobjeto lleva a la nitidez de los medios y con ello, por lo general, a la eficacianormativa y la seguridad jurídica”. (CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. ci t . ,p. 101.)83 SOUSA, op. c i t . , p. 50.

pode prescindir de uma base empírica nem de um vínculo com a realidadeque lhe propicia a referida noção”84.

O maior problema a ser enfrentado é a não existência concretade critérios pelos quais se deve proceder à seleção dos bens e valores dasociedade. O que não pode ocorrer é o legislador ultrapassar os limites,configurando como delitos condutas consideradas dispensáveis à proteçãoda ordem pública econômica.

2.3 Enfrentamentos necessários à aplicação dos postulados do Direito

Penal Clássico

Como já discorrido, as modificações sociais advindas daintervenção do Estado na economia, bem como do avanço da tecnologia,dentre outras, demonstrando a importância dos direitos difusos para oconvívio em sociedade, fez com que a doutrina aceitasse a proteção, peloDireito Penal, de bens jurídicos supra-individuais.

Contudo, a tutela penal de tais bens jurídicos não ocasionouuma separação dentro do próprio Direito Penal, ou seja, mesmo para aproteção dos bens supra-individuais, aplicam-se os postulados básicos doDireito Penal Clássico, que se sustenta na proteção de bens individuais.Sendo assim, não há, segundo entendimento dominante, uma autonomia doDireito Penal Econômico, tendo em vista o fato de que o mesmo não possuicaracterísticas próprias, ou melhor, “uma problemática particularmentediversa do direito penal em geral.”85

84 PRADO, Bem jurídico..., op. c i t . , p. 21.85 Esteban Righi continua destacando: “Nuestra conclusión es que la especificidaddel derecho penal económico no se deduce de la existencia de principios diversosque puedan entenderse como características esenciales de su sistema normativo,sino de la presión que ejercen algunas exigencias de política criminal: lasdificultades para aplicar a lgunas reglas de derecho penal clásico no sonconsecuencia de la lógica del sistema normativo penal económico, sino de sufinalidad social. El derecho penal económico puede ordenarse en la legislaciónsobre los mismos presupuestos del derecho penal, sin menoscabo de su coherenciay armonía formal. Un modelo jurídico así elaborado no es intrínsecamentecontradictorio, simplemente es ineficaz. El prob lema no es dogmático, sino depolítica criminal.” (RIGHI, Derecho..., op. c i t . , p. 311.)

A aplicação dos princípios fundamentais do Direito PenalClássico na criminalidade econômica, todavia, não se faz sem controvérsias.Isto porque as soluções tradicionais oferecidas pela dogmática penal acabampor não conferir uma adequada resposta a alguns de seus problemas.

Diante da problemática conceitual que envolve os bensjurídicos supra-individuais, por serem abstratos e complexos, adota-se umaperspectiva ampla, onde qualquer ação que ocorra contra eles, por maisremotas que sejam, pode ser considerada, em si mesma, geradora deperigo86.

Assim sendo, quanto menos nítido for o bem jurídico tuteladopelo Direito Penal, mais se põe em questionamento o delineamentoprincípiológico de um Direito Penal garantidor. São afetados, por exemplo,alguns princípios tais como o da lesividade, da legalidade e dafragmentariedade, que presidem um Direito Penal garantidor.

Um dos maiores problemas dos crimes contra a ordemeconômica encontra-se na tipificação da conduta, tendo em vista adificuldade em se traduzir à linguagem do tipo penal os conceitos e critériospertencentes ao âmbito da economia, principalmente pelas influências dosavanços tecnológicos.87

Os legisladores acabam por utilizar-se, como técnicalegislativa, dos tipos penais em branco88, que se caracterizam por seremnormas que não trazem consigo a descrição completa da conduta proibida,necessitando de uma outra norma para complementá-la89. Pode-se dizer,

86 Vide: CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. ci t . , p. 93.87 Conforme BAJO, Miguel; BACIGALUPO, Silvina. Op. ci t . , p. 53.88 “Según doctrina del Tribunal Constitucional español, las leyes penales en b lancodeben reunir los siguientes requisitos constitucionales: a ) reenvio normativoexpreso; b ) justificación en virtud del b ien jurídico al que se refiere; c) que la leycontenga la sanción penal; d) que la ley contenga núcleo esencial de la prohib ición;e) que se encuentre satisfecho el principio de certeza que posib ilita el conocimientoy la motivación normativa.” (ROMERA, op. c i t . , p. 195.)89 “Un sector de la doctrina ha distinguido entre leyes penales en b lanco en sentidopropio, o impropio. Lãs primeras serían cuando el complemento se encuentra enuna instancia diferente; impropias cuando está en la misma ley u otra de igualrango. También, dependiendo de si el supuesto de hecho se encuentra en unanorma penal o de otra naturaleza.” (PAVÓN, op. c i t . , p. 457.)

portanto, que leis penais em branco são “aquelas cujo suposto fato deve sercompletado por outra norma produzida por uma fonte jurídica legítima”90.

Segundo Juan M. Terradillos Basoco, a utilização destes tipospenais dificulta o acesso à norma aplicável, pelas contínuas remissões adisposições de distintas importâncias e origens, e pelo fato das mesmassofrerem contínuas mudanças, dificultando sua eficácia preventiva emultiplicando os casos de impunidade por erro do agente.91

A crítica que se faz a estes tipos penais em branco está tantono fato de que a incriminação de uma conduta depende muito mais decomplemento extra-penal, ferindo o princípio da legalidade, como também nofato de algumas remissões não serem para normas, mas sim para merascomplementações técnicas92/93. Tal situação acaba conferindo “relevância aoerro do cidadão sobre a complexa e às vezes deficiente regulação extra-penalque incide na configuração do respectivo tipo delitivo.”94

Assim, a lei penal deve definir a esfera e conteúdo de desvalorque se pretende impor, ou seja, deve indicar a regra incriminadora básica,deixando para as remissões apenas o caráter complementar95.

90 BACIGALUPO, Enrique. La prob lemática constitucional de las leyes penales enblanco y su repercusión en el derecho penal económico. BACIGALUPO, Enrique(dir.). Curso de Derecho Penal Económico. Barcelona: Marcial Pons, 1998. p. 39.91 BASOCO, op. c i t . , p. 109.92 Neste sentido, Juan M. Terradillos Basoco afirma: “Desde el punto de vista de lasignificación política del principio de legalidad, la remisión por parte de la leypenal suscita problemas más complejos, vinculados, normalmente, a la naturalezade la norma complementaria. Sobre todo porque los textos constitucionales exigenen ocasiones mayorías cualificadas para la aprobación de leyes que, como laspenales, afecten a derechos fundamentales. Dado que ello no es exigib le en leyes nopenales, cuyos preceptos pueden integrarse en la ley penal en b lanco, se posib ilitala burla de aquel requisito.” (BASOCO, op. c i t . , p. 109.)93 Ainda sobre a complementação das leis penais em branco: “No entanto o chamadoreenvio externo – que os participantes da reunião consideraram, obviamente, o maisgrave – pode levar a uma transferência de competência, desde que a norma ad quemseja de força normativa inferior à da norma a quo (p. ex. decreto regulamentar e lei)o que acarretaria, pensamos, à luz do nosso sistema constitucional, umainconstitucionalidade material.” (COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuel daCosta. Op. c i t . , p. 355.)94 CONDE, op. c i t . , p. 74.95 Fundamentando que deve existir uma regra incriminadora básica, deixando asremissões apenas como caráter complementar da mesma, Luis Arroyo Zapaterodiscorre: “Lejos de ser una técnica contraria a los fines del principio de legalidad,la ley penal en b lanco sí se acomoda a los límites marcados por el TC, resu lta unmodo de legislar que favorece la seguridad jurídica. Y ello por lo siguiente: como haindicado el TC, éstas son legítimas en cuanto contengan el contenido esencial de laprohib ición, lo cual supone que han de describ ir ya la conducta típica con un grado

Ademais, no que diz respeito às normas complementares96, “aopinião dominante é a de que os elementos de uma norma de complementodo tipo penal em branco pertence ao tipo penal, de modo que o erro sobreum elemento típico da norma de complemento é um erro de tipo”97.

Além da utilização dos tipos penais em branco98, o legisladoracaba se utilizando demasiadamente de conceitos normativos eindeterminados99, cláusulas gerais100 e fórmulas de valor101, devendo ointerprete limitar o seu alcance ao “núcleo essencial conforme aConstituição”102.

de taxatividad semejante al que requiere el principio de determinación. Porconsiguiente, cuando a esta descripción se añade la remisión a normassublegislativas, lo que en realidad se está haciendo no es ampliar, sino restringir elámbito de lo ya prohib ido.” (ZAPATERO, op. c i t . , p. 10)96 Para alguns autores, como Zapatero, não se deve tratar as normas decomplemento do tipo penal em branco, como normas penais, aplicando- se oprincípio da retroatividade, quando houver caso de sucessão daquelas. “El caminotécnico para hacer posib le esta restricción es quizá, asimilar este tipo de normas decomplemento a leyes temporales, ta l como propone parte de la doctrina alemana.”(ZAPATERO, op. c i t . , p. 10)97 LOUIS, Jürgen; WASSMER, Martin Paul. Tratamiento de los delitos socio-económicos. Revista Penal , Barcelona, n. 9, p. 165-169, ene. 2002. p. 167-168.98 “Lo expresado enciera una fuerte impugnación al derecho penal económico desdela óptica del estado de derecho, pues esas técnicas legislativas flexib ilizan elprincipio de legalidad, al no describ ir en forma exhaustiva la conducta prohib ida.Los que resultan más objetab les son los tipos abiertos, pues es mayor laindefinición de lo que se prohíbe, desde que el legislador sólo formula un enunciadogeneral que sólo será precisado ex post , cuando el precepto sea complementado porel órgano jurisdiccional.” (RIGHI, Derecho..., op. c i t . , p. 305)99 “También por la doctrina alemana, en un intento de clarificar que debeconsiderarse ley indeterminada, se ha propuesto la clasificación en tres grados,teniendo a la vista la opción de la libertad, y la necesidad de la mayorprevisib ilidad posib le de la respuesta estatal. De acuerdo con ello, el legisladordebe usar, siempre que pueda, elementos descriptivos, en su defecto normativoscon significado jurídico, añadiendo aclaración cuando sea preciso, e inclusoexcepcionalmente, el método ejemplificador; el ú ltimo grado serían los elementosnormativos extrajurídicos, que sólo deberán utilizarse cuando no exista otraposib ilidad, procediéndose de manera ob ligatoria a su precisión o aclaración,mediante una definición legal, o en ú ltimo término, el mito ejemplificador. Una leyserá indeterminada, cuando el legislador no respete este orden, sin que exista unanecesidad real para ello.” (PAVÓN, op. c i t . , p. 452.)100 “Os diferentes relatórios nacionais sub linharam a freqüente utilização de<cláusulas gerais> cujo intuito é não só evitar lacunas como também não limitar aslinhas de orientação da política criminal numa matéria em si mesma tão propícia àmutação e à transformação. Porém, é sempre bom lembrá - lo, a utilização decláusulas gerais na definição da norma incriminadora é uma técnicaextraordinariamente perigosa no campo do direito penal já que este é, porexcelência, o ramo do direito que joga com a liberdade das pessoas. Neste sentido, oemprego de uma cláusula geral parece-nos ser de rejeitar liminarmente, porqueviolador do princípio da tipicidade.” (COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuel daCosta. Op. c i t . , p. 355.)101 “/.../ dados los complejos procesos y normativas de la actual vida económica, noes posib le prescindir de elementos normativos y de cláusulas generales al describ irlos tipos penales económicos.” (TIEDEMANN, Poder económico..., op. c i t . , p. 34.)102 DIAS, Jorge de Figueiredo. Op. ci t . , p. 42.

Isto acaba por lesionar, na visão de Jorge Figueiredo Dias, otipo-de-garantia, visto que não há a previsibilidade individual subjetiva dapunibilidade de uma conduta concreta ou, muitas vezes, não há, ao menos,uma cognoscibilidade e dirigibilidade objetivas.103

Outro problema está na utilização, cada vez maior, de tipospenais de perigo abstrato104, pelas dificuldades encontradas na conceituaçãodo bem jurídico tutelado, no estabelecimento do momento que o mesmo podeser considerado lesionado, bem como na produção de provas105/106.

Para uma melhor compreensão da utilização da técnica deperigo abstrato nos dias atuais, necessário se faz a compreensão prévia domodelo de sociedade existente e, via de conseqüência, dos discursosgerminados neste sistema social, que produzem, reproduzem e são afetadospelas normas jurídicas.107

Conforme for o modelo de organização social existente, ter-se-á o estabelecimento de mecanismos de exercício de poder com o objetivo demanter sua funcionalidade. O Direito Penal, mecanismo de controle social,recebe deste modelo seus valores e a tarefa de cumprir determinadosobjetivos.

103 DIAS, Jorge de Figueiredo. Op. ci t . , p. 40 e ss.104 “En el desarrollo del moderno Derecho Penal económico el empleo de la técnicalegislativa de los delitos de peligro como medio de protección de intereseseconómicos individuales y colectivos constituye, según todas las evidencias, unrecurso hab itual y creciente. En efecto, lo cierto es que la tendencia general pareceser la de anticipar la intervención penal, prescindiendo en principio del requisitode una lesión efectiva de dichos b ienes jurídicos para conformar - se, como condiciónpara la afirmación de la plenitud de la antijuridicidad penalmente típica y para laimposición de la máxima pena, con la mera puesta en peligro del mismo.”(CASTAÑÓN, op. c i t . , p. 96.)105 Sobre a facilitação da produção de provas nos delitos de perigo abstrato, tem-se:“É evidente que principalmente os crimes de perigo abstracto facilitamenormemente a superação das dificu ldades de prova que a criminalidade econômicaacarreta, o que levou o legislador de muitos países (Alemanha Federal, Áustria,Bélgica, Espanha, França, Grécia, Japão, Polônia, Suíça) a utilizarem esta forma detipo legal de crime.” (COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. ci t . ,p. 356.)106 Ainda sobre a superação das dificu ltades na produção de provas nacriminalidade econômica, Klaus Tiedemann destaca: “Es sabido que, en especial,los mencionados delitos de peligro abstracto, brindan facilidades para su prueba,por cuanto en ellos no es relevante que el daño se haya producido efectivamente”.(TIEDEMANN, Klaus. Poder económico y delito : introducción al derecho penaleconómico y de la empresa. Barcelona: Editorial Ariel, 1985. p. 36.)107 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Princípio da precaução, direito penal e sociedade derisco. Revista Brasi leira de Ciências Criminais , n. 61, jul./ago. 2006. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2006. p. 45.

A sociedade atual pode ser caracterizada como uma sociedadede risco108, “que não está segura e nem pode estar porque os perigos aosquais estão sujeitos são incalculáveis, incontroláveis, indetermináveis e sematribuição” 109, tendo em vista a importância do risco110 como elementonuclear da organização social, pois a “sedimentação do modelo de produçãoeconômica sobre a dinâmica do novo, do inédito, do desenvolvimentocientífico exasperado, transforma a noção de risco, antes periférica eacessória, em um elemento central na organização social”111.

108 Segundo Paz Mercedes de la Cuesta, a influência da sociedade de risco no âmb itopenal se caracteriza com “la creación de nuevos y enormes riesgos en ámbitostécnicos también novedosos ha ob ligado a doctrina y legislación a enfrentarse anuevos conflictos sociales que demandan respuesta y a nuevos prob lemasdogmáticos en lo que podríamos denominar el ‘Derecho Penal del Riesgo’. /.../ Lasociedad actual, caracterizada no sólo por la dependencia de la tecnología y laasunción de nuevos y mayores riesgos, sino también por la continua, constante yveloz renovación tecnológica, ha situado a la Ciencia y a los legisladores penales enuna situación francamente difícil. Por un lado, las cada vez más complejascuestiones técnicas dificultan al jurista la comprensión del nuevo mundotecnológico que se desarrolla ante sus ojos; por otro, ciertos sectores socialesreclaman la intervención legislativa fijando las reglas del juego. Comoconsecuencia, los sistemas penales de nuestro entorno cultural se ven abocados acontinuar su proceso de expansión en ámbitos cada vez más novedosos sin que estaproducción legislativa se vea acompañada, en la mayoría de los supuestos, por elcorrespondiente debate social y doctrinal. En más ocasiones de las convenientes, elpoder legislativo aborda la intervención penal con pretensiones más simbólicas queinstrumentales, con trámites parlamentarios exiguos y resultados defectuososdesde el punto de vista técnico.” (AGUADO, Paz Mercedes de la Cuesta. DerechoPenal Económico. Mendoza: Ediciones Jurídicas Cuyo, 2003. p. 22-24)109 BECK, U lrich. La sociedad del riesgo global . Barcelona: Ediciones PiadosIbérica, 1998. p. 05. O termo sociedade de risco foi cunhado por este autor,afirmando que “riesgo es el enfoque moderno de la previsión y control de lasconsecuencias futuras de la acción, las diversas consecuencias futuras de la acciónhumana, las diversas consecuencias no deseadas de la modernización radicalizada.Es un intento (institucionalizado) de colonizar el futuro, un mapa cognitivo.” (p. 05)110 “Lo que si resu lta innegable es que las nuevas sociedades (complejas,tecnológicas y globalizadas en todos los sentidos) han generado no solo nuevosriesgos con la consecuente conciencia de su potencial lesivo y la exigencia -necesidad de hacer frente a los mismos mediante el recurso a la norma penal(medio ambiente, uso de energías peligrosas, tráfico rodado, salud pública, etc.) yen concreto a la estructura de los delitos de peligro abstracto (lo que ha originadoprofundos debates doctrinales sino también la aparición de nuevas formas dedelincuencia económica (o mejor dicho de nuevas formas de comisión de delitoscontra el patrimonio y el orden socioeconómico) que revelan un mayor potenciallesivo (por la extensión de sus efectos delictivos a una pluralidad de personas aveces indeterminadas o por la afectación a la riqueza colectiva) y cuya persecuciónpenal no es fácil hab ida cuenta de que se llevan a cabo a través de estructurasorganizadas (empresas, entes colectivos etc.) lo que comporta dificu ltades deDerecho penal material y de natureza procesal (probatorias) para la imputaciónpersonal del hecho a los autores e intervinientes en el delito que operan en, por opara la persona jurídica.” (PATERNOSTRO, María José Magaldi. Autoría yparticipación en los delitos económicos. In: GARCÍA ARÁN, Mercedes (dir.). Élfenómeno de la internacionalización de la delincuencia económica. Madrid:Consejo General del Poder Judicial, 2005. p. 279.)111 BOTTINI, op. c i t . , p. 46.

O modelo econômico surgido com a Revolução Industrial,visando a organização da produção de bens através de um sistema de livreconcorrência mercadológica, exige dos seus autores a busca por inovaçõestecnológicas para produção e distribuição de insumos em larga escala.

Contudo, o desenvolvimento destas tecnologias não éacompanhado por instrumentos de avaliação e medição dos potenciaisresultados de sua aplicação, ou seja, há um descompasso entre ossurgimentos das inovações tecnológicas e o conhecimento de suasconseqüências, gerando a incerteza, a insegurança, obrigando o ser humanoa lidar com o risco sob uma nova perspectiva.112

Neste contexto, diante de uma sociedade de enormecomplexidade, em que certos efeitos nocivos são ainda desconhecidos ou,ainda vão se manifestar anos depois da realização da conduta113, os delitosde resultado/lesão114 passaram a ser insatisfatórios como técnica deabordagem do problema115.

Contudo, como muitos dos riscos ainda são desconhecidos, aocontrário dos tutelados pelos crimes de perigo concreto, passou-se a darrelevo ao princípio da precaução, visto que este incide sobre domínios derisco ainda não constatado, científica ou estaticamente, ao contrário doprincípio da prevenção. Todavia, “a ausência de critérios para apontar quais

112 Conforme BOTTINI, op. c i t . , p. 48.113 Neste sentido, Diego Romero discorre: “Percebe-se, nestas linhas, que grandeparte das ameaças a que os cidadãos estão expostos provém de decisões que outrasadotam, as quais surtirão efeito apenas no futuro e que são derivadas de aplicaçõestécnicas de desenvolvimento industriais. A partir da í, ocorre uma mobilização paraque o Direito abarque tais situações em suas disposições com a finalidade deproteger os cidadãos destas ameaças que não são visíveis e que u ltrapassamfronteiras ou demarcações físicas e se prolongam no tempo de forma imensu rável.”(ROMERO, Diego. Reflexões sobre os crimes de perigo abstrato. Revista IOB –Direito Penal e Processual Penal , Porto Alegre, ano 7, n. 39, ago./set. 2006. p.51.)114 Sobre o asunto, Juan Terradillos Basoco esclarece: “Las dificu ltades de prueba,pero también las de definición, han constitu ido para el legislador una poderosatentación a recurrir a tipos de peligro en defensa a estos b ienes jurídicossupraindividuales, especialmente en el ámbito socio- económico. Lo que, como nopodía ser de otro modo, ha generado las consiguientes ob jeciones, aunque muchasde ellas dirigidas más a cuestionar la intervención penal en ese sector que latécnica seguida para hacerlo.” (BASOCO, Juan M. Terradillos. Peligro abstracto ygarantías penales. OLIVARES, Gonzalo Quintero; PRATS, Fermín Morales (coords.).El nuevo derecho penal español: Estudios penales en memoria del Profesor JoséManuel Valle Muñiz. Pamplona: Aranzadi, 2001. p. 805.)115 SÁNCHEZ, op. c i t . , p. 29.

indícios serão suficientes para legitimar medidas de limitação de taisatividades, e a dificuldade para regulamentar a questão do ônus da provanos âmbitos assinalados, exige cautela na aplicação do princípio,especialmente no que concerne à incidência do direito penal”116.

Ao utilizar o Direito Penal como mecanismo de reforço e deefetivação das normas de precaução, leva-se o mesmo a coibir condutas cujapericulosidade é meramente indiciária, cujos riscos não são evidentes,apenas suspeitos117.

A tutela penal acaba não só antecipando apenas o resultadolesivo, mas também, em muitos casos, antecipa-se à própria constatação dorisco118. Segundo Pierpaolo Bottini, “tipo penal da precaução afetará,justamente, as atividades cuja periculosidade não é reconhecida pela ciência

116 BOTTINI, op. c i t . , p. 45.117 “Os bons doutrinadores estabelecem com segurança, que a execução secaracteriza por colocar o bem jurídico em efetivo perigo de perecimento, numa linhasabidamente seguida desde Betiol, Maurach e Hungria, esta último citando Carrarae Vannini, bem como Mayer (Comentár ios – vol. I, tomo II, ed. 58, pp. 83 e 84 –“atos que atacam o bem jurídico”). Sem ocorrência desse ataque, causador de perigoconcreto, descabido cogitar de punição penal. O perigo, causado a bem protegidopor norma incriminadora, deve ser entendido como algo individu alizado, comconcreta situação de perecimento. Ante a sofisticação da vida social, pretende-seconsiderar como resultados penalmente puníveis os identificados como causadoresde um perigo, mesmo destitu ídos de real possib ilidades de alterações do mundo dosfatos. Aos poucos, na ânsia de aumentar a protetividade social, rompendo com osistema do direito penal, começou -se a entender que até mesmo resultadosremotamente prováveis ou apenas possíveis, segundo um ju ízo hipotético ouimaginário, deveriam ser considerados como puníveis, desde que apresentassempotencialidade de ‘causar perigo’. Embora a doutrina tradicional sempre sedemonstre temperada e prudente, cada vez mais passou -se a acentuar a ideologiarepressivista, ampliando o campo das condutas puníveis , mesmo não ligadas a umresultado danoso, ou sem apresentarem uma direita situação de dano próximo,concreto, perceptível.” (OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira. Crimes de perigoabstrato. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 4, n. 15, 2004. p. 96.)118 Neste sentido, importante se torna trazer a lição de Nuria Muñoz: “El Derechopenal ha respondido y responde actualmente de modo generoso a las demandas deseguridad y tipifica comportamientos que están más allá del peligro para b ienesjurídicos. Según algunos autores, ello es problemático, pues un Derecho penal queasuma la tarea de combatir los ‘peligros de peligro’ modifica sus funciones y, conello, su propia naturaleza, porque se convierte en un Derecho penal de la seguridadorientado preventiva y policialmente. Algunos afirman que, con ese proceder, elDerecho penal abandona los ideales clásicos orientados a la liberdad individual delos ciudadanos y se transforma en un Derecho en el que los conceptos clave son sueficiencia, la funcionalidad de la justicia penal, la aceleración, la simplificación delproceso, etcétera; en definitiva, estos autores entienden que ese Derecho penal, sinabandonar absolutamente sus ideales liberales, responda en parte a la demandasocial de seguridad, en la medida en que tal seguridad sea necesaria para laestabilidad social. Con otras palabras, quizá haya un quantum de seguridad que sídebe ser protegido por el Derecho penal dos ciudadanos.” (MUÑOZ, Nuria Pastor. Elhecho: ocasión o fundamento de la intervención penal? Reflexiones sobre elfenómeno de la criminalización del ‘peligro de peligro’. In: Derecho Penal delenemigo: el discurso penal de la exclusión. v. 2. Montevideo: IbdeF, 2006. p. 530.)

nem pelas evidências estatísticas, mas cuja contenção é exigida por umasociedade apavorada com os efeitos potenciais e ocultos das novastecnologias”119.

O tipo penal da precaução é criado pelo legislador através datécnica do perigo abstrato120, com sua completude se restringindo à ação, aocomportamento descrito no tipo, independente de um resultado externo121.Busca-se, assim, evitar ou controlar as condutas, e não reprimir osresultados122.

Assim sendo, uma das justificativas para a tipificação decrimes de perigo abstrato está no fato de que, diante do crescimentotecnológico, após a Revolução Industrial, a sociedade vive em risco, e odireito penal deixou de apenas punir danos, expandindo-se também parapunir riscos. Ocorreu uma mudança de paradigmas: perigo em vez de dano;

119 BOTTINI, op. c i t . , p. 65.120 As principais críticas feitas aos crimes de perigo abstrato foram sintetizadas porJuarez Cirino dos Santos: “Jakobs fala da ilegitimidade da incriminação em áreasadjacentes à lesão do bem jurídico; Graul rejeita a presunção de perigo dos crimesde perigo abstrato; Schröder propôs admitir a prova da ausência de perigo; Cramerpretendeu redefinir o perigo abstrato como probabilidade de perigo concreto. Poroutro lado, destacando a finalidade de proteção de bens jurídicos atribuída aostipos de perigo abstrato, aparentemente indissociáveis de políticas comprometidascom o controle ecológico, o controle das atividades econômicas e, de modo geral, agarantia do futuro da Humanidade no planeta, Horn e Brehm propõe fundar apunib ilidade do perigo abstrato no contrariedade ao dever, como um perigo deresultado (e não como resultado de perigo) e Frisch pretende compreender osdelitos de perigo abstrato como delitos de aptidão (Eignungsdelikte), fundado naaptidão concreta ex ante da conduta para produzir a conseqüência lesiva”.(SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível . Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 2000. p. 41.)121 Definindo os crimes de perigo abstrato, Claus Roxin traz: “Delitos de peligroabstracto son aquellos en los que se castiga una conducta típicamente peligrosacomo tal, sin que en el caso concreto tenga que haberse producido un resultado depuesta en peligro”. (ROXIN, Derecho..., op. c i t . , p. 407.)122 Juan M. Terradillos Basoco, em seu artigo Peligro abstracto y garantias penales,salienta que muitos autores definem o perigo como resultado, com efeito provocadocasualmente: “La aparente contradición solo puede ser salvada considerando lapeculiar naturaleza que frente al resu ltado <lesión> oferece el resu ltado <peligro>.En la medida en que la creación de peligro supone aminoración de las condicionesde seguridad en que se encuentra un determinado b ien jurídico (o el ob jeto en quese materializa un b ien jurídico), concurrirán en el delito de peligro tanto unresultado jurídico – afectación al b ien jurídico imprescindib le en toda infraccióncriminal - , como un resultado fáctico – alteración del mundo exterior - ,diferenciab le espacial y cronológicamente del comportamiento.” (BASOCO,Peligro..., op. c i t . , p. 790-791.) Neste sentido ver também: MARTINEZ-BUJANPÈREZ, op. c i t . , p. 108.

risco em vez de ofensa efetiva a um bem jurídico, abstrato em vez deconcreto, bem jurídico coletivo em vez de individual etc.123

Por isso o Direito Penal Econômico está cada vez mais cercadodos tipos de perigo abstrato124/125, facilitando enormemente a aplicação domesmo, pois há uma renúncia da comprovação da lesão e do nexo causal.Nesta espécie de tipo penal basta demonstrar a periculosidade da ação,sendo reduzidos, assim, os requisitos de punibilidade.

Ademais, através dos tipos de perigo abstrato consegue-sefacilmente “utilizar a ameaça de repressão criminal para garantir a ordeminstitucional destes ambientes de contatos e riscos generalizados”126, tendoem vista ser utilizado como medida, muitas vezes, de reforço e inibição dodescumprimento das medidas de organização dos ambientes de interaçãomassificada existentes.

Por isso se fala em uma concepção funcionalista do DireitoPenal, já que este deve ter como finalidade manter a estabilidade daorganização social sobre a qual se projeta. Contudo, o Direito Penalbrasileiro, para se mostrar funcional, deve manter e reproduzir as premissase princípios de um Estado Democrático de Direito, que é o seu modelo deorganização social.

123 Conforme BITENCOURT, Cezar Roberto. Princípios garantistas e a delinqüênciado colarinho branco. Revista Brasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, ano 3,n. 11, p. 118-127, jul./set. 1995. p. 123.124 “Essa técnica legislativa e político- criminal das últimas décadas, mormente dasduas ú ltimas, quando a sociedade global tomou consciência dos riscos e ameaçasque caracterizam o processo de evolução da tecnologia, suscita não só conflitos comprincípios fundamentais da ciência penal, senão também sérios e graves prob lemasde legitimação do ius puniendi , de sua fundamentação e de seus limites, já que acriminalização com uso do modelo dos tipos de perigos abstratos trata - se deflagrante antecipação da punição.” (ROMERO, op. c i t . , p. 45.)125 “No debe olvidarse, por lo demás, que la incriminación de conductas – aquí, demero peligro – tiene, además de los consabidos efectos directos (prohib ición,imposición de penas), también efectos jurídicos indirectos: me estoy refiriendoespecia lmente a las medidas procésales y policiales posib le adopción (de medidascautelares, legitimación de medias policiales de investigación..) que la posib lesubsunción de un hecho en un tipo penal conlleva. Y ello, en la medida en queconstituye siempre una restricción de derechos fundamentales, abona igualmente laidea general que en el texto se expone.” (CASTAÑÓN, op. c i t . , p. 160 -nota derodapé- .)126 BOTTINI, op. c i t . , p. 69.

A técnica dos delitos de perigo abstrato127/128, sendoconsiderada uma característica do Direito Penal Econômico, demonstra anecessidade de concretização de uma política de segurança mais aguda e,

127 Acerca da técnica de elaboração dos delitos de perigo abstrato ver: CASTAÑON,op. c i t . , p. 142 e ss.128 No tocante a tipificação dos tipos de perigo no Direito Penal Económico, JoséManuel Paredes Castañón discorre: “ – La fijación del limite máximo de lãs penasimponibles a delitos económicos dependerá de dos factores. El primero de ellos esla posición del b ien jurídico-penalmente protegido (tal y como haja quedadodefinido, conforme al método expuesto) en la escala axiológica del ordenamentojurídico. Así, por ejemplo, en principio nunca los limites penológicoscorrespondientes a un delito económico deberían ser iguales – y menos aún máselevados – a los establecidos para un delito que ataque a un bien jurídicoeminentemente personal. Modo de análisis que vale para cualquier otracomparación que queremos realizar. No ob stante, esta condición solo rige cetesparibus: es decir, si comparamos hechos delictivos contra los dos b ienes jurídicosen cuestión que desde el punto de vista del merecimiento de pena resultenhomogéneos (si comparamos delitos consumados dolosos de lesión, o delitosconsumados dolosos de peligro concreto, etc.).- Pero, además de la condición anterior, es preciso atender a una segunda:

atendiendo a los principios de necesidad y eficacia, el límite máximo de penaalcanzab le en virtud de la posición del b ien jurídico protegido por un delitoeconómico podrá reducirse en general si consideraciones, también generales,respecto de la necesidad o eficacia de la pena lo indican. Cuando hablo deconsideraciones relativas a la necesidad de la pena me refiero a la constatación deque una cierta cuantía de pena, legítima en atención a la importancia del b ienjurídico, es, sin embargo, innecesaria, porque sus mismos efectos preventivospueden ser alcanzados con una pena inferior: así, por ejemplo, es muy posib le quecon frecuencia en el Derecho Penal económico la condición de los delincuentes seatal que la cuantía de las penas privativas de libertad no tenga que ser tan altacomo correspondería a la importancia del b ien jurídico, pues una pena – eso si,privativa de libertad – de menor cuantía resulta ya su ficientemente intimidatorio.Por otra parte, hablo de consideraciones relativas a la eficacia de la pena parahacer referencia al caso en el que la cuantía de pena legítima en atención al b ienjurídico protegido, aun siendo necesaria (en la medida en que u n límite inferior depena no resulta suficientemente preventivo), se revela ineficaz: es decir, tampocodicho pena máxima imponib le legítimamente de lugar a efecto preventivo suficiente,o produce incluso efectos negativos, criminógenos. En este caso, entiendo que lafijación de tal límite de pena es irracional e injustificab le, por lo que habría queensayar penas, sanciones alternativas o, en general, estratégias político-criminalesdiferentes.- Por el contrario, entiendo que en virtud de consideraciones de necesidad o deeficacia no podrá nunca elevarse el límite máximo de la penalidad imponible másallá de lo que la importancia del b ien jurídico protegido justifique.- Dentro de los límites máximos así establecidos, se trata de graduar ordinalmentelas penas. Para ello es necesario contar con los tres factores que ya más arriba sehan indicado: merecimiento de pena derivado de la lesividad de la conducta,merecimiento de pena derivado de la antinormatividad de la conducta y necesidadde pena. Y entiendo que es precisamente éste el orden de prioridad en el que debenaplicarse los criterios de graduación. Así, una primera distinción debe hacerseentre delitos de lesión y delitos de peligro: ceteris par ibus (por ejemplo,comparando delitos consumados contra un mismo bien jurídico), un delito depeligro no debe tener nunca la misma pena que un delito de lesión; y uno de peligroabstracto tampoco la misma que uno de peligro concreto. Y, entre los delitos delesión, debería graduarse prioritariamente en atención a la gravedad de la lesión”.(CASTAÑÓN, op. c i t . , p.150-151.)

por outro lado, facilita e diminui os problemas processuais relacionados àprodução de provas nas averiguações destes delitos129.

Os crimes de perigo abstrato representam o limite inicial daatuação do Direito Penal, ou seja, o patamar mínimo diante do qual oaparato repressor pode, legitimamente, atuar. O injusto típico, nestescrimes, se verifica pelo risco da conduta, sendo a periculosidade umelemento implícito na tipicidade objetiva da conduta, para a doutrinaconvencional130, devendo esta ser adequada a causar um resultado lesivo131.Portanto, são delitos de perigo com presunção iuries et de iure, não se

129 Neste sentido: “El recurso a los delitos de peligro puede en principio ser un fácilexpediente para eludir prob lemas de prueba. De hecho, las dificu ltades deimputación objetiva del resu ltado dañoso están en el origen de buena parte de lostipos de peligro abstracto, que, asentados en la aceptación de una causalidadgeneral, una ley estadística estab lecida por el legislador, exonerarían al juzgador dela engorrosa y sub jetiva tarea de verifican en cada caso la corrección del pronósticoelaborado por aquél y de comprobar el peligro eventualmente generado en cadacaso. Su labor sería la de aplicar, auxiliado por peritajes especializados, unadefinición bien delimitada y no la de entregarse a apreciaciones inciertas. Con loque se ganaría en certeza y, además, se garantizaría el respeto al principio deigualdad. /.../ Esta descalificación acude al recurso, dialécticamente rentab le perojustificado, de ver el origen de la expansión de los tipos de peligro abstracto en losproblemas de prueba, y de rechazarlos como un manifestación de presunción enperju icio del reo.” (BASOCO, Peligro..., op. c i t . , p. 793.)130 “La teoría convencional de los delitos de peligro abstracto afirma que en ellos elpeligro no es elemento constitutivo de la figura de delito sino mero motivo dellegislador. En tales delitos se describen acciones generalmente peligrosas según unju icio de experiencia para los b ienes jurídicos, que sin embargo no precisan serpeligrosas específicamente en la situación concreta. Es posib le someter a penacriminal comportamientos carentes de peligrosidad, en tanto coincidan formalmentecon la descripción típica. En sentido corretalivo a la teoría general del negociojurídico, el peligro es en los delitos de peligro abstracto motivo , pero no causa de laformación legislativa de la figura de delito. /.../ la teoría convencional realiza unacaracterización esencialmente negativa de los delitos de peligro abstracto, en losque incluye todos los delitos que no son de lesión ni de peligro concreto, noprecisando tampoco un ataque efectivo al b ien jurídico, dado que la producción delpeligro es sólo motivo del legislador.” (LOPEZ, Angel Torio. Los delitos del peligrohipotético: contribución al estudio diferencial de los delitos de peligro abstracto.Anuario de derecho penal y ciencias penales , Madrid, v. 34, fasc. 2-3, may./dic.1981. p. 825 e 827.)131 “Los delitos de peligro abstracto castigan la puesta en práctica de una conductareputada generalmente peligrosa, sin necesidad de que haga efectivo un peligropara el b ien protegido. En ellos se determina la peligrosidad de la conducta típica através de una generalización legal basada en la consideración de que determinadoscomportamientos son típicamente o generalmente para el ob jeto típico y, endefinitiva, para el b ien jurídico. Así, al considerar que la peligrosidad de la accióntípica no es elemento del tipo sino simplemente razón o motivo de la existencia delprecepto, se concluye que no solo no es necesario probar se ha producido o no en elcaso concreto una puesta en peligro, sino ni siquiera confirmar tal peligrosidadgeneral de la conducta en el caso individual, ya que el peligro viene deducido através de parámetros de peligrosidad preestablecidos de modo general por ellegislados.” (BUERGO, Blanca Mendoza. Limites dogmáticos y político -criminalesde los delitos de peligro abstracto. Granada: Comares, 2001. p. 19-20)

admitindo prova da ausência de perigo. Cabe a Acusação, desta forma,apenas à demonstração da ação típica e nada mais.

Entretanto, compreendendo-se o Direito Penal como meio deproteção dos bens jurídicos, que exige ataque ao bem jurídico tutelado parahaja a intervenção penal132, visando excluir as condutas apenas morais e osinjustos meramente administrativos, do âmbito penal, passou-se a admitir aexistência de uma presunção iuris tantun da periculosidade da ação,concedendo eficácia à prova da periculosidade da ação formalmentecoincidente com o teor do tipo133.

Desta forma, deve-se analisar a freqüência das condutasperigosas no âmbito econômico, bem como a relevância delas, para assimjustificar uma excepcional necessidade de incriminação134. Isto porquesegundo o princípio da lesividade135, o Estado somente pode intervir contra

132 Outro problema está relacionado à necessária ofensividade das condutas típicas:“A tensão desse modo de incriminação com os pressupostos de um conceito materialde delito vê- se evidenciada quando se submetem à pena criminal condutas quecarecem de referência lesiva clara e são definidas, basicamente, como desvios denormas de padrões de conduta. Em outras palavras, segundo as regrasinterpretativas formais dos delitos de mera conduta e dos tipos de perigo abstrato,seria lícita a imputação de responsabilidade criminal em função de uma açãohipoteticamente negativa que, entretanto, na prática , emergiu despida de qualquerdanosidade ou pericu losidade, ou mesmo em situações em que o autor tenhatomado medidas para evitar o surgimento do risco ou do dano. É evidente que talsorte de procedimento fulmina a referencia material que, segundo os padrõesclássicos, deveria não só justificar a intervenção do direito penal, mas presidir ainterpretação dos tipos, com vistas a determinar sua realização. De outro lado, osantagonismos parecem agravar- se quando a questão é abordada pelo prisma doprincípio da mínima intervenção e dos pressupostos de subsidiariedade,fragmentariedade e ul tima ratio que norteiam a racionalidade penal moderna.”(MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal – umaavaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCrim, 2005. p.162-164.)133 Conforme LOPEZ, op. c i t . , p. 826-827.134 Segundo Klaus Tiedemann: “Es indiscutib le que ese empleo de los tipos penalesde peligro abstracto constituye una considerable restricción de la libertad de acciónempresarial, y así lo aducen constantemente los opositores de la reforma. /.../Respecto a si la incriminación basada en el peligro abstracto choca contra elprincipio constitucional de la <proporcionalidad> o contra la idea del Derecho Penalcomo ul tima ratio , cabe decir que la prohib ición de ejecutar ciertas accionescorresponde a la idea de que el Derecho no puede impedir que se produzca unresultado dañoso, sino solamente se lleven a cabo acciones peligrosas.”.(TIEDEMANN, Poder económico..., op. c i t . , p. 33)135 Para Luigi Ferrajoli, o princípio da lesividade “constitu i o fundamento axiológicodo primeiro dos três elementos substanciais ou constitutivos do delito: a naturezalesiva do resul tado , isto é, dos efeitos que produz. A absoluta necessidade das leispenais, requerida pelo axioma A3, fica condicionada pela lesividade a terceiros dosfatos proibidos, segundo o princípio recolhido no nosso axioma, nulla necessi tassine iniuria , e na tese seguinte, nul la poena, nul lum cr imen, nul la lex poenalis s ineiniuria (T13, T21, T28, T69). Trata - se de um princípio que surge já em Aristóteles e

determinados comportamentos se algum interesse de um membro dasociedade é ou foi afetado.

Pode-se dizer que os tipos de perigo abstrato “não oferecembases suficientes para delimitar o objeto de proteção, nem para concretizar onível de risco jurídico penalmente relevante da conduta típica em relação aobem jurídico. Em conseqüência, dificulta a formação de um juízo adequadoacerca da gravidade do fato e da necessidade de intervenção do direito penalà luz dos critérios da mínima intervenção e da subsidiariedade”136.

Outra dificuldade existente na punibilidade dos crimes contraa ordem econômica encontra-se na moderna organização da empresa, já quea divisão de trabalho dificulta a atribuição da responsabilidade penal137.Melhor dizendo, as empresas atualmente possuem uma estruturaorganizada, baseada no princípio de decisão do trabalho e no princípio dahierarquia138, tornando-se complicada a averiguação da ocorrência do dolo eda culpa, bem como da autoria e participação139.

Sendo assim, grande parte da doutrina, como se verá,questiona a aplicação dos fundamentos da autoria do Direito Penal Clássicono Direito Penal Econômico140. Enquanto naquele o delito é concebido como

Epicuro, e que é denominador comum de toda a cu ltura penal iluminista: deHobbes, Pufendorf e Locke a Beccaria, Hommel, Benthan, Pagano e Romagnosi, quevêem no dano causado a terceiros as razões, os critérios e a medida das proib içõese das penas.” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal.Trad. Ana Paula Zomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 373.)136 MACHADO, op. c i t . , p. 164-165.137 Vide: LOUIS, Jürgen; WASSMER, Martin Paul. Op. ci t . , p. 168.138 Conforme GONZÁLEZ, Maria Paz Batista. La responsab ilidad penal de losórganos de la empresa. In: BACIGALUPO, Enrique (dir.). Curso de Derecho PenalEconómico. Madrid: Marcial Pons, 1998. p.87.139 Neste sentido: “La organización jerárquica y con división del trabajo de laactividad económica está ciertamente en contraposición con las tradicionalesestructuras de imputación jurídico-penal, que parten del autor único, que en lacoautoría tienen en mente una división del trabajo al mismo nivel y que en laautoría mediata se basan en el prototipo del dominio sobre un instrumento que, porsí mismo, no actúa de forma plenamente delictiva.” (SCHÜNEMANN, op. c i t . , p.193.)140 Confirmando tal afirmação, verifica- se: “Los delitos cometidos en organizacionescomplejas, donde la lesión al b ien jurídico es producto de un serie decomportamientos humanos, difícilmente atribuib les a determinadas personas, queson consecuencia de políticas de grupos o de actuaciones encaminadas a finescomunes, donde existe una alta parcialización del proceso decisional, sonprecisamente aquellos que están dando lugar a una crisis de los modelostradicionales de responsab ilidad o <cambios de paradigmas> en los sistemas deimputación. Auque se haya analizado este asunto fundamentalmente asociado a los

a obra objetiva e subjetivamente imputável e punível de um autor individual,para o Direito Penal Econômico, não houve nenhuma alteração destesfundamentos, mesmo diante da maioria de seus crimes serem praticados porautoria coletiva. Os paradigmas daquele direito penal se mostram, para acriminalidade econômica, absolutamente inadequados em muitasoportunidades e, às vezes, na maioria dos casos141.

Verifica-se, atualmente, uma incrementação permanente dograu de profissionalização e coletivização da atividade produtiva. Para BerndSchünemann “a atividade profissional na moderna sociedade industrial secaracteriza, em comparação com as épocas precedentes, por um enormegrau de organização empresarial e divisão do trabalho que ainda hoje seincrementa cada vez mais e alcança novos âmbitos”142.

Torna-se difícil, desta forma, segundo Bernd Schünemann, aimputação jurídico-penal tradicional quando se fala em uma estrutura dedivisão de trabalho, tendo em vista a falta de concordância entre a atividadeexecutiva, a posse de informações e o poder de decisão.143

delitos cometidos en el ámbito de las empresas, loas dificu ltades para estab lecer laresponsab ilidad penal también son verificab les cuando se trata de individualizar laresponsab ilidad penal en la criminalidad organizada. En suma, auque en el ámbitode la realidad criminológica se presenten los delitos cometidos por agrupacionescon un especial índice de peligrosidad y desde diversos foros se demande lanecesidad de sancionar penalmente a las asociaciones criminales, hoy por hoynuestro sistema dogmático de imputación está construido sobre la base de uncomportamiento humano de una persona individual, por lo que la penalización delas asociaciones ilícitas va a presentar necesariamente tensiones con principiosdiseñados bajo esos paradigmas individualistas, como los de taxatividad, lesividad,o culpab ilidad.” (RODRÍGUEZ, Laura Zúñiga. Redes internacionales y criminalidad:a propósito del modelo de <participación en organización criminal>. In:RODRÍGUEZ, Laura Zúñiga et. al. (coords.). El derecho penal ante laglobalización. Madrid: Colex, 2002. p. 55-56.)141 Conforme SCHÜNEMANN, Bernd. Las prescripciones sobre la autoría en la leyboliviana sobre la base de las modificaciones al Código Penal del 10 de marzo de1997 y sus consecuencias para la responsabilidad de los órganos de las empresas.Un modelo para latinoamérica? Cuadernos de doctrina y jurisprudencia penal ,Buenos Aires, n. 15, v. 9, mayo 2003. p. 66. Continua dizendo: “quisiera presentaresto respecto de los delitos contra el medio ambiente, que en su mayor parte soncometidos en el marco de una actividad de la empresa y, por ello, deben serconsiderados como un sector de la criminalidad económica.”142 SCHÜNEMANN, Las prescripciones..., op. ci t . , p. 68.143 “El modelo de imputación tradicional de derecho penal que ha sido desarrolladosobre las figuras especiales para épocas anteriores de la criminalidad de lamarginalidad de la miseria, en las que la acción necesaria para ello se puedenencontrar reunidas en principio en una persona, difícilmente puede ajustarse a loscontextos de acción y decisión colectivos en los que estos tres aspectos estánpersonalmente separados.” (SCHÜNEMANN, Las prescripciones..., op. c i t . , p. 70.)

A grande maioria dos crimes contra a ordem econômica épraticada por meio de empresas ou por organizações criminosas, tornandodifícil a delimitação da autoria e da participação. Nas organizaçõescriminosas, existe uma estrutura hierárquico-piramidal, com divisão detarefas, permitindo que o executor de um delito não tenha qualquer contatocom o líder-chefe, que se encontra no ápice da pirâmide. A divisão de tarefasfacilita o pouco contato do líder com os que estão na base da organização, desorte que seu contato se basta em transmitir ordens ao sub-chefe ou gerentedo grupo.144

Estas novas formas de organização, no contexto de umaimputação jurídico-penal individualizadora, conduz a umairresponsabilidade organizada de todos, nos dizeres de BerndSchünemann145, isto porque, para este tipo de criminalidade, o decisivo nãoé a vontade do indivíduo, mais, sim, a atitude criminal coletiva.

Nesta perspectiva, destaca-se que não se pode alcançar umaeficiência preventiva do Direito Penal por, muitas vezes, não existirconcordância entre o poder de decisão imediato, a execução imediata e aposse de informação, ou outras, pela complexidade da organização, queconduz a uma dificuldade insolúvel de prova do autor individualresponsável.146

144 “Esta es una problemática que puede presentarse en prácticamente todos losdelitos realizados dentro de aparatos organizados, llámese bandas criminales,organizaciones empresariales, organismos del Estado, organismos paramilitares,etc., y los prob lemas dogmáticos para llegar a estab lecer la responsabilidad de losverdaderos ejecutores del plan, de los sujetos situados en la cúpula de laorganización, son bastante álgidos. No debe olvidarse que en los delitos cometidospor organizaciones criminales hay un reparto de roles, en una estructura funcional,donde normalmente son unos sujetos los que planifican y, otros los que ejecutanlas órdenes. Normalmente los su jetos que planifican son los que dirigen laorganización y los sujetos que intervienen en las esferas más bajas de laorganización son precisamente quienes ejecutan el plan criminal. Por eso suele nocoincidir quien realiza materialmente los hechos, con quien concibe el plancriminal, quedando disociada la parte ob jetiva y sub jetiva del delito en diversossujetos. Presentándose la paradoja, difícilmente resoluble por parte del DerechoPenal, que quienes realizan materialmente el delito son en realidad quienes menospoder de decisión han tenido sobre la ejecución final del mismo.” (RODRÍGUEZ, op.ci t . , p. 67.)145 Vide SCHÜNEMANN, Las prescripciones..., op. c i t . , p. 71.146 SCHÜNEMANN, Las prescripciones..., op. c i t . , p. 71.

A solução, para Bernd Schünemann seria trabalhar com oscrimes omissivos impróprios147, utilizando-se do princípio do domínio(domínio sobre um âmbito social). Todo superior em uma empresa teria umaposição de garante148, tendo em vista o respeito de seus subordinados quecorresponde exatamente a seu poder de organização, podendo, por isso, serresponsável pelas lesões de bens jurídicos praticadas pelos subordinados noexercício de sua atividade para a empresa149. Admitir tal postura nada maisé que aceitar a responsabilização penal do indíviduo que atua em nome deoutro150.

Claus Roxin, com base na teoria do domínio do fato151/152,desenvolveu a doutrina do ‘domínio de vontade em virtude de aparatos

147 Neste sentido ver também: TIEDEMANN, Klaus. La regulación de la autoría y laparticipación en el Derecho Penal europeo. Estado de la cuestión, tendencias dearmonización y propuestas de modelo. Revista Penal, Barcelona, n. 5, ene 2000. p.96.148 “De esta forma, a l fundamentar la posición de garante que justifica lacompetencia ante un riesgo, se puede atender, por una parte, a la in jerencia o l ibreorganización del su jeto (posición de garante por organización) y, por otra parte, a laexistencia de una determinada posición soc ial o insti tuc ional (posición de garantepor institución). La posición de garante se fundamentará, en el primer caso, en unarelación negativa basada en un deber general de no lesionar o no interferir enámbitos de responsab ilidad ajenos y, en el segundo caso, en una relación posi t ivabasada en un deber de solidaridad cualificado con respecto al deber general desocorro. Más allá de la concreta fundamentación de la posición de garante, sucontenido , por otra parte, poderá consistir o b ien en un deber de control de l r iesgo obien en un deber de protección del b ien jur ídico .” (GÓMEZ, Mario Maraver. Conceptorestrictivo de autor y principio de autorresponsabilidad. In: Homenaje al profesorDr. Gonzalo Rodríguez Mourullo . Navarra: Aranzadi, 2005. p. 634)149 Conforme SCHÜNEMANN, Las prescripciones..., op. c i t . , p. 78. Continua: “Laexistencia y la configuración funcional de las posiciones de garante en una empresaeconómica es todavía discutida en la ciencia aún hoy en Alemania, así comotambién en España, pero se ha impuesto entretanto en la jurisprudencia: enAlemania a través de la famosa sentencia del producto para cueros (Lederspray ) yen España mediante la sentencia del Tribunal Supremo sobre el aceite de colza. Sinembargo, en un punto completamente decisivo de la imputación penal no se podráavanzar sin el apoyo del legislador, concretamente en lo referente al nexo deimputación entre omis ión y lesión del b ien jurídico que, según el derecho vigente,presupone la cuasi causalidad de la omisión, y, por tanto, la constatación de unaprobabilidad rayana en la certeza de que la lesión del b ien jurídico habría sidoevitada en caso de haberse cumplido con el deber de garante.”150 Conforme SCHÜNEMANN, Bernd. El dominio sobre el fundamento del resu ltado:base lógico-ob jetiva común para todas las formas de autoría incluyendo el actuaren lugar de otro. In: Homenaje al profesor Dr. Gonzalo Rodríguez Mourullo .Navarra: Aranzadi, 2005. p. 997.151 ROXIN, Claus. Problemas de autoría y participación en la criminalidadorganizada. Revista Penal, Barcelona, n. 2, julho 1998. p. 61 e ss. Ver também:MÉNDEZ, Iván Meini. Problemas de autoría y participación en la criminalidadorganizada. Revista Peruana de Ciencias Penales , Lima, n. 14, jul. 2004. p. 235 ess.152 Sobre a teoria do domínio do fato desenvolvida por Roxin, Kai Ambos explica:“Roxin distingue três formas de dominio del hecho (dominio del hecho por acc ión ,por voluntad y dominio del hecho funcional ), pudiendo darse el dominio por voluntad

organizados de poder’ ou ‘domínio por organização’, consistente no modo defuncionamento específico do aparato que está a disposição do homem detrás153.

Nestes, não é decisivo o sujeito individual que executa, que épraticamente automático, tendo em vista que este é fungível, podendo, casonão cumpra com suas instruções, ser substituído por outro na execução,não sendo sequer necessário que o homem de trás o conheça, pois este podeconfiar que suas ordens serão cumpridas.154

Desta forma, os executores são apenas intercambiantes naengrenagem do aparato de poder, de modo que a figura central é o homemde trás, em virtude de seu domínio de organização, sendo considerado autormediato.

– que es el que adquiere relevancia en este contexto – en tres modalidades: ‘Sepuede coaccionar a quien actúa, se lo puede como factor causal c iego ; o, si el su jetoque actúa no es ni coaccionado ni engañado, ha de tratarse de un su jeto que puedain tercambiarse l ibremente ’. De modo muy sintético, se alude así a l dominio devoluntad por coacción, por error o ‘en vir tud de aparatos organizados de poder ’”.(AMBOS, Kai. Dominio del hecho por dominio de voluntad en virtud de aparatosorganizados de poder: una valoración crítica y ulteriores aportaciones. Cuadernosde doctrina y jurisprudencia penal , Buenos Aires, n. 5, ano 1, sept. 1999. p. 369-370.)153 Existem outras teorias que visam trabalhar com a responsabilização do homemde trás, com base na teoria do domínio de organização, tais como a do domínio deconfiguração desde uma posição superior relevante, em lugar de domínio porvontade; do domínio da ação do homem de trás; etc. Neste sentido ver: AMBOS, op.ci t . , p. 372 e ss.; ROXIN, Prob lemas..., op. c i t . , p. 61 e ss.; ROXIN, Claus. Lasformas de participación en el delito: el estado actual de la discución. RevistaPeruana de Ciencias Penales, Lima, n. 9, año V, 1999. p. 545 e ss.; VALDÁGUA,Maria da Conceição. Figura central, a liciamento e autoria mediata: contributo parauma crítica intra- sistemática da doutrina de Claus Roxin sobre a delimitação daautoria mediata face à participação no âmbito dos crimes de domínio. In: Direito eCidadania, Cabo Verde, ano IV, n. 12 -13, mar./dez. 2001. p. 101 e ss.154 “La razón es que, tratándose de una organización criminal, la realización deldelito en modo alguno depende de los singulares ejecutores. Ellos solamenteocupan una posición subordinada en el aparato de poder, son intercambiantes y nopueden impedir que el hombre de atrás alcance el ‘resu ltado’. Si, por ejemplo,alguno si niega a ejecutar el asesinato, esto no implica – a contrario de lo queocurre con la inducción – el fracaso del delito. Inmediatamente, otro ocuparía sulugar, y realizaría el hecho, sin que de ello llegue a tener conocimiento el hombrede atrás, que de todas formas ignora quién es el ejecutor individual. El hombre deatrás, pues, controla el resu ltado típico a través del aparato, sin tomar enconsideración a la persona que como ejecutor entra en escena más o menoscasualmente. Aquél tiene en sentido literal de la palabra el ‘dominio’ y por lo tantoes autor mediato.” (ROXIN, Prob lemas..., op. c i t . , p. 61-62.)

Para Roxin, portanto, utiliza-se o critério da fungibilidade, aodizer que a liberdade de decisão de quem recebe a ordem, ou seja, dosexecutores, não afeta o domínio do fato dos homens de trás.155

Kai Ambos156, Francisco Muñoz Conde157 e Claus Roxin158

criticam a utilização da teoria do domínio por organização nos crimespraticados por meio de empresas. Eles questionam o fato de uma empresaser equiparada a um aparato organizacional de poder, tendo em vista queestas não são criminais, pois as mesmas têm como objeto a obtenção legalde benefícios financeiros.

Sendo assim, o cometimento de crimes por meio de empresas,para eles, não é o seu objeto, não é a política das mesmas, mas simacidentais. Se as atitudes criminais forem à regra, se tratará de umaorganização criminosa, podendo, desta forma, ser considerada um aparatoorganizado de poder159.

A utilização desta teoria para os crimes praticados por meio deempresa pode fundamentar uma responsabilidade da empresa como entecoletivo, em contraposição com uma responsabilidade jurídico-penalindividual de seus membros160.

Mesmo para as organizações criminosas é difícil a aplicaçãode tal teoria, tendo em vista a dificuldade de demonstração da existência deum domínio por organização, ou seja, é muito difícil a comprovação daestrutura interna das organizações criminosas, dos âmbitos de atividade edo seu alcance.

155 “Pues en su opinión, en este contexto el verdadero instrumento no es la personaindividual, sino un mecanismo de poder que funciona de modo prácticamenteautomático, el ‘aparato’, que sigue funcionando sin dificu ltades aunque el individuose niegue a intervenir.” (AMBOS, op. c i t . , p. 371.)156 AMBOS, op. c i t . , p. 392.157 CONDE, Francisco Muñoz. Como imputar a títu lo de autores a las personas que,sin realizar acciones ejecutivas, deciden la realización de un delito en el ámbito dela delincuencia organizada y empresarial. In: Modernas tendencias en la cienciadel derecho penal y en la criminología . Madrid: Universidad Nacional deEducación a distancia, 2001. p. 529.158 ROXIN, Claus. Voluntad de dominio de la acción. Doctrina Penal – teoría ypráctica en las Ciencias Penales, Buenos Aires, ano 8, n. 29-32, 1985. p. 407.159 Conforme ROXIN, Problemas..., op. c i t . , p. 64-65.160 Neste sentido: AMBOS, op. c i t . , p. 392.

Jakobs161, que adota o princípio da responsabilidade semrestrição, questiona o fato de um autor plenamente responsável não poderser instrumento de outro, como na visão de Roxin. Para ele, que semanifesta contrário ao domínio por organização, prefere-se, ao invés de setrabalhar com autoria mediata, a co-autoria162.

Destaca-se que o caráter comum da decisão de realizar o fato,que é necessário para a co-autoria, ocorre pela consciência comum dosdirigentes e executores de que determinado fato tem que ser levado a cabode acordo com as instruções da direção163.

O que se pode dizer é que com a adoção, por exemplo, dateoria de Jakobs, a favor da responsabilização do homem de trás como co-autor, as dificuldades de prova são minoradas, tendo em vista que para oestabelecimento do objetivo comum, não é necessária uma comunidadepsíquica, mas apenas objetiva, devido à existência de um domínio deorganização, caracterizando uma imputação objetiva. Com relação àexistência da figura do garante, na visão de Schürnemann, a relação decausalidade é substituída pelo incremento do risco164, facilitando também aprodução da prova, tendo em vista que, por meio das obrigações de impediro resultado, afasta-se a necessidade de comprovação da causa e efeito eaplica-se um outro tipo de relação, mas simples de ser identificada,alicerçada na não evitação de resultado.

161 Vide JAKOBS, Günther. La normativación del derecho penal en el ejemplo de laparticipación. In: Modernas tendencias en la ciencia del derecho penal y en lacriminología. Madrid: Universidad Nacional de Educación a distancia, 2001. p. 619e ss.162 “La solución de la coautoria que Jakobs propugna descansa en unaconsideración más normativa del dominio del hecho. Lo entiende comoresponsab ilidad jurídica no como dominio real. Para él, la autoría mediatapresupone que quien actúa directamente lo haga de acuerdo con el Derecho, asaber, que jurídicamente no sea responsab le o no completamente responsab le. Puessi fuera completamente responsab le, entonces, según este planteamiento, no podríaser un instrumento. Jakobs no niega que los su jetos que actúan de forma directasean intercambiab les, ni tampoco el ‘automatismo’ con el que se lleva a cabo laejecución de órdenes. Simplemente, se trataría de ‘dados naturalísticos’intrascendentes. Para igual responsab ilidad de ambos, sólo es posib le unaequiparación por la via de la coautoría.” (ROXIN, Prob lemas..., op. c i t . , p. 63.)163 Vide JAKOBS, Günther. La intervención delictiva. Cuadernos de políticacriminal, Madrid, segunda época, n. 85, 2005. p. 69 e ss.164 BOTTKE, Wilfried. Criminalidad económica y derecho criminal económico en laRepúb lica Federal de Alemania. Revista Penal, Barcelona, n. 4, julho 1999. p. 29.

Segundo a teoria de Roxin, utiliza-se também do recursode presunção de autoria, mediante o fato de que as pessoas quepossuem o poder de administração (poder de decisão) serem presumidasautores intelectuais, e os funcionários que possuem atribuição naexecução das tarefas, presumem-se instrumentos de autoria mediata.Como qualquer presunção, seu efeito é a inversão do ônus da prova165.

Não se buscou, aqui, trazer todas as teorias que visamsolucionar o problema da imputação pessoal de um ilícito econômico, masapenas deixar claro as dificuldades existentes na delimitação da autoria eparticipação nos crimes contra a ordem econômica166.

O direito penal brasileiro adota a teoria monística ou unitária,que não faz qualquer distinção entre autor, co-autor e partícipe. Contudo, amesma é adotada de forma temperada, já que o Código Penal, em seu art.29, estabeleceu certos graus de participação e a individualização da pena namedida de sua culpabilidade. Sendo assim, necessário se faz, para umacondenação justa, a existência de elementos que demonstrem a condutapraticada por cada indivíduo envolvido no caso concreto.

Verifica-se, assim, que existem problemas fundamentaisdentro do próprio Direito Penal Econômico para se estabelecer se ossuperiores da cadeia hierárquica de uma empresa ou organização criminosadevem ser considerados co-autores, autores mediatos, indutores, etc,existindo várias teorias que buscam solucionar a questão, tais como a doscrimes omissivos impróprios, de Schünemann, do domínio organizacionallevando a uma autoria mediata, de Roxin, ou a uma co-autoria, de Jakobsetc.

165 EISELE, Andréas. A denúncia genérica e os crimes contra a ordem tributária.Boletim IBCCrim, São Paulo, ano 7, n. 78, maio 1999. p. 07-08.166 Para se ter uma visão geral das teorias existentes no que diz respeito adelimitação da autoria e participação nos crimes econômicos ver: SÁNCHEZ, MariaTeresa Fernández. Autoría y participación en la criminalidad organizada. In: DIAS-SANTOS, Maria Rosario; LOPEZ, Virginia Sánchez (coords.). Hacia un derechopenal sin fronteras. Madrid: Colex, 2000. p. 25 e ss.; LONGOBARDI, Mariano.Autoria y domínio del hecho en los delitos socioeconómicos: criminalidadeconómica, derecho penal económico y dogmática penal. Revista de Derecho Penaly Procesal Penal, Buenos Aires, n. 10, junho 2005. p. 754 e ss.

É óbvio que se existem tais divergências na teoria, quando sefala de prática, ou seja, da concreta aplicação do direito penal através de umprocesso justo, o desafio ainda é maior. A punição igual, como autores, nãosignifica que a estrutura da conduta de todos foi realmente a de um autor.Lesiona-se, assim, o princípio da culpabilidade.167

No âmbito horizontal de análise da autoria, torna-senecessária à análise sobre se todos os intervenientes devem ser penalizadospor igual, ou se deve considerar-se que cada um possui determinadaresponsabilidade e pena, distintas em função das características e relevânciade suas participações.

Como não se consegue delimitar a conduta de cada um, comclareza e exatidão (não há diferenciação, portanto, entre autores epartícipes168), os Tribunais tem aceitado a chamada denúncia genérica (queserá melhor abordada posteriormente), que apenas descreve genericamente ofato e aponta como responsável o presidente, diretor ou o administrador,abrindo espaço para uma imputação objetiva.

Para Jürgen Louis e Martin Paul Wassmer, dentre outros169, asuperação deste problema pode levar à aceitação da determinação desanções penais a pessoas jurídicas170. Faz-se mister destacar que muitospaíses vem adotando tal responsabilização, como Holanda, Portugal, etc;contudo, utilizam os componentes do sistema penal convencional, gerando

167 TIEDEMANN, La regulación..., op. c i t . , p. 91.168 Para Silvina Bacigalupo, “el que quebrante el deber con su comportamiento seráautor, aunque externamente su aporte sea de participación; es decir, aunque notenga dominio del hecho. Es autor quien infringe el deber y también quien noimpide que un tercero dañe el b ien jurídico protegido por el deber especial. Por lotanto, el que induce o el que coopera con actos necesarios quebranta su deber deigual manera que también lo quebranta el que lo infringe como autor”.(BACIGALUPO, Silvina. Cuestiones específicas de la participación en derecho penaleconómico. Más derecho: Revista de Ciencias Jurídicas , Buenos Aires, n. II,p.147-158, 2001. p. 158)169 Vide: CONDE, Francisco Muñoz. Cuestiones dogmáticas básicas en los delitoseconómicos. Revista Penal , Barcelona, año1, n. 1, p. 67-76, ene. 1998. p.70-72.COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. c i t . , p. 358; CORREIA,Eduardo. Notas críticas à penalização de actividades económicas. Direito PenalEconômico e Europeu: textos doutrinários. Coimbra: Coimbra Editora, v.1, p. 365-373, 1998. p. 367; BAIGÚN, op. c i t . , p. 135.170 LOUIS, Jürgen; WASSMER, Martin Paul. Op. ci t . , p. 168.

controvérsias171/172, que, por si, apresentam-se como conteúdo para umtrabalho específico173.

Não se buscou, neste tópico, exaurir todos os problemas queexistem no campo do Direito Penal Econômico, mas sim assinalar algunsaspectos inconclusos na análise dos delitos contra a ordem econômica ealgumas colisões com os postulados clássicos do Direito Penal,demonstrando que sendo este concebido em sentido literal resulta inidôneopara combater esta nova criminalidade, e garantir o sentimento desegurança dos cidadãos.

2.4 Parâmetros de moderação diante do movimento pela expansão doDireito Penal

A moderna criminalidade impôs novas formas deenfrentamento da delinqüência, uma vez que os mecanismos tradicionaisnão mais se apresentavam aptos à manutenção da estabilidade social. Nesteambiente, caracterizado pelas novas formas de criminalidade, é que seobserva a expansão do Direito Penal, o que se tem verificado em amplitude

171 Neste diapasão, Miguel Bajo Fernández afirma: “En la cuestión relativa a laresponsab ilidad criminal de las personas jurídicas, con frecuencia, se superponen,al menos, tres planos. De un lado, el Derecho positivo en el que se trata de indagarsi se imponen o no sanciones a las personas jurídicas. De otro lado, el planodogmático en donde se discute si las personas jurídicas tienen o no capacidad deacción, de cu lpabilidad y de pena, y si las acciones impuestas son penas, medidasde seguridad o sanciones administrativas. Por ú ltimo, el plano político criminaldonde se cuestiona la idoneidad de imponer penas u otras sanciones a las personasjurídicas. Estos tres planos no pueden de ningún modo superponerse si se quiereconseguir una mínima plataforma sólida para la discusión, sino que debennecesariamente estudiarse de forma independiente.” (FERNÁNDEZ, Miguel Bajo.Derecho penal económico: desarrollo económico, protección penal y cuestionespolítico- criminales. Estudios del Ministerio Fiscal , Madrid, n. 1, p. 825-842,1994. p. 832.)172 Ainda sobre os problemas advindos com a responsab ilidade criminal da pessoajurídica, David Baigún destaca: “Solo subrayaré aquí a lgunas objeciones: laimpracticab ilidad de las teorías de la prevención general y de la especial; laimposib ilidad de respetar ortodoxamente un modelo de tipo penal estructuradosobre la base de la acción humana individual; la inviabilidad de atender a unaantijuricidad que reconoce los ingredientes sub jetivos en las causas dejustificación; y la inadmisib ilidad de una categoría de cu lpabilidad que se asientaen la imputab ilidad, en la neces idad de conocer la prohibición, y en la exigib ilidadde un comportamiento conforme a la norma, componentes todos que se construyena partir de la especificidad de la psiquis humana.” (BAIGÚN, op. c i t . , p. 135.)173 Sobre a possib ilidade da imputação penal à pessoa jurídica no âmbito dos crimeseconômicos ver: RIOS, Rodrigo Sánchez. Indagações sobre a possib ilidade daimputação penal à pessoa jurídica dos delitos econômicos. In: PRADO, Luiz Regis(coord.). Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica : em defesa do princípio daimputação penal sub jetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 181-195.)

injustificada, haja vista a freqüente criminalização de condutas, cujo objetivoé a proteção de bens jurídicos que, muitas vezes, nem relevância socialpossuem.174

O que se vê, portanto, é a construção de um Direito Penalsimbólico, importante fator de promoção das transformações sociais, porémcontrário aos verdadeiros propósitos norteadores deste ramo do direito.

Se a utilização do direito penal se der em primeira mão, ouseja, prima ratio, isto implica numa intervenção abusiva do Estado naliberdade dos cidadãos, ou seja, o mesmo acaba sendo utilizado apenascomo uma forma de reafirmar valores, sem nenhuma efetividade real. JuanBustos Ramírez esclarece que “isto implica numa definitiva políticademagógica, isto é, que na realidade não se quer enfrentar o problema,somente se quer dar a sensação ao cidadão de que há uma preocupação porparte do Estado”175.

Assume-se, com esta postura, evidenciada à exaustão naatuação legiferante do Estado, o objetivo de atender prontamente osreclames da sociedade, sem que exista qualquer preocupação com funçãoprotetiva, imanente, voltando-se para as questões econômicas, políticas esociais, geradoras de insegurança e temor no seio social.

Não se pretende negar a necessidade de que a tutela penalincida sobre bens jurídicos supra-individuais, como os lesionados com acriminalidade econômica176, mas, sim, demonstrar que a expansão do direito

174 Vide sobre o assunto: “A solução para a insegurança, ademais, não se busca emseu, digamos, ‘lugar natural’ clássico – o direito de polícia - , e não no DireitoPenal. Assim, pode- se afirmar que, ante os movimentos sociais clássicos derestrição do Direito Penal, aparecem cada vez com maior claridade demandas deuma ampliação da proteção penal que ponha fim, ao menos nominalmente, aangústia derivada da insegurança. Ao questionar - se essa demanda, nem sequerimporta que seja preciso modificar as garantias clássicas do Estado de Direito: aocontrário, elas se vêem às vezes tachadas de excessivamente ‘rígidas’ e se apregoasua ‘flexib ilização’”. (SÁNCHEZ, Jesús -María Silva. Op. ci t . , p. 41.)175 RAMÍREZ, op. c i t . , p. 43.176 “El Derecho penal no puede anclarse en un pensamiento antropocéntrico ytutelar exclusivamente ataques que atenten directamente a b ienes jurídicos cuyanaturaleza sea estrictamente individual. Así, del mismo modo que sucede en otrossectores des denominado Derecho penal moderno, como, v.gr., en el relativo almedio ambiente o la tecnología genética, en el ámbito económico hay bienesjurídicos de naturaleza colectiva, intereses de todos, que indiscutib lemente deben

penal deve ocorrer sem perder de vista os preceitos fundamentais de umDireito Penal Liberal.

Limites à atuação legislativa devem ser impostos, bem comoaos supostos avanços doutrinários, admitindo-se uma necessária passagemdo Direito Penal Clássico para o Econômico, mas sempre sob a égide dalegalidade e da intervenção mínima.

Os instrumentos fornecidos pelo Direito Penal Clássico paraum combate à criminalidade moderna não a alcançam. Eles se manifestamnum Estado Democrático de Direito, retomando os valores apregoados pelaRevolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade177, os quais seconstituem em princípios que, atrelados ao Direito Penal, revelam seuconteúdo liberal.

Os princípios da legalidade e da intervenção mínimaapresentam-se como regras básicas no Direito Penal, “exprimindo o esforçopara, a um só tempo, caracterizá-lo e delimitá-lo”178, constituindo “umpatamar indeclinável, com ilimitada valência na compreensão de todas asnormas positivas”179. Desta forma, a expansão que vem ocorrendohodiernamente, no que diz respeito ao Direito Penal, deve respeitar estesdois princípios.

O princípio da legalidade, ou da reserva legal, poder serapontado como corolário de um Direito Penal estruturado em umordenamento positivo, e estabelece que nenhum fato pode ser consideradocrime, e que nenhuma pena pode ser imposta, “sem que antes desse mesmo

ser tutelados por el Derecho penal nuclear ante las modalidades de agresión másintolerab les; e incluso existen bienes jurídicos que, sin ser intereses generales, sonbienes de carácter supraindividual que afectan a amplios sectores de la población yque, bajo determinadas condiciones, también pueden ser merecedores de tutelapenal.” (MARTINEZ BUJAN PEREZ, op. c i t . , p. 26-27.)177 Conforme ASUA, Luis Jimenez. Tratado de Derecho Penal. v. II. 5 ed. BuenosAires: Losada, 1992. p. 167.178 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasi leiro . 4. ed. Rio deJaneiro: Revan, 1999. p. 61.179 BATISTA, Introdução..., op. c i t . , p. 61.

fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva”180,constituindo-se num dos postulados do Estado Democrático de Direito181.

Assim, a intervenção legalizada é a materialização do princípioda legalidade, possibilitando ao cidadão prever as conseqüências de suasações, libertando-o, desta forma, da insegurança proveniente das ordensarbitrárias.

Diante dessa realidade, surgem implicações, pois o princípioem análise assume a função de garantia penal, e dele decorrem outrosprincípios, quais sejam: a) nullum crimen, nulla poena sine lege praevia,impedindo a retroatividade182 de leis que fundamentem ou agravem apunibilidade; b) nullum crimem, nulla poena sine lege scripta,inaplicabilidade, para fundamentação ou agravamento da pena, do direitoconsuetudinário; c) nullum crimem, nulla poena sine lege stricta,impossibilidade de utilização da analogia para fundamentar ou agravar umapena; e d) nullum crimem, nulla poena sine lege certa, proibição de leisindeterminadas183.

Observa-se, assim, que determinadas manifestações doprincípio da legalidade, quais sejam, a taxatividade e a irretroatividade da leipenal, não se constituem em princípios autônomos e próprios, comopretendem alguns doutrinadores, embora seja razoável salientar que, porestarem contidos intrinsecamente num sistema, todos os princípios gerais,ou fundamentais, entrelaçam-se entre si.

180 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal . 5. ed. SãoPaulo: Saraiva, 1994. p. 21.181 “Assim sendo, é emergencial para a estruturação de um Estado Democrático e deDireito - marcado pelo grau de liberdade política que concede aos seus cidadãos -para a consecução da segurança do cidadão perante o Estado com a conseqüênciaeliminação do temor, a fixação material do princíp io da legalidade - corolárioobrigatório do pensamento político-democrático.” (LOPES, Maurício Antonio Ribeiro.Princípio da Legalidade Penal . São Paulo: RT, 1994. p. 58.) Neste sentido, vertambém: PAVÓN, op. c i t . , p. 426 e ss.182 A irretroatividade das leis penais, como princípio geral do Direito Criminal, éconsagrado pelas idéias iluministas, embora com uma gênese mais distante.Salienta- se que, mesmo sendo conceitualmente distinto, a irretroatividade foiinclu ída no princípio da legalidade, fazendo-se presente na Declaração Universaldos Direitos do Homem de 1948. (Conforme CEREZO MIR, José. Curso de DerechoEspañol. 3. ed. Madrid: Tecnos, 1990. p. 190)183 Conforme TOLEDO, op. c i t . , p. 22.

O princípio da legalidade, como se pode abstrair da diretrizdesenvolvida, assume conotação política e jurídica; ou seja, é uma garantiados direitos do homem e, ao mesmo tempo, delimitador das normasincriminadoras184.

No mesmo sentido são os ensinamentos de Mir Puig, paraquem o princípio da reserva legal é um limitador do direito de punir, bemcomo, além de expressão da segurança jurídica, uma garantia política, deque o cidadão não poderá ser submetido, nem pelo Estado nem pelos Juizes,a penas não aceitas pelo povo185.

Não sendo atendidos estes propósitos, não há que se falar emefetiva e concreta operacionalização do princípio da legalidade; pois nãobasta a edição de leis pelo Estado, seguindo o procedimento legislativoprevisto (e que ele mesmo cria e altera), para que o princípio se façaoperante. Antes dos aspectos formais, há que se buscar o ideal de justiçanele contido, e seu caráter protetivo dos direitos dos cidadãos; pois doutraforma continuará sendo um instrumento de manipulação, criação de mitos ede difusão da ideologia estatal.

A inflação legislativa no âmbito do Direito Penal Econômico,com a ausência de uma técnica legislativa, com tipificações não evidentes,bens jurídicos complexos, etc, acaba por lesionar a determinação taxativa dalei, decorrente do princípio da legalidade, que preconiza que as leis penaisdevem ser claras, certas e precisas186.

Assim sendo, a taxatividade da lei veda o uso, por parte dolegislador, de expressões ambíguas, equívocas e vagas, que possam

184 Conforme MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. v. 1. Campinas:Bookseller, 1997. p. 183.185 Cf. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal. Parte General. 5. ed. Barcelona: PPU ,1998. p. 76.186 Sobre o risco que o legislador corre na tipificação dos delitos econômicos,Manoel Pedro Pimentel discorre: “ao delinear as figuras típicas, perder- se emconceituações lógico- formais, diante da dificuldade de escolher a via certa,reclamada pela realidade sócio- econômica. Compreende- se, assim, a preocupaçãodo legislador de avançar, de se antecipar aos fatos, procurando prever e proversituações e condições sócio-econômicas, a fim de evitar o proveito criminoso quepoderia enriquecer uns poucos em detrimento de milhares de indivíduos e com osacrifício da boa execução da política econômica do Estado. (PIMENTEL, op. c i t . , p.38.)

demandar interpretações diferentes e contrastantes. Pode-se dizer que adeterminação taxativa “preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigira qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnicacorreta e de uma linguagem rigorosa e uniforme”187.

Agravando tal situação, tem-se que existem grandesdificuldades na prevenção da criminalidade econômica, no que diz respeitoàs características do ilícito, tais como ter aparência de licitude (indústriasclandestinas), ausência de reatividade (a sociedade participando como, porexemplo, comprando compacts discs piratas); às características do autor,tais como classe social, proveito da atividade empresarial; como também noprocesso penal, já que este foi feito para o processamento de crimesclássicos, gerando certas dificuldades como na formação da instruçãoprobatória e na fixação da competência.

A criminalidade econômica tem uma dinâmica estrutural euma produção de efeitos que não são atingidos pelo Direito Penal Clássico,“diante da dificuldade de definir bens jurídicos, de individualizarculpabilidade e pena, de apurar a responsabilidade individual ou mesmo deadmitir a presunção de inocência e o in dúbio pro reo”188.

Contudo, isto não justifica que o texto legal das normasincriminadoras enquadradas no Direito Penal Econômico sejamfragmentários, emprestados e tecnicamente mancos.

O que está acontecendo, atualmente, é que com o aumento dalegislação penal previsiva de crimes contra a ordem econômica, vê-se emruínas direitos e garantias fundamentais arduamente conquistados. Estáocorrendo uma derrogação sutil do princípio da legalidade, gerando sériosriscos à autonomia individual frente ao Estado.

Não se pode aceitar a utilização indiscriminada de normaspenais em branco e a admissão dos tipos penais abertos, com o sacrifício

187 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais . Porto Alegre: Sérgio AntonioFabris, 2001. p. 18.188 BITENCOURT, op. c i t . , p. 125.

das garantias individuais, como justificativa para o controlar o aumento dacriminalidade econômica189. Neste sentido, Esteban Righi destaca quequando as técnicas legislativas não descrevem de forma exaustiva a condutaproibida – tipos abertos, formulando-se apenas um enunciado geral que sóserá preciso diante de complementação por parte do órgão jurisdicional,acaba por ocorrer uma flexibilização do princípio da legalidade190.

O princípio da legalidade deve ser visto como um mecanismode contenção estatal no âmbito individual, não como um meio de sejustificar e legitimar um terror penal, através da utilização de conceitosgenéricos e imprecisos, crimes de perigo abstrato e de normas penais embranco.191

Porém, no Brasil, não se está utilizando de forma comedida ecorreta a norma penal em branco, verificando-se um abuso em sua edição,gerando uma preocupação na sociedade, visto que como a normacomplementadora, na grande maioria dos crimes contra a ordem econômica,não é de natureza penal, pode vir a ser desprovida das garantias instrínsecasàquela, demonstrando um desrespeito ao princípio da legalidade penal.

O princípio da intervenção mínima, que surgiu durante omovimento social de ascensão da burguesia, numa manifesta reação aosistema penal então vigente, de caráter absolutista, visa limitar a ação doEstado na criação de tipos penais iníquos, e limitar o arbítrio do legislador.

189 No XIII Congresso da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), realizadono Cairo, em 1984, algumas recomendações foram feitas, relacionadas ao DireitoPenal Econômico, dentre elas: “7. En el derecho penal económico y de la empresadebería evitarse, en lo posib le, las cláusulas generales. Allí donde resulte necesarioel empleo de cláusulas generales, éstas deberán interpretarse restrictivamente. Laconductas prohib idas deben describ irse con precisión. 8. En relación con ladescripción de los delitos, el empleo de técnicas de remisión a instanciasnormativas fuera des derecho penal, para determinar cuáles son las conductas quese incriminan, puede conllevar el peligro de imprecisión y fa lta de claridad, asícomo un exceso de delegación del poder legislativo en la Administración. Laconducta o el resu ltado prohib idos deben estar especificados, en lo posib le, en elpropio precepto penal”. (TIEDEMANN, Poder económico..., op. c i t . , p.184.)190 Conforme RIGHI, Esteban. Los delitos económicos. Buenos Aires: AD HOC,2000. p. 56.191 Vide: SANTOS, Lycurgo de Castro. O princípio da legalidade no moderno direitopenal. Revista Brasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, ano 4, n. 15, ju l./set.1996. p. 187; MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Op. ci t . , p. 157 e ss.

Tem-se, assim, que este princípio “orienta e limita o poderincriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma condutasó se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinadobem jurídico”192; pois se outros meios de sanção se revelam aptos asolucionar a questão, a criminalização é incorreta, a medida que a sançãopenal somente deve ser imposta quando for instrumento indispensável àproteção de determinado bem jurídico.193

Forma-se, em decorrência deste princípio, a orientaçãopolítico-criminal de que o Direito Penal deve ser a ultima ratio legis naseleção dos recursos do Estado194, pois se justifica a proteção penal de umbem jurídico quando há determinadas formas de agressão que sejamcompletamente inadmitidas socialmente. Há, por conseguinte, uma restriçãoao jus puniendi do Estado.

Neste contexto, Miguel Bajo e Silvina Bacigalupo salientamque há que se observar a fragmentariedade e a subsidiariedade,características do Direito Penal195, que encontram vinculação com oprincípio ora abordado, sendo apresentados, por parte da doutrina, comoprincípios autônomos, embora decorrentes da ultima ratio.

Tratado, aqui, como característica do Direito Penal, tem-seseu caráter fragmentário expresso na necessidade de seleção dos bensjurídicos a serem tutelados através de uma norma incriminadora.

Não se pode olvidar que a função de proteção de bensjurídicos, imanente ao Direito Penal, não é absoluta, o que explica quesomente certas ações de maior gravidade, dirigidas contra bens jurídicos

192 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 8. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2003. p. 11.193 Conforme LUISI, op. c i t . , p. 25.194 Conforme PRADO, Bem jurídico..., op. c i t . , p. 50.195 “A la hora de describ ir los medios de prevención de la delincuencia convienerecordar algo que, pese a su carácter elemental, muchas veces se olvida. En lalucha contra cualquier clase de delincuencia hay una escala de medidas a aplicaren la que la pena aparece en ú ltimo lugar como corresponde al carácterfragmentario del Derecho penal. Y lo mismo ha de ocurrir en el caso de ladelincuencia económica.” (BAJO, Miguel; BACIGALUPO, Silvina. Op. ci t . , p. 55.)Neste sentido ver também: CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. Op. ci t . , p. 315-317.

fundamentais, é que podem ser incriminadas, fazendo-se uma tutela seletivadestes bens, o que vem a explicar o seu caráter fragmentário.196

O caráter subsidiário, entendendo-se que o Direito Penal épredominantemente sancionador, e excepcionalmente constitutivo197, que é aprópria ultima ratio, se expressa justamente em se colocar o Direito Penalcomo último meio de solução de conflitos198, pois, como adverte Claus Roxin,o castigo penal é a intromissão estatal mais dura na liberdade do cidadão, sópodendo intervir quando outros meios de solução do problema menos durosnão se mostrarem suficientemente exitosos199.

Significa dizer que a criminalização só está legitimada se nãose encontrar “à disposição do Estado, meios não criminais de política socialadequados e suficientes para a protecção dos valores que está em causagarantir.”200

A par destas considerações, tendo-as como referencial, pode-se compreender a amplitude e o sentido do princípio da intervenção mínima,que, todavia, na atuação do Estado, permanece vivo apenas nas ilações das

196 PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Ambiental . São Paulo: Revista dos Tribunais,1992. p. 52.197 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Derecho Penal. Parte General. 6. ed.Buenos Aires: Ediar, 1996. p. 57.198 “De qualquer maneira, a idéia de subsidiariedade, nesse pensamento contida,não deixa de fazer chamar a atenção de um legislador prudente para uma políticapreventiva através de modificações, integração ou informação dos textos legais queprevejam actividades irregulares da vida económica; da preparação oucondicionamento de pessoas que têm acesso ao mundo de direcção das empresas,etc. Assim, neste caminho, também a modificação da lei sobre sociedades no quetoca ao capital, responsabilidade, fiscalização, publicidade, etc.; a limitação daszonas de segredo podem prevenir a prática de muitas condutas capazes deprejudicar a confiança na vida econômica. Seria ainda possível, por via legal, masnão cr iminal , utilizar medidas directas ou indirectas (por exemplo: acordosprivados; indenizações com um alargado campo dos titulares da respectiva acção,como processo de fazer recuperar a confiança na vida econômica.” (CORREIA,Introdução..., op. c i t . , p. 301.)199 Fundamentando tal afirmação, tem-se: “El Derecho penal sólo es incluso laúltima de entre todas las medidas protectoras que hay que considerar, es decir quesólo se le puede hacer intervir cuando fallen otros medios de solución social delproblema – como la acción civil, las regulaciones de policía o jurídico- técnicas, lassanciones no penales, etc. - . Por ello se denomina a la pena como la ‘ultima ratio dela política social’ y se define su misión como protección subsidiaria de b ienesjurídicos. /.../ Como el Derecho penal posib ilita las más duras de todas lasintromisiones estatales en la libertad del ciudadano, sólo se le puede hacerintervenir cuando otros medios menos duros no prometan tener un éxitosuficiente.” (ROXIN, Derecho..., op. c i t . , p. 65-66)200 RODRIGUES, Anabela Miranda. Contributo para a fundamentação de umdiscurso punitivo em matéria penal fiscal. Direito Penal Econômico e Europeu:textos doutrinários, Coimbra, v. II, p. 482-489,1999. p. 482.

construções teóricas. Não basta apenas o respeito ao princípio da legalidade,visto que este é incapaz de evitar que o legislador crie figuras iníquas oudesnecessárias, bem como penas desproporcionais201.

O Direito Penal Econômico brasileiro está cada vez maisamplo, sendo utilizado como instrumento de controle, porquanto sercrescente o número de leis incriminadoras nesta seara. Entretanto, estásendo utilizado excessivamente, como via preferente, em detrimento aosoutros ramos do direito, que regulam a vida econômica.202

Deve-se buscar, primeiramente, “alternativas não-penais aotratamento das condutas desviantes em Direito Econômico, sendoperfeitamente pertinentes e válidas muitas das críticas que a excessivacriminalização tem recebido”203.

No Brasil, tem-se que o Direito Penal acaba sendo utilizadocomo solução de todo tipo de problema, desde a proteção da vida, até comoforma de coação para o pagamento de débitos fiscais, ofuscando, assim,mecanismos alternativos de controle social, visto que muitas condutascriminalizadas poderiam ser alvo de controle administrativo ou solucionáveisno âmbito da jurisdição civil.

201 “A reaccção legal não pode ser dominada , neste quadro, por uma pura idéia deintimidação, desprendida do facto, mas há que fixar - se pela gravidade da infracçãoantieconómica. /.../ De qualquer forma, repetimos, envolve em si o pensamento dasubsidiariedade do direito penal no domínio económico. E isto na linha de que asreacções (máxime , a prisão) só deverão ser utilizadas quando outro tipo de sançõesfor insuficiente ou inexeqüível, pressuposto que as infracções tenham dignidadepenal.” (CORREIA, Introdução..., op. c i t . , p. 303.)202 Recomendações do Congresso da Associação Internacional de Direito Penal(AIDP), realizado no Cairo: “2. El derecho penal constituye solamente una de lasmedidas para regular la vida económica y para sancionar la violación de lãs reglaseconómicas. Normalmente, el derecho penal desempeña un papel subsidiario. Peroen determinados sectores el derecho penal es de primera importancia y prevémedios más apropiados para regular la actividad económica. En tales casos elderecho penal implica una menor intervención en la vida económica que el derechoadministrativo o el mercantil. 14. Normalmente, debería fomentarse la introducciónde medios administrativos y civiles (mercantiles) antes de incriminar actos uomisiones perjudiciales para la vida económica.” (TIEDEMANN, Poder económico...,op. c i t . , p. 183-184.)203 OLIVEIRA, William Terra de. Algumas questões em torno do novo direito penaleconômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais , São Paulo, ano 3, n. 11, p.231-239, ju l./set. 1995. p. 236.

Observa-se, desta forma, que o número crescente de leispenais204 demonstram “cabalmente que o princípio da intervenção mínima,segundo o qual devem-se reservar as sanções penais para os casos maisgraves é, no mínimo, ignorado”205.

O Estado só deve recorrer à sanção penal quando aconservação da ordem jurídica não se possa obter com outros meios dereação. A utilização indiscriminada do direito penal faz com que se acabeexperimentando a ineficácia deste instrumento, seja pela lentidão do aparatopolicial ou judiciário, seja pela perda da força intimidativa da sançãocriminal.

Alfredo Etcheverry aponta como diretrizes para acriminalização dos delitos econômico/

s206, primeiro, a separação das infrações merecedoras desanção penal daquelas que só devem receber sanções civil e administrativase, segundo, quando se estabelecer sanções penais, as condutas tipificadas

204 Neste sentido: “A fúria legiferante, no campo penal, em verdade é uma fuga deresponsab ilidades e funciona como uma cortina de fumaça lançada sobre os olhosda população, que clama por soluções para seus cruciais prob lemas e se ilude coma tutela penal e agora, com a pena de morte, desonestamente, apresentada comopanacéia para os males da violência. Por falta de capacidade para remover ascausas de inúmeras violações de direito, ou por ser conveniente mantê- las,procura- se a via cômoda e enganosa de lei penal, ao invés de se trilhar o penosocaminho da renovação do entulho e do lixo, representado pela má distribuição derendas, pelos privilégios, pela corrupção, pela insensib ilidade criminosa de partedas elites e pelo desprezo da classe política, em geral, pelo bem comum.”(OLIVEIRA, Antonio Cláudio Mariz de. Op. ci t . , p. 94.)205 TORON, Alberto Zacharias. Aspectos penais da proteção ao consumidor. RevistaBrasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, ano 3, n. 11, p. 80-90, ju l./set.1995. p. 81.206 Tais diretrizes de Alfredo Etcheverry são expostas por ele da seguinte forma: “a)Separar as infrações merecedoras de sanção penal daquelas que só devem recebersanções civil e administrativas, e estabelecer um sistema eficaz para a aplicaçãodestas ú ltimas. Para impor a sanção penal a respeito de determinadas infrações, épreciso: 1. Que elas acarretem um dano social considerável, mediato ou imediato;2. Que no conceito público sejam tidas por infrações dignas de serem sancionadas;3. Que para evitá - las não bastem a vigilância administrativa, os estímuloseconômicos que a ordem jurídica pode estabelecer, nem as sanções de outra ordem,civis ou administrativas; b ) Quando se estabeleçam sanções penais, precisar emfórmulas amplas, mas concretas e exatas, quais são as condutas que se submetemà sanção. Só assim se respeitará o princípio da reserva ou legalidade (que violariacom uma fórmula vaga e aberta) e se dará garantia de eficácia à lei (que se perderiacom a adoção de um método de aplicação causuística); c) Estabelecer penasadequadas à natureza e gravidade das infrações; respeitar o princípio de que nãohá pena sem culpa e velar pela manutenção das garantias processuais da pessoaatingida, sem preju ízo da necessária agilidade que esta classe de administração dejustiça necessita especialmente.” (ETCHEVERRY, op. c i t . , p. 106.)

devem ser concretas e exatas e, estabelecer penas adequadas à natureza egravidade das infrações. Tudo isto respeitando os princípios da danosidadesocial, da última ratio, da legalidade, da culpabilidade, bem como velar pelamanutenção das garantias processuais do acusado.

Tais considerações, como já dito, não têm como finalidadeafastar, por inteiro, a tutela da ordem econômica do direito penal207. Visam,unicamente, demonstrar a necessária limitação que se deve impor àutilização deste meio de controle.

As crescentes necessidades de tutela em uma sociedade cadavez mais complexa não podem fazer com que o Direito Penal seja utilizadocomo solução fácil para os problemas sociais208. O que deve ocorrer é umaexpansão moderada da intervenção penal, devendo-se utilizar o direito penalquando demonstrada a sua real necessidade no combate à criminalidade, ouseja, de maneira razoável, podendo renunciar, em algumas situações, àspenas privativas de liberdade, visto encontrar-se diante de uma flexibilizaçãodos direitos e garantias fundamentais209.

207 “Sin embargo, centrar la reflexión en los aspectos jurídico-penales no es tareabaladí, ya que, en definitiva, ese sistema no puede limitarse a afrontar los ataquesa la persona o como titu lar de derechos derivados, precisamente, de su condiciónde persona o como titu lar de libertad públicas propias de su condición deciudadano. Ha de abordar, también, la tutela de cada persona ‘como trabajador,como consumidor, como vecino de una ciudad, como miembro de una comunidadcultural o lingüística, como enfermo, como minusválido, como mujer aúndiscriminada, etc. A lo que habría que añadir, como sujeto integrado en un sistemaeconómico.” (BASOCO, Juan M. Terradillos. Sistema penal y delitos contra el ordensocioeconómico: consideraciones introductorias. In: AGUADO, Paz Mercedes de laCuesta. Derecho Penal Económico. Mendoza: Ediciones Jurídicas Cuyo, 2003.p.53-78. p. 53.)208 “Será necesario, ante todo, constatar que la defensa de los b ienes jurídicosconstitucionalmente consagrados necesita el recurso al Derecho Penal, constataciónque exige el previo análisis de la eficacia protectora del sistema sancionador civil,mercantil y administrativo. Sólo una vez comprobada esa necesidad se puedeacometer un proceso criminalizador que, combinando los tipos tradicionales eincorporando otros nuevos, responda a los criterios propuestos, de la mano desTribunal Constitucional a lemán, por Tiedemann: dañosidad social de la conducta,que ha de comprobarse empíricamente; valoración comparativa, de modo que secriminalicen conductas equiparables a otras que ya lo están; y proporcionalidad delos medios, que obliga a recurrir a instrumentos pre-penalis cuando éstos sirvanpara garantizar la protección de b ienes elementales’”. (BASOCO, Sistemas..., op.ci t . , p.70.)209 “Em conclusão, pode- se afirmar que crescentemente existe, como mencionado noprincípio, um espaço de expansão razoável do Direito Penal. O espaço da expansãorazoável do Direito Penal da pena de prisão é dado pela existência de condutas que,por si sós, lesionam ou põem em perigo real um bem individual; eventualmente,cabe admitir o mesmo a propósito de bens supra - individuais, sempre queefetivamente lesionados colocados sob perigo real da conduta do su jeito em

O momento é de reflexão, de um repensar, onde possam serrevistos conceitos, adequando-os à realidade atual, mas primordialmente,com seriedade e comprometimento, para que, nesta nova perspectiva doDireito Penal, seja ele justo e democrático.

concreto. Nesse âmbito, ademais, a razoabilidade da expansão requereria plenasalvaguarda de todos os critérios clássicos de imputação e princípios de garantia.Paralelamente a isso, pode-se admitir resignadamente a expansão – já produzida –do Direito Penal até os ilícitos de acumu lação ou perigo presumido, isto é, acondutas distanciadas da criação de um perigo real para bens individuais (einclusive supra- individuais, desde que concebidos com um mínimo rigor). Mas aadmissão da razoabi l idade dessa segunda expansão, que aparece acompanhada dostraços de flexib ilização reiteradamente aludidos, exigiria inevitavelmente que osreferidos ilícitos não recebessem a pena de prisão. Na medida em que essaexigência não vem sendo respeitada pelos ordenamentos jurídicos de diversospaíses, até o momento, a expansão do D ireito Penal carece, em minha opinião, darequerida razoabilidade político- jurídica”. (SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. Op. c i t . , p.p. 147.)

3. A FRAGILIZAÇÃO DAS LIBERDADES PÚBLICAS DIANTE DACRIMINALIDADE ECONÔMICA

3.1 O processo justo e o ideal de proteção de direitos

A discussão acerca da criminalidade econômica nãopermanece apenas no campo do Direito Penal, como visto no capítuloanterior, pois os controles penais dos Estados se mostram impotentes parafazer face a essa nova criminalidade.

De fato, se no Direito Penal Econômico relativizam-seprincípios e garantias constitucionais, tal flexibilização acaba atingindotambém os princípios e garantias inerentes à persecução penal, como sepode verificar na ampliação dos poderes investigatórios e das medidas decautela210, facilitando, assim, a condenação dos acusados.

Se para a simples tipificação dos crimes contra a ordemeconômica existe toda uma série de dificuldades, tendo em vista acomplexidade do bem jurídico tutelado, para o processo penal, torna-seainda mais complexo buscar elementos para a demonstração da autoria e damaterialidade de tais tipos penais211, sem que existam lesões a direitos egarantias fundamentais212.

210 Sobre lesões aos direitos e garantias individuais ocorridos no âmbito dasmedidas cautelares pessoais, ver, a propósito, CÂMARA, Luiz Antonio. Reflexõesacerca das medidas cautelares pessoais nos crimes contra o sistema financeironacional. In: GEVAERD, Jair; TONIN, Marta Marília (coords.). Direito Empresarial& Cidadania : questões contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2004. p. 231-248.211 Neste sentido: “A raridade de tais processos, aliada à complexidade com que sedispõe muitas vezes sua matéria de fato, e ao cunho especial e restrito do debatejurídico que propicia, são elementos que rompem com a rotina do aparelhojudiciário, adestrado para os processos relativos às figuras tradicionais dacriminalidade contra o patrimônio.” (BATISTA, Nilo. Concepção e princípios dodireito penal econômico, inclusive a proteção dos consumidores no Brasil. Revistade Direito Penal e Criminologia , Rio de Janeiro, v. 33, 1982. p. 83.)212 Acerca das lesões a direitos e garantias fundamentais ocorridas no processopenal, Sérgio Garcia Ramírez discorre: “El proceso penal tiene, como el sistemapenal entero, raíces muy profundas en el derecho de la ilustración. Es beneficiariodel humanismo beccariano. A esa herencia política se sumaría la tensióncriminológica, con acento en los factores del crimen y en las expresiones procesalesde ese acento. La tercera y la cuarta décadas del siglo XX mostraron la fragilidaddes progreso democrático y la inestab ilidad de das soluciones penales montadassobre instituciones políticas inestables. As cabo de la marcha pareció consolidarseel sistema democrático amparado en la intervención mínima del Estado y laexpansión de las garantías. Sin embargo, no ha concluido de la historia. Estadebiera ser, a mi juicio, la mayor preocupación de los estudiosos del proceso penal.El auge de la criminalidad tradicional y evolucionada, la declinación de los métodos

Sendo assim, não basta analisar apenas a criminalizaçãoprimária dos delitos contra a ordem econômica, ou seja, a elaboração dasleis, na esfera legislativa, mas também se torna importante a análise dacriminalização secundária, ligada a aplicabilidade da mesma213. Nestesentido, Renato de Mello e Jorge Silveira discorrem que “a orientação nogizar do Direito Penal Econômico é de profunda crítica, mas sua aplicaçãoinduz, ainda, em maior inquietação”214.

Desta forma, com a prática de um crime econômico, o Estado,para exercer o seu direito de punir, precisa passar pelo processo penal.Neste sentido, Ana Lúcia Menezes Vieira da Ponte traz que “quando entramem conflito a segurança da ordem na comunidade e a segurança daliberdade individual, deve haver um instrumento legal pré-estabelecido paragarantir e realizar os direitos humanos fundamentais.”215

Pode-se dizer, portanto, que o processo penal é instrumentoencarregado de assegurar as liberdades públicas216/217, tendo como princípio

no punitivos de control social, el desconcierto o envejecimiento de las institucionesencargadas de la seguridad pública y la persecución del delito, la exasperación quereclama soluciones inmediatas y fu lminantes, la reaparición de reales o falsosdilemas – seguridad o derechos humanos, crimen control o due process (DelmasMarty)- , la respuesta política providencial, son otros tantos factores que ensanchanla cuenta desfavorable del proceso penal, cuyas funciones se ven influ idas por el‘discurso sobre a seguridad ciudadana.” (RAMÍREZ, Sergio García. Panorama sobrelos sistemas de enju iciamiento penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais ,São Paulo, ano 12, set./out. 2004. p. 155.)213 Conforme ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro;SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasi leiro . 3. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Revan,2003. p. 43.214 MELLO, Renato de; SILVEIRA, Jorge. Direito Penal Econômico como DireitoPenal de Perigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 30.215 PONTE, Ana Lúcia Menezes Vieira da. O processo penal como garantia: direito aoconhecimento prévio da acusação. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (coord.).Justiça Penal, São Paulo, n. 6, 1999. p. 361.216 Sobre a importância dos direitos fundamentais no processo pena l, Ada PellegriniGrinover ensina: “As defesas postas pela Constitu ição aos direitos fundamentais, eque consistem no sistema de proteção organizado em prol da segurança da pessoahumana, da vida humana, da liberdade humana, assumem dimensão maiorexatamente no processo penal.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas eprocesso penal: as interceptações telefônicas. 2. ed. atual. São Paulo: Revista dosTribunais, 1982. p. 20.)217 Ada Pellegrini Grinover definindo liberdades púb licas discorre: “Quanto àexpressão ‘liberdades públicas’, convém notar inicialmente que não se entendempor públicas somente as liberdades que envolvam relações do homem com os órgãosestatais, nem se reserva o termo pr ivadas para as relações concernentes aosparticu lares entre s i. Todas as liberdades são públicas, porque a obrigação derespeitá- las é imposta pelo Estado e pressupõe sua intervenção. O que tornapública uma liberdade (qualquer que seja seu objeto) é a intervenção do Poder,através da consagração do direito positivo; estabelecendo, assegurando,

basilar o devido processo legal. Assim sendo, faz-se necessária à análisedeste princípio para que se tenha uma visão geral do que vem a ser umprocesso regular e justo.

O devido processo legal é garantia218 das partes e do próprioprocesso, e como tal, está inserido na Constituição Federal de 1988, em seuartigo art. 5°, inc. LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus benssem o devido processo legal”.

O princípio revela-se instrumento a serviço da democracia,sendo a segurança formal do cidadão de que sua liberdade e patrimônioestão assegurados, com o estabelecimento de um procedimento previamenteconcebido, com todas as garantias inerentes a um processo justo elegítimo219.

Trata-se de um princípio fundamental220, decorrendo deletodos os demais princípios ligados ao processo e ao procedimento. Por meiodele, tem-se um conjunto de garantias de ordem constitucional, que de umlado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes denatureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional.

regulamentando as liberdades, o Estado transforma em poderes deautodeterminação, consagrados pelo direito positivo.” (GRINOVER, op. c i t . , p. 07.)218 Explicando o devido processo legal como garantia e não direito, Ada Pellegrin itraz: “Garantias, e não direitos, porquanto são de índole assecuratória, e nãomeramente declaratória, visando tutelar o exercício de outros direitos e guardandocom estes uma relação de instrumentalidade. Garantias, não apenas das partes,mas sobretudo, da jurisdição: porque se, de um lado, é interesse dos litigantes aefetiva e plena possib ilidade de sustentarem suas razões, de produzirem suasprovas, de influ írem concretamente sobre a formação do convencimento do ju iz; dooutro lado, essa efetiva e plena possib ilidade constitui a própria garantia daregularidade do processo, da imparcialidade do ju iz, da justiça das decisões”.(GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual de acordocom a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 02.)219 Neste sentido: “Relativamente ao processo judicial, o devido processo legal seapresenta como um conjunto de elementos indispensáveis para que este possaatingir, devidamente, sua já aventada finalidade compositiva de litígios (em âmbitoextrapenal) ou resolutória de conflitos de interesses de alta relevância social (nocampo penal).” (TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais noProcesso Penal Brasi leiro . São Paulo: Saraiva, 1993. p. 68.)220 Fundamentando tal afirmação, tem-se: “Não obstante a clássica acepção singularda garantia do devido processo legal entende-se, modernamente, por esta fórmulaum conjunto complexo e plural de diversas garantias constitucionais que,associados aos parâmetros da ética e da moral, buscam, em última análise,assegurar o correto exercício da jurisdição, ao mesmo tempo que legitimam opróprio poder jurisdicional exercido pelo ju lgador e titularizado pelo Estado- ju iz.”(FRIEDE, R. Reis. A garantia constitucional do devido processo legal. Revista dosTribunais, São Paulo, v. 716, ano 84, jun. 1995. p. 71.)

Apresenta-se como um mandamento garantidor de umaelaboração regular e correta da lei - substantive due process of law, e de ummeio de aplicação judicial das normas jurídicas, ou seja, de um autênticoprocesso - judicial process, com todas as garantias do contraditório e daampla defesa.

O devido processo legal não é um princípio novo, tendo sidoutilizado na Idade Média, como reação da nobreza contra os julgamentos deorganismos da coroa, que se preocupavam apenas em satisfazer a vontadeindiscutível do monarca.

Os barões feudais, que haviam acumulado riquezas e poderem suas mãos, exigiam do Rei João “Sem Terra”, da Inglaterra, dentre outrosapelos, que fossem julgados por um Tribunal formado entre seus pares esegundo as leis da terra. O soberano viu-se compelido a pactuar com ascrescentes reivindicações, outorgando, então, a Magna Carta, em 16 dejunho de 1215221, tendo como finalidade por fim às disputas entre a Coroa eos barões, assegurando um julgamento legal conforme a lei do país222.

Esta cláusula foi ratificada nas promulgações posteriores. Jáem 1354, com Eduardo III, ocorreu também a sua recepção, traduzida parao idioma inglês, sendo substituída a expressão per legem terrae pela que hojese conhece, due proces of law.223

Do direito inglês, este princípio passou a ser adotado tambémpelas colônias inglesas na América do Norte. Carlos Alberto Siqueira Castro

221 D iz o artigo 39 deste pacto: “No free man shall be seized or imprisoned, oustripped of his standing in any other way, nor will we proceed with force againsthim, or send others to do so, except by the lawful judgemente of his equals or bythe law of the land.”, cu ja tradução para o português mostra que nenhum homemlivre será preso ou privado de sua propriedade, de sua liberdade ou de seushábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer maneira destruído, nem ocastigaremos ou mandaremos forças contra ele salvo ju lgamento legal feito por seuspares ou pela lei do país. (WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre o princípiodo devido processo legal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 646, ano 78, ago.1989. p. 35.)222 A propósito, tem-se: “E embora inicialmente conceb ido como simples limitação àsações reais, estava esse instituto fadado a tornar - se a suprema garantia dasliberdades fundamentais do indivíduo e da coletividade em face do Poder Público.”(CASTRO, Carlos Alberto Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade dasleis na nova Constituição do Brasi l . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 07.)223 Vide: CASTRO, op. c i t . , p. 10.

discorre que “através do fenômeno da ‘recepção’, o direito Norte Americanofoi o herdeiro direto dessa garantia constitucional, tendo tido o mérito deembalá-la, criá-la e fazê-la florescer com inexcedível criatividade.”224

Como uma resistência dos americanos contra o arbítrio dosgovernantes, as primitivas colônias, antes mesmo de unirem-se formandouma federação, tinham a garantia do devido processo legal, ainda como law

of the land, inserida em diversas de suas “Cartas” coloniais, como aDeclaração de Direitos da Virgínia, de 1776, em sua seção oitava; naDeclaração de Delaware, também de 1776, em sua seção doze, etc. Nãoaceitavam as leis baixadas pelo Parlamento Inglês, considerando-asopressivas e violadoras de seus direitos fundamentais225.

Na primavera de 1789, Madison apresentou uma proposta dedez emendas, que foram aceitas e adicionadas ao texto constitucionalamericano no dia 25 de setembro de 1791. Consagrou-se portanto, oprincípio do devido processo legal, na 5ª Emenda226, como indicativa dodireito do indivíduo a um processo regularmente disciplinado, ou seja, comoum princípio assecuratório da regularidade processual, a ser observado nasdiferentes instâncias judiciais.

Em 1863, promulgou-se mais três emendas, entre elas adécima quarta227, que visava “garantir os direitos de cidadania e as

224 CASTRO, op. c i t . , p. 11.225 CASTRO, op. c i t . , p. 11.226 A 5ª emenda em sua redação original: “No person shall be held to answer for acapital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of agrand jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the militia,when in actual service in time of war or public danger; nor shall any person besubject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall becompelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived oflife, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property betaken for pub lic use without just compensation.” A sua tradução: “Nenhuma pessoaserá levada a responder por crime capital, ou de outro modo infamante, a não serpor declaração sob juramento ou acusação formal de um júri de instrução, excetoem casos surgidos nas forças terrestres ou navais, ou na milícia, quando em serviçoem tempo de guerra ou de perigo púb lico; da mesma forma, nenhuma pessoa estarásujeita, pelo mesmo crime, a correr por duas vezes perigo de vida; nem seráobrigada, em nenhum caso criminal, a depor contra si mesma, nem será privada davida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem a propriedadeprivada será desapropriada para uso púb lico sem justa compensação”. (CASTRO,op. c i t . , p. 30-31.)227 A primeira parte da 14ª Emenda diz o seguinte: “All persons born or naturalizedin the United States, and subject to the jurisdiction there of, are citizens of the

liberdades civis (civil liberties) aos ex-escravos e seus descendentes de cornegra.”228

Consolidou-se, portanto, no constitucionalismo americano, odue process of law, assegurando aos cidadãos um processo ordenado etambém, com a tutela do Poder Judiciário - judicial control - de que teriamatravés deste, um instrumento de provocação e atuação efetiva das garantiasjurídicas, não estando submetidos aos desmandos dos titulares de poder229.

No Brasil, mesmo só vindo a ser encontrado expressamente naConstituição de 1988, o princípio do devido processo legal, nas Constituiçõesanteriores, não era ignorado. Embora não houvesse reconhecimentoexplícito, existia, em cada uma delas, certas garantias fundamentais que,interpretadas, conduziam à conclusão de que o princípio do devido processolegal era adotado e garantido.

Em seu sentido amplo ou genérico, tal como sua previsãoconstitucional, assenta-se este princípio sobre o trinômio vida-liberdade-propriedade230. Quando instituído na Magna Carta de 1215, o princípio dodevido processo legal possuía um sentido mais restrito, apenas processual,visando um processo ordenado.

United States and of the State where in they reside. No State shall make or enforceany law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the UnitedStates; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, withoutdue process of law; nor denu to any person within its jurisdiction the equalprotection of the laws.” E sua tradução é: “Todas as pessoas nascidas ounaturalizadas nos Estados Unidos e su jeitas à sua jurisdição são cidadãos dosEstados Unidos e do Estado onde residam. Nenhum Estado editará ou aplicaráqualquer lei que prejudique os privilégios e imunidades dos cidadãos americanos;também nenhum Estado privará qualquer pessoa de sua vida, liberdade oupropriedade sem o devido processo legal, nem negará a qualquer pessoa dentro desua jurisdição a igual proteção da lei.” (CASTRO, op. c i t . , p. 32.)228 CASTRO, op. c i t . , p. 32.229 Conforme CASTRO, op. c i t . , p. 33.230 Assim, “do conteúdo clássico do due process of law, como garantia do réu,passa- se a proteção mais ampla, sem distinção entre substantive e procedure . (... )Assim, due process of law é, em sentido amplo, a garantia de que a lei é razoável,justa e contida nos limites da Constitu ição. Ao lado do procedural due process ,sustenta- se a existência de um substantive due process garantindo o exercício plenoe absoluto dos direitos de liberdade e de propriedade (em sentido amplo). Acláusula não mais se limita à determinação processual dos direitos substanciais,mas se estende à garantia de que seu gozo não seja restringido de modo arbitrárioou desarrazoado.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Garantia Constitucional do Direitode Ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 35-36.)

No Direito Constitucional Americano, numa primeira fase,também se referia neste princípio, às garantias de natureza processual.Segundo Geraldo Brindeiro, sua concepção originária “não visava questionara substância ou o conteúdo dos atos do Poder Público, mas sim assegurar odireito a um processo regular e justo. Por isso, nesse sentido, aplica-se adenominação procedural due process.”231

Buscava-se uma adequação do jus libertatis dos acusados aojus puniendi do Estado, através de um processo penal justo e disciplinado.Tal conceito foi modificando no tempo, sendo que doutrina e jurisprudênciaalargaram o âmbito de abrangência da cláusula, em nome dos direitosfundamentais do cidadão.

Juntamente com o devido processo legal em sentidoprocessual, verificou-se a aplicação de um sentido material desta garantia,através da formulação da teoria do substantive due process, com o controledo conteúdo das decisões adotadas pela Administração.

A Suprema Corte norte americana232 passou a se utilizar dacláusula do devido processo legal para abrandar as reações dos cidadãosnorte-americanos frente aos atos arbitrários do Poder Legislativo, limitando opoder governamental.

Muito embora não seja objeto do presente trabalho a análisedo conteúdo substancial do devido processo legal, decorre do mesmo aimperatividade do legislador produzir leis que satisfaçam o interesse público,traduzindo-se essa tarefa no princípio da razoabilidade das leis. Portanto,

231 BRINDEIRO, Geraldo. O devido processo legal e o Estado Democrático de Direito.In: POLETTI, Ronaldo Rebello de Brito. Notícia do Direito Brasileiro . Brasília:UnB. n. 2, ju l/dez. 1996. p. 109.232 Fundamentando tal afirmação, Carlos Alberto Siqueira Castro discorre: “Foi combase nessa compreensão estrutural dos valores da liberdade e da riqueza, queencarnam o liberalismo econômico e que foram sacralizados pelo sistemaconstitucional norte-americano, que o Tribunal Maior dos Estados Unidos passou avislumbrar na cláusula due process of law a fórmula feita ‘sob medida’ parapatrocinar a expansão da judicial review, a ponto de controlar a “razoabilidade” e a“racionalidade” das leis e dos atos de governo em geral.” (CASTRO, op. c i t . , p. 55.)

devido processo legal em sentido substancial233, é a projeção desta cláusulanos diversos campos do direito material.

Na jurisdição penal brasileira, a aplicação do devido processolegal “combina algumas garantias indicadas por expresso no textoconstitucional, além de outras que emergem por via implícita do sistema deproteção que cerca a acusação e a defesa na instância penal.”234

São estas garantias que asseguram a legitimidade doprocedimento, a imparcialidade do julgador e a justiça das decisões. Todavia,o due process of law não se exaure nestas garantias, e nem mesmo com aadoção do princípio do contraditório.

Como ensina diz Afrânio Silva Jardim235, a cláusula do devidoprocesso legal não pode somente se restringir à consagração de um processopenal com tratamento igualitário, como também, não pode ser resumido àconsagração do princípio do “juiz natural”, à vedação das provas ilícitas, oumesmo à presunção de inocência. Deve, hodiernamente, ter um significadomais amplo, mais abrangente236.

Esses princípios apresentados como decorrentes do devidoprocesso legal, não são exaustivos, existindo vários outros, como o privilégiocontra a auto incriminação; o direito contra medidas ilegais de busca eapreensão etc.

233 A garantia do devido processo legal, em sua acepção substantiva, “constitu i uminesgotável manancial de inspiração para a criatividade hermenêutica. /.../ essagarantia acabou por transformar- se num amálgama entre o princípio da “legalidade”(rule of law ) e o da “razoab ilidade” (re le of reasonableness ), para o controle davalidade dos atos normativos e da generalidade das decisões estatais”. (CASTRO,op. c i t . , p. 77.)234 CASTRO, op. c i t . , p. 266.235 Vide: JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 5. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1995. p. 464-465. Acrescenta que a nova Constitu ição assegurou, atravésdo devido processo legal, o princípio do “Promotor Natural”, tendo todos o direito denão serem acusados por um “Promotor Encomendado”.

236 Conforme Rogério Lauria Tucci, o devido processo penal especifica-se, nas seguintes garantias:“a) de acesso à justiça; b) do juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitosparciais do processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, comtodos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) damotivação dos atos decisórios penais; g) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal;e, h) da legalidade da execução penal.” (TUCCI, op. cit., p. 70-71.)

Pierangeli aborda a questão de maneira esclarecedora, aoafirmar que “a determinação da responsabilidade penal exige a observância,em todas as manifestações, do devido processo legal - na hipótese, do devidoprocesso penal. Tratando-se de garantia constitucional indispensável para aaferição e determinação da responsabilidade penal, num Estado de Direito,como atualmente vivemos, o desantendimento de um só dos aspectos quecompõem o due process of law, conduz inexoravelmente à nulidade doprocesso.”237

O processo penal brasileiro, tendo como alicerce o devidoprocesso legal238, traduz-se em uma garantia contra o arbítrio do Estado,talvez o mais importante instrumento jurídico para a proteção das liberdadespúblicas, colocando-se a Constituição a serviço da democracia e da Justiça.

O princípio do devido processo legal é muito mais do que terdireito de se dirigir ao judiciário para levar a solução dos litígios presentes, aassegurar a liberdade individual da pessoa; mas é também ter o direito a uminquérito policial justo, em que pessoas não sejam ‘condenadas’ e soframimediata punição antes de uma digna e séria apuração dos fatos, sem aexistência de torturas corporais e psicológicas.

3.2 Função da pena nos crimes contra a ordem econômica e seusreflexos processuais

Após se visualizar o significado da aplicação do devidoprocesso legal no processo penal, necessário se torna analisar, para seentender a persecução dos crimes contra a ordem econômica, a finalidade dapena para tais crimes. Isto se deve ao fato do processo penal estar integrado

237 PIERANGELLI, José Henrique. Devido Processo Legal, Continência e CrimeCulposo. Revista Brasileira de Ciênc ias Criminais, São Paulo, n. 5, ano 2,jan./mar. 1994. p. 107.238 Importante, neste momento, se torna destacar a lição de Sergio Garcia Ramírez:“Para que exista ‘deb ido proceso legal’ es preciso que un justiciable pueda hacervaler sus derechos y defender sus intereses en forma efectiva y en condiciones deigualdad procesal con otros justiciables. A ese fin tiende el conjunto de actos dediversas características geralmente reunidos bajo el concepto de debido procesolegal.” (RAMÍREZ, Sergio García. Op. Ci t. , p. 158.)

no Sistema de Justiça Criminal, devendo possuir uma coesão interna com odireito penal239.

Sendo assim, para se ter êxito na tarefa de dominar acriminalidade, é necessário que o direito penal e o processo penal caminhemjuntos, de acordo com a idéia de que o que se faz em um setor afeta o queacontece noutros setores, e condiciona, assim, o sucesso ou insucesso doSistema de Justiça Criminal240.

Muito embora estabelecer o significado e a repercussão dateoria dos fins da pena seja uma tarefa complexa, por se estar discutindo afinalidade do Direito Penal e relevantes aspectos, busca-se, aqui, apontaraspectos básicos para se compreender a questão no campo do Direito PenalEconômico.

Pode-se dizer que a conseqüência jurídica do delito só poderáse impor por razões preventivas (visão utilitarista)241. Sendo assim, com oDireito Penal direcionado à proteção subsidiária dos bens jurídicos, a penapassou a exercer função preventiva. Desta forma, o direito penal tenta evitara lesão dos bens jurídicos, ou seja, que as pessoas ingressem no campo dailicitude.

Existem as teorias da prevenção geral, positiva e negativa, eda prevenção especial. Esta última se dirige aos indivíduos que jácometeram um ilícito, para que os mesmos não mais delinqüam, evitando areincidência. A prevenção geral positiva visa à manutenção dos padrões e

239 Neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias discorre: “Assim, logo a conformaçãoteleológica fundamental do direito penal substantivo exercerá uma enormeinfluência na concepção do direito processual penal respectivo. E não só,acrescente- se, a sua conformação fundamental: mesmo relativamente a prob lemasprocessuais os mais concretos ficam o seu sentido e a sua solução dependente deuma certa tomada de posição da parte do direito substantivo, de tal modo quealterações deste (mesmo mínimas) se comu nicam, por vezes com força potenciada,ao direito processual penal.” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal.Coimbra: Coimbra Editora, 1984. p. 28-29.)240 Conforme DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma reforma global do processopenal português: para uma nova justiça penal. Coimbra: Almedina, p. 03.241 Vide HIRECHE, Gamil Föppel el. A função da pena na visão de Claus Roxin . Riode Janeiro: Forense, 2004. p. 73 e ss.

valores sociais, já a negativa diz respeito à intimidação pela ameaça de umapena242.

Winfried Hassemer destaca a tendência de se buscar, naatualidade, uma prevenção geral da pena, conduzindo a uma publicidade doprocesso, não no sentido de controle do mesmo pela população, mas simcomo intervenção normativa (aplicação de pena). Sendo assim, ressalta queatravés da prevenção geral como teoria da pena, não se busca apenasconduzir o delinqüente no caminho correto, mas, principalmente, reduzir onúmero de comportamentos desviados normativamente, com o Direito Penalpassando a ser visto como um instrumento de política social, estabilizadordas normas vigentes243.

Para o Direito Penal Econômico, cumpre destacar a função deprevenção geral positiva da pena. Esta, segundo Luiz Régis Prado, possuimuitas variantes, “mas de um modo geral pode-se afirmar que a prevençãogeral positiva considera que a pena, enquanto instrumento destinado à

242 Sobre a prevenção geral positiva Jorge de Figueiredo Dias destaca: “A pena,quer isto dizer, só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bensjur ídicos ; e, nesta medida, logo uma qualquer teoria ‘absoluta’ dos fins das penas,de carácter metafísico e de cunho puramente retributivo e expiatório, fica fora dequestão. Mas, por outro lado, também não está aqui presente uma concepção deprevenção geral meramente negativa ou de pura intimidação, de dissuasão aqualquer custo, a cada passo susceptível de descambar num ‘direito penal doterror’. Está presente, diferentemente, uma prevenção geral de cariz positivo eintegrado, na qual a intimidação actua só dentro do campo marcado por certosorientamentos cu lturais, por standards ou modelos ético- sociais de comportamentoque a pena visa reforçar, em vista de uma eficaz defesa da ordem jurídica. Numapalavra: finalidade primária e irrenunciável da pena, num Estado de Direitodemocrático, deve ser a conservação ou o reforço da norma violada pelo crime, comomodelo de orientação do comportamento das pessoas na interacção socia l.” (DIAS,Jorge de Figueiredo. Breves considerações sobre o fundamento, o sentido e aaplicação das penas em direito penal econômico. In: PODVAL, Roberto (org.). Temasde Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 124.)243 Confirmando tal afirmação, tem-se: “Tanto la prevención especial como lageneral se corresponden con teorías de la pena relativamente sin contradicción alactual common sense sobre el sentido y la justificación de la punición, como locertifica ante todo la más moderna investigación de la atribución. La intención esno sólo conducir meramente al delincuente por el camino correcto, sino – algomucho más ambicioso – la de reducir la cantidad global de comportamientosdesviados normativamente, lo que le adjudica a la función preventivo general de laene una alta dignidad político- social. La prevención general expresada como teoríade la pena y su imposición significan que cada intervención a costa del individuodesviado normativamente habrá de conducir, al mismo tiempo, a l b ienestar general– en el derecho penal del Estado como instrumento de la política social en elsentido más amplio y dentro de la praxis penal de la vida cotidiana, comoestabilizador de las normas de los grupos a los que se hace referencia - .” (NAUCKE,Wolfgang; HASSEMER, Winfried; LÜDERSSEN, Klaus. Principales problemas de laprevención general. Trad. Gustavo Eduardo Aboso y la Prof. Tea Löw. Montevideo:Julio César Faira, 2004. p. 51-52.)

estabilização normativa, justifica-se pela produção de efeitos positivosconsubstanciados no fortalecimento geral da confiança normativa(‘estabilização da consciência do direito’). Conseqüentemente, a penaencontra sua legitimação no incremento e reforço geral da consciênciajurídica da norma”.244.

Diante de uma lei vigente, espera-se que todos a respeitem.Assim sendo, constatando-se que tal respeito não existe, põe-se em crise avigência da norma, negando-se a mesma. A função da pena, nesta visão deprevenção positiva, objetiva “reafirmar a vigência da norma que foidesautorizada pelo comportamento do delinqüente”245.

Para José Luiz Díes Ripollés, a transmissão de uma vida fielao direito por meio da utilização do Direito Penal ressalta o seu carátersimbólico246. Não cabe apenas ao Direito Penal a função de transmitir aocondenado um sentimento de responsabilidade, de proteger a consciênciamoral coletiva e assentar, socialmente, um juízo ético247. Sendo assim, odireito penal acaba sendo utilizado como um instrumento de pedagogiapopular, sensibilizando os membros de uma determinada coletividade248.

Através da aplicação da pena, portanto, o Direito Penal acabapor construir e fundamentar as normas sociais em sua correta direção,

244 PRADO, Luiz Regis. Teoria dos fins da pena: breves reflexões . Ciência Penais –Revista da Associação Brasileira de professores de ciências penais , São Paulo,ano 1, n. 0, 2004. p. 148.245 GOMES, Luiz Flávio; YACOBUCCI, Guillermo Jorge. As grandes transformaçõesdo direito penal tradicional . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 55.246 Acerca dos efeitos simbólicos da pena, José Luis Díez Ripollés destaca: “Éfreqüente na literatura jurídico-penal contrapor aos efeitos instrumentais os efeitossimbólicos da pena. Desse modo, os efeitos instrumentais, vinculados ao fim ou àfunção de proteção de bens jurídicos, teriam capacidade para modificar a realidadesocial pela via da prevenção da realização de comportamentos indesejados. Osefeitos simbólicos, por outro lado, estariam conectados ao fim ou à função detransmitir à sociedade certas mensagens ou conteúdos valorativos, e suacapacidade de influência ficaria confinada às mentes ou às consciências, nas quaisproduziriam emoções ou, quando muito, representações mentais.” (RIPOLLÉS, JoséLuis Díez. O direito penal simbólico e os efeitos da pena. Ciências Penais – Revistada Associação Brasi leira de professores de ciências penais , São Paulo, ano 1, n.0, 2004. p. 27) Neste sentido ver também: HASSEMER, Winfried. Direito Penalsimbólico y protección de b ienes jurídicos. Pena y Estado: función simbólica de lapena, Barcelona, n. 1, sep./dic. 1991. p. 29; SÁNCHEZ, Jesús -María Silva.Eficiência e direito penal . Trad. Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Barueri: Manole,2004. p. 54.247 Conforme HASSEMER, op. c i t . , p. 27.248 HASSEMER, Winfried. Crisis y características del moderno derecho penal.Actualidad Penal, Madrid, n. 43, nov. 2003. p. 639.

enfocando a consciência do direito e não a intimidação249. É visualizado,então, como forma de estabelecer a confiança jurídica da população e dasnormas sociais relativas ao direito250. Nada mais é do que uma relaçãofundamental entre norma, sua lesão e a sanção como restabelecimento danorma.

Cumpre salientar que existe uma grande diferença entrelegitimidade e efetividade251. Se um instrumento não é efetivo, também não élegítimo. Se a prevenção geral positiva é alcançada através de lesões aosdireitos do acusado, torna-se injustificada, ilegítima, tendo em vistaapresentar instrumentos ineficazes. A prevenção geral positiva estádiretamente ligada com a função retributivista de uma pena justa eadequada à gravidade do delito.

249 “La teoría de la prevención general, en su dimensión ‘general’, se basa en unaconcepción del sistema penal que tributa al correcto reconocimiento de la cienciasocial moderna y que comienza a imponerse en la teoría del derecho penal: elsistema de derecho penal no es, de acuerdo con esto, una institución para laimposición (fragmentaria ) de normas esenciales, sino es una institución de controlsocial que, a la par de otros ámbitos de control social (la familia, la escuela, laprofesión, los medios de comunicación, etcétera), trata de imponerse coninstrumentos de estructura semejante. Asimismo, la teoría de la prevencióngeneral, en su dimensión ‘general’, coloca la atención con toda justeza en que ladisposición, el cambio y la imposición de normas con los medios del derecho penaldeben tener efectos sobre otros ámbitos normativos sociales”. (NAUCKE, Wolfgang;HASSEMER, Winfried; LÜDERSSEN, Klaus. Op. c i t . , p. 80-81.)250 Assim, “esta concepción del sentido de la pena – que es una variante de la hoydiscutida ‘teoria de la prevención general positiva’ – no sólo puede aclarar elsentido de la pena y conectarla con las experiencias que los seres humanos sufrenen sus vidas cotidianas, sino que también puede justificar la pena así como sentarsus limites.” (HASSEMER, Winfried. Contra el abolicionismo: acerca del porqué nose debería suprimir el derecho penal. Revista Penal, Barcelona, n. 11, ene 2003. p.37)251 Sobre este assunto José Luis Díes Ripollés discorre: “Desse modo, o emprego dasanção penal para socializar a comunidade, que deficientemente interiorizou oscomponentes primários da ordem social, constitu i uma imposição social aceitável,na mesma linha que a ressocialização preventivo especial individual. E não há de sedeparar com prob lemas de legitimação, especialmente com a censura de moralizaçãoindevida, enquanto se limite aos conteúdos mínimos da coexistência que protegemcontra a desorganização social e as representações mentais suscitadas coincidammaterialmente com as assumidas pela grande maioria social aceitadora da ordemsocial básica. Do mesmo modo, nada obsta que a confirmação das convicçõesbásicas da maioria dos cidadãos sobre a vigência da ordem social primária e seuscomponentes essenciais possa configurar- se como um efeito social a se obter aotérmino da escala de intervenções sociais que viemos descrevendo: somente apretensão de modificar tais convicções através da reação penal, atuando contra osvalores amplamente majoritários, ou de impossib ilitar sua evolução espontânea,podem tornar injustificável a utilização desse efeito, da mesma forma que se colocaesse efeito no primeiro plano da intervenção penal, que é necessaria mente aflitiva.”(RIPOLLÉS, op. c i t . , p. 37.)

A busca dos objetivos sociais da pena, beneficiando ascomunidades que captam a mensagem emitida com a imposição da mesma,não pode ter maior importância do que a instrumentalização da sançãoaplicada diretamente no cidadão252.

Com relação à criminalidade econômica, a cifra negra é muitoalta253. Tal impunidade acaba por sinalizar a deslegitimação e o fracasso daatual justiça criminal. A efetividade da pena, assim, está estritamentevinculada ao processo254. Não basta apenas tipificar novas figuras penais se

252 Conforme RIPOLLÉS, op. c i t . , p. 39. Continua dizendo: “Além disso, a pena quese impõe e executa no delinqüente real deve poder justificar - se a todo momentopelos efeitos que diretamente se pretendem obter sobre ele, sem que os fins sociaisa obter sobre aqueles que não delinqüiram possa condicionar sua aplicação.Certamente, e como vimos, os efeitos a obter sobre o delinqüente real não sereduzem à sua ressocialização, mas abarcam igualmente sua reabilitação eintimidação individual, mas em qualquer caso, os princípios que orientam e aspossib ilidades que oferecem à individualização judicial e penitenciária da penadevem estar orientados para garantir tal justificação. Somente o princípio daproporcionalidade, encarregado de assegurar a coerência da pena com seus doisprimeiros fundamentos, juntamente com a importância da lesão do bem jurídico ecom a intensidade da responsab ilidade do autor, poderá estabelecer limites a essaadequação da imposição e execução da pena, para os efeitos sociais pretendidossobre o delinqüente real”.253 Sobre a cifra negra da criminalidade econômica Miguel Bajo e Silvina Bacigalupodiscorrem: “La delincuencia económica está falta de un control social y jurídicomínimamente satisfactorio. Prueba de la veracidad de este aserto la depara laelevada cifra negra de esta delincuencia que se ha considerado mayor que larelativa al aborto. Una lucha eficaz contra tal fenómeno delictivo se encuentraerizada de dificu ltades que se derivan principalmente de las específicascaracterísticas del hecho, de la especial actitud que mantiene la sociedad frente aldelincuente y frente al delito, y de las dificultades para un tratamiento jurídico yuna persecución judicial mínimamente eficaces. (BAJO, Miguel; BACIGALUPO,Silvina. Derecho Penal Económico. Madrid: Editorial Centro de Estudios RamónAreces S/A, 2001. 49-50)254 Neste sentido: “Los nuevos ámbitos, instrumentos y funciones traen consigonuevos prob lemas. Se pueden agrupar los problemas del Derecho Penal modernobajo dos perspectivas, las cuales están íntimamente vinculadas: el peligro de que elDerecho Penal moderno sólo pueda ejecutarse de forma deficitaria y la expectativade que se retrotraiga a funciones simbólicas. En el ínterin está aceptado que losámbitos principales del Derecho Penal moderno están afectados de <déficitprocesales> (<vollzugsdefiziten>). Se descubre que una gran parte del proceso seatasca en el estadio de instrucción: que el juez penal no aplica la pena en toda suextensión; que la cifra oscura es extraordinariamente grande; que se procesa a losfalsos cu lpables en tanto que los verdaderos parmanecen en la oscuridad. <Déficitprocesales> significa no sólo que las legues penales no pueden funcionar comodeberían, sino además que comportan consecuencias desiguales e injustas. Laposición que se adopte respecto de los <déficit procesales> depende de la opiniónque se sustente acerca de los motivos que los producen.” (HASSEMER, Winfried.Rasgos y crisis del Derecho Penal moderno. Anuario de Derecho Penal y CienciasPenales, tomo XLV, fasc. 1, ene./abr. 1992. p. 243.)

não existir um processo justo capaz de dar efetividade à norma (pena justa eadequada)255.

Diante da busca de concretização de uma prevenção geralpositiva para o Direito Penal Econômico, muitas vezes o processo penalacaba sendo utilizado a qualquer custo, mesmo diante de lesões a direitosfundamentais, para se alcançar à efetividade daquele.

O grande problema está, portanto, em se analisar o perigo deque o Direito Penal Econômico somente possa realizar a sua execução realde modo deficiente, ou muitas vezes, nem mesmo conseguir se concretizar,possuindo apenas uma função simbólica256.

Desta forma, o processo penal acaba sendo utilizado paraalcançar um dos seus fins, que é a condenação dos culpados (processoreduzido a uma máquina de exigir condenação), para que este não sejaapenas simbólico257. Contudo, para tanto, acaba lesionando a sua outrafinalidade, que é a garantia das liberdades públicas do cidadão, ou melhor, oprincípio do devido processo legal.

Existem, portanto, abusos na concretização do DireitoProcessual Penal na tentativa de se concretizar o Direito Penal Econômico. Oprocesso penal, atualmente, não se encontra apto a, garantindo os valoresmaiores da sociedade, assegurar, de maneira efetiva, a tutela do DireitoPenal Econômico.

255 Vide CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Grabriel. Derecho penal de la empresa desdeuma visión garantista . Montevidéo: IbdeF, 2005. p. 321; SÁNCHEZ, Eficiência...,op. c i t . , p. 53 e ss.256 A propósito, Winfried Hassemer traz: “Quienes consideren que estos déficits sonsólo provisionales y puramente cuantitativos deben contar con que a la larga elDerecho Penal quede reducido a una función simbólica, perdiendo finalmente susfunciones reales. La explosiva mezcla de grandes <necesidades de actuación>social, de fe casi ciega en la eficacia de los medios jurídico-penales y de los déficitsenormes que luego tienen estos instrumentos cuando se aplican en la realidad,puede hacer el peligro de que el Derecho Penal viva de la ilusión de solucionarrealmente prob lemas, lo que a corto plazo puede ser gratificante, pero a largo plazoes destructivo”. (HASSEMER, Crisis y características..., op. c i t . , p. 642.)257 “Com o passar do tempo a pena periga se reduzir à função simbólica deimpressionar as massas (serventia fagocitada pela prevenção geral positiva) ou dedisseminar o gosto pela vindita na maioria silenciosa.” (FROTA, Hidemberg Alves.Lineamentos sobre a teoria da prevenção geral da pena. Revista Brasileira deCiências Criminais, São Paulo, n. 45, ano 11, out./dez. 2003. p. 141.)

Há uma grande preocupação dos responsáveis pelofuncionamento do sistema jurídico, para que este tenha uma maiorcredibilidade e eficiência. Operadores do direito debruçam-se para descobrirsoluções que viabilizem um processo em compromisso com a justiça sem seperder em formalismos desnecessários que entravam o seu andamento, paraque assim o Estado possa efetivamente exercer o seu papel de promover asegurança, a justiça e o bem-estar social, acabando com as reclamaçõesgeneralizadas sobre a insegurança e impunidade. É necessário que,juntamente com as garantias da forma, disponha o processo penal deeficiência e funcionalidade.

Para que tal ocorra, deve-se ter em conta que estamodernização do processo não significa tão-somente a redução deformalidades a qualquer custo, ou dos direitos fundamentais garantidos,para que então se atinja a suposta eficácia da prestação jurisdicional. Aocontrário, deve-se atentar para a essencialidade do processo, com todas asgarantias a ele inerentes, para que não se incida no grave erro de se tersoluções simplistas, em prejuízo da sociedade.

Assim sendo, a eficácia do Direito Penal Econômico nãodepende apenas de leis aperfeiçoadas que indiquem os modelos decomportamento social. É indispensável, complementarmente, um sistema deregras eficientes que organizem a prestação jurisdicional, para que o PoderJudiciário julgue com justiça os conflitos sociais existentes.

Visa-se, com isto, que o processo penal avance no sentido derespeitar e garantir os direitos fundamentais da pessoa humana, não sendoapenas um instrumento de aplicação da lei material. Se a busca pela penafor fundada apenas na prevenção geral positiva, o indivíduo acaba tendo suadignidade afetada, visto ser tratado como meio para consecução dos finssociais meramente utilitários258.

258 Neste sentido: “La pena está hasta tal punto arraigada en la estructura social ypolítica que, a pesar de reconocerse su inadecuación, intrínseca injusticia eineficacia, persiste. En cambio, lo que se va sucediendo según los momentos queatraviesa la dogmática penal son los fines que se le atribuyen. Podría considerarseque en lugar de ser un medio para determinado fin, la pena y fin de la pena,

É no processo penal que o princípio do devido processo legaldeve se apresentar mais vivamente, já que possui a necessidade de umainstrução criminal regular e justa, para que, desta forma, possa conferireficácia a direitos e garantias mínimas ao imputado.

Se o Estado tem o dever de prestar a tutela jurisdicional, paraassim tornar efetivo direito material, pode-se dizer que o homem tem odireito a uma adequada tutela jurisdicional, que é o fundamento do princípiodo devido processo legal. Visa-se um processo efetivo, apto a solucionar oscasos penais259.

O devido processo legal260, portanto, tem como objetivogarantir a consecução dos direitos denominados fundamentais aos cidadãos,mediante a efetivação do direito ao processo, com um procedimentoregularmente desenvolvido.

Contudo, as condições atuais para a efetividade dos direitosfundamentais na persecução dos delitos contra a ordem econômica parecemnebulosas e cinzentas, como se poderá constatar nos tópicos seguintes.

parecería que en determinado momento se invirtiera la relación y el medio seconvirtiera en fin. ‘La fórmula clásica del racionalismo moderno, justificación de losmales presentes por el b ien que se ha de conseguir (el mundo mejor), hoy se haconvertido en otra: Los medios justifican los fines’.” (MESSUTI, Ana. Algunasreflexiones sobre la pena y el pensamiento penal. Revista Brasi leira de CiênciasCriminais, São Paulo, n. 55, ano 13, ju l./ago. 2005. p. 29.)259 “Ao tratar da tensão que parece haver entre eficiência e garantias do processopenal, Chiavario sustenta que a verdadeira eficiência processual é aquela quetambém engloba a eficiência no reconhecimento e na observância das garantiasprocessuais. Para ele, a eficiência processual não é sinônimo de maior repressão,mas diz respeito a um processo em que devem ser perseguidos bons resultadostambém sob a ótica da tempestividade e da eficácia das sanções, desde que ospersigam de acordo com o procedimento adequado.” (GOMES, Mariângela Gama deMagalhães. Devido Processo Legal e direito ao procedimento adequado. RevistaBrasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, n. 55, ano 13, ju l./ago. 2005. p.306.)260 Sobre o assunto, Rogério Lauria Tucci discorre: “Superafetada, inclusive, notexto do art. 5 da vigente Constitu ição Federal – ao estabelecer que ninguémpoderá ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (comgrifos nossos), – impõe a assecuração, ao ser humano envolvido numa persecutiocriminis , de livre acesso ao ju iz natural, com o direito de participar, em igualdadede condições com os agentes estatais da persecução penal, e em inafastávelcontraditoriedade, de todo o i ter procedimental, orientado por mecanismos decontrole e exatidão de desfecho do processo, num prazo razoável.” (TUCCI, op. c i t . ,p. 93.)

3.3 Efetividade das investigações: a utilização de mecanismos quepriorizam os fins em detrimento das liberdades públicas

O limiar do século XXI veio acompanhado de “um âmbitoeconômico rapidamente variante e pelo aparecimento de avançostecnológicos sem paralelo em toda a história”261, gerando nas consciênciasdos cidadãos o sentimento de que a sociedade democrática precisa deproteção262, exigindo altos graus de vigilância e maior controle por parte doEstado.

A impunidade no campo da criminalidade econômica colocouas instituições tradicionais em crise. A justiça criminal ficou vulneráveldiante de fenômenos para os quais não estava preparada pra controlareficazmente263.

Pode-se dizer que “as imagens de choque mostradas emdirecto e difundidas à escala global, as novas fronteiras da criminalidadetransnacional e organizada, os flagelos dos diversos tráficos e a violência e asconseqüências econômicas que – real ou suspeitamente – lhe são associadas,

261 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal : aspectos da políticacriminal nas sociedades pós - industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002. Série as ciências criminais no século XXI, v.11.p. 29. Continua destacando: “Isso, pelo fato de que boa parte das ameaças a que oscidadãos adotam no manejo dos avanços técnicos: riscos mais ou menos diretospara os cidadãos (como consumidores, usuários, beneficiários de serviços públicosetc.) que derivam das aplicações técnicas dos avanços na indústria, na b iologia, nagenética, na energia nuclear, na informática, nas comunicações etc. Mas, também,porque a sociedade tecnológica, crescentemente competitiva, desloca para amarginalidade não poucos indivíduos, que imediatamente são percebidos pelosdemais como fonte de riscos pessoais e patrimoniais”. (p. 29.)262 Neste sentido, Jesús -María Silva Sánchez esclarece: “/.../ nossa sociedade podeser melhor definida como a sociedade da ‘insegurança sentida’ (ou como a sociedadedo medo). Com efeito, um dos traços mais significativos das sociedades da era pós -industrial é a sensação geral de insegurança, isto é, o aparecimento de uma formaespecialmente aguda de viver os riscos. É certo, desde logo, que os ‘novos riscos’ –tecnológicos e não tecnológicos – existem. Tanto é assim que a própria diversidadee complexidade social, com sua enorme pluralidade de opções, com a existência deuma abundância informativa a que se soma a falta de critérios para a decis ão sobreo que é bom e o que é mau, sobre em que se pode e em que não se pode confiar,constitu i uma fonte de dúvidas, incertezas, ansiedade e insegurança.” (SÁNCHEZ, Aexpansão..., op. c i t . , p. 33.)263 A esse propósito, Francis Rafael Beck discorre: “Os novos conflitos surgidos nasociedade atual – associados a uma intervenção reguladora cada vez mais pálidados órgãos estatais – desafiam a capacidade do sistema jurídico posto, que não rarose mostra inapto a superá- los.” (BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controledo crime organizado na sociedade contemporânea : da crise do modelo liberal àstendências de antecipação da punib ilidade e flexib ilização das garantias doacusado. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 262.)

perturbam as análises, geram insegurança, e fazem a opinião reclamar, porvezes, um recuo perante valores”264/265.

Tal cenário acaba por gerar o risco de encolhimento dademocracia e o encurtamento dos direitos para salvação da segurança e daeficácia do direito. Contudo, não se pode esquecer que em um EstadoDemocrático de Direito a pessoa humana digna e livre é vista como valorcentral, gravitando ao redor deste todos os outros valores constitucionais,sob os quais estão submetidos todas as atividades estatais, inclusive aatividade de apuração do ilícito penal.

Aliadas a tal contexto, existem raras notícias de investigaçãoeficiente nesta seara, de colheita de provas suficientemente incriminadoras epunição dos indivíduos responsáveis pela conduta ilícita, principalmenteaqueles que ocupam o topo da estrutura organizacional, demonstrando queos mecanismos jurídicos oficialmente utilizados para o controle dacriminalidade de massa não se mostram adequados para combater acriminalidade econômica.

Assim sendo, discursos existem no sentido de impor maioreficiência ao processo penal, utilizando-se, como já salientado, daflexibilização dos direitos e garantias fundamentais266, para a concretizaçãodo Direito Penal Econômico.

264 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 257.265 “En cuestiones que exceden a nuestra esfera privada, no ponemos en lo peor: enrelación con el desarrollo económico, con el lugar de trabajo y los puestos detrabajo, la estabilidad de la moneda, la inmigración de extranjeros, la violenciaentre los jóvenes y los niños, la violencia contra niños y ancianos, el consumo dedrogas, la crisis energética y alimentaría, la contaminación des medio ambiente, olacriminalidad organizada y la criminalidad de todos los días, los peligros derivadosde la energía nuclear y de las alteraciones genéticas que afectan tanto a personascomo a animales. La proximidad de estos riesgos no es la misma para todos,dependiendo, en cualquier caso, de la edad, la formación, la situación económica ola posición política de cada persona. Pero lo que sí es común a todos es elsentimiento de que este mundo está amenazado por peligros ominipresentes perodifícilmente calcu lables, peligros que nos afectarán a todos sin que podamosdominarlos y que cuando se materialicen tendrán efectos devastadores: nadie puedeafrontar estos peligros con racionalidad.” (HASSEMER, Winfried. La policía en elEstado de Derecho. Revista de Derecho y Proceso Penal , Navarra, fasc. 1, 1999.p. 106.)266 Não se pode esquecer, como salientado por Luiz Antonio Câmara, em seu artigoacerca das medidas cautelares pessoais nos crimes contra o sistema financeiro

A busca pela eficiência se faz pelo “desprezo pela forma e peloconteúdo, que se manifesta de modo significativo na demanda porinstrumento rápidos e eficazes para lutar contra a criminalidade dospoderosos”267.

Nos anos mais recentes, expandiram-se os meios einstrumentos à disposição dos Estados e dos seus poderes para invadir osdireitos fundamentais dos indivíduos, mesmo diante dos riscos que isto podeocasionar para a democracia e a liberdade268.

Tendo em vista a dificuldade probatória para este tipo decriminalidade, estas invasões ocorrem na perseguição dos indícios daautoria e da prova da materialidade do fato269. As autoridades de

nacional, que “Em 1988, com a edição da nova Carta Constitucional e a instalaçãode um Estado Democrático de Direito, prenunciou - se um regime de maximizaçãodos direitos e garantias fundamentais. Entre estes, também, os chamados Direitosciv is ou à l iberdade , categoria na qual se inserem os direitos do criminalmenteacusado, especialmente a liberdade de locomoção antes da prolação de ju ízocondenatório com trânsito em ju lgado. Ao imputado, na nova Carta, foramoferecidos direitos e garantias vários e vigorosos, dentre os quais convém destacar:o princípio do devido processo legal (CF, art. 5 , inc. LIV), o princípio da presunçãode inocência (CF, art. 5 , inc. LVII), os princípios da ampla defesa e docontraditório (CF, art. 5 , inc. LV) e o princípio do ju iz natural (CF, art. 5 , inc.LIII)”. (CÂMARA, Luiz Antonio. Reflexões acerca das medidas cautelares pessoaisnos crimes contra o sistema financeiro nacional. In: GEVAERD, Jair; TONIN, MartaMarília (coords.). Direito Empresarial & Cidadania: questões contemporâneas.Curitiba: Juruá, 2004. p. 233.)267 SÁNCHEZ, A expansão..., op. c i t . , p. 70.268 A propósito tem-se: “No âmbito jurídico-processual penal ampliaram-se algunsinstrumentos de investigação, através da regulamentação da utilização de agentesinfiltrados (§§ 110a-110e, StPO), do uso de meios técnicos de vigilância (§§ 110c-110d, StPO), do acesso a base de dados (§§ 98a-98c, StPO) e da observação policial(§ 163e, StPO).” (ALBIN ESER, M. C. J. Sobre a mais recente evolução do direitopenal econômico alemão. Revista Portuguesa de Ciência Criminal , Coimbra, ano12. n. 4, out./dez. 2002. p. 535.)269 Falando sobre a investigação desta criminalidade na Alemanha, Hassemerdiscorre: “Trás una discusión de varios años sobre la necesidad de reforzar losinstrumentos procesales de investigación ante las nuevas formas de criminalidadun sobre los concretos instrumentos que debían ser reforzados, en 1992 la OegKGdotó de legitimación legal a una serie de métodos de investigación, cambiando asíradicalmente la cara de nuestro proceso penal. Como afirma con razón un insider ,la Ordenanza Procesal Penal <ha dejado de ser una ordenanza del proceso, laprotección y la liberdad, para convertirse, sobre todo, en un instrumento operativode las autoridades encargadas de la persecución penal>. Si se presta atenciónglobalizada a los métodos de investigación introducidos la OrgKG se advierte cuáles el talante que está empezando a imponerse. Estos instrumentos son lossiguientes: refuerzo de la protección de los testigos a través de medidas preventivasy reducción de los deberes de información; investigación en trama (cotejoautomatizado de grandes cantidades de datos personales almacenados en bases dedatos ajenas a las autoridades encargadas del proceso penal y que no han sidoobtenidos con el objetivo de la persecución penal, empleando para elo criterioscriminalísticos de análisis ); cotejo automatizado de datos (en las bases de datos delas autoridades encargadas del proceso penal y de la policía ); ampliación de las

investigação criminal, vivendo a cultura da eficácia, “reclamam cada vezmais o uso de meios especiais de investigação, que, com dimensãomarcantemente invasiva ou de forte limitação da normalidade de direitosprocessuais, terão de ser testados ou confrontados com o núcleo dos direitosfundamentais sem cujo respeito não há processo eqüitativo.”270

Como se pode notar, os direitos fundamentais acabam sendoconsiderados obstáculos para a eficiência e celeridade do aparelho repressordo Estado, principalmente no âmbito do processo penal. Portanto, o pontocrucial reside em se flexibilizar ou não, as garantias em prol de uma maioreficiência no controle da criminalidade econômica.

Pautando-se no medo dessa nova forma de delinqüência, bemcomo por não possuir instrumentos hábeis para controle da mesma,fomenta-se cada vez mais características inquisitórias, suprimindo direitos,como o da ampla defesa e da presunção de inocência.

Para a criminalidade econômica, a concepção de queencontrada a materialidade do fato, e desvendados os indícios da autoria,encerrada está a investigação, não serve. Isto devido “ao grau decomplexidade e a penetração das redes venenosas possuir um diferencialimportante, calcada na não-eventualidade, na organização, na inteligência, aqual pode criar pistas falsas, engendrar e provar álibis, fabricar autores econfissão de delitos menos graves.”271

Diante disto, Julio Maier salienta a complexidade dos crimescontra a ordem econômica e sua investigação, discorrendo que “talcomplexidade, por um lado, se traduz, intelectualmente, através da

autorizaciones para intervenciones telefónicas, así como del catálogo de los hechospunib les que pueden dar lugar a su empleo; utilización de medios técnicos deescucha, grabación, observación, fotografía y filmación; uso de investigadoresincub iertos; vigilancia policial a largo plazo, sobre todo para conseguir <cuadros demovimientos> de personas.” (HASSEMER, Winfried. Proceso penal sin protección dedatos? In: La insostenible situación del derecho penal . Granada: EditorialComares, 2000. p. 112.)270 GASPAR, op. c i t . , p. 266.271 Embora o autor esteja se referindo de forma específica à criminalidadeorganizada, tal afirmação pode ser utilizada analogicamente para a criminalidadeeconômica. GIACOMOLLI, Nereu José. A garantia do devido processo legal e acriminalidade organizada. Revista de Estudos Criminais , Porto Alegre, v. 4, n. 14,p. 113-121, 2004. p. 115.

necessidade de conhecimentos específicos, não só jurídicos (por ex.: direitobancário), mas, também, relativos a outras ciências (por ex.: econômicas), e,por outro, praticamente, pela existência, após esses delitos, de grandenúmero de autores e participantes suspeitos, e de atos delituosos conexos,fenômeno próprio de organizações delituosas, ou pela necessidade resultantede destinar para a sua perseguição maior número de recursos humanos emateriais. A isso se agrega, em primeiro lugar, o elevado coeficiente deinteligência dos autores destes delitos e, em segundo lugar, a utilização demodos e meios delituosos altamente técnicos, em numerosas oportunidadessuperiores aos que se utilizam para seu controle, perseguição e decisão”. 272

A dificuldade probatória, portanto, se mostra evidente, tendo olegislador criado instrumentos de investigação que acabam por ocasionar“intromissões em aspectos da vida privada, a correspondência e o segredodas telecomunicações, as ações encobertas e, no domínio da administraçãodas provas, o recurso a testemunhas que se apresentem sob disfarce ouanonimato”273.

Alguns mecanismos de investigação criminal existentes, queacabam por interferir com a vida privada, são as “revistas corporais, buscasdomiciliárias, captação de som por meios ocultos, interceptações telefônicas,vigilância de correspondência e o uso de ações encobertas”274.

Embora não se pretenda definir a vida privada275, esta deveser considerada em sentido amplo, de maneira “que uma medida queinterfira com tal direito, mesmo no âmbito de uma investigação criminal,afecta a razoável expectativa de privacidade de todo o indivíduo a que a

272 MAIER, Julio B. J. Delincuencia socioeconómica y reforma procesal penal. In:Doctrina Penal : teoría e práctica en las Ciencias Penales. Buenos Aires: Depalma,1989. p. 520.273 GASPAR, op. c i t . , p. 266.274 GASPAR, op. c i t . , p. 268.275 Para se compreender melhor o que vem a ser vida privada, José Afonso da Silvaensina: “Toma- se, pois, a privacidade como 'o conjunto de informação acerca doindivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar,decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder serlegalmente su jeito'”. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito ConstitucionalPositivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 209.)

medida se dirige, bem como de outras pessoas com quem esteja em relação eque possam ser afectadas”276.

Sob o manto de proteção da segurança nacional ou daprevenção e repressão do crime, tais meios especiais de investigação,invasivos de direitos fundamentais, acolhem, atualmente, justificações. Ofim é legitimado por tal contexto277.

No Brasil, os mecanismos operacionais para a prevenção erepressão desta nova criminalidade estão previstos, principalmente, na Lei9.034/95, modificada em 2001, que permite o acesso a dados bancários,fiscais, financeiros e eleitorais pela autoridade investigante, a açãoencoberta, a delação premiada, bem como o flagrante prorrogado, muitoembora outras leis, como a Lei 11.343/06 (arts. 41 e 53), também tragamalguns destes mecanismos de investigação.

Todas estas iniciativas legais possuem falhas graves, queacabam por ocasionar perplexidade nos intérpretes e dificultam o trabalhodos juízes, tendo em vista a inexistência de uma linha diretiva clara.

Não se pode esquecer, ainda, que no Brasil a investigaçãocriminal é entregue à Polícia Judiciária Federal e à dos Estados (PolíciaCivil); e estas, via de regra, não estão bem equipadas, do ponto de vistahumano e material, nem mesmo para uma efetiva perseguição dacriminalidade convencional, quanto mais da não-convencional oueconômica.

Outro ponto relevante está no fato de que no sistemainvestigatório atual a polícia e o Ministério Público quase não se comunicam,

276 GASPAR, op. c i t . , p. 268. Continua dizendo: “É o caso típico da interceptação egravação de conversações telefônicas ou de outras formas de comunicação, bemcomo o registro de voz e imagem sem consentimento do visado, que afectam, por s imesmas, direitos fundamentais substanciais de natureza pessoal, como o direito aorespeito da vida privada e ao sigilo das telecomunicações”.277 “Assim, é justamente a defesa da sociedade contra o crime organizado quesempre mais vezes é usada como justificação para a limitação de direitos e degarantias individuais, que são também fundamentais (freqüentemente, e sobretudocom referência à esfera dos direitos ‘processuais’)/.../” (CHIAVARIO, Mario.Direitos humanos, processo penal e criminalidade organizada. Revista Brasileirade Ciências Criminais, São Paulo, ano 2, n. 5, p. 25-36, jan./mar. 1994. p. 27.)

sendo órgãos estanques. O Ministério Público, como órgão diretamenteinteressado na instrução do inquérito, ao não controlar as investigações,pode vir a gerar a ausência de um direcionamento da atividade policial nabusca de provas278.

O acesso a dados, documentos e informações fiscais,bancárias, financeiras e eleitorais, como já dito, é possível, em caráterexcepcional e nos estritos ditames legais, mediante autorização judicial.

Contudo, é possível, ainda, o acesso a tais dados, documentosetc., sem a necessidade de autorização judicial, pelas ComissõesParlamentares de Inquérito279, as autoridades e os agentes fiscais daadministração tributária da União, dos Estados, do DF e dos Municípios280 eao próprio Ministério Público281, especialmente no crime praticado pororganização criminosa, “uma vez que a proteção constitucional do sigilo nãodeve servir para detentores de negócios não transparentes ou de devedoresque tiram proveito dele para não honrar seus compromissos”282.

278 Neste sentido: “Hodiernamente, o inquérito é instaurado, realizado e conclu ído,no mais das vezes, sem a intervenção direta e atuante de seu próprio destinatário,ou seja: sem a participação ativa do órgão que, com base nos dados amealhados nainvestigação, terá de sustentar em juízo a acusação púb lica, produzindo provas,alegações e arrazoados, pleiteando a aplicação da lei penal perante o Poderencarregado da jurisdição.” (NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. O processo penalem face da Constituição e dos ditames de uma justiça penal mais eficaz.PENTEADO, Jaques de Camargo (coord.). Justiça Penal. São Paulo: Revista dosTribunais, 1994. p. 89.)279 O § 3 da Lei 4.595/64 dispõe que as Comissões Parlamentares de Inquéritopoderão promover a quebra do sigilo bancário, desde que seja aprovada pelamaioria dos seus membros, não sendo necessária uma autorização judicial.Ademais, o art. 58, § 3 da CF atribui às CPIs poderes de investigação próprios dasautoridades judiciais. O Supremo Tribunal Federal se posiciona no sentido de queàs CPIs podem quebrar o sigilo independente de autorização judicial, determinando,ainda, que as CPIs fundamentem a necessidade de ta l medida, como se pode ver:“STF MS 23.452: “o plenário reconheceu a possib ilidade de que a CPI,independentemente de prévia determinação judicial, ordenar a quebra dos sigilosfiscal, bancário e o de registros telefônicos, desde que fundamente sua deliberação,apoiando-a em indícios que justifiquem a necessidade de adoção dessas medidas”.(Relator Ministro Celso de Mello. DJU 08.06.99. (www.stf.gov.br)Em sentido contrário à posição do STF ver: MOYANO, Hélios Nogués; VANNI,Adriano Salles. Sigilo bancário: por quem e quando pode ser violado. RevistaBrasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, n. 19, ano 5, p. 47-54, ju l./set.1997.; MOYANO, Hélios Nogués; VANNI, Adriano Salles. CPI não pode quebrar sigilobancário. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 56, p. 12-13, jul. 1997.280 Tal permissão encontra- se regulamentada no Decreto-Lei 3.724/2001.281 A possib ilidade do Ministério Público requisitar diretamente informaçõesacobertadas pelos sigilos bancários não é assunto pacificado. Neste sentido ver:MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.63 e ss.282 MORAES, op. c i t . , p. 62.

Neste sentido, verifica-se que a Lei Complementar 105/01,que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras,oportunizou a flexibilização das garantias individuais em favor dosinteresses arrecadatórios do Fisco283. Com a edição de tal lei, o PoderLegislativo conferiu ao Poder Executivo, meios para obter acesso aos dadosbancários dos contribuintes, sem que haja necessidade de comprovarindícios da autoria de crime de sonegação (mesmo sem procedimentofiscalizatório instaurado), outorgando às autoridades fiscais o poder dequebra de sigilo, sem prévia autorização judicial284.

Assim, tal prática, além de caracterizar ofensa ao direito àprivacidade, é considerada inquisitorial285, já que o contribuinte acaba tendoo seu direito à ampla defesa e ao contraditório, ofendidos.

Também é admissível a captação e a interceptação ambientalde sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise,mediante circunstanciada autorização judicial. Esta medida é novidade,

283 Carolina Chiappini e Marcelo Magalhães Peixoto concluem que o desequilíbriogerado pela entrada em vigor das prescrições legais que regulam a quebra de sigilonão são expressão do objetivo estatal de uma sociedade justa e igualitária, mas simde “exercer a voracidade do ente tributante ao utilizar todos os subterfúgiosdisponíveis para eliminar obstáculos constitucionais, para aumentar aarrecadação”. (CHIAPPINI, Carolina; PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Sigi lo Fiscal eBancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005. p. 447.)284 Trata- se do disposto no parágrafo 3 do artigo 2 do Decreto-Lei 3.724/2001 queassim dispõe: “Nos casos de flagrante constatação de contrabando, descaminho ouqualquer outra prática de infração à legislação tributária, em que a retardação doinício do procedimento fiscal coloque em risco os interesses da Fazenda Nacional,pela possib ilidade de subtração de prova, o Auditor-Fiscal da Receita Federaldeverá iniciar imediatamente o procedimento fiscal, e, no prazo de cinco dias,contado de sua data de início, será expedido MPF especial, do qual será dadaciência ao su jeito passivo.”285 Este caráter inquisitorial foi reconhecido pelo Ministra Ellen Grace, noju lgamento do Hábeas Corpus 85.088-0, ju lgado em 30.08.2005, que indeferiu aordem ao paciente que pleiteava pelo reconhecimento de nulidade do procedimentofiscal que culminou na quebra do sigilo de seus dados, como se pode constatar emsua ementa: “CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,. LEI 8.137/90 (art. 1 , I, II eV). NULIDADE DO PROCEDIMENTO FISCAL. 1. Inexistência de irregularidades noprocedimento que culminou com a quebra do sigilo b ancário. Providência que teve oendosso do Judiciário e que, de regra, é efetivado em procedimento inquisitorial,sob pena de frustação da medida. 2. HC indeferido.” Em outro caso os MinistrosCelso de Mello, Marco Aurélio Mello, Sepúlvida Pertence, Néri da Silveira e CarlosVelloso, no ju lgamento do Mandado de Segurança 23.452 de 16.10.1999pronunciaram-se favoravelmente quanto à necessidade de autorização judicial nadeterminação da quebra do sigilo bancário. Desse modo, levantou -se a tese deincostitucionalidade da Lei Complementar 105/2001. (www.stf.gov.br)

tendo em vista que apenas se conhecia a interceptação e a escutatelefônicas, disciplinadas pela Lei nº. 9.296/96286.

Alexandre de Moraes destaca a diferença entre interceptaçãotelefônica e gravações clandestinas, sendo estas últimas a “captação egravação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica, no mesmo momentoem que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceirapessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demaisinterlocutores”287.

Sobre tais gravações clandestinas, o autor conclui que asmesmas não devem ser admitidas pois, além de existir a possibilidade demanipulações, “acaba por atentar frontalmente com diversos direitosconstitucionalmente garantidos e, principalmente, contra a inviolabilidadeda vida privada e da intimidade”.288

A ação encoberta289, ou seja, a utilização de agentesinfiltrados, além de ser perigosa e possuir uma certa dose de deslealdade,também vem sendo utilizada para a investigação da criminalidadeeconômica. Tal mecanismo gera problemas na visão de um processoeqüitativo, no que diz respeito à admissibilidade das provas, bem como naprópria origem e nos limites da construção do fato criminoso.

286 Comentando sobre a Lei 9.296/96, Alexandre de Moraes discorre: “A citada leivedou a realização de interceptação de comunicações telefônicas quando não houverindícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puderser feita por outros meios disponíveis, consagrando a necessidade da presença dofumus boni iuris , pressuposto exigível para todas as medidas de caráter cautelar,afirmando Antonio Magalhães Gomes Filho que deve ser perquirida a exclusividadedeste meio de prova, ‘diante da forma de execução do crime, da urgência na suaapuração, ou então da excepcional gravidade da conduta investigada, a ponto dejustificar- se a intromissão’. Importante ressaltar, ainda, que somente será possívela autorização para a interceptação quando o fato investigado constitu ir infraçãopenal punida com rec lusão , o que, entendemos, não desautoriza a utilização, comomeio de prova, de eventuais gravações relacionadas com crimes apenados comdetenção, desde que conexos como o objeto principal da investigação e obtidas nomesmo procedimento”. (MORAES, op. c i t . , p. 54.)287 MORAES, op. c i t . , p. 57.288 MORAES, op. c i t . , p. 59.289 O agente encoberto é um "funcionario policial o de las fuerzas de seguridad quehace una investigación dentro de una organización criminal, muchas veces, bajouna identidad modificada, a fin de tomar conocimiento de la comisión de delitos, supreparación e informar sobre dichas circunstancias para así proceder a sudescubrimiento, e a lgunos casos se encuentra autorizado también a participar de laactividad ilícita."(SANTAMARÍA, Claúdia B. Moscato. El Agente Encubierto. BuenosAires: La Ley, 2000, p. 01.)

Verifica-se que o Estado acaba violando o mínimo ético doconteúdo do devido processo legal, na medida em que, “para desvendar ocrime, se iguala ao criminoso, praticando, através de seus agentes, fatostipicamente criminosos”.290

A conduta praticada pelo agente infiltrado é lícita. Contudo, alei brasileira não traz qual o alcance e limite dessa licitude291, e nem mesmoregulamenta como o Estado vai garantir a vida de seus agentes e a de seusfamiliares.

A lei, além de permitir a infiltração de agentes policiais,permite a do agente de inteligência. Aqui se depara com outro problema, aose questionar quem seria este agente, não havendo delimitação legal se estepode ser alheio aos próprios quadros da polícia.

Ademais, além da lei não estabelecer tempo de duração damedida, o agente infiltrado deve ser treinado, não se levando emconsideração se o Estado tem condições de treiná-lo eficazmente.

Além disso, há o freqüente risco de deserção de agentesinfiltrados, que, ao bandearem-se para as organizações criminosas, levamnão só informações valiosas sobre as agências que as combatem, comotambém contribuem fortemente para o descrédito delas.

Outro mecanismo atualmente utilizado nas investigações dacriminalidade econômica, previsto na legislação brasileira, é o flagrantediferido ou prorrogado, excepcionando-se a regra do art. 301 do CPP. Nestecaso, o flagrante fica para um momento posterior, desde que haja controle eobservação. O mesmo se justifica para obtenção de um resultado mais eficazem relação às informações obtidas.

290 GIACOMOLLI, op. c i t . , p. 120.291 “Não há previsão expressa sobre a conduta a ser seguida pelo agente infiltrado, especificamentesobre atos que eventualmente possam configurar crimes, fato este que inapelavelmente terá de sertratado pela doutrina e jurisprudência dos tribunais, pois, em inúmeras situações a infiltração levaráa alguma conduta criminosa que não poderá ser recusada sob pena de malograr as investigações.”(GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos – Comentários, Jurisprudência e Prática. Curitiba: Juruá,2002. p. 207.)

Em suma, evita-se a prisão em flagrante no momento daprática do delito, a fim de que em um momento posterior, possa ser efetuadacom maior eficácia a prisão de todos os participantes da quadrilha, bando ouorganização criminosa.

Sendo assim, a ação controlada não passa de um meioestratégico investigatório, que visa determinar o momento mais adequado econveniente da atuação policial, tendo como característica principal oretardamento da intervenção policial, apesar do fato criminoso já seencontrar numa situação de flagrância, permitindo a efetivação do chamado"flagrante prorrogado ou diferido".

Nesta hipótese de flagrante, a responsabilidade do policial émuito grande, uma vez que, em sendo o objetivo da ação controlada garantira maior eficácia na colheita das provas, tal objetivo pode não ser alcançado.O momento mais eficaz de atuação policial depende de um juízo de valor queserá feito pela autoridade, cuidando, pois, de atividade policialdiscricionária, mas não arbitrária. Contudo, a lei não estabeleceu nenhumaforma de controle, outro fator que aumenta ainda mais a responsabilidadeda autoridade policial.

A delação premiada292, de duvidosa eticidade, também éconsiderada como um mecanismo de investigação. O Estado buscapossibilitar a descoberta de outros crimes e de outros autores. Para tanto,outorga o prêmio da redução da pena ou extinção do processo ao agente queentregou seu comparsa ou outros delitos293.

292 Tal instituto encontra- se previsto nas seguintes leis: Lei 8.072/90 – Lei dosCrimes Hediondos; Lei 9.034/95 – conhecida como Lei de Combate ao CrimeOrganizado; Lei 9.613/98 – Lei de Lavagem de Dinheiro; Lei 9.807/99 – Lei deProteção às Vítimas e Testemunhas e, na Lei 11.343/06 – Lei de Tóxicos.293 Comentando sobre a delação premiada no âmbito dos crimes fiscais, RodrigoSánchez Rios esclarece: “Enfocando o aspecto prático da redução de pena, tanto noaspecto investigatório, como no processual, cabe estabelecer os critérios para suaaplicação. Antes, porém, convêm deixar claro que a contribuição do agente deveráanteceder à atuação da autoridade policial ou da acusação na coleta de provas. Oauxílio que o agente venha a prestar à justiça pode ser dado já na fase deinvestigação policial. Sua confissão espontânea nesta fase visaria, pois, especificara materialidade e a autoria (co-autoria ou participação) do fato delituoso praticado,restando evidente a sua colaboração com a acusação. Na fase processual, odiscurso também é cristalino, pois a finalidade de referidos dispositivos é auxiliar àjustiça na verificação da ocorrência do delito. Resta claro que a redução não poderá

Contudo, esquece o Estado que na criminalidade econômicavige a lei do silêncio, existindo pouco espaço para a efetividade do instituto.Como conseqüência, acaba demonstrando sua fraqueza moral e a carênciaética no devido processo legal.

Um outro problema apresentado para a impunidade noscrimes contra a ordem econômica está na dificuldade de se obterinformações necessárias para se iniciar a investigação e persecução dosmesmos. Isto porque a vítima294, principal informador do sistema penal,sendo distante nestes delitos, muitas vezes não tem conhecimento dosmesmos, ao contrário da criminalidade convencional que, de regra, possuiuma vítima singular, nada distante da conduta delituosa perpetrada295.

Trata-se de uma vítima indeterminada, que na maioria dasvezes, desconhece a sua própria condição de vítima, e pela existência de umgrande número de crimes de perigo abstrato, chega-se mesmo a não se terconsciência de sua ocorrência. Sendo assim, existe um déficit de informaçãopor parte da polícia e também por parte das vítimas.

Aliado a este fato, os delitos contra a ordem econômica, nasua grande maioria, são ocultos, ou seja, são perpetrados por uma

ser aplicada quando o Ministério Púb lico já tenha produzido – junto ao ju ízo –provas suficientes à verificação das condutas delituosas, s em qualquer contribuiçãodo agente. Sobretudo, quando este ú ltimo já tenha sido interrogado pelo ju ízo etenha negado veemente os fatos imputados pela acusação. Restará, evidentemente,comprometido, eventual requerimento da defesa para usufru ir deste benefício apóshaver sido u ltrapassada a fase do interrogatório”.(RIOS, Rodrigo Sánchez. O crimefiscal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 104-105.)294 José de Faria Costa e Manuel da Costa Andrade sobre a importância da vítima nosistema formal de controle discorrem: “É que, à semelhança do que acontece com acriminalidade comum, também em relação à criminalidade econômica a vítima surgecomo gate -keeper decisivo do sistema formal de controlo e como responsável maiorpela selecção e c i f ras negras . Há, por isso, que criar estímulos à sua intervenção,capazes de vencer a normal desmobilização que a mais recente investigação -vitimológica tem posto em relevo e que se explica sobretudo: pela naturezaabstracta da ví t ima , resu ltante da pulverização dos danos; pelo teor específico dasrelações delinqüente- vítima, sem interacção dramática e sem impacto emotivo; pelanormal ‘invisib ilidade’ da conduta, já na sua expressão fáctica, já na sua valoraçãojurídica ou, mesmo, ética.” (COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuel da Costa.Sobre a concepção e os princípios do direito penal econômico: notas a propósito docolóquio da AIDP. In: PODVAL, Roberto (org.). Temas de Direito Penal Econômico.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 115.)295 Sobre a figura da vítima na criminalida econômica Julio Maier esclarece:“Característica inescindib le de estos delitos es la inexistencia de una denuncia dela víctima individual en la gran mayoría de los casos, ellos se caracterizan porqueel comienzo de la investigación reside en una información oficial, generada por elmismo aparato estatal.” (MAIER, op. c i t . , p. 519.)

organização ou por meio de uma atividade (empresa) ordinariamente lícita, eo corpo de policiais não se encontra especializado para analisar asinformações que lhes chegam.

Como já dito, não basta a existência de um Direito PenalEconômico perfeito em sua tarefa tipificadora de condutas, se não seconsegue prova suficiente a respaldar uma condenação ou, muitas vezes,quando são obtidas, o são em detrimento de garantias fundamentais.

Com o avanço tecnológico, a autoridade policial, que possuiatribuição para a condução do Inquérito Policial, deve sim utilizar novosmétodos de investigação, ou seja, valer-se da elaborada tecnologia deinformação. Entretanto, necessário se faz analisar as particularidadesprocessuais de proteção ao cidadão.

Sendo assim, torna-se imprescindível à análise do papel doprocesso penal frente a estes novos instrumentos invasivos296. É preciso,desta forma, analisar alguns pontos, tais como a efetividade do devidoprocesso legal, principalmente no que se refere à presunção de inocência eao princípio da ampla defesa, bem como se a suspeita da ocorrência de fatoscriminosos é fundamento legitimador das intromissões, e a validade daclandestinidade e da astúcia como meio de se conseguir informações.

Não se buscou tratar de forma exaustiva cada uma das novasmedidas investigatórias, mas sim expor a elevada quantidade de questões,bem como onde radicam seus pontos essenciais de discussão. A situaçãoatual é insustentável, tendo em vista a regulação normativa do processopenal estar cada vez mais se voltando para a inquisitoriedade, tão rechaçadanum Estado Democrático de Direito.

296 Cumpre salientar que é no processo penal que o indivíduo mais se coloca àmercê do Estado, pois, neste momento, a força deste é avassaladora, como ensinaLuiz Antonio Câmara. Assim, destaca que “Com o fito de atenuar a vu lnerab ilidadedo acusado ganham corpo normas que ostentam garantias a seus direitos, a seremopostas à atuação estatal de molde a torná - la não abusiva”. (CÂMARA, LuizAntonio. Prisão e Liberdade Provisória . Lineamentos e Princípios do ProcessoPenal Cautelar. Curitiba: Juruá, 1997. p. 27.)

A análise destes novos instrumentos de investigação,recentemente introduzidos no direito brasileiro, deve se focar na suaidoneidade, bem como nos efeitos secundários não desejados, com o objetivode corrigi-los ou até deles desistir. Há que se verificar se causam mais danosque benefícios.

Na busca de uma investigação eficiente, não se pode deixar delado as garantias do processo penal, tendo em vista que aquela somentepode ser atingida se houver uma eficiência no reconhecimento e naobservância das garantias processuais297/298.

3.4 A denúncia genérica em confronto com o devido processo legal

O processo penal brasileiro encontra dificuldades para aconcretização de sua função de garantia no âmbito da criminalidadeeconômica. É o que se demonstrou no tópico anterior, uma vez existiremlesões a direitos e garantias fundamentais, quando da busca pelos indíciosda autoria e prova materialidade dos crimes contra a ordem econômica.

Seguindo a tendência expansionista, na busca pela aplicaçãodo Direito Penal Econômico, restringem-se os direitos fundamentais, everifica-se a utilização cada vez maior de denúncias genéricas, as quais nãoindividualizam a conduta de cada um dos envolvidos na perpetração docrime.

As denúncias genéricas devem ser entendidas como “peças acusatórias,oferecidas pelo Ministério Público, contra todos os diretores de uma

297 Neste sentido ver: SUANES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processopenal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 129-154.298 “Com efeito, o garantismo, como a base do devido processo no sistemaacusatório, é a garantia da sociedade como um todo, não podendo se esquecer aimportância imediata do justo processo (individualista), pois, em um primeiromomento, quem irá sofrer as conseqüências de um procedimento falho, queinviabiliza o respeito aos princípios concernentes aos direitos humanos, é oacusado, fadado a sofrer injustiças se todas as conquistas consagradas naConstitu ição da República não forem observadas sem qualquer tipo de restrição.”(SILVA BUENO, Marisa Fernanda da. O devido processo legal à luz do sistema degarantias proposto por Ferrajoli. Monografias jurídicas 10. Santa Cruz do Sul:Instituto Padre Réus, 2005. p. 163.)

empresa, sem discriminação da conduta de cada denunciado”299. Pode-sedizer que se trata de uma denúncia elaborada de forma sucinta, semindicar, com pormenores, cada um dos passos do iter criminis.300

Ns crimes contra a ordem econômica, de regra praticados pormeio de pessoas jurídicas, a individualização das condutas torna-secomplexa301. Sendo assim, é mais fácil fazer uma imputação genérica, contratodos os sócios, diretores etc. de uma empresa, do que individualizar aconduta dos envolvidos na prática do crime.

Os inquéritos policiais, vistos como mecanismos depersecução dos indícios da autoria e prova da materialidade do crime,mostram-se, de regra, ineficientes na busca de tais elementos302, e oMinistério Público - em louvor a prevenção geral positiva -, acabaformulando imputações genéricas, já que não consegue pormenorizar aconduta dos diversos réus303.

299 MARZAGÃO, Ronaldo Augusto Bretãs. Denúncias genéricas em crime desonegação fiscal. Justiça e Democracia – Revista Semestral de Informação eDebates, São Paulo, n. 1. jan./jun. 1996. p. 207.300 Vide: MAZZILLI, Hugo Nigro. A descrição do fato típico na acusação penal.Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal , Porto Alegre, ano VI, n. 35,dez./jan. 2006. p. 42.301 Neste sentido, Rodrigo Sanches Rios destaca: “As duas principais característicasda atividade empresarial, qual sejam, o modelo de organização hierárquica e oprincípio da divisão de trabalho, contribuir iam para a facilitação da prática dealguns delitos bem como dificu ltariam a identificação dos sujeitos verdadeiramenteresponsáveis, pois esta responsabilidade é repartida entre diversas pessoas. Nessesentido, sob o amparo da estrutura de uma pessoa jurídica, os comportamentostípicos tenderiam a permanecer impunes”. (RIOS, Rodrigo Sanches. Indagaçõessobre a possib ilidade da imputação penal à pessoa jurídica no âmbito dos delitoseconômicos. In: PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade da pessoa jurídica : emdefesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais,2001. p. 182.)302 José Henrique Pierangeli sobre as deficiências do inquérito esclarece que“dezenas de investigações policiais chegam a justiça sem um mínimo defundamento; outras tantas chegam sem que a autoria esteja determinada; outrasmais, sequer apresentam um adminículo de prova, enquanto algumas revelam fatosmanifestamente atípicos. A única solução plausível e legal é o arquivamento”.(PIERANGELI, José Henrique. Escritos jurídicos-penais. 2. ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 1999. p. 332.)303 Ronaldo Augusto Bretãs Marzagão, ao discorrer sobre denúncia genérica, destacaque quando o Ministério Púb lico encontra - se diante de ausência de provas daconduta de cada agente, inexiste base para a denúncia, como se pode ver: “Se,depois das investigações, o Ministério Público não tem como discriminar, pelomenos num mínimo, a conduta de cada acusado, é porque a autoria ou a co-autorianão restou definida e, nesse caso, inexiste base para a propositura da ação penal,porque a responsabilidade penal é pessoal e não pode ser presumida”. (MARZAGÃO,op. c i t . , p. 208.)

Contudo, ao se admitir a utilização de tal instituto, estar-se-álegitimando características inquisitivas no processo penal304, afrontando,diretamente, as garantias individuais, tais como o contraditório, a ampladefesa, a presunção de inocência, em suma, o devido processo legal.

Portanto, ao se deparar com problemas de autoria coletiva,tem sido feita a opção, ao invés de determinar qual é efetivamente o autor decada fato criminoso, de transportar a responsabilidade aos níveis mais altosde direção da empresa.

O devido processo legal, que pressupõe uma imputação certae determinada, permitindo ao réu conhecer detalhadamente a imputação quelhe é feita, a fim de que possa exercer a sua defesa plena305, não admite umaacusação presumida, pois o indivíduo somente deve ser processado peloEstado diante de indícios que indiquem ter ele praticado fato típicodeterminado306.

Sendo elaborada uma acusação genérica, sem delimitar aconduta de cada do acusado na prática do fato material, nem mesmo podese falar em subsunção típica, ou seja, em verificação da adequação entre anarração do fato e o seu enquadramento no tipo penal, pois para se saber seo fato é típico ou não, torna-se necessário examinar o dolo ou a culpa dodenunciado.

304 Como bem esclarecido por Salo de Carvalho e Alexandre Wunderlich, “na esferaprocessual penal, os danos causados pela maximização do direito penal material,agregado à tendência de encarar o processo como mecanismo de segurança púb lica,chegam a ser irreversíveis. A redução dos direitos de defesa confirmam a tendênciade fomentar (manter) sistemas inquisitoriais”. (CARVALHO, Salo; WUNDERLICH,Alexandre. Criminalidade econômica e denúncia genérica: uma prática inquisitiva.In: FAYET JUNIOR, Ney (org.). Ensaios penais em homenagem ao ProfessorAlberto Rufino Rodrigues de Sousa . Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2003. p. 695. )305 “È fundamental que a conduta seja determinada, individualizada, sob pena deofender a garantia da plenitude da defesa o não conhecimento integral do fato pelodenunciado. Só assim o acusado saberá exatamente do que se defender, desde oinício da ação penal.” (PONTE, op. c i t . , p. 377.)306 Cumpre destacar que o Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasilpelo Decreto Legislativo n. 27, de 25.09.92, prevê, sem seu artigo 8.2, que todapessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto nãose comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, emplena igualdade, às seguintes garantias mínimas: /.../ b ) comunicação prévia epormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado dotempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa.”

Ivana Quinteros, salientando a importância da acusação noprocesso penal, discorre que a mesma “vem formular o início do processo e éela que vai delimitar o objeto que vai ser a matéria de tratamento, desde estemomento até o seu fim. Esta marcará o terreno, a ‘quadra’, que vai limitar asdemais fases do processo, e por suposto a sentença”307.

Assim, a denúncia pode ser considerada uma garantia doprocesso acusatório, haja vista que “não poderá levar a cabo nenhum tipo deprocesso contra um indivíduo sem que antes não se tenha exteriorizadoalgum ato tendente a excitar o acionar da justiça; um ato que nasça de umsujeito alheio à organização judicial propriamente dita. Com isto, o que sepretende é garantir a independência daqueles órgãos encarregados dedecidir, e assegurar que sua função se limitará a esta primordial tarefa,evitando entrocamentos inadequados entre ambas as funções (postulatória edecisória), que lançam por terra os princípios de um devido processo”.308

A imputação, portanto, além de fixar os limites sobre os quaisa defesa formulará sua estratégia, também possui a função de delimitar ojulgamento do caso penal.

Neste mister, com o devido processo legal pressupondo umaacusação e defesa – sabendo-se que no processo penal o réu se defende dosfatos, os quais constituem a própria imputação-, torna-se necessária àdelimitação da conduta de cada participante no evento delituoso309.

Para que o direito de defesa seja efetivo, e se tenha umprocesso justo, o réu deve ter conhecimento claro da imputação que lhepesa, o que importa em uma peça de acusação com a narração detalhada daconduta de cada um dos agentes, ou seja, com a descrição do fato e de todas

307 QUINTEROS, Ivana S. Nuevamente acerca de acusaciones alternativas ysubsidiarias y otros estudios – en la defensa del derecho de defensa. Cuadernos dedoctrina y jurisprudencia penal , Buenos Aires, ano VI, n. 10, 2000. p. 314.308 QUINTEROS, op. c i t . , p. 314.309 Neste sentido, Paulo Rangel destaca: “A imputação penal é que vai delimitar oespaço dentro do qual o réu irá exercer seu direito de ampla defesa, pois é cediçoque o mesmo defendendo-se dos fatos narrados na denúncia e não do artigo de leimencionado no pedido de condenação.” (RANGEL, Paulo. O garantismo penal e oaditamento da denúncia. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 4, n. 13, 2001. p.182.)

as circunstâncias que envolvem a relação entre a conduta do acusado e o atoilícito que lhe está sendo imputado.

Desta forma, para que haja um limite à atuação repressiva doEstado, a acusação deve descrever claramente os aspectos básicos daimputação, quais sejam: a definição da autoria e da materialidade do fato310.

No que se refere à autoria, a inicial acusatória deve indicarquem praticou o fato típico, especificando sua conduta. Quanto àmaterialidade, deve descrever o fato (conduta, resultado e relação decausalidade), com todas as suas circunstâncias (tempo, local e modo deexecução). Só assim será possível ao réu saber de forma específica do queestá sendo acusado para, então, poder elaborar sua defesa.311

Por esta razão, a denúncia possui como finalidade específicadelimitar a acusação para possibilitar o exercício da ampla defesa. Destaforma, quando se fala em denúncia genérica, não há como concretizar talfinalidade, visto que não é possível ao imputado identificar os contornos daacusação para que possa elaborar a defesa em face de fato determinado312.

310 Nesta esteira, Maria Cecilia Sarmiento ressalta que “la garantia de lainviolab ilidad de la defensa en ju icio de la persona y de los derechos, de raigambreconstitucional, es – como las demás – una garantía frente al poder del Estado yrepresenta una limitación al poder estatal. /.../ la base esencial del derecho adefenderse reposa en la posib ilidad de expresarse libremente sobre cada uno de losextremos de la imputación. Es lo que se conoce como principio de contradicc ión . Enprimer lugar, para que alguien pueda defenderse es imprescindib le que exista algode qué defenderse, o sea que se le atribuya haber omitido hacer, en el mundofáctico, a lgo con significado en el mundo jurídico; lo que en Derecho Procesal sedenomina imputac ión . Una imputación correcta el la llave que abre la puerta de laposib ilidad de defenderse eficientemente. Y nadie puede defenderse de algo que noconoce, que conoce insuficientemente o que conoce mal, por lo que a fin degarantizar el derecho del imputado a ser oído, es menester una intimación íntegra,clara, precisa y circunstanciada del hecho (conocimiento de la imputacióncorrectamente deducida).” (SARMIENTO, María Cecilia . Inviolab ilidad de la defensaen ju icio. Principio de congruencia y componentes sub jetivos del tipo. Cuadernosde doctrina y jurisprudencia penal , Buenos Aires, v. 2, fasc. 1-2, abr. 1996. p.633.)311 Conforme EISELE, Andréas. A denúncia genérica e os crimes contra a ordemtributária. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 78, maio 1999.312 No mesmo sentido, tem-se: “La hipotes fáctica contenida en la acusación,determina y circunscribe la actividad de los su jetos del proceso, de modo que sobreella incide todo examen ulterior, la defensa del imputado, la prueba, la discusión yla decisión del tribunal acerca del fundamento de las pretensiones jurídicasdeducidas. La garantía de defensa en ju icio exige que el imputado tenga laposib ilidad de contradecir la atribución de la totalidad de los hechos delictivos y dela sus circunstancias con valor penal. Es por ello que entre la acusación, ladefensa y la sentencia condenatoria debe existir correlación”. (SARMIENTO, MaríaCecilia. Inviolab ilidad de la defensa en ju icio. Principio de congruencia y

Assim sendo, imprescindível se mostra que o julgamento devaser precedido de atos de comunicação ao réu, tanto dos termos precisos daacusação, como dos seus fundamentos de fato (as provas) e de direito.

Luigi Ferrajoli, discorrendo sobre a acusação no processopenal, ressalta que a mesma “deve ser formulada em termos unívocos eprecisos, idôneos para denotar exatamente o fato atribuído e a se vincular aele, contra a indeterminação do antigo processo inquisitório, o objeto dojuízo e da sentença que o conclui. Em segundo lugar, ela deve ser apoiadapor indícios adequados de culpabilidade: de fato, a acusação, como dizCarrara, se é um ‘teorema’ para o acusador, é um ‘problema’ para todos osoutros, e se justifica, portanto, se não com a prova, necessária para acondenação, muito menos com a ‘probabilidade’ da culpabilidade doacusado. Em terceiro lugar, deve ser completa, isto é, integrada pelacontestação de todos os indícios que a justificam, de modo que o imputadoseja posto em condição de refutá-los e ‘nada lhe seja ocultado do que seprepara para seu prejuízo e do que se faz e se fará pra robustecer opreconceito da sua culpabilidade e demolir a presunção de inocência quesempre o assiste’.”313

Se a denúncia não for elaborada corretamente, acaba porocorrer uma invasão da vida privada do suspeito, arrancando-lhe adignidade e a intimidade314/315, sem ao menos lhe oportunizar uma forma demanifestar-se diante dos fatos a ele imputados.

componentes subjetivos del tipo. Cuadernos de doctrina y jurisprudencia penal ,Buenos Aires, v. 2, fasc. 1-2, abr. 1996. p. 639.)313 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 587-588.314 “A acusação penal causa transtornos de tal ordem na vida das pessoas que não épossível aceitar- se a afirmação, que aparentemente o sistema permite, de que aimputação é apenas uma proposta, uma abertura da via judicial para a devida edefinitiva investigação dos fatos, que o princípio da presunção da inocência bastapara resguardar o acusado. Na verdade, a imputação é um sério gravame, atingindoo status digni tatis da pessoa, manchando- lhe a reputação e a consideração social”.(JORGE, Mário Helton. Denúncia abusiva, reflexo e controles. Boletim IBCCrim,São Paulo, n. 65, abr. 1998. p. 09.)315 Na obra Direito e Razão, Luigi Ferrajoli comenta que: “Em todos os casos, a lémde cada intenção persecutória em relação ao suspeito, é indub itável que a sançãomais temida na maior parte dos processos penais não é a pena – quase sempre leveou não aplicada - , mas a difamação púb lica do imputado, que não tem só a suahonra irreparavelmente ofendida mas, também, as condições e perspectivas de vidae de trabalho; e se hoje pode-se fa lar de um valor simbólico e exemplar do Direito

O processo penal, como já salientado, não deve ser visto comoum instrumento repressor, criado e utilizado pelos detentores do poderpolítico316. Deve, ao contrário, estar em harmonia com os valores do EstadoDemocrático Moderno, no papel de protetor dos direitos fundamentais317,assegurando, assim, o princípio da ampla defesa em todas as fases e atos doprocesso318.

Desta forma, o imputado, dentro do processo criminal, deveser visto como um sujeito de direitos, para que assim seja preservado o seustatus libertatis diante do arbítrio do Estado319.

O princípio da ampla defesa possui como objetivo possibilitaràs partes, em qualquer tipo de processo, o exercício generoso da defesa semas restrições de um sistema inquisitório. A defesa deve ser vista como órgãode administração da justiça, já que ela se exerce, substancialmente, para apreservação e tutela dos valores e interesses do corpo social, caracterizando-se assim, como garantia de proteção da própria sociedade.

Através do direito de defesa, o réu demonstra, ou procurademonstrar, a improcedência das pretensões do autor (como regra o

Penal, ele deve ser associado não tanto à pena mas, verdadeiramente, ao processo emais exatamente à amplificação operada sem possib ilidade de defesa pela imprensae televisão. Dessa forma, retomou - se nos nossos dias a antiga função infamante daintervenção penal que caracterizou o Direito Penal pré-moderno, onde a pena erapública e o processo corria em segredo. Apenas que a berlinda e o colar de ferrohoje foram substitu ídos pela exib ição púb lica do acusado nas primeiras páginas dosjornais ou na televisão, e isto, não após a sua condenação, mas após a suaincriminação, ainda quando o imputado é presumido inocente”. (GOMES, AndréLuís Callegaro Nunes. Conseqüências da acusação sem provas: o processo comopena. Boletim do IBCCrim, São Paulo, ano 13, n. 151, jun. 2005.)316 Neste sentido, Joaquim Canuto Mendes de Almeida esclarece que “a função deJustiça penal põe nas mãos dos governos um instrumento de compreensão dasliberdades dos indivíduos, não só pelas conseqüências condenatórias, como, já noprocedimento, pelas medidas preventivas a que su jeita os imputados. Estes nãoteriam meios de evitá - las, quando, obra de erro, facciosismo, depotismo, tirania,maldade, não lhes fossem dadas garantias de defesa. São garantias não de defesado interesse estritamente penal, mas dos direitos individuais contra os possíveisabusos de poder”. (ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentaisdo processo penal . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 101.)317 Conforme FERRAJOLI, op. c i t .318 Neste sentido, Paulo Rangel destaca que “o processo penal assim tem umafunção de garantia dada ao cidadão de que todos os direitos previstos naConstitu ição lhe serão assegurados, pois de nada adianta, v.g., assegurar - lhe odireito de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes (cf. art. 5 ,LV) se a sanção penal lhe foi aplicada sem que pudesse se defender dos fatos quelhe foram imputados /.../”. (RANGEL, op. c i t . , p. 179.)319 CARVALHO, Amilton Bueno de. Nós, Juízes, Inquisidores (ou da não-presença de advogado nointerrogatório). In: Direito Penal e Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 02.

Ministério Público), sendo considerado um direito público subjetivo,constitucionalmente garantido ao cidadão.

Esta discussão da efetividade do direito de defesa contribuipara a consolidação das garantias individuais, com repercussão significativana conscientização coletiva sobre os direitos humanos. Diante disto, oprincípio da ampla defesa deve ser visto como uma das garantias essenciaisde qualquer pessoa que seja atingida por uma acusação criminal.

Como princípio basilar do processo penal tem-se, também, oda legalidade, sendo o mesmo analisado sob dois enfoques, quais sejam:como exigência de se ter um processo penal em conformidade com ascondições exigidas pela lei, e como sinônimo do princípio da obrigatoriedade.

Em seu primeiro enfoque320, que é o que interessa para estetrabalho, o processo penal, ao aplicar a lei material, solucionando os casospenais, deverá satisfazer as condições estabelecidas na lei.

Da mesma forma que não há crime sem lei anterior que odefina, nem pena sem previsão legal, para o direito penal; verifica-se que noprocesso penal não haverá juízo sem lei, nem pena sem juízo.

O princípio da legalidade deve vigorar como uma garantia doscidadãos, delimitando a atuação do poder jurisdicional do Estado. Destaforma, o Estado somente poderá exercer o seu jus puniendi dentro doslimites estabelecidos em lei.

Ademais, visa garantir segurança individual contra o arbítriodo órgão punitivo, que não pode se utilizar de outro instrumento que não oprocesso, previamente estruturado por lei, para a persecução penal.

Assim sendo, o processo penal, caracterizado por umcomplexo de fórmulas colimando dar vida prática ao direito penal nos casospenais, há de obedecer às leis impostas321.

320 Sob este enfoque, o principio da legalidade pode ser representado da seguinteforma: nul la poena sine judicio .321 VARGAS, José Cirilo. Processo Penal e Direitos Fundamentais . Belo Horizonte:Del Rey, 1992. p. 75.

Diante disto, tem-se que o art. 41 do CPP preconiza, aoidentificar os elementos intrínsecos da inicial acusatória, que a exposição dofato criminoso deve ser narrada com todas as suas circunstâncias.

Observa-se, desta forma, que se a denúncia não possuir talconteúdo, deve ser considerada inepta por falta de requisito essencial322.Aqui pode ser enquadrado o caso das denúncias genéricas, visto que nelasnão se especificam nem se detalham as condutas individuais de cada autorou partícipe, por ser difícil tal identificação323.

Não se deve aceitar a justificativa dada pelos julgadores de que a denúnciagenérica deve ser admitida em razão da impossibilidade de determinaçãodesde logo da participação individual de cada um dos denunciados nocometimento do fato criminoso, visto que se estaria lesionando o princípioda legalidade, e conseqüentemente, o da ampla defesa, já que o acusadonão saberia o que lhe está sendo imputado. Há, também, lesão aoprincípio da presunção de inocência.

322 A propósito, comentando sobre o art. 41 do CPP, Mário Helton Jorge esclareceque “ deve, pois a denúncia apresentar- se formal e materialmente correta. Formal,quando ajusta a descrição dos fatos a um tipo legal de crime; material, desde quetenha um mínimo fático para arrimar a pretensão ou de indício no sentido técnicoda palavra, qual seja, fato do qual possa decorrer a demonstração ou a busca daevidência de outro fato. Identificar, ademais, o fato como crime. Satisfazer alegitimidade ativa e passiva. Remanesce o interesse de agir, ausente causa deextinção da punib ilidade. Evidenciar, além disso, o mínimo fático para arrimar apretensão do Ministério Púb lico. Tais requisitos não se confundem com o meri tumcausae , isto é, se a imputação corresponde à verdade real. Tem-se ainda nestaseara que a qualificação jurídica é secundária. Assim, o fato exposto na denúnciadeve ser subsumível a uma descrição abstrata no tipo penal. Se não for fato típico,inexiste imputação de crime e a denúncia será rejeitada. Relatam-se, ainda, ascircunstancias em que ocorreu o fato (qualificadoras, agravantes, atenuantes,causas de aumento e de diminuição da pena”. (JORGE, op. c i t . , p. 09.)323 No sentido de se admitir, embora como exceção, as denúncias genéricas tem-se:“Ocorre que os propósitos societários envolvem tomadas de decisões amplas, comcomandos de atuação genéricos, transmissões de ordens implícitas e execuçãomaterial fragmentada, sendo a conduta pulverizada em suas fases de execução.Para evitar a impunidade de tais crimes pela impossib ilidade de formulação dedenúncia que especifique individualmente as condutas, admite- se nessa hipótese, atítu lo de exceção, a imputação da responsabilidade pelo fato sem a identificaçãoespecífica da participação de cada agente. Porém, a descrição do fato nessascircunstâncias não pode ser por demais genérica a ponto de o acusado não poderidentificar a conduta imputada.” (EISELE, Andréas. Crimes contra a ordemtributária. São Paulo: dialética, 1998. p. 199.). “No caso de co-autoria ouparticipação, a denúncia deve indicar a conduta de cada co- autor ou partícipeindividualmente (... ) a não ser que todos tenham participação igualmente da açãocriminosa ou a conduta tenha sido difusa ou multifária, como, por exemplo, numcrime praticado por intermédio de sociedade em que não seja possível distinguir aatuação de cada um”. (GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. SãoPaulo: Saraiva, 1991. p. 114.)

Nem mesmo há que se falar que a denúncia genérica pode seraceita em virtude da possibilidade de aditamento (até a sentença), visto quea instrução criminal existe para que se faça, no seu curso, a prova dasimputações, e não para que se ensejem novas.

Desta forma, ao se admitir tal situação (denúncia contraalguém apenas com a referência de que o denunciado é sócio, ou diretor, ouacionista de determinada empresa, para que no curso da instrução se torneclaro em que consistiu a sua participação pessoal no cometimento ilícito), oinício da ação penal se daria sem a devida imputação de um fato ilícito.

Ademais, pode-se dizer que a justa causa, como uma dascondições da ação324, e estas um desdobramento do princípio da legalidade,faz com que haja a necessidade, para a verificação desta condicionante, dosindícios da autoria e da prova da materialidade do fato325.

Segundo André Luís Callegaro Nunes Gomes, “consideram-se acusações sem justa causa aquelas em que inexistem indíciossuficientes de autoria e materialidade ou que o fato imputado é atípico”326. A admissibilidade, portanto, de uma denúncia semjusta causa gera, para ele, “um efeito criminógeno espetacular: o de transformar o processo em verdadeira pena para oacusado”327.

Desta forma, para a caracterização da justa causa penal, torna-se imprescindível a demonstração dos aspectos constitutivos docrime segundo o conceito analítico de delito, sob pena de, não sendo os mesmos demonstrados, ser rejeitada, por carência deação, a inicial acusatória.

O Ministério Público, não sabendo quem são os verdadeiros autores ou participantes, ou mesmo em que consistiu a contribuiçãode cada um deles para a prática do fato criminoso, por ausência de provas, mesmo que indiciárias, não pode formular umaacusação328.

324 Afrânio Silva Jardim sustenta a existência da justa causa como a quartacondição da ação penal, ou seja, “um suporte probatório mínimo em que se develastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal jáatinge o chamado status digni tatis do imputado”. (JARDIM, op. c i t . , p. 70.)325 No que se refere à justa causa, Vladimir Stasiak discorre: “Há que se abordar ajusta causa como condição da ação penal, a qual, segundo as lições de Antonio AcirBreda, encontra suporte legal no art. 43, III, 2ª parte, c/c art. 18, ambos do CPP, ecuja implicação teórica se verifica no fato de que, pedindo o Ministério Público oarquivamento por fa lta de base para a denúncia, está ele se referindo a esta quartacondição da ação penal, e ‘estaríamos diante da chamada falta de justa causa paraa acusação, isto é, falta de prova do fato e de indícios da autoria, requisitosindispensáveis ao exercício da ação penal, uma vez que o processo penal não secompadece com a acusação fruto de mera elaboração mental’”. (STASIAK, Vladimir.As condições da ação penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.192.)326 GOMES, André Luís Callegaro Nunes. Op. c i t . , p. 04.327 GOMES, André Luís Callegaro Nunes. Op. c i t . , p. 04.328 Prates faz observações interessantes, ante a impossib ilidade de admitir aexordial acusatória sem elementos mínimos, a seguir: “Sem a presença de taisrequisitos a acusação torna-se irrazoável. A denúncia que se formula, nestecontexto, revela abuso de poder. A falta de elementos indiciários que amparem aacusação e de um mínimo de provas sobre a materialidade e a autoria demonstraausência de justa causa para a instauração do processo, pois, conquanto se tenhaem vista o princípio constitucional da presunção de inocência, é certo que ainstauração de um processo criminal perturba a paz e a tranqü ilidade do acusado eatinge o seu status digni tatis”. (PRATES, Renato Martins. Acusação genérica emcrimes societários. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.)

Seguindo esse entendimento, pode-se afirmar que para orepresentante do Ministério Público oferecer a denúncia, necessário se fazque existam, no mínimo, indícios de autoria e prova da materialidade dosfatos, pois, de outra forma, vislumbra-se a ausência da justa causa.

No caso das denúncias genéricas, não se está discutindo,basicamente, a materialidade do crime, visto que esta não é de difícilcaracterização. O grande problema centra-se na descrição da autoria, pois “épossível não se identificar os detalhes da participação de cada autor,notadamente nos crimes cometidos em concurso de pessoas mediante o usode pessoa jurídica”329.

Diante da ausência de elementos comprobatórios da condutade cada agente, torna-se difícil à delimitação de quem é autor, co-autor epartícipe, ocasionando, via de regra, a impunidade dos mesmos330.

Visando alcançar uma solução no sentido da aplicação dasregras de imputação individual do Direito Penal Clássico no Direito PenalEconômico, desenvolveram-se teorias (como a do domínio do fatocaracterizada pelos aparatos organizados de poder) em que as dificuldadesde prova são minoradas, admitindo-se presunções, e revelando posturastendentes a uma imputação objetiva.

Verifica-se, assim, que as denúncias genéricas estão apenasespelhando a adoção de uma responsabilidade objetiva, ao não especificarcondutas, autoria e formas de participação, postulando condenaçãosimplesmente pelo dano produzido331.

329 EISELE, Andréas. Crimes contra a ordem tributária . São Paulo: Dialética,1998. p. 199.330 Neste sentido Andréas Eisele discorre: “Ocorre que a descrição pormenorizada daparticipação de cada sócio ou agente, com poder de administração ou atuaçãodentro de uma empresa, muitas vezes inviabiliza a ação penal. Isso pelaimpossib ilidade do conhecimento e conseqüente descrição das circunstâncias emque as condutas são engendradas no interior da empresa, onde as ordens dossuperiores são transmitidas verbalmente aos subalternos que as obedecem, ou, àsvezes, decorrem de interpretações de atitudes dos superiores, sendo o comandoimplícito, com requintes de sutileza”. (EISELE, Crimes..., op. c i t . , p. 200.)331 EISELE, Crimes..., op. c i t . , p. 200-201.

Há que se destacar que, aceitando-se a responsabilidadeobjetiva nos crimes contra a ordem econômica, ter-se-ia uma inversão doônus da prova332. Assim, havendo conduta perpetrada mediante atuação depessoa jurídica, os detentores do domínio do fato (os que se encontram noápice da cadeia hierárquica) são, até prova em contrário, responsáveis pelaimputação feita. E não é isto que o princípio constitucional da presunção deinocência preconiza, visto ser dever do Estado demonstrar a culpabilidadedos acusados333.

Nestas modalidades de crimes, a presunção de autoria decorredo contrato social da empresa ou documento equivalente, ou seja, qualquer“documento indicativo do centro de emanação das decisões acerca dos atospraticados pelos prepostos da empresa, cabendo ao dirigente comprovar queestes agiram à revelia da administração.”334

Contudo, sabe-se que a pessoa jurídica não possui ocometimento criminoso como objeto do contrato social. Na criminalidadeeconômica, os sócios, dirigentes etc., da empresa, não agem emsolidariedade, visto que o vínculo societário não se estabeleceu com esteobjetivo335. Verifica-se que, em muitos casos, empregados, e até mesmo

332 Sobre a impossib ilidade de admissão da inversão do ônus da prova no processopenal, por lesionar o princípio da presunção de inocência, Paulo Rangel discorre:“Desta forma, claro nos parece que, se o Ministério Púb lico tem que narrar um fatocriminoso com todas as suas circunstâncias (cf. art. 41 do CPP), o ônus de provarque este fato é típico (encontra perfeita adequação na lei penal, portanto, trata - sede uma conduta proib ida); é ilícito (contrário ao direito e que não está açambarcadopor nenhuma excludente de ilicitude) e que seu autor é cu lpável, ou seja, quepossui as condições mínimas indispensáveis para atrib uir- se- lhe esse fato, o quesignifica dizer, se está mentalmente são ou conhece a antijuridicidade do fato,pertence- lhe. Não há como entregar ao réu, dentro de um Estado Constitucionaldito Democrático de Dirieto, e, que tem como fundamento a dignidade da pessoahumana (art. 1 , III da CRFB), o ônus de provar sua inocência”. (RANGEL, op. c i t . ,p. 182.)333 Nesta esteira, importante destacar o entendimento do Ministro Celso de Melo: “Osistema jurídico vigente no Brasil impõe ao MP, quando este deduzir determinadaimputação penal contra alguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada,a participação das pessoas acusadas na suposta prática da infração penal, a fim deque o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aospostu lados essenciais do Direito Penal da Culpa e do princípio constitucional dodue process of law , ter em consideração, sem transgredir esses vetorescondicionantes da atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, aser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos nopreceito primário de incriminação”. (RTJ 49/388)334 EISELE, Crimes..., op. c i t . , p. 202.335 Suzana de Farias Machado Moraes, acerca da solidariedade no âmbito criminal,discorre que nas empresas, “o ob jeto do contrato social não é ilícito. A sociedade éformada para o exercício de atividade lícita. Não se pode falar em solidariedade no

diretores, praticam os crimes em proveito próprio, em prejuízo da sociedadee dos demais integrantes.

Na estrutura criminal atual, não se pode admitir que hajadesrespeito aos princípios e postulados básicos do Direito Penal e, ao seaceitar a denúncia genérica, estar-se-ia contrariando, como ressaltado, oprincípio segundo o qual não existe responsabilidade penal semculpabilidade336.

A determinação da responsabilidade penal, nos moldes atuais, possuicomo alicerce não o resultado, mas sim a conduta (ação ou omissão).Assim, visa delimitar a qualidade e quantidade da pena, amoldando-se ofato à norma incriminadora pelo processo de adequação típica(subsunção), segundo a vontade do agente.

Não basta, desta forma, uma mera relação de causalidade,objetiva, entre o resultado e a conduta humana, sendo imprescindível,também, verificar a existência de uma ligação anímica entre o evento e oagente337. Sem conduta não há que se falar em crime, e sem vontade não háque se falar em conduta.

Por esta razão, a demonstração do vínculo existente entre ofato descrito e a pessoa do denunciado, torna-se necessária, tendo em vista oprincípio da responsabilidade pessoal (subjetiva), que é o adotado pelosistema jurídico brasileiro338, como se verá no próximo tópico.

Por essa razão, torna-se imprescindível que o MinistérioPúblico demonstre na denúncia o cometimento de um fato típico doloso ou

cometimento quando se trata desses crimes, porque a sociedade não foi formadacom objetivo criminoso. ” (MORAES, Suzana de Farias Machado. Denúncia genéricanos crimes contra a ordem tributária. Revista Dialética de Direito Tributário , SãoPaulo, n. 89, fev. 2003. p. 86.)336 Lúcia Valle Figueiredo salienta que “o Direito Penal moderno, repele,vigorosamente, os delitos de responsabilidade objetiva. Ao contrário, aculpabilidade, mais do que nunca, é requisito básico e fundamental dapunib ilidade”. (FIGUEIREDO, Lucia Valle. Devido processo legal e fundamentaçãodas decisões, Revista Dialética de Direito Tributário , São Paulo, n. 63, p. 228-229.)337 Conforme PRATES, op. c i t . , p. 39.338 Além disso, o art. 11 da Lei 8.137/90 estabelece que a responsabilidade noscrimes contra a ordem tributária, é pessoal do agente, na medida de suaculpabilidade, superando qualquer dúvida a respeito da responsabilidade estarligada a cu lpabilidade.

culposo, para que se possa, através do devido processo legal, ser imposta asanção penal correspondente. Não basta a existência de um nexo entre oagente e resultado criminoso, tendo em vista a importância da vontade parasua responsabilização. Assim, não se deve admitir a presunção de autoriapela qualidade ou posição do agente, principalmente quando se fala emcrimes praticados por meio de empresas.

No que diz respeito à admissão ou não das denúnciasgenéricas pelos nos Tribunais superiores, verifica-se que, ultimamente,intensificaram-se os precedentes dispensando a individualização dascondutas nos chamados crime de autoria coletiva, ou seja, não exigindo adescrição individualizada da participação de cada um dos acusados no fatopunível339.

Faz-se mister ressaltar, contudo, que não há umaunanimidade quanto a esta situação, visto existirem vários votosvencidos340, e até mesmo certos acórdãos341, que questionam a admissão dadenominada denúncia genérica.

339 “HABEAS CORPUS. CRIME SOCIETÁRIO. DENÚNCIA GENÉRICA. ALEGAÇÃO DE QUE AINICIAL ACUSATÓRIA NÃO ATENDERIA O DISPOSTO NO ART. 41 DO CPP, BEM COMO DE NÃOPARTICIPAREM OS PACIENTES DA ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA. Reiterada a jurisprudência doSTF de que, “nos crimes societários, não se faz indispensável à individualização da conduta de cadaindiciado, discriminação essa que será objeto da prova a ser feita na ação penal” (HC 65.369, Rel. Min.Moreira Alves). Precedentes. Tal entendimento vem sendo abrandado, havendo decisões no sentido deexigir-se, na denúncia, a descrição mínima da participação do acusado, a fim de permitir-lhe oconhecimento do que de fato lhe está sendo imputado e, assim, garantir o pleno exercício de seudireito de defesa (cfs. HCs 80.219 e 80.549). Mesmo esta última orientação – que convence o relator –não dispensa o exame da validade da denúncia sob a ótica de cada processo. Patente, no caso, que apeça acusatória preenche os requisitos minimamente necessários a dar início à persecução penal,portando consigo elementos suficientes para que os acusados conheçam os fatos que lhes estão sendoimputados e possam deles se defender. Ausência de justa causa não caracterizada, na medida em queos próprios documentos juntados pelos impetrantes desmentem a alegação de que os pacientes nãoparticipavam da administração da empresa, à época dos supostos delitos. Hábeas corpus indeferido.(HC 83.369/RS – Rel. Min. Carlos Britto. STF. 1ª Turma. Decisão: 21.10.2003).”Neste sentido ver também: Decisões do STF: HC 73903/CE (Decisão proferida em 12.11.1996); HC74813/RJ (Decisão proferida em 09.09.1997); HC 80799/RJ (Decisão proferida em 15.05.2001); HC83021/SP (Decisão proferida em 24.06.2003); HC 83369/RS (Decisão proferida em 21.10.2003); HC83736/SP (Decisão proferida em 17.02.2004); HC 855792/MA (Decisão proferida em 24.05.2005); HC867553/RJ (Decisão proferida em 08.11.2005). Disponível em:<www.stf.gov.br>. Acesso em:08.06.2006.Decisões do STJ: ERESP 278084/RJ (Decisão proferida em 13.03.2002), RESP 33507/RJ (Decisãoproferida em 30.09.2002), RHC 12469/SP (Decisão proferida em 17.10.2002), HC 23499/RS (Decisãoproferida em 07.11.2002), RESP 336619/RJ (Decisão proferida em 01.04.2003), HC 24994/SP(Decisão proferida em 11.03.2003), RESP 509488/SC (Decisão proferida em 19.08.2003). Disponívelem:<www.stj.gov.br>. Acesso em: 08.06.2006.340 O Min. Celso de Mello, em muitos de seus votos , é contrário a admissão dadenúncia genérica, como se pode verificar em seu voto no HC 80799/RJ em15.05.2001, em que foi Rel. Min. Néri da Silveira: “Tendo em vista a naturezadialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal,

Assim, de regra, verifica-se que há uma despreocupação como cumprimento dos requisitos previstos no art. 41 do CPP e, ainda mais, comas lesões ocasionadas a princípios constitucionais, tais como o do devidoprocesso legal, da ampla defesa, e o da presunção de inocência, direitosestes fundamentais do cidadão.

Contudo, tal situação contraria os acórdãos mais antigos342

(principalmente anteriores a 1980), que de longe aceitavam denúncias que

de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES. “O ProcessoPenal na Atualidade”, in “Processo Penal e Constitu ição Federal”, p. 13/20, 1993,APAMAGIS/Ed. Acadêmica), não se pode desconsiderar, na análise do conteúdo dapeça acusatória – conteúdo esse que delimita e que condiciona o próprio âmbitotemático da decisão judicial - , que o sistema jurídico vigente no Brasil impõe aoMinistério Púb lico, quando este deduzir determinada imputação penal contraalguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada, a participação daspessoas acusadas de suposta prática da infração penal, a fim de que o PoderJudiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postu ladosessenciais do direito penal da culpa e do princípio constitu cional do due process oflaw, e sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecuçãoestatal, apreciar a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressãoconcreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário deincriminação. Cumpre ter presente, desse modo, que se impõe ao Estado, no planoda persecução penal, o dever de definir, com precisão, a participação individual dosautores de quaisquer delitos.” (RTJ 49/388)341 “HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL TRIBUTÁRUIO. DENÚNCIA GENÉRICA.RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INÉPCIA. Nos crimes contra a ordem tributária a açãopenal é pública. Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deveestabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário quedescreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitosdo CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionaisda ampla defesa e do contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve aresponsabilidade de cada agente, é inepta. O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistemajurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização pretoriana de denúncia genérica para oscrimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima daparticipação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é desnecessidade de pormenorizar. Outra,é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado. Hábeas deferido. (HC80549/SP – Rel. Min. Nelson Jobim. STF. 2ª Turma. Decisão: 20.03.2001).”Neste sentido ver também: Decisões do STF: HC 73590/SP (Decisão proferida em06.08.1996); HC 80549/SP (Decisão proferida em 20.03.2001). HC 83301/RS(Decisão proferida em 16.03.2004); HC 83948/SP (Decisão proferida em20.04.2004); HC 83948/SP (Decisão proferida em 01.06.2004); HC 85658-6/ES(Decisão proferida em 21.06.2005). Disponível em:<www.stf.gov.br>. Acesso em:08.06.2006. RTJ 49/338; RT 603/463; RTJ 161/264-266; RTJ 163/268-269; RTJ165/877-878.Decisões do STJ: HC 9906/PE (Decisão proferida em 05.09.2000); RESP 238670/RJ(Decisão proferida em 03.04.2001). Disponível em:<www.stj.gov.br>. Acesso em:08.06.2006.342 DENÚNCIA. CO-AUTORIA. Não há duvidas de que a denúncia deve conter aexposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias (artigo 41 do Códigode Processo Penal) e que, em se tratando de autoria coletiva, é indispensável que apeça inicial da ação penal descreva, ainda que resumidamente, a conduta delituosa.Todavia, o cumprimento dessas exigências formais pressupõe que as indagaçõespoliciais forneçam ao órgão do Ministério Público as mencionadas circunstâncias eparticu laridades. Omisso ou falho que seja o inquérito a respeito dascircunstâncias do fato criminoso ou da participação individual dos seus co-autores,nem por isso o órgão do Ministério Púb lico esta rá impedido de oferecer a denúncia,visto que, para a instauração da ação penal, basta a prova da existência do crime eindícios da autoria. Recurso de habeas corpus desprovido. (HC n. 58.423/GO, RTJ

não houvesse a individualização da conduta de cada agente no crimepraticado. Necessário, era, desta forma, a especificação dos atos quedemonstrassem a participação de cada um dos acusados.

Uma das justificativas dadas para a admissão da acusaçãogenérica em vários acórdãos se dá com base no art. 569 do CPP, quediscorre sobre a possibilidade de se suprir as omissões da denúncia ouqueixa antes da sentença final.

Como já demonstrado, a exordial acusatória deve serelaborada em observância aos requisitos de ordem formal e material, vistoque não há como se admitir o início do processo sem que estejam descritasas circunstâncias elementares do crime em relação a cada um dos acusados.

Outro fundamento utilizado se encontra na dificuldade em sepenetrar na intimidade das pessoas jurídicas, justificando-se, assim, oabrandamento da necessidade de descrição pormenorizada da conduta decada agente, adiando, portanto, para a instrução tal individualização.

Sustenta-se, também, que a admissão da denúncia genéricatem como finalidade impedir a impunidade nos crimes cometidos por meiode empresas (reprimir a criminalidade econômica – busca pela prevençãogeral positiva), pois, assim, estar-se-ia facilitando a tarefa acusatória, já queesta teria um prazo maior para reunir provas e determinar asresponsabilidades de cada um dos acusados. Tudo isto, entretanto,lesionando direitos fundamentais, portanto, com nítida afronta àConstituição Federal.

O Superior Tribunal de Justiça, em seus julgados, demonstraa mesma trajetória seguida pelo Supremo Tribunal Federal, aceitando adenúncia genérica, todavia, de forma mais cautelosa, e até mesmo, emalgumas situações, rejeitando-a.

Tanto é assim que existem decisões no sentido de que adenúncia não precisa individualizar a conduta de cada agente, mas também

100/116 – Rel. Min. Soares Muñoz. STF. 1ª Turma. Decisão: 18.11.1980). Vertambém: RTJ 33/430; RTJ 33/431; RTJ 35/517. RTJ 49/388; RTJ 124/547; RTJ114/226; RTJ 125/1063; RT 715/526.

não é suficiente a mera indicação dos nomes dos sócios ou proprietários daempresa, não demonstrando qualquer liame subjetivo entre a condutacriminosa e os acusados343.

Não existe, portanto, uma unanimidade sobre o assunto. Osoperadores do direito acabam por se defrontar com decisões judiciaisaparentemente contraditórias, onde ora se admite e ora não, a propositurade ações penais utilizando-se denúncias genéricas.

O caminho percorrido para concretização do Direito PenalEconômico não pode se deparar com institutos, como a denúncia genérica,que afronta diretamente o devido processo legal, princípio este primordialpara um processo justo. O Ministério Público dispõe do instrumentoadequado para a prévia apuração de todos os fatos (inquérito policial), sendoque, aliás, trata-se de um procedimento unilateral, em cujo âmbito não setrabalha com o direito de defesa.

3.5 Responsabilidade penal objetiva e inversão do ônus da prova:tendências impróprias no âmbito da criminalidade econômica

O tema criminalidade econômica, conforme demonstrado, temprovocado intensas discussões, “no intuito de se operarem medidas, gravesou não, na busca de formas de um combate eficaz a essa espécie decriminalidade que ocorre, no mais das vezes, por critério deracionalidade”344.

Por esta razão, verifica-se a existência de grandes problemas,tanto de direito material quanto processual, cujo enfrentamento é necessáriopara que se possa ajustar o combate eficaz da criminalidade com osprincípios e garantias de um Estado de Direito Democrático.

343 RHC 11537 (11.09.2001); RHC 11611 (03.02.2001); RESP 312266 (25.06.2002);HC 18391 (25.06.2002); HC 14706 (08.05.2001), RESP 302543 (21.08.2003).Disponível em:<www.stj.gov.br>. Acesso em: 08.06.2006.344 CIPRIANI, Mário Luís Lírio. Prova: inversão do ônus no processo criminal.Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal , Porto Alegre, ano IV, n. 25,abr./maio 2004. p. 48.

Assim, a criminalização de certos ilícitos contra a ordemeconômica tem provocado situações nas quais princípios e normas de direitomaterial, atinentes à responsabilidade, são violados, a pretexto de seviabilizar a sanção penal.

O Direito Penal pátrio é construído a partir de critériossubjetivos de responsabilização, sendo, portanto, imperiosa a demonstraçãodo dolo ou da culpa, em sentido estrito, além dos demais requisitos, quaissejam: o ato danoso, o dano e o nexo causal.

Nesse contexto de responsabilidade subjetiva, o princípio daculpabilidade é elevado à condição de balisa de um Direito Penal Liberal,efetivando-se, como conseqüência, os princípios da proporcionalidade,intranscendência, adequação das penas etc.

Diante disso, afirma-se que “culpabilidade é a possibilidade dese reprovar o autor do fato punível (injusto típico) porque, de acordo com ascircunstâncias concretas, podia agir de modo diferente, conforme ao direito(exigibilidade de conduta diversa)”.345

Ademais, sem culpabilidade é impossível aplicar a pena (nulla

poena sine culpa)346. Ainda vale ressaltar, ninguém pode ser penalmenteresponsabilizado sem atuar com dolo ou pelo menos com culpa.

Por esta razão, não se pode admitir uma responsabilidadeobjetiva347/348, pois para o Direito Penal Clássico não pode haver pena sem

345 GOMES, Luiz Flávio. Acusações genéricas, responsabilidade penal ob jetiva eculpabilidade nos crimes contra a ordem tributária. Revista Brasi leira de CiênciasCriminais, São Paulo, ano 3, n. 11, p. 245-254, jul./set. 1995. p. 247.346 Nesse sentido acresce Luiz Régis Prado, a seguir: “Postu lado basilar de que nãohá pena sem culpab ilidade (nulla poena s ine culpa) e de que a pena não podeultrapassar a medida da culpab ilidade – proporcionalidade da culpabilidade – éuma lídima expressão de justiça material peculiar ao Estado de Direito democráticodelimitadora de toda a responsab ilidade penal. A cu lpabilidade deve ser entendidacomo fundamento e limite de toda pena. Esse princípio diz respeito ao caráterinviolável do respeito à dignidade do ser humano”. (PRADO, Luiz Regis. Curso deDireito Penal Brasi leiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 145-146.)347 Lúcia Valle Figueiredo salienta que “o Direito Penal moderno, repele,vigorosamente, os delitos de responsabilidade objetiva. Ao contrário, aculpabilidade, mais do que nunca, é requisito básico e fundamental dapunib ilidade”. (FIGUEIREDO, op. c i t . , p. 228-229.)348 “A responsabilidade objetiva que desconsidere o vínculo de natureza psíquica,volitiva, entre o resultado e o agente, conquanto possa representar um avanço no

culpabilidade. Contudo, a responsabilidade penal pelos ilícitos ocorridos noâmbito das pessoas jurídicas tem sido atribuída, de forma objetiva, aossócios e diretores das mesmas.

Considera-se responsabilidade penal objetiva o estado desujeição a uma sanção criminal independentemente de restar demonstrado odolo ou a culpa, bastando o nexo de causalidade.

Desta forma, nada mais é do que a responsabilidade por umacontecimento, atribuída a alguém em virtude apenas de um nexo decausalidade, entre a conduta e o resultado, com exclusão de qualquercontributo do elemento subjetivo, seja de conhecimento seja de vontade.

Assim podem ser consideradas as manifestações que admitem ainstauração de ação penal sem que a denúncia descreva,individualizadamente, a conduta típica imputada a diretores eadministradores de empresas (denúncia genérica), constituindo-se numaviolação de dispositivo expresso da lei, e um atentado evidente àsgarantias constitucionais.

A responsabilidade penal não pode decorrer pura esimplesmente da condição de administrador da empresa. A sua simplescondição jurídica não pode conduzi-lo a ser responsabilizado penalmente.Ademais, a responsabilidade em âmbito criminal “não pode ser ficta,presumida, diversa daquela proveniente da própria conduta do agente e desua postura psicológica em relação ao evento delituoso”349.

Diante dessas considerações, observa-se que a possibilidadede determinado agente criminoso ser responsabilizado penalmente se dáapenas àquele que teve uma relação de execução, ou de colaboração, com ofato criminoso, imbuído de consciência e de vontade350.

campo do Direito Civil ou Administrativo, na seara penal constitu i enorme desvio desuas raízes históricas, uma intolerável desumanização de seu conteúdo, deconseqüências ainda pouco conhecidas.” (PRATES, op. c i t . , p. 44.)349 OLIVEIRA, William Terra de. Algumas questões em torno do novo direito penaleconômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais , São Paulo, ano 3, n. 11,ju l./set. 1995. p. 95.350 OLIVEIRA, op. c i t . , p. 95.

Na estrutura de um processo penal acusatório, necessário sefaz que a denúncia seja elaborada destacando, expressamente, a conduta oua participação de cada agente, e quanto cada conduta foi capaz de tercontribuído para o resultado típico.

Mesmo diante de uma reivindicação social para se punir acriminalidade econômica, não se pode admitir a ofensa ao princípiogarantidor da responsabilidade pessoal, concluindo-se pela culpa do agentepelo simples fato de ser sócio, diretor ou gerente de empresa.

No processo penal, uma das medidas consideradas eficazespara tal fim centra-se na inversão do ônus da prova. A forma de distribuiçãodo ônus da prova traduz a responsabilidade atribuída à parte, autor ou réu,no sentido de indicar a matéria a ser esclarecida por cada qual.

Sendo assim, quando se fala em ônus da prova, está-separtindo do princípio de que toda afirmação precisa de sustentação, deprovas para ser levada em consideração. Se tais provas e argumentos nãosão oferecidos, essa afirmação não passa de retórica, e deve serdesconsiderada em um raciocínio lógico.

No processo penal, tendo em vista que o mesmo se inicia comuma imputação, a obrigação da prova do delito incumbe ao acusador. Sendoassim, nenhuma acusação penal pode se presumir provada, pois encontra-se diante de um acusado que tem o direito constitucional a ser presumidoinocente.

Por esta razão, a acusação formalizada inicialmente deve serprovada pelo seu titular, do contrário, ou seja, da imposição ao acusado defazer prova de sua inocência, seria a consagração da presunção de culpa,situação intolerável em um Estado de Direito Democrático.

José Faria Costa destaca que uma das maiores conseqüênciasdo princípio da presunção de inocência é a inexistência, no processo penal,de uma repartição do ônus da prova351.

Contudo, com o Direito Penal Econômico cada vez maiscercado dos tipos de perigo abstrato, como já demonstrado, além de ocorreruma renúncia da comprovação da lesão e do nexo causal, ocasionam-seconseqüências no ônus da demonstração da materialidade delitiva no casoconcreto (presença ou ausência eventual de risco do ato praticado, descritocomo típico).

Isto porque a distribuição do ônus da prova no processo penal“deverá partir da premissa de que é sobre a parte que alega o direito que irárecair a incumbência de demonstrar a existência dos fatos dos quais opretende fazer derivar.”352 Sendo assim, recai sobre o Ministério Público opeso do ônus da prova, devendo demonstrar todos os pressupostos,elementos, condições e circunstâncias que tornam possível a aplicação dapena.

A primeira solução é dada com a aplicação de uma fórmulanegativa, “que prevê a exclusão da tipicidade do fato quando restardemonstrada a ausência completa de possibilidade de lesão aos bensjurídicos.”353 Existiria, assim, uma presunção354 iuris tantum da existênciado perigo quando verificada uma prática que se amolde ao tipo penal355.

351 COSTA, José Francisco de Faria. O fenômeno da globalização e o direito penaleconômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais , São Paulo, n. 34, maio/jun.2001. p. 22.352 KARAM, Maria Lúcia. Sobre o ônus da prova na ação penal condenatória. RevistaBrasi leira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 9, n. 35, ju l./set. 2001, p. 55)353 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Princípio da precaução, direito penal e sociedade derisco. Revista Brasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, n. 61, ju l./ago. 2006.p. 88.354 Sobre presunção de culpa, Maria Lúcia Karan destaca: “Ressalte- se que, noDireito Penal ou Processual Penal de um Estado Democrático de Direito, nenhumapresunção de culpa subsiste. Presunções não passam de ficções, naturalmenteincompatibilizadas com a tutela da liberdade do indivíduo, de todo mododecorrendo da garantia da presunção de inocência ou de não-culpabilidade aprevalência desta presunção de inocência sobre qualquer outra que, porventura,insista o legislador em institu ir. Ressalte- se ainda que, como se passará a ana lisar,matéria fática concernente à antijuridicidade não diz respeito a fatos constitutivosdo direito alegado.” (KARAM, op. c i t . , p. 64 (nota de rodapé).355 Neste sentido ver: CREUS, Carlos. Los delitos de peligro abstracto. Su validezconstitucional. Revista de Ciencias Penales , Barcelona, v. 1, 1999. p. 97 e ss.

Com a adoção desta solução, ocorrerá uma inversão do ônusda prova, incompatível com o princípio da presunção de inocência356, pois,segundo o mesmo, sendo o réu presumidamente inocente, o ônus da provade sua responsabilidade penal fica a cargo da acusação357.

No caso concreto apenas se torna necessária, por parte daacusação, a demonstração da violação da norma jurídica, o que, comcerteza, proporciona ao acusado poucas possibilidades de defesa. Comodeixar a cargo da defesa a refutação de um risco sob o qual não existeminformações disponíveis sobre os potenciais cursos causais danosos que oenvolver?

Contradiz-se, assim, o princípio da presunção de inocência,que garante ao réu não ter necessidade de construir sua inocência, pois estajá está construída de antemão pela presunção que o ampara.

Como, via de regra, não se consegue refutar tal presunção, elapassa a ser iure et de iure358, ocorrendo uma aproximação com os delitos de

356 Neste sentido ver: BASOCO, Juan M. Terradillos. Peligro abstracto y garantíaspenales. OLIVARES, Gonzalo Quintero; PRATS, Fermín Morales (coords.). El nuevoderecho penal español: Estudios penales en memoria del Profesor José ManuelValle Muñiz. Pamplona: Aranzadi, 2001. p. 813.357Sobre ônus da prova no âmbito penal ver: QUAGLIERINI, Corrado. In tema dionere della prova nel processo penale. Revista Italiana di Dir itto e ProceduraPenale, Milano, anno XLI, 1998. p.1255 e ss.358 “Otra posib le vía de lege f erenda – en el supuesto de que las legislaciones norenuncien a los delitos de peligro abstracto – podría consistir en la previsión de laprueba abogan, incluso de lege data y con independencia de la ausencia deprevisión legal, no pocos autores. Con carácter generalizado la defiende BlascoFernández de Moreda, con el argumento de que una presunción legal ‘iure et deiure’ se opone en sede penal a los principios fundamentales de todo ordenamientojurídico merecedor de tal calificación. Pero suelen hacerse más matizaciones.Schroeder, que ha dedicado al tema páginas muy sutiles sostiene, por ejemplo, quedebe admitirse siempre la prueba de la falta de peligro si la figura tiene undeterminado ob jeto concreto de protección que permita determinar con seguridad s ifue realmente puesto en peligro. Pero estima, por el contrario, que habrá quedoblegarse ante la caracterización legal del peligro si el delito se dirige contra lacolectividad o contra un objeto legal del peligro si el delito se dirige contra lacolectividad o contra un objeto inexistente o no comprobable en el momento delhecho. La determinación de los límites a conceder a la admisib ilidad de la pruebadel peligro constituye uno de los prob lemas más arduos que la doctrina tieneplanteados respecto de los delitos que analizamos.” (SANTOS, Marino Barbero.Contribución al estudio de los delitos de peligro abstracto. Anuario de DerechoPenal y Ciencias Penales, Madrid, tomo XXVI, fasc. 3, sept./dic. 1973. p. 495.)

desobediência, em que por meio de uma mera violação da norma pode-se teruma legítima intervenção penal sobre o comportamento359.

Outra solução exige do órgão acusador a demonstração dapericulosidade ex ante da conduta360 (risco real, jurídico, penalmenterelevante) e, conseqüentemente, da materialidade delitiva nos crimes deperigo abstrato. Faz-se mister destacar que o devido processo legal exige queos elementos que fundamentam a sanção sejam demonstrados pela parteque pretende satisfeita sua pretensão punitiva361.

359 Neste sentido Juan M. Terradillos Basoco discorre: “La conducta ha demanifestarse, pues, en todo delito de peligro, como idónea para afectar al b ienjurídico. Lo que implica colocar a éste en una situación que no quedaría explicadapor la contemplación exclusiva de la acción; de modo que, siguiendo a Martín,habría que conclu ir que la peligrosidad de la acción, incluso en los delitos depeligro abstracto, comporta un riesgo de lesión que, a l menos a nivel lógico, sedistingue de la acción en si misma. Así, observa Laurenzo que los delitos de peligroabstracto hipotético, no escaparían a la perspectiva dualista de lo ilícito penal. Yadvierte, igualmente, que no puede llegar a la misma conclusión cuando no esdetectable un objeto de protección de la norma, por lo que en estos casos seráimposib le un resultado, y, en consecuencia, un ju icio que lo desvalore. Peroentonces, hay que añadir, lo que no es rastreab le es la existencia de peligroninguno, y lo que se estaría criminalizando es la mera desobediencia, en ab iertatrasgresión de los límites dentro de los cuales el Derecho penal está legitimadopara actuar.” (BASOCO, op. c i t . , p. 789.)360 “A la vista de las dificultades del modelo del peligro concreto, se sostiene pormuchos que los del i tos de pel igro abstracto constituyen el mecanismo técnico másadecuado en materia medio-ambiental. Sin embargo, a mi ju icio, conviene nosobrevalorar los beneficios de esta técnica. Ciertamente, la utilización de la mismapermite eludir la complicada determinación de la relación de causalidad, así comode la relación de realización del riesgo en el resu ltado (relación de riesgo oimputación objetiva en sentido estricto), lo que no es poco. Ahora b ien, por un lado,no elimina la necesidad de constatar la presencia en la conducta (ex ante de unr iesgo real juríd ico -penalmente re levante para el b ien jurídico). Ello, siempre que losdelitos de peligro abstracto no se entiendan como delitos de peligro presunto, enlos que la peligrosidad de la conducta constituye la ratio legis y no tiene queconstatarse en el caso, oposición esta ú ltima que estimo inadmisib le para unDerecho Penal de protección de b ienes jurídicos”. (SÁNCHEZ, Jesús-María Silva.Política criminal y técnica legislativa em matéria de delitos contra el médioambiente. Cuadernos de Doctrina y Jurisprudencia Penal , Buenos Aires, v. 3,fasc. 4-5, mar. 1997. p. 137.) Ver também: MUÑOZ, Nuria Pastor. El hecho: ocasióno fundamento de la intervención penal? Reflexiones sobre el fenómeno de lacriminalización del ‘peligro de peligro’. Derecho Penal del enemigo: el discursopenal de la exclusión. v. 2, Montevideo: IbdeF, 2006. p. 523 e ss.361 “A prevalência da tutela da liberdade do indivíduo, apontando para a contenção ea redução do poder do Estado de punir, há, portanto, de permanentemente dar asdiretrizes e permanentemente se exercitar, no processo penal, não só para avanço efortalecimento dos postu lados do Estado Democrático de Direito, em que talprevalência se inclui, mas, antes disso, para assegurar a própria subsistênciadaquele Estado, freqüentemente ameaçada pela tensão estabelecida entre seusprincípios e as manifestações do estado policial, cu jo crescimento, nas formaçõessociais do capitalismo pós- industrial, já não esconde o neoautoritarismo, que, nocampo do controle social, aparece como a contra - face do neoliberalismo econômico.Originando- se dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, tanto a garantiada presunção de inocência ou de não-culpab ilidade quanto o princípio in dúbio proreo dela derivado, rigorosa e efetivamente aplicados, constituem importantíssimosinstrumentos de contenção do poder de punir e, assim, de contenção do Estado

Não se pode esquecer que o Direito Penal Clássico prima pelapunição do resultado efetivamente lesivo ao bem jurídico, ou seja, possuicomo centro de sua tipologia conceitual o delito de lesão, no qual o bemjurídico sofre uma lesão substancial362. Portanto, não se pode, em busca deuma sensação de segurança no corpo social, esquecer de seus postulados,considerando o delito de perigo abstrato com uma responsabilidade objetiva.Há de ser dada relevância jurídica às atitudes interiores associadas, comomotivo ou fim de agir, a um sucesso exterior363.

Com a utilização desta técnica, o legislador, além de ter dadoa si mesmo competência para criar bases normativas destinadas a punirantecipadamente condutas, acabou por oportunizar ao julgador a atribuiçãode procurar potencialidades danosas, justificando, assim, as normas comprevisões genéricas, que concederam ao juiz um amplo poder de decisão,sem nem mesmo prever, de forma específica, o campo de atuação de cadaagente, ou o desvalor de sua conduta.

Pode-se dizer que a utilização dos delitos de perigo abstratoacaba dificultando enormemente o direito ao contraditório, à ampla defesa e,conseqüentemente, ao devido processo legal.

O processo penal, em toda e qualquer circunstancia, devebuscar a proteção dos direitos fundamentais, bem como a realização da

policial. A garantia da presunção de inocência ou de não- culpabilidade e o princípioin dúbio pro reo dela derivado implicam na atribuição da autoria da ação penalcondenatória – isto é, àquele que ocupa a posição da Acusação – do ônus dedemonstrar, de forma induvidosa, a existência da infração penal e de sua autoriana medida em que somente a certeza quanto a esta existência poderá conduzir a umpronunciamento de procedência do pedido de condenação.” (KARAN, op. c i t . , p. 60.)362 “Ineludib le punto de partida es la constatación de que la antijuridicidad es, enla teoría del delito, el correlato del principio pol ítico- criminal de lesividad. Ésta,por su parte, no puede ser comprendida si se cercena de su análisis un importanteelemento: la necesidad de intervención. De ahí que el principio del b ien jurídico,que tiene vocación limitadora, deba ser complementado por el de intervenciónmínima o intervención necesaria. Aceptado lo anterior, la prob lemática suscitadapor los delitos de peligro no puede dejar de ser polémica, ya que, frente a los delesión, suponen una anticipación – lógica – de la línea de intervención penal, quese conforma con la concurrencia del peligro, previo, por definición, a la ulterior yeventual lesión. La polémica se ve, a su vez, incrementada por cuanto el recurso atipos de peligro suele acompañar a la opción legislativa a favor de la tutela debienes jurídicos supraindividuales, con el consiguiente riesgo de abandono delmodelo propio del Estado democrático.” (BASOCO, op. c i t . , p. 792.)363 Conforme BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro . 4. ed.Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 91.

justiça. A inversão do ônus da prova, ou mesmo a adoção de umaresponsabilidade objetiva, com medidas pretendidas a dar mais eficácia aoprocesso penal, são inviáveis, tendo em vista ofender direitos constitucionaisconquistados duramente, colocando em jogo toda tradição de um Estado deDireito Democrático.

4 A BUSCA POR UM DIREITO PENAL ECONÔMICO EFICIENTE:

IDÉIAS EM CONSTRUÇÃO

3.1 Processo penal efetivo e criminalidade econômica

Como já destacado, grandes dificuldades existem para ainvestigação e julgamento dos crimes contra a ordem econômica. Observa-se“um empobrecimento letárgico das instituições estatais, mormente asencarregadas da persecutio criminis. A investigação centra-se quase queexclusivamente nos depoimentos pessoais; os meios humanos e materiais àdisposição da investigação são precários: os agentes encarregados da fasepreliminar do processo foram abandonados e raramente surge algumainstrução atualizadora; algum investimento nos meios recebe um alardesatisfatório para o ano todo.”364

Desta forma, verifica-se que os mecanismos existentes para ainvestigação dos crimes contra a ordem econômica são ultrapassados,podendo-se ressaltar, principalmente, os cometidos por organizaçõescriminosas, isto devido “ao grau de complexidade e a penetração das redesvenenosas possuir um diferencial importante, calcado na não-eventualidade,na organização, na inteligência, a qual pode criar pistas falsas, engendrar eprovar álibis, fabricar autores e confissão de delitos menos graves”365.

O processo, essencialmente mecanismo de garantia, passou agerar insegurança. Os encarregados de acusar e de julgar se vêemimpingidos de uma visão utilitarista do Direito Penal Econômico.

A legislação existente na área criminal econômica, em váriosaspectos, choca-se com as garantias constitucionais. O que se vem notando

364 GIACOMOLLI, Nereu José. A garantia do devido processo legal e a criminalidadeorganizada. Revista de Estudos Criminais , Porto Alegre, n. 14, v. 4, p. 112-121,2004. p. 114.365 GIACOMOLLI, Nereu José. A garantia do devido processo legal e a cr iminalidadeorganizada. Revista de Estudos Criminais , Porto Alegre, n. 14, v. 4, p. 112-121,2004. p. 115.

é uma restrição das garantias constitucionais básicas, como supostamentenecessárias ao combate eficaz da criminalidade econômica366.

Sendo assim, torna-se imprescindível analisar, ainda quesuperficialmente, a realidade de outros referenciais, apontando aqui, apostura assumida na Alemanha, Itália e Portugal, para que se possa verificaros mecanismos que estão sendo utilizados para assegurar a eficácia doDireito Penal Econômico.

Para a persecução dos crimes contra a ordem econômicaexige-se “não só um grande desdobramento de recursos, mas tambémconhecimentos especiais em economia e em direito econômico.”367 Sendoassim, na Alemanha, desde a década de 70 do século passado, foram criadosPromotores Especializados368 e Salas ou Câmaras Especializadas para ojulgamento dos crimes contra a ordem econômica369.

Verifica-se, ainda na Alemanha, a existência de seçõesespeciais na polícia para o combate da criminalidade econômica370, “nas

366 Neste sentido, Manuel Cobo del Rosal destaca: “Han proliferado una serie defiguras que harían saltar de su tumba al marqués de Beccaria a finales del sigloXVIII. Lo harían saltar y volverse a meter de nuevo, prefiriendo estar en donde está,que no conviviendo con una <situación> que utiliza, como lamentablemente sucedeen nuestro país, cual piezas fundamentales de proceso a delatores, <arrepentidos >,denuncias anónimas, obtención sistemática de pruebas con vulneración de derechosfundamentales y libertades púb licas, etc.” (ROSAL, Manuel Cobo del. Prob lemaspenales y procésales de la denuncia. Cuadernos de política criminal , Madrid, n.57, 1995. p. 658.)367 LOUIS, Jürgen; WASSEMER, Martin Paul. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal, Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 168.368 “Los fiscales son apoyados por especialistas en materia económica y expertos enauditoria que confeccionan informes no vinculantes.” (LOUIS, Jürgen; WASSEMER,Martin Paul. Tratamiento de los delitos sócio- económicos. Revista Penal ,Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 169.)369 “Uma vez que a investigação e o ju lgamento de crimes econômicos,freqüentemente muito complexos, pressupõem conhecimentos especializados, foramcriadas unidades do Ministério Púb lico especialmente preparadas para ainvestigação de crimes económicos, bem como, junto dos tribunais, as chamadas‘câmaras penais económicas’”. (ALBIN ESER, M. C. J. Sobre a mais recente evoluçãodo direito penal alemão. Revista Portuguesa de Ciência Criminal , Coimbra, ano12, n. 4, out./dez. 2002. p. 533.)370 Sobre a existencia de seções especiais na policía para o combate dacriminalidade económica, Klaus Tiedemann discorre: “En el campo jurídico-penal, elprincipal impulso para estas ideas reformistas partió de la propia justicia penal,que ya desde finales de los años sesenta venía tratando, con éxito creciente, desalir a l paso a la cada vez más difundida delincuencia económica, mediante unaserie de medidas organizativas que implicaban la creación de fiscalíasespecializadas en esa clase de infracciones y la constitución de Salas Especiales delo Penal-Económico en los tribunales.” (TIEDEMANN, Klaus. Poder Económico yDelito. Barcelona: Editorial Ariel, 1985. p. 27.)

quais funcionários especialmente capacitados são apoiados pelos chamadosserviços de auditoria econômica”371.

Tais medidas são consideradas exitosas372, com a políticacriminal alemã aspirando por sua ampliação, tais como um “melhorintercâmbio de informação, estabelecimento de um sistema central deinformação, emprego reforçado de agentes secretos, etc.”373

Outro ponto de destaque é que, na Alemanha, restringiu-se oprincípio da legalidade374, “para delimitar processos penais econômicosmediante a omissão de acusação a respeito de partes de casoscomplexos.”375

Sendo assim, “na atual realidade processual, a rendição deprova e a condenação, se vêem habitualmente facilitadas por confissõesamplas do acusado, as que freqüentemente, no entanto, não se devem auma situação probatória premente, senão que a um acordo entre defesa,acusação e tribunal sobre o montante da pena.”376

371 LOUIS, Jürgen; WASSEMER, Martin Paul. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal, Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 169.372 “No âmbito jur íd ico -processual penal ampliaram-se alguns instrumentos deinvestigação, através da regulamentação da utilização de agentes infiltrados (§§110a-110e, StPO), do uso de meios técnicos de vigilância (§§ 110c-110d, StPO), doacesso a base de dados (§§ 98a-98c, StPO) e da observação policial (§ 163e, StPO).Foi ainda melhorada significativamente a protecção de testemunhas, nomeadamentecom a possib ilidade de manter secreta a identidade das testemunhas em perigo (§68, 1,3, StGB).” (ALBIN ESER, M. C. J. Sobre a mais recente evolução do direitopenal alemão. Revista Portuguesa de Ciência Criminal . Ano 12, n. 4,outubro/dezembro de 2002. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 535.)373 LOUIS, Jürgen; WASSEMER, Martin Paul. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal, Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 169.374 Sobre o asunto Esteban Righi discorre: “Una manifestación del principio de<oportunidad> fue recogida por la Ley de Reforma del Procedimiento Penal de 1979,que admitió que el fiscal no persiga determinados hechos, según la regla de losparágrafos 153 y siguientes de la Ordenanza Procesal Penal, de especial aplicaciónen causas vinculadas al derecho penal económico”. (RIGHI, Esteban. Derecho penaleconómico comparado. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1991. p. 46.)375 LOUIS, Jürgen; WASSEMER, Martin Paul. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal, Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 169.376 LOUIS, Jürgen; WASSEMER, Martin Paul. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal, Barcelona, n. 9, enero de 2002. P. 169.

Além destas medidas já implantadas, a política criminal alemãvem exigindo uma desburocratização do processo penal, bem como asuperação da separação tradicional entre polícia e Ministério Público377.

Na Itália, com a Lei de 20 de setembro de 2000, introduziu-sea responsabilização das pessoas jurídicas e de outros entes coletivos a umnúmero limitado de delitos378. Luigi Foffani, sobre o assunto, salienta que“deste modo se racha, se é que não se supera completamente, o tradicionalprincípio societas delinquere non potest: efetivamente, se prevê uma singularforma de responsabilidade que o legislador define como administrativa, que,no entanto, em realidade se deriva diretamente da perpetração de um delitopor interesse ou em benefício do ente por parte de um de seus empregadosou representantes.”379

O sistema processual deste país, com o novo Código deProcesso Penal de 1988, disciplinou cinco procedimentos, a saber: “o juízoabreviado (arts. 438-434), a aplicação da pena com a concordância daspartes (arts. 444-448), o juízo diretíssimo (arts. 449-452), o juízo imediato(arts. 453-458) e o procedimento por decreto (arts. 459-464). /.../ O traço atodos comum é o da simplificação do procedimento ordinário e a definiçãoantecipada do juízo.”380

377 Vide LOUIS, Jürgen; WASSEMER, Martin Paul. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal, Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 169.378 Sobre o asunto, Luigi Foffani discorre: “Esta forma de responsabilidad de entes –que puede exclu ir- se en caso de adopción y cumplimiento efectivo por parte del entede modelos de organización y de gestión de empresa que sean idóneos para laprevención de estos delitos – se circunscribe por el momento a un número muylimitado de delitos (corrupción, fraude de subvenciones, estafa en perju icio deloEstado o de la Comunidad Europea, etc.), pero ya está prevista la extensión de estemodelo de responsabilidad a nuevos supuestos (delitos inherentes a la falsificacióndel euro y delitos societarios).” (FOFFANI, Luigi. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal, Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 190.)379 FOFFANI, Luigi. Tratamiento de los delitos sócio-económicos. Revista Penal ,Barcelona, n. 9, enero de 2002. p. 190.380 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002. p. 598. Continua dizendo: “Precisamente, o ju ízoabreviado e a aplicação da pena com a concordância das partes permitem definir oprocedimento na abertura do debate de primeiro grau, desde que assim requerido(arts. 446, parágrafo 1 ), com a conseqüente supressão do debate e restrição daspossib ilidades de apelação (arts. 443 e 448, caput ); o ju ízo diretíssimo e aqueleimediato consente, ao invés, proceder- se imediatamente ao debate, evitando- seaudiência preliminar (arts. 449 e 457); o procedimento por decreto consiste, aofinal, em elidir o juízo por completo, subordinando-se o desenvolvimento à eventualoposição contra a condenação prévia (arts. 459 e 464). Ainda que disciplinados nomesmo Livro, os cinco procedimento têm pressupostos, características e funções

Em Portugal, visualiza-se uma espécie de Parte Geral doDireito Penal Secundário381, em que se prevê, nomeadamente, a punição datentativa, a responsabilidade por atuação em nome de outrem, aresponsabilidade das pessoas coletivas e a especialidade das penasacessórias, bem como a abertura do processo a iniciativas de ação popular ea especialização dos órgãos de polícia criminal382.

Com o Decreto-lei n. 28/84, num total de 86 artigos, divididosem cinco capítulos, tem-se que “o primeiro e os dois últimos capítulos têmuma função geral de enquadramento, enquanto é no segundo e no terceiroque o legislador codifica, respectivamente, os crimes e as contra-ordenaçõescontra e economia e a saúde pública”.383

assaz diversas entre si. O pressuposto dos dois primeiros é o acordo das partes e,por essa razão, a justificação do projeto de lei que originou o Código fa la delescomo transação : “transação sobre o r i to que não toca de modo algum ao mérito daimputação”, no caso do ju ízo abreviado (art. 438): “transação sobre a pena”, quepor sua vez ‘indica um acordo entre o Ministério Público e o imputado sobre omérito da imputação (responsab ilidade e conseqüente pena)’, no caso da aplicaçãoda pena ante a concordância das partes (art. 444). O pressuposto do terceiro equarto é, a seu turno, a simplicidade da prova e precisamente a prisão em flagrantedo imputado ou a sua confissão no caso do ju ízo diretíssimo (art. 449, parágrafos1 e 5 ) e a evidência das provas no caso do ju ízo imediato (art. 453). O pressupostodo quinto procedimento, aquele por decreto, é, ao final, a particu lar poucagravidade do delito e a natureza apenas pecuniária da sanção decidida pelo ju iz(art. 459).”381 Segundo Jorge de Figueiredo Dias, direito penal secundário é “o conjunto denormas de natureza punitiva que constituem objecto de legislação extravagante econtém, na sua generalidade, o sancionamento de ordenações de carácteradministrativo. Avançar desta caracterização formal para uma caracterizaçãosubstancial supõe afrontar e resolver o dificílimo prob lema da determinação daessência do direito penal secundário; essência que, não sendo <substânciaeidética> imodificável e intemporal, mas étimo fundante do sentido que aqueleassume em dado lugar e momento, depende em larga medida do âmbito que lhe devaser assinalado.” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penalsecundário. In: PODVAL, Roberto (org.). Temas de Direito Penal Econômico. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 24.)382 Conforme FERNÁNDEZ, Miguel Bajo. A reforma dos delitos patrimoniais eeconômicos. Revista Portuguesa de Ciência Criminal , Coimbra, ano 3, fasc. 1,jan./mar. 1993. p. 539.383 MACHADO, Miguel Pedrosa. A propósito da revisão do Decreto-Lei n. 28/84, de20 de janeiro (infrações antieconómicas). Revista Portuguesa de Ciência Criminal ,Coimbra, ano 3, fasc. 1, jan./mar. 1993. p. 493. Continua destacando: “O primeirocapítu lo contém apenas três artigos, que indicam a legislação subsidiária, oproblema da responsabilidade por actuação em nome de outrem e aresponsab ilidade de pessoas colectivas, a que chama <criminal>, apesar de a referirtambém a contra-ordenações (erro desnecessário que não deixa de poder seraproveitado para argumentar contra a teórica pretensão de distinguir a ilicitudepenal da de mera ordenação social – Elementos. . . , c i t . , ibidem, em nota). Os doisúltimos capítu los, também comuns, explicam alguns dos conceitos utilizados aolongo do diploma (arts. 81 a 84), conclu indo-o com uma <norma revogatória> e aindicação sobre a data de entrada em vigor; crítica que se deve fazer a ambos estescapítu los é a observação imediata da fa lta de rigor nas fórmulas escolhidas querpara <definições e classificações> (o que tem sido constante e até

Com relação ao processo, este Decreto-Lei trouxe um conjuntode normas especiais, “onde é característica notória o acentuar da tendênciageral para o alargamento da forma do processo sumário e para aadministrativização da instrução.”384

Constata-se, desta forma, que há necessidade de mudançasno sistema processual para uma efetiva aplicação do Direito PenalEconômico, tendo em vista que “os defeitos de um sistema adjetivo podemrepercutir desfavoravelmente nas construções teóricas do sistemapunitivo.”385

Sendo assim, não basta a tipificação de novas figuras penais,com seu efeito preventivo, se não existe um funcionamento do mecanismoprocessual penal capaz de conferir efetividade à norma.

O ponto crucial, no que diz respeito ao processo penal, residena necessidade ou não de abrir mão das garantias em prol de uma maioreficiência no controle da criminalidade econômica. Isto porque as formasjurídicas oficialmente utilizadas para o controle da criminalidadeconvencional, da maneira como se mostram dispostas, não são adequadaspara regularem as questões no âmbito da criminalidade econômica386.

especificadamente invocado nas informações já enviadas ao Ministério da Justiçapor muitas associações e organizações representativas das actividades econômicas),quer quanto ao modo de revogação dos DL n. 41 204 e DL n. 191/83 e de outrasdisposições (<todas as disposições legais que prevêem e punem factos constitutivosde crimes e contra-ordenações previstos no presente diploma>) – o quedecisivamente trai ou confessa a origem do diploma numa espontaneidadelegislativa não cumpridora da tarefa ingente de realizar a triagem indispensável, emnúmero e em características das infracções, para que seja possível, mais do que amera aparência formal da reforma do sistema punitivo, a sua eficácia e o seusentido útil. È nos Capítu los II e III que se reúnem as disposições materiais cujoconjunto se pode dizer constitu ir a parte nuclear do vigente Direito penaleconômico português. Tecnicamente, é aqui que, como dissemos, o legisladorprocurou fornecer duas codificações distintas, uma sobre os crimes e outra sobreas contra- ordenações/.../” (p. 494-495)384 MACHADO, Miguel Pedrosa. A propósito da revisão do Decreto-Lei n. 28/84, de20 de janeiro (infrações antieconómicas). Revista Portuguesa de Ciência Criminal ,Coimbra, ano 3, fasc. 1, jan./mar. 1993. p.495.385 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa : desdeuna visión garantista. Buenos Aires: Ibdef, 2005. p. 321.386 Como destaca Francis Rafael Beck, “princípios de garantia material e processualsão limitados ou mesmos afastados. Cada dia mais se avança em direção a umdireito especial ou de exceção (emergencial), correspondente a um desvio dospadrões tradicionais do sistema repressivo, estabelecendo um subsistema que seafasta das normas e princípios válidos para a normalidade.” (BECK, Francis Rafael.Perspectivas de controle do crime organizado na sociedade contemporânea: da crise

Desta forma, imprescindível se torna não esquecer que oprocesso penal liberal, ou democrático, é destinado a garantir a esfera deliberdade do indivíduo frente ao Estado, não sendo razoável, assim, que asolução dos problemas da criminalidade econômica esteja em conferir àsautoridades incumbidas da segurança pública os instrumentos irrestritosque almejam.

Em razão da ineficiência da estrutura vigente no combate à criminalidade

econômica, surgem diferentes propostas, ou tendência processual, com o

objetivo de tornar o processo efetivo no combate à esta nova forma de

criminalidade.

A seguir, sem questionar seus fundamentos, são apresentadas as

principais idéias desenvolvidas neste sentido.

Como ensinam Raúl Cervini e Gabriel Adriasola, faltaconhecimento e experiência em matéria econômica por parte dos juízes,assim como não existem organismos técnicos acessórios387. Destacam,ainda, que a “exagerada duração do processo penal conspira contra aeficácia preventiva da norma”388.

A tendência é se recorrer a agentes especializados389/390

(Polícia, Ministério Público, Peritos, Tribunal) nos ramos de conhecimentos

do modelo liberal às tendências de antecipação da punibilidade e flexib ilização dasgarantias do acusado. CARVALHO, Salo de. Leituras constitucionais do sistemapenal contemporâneo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 268.)387 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa : desdeuna visión garantista. Buenos Aires: Ibdef, 2005. p. 321.388 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa : desdeuna visión garantista. Buenos Aires: Ibdef, 2005. p. 321.389 Neste sentido: “En numerosas ocasiones se ha llamado la atención sobre lanecesidad de especialización de los órganos judiciales y de la acusación púb lica enlos delitos económicos.” (VALLE, Carlos Pérez del. Introducción al derecho penaleconómico. BACIGALUPO, Enrique (dir.). Curso de derecho penal económico.Barcelona: Marcial Pons, 1998. p. 35.)390 Sobre a tendencia de se recorrer a agentes especializados, Esteban Righi traz:“La conclusión 1.b ) del Sexto Congreso de la Asociación Internacional de DerechoPenal (A.I.D.P.), realizado en Roma en 1953, reclamó acudir a los principiosgenerales para la solución de las cuestiones no previstas, como también unaconstante adaptación a los <rasgos característicos de la materia>. Otrasconclusiones de esa reunión dedicada al derecho penal socio-económico, referidas aproblemas de procedimiento y jurisdicción, como las 5.a ), y 7, deben ser entendidascomo consecuencias de la antes mencionada. Estas recomendaciones, ratificatorias

necessários à criminalística da criminalidade econômica391/392. Ademais,tem-se buscado criar estímulos à intervenção da vítima393, que é a maiorresponsável pela seleção e cifras negras394.

de la tesis de la especialidad y no de la autonomía, aconsejan el respeto a lasjurisdicciones penales ordinarias, pero con la aclaración de que algunosmagistrados con jurisdicción deben <especializarse> en la materia [conclusión 5.a )] .Igualmente, se sugiere la contratación de agentes sumariales <especializados>[conclusión 5.b )] (cfr. Righi, 1980, nota 4). En fecha mucho más reciente, en el XIIICongreso de la misma Asociación, realizado en el Cairo, se aprobó como 3 Recomendación lo siguiente: <Es necesaria la existencia de una justicia apropiada yde asistencia a individuos o grupos, víctimas de delitos económicos y de laempresa>.” (RIGHI, Esteban. Derecho penal económico comparado. Madri:Editorial Revista de Derecho Privado, 1991. p. 303-304)391 Ainda sobre a necessidade de especialização dos agentes na persecução dacriminalidade econômica, Eduardo Correia ensina: “Por outro lado, conhece-se acomplexidade das matérias do direito penal económico, a dificu ldade da prova dassuas infracções, pelo que importaria especializar a competência das instâncias deinvestigação, instrução e ju lgamento.” (CORREIA, Eduardo. Notas críticas àpenalização de actividades econômicas. Direito Penal Econômico e Europeu:textos doutrinários. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. v. 1, p. 366.)392Sobre a especialização dos agentes no direito comparado: “Assim, logo a nível deinvestigação, em Paris, a polícia judiciária tem uma brigada económica. O mesmosucede na Inglaterra com a City of London Police e a Metropolitan Police; emLiverpool e em Manchester, onde os respectivos inspetores recorrem a peritos devários ministérios (v. g., comércio, indústria, finanças) que, por sua vez, ordenaminvestigações. Na Holanda, são também utilizados inquéritos feitos pelosministérios da economia e das finanças que, muitas vezes, tem poderes deoportunidade na promoção dos processos, instruídos por instâncias fortementeespecializadas. Relativamente à Alemanha, dadas as dificu ldades de promoçãocriminal relativamente a delitos antieconómicos foram criadas instânciasespecializadas nos Länder , como resultado da integração da alínea c) no § 74 daGerichtsverfassungsgesetz de 1971. O mesmo se diga, na França, com as alteraçõesdos artigos 704 e 706 do Código de Processo Penal e, na Holanda, com a Lei deJulho de 1950 actualizada em abril de 1976. /.../ No que toca ao ju lgamento, odireito comparado mostra também duas linhas possíveis : criar tribunais especiaisou escolher dentro dos ju ízes comuns os mais especializados, para ju lgar os delitosantieconómicos, como é o caso da Inglaterra. Na Holanda, há um juiz especializadoem cada distrito (Economisch Pol i t ik R ichter ) em matéria de actividades criminaiseconómicas que são ju lgadas por um tribunal colectivo.” (CORREIA, Eduardo.Introdução do direito penal econômico. Direito Penal Econômico e Europeu: textosdoutrinários. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. v. 1, p. 316-317)393 Acerca da intervenção da vítima no processo penal, Esteban Righi destaca aspropostas desenvolvidas no Conselho da Europa: “La descripción de lasparticu laridades de la posición de la víctima frente al autor de delitos económicosha sido materia de un informe del Consejo de Europa, del que surgen las siguientesobservaciones: a) la situación de particu lar desprotección en que se encuentra,especialmente por la superioridad económica del delincuente; b ) la desventaja quele producen la complejidad de maniobras, en operaciones económicas que noentiende totalmente, y c) la pérdida de prestigio que supone admitir haber sidoengañada. Partiendo de esas observaciones, se recomienda: a) favorecer la creaciónde asociaciones de víctimas, especialmente en el ámbito de la protección alconsumidor; b ) permitir que la víctima de un delito económico defiendapersonalmente sus derechos en el proceso penal, y si este derecho le ha sidoreconocido, facilitarle su ejercicio; c) examinar la posib ilidad de permitir a a lgunasasociaciones de víctimas su participación en el proceso penal; d) que se reconozca ala víctima la posib ilidad de ejercitar la acción penal, aunque el Ministerio Fiscal uotra autoridad competente no lo haya hecho, y e) reconocimiento de lasasociaciones de víctimas en el proceso penal, para la defensa de los interesescolectivos en el ámbito de la protección del medio ambiente. La misma preocupaciónpuede observarse en la Recomendación 26 del Congreso Internacional de la A.I.D .P.de 1984, que dice: ‘Debería facilitarse el acceso de las víctimas individuales o los

Para Juan Bustos Ramírez, por influência da vitimologia, “temse sugerido formas processuais que, em primeiro lugar, implicam uma maiorproteção da vítima e sua consideração efetiva como parte no processo e,portanto, não influenciada pelo Estado e, em segundo lugar, que significamdar término antecipado ao processo penal, através de um processo deconciliação entre as partes (vítima e suposto responsável), que tem o sentidode um acordo indenizatório, reparatório e/ou de restituição.”395 O juiz, noâmbito penal, atuaria mais como um mediador e um garantidor dos direitosfundamentais das partes.

Esta alternativa, para Juan Bustos Ramírez, é eficaz para ocontrole da criminalidade econômica, tendo em vista que “na maioria dosdelitos econômicos o que interessa é que cesse realmente a atividade danosasocialmente e que se reparem seus efeitos prejudiciais”396.

Não é a aplicação de uma pena que interessa no campo de taisdelitos, mas sim “desde um ponto de vista tributário é que se paguem ostributos; o que importa em um delito contra a livre e limpa concorrência éque restituam as condições do mercado que permitam a todos participar emigualdade de opções, etc. etc.”397.

Ao lado de um Direito Penal Econômico, segue o doutrinador,devem existir organismos de controle e infrações administrativas de caráterpenal, para que os crimes contra a ordem econômica não sejam vistos como

grupos de víctimas de delitos económicos y de la empresa a los medios judiciales oadministrativos. Debería permitirse la participación de asociaciones deconsumidores, en los procesos civiles, administrativos o penales. El sistema desanciones para los delitos económicos u de la empresa debería incluir la posib ilidadde restitución’.” (RIGHI, Esteban. Los delitos económicos. Buenos Aires: Ad Hoc,2000. p. 61-62.394 Vide: COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre a concepção e osprincípios do Direito Penal Econômico. Direito Penal Econômico e Europeu: textosdoutrinários. V. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 359.395 RAMÍREZ, Juan Bustos. Perspectivas actuales del derecho penal económico.Revista de Ciencias Penales, Montevideo, n. 2, 1996. p. 42.396 RAMÍREZ, Juan Bustos. Perspectivas actuales del derecho penal económico.Revista de Ciencias Penales, Montevideo, n. 2, 1996. p. 42.397 RAMÍREZ, Juan Bustos. Perspectivas actuales del derecho penal económico.Revista de Ciencias Penales, Montevideo, n. 2, 1996. p. 42. Continua destacandoque: “Luego, si el Derecho Penal y el proceso penal pueden desembocar en algo queesté más allá del Derecho Penal o en algo mejor que éste, como decía RADBRUCH, yque resuelva la dañosidad social del delito, aparece como el camino más adecuado aseguir. El sistema de conciliación debería pues aplicarse de modo general en elDerecho Penal Económico.”

um recurso puramente demagógico e contrário aos princípios de um DireitoPenal Moderno, tendo em vista ser este de extrema ratio e subsidiário.398.

Enrique Ruiz Vadillo destaca que “toda pessoa acusada,qualquer que seja o delito objeto de acusação: econômico, de tráfico dedrogas ou de terrorismo, e quem quer que seja o acusado, sem exceção, devegozar da plenitude de garantias para defender sua inocência ou sua menorparticipação ou culpabilidade com a assistência de ‘seu’ advogado,instituição chave e definitivamente importante no Estado de Direito ejogando sempre a seu favor os princípios ‘in dubio pro reo’ e de presunção deinocência”399.

Julio Maier, reconhecendo a dificuldade em se obter ainformação necessária para se desenvolver a investigação e persecução doscrimes contra a ordem econômica, por não se ter uma vítima individual, bemcomo a ineficiência do aparato estatal para estabelecer a sua devidainformação, por escassa especialização do corpo policial para esta tarefa,dentre outros problemas400, destaca que para que a eficiência da persecução

398 RAMÍREZ, Juan Bustos. Perspectivas actuales del derecho penal económico.Revista de Ciencias Penales, Montevideo, n. 2, 1996. p. 42. Fundamentando ta lidéia, destaca: “Esto es sobremanera significativo en el campo del Derecho PenalEconómico. La intervención en una materia tan compleja como ésta, en laactualidad, no se puede en modo alguno pensar que se va a resolver con elinstrumento penal, que en general no es solución para nada. De ahí que si en elámbito del mercado, por ejemplo, no hay los organismos y servicios de regulación ycontrol de éste, por una parte, como por otra, de un cuerpo de sancionesadministrativas, la introducción del cuerpo legal penal carece completamente desentido. El Derecho Penal sólo puede utilizarse un vez que se dan eses nivelesinstrumentales anteriores y para aquellos casos más graves en que el conflicto notiene solución posib le”. (p. 43)399 VADILLO, Enrique Ruiz. Derecho penal económico y proceso penal. Cuaderno delInstituto Vasco de Criminología , San Sebastián, n. 7, 1993. p. 277.400 Sobre a complexidade da investigação e persecução dos delitos económicos JulioMaier destaca: “La complejidad de los casos y de su investigación es otro de losproblemas que soporta el área estudiada. Tal complejidad, por una parte, setraduce, intelectualmente, a través de la necesidad de conocimientos específicos, nosólo jurídicos (por ej.: derecho bancario), sino, también, relativos a otras ciencias(por ej.: económicas), y, por la otra, prácticamente, por la existencia, tras de esosdelitos, de gran número de autores u partícipes sospechados, u de hechos delictivosconexos, fenómeno propio de organizaciones delictivas, u por la necesidadconsiguiente de destinar a su persecución mayor número de recursos humanos umateriales. A ello se agrega, en primer lugar, el elevado coeficiente de inteligenciade los autores de estos delitos u, en según lugar, la utilización de modos y mediosdelictivos altamente tecnificados, en numerosas oportunidades superiores a los quese utilizan para su control, persecución y decisión. Frente a tales características,resultan prob lemas derivados la capacitación de las personas que cumplen tareasen la persecución penal de estos delitos y la rigidez propia de los aparatosjudiciales para generar respuestas acordes con la nueva realidad. La elevado cuota

penal no campo da criminalidade econômica, necessário se faz flexibilizar oprincípio da legalidade e aplicar critérios de oportunidade401.

Assim, ressalta a necessidade de se diversificar as soluçõespenais para o caso penal a decidir, tais como a reparação e a conciliação,bem como a utilização de procedimentos abreviados ou monitórios402.

E mais, destaca que o Ministério Público deve se organizar“para que possa responder à nova ‘demanda’ de perseguição penal que tratada dita criminalidade socioeconômica, dotá-lo dos recursos materiaisindispensáveis para isso e capacitar os fiscais que compõem seu plantel ouque se dedicarão à perseguição destes delitos é, em princípio, a reforma maisprofunda que se pode realizar na área processual penal”403.

Caberá a ele fazer a investigação e persecução dos crimescontra a ordem econômica, reservando para a polícia a tarefa de auxiliá-lo,sobretudo no que se refere ao emprego de métodos coercitivos legítimos.

de impunidad es, por apreciación negativa de estos prob lemas, una característicadescriptiva universal del funcionamiento del Poder Judicial, cuando se hab la deestos delitos.” (MAIER, Julio B. J. Delincuencia socioeconómica y reforma procesalpenal. Doctrina Penal : teoría y práctica en las ciencias penales, Buenos Aires, ano12, n. 45-48, 1989. p. 520.)401 Neste sentido: “Es, por lo tanto, inescindib le de la decisión de perseguir lacriminalidad económica, el abandono del principio de legalidad, al menos parcial,para dar ingreso a su opuesto contradictorio, el de oportunidad. Ello, que,especulativamente, pudiera parecer un contrasentido, no lo es ni se observa que lacapacidad limitada (real) del sistema para procesar casos requiere decisionesselectivas que privilegien unos casos en lugar de otros.” (MAIER, Julio B. J.Delincuencia socioeconómica y reforma procesal penal. Doctrina Penal: teoría ypráctica en las ciencias penales, Buenos Aires, ano 12, n. 45-48, 1989. p. 522.)402 Vide MAIER, Julio B. J. Delincuencia socioeconómica y reforma procesal penal.Doctrina Penal : teoría y práctica en las ciencias penales, Buenos Aires, ano 12, n.45-48, 1989. p. 523.403 MAIER, Julio B. J. Delincuencia socioeconómica y reforma procesal penal.Doctrina Penal : teoría y práctica en las ciencias penales, Buenos Aires, ano 12, n.45-48, 1989. p. 525. Destaca ainda: “Ello supone cierto grado dedesburocratización del ministerio púb lico, sobre todo en el sistema para laasignación de casos, de manera de poder reunir equipos para la persecución deesos delitos, conforme a la complejidad del caso, y hasta la creación de una secciónespecial que se dedique a estos delitos. Supone, también, cierta posib ilidad deselección de los casos a tratar, de manera tal que se destine más y mejoresrecursos a los más importantes y graves, y que esa posib ilidad de selección vayaacompañada de alternativas en la solución de los casos que, necesariamente,tendrán una salida que podríamos mencionar como no tradicional o no convencionalpara el sistema penal”. (MAIER, Julio B. J. Delincuencia socioeconómica y reformaprocesal penal. Doctrina Penal : teoría y práctica en las ciencias penales, BuenosAires, ano 12, n. 45-48, 1989. p. 525.)

Por fim, propõe uma transformação na organização dostribunais e dos corpos judiciais que dirigem o julgamento dos crimes contraa ordem econômica, com a criação de uma competência especial, comtribunais e juizes especiais, com profissionais capacitados em matériajurídica, contábil e econômica404.

Miguel Bajo e Silvina Bacigalupo destacam a necessidade de“um pessoal auxiliar do juiz, especializado (capaz de examinar acontabilidade, analisar balanças, compreender a gestão empresarial, ainformática, o funcionamento da bolsa, do comércio exterior, etc.) enumeroso (para a obtenção, escrutínio e classificação da informação)”405.

Tal solução se faz imprescindível porque o juiz, sem esteassessoramento, não é capaz de interrogar o réu acerca de temas de altaespecialização, bem como não é capaz de entender provas que somenteperitos qualificados podem revelar como decisivas406.

O processo penal, para que possa aplicar eficazmente o DireitoPenal Econômico, para Bernd Shünemann, deve passar por reformas, nasquais “o processo escrito prévio assumisse, ao menos parcialmente, a funçãodo julgamento principal, o que já ocorre na prática processual alemã emforma de convênios informais”407, tendo em vista que “é impossível saldarum número suficientemente grande de processos penais econômicos,imprescindível para a eficácia preventiva do Direito Penal econômico nomarco do clássico processo principal”408.

Segundo Francis Rafael Beck, a tendência é o fortalecimentode sistemas inquisitoriais, suprimindo certos direitos e garantias, aodiscorrer que “em nome da eficácia e da luta contra a impunidade,

404 Vide MAIER, Julio B. J. Delincuencia socioeconómica y reforma procesal penal.Doctrina Penal : teoría y práctica en las ciencias penales, Buenos Aires, ano 12, n.45-48, 1989. p. 526.405 BAJO, Miguel; BACIGALUPO, Silvina. Derecho penal económico. Madrid:Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, p. 54.406 Conforme BAJO, Miguel; BACIGALUPO, Silvina. Derecho penal económico.Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, p. 54.407 SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanentes del Derecho penaldespués del milenio. Madrid: Tecnos, 2002. p. 202.408 SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanentes del Derecho penaldespués del milenio. Madrid: Tecnos, 2002. p. 202.

diminuem-se substancialmente garantias como as da presunção deinocência e do contraditório (gradual inversão do ônus da prova e inserçãode juízos de periculosidade), da individualização (taxação cada vez maior daspenas), da oralidade (ampliação das formas escritas), da imparcialidade dojuiz (gestão da prova pelo órgão julgador) e da idoneidade da prova(admissibilidade de provas tradicionalmente consideradas ilícitas e/ouprovas ilícitas por derivação).”409

O que se torna importante, após esta breve análise, para que oprocesso penal possa aplicar o Direito Penal Econômico eficazmente, é queas dificuldades existentes para o controle da criminalidade econômica nãojustificam o obscurecimento das garantias individuais arduamenteconquistadas. Não é pela ausência de recursos e mecanismos sofisticadosque a solução deva ser dada pela simplificação ou pela utilização de medidasflagrantemente inconstitucionais.

Deve-se questionar até que ponto o sistema penal se encontraem condições de fazer frente à criminalidade econômica sem lesionar seuinstrumental garantista. Winfried Hassemer sustenta a renúncia daexpansão dos preceitos penais a estes novos âmbitos de atuação, por não seresta a tarefa própria do Direito Penal. Jesús-Maria Silva Sanchez sustenta aflexibilização do Direito Penal garantista como forma de controlar maiseficazmente esta nova forma de criminalidade (direito penal de duplavelocidade), e Luigi Ferrajoli, entende que devem continuar sendorespeitadas as garantias conquistadas, mesmo que este modelo nãopossibilite um resultado eficaz. Tais posições serão melhores detalhadas nospróximos tópicos.

409 BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle do crime organizado na sociedadecontemporânea: da crise do modelo liberal às tendências de antecipação dapunib ilidade e flexib ilização das garantias do acusado. CARVALHO, Salo de.Leituras constitucionais do sistema penal contemporâneo . Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2004. p. 270.

Por fim, deve-se verificar que não basta a existência de umalegislação sobre a criminalidade econômica. Necessário se faz, antes de tudo,pensar na sua necessidade, nos fins do processo, e na sua eficácia410.

3.2 O chamado “Direito de Intervenção”: o enfrentamento dos ilícitos econômicos na visão de Winfried Hassemer

Primeiramente, há que se destacar que para WinfriedHassemer, em seu artigo intitulado Contra el abolicionismo: acerca del porqué

no se debería suprimir el derecho penal, sobre a existência de um controlesocial411 repressivo, pouco claro, primitivo e desproporcionado, “não se podeconstruir um Direito Penal civilizado”412.

O Direito Penal, para ele, tem a mesma estrutura do controlesocial, contudo, deve ser mais refinado, consistente na “precisão, controle ecorreção das ingerências, tendo sua origem no estabelecimento de limites. Orefinamento alcança à lei e a sua aplicação na praxis”413.

410 “De qué se vale un Derecho penal sustantivo perfecto, en su tarea tipificadora deconductas y en el propio equilibrio de la dosimetría punitiva, si se puede condenarcareciendo de las suficientes pruebas, por simples conjeturas o suposiciones, conpruebas radicalmente nulas, o sin las debidas garantías? Qué puede significar unacondena correcta, desde el punto de vista sus tantivo y procesal, tratándose de unapena privativa de libertad, si la ejecución no es ortodoxa y olvida principioselementales y básicos? Qué sucede, en todo caso, si la organización de lostribunales penales, (incluyendo al Ministerio Fiscal y a la Abogacía) no se ajusta adeterminados e inexcusables principios?” (VADILLO, Enrique Ruiz. Derecho penaleconómico y proceso penal. Cuaderno del Instituto Vasco de Criminología , SanSebastián, n. 7, 1993. p. 277.)411 Explicando o que vem a ser controle social, Hassemer traz: “Luego,evidentemente, existen penas en la vida cotidiana, hay discursos acerca de laconveniencia de las penas, y existe algo así como un procedimiento para laimposición de esas sanciones. En suma, existe lo que denominamos ‘control social’,un topos de gran contenido y que le es indispensab le a todo aquel que quieraentender lo que significa la pena en nuestro mundo. Los científicos socialesincluyen en el concepto de control social una trilogía de elementos que de formasencilla podríamos ordenar de la siguiente forma: vivir con normas sociales;sancionar desviaciones con estas normas, observar, para estos efectos,determinadas normas de procedimiento.” (HASSEMER, Winfried. Contra elabolicionismo: acerca del porqué no se debería suprimir el derecho penal. RevistaPenal. n. 11. p. 32.)412 HASSEMER, Winfried. Contra el abolicionismo: acerca del porqué no se deberíasuprimir el derecho penal. Revista Penal, Barcelona, n. 11, p. 31-40, ene 2003. p.33.413 HASSEMER, Winfried. Contra el abolicionismo: acerca del porqué no se deberíasuprimir el derecho penal. Revista Penal, Barcelona, n. 11, p. 31-40, ene 2003. p.40.

Sem o Direito Penal, “toda vez que o controle social seguisseregendo nossas vidas, somente se lograria eliminar os limites dasingerências e intromissões, deixando assim via livre aos poderosos interessessociais para impor suas sanções”414. Sendo assim, a existência do DireitoPenal se torna necessária para que os direitos humanos dos cidadãos setornem protegidos, principalmente frente ao Estado.

O Direito Penal Clássico, para ele, “apresenta os mesmoselementos há séculos, pelo que podem considerar-se estáveis, e inclusivecabe contar que continuem sendo válido a médio prazo”415. Contudo, verificaque a compreensão clássica do direito penal vem se tornando cada vez maismoderna. Desta forma, ressalta que o direito penal moderno vemacompanhado de três características principais, quais sejam: a proteção debens jurídicos, a prevenção e a orientação pelas conseqüências416.

A proteção de bens jurídicos, que para o Direito Penal Clássicoé vista como um critério negativo de criminalização, no direito penalmoderno, torna-se um critério positivo. A prevenção, que na compreensãoclássica era no máximo um fim paralelo da justiça penal, torna-se oparadigma penal dominante. A orientação pelas conseqüências, que para odireito penal clássico é um critério complementar da legislação adequada,torna-se um fim preponderante417.

414 HASSEMER, Winfried. Contra el abolicionismo: acerca del porqué no se deberíasuprimir el derecho penal. Revista Penal, Barcelona, n. 11, p. 31-40, ene 2003. p.40.415 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 37.416 Neste sentido: “Por <moderno> entiendo provisionalmente un Derecho Penal que,tanto a nível de pensamiento, como en su actuación práctica presenta lassiguientes peculiaridades: -prescinde de los conceptos metafísicos y prescribe unametodología empírica, - realiza su metodología empírica orientándose a lasconsecuencias, - favorece, por tanto, más una concepción teórica preventiva queretributiva,- intenta vincular al legislador penal y controlar sus derivaciones conprincipios como el de protección de b ienes jurídicos.” (HASSEMER, Winfried. Crisisy características del moderno derecho penal. Actualidade penal, Madrid, n. 43,1993. p. 635.)417 HASSEMER, Winfried. Crisis y características del moderno derecho penal.Actualidade penal, Madrid, n. 43, 1993. p. 638-639. Continua destacando que:“Todo esto conduce a la <dialéctica de lo moderno> que ha trans formado el DerechoPenal en un instrumento de solución de los conflictos sociales que no se diferenciani en su idoneidad ni en su peligrosidad de otros instrumentos de solución social.El Derecho Penal se ha convertido, a pesar de la contundencia de sus instrumentos,en una sof t law, en un medio de dirección social. Pero las perspectivas que se han

O que tem sido objeto de reformas diz respeito não à partegeral do direito penal, mas sim a parte especial418, com o prolongamento dodireito penal para outros âmbitos (meio ambiente, economia, organizaçõescriminosas etc.)419. Sendo assim, ressalta que “la moderna política criminalse aparta de las formas de tipificación de conductas y determinación debienes jurídicos propias del Derecho penal tradicional”420.

Como conseqüência, visualiza-se uma redução dospressupostos de punição, bem como uma diminuição das possibilidades dedefesa, já que estas novas tipificações possuem como forma delitivapreponderante os delitos de perigo abstrato, com bens jurídicos vagamenteconfigurados421.

Ademais, diante da dificuldade de punição desta novacriminalidade, “no Direito processual penal as modernas orientações tendemao endurecimento e a sair do padrão dos instrumentos tradicionais.”422

Não se visualiza, segundo o autor, desde os anos sessenta doséculo passado, reformas processuais penais que apelem aos princípios de

generado con esta utilización del Derecho Penal se han disparado ofreciendo unaimagen <nueva> del mismo.”418 Neste sentido: “El actual Derecho Penal se ocupa de los <modernos> ámbitosconsiderados peligrosos (medio ambiente, tráfico de drogas, corrupción, economía,tratamiento de datos, criminalidad organizada) ampliando su ámbito coactivo:utilizando la tipificación de delitos de peligro abstracto en lugar de lostradicionales delitos de lesión, acudiendo a una descripción amplísima de losbienes jurídicos protegidos, con lo cual, casi todo lo que parezca arriesgado paralos mismos justifica la amenaza de una sanción; creando nuevos tipos delictivos ymarcos penales más severos, sin que se sepa o sea posib le cerciorarse a tiempo desi esa nueva forma de coacción <en realidad> aporta algo a la protección de losbienes jurídicos. A quien ayuda esta forma de coacción es al legislador (y por esorecibe el adjetivo de <simbólico>), que puede demostrar, a través del uso delDerecho Penal y sin ningún coste excepcional, su reconocimiento del peligro y suintención de combatirlo con el instrumento más afilado con el que cuenta: elDerecho Penal.” (HASSEMER, Winfried. La policía en el Estado de Derecho. Revistade Derecho y Proceso Penal, Navarra, n. 1, p. 99-122, ene 1999. p. 109.)419 “Los sectores que definen el nuevo Derecho penal son: el medio ambiente, lasdrogas, la economía, el tratamiento informático de datos, el terrorismo y lacriminalidad organizada, entre otros”. (HASSEMER, Winfried. Perspectivas delDerecho penal futuro. Revista Penal , Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p.37.)420 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 37.421 HASSEMER, Winfried. Crisis y características del moderno derecho penal.Actualidade penal , Madrid, n. 43, 1993. p. 640-641.422 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 37.

um Estado de Direito423. Pode-se dizer que o princípio fundamental que sebusca concretizar nada mais é do que “a efetividade da luta contra o delito ea redução dos custos do sistema de justiça penal”424.

Desta forma, visualizam-se, na fase instrutória, maiorespossibilidades de atuação, tais como intervenções nas comunicações edados, vigilância permanente, emprego de agentes encobertos etc425. Além doemprego de tais medidas, observa-se ainda uma desformalização do processopenal, com a ampliação de possibilidades de encerramento do mesmo, decondenação, e uma desformalização das fronteiras entre o direito processuale o direito de polícia426. Todas estas inovações processuais, segundoHassemer, acabam por lesionar os princípios fundamentais do processopenal tradicional427.

423 Sobre o processo penal, Hassemer ressalta: “Ante la ampliación de capacidad queha supuesto el moderno Derecho Penal, se ha reaccionado introduciendo en elproceso penal el principio de oportunidad y haciendo un amplio uso del mismo. Sineste principio apenas podría aplicarse en el actual Derecho Penal material en elproceso. Los prob lemas que, sin embargo, plantea son ya conocidos: se producencriterios probab lemente desiguales y difícilmente controlab les al quedar sustraídoel conflicto al principio de pub licidad, y todavía son imaginables otras quiebras delas garantías jurídicas del proceso penal, tanto respecto a la extensión de lainstancia como a la práctica de la prueba. También los acuerdos entre las partesson una forma de manifestación del moderno Derecho Penal en el proceso penal.Todos estos instrumentos pueden infringir las tradicionales garantías que en elEstado de Derecho tiene el Derecho Penal. En mi opinión, más que opciones sonclaudicaciones resignadas ante las necesidades del moderno Derecho Penal.”(HASSEMER, Winfried. Crisis y características del moderno derecho penal.Actualidade penal , Madrid, n. 43, 1993. p. 644.)424 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 38.425 “No existe ningún tipo de ‘igualdad de armas’ entre la criminalidad y el Estadoque la combate en el sentido de una permisión a los órganos estatales para utilizartodos los medios que se encuentran a l alcance de los criminales. El Estadonecesita, también de cara a la población, una prevalencia moral sobre el delito, queno sólo sea fundamentada normativamente sino que también actúe de manerapráctico- simbólica. El Estado no debe utilizar métodos criminales ya que perderíaesta prevalencia y con ello, y a largo plazo, pondría en peligro la credibilidad y laconfianza de la pob lación en el orden jurídico estatal. De esto se sigue, porejemplo, la prohibición de realizar ‘pruebas de virginidad’ por parte de los ‘agentesencubiertos’, para que a través de ellas grupos de sospechosos alcancen el nivel deno sospechosos.” (HASSEMER, Winfried. Límites del Estado de Derecho para elcombate contra la criminalidad organizada: tesis y razones. Revista de EstudosCriminais, Porto Alegre, ano V, n. 19, ju l./set. 2005. p. 15.)426 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 38.427 Fundamentando tal afirmação, tem-se: “El derecho de policía, el derecho penal ysobre todo el derecho procesal penal han sido dotados con instrumentos de combateque, en las dimensiones que han sido escogidas, en todo caso, se oponen a lastradiciones vigentes hasta la fecha y una nueva calidad de combate de lacriminalidad se hace presente por medio del derecho: a) veleidoso aumento de losmarcos penales, b ) criminalización en ámbitos anteriores a la comisión de hechospenales, c) nuevos tipos penales, d) limitación d1) de la presunción de inocencia,

Diante deste contexto, salienta o mesmo autor que o Direitopenal, sendo visto atualmente como instrumento preventivo eficaz parasolução dos modernos problemas (agressões ao meio ambiente, à saúdepública, à ordem econômica etc.), tem sido utilizado como primeiraalternativa, e até mesmo única existente428.

A intervenção penal, devendo ser o último recurso a serutilizado pelo Estado para a proteção de bens jurídicos, se for utilizada comoprima ratio, implica numa intervenção abusiva por parte do Estado naliberdade dos cidadãos e, de outra parte, dá destaque à função simbólica doDireito Penal, ou seja, confere-se a ele a forma de reafirmar valores429.

Como direito penal simbólico, para Hassemer, se entendeaquele que é utilizado exclusivamente com fins de pedagogia social, visandosensibilizar a população acerca da importância de um determinado bem, ousimplesmente com a pretensão de tranqüilizar as consciências dos políticos edos cidadãos430.

A problemática, segundo Hassemer, não é a função simbólicaem si, visto que esta é comum a todas as leis, mas sim a sua elevação àcondição de função primordial do direito penal. Este não deve ser utilizadosimplesmente como um instrumento executor de uma determinada políticaeconômica.

Destaca que “o Direito penal impõe a privação da liberdade(como prisão preventiva ou como pena), a imputação individual do injusto ea culpabilidade é um elemento irrenunciável de um Direito penal próprio de

así como d2) del principio de proporcionalidad y de los derechos fundamentales,como, por ejemplo, del derecho a la autodeterminación informativa, d3) deldomicilio, d4) del secreto de las comunicaciones, d5) de la propiedad.” (HASSEMER,Winfried. Límites del Estado de Derecho para el combate contra la criminalidadorganizada: tesis y razones. Revista de Estudos Criminais , Porto Alegre, ano V, n.19, jul./set. 2005. p. 11.)428 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 38.429 Vide HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. RevistaPenal, Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 38.430 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 38

um Estado de Direito”431. Sendo assim, fundamenta que o Direito Penaltradicional não se encontra apto para o controle da nova criminalidade.

Com relação ao processo penal de um Estado de Direito,salienta que este deve possuir como princípio fundamental o processo justo,visando, primordialmente, que o acusado não se converta em objeto doprocesso. As mudanças processuais ocorridas ou buscadas atualmente, noque diz respeito ao processo penal, demonstram que vários direitosfundamentais do acusado são sacrificados, e estes “constituem umorçamento indispensável para uma participação ativa no processo penal”432.

Visando a manutenção de um direito penal e processual penalalicerçado nos direitos humanos433, acaba por elaborar alternativas à suautilização, que sejam mais apropriadas que eles para responder efetiva epreventivamente a estas novas agressões.

Para ele, o caminho viável para restringir o âmbito da atuaçãopenal seria transferir determinada parcela da tutela jurídico-penal paraoutros ramos ou campos do direito. Fundamenta que o Direito PenalClássico não é apto para tutelar os novos bens jurídicos que surgem deforma crescente.

Para Hassemer, portanto, deve-se retirar a modernidade doDireito Penal, reduzindo-o a um “Direito Penal nuclear”. Assim, “Direito Civil,Direito Administrativo e de patentes industriais e até a própria proteção da

431 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 39.432 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del Derecho penal futuro. Revista Penal,Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p. 39.433 “El Derecho Penal material y el Derecho penal procesal penal están, en ú ltimainstancia, en íntima relación funcional y, por eso, un Derecho procesal penal contodas las garantías des Estado de Derecho es sólo posib le contando con un DerechoPenal material basado en los mismos principios. Las incriminaciones masivas en elDerecho Penal material producen estrategias de actuación también masivas en elDerecho procesal penal. El <problema de la Justicia> no es, pues, sólo un prob lemaprocesal, sino también un prob lema penal material”. (HASSEMER, Winfried. Crisis ycaracterísticas del moderno derecho penal. Actualidade penal , Madrid, n. 43,1993. p. 644.)

vítima são setores que tem dado muitos problemas do Direito Penal quedeveriam se evitar.”434.

O novo campo do direito, que tutelaria tais bens jurídicos deforma mais eficaz, é chamado por Hassemer como Direito de Intervenção435,em que não se aplicaria as sanções mais gravosas do Direito Penal, sendoembasado em garantias reduzidas e orientado pelo perigo.

Sendo assim, este novo campo do Direito herdaria toda aproblemática derivada da delinqüência atual, com uma punição facilitadapela simplificação dos pressupostos de responsabilização e redução dasgarantias.

Ademais, o autor privilegia a prevenção técnica, ao invés danormativa436. Esta última vem ocorrendo com a restrição dos direitosfundamentais do cidadão, implicando a “demolição dos espaços de liberdadepara os cidadãos. Este é um caminho clássico na luta contra acriminalidade, pero no es más inteligente por cierto”437.

434 HASSEMER, Winfried. Crisis y características del moderno derecho penal.Actualidade penal , Madrid, n. 43, 1993. p. 645.435 “Bajo esta expresión quedan comprendidos aquellos instrumentos que puedenresponder mejor que el Derecho penal a la demanda actual y futura de solución deproblemas. Estos instrumentos están aún en gestación y han de ser desarrollados,incluso teóricamente. En cualquier caso, deben tener las siguientes propiedades:aptitud para solucionar el prob lema antes de que se produzcan los daños(capacidad de prevención); disponibilidad no sólo sobre los medios de actuación osu uso, sino también sobre los de control y dirección; cooperación dedemarcaciones hasta ahora bastante separadas: Derecho administrativo,infracciones administrativas, Derecho de responsabilidad por daños derivados dehechos ilícitos, Derecho sanitario, Derecho de medicamentos, Derecho fiscal,Derecho del trabajo, cuyas garantías son aplicab les a las posib ilidades de actuaciónderivadas de este Derecho de intervención.” (HASSEMER, Winfried. Perspectivas delDerecho penal futuro. Revista Penal , Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-41, ene 1998. p.40.)436 “Con esto me refiero a un tipo de prevención que se realiza a través de normas,más específicamente, a través de limitaciones de derechos, aún más, delimitaciones a derechos.” (HASSEMER, Winfried. Posib ilidades jurídicas, policiales yadministrativas de una lucha más eficaz contra la corrupción. Corrupción defuncionarios públicos , Buenos Aires, n. 1, 1995. p. 150.)437 HASSEMER, Winfried. Posib ilidades jurídicas, policiales y administrativas deuna lucha más eficaz contra la corrupción. Corrupción de funcionarios públicos ,Buenos Aires, n. 1, 1995. p. 150.

A prevenção técnica438 consiste na existência de mecanismosidôneos de organização e de técnica, para o controle de comportamentosilícitos. Através da mesma Hassemer busca “impedir que, mediante novasameaças penais, ampliação das escalas penais ou através da introdução denovos métodos de investigação, se restrinjam ainda mais os direitosfundamentais opondo a isso instrumentos efetivos, não normativos, porémtécnicos ou organizativos”439.

Mesmo diante deste Direito de Intervenção, ainda continuariaexistindo falta de recursos financeiros e tecnológicos para o controle dacriminalidade econômica, bem como uma baixa especialização técnica dosagentes encarregados da persecução penal.

Outro problema que tal modelo apresenta, é se saber quegarantias devem ser flexibilizadas, assim como quais os novos conceitos,princípios e regras de imputação deste novo ramo do direito.

Luis Arroyo Zapatero, mesmo reconhecendo as dificuldadesprobatórias para a punibilidade dos crimes contra a ordem econômica,ocorrendo na Alemanha o traslado de critérios de imputação deresponsabilidade existente no direito privado para o direito penal, nãoconcorda com a solução proposta por Hassemer de um Direito deIntervenção, destacando que não parece aceitável “resignar-se, tal como temproposto a denominada ‘Escola de Frankfurt’, a contar exclusivamente comum ‘velho Direito Penal’, incapaz de tutelar bens jurídicos tradicionais frentea novas e perigosas formas de ataque e igualmente ausente na proteção de

438 “Sobre ello, un ejemplo: en Hesse existe una institución oficial sostenida porvarios ministerios que reúne información sobre hechos relacionados con lacorrupción. Esto es prevención, pues este ente se esfuerza por descubrir dóndepodrían desarrollarse comportamientos corruptos. Existe, por ejemplo, el deber dedenunciar determinados hechos. Este individuo se mezcle cada vez más en unarelación de corrupción. Otras posib ilidades para la prevención ofrecen los trasladosde funcionarios, la separación entre planificación, supervisión y ejecución, comotambién la auditoria interna”. (HASSEMER, Winfried. Posib ilidades jurídicas,policiales y administrativas de una lucha más eficaz contra la corrupción.Corrupción de funcionarios públicos , Buenos Aires, n. 1, 1995. p. 152.)439 HASSEMER, Winfried. Posib ilidades jurídicas, policiales y administrativas deuna lucha más eficaz contra la corrupción. Corrupción de funcionarios públicos,Buenos Aires, n. 1, 1995. p. 152.

outros interesses que resultam imprescindíveis na configuração atual dasociedade”440.

3.3 Jesús-María Silva Sánchez e seu direito penal de duas velocidades: a justificativa para uma posturaexpansionista e a conseqüente flexibilização das garantias fundamentais

Segundo posição de Jesús-María Silva Sánchez, na Espanha,há o reconhecimento de que a abusiva expansão do Direito Penal acabou porlhe conferir cargas incapazes de serem suportadas. Sendo assim, o conflitoentre um direito penal amplo e flexível e um direito penal mínimo e rígido fazcom que se busque um ponto médio funcional e suficientementegarantista441.

Jesús-María Silva Sánchez destaca que diante dos fenômenosque vêm sendo constatados atualmente, ocasionando uma progressivaexpansão do Direito Penal para outros âmbitos, há quem advogue por umavolta ao Direito Penal Liberal, “centrado na proteção dos bensessencialmente personalistas e do patrimônio, com estrita vinculação aosprincípios de garantia”442.

Contudo, tal retorno, para ele, não se mostra possível, tendoem vista que “efetivamente, o Direito Penal liberal, que certos autorespretendem reconstruir agora, na realidade nunca existiu como tal”443.Ademais, apesar de louvável em termos acadêmicos, também não se mostra

440 ZAPATERO, Luis Arroyo. Derecho penal económico y Constitución. RevistaPenal, Barcelona, ano 1, n. 1, 1998. p. 15.441 Confirmando tal afirmação, tem-se: “O conflito entre um Direito Penal amplo eflexível (convertido em um indesejável sof t law ) e um Direito Penal mínimo e rígido– certamente impossível – deve achar assim uma solução no ‘ponto médio’ daconfiguração dualista. /.../ A função racionalizadora do Estado sobre a demandasocial de punição pode dar lugar a um produto que seja, por um lado, funcional e,por outro lado, suficientemente garantista.” (SÁNCHEZ, Jesús -María Silva. Aexpansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós -industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11. São Paulo: Revista dosTribunais, 2002. p. 145.)442 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal : aspectos da políticacriminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 136.443 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal : aspectos da políticacriminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 136.

viável, a proposta feita por outros autores, de uma radical redução do DireitoPenal à proteção da vida, da saúde, da liberdade e do patrimônio,transportando a maior parte do fenômeno expansivo do Direito Penal para oDireito Administrativo sancionador444.

Desta forma, partindo da análise da “direta relação existenteentre as garantias que incorpora um determinado sistema de imputação e agravidade das sanções que resultam de sua aplicação”445, propõe um DireitoPenal de duas velocidades, reservando o primeiro para os delitos aos quaisseja cominada pena privativa de liberdade. Para os demais, admite apossibilidade de flexibilizar os critérios do Direito Penal Clássico, semrenunciar ao núcleo básico das garantias constitucionais.

Segundo sua posição, as garantias do Direito Penal Liberal sedevem ao fato de “que suas conseqüências jurídicas foram tradicionalmenteas penas de morte e corporais, e ainda hoje uma pena tão intimamente

444 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal : aspectos da políticacriminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 137. Continua destacando que: “Narealidade, todo o exposto ao largo das páginas anteriores poderia ser interpretadocomo uma argumentação orientada nesse sentido. E assim seria se nosmantivéssemos em um plano abstrato- teórico, sem referências sociais, espaciais etemporais concretas. Mas ocorre que – e convém não esquecê- lo para interpretar oque se segue em seus exator termos- , no momento atual, o Direito Penal vigente namaioria dos países de nosso entorno propicia a cominação de penas de prisão degravidade média em hipóteses de fatos ‘administrativizados’, com regras deimputação de rigidez decrescentes e no campo de princípios político- criminaisflexib ilizados. E a tendência é prosseguir nessa linha, em termos corrigidos eaumentados. Nesse contexto, deve admitir- se que propor a ‘devolução’ ao DireitoAdministrativo de todo o ‘novo’ Direito Penal é, sem dúvida, uma postura louvávelsob perspectivas academicistas, mas evita afrontar as razões pelas quais produziu -se essa inflação penal, assim como buscar soluções que, uma vez atendidas,mostrem a máxima racionalidade possível.” (SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. Aexpansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós -industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11. São Paulo: Revista dosTribunais, 2002. p. 137.)445 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal: aspectos da políticacriminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 137. Acerca do assunto, discorre: “Comefeito, considero possível sustentar a idéia de que a conf iguração dos diversossis temas jurídicos de imputação do fato ao sujei to , assim como a das garantiasgerais de cada s is tema, têm uma clara dependência das suas conseqüênciasjur ídicas, sua conf iguração e sua teo logia. Expresso de outro modo: nem em todo osistema jurídico deve haver as mesmas garantias, nem em todo o sistema do Direitosancionatório tem que haver as mesmas garantias, pois as conseqüências jurídicassão substancialmente diversas (também no seio do próprio Direito Penal em sentidoestrito).” (p. 138)

vinculada ao ser – e não ao estar ou ao ter – da pessoa como é a penaprivativa de liberdade”446.

Para os crimes contra a ordem econômica447 cuja sanção nãoseja uma pena privativa de liberdade, seria admitida uma flexibilizaçãocontrolada dos critérios de responsabilização448. O direito penal teria umcerne, com a manutenção dos princípios do Direito Penal Clássico, para osdelitos com pena privativa de liberdade, e uma periferia, dirigida à proteçãocontra os grandes e novos riscos, com a limitação ou transformaçãodaqueles princípios, dando lugar a outros com menor intensidade degarantias449.

Este modelo, diferente do proposto por Winfried Hassemer,mantém as duas velocidades do direito penal dentro do mesmo sistema,renunciando a uma teoria geral e uniforme do Direito Penal, sustentando aimparcialidade das decisões e o significado penal dos tipos e das sanções.

446 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal : aspectos da políticacriminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 138.447 “Em contrapartida, a propósito do Direito Penal econômico, por exemplo, caberiauma flexib ilização controlada das regras de imputação (a saber, responsab ilidadepenal da pessoas jurídicas, ampliação dos critérios de autoria ou da comissão poromissão, dos requisitos de vencib ilidade do erro etc.), como também por princípiospolítico- criminais (por exemplo, o princípio de culpabilidade).” (SÁNCHEZ, Jesús -María Silva. A expansão do direito penal : aspectos da política criminal nassociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002. p. 146.)448 “Com efeito, a diminuição de garantias e de ‘rigor’ dogmático poderia serexplicada (e inclusive legitimada) no Direito Penal contemporâneo se isso fosse oelemento correspondente a genera lização de sanções pecuniárias ou privativas dedireitos, ou – mais ainda – da ‘reparação penal’ (nos casos em que esta fosseconceb ível) em lugar das penas privativas de liberdade”. (SÁNCHEZ, Jesús -MaríaSilva. A expansão do direito penal : aspectos da política criminal nas sociedadespós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11. São Paulo: Revista dosTribunais, 2002. p. 140.)449 “O ponto-chave reside, pois, em admitir essa graduação da vigência das regrasde imputação e dos princípios de garantia do próprio seio do Direito Penal, emfunção do concreto modelo sancionatório que este acabe assumindo. Algo que temmuitos pontos de contato com a proposta, certamente ainda muito imprecisa,efetuada por Hassemer e outros, de construir um In terventionsrecht (D ireito daIntervenção), entre o Direito Penal nuclear e o Recht der Ordnungswidr igkei ten ,entre o Direito Civil e o Público, para ilícitos em matérias de drogas, econômicos,ecológicos etc. Tal Direito seria menos pretensioso no que se refere as garantiasmateriais e processuais, mas ao mesmo tempo, disporia de sanções menos intensasque as penais tradicionais.” (SÁNCHEZ, Jesús -María Silva. A expansão do direitopenal: aspectos da política criminal nas sociedades pós - industriais. Trad. LuizOtavio de Oliveira Rocha. v. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 140.)

O modelo proposto por Silva Sánchez apresenta o mesmoproblema do desenvolvido por Hassemer, já que necessário se faz decidir quegarantias devem ser flexibilizadas, bem como quais os novos conceitos,princípios e regras de imputação devem ter este direito penal sem penaprivativa de liberdade. Ademais, a adoção deste modelo acaba por cindir oDireito Penal em dois hemisférios diferenciados, vindo a ocasionar problemasno que se refere às zonas limítrofes.

No que diz respeito ao processo penal, tem-se que ele deveacompanhar o Direito Penal que visa efetivar. Sobre o assunto, discorre que“a teoria clássica do delito e as instituições processuais, que por sua vezrefletem a correspondente vocação político-criminal de garantia próprias doDireito Nuclear da pena de prisão, não teriam que expressar idêntica medidade exigência em um Direito Penal moderno com vocação intervencionista e‘regulamentadora’ baseado, por exemplo, nas penas pecuniárias e privativasde direito, assim como para um eventual Direito Penal da reparação”450.

Sendo assim, o processo penal também seria dividido em dois,embora dentro de um mesmo sistema. Para a persecução dos delitos aosquais se comina pena privativa de liberdade, necessário se faz a manutençãodas garantias conquistadas, consubstanciadas no devido processo legal.Para os delitos aos quais não se comine pena privativa de liberdade, taisgarantias podem ser flexibilizadas, perdendo o seu rigor, como já vemocorrendo no processo relacionado aos crimes contra a ordem econômica(muito embora sem se analisar qual a sanção cominada)451.

450 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal : aspectos da políticacriminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. v. 11.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 142.451 Para o autor, quando se tem a cominação de pena privativa de liberdade e aflexib ilização das garantias político criminais, regras de imputação e critériosprocessuais, não se está falando em Direito de primeira ou segunda velocidade, massim um Direito Penal de terceira velocidade, com estreita ligação com o chamadoDireito Penal do Inimigo. Para ele, tal situação somente pode ser admitida emcaráter excepcional, de absoluta necessidade, subsidiariedade e eficácia em umcontexto de emergência. Neste sentido discorre: “Como se pode facilmentedepreender do exposto nas páginas anteriores, um Direito Penal da ‘terceiravelocidade’ existe já, em ampla medida, no Direito Penal socioeconômico. E, comopode também se extrair do que foi a ludido anteriormente, meu ponto de vista é que,nesse caso, seu âmbito deve ser reconduzido ou à primeira, ou à segundavelocidade mencionadas”. (SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito

Desta forma, para Silva Sánchez a persecução penal doscrimes contra a ordem econômica pode ser feita, desde que não hajaprevisão de pena privativa de liberdade às condutas incriminadas, comrestrições às garantias processuais, sem gerar os problemas apresentadosno Capítulo 2, como lesões ao princípio da legalidade, da presunção deinocência, etc.

Portanto, o cenário por ele proposto é o seguinte: um processopenal que ofereça ao acusado uma amplitude de elementos defesa,garantindo os direitos fundamentais e observando-se os princípios basilarespara a persecução dos crimes cujo preceito secundário do tipo contempleuma privação de liberdade, e outro, com relativização do acesso adeterminados direitos, flexibilizando garantias e enxugando osprocedimentos, para os crimes sem previsão de pena privativa de liberdade.

3.4 O garantismo penal de Luigi Ferrajoli frente à modernacriminalidade

Na Itália, Luigi Ferrajoli faz uma proposta denominada degarantista, ou modelo-limite, “apenas tendencialmente e jamaisperfeitamente satisfatível”452, consubstanciada em dez axiomas ou princípiosaxiológicos fundamentais, quais sejam: “1) princípio da retributividade ou daconsequencialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade,no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou daeconomia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade doevento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6)princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio dajurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8)

penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós- industriais. Trad. LuizOtavio de Oliveira Rocha. v. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 148.)452 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 74.

princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio doônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa,ou da falseabilidade.”453

Estes princípios, ordenados e conectados sistematicamente,delineiam o modelo garantista de responsabilidade penal, estabelecendocritérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimandoqualquer modelo de controle social maniqueísta que venha a colocar a defesasocial acima dos direitos e garantias individuais.

Diante da nova criminalidade, Ferrajoli destaca a importânciade se recuperar no Direito, no contexto atual, a doutrina filosófica da eraIlustrada. Sendo o Direito Penal considerado um remédio extremo, devem serdeixados para a esfera do ilícito civil ou administrativo os delitos de meradesobediência, os fatos que lesionam bens não essenciais ou que são, só emabstrato, presumidamente perigosos.

Ferrajoli destaca que o Direito Penal não pode ser utilizadocomo reforço para a obediência de obrigações civis ou administrativas, semqualquer menção à idéia de bem jurídico ou lesividade da conduta454.

Para ele, é necessária uma nova codificação, “com umremodelamento do papel da lei, sustentado por uma renovada e atualizadaciência da legislação”455, para que se possa “reestruturar e em muitos casosinstaurar uma legalidade garantista, ancorando-a solidamente à tutela dosdireitos fundamentais”456.

Deve-se, assim, ter primeiramente “consciência da imperfeiçãoinevitável de qualquer sistema jurídico e, além do mais, daqueles sistemascomo os Estados Democráticos de direito, que incorporam em suas

453 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 74-75.454 FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JUNIOR,José Alceb íades de. O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 1997. p. 89-109.455 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 736.456 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 736.

Constituições valores e expectativas altas e até mesmo utópicas, mas detudo realizáveis.”457

Na busca de uma legitimação formal e substancial, sustentaque quanto à forma a lei penal não pode possuir linguagem obscura eplurívoca, que a torne incapaz de oferecer a certeza ao cidadão, ou de imporlimites ao arbítrio judicial, e ter uma excessiva severidade nas suas sanções;e quanto ao conteúdo, impõe-se a recuperação de uma dimensão axiológicaà altura dos valores da Constituição, mediante a seleção dos bens jurídicosmerecedores da tutela penal.

Sendo assim, para o autor é relevante despenalizar todos oscrimes menores, ampliar a esfera da tutela civil e administrativa, suprimir asfiguras penais elásticas e indeterminadas, expulsar do sistema qualquerforma de responsabilidade objetiva ou coletiva, reduzir as penas eestabelecer um limite máximo para qualquer delito de não mais de dezanos458.

Com relação ao processo penal, destaca que o mesmo sejustifica como “técnica de minimizar a reação social ao delito: minimizar aviolência, mas, também, o arbítrio que de outro modo seria produzido deforma ainda mais selvagem e arbitrária”459. É por meio do processo penal,para ele, que se “persegue, em coerência com a dúplice função preventiva dodireito penal, duas diferentes finalidades: a punição dos culpadosjuntamente com a tutela dos inocentes”460.

É nesta segunda finalidade que se encontram “todas asgarantias processuais que circundam o processo e que condicionam devários modos as instâncias repressivas expressas pela primeira”461.

457 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 736-737.458 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 603.459 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribuna is, 2002. p. 483.460 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 483.461 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 483. Continua destacando

Não somente isto, mas destaca que o processo penalacusatório atual se deve à conexão dele com o princípio da estrita legalidadepenal, e ao correlato processo de formalização e tipificação dos delitos e daspenas, tendo em vista que “só a rígida determinação semântica dospressupostos legais da pena /.../ permite conceber o processo como juízobaseado na prova empírica de fatos predeterminados, ao invés de emdecisões potestativas”462. Disto resulta um processo com o ônus da provacabendo ao acusador, existindo direito de defesa, publicidade, legalidade dosprocedimentos, motivação das decisões etc463.

Contudo, analisando o sistema penal italiano, Ferrajoliressalta que vem ocorrendo um “esvaziamento de quase todas as garantiaspenais e processuais em abono a um crescente caráter administrativo dodireito penal, o qual vem expresso na sua mutação tendenciada de umsistema estritamente retributivo – voltado diretamente a prevenir os crimesfuturos apenas mediante a punição dos delitos passados e provados – paraum sistema tendente à prevenção voltado a enfrentar a mera suspeita dedelitos passados ou o mero perigo de delitos futuros”464.

Assim, ao lado de um direito penal e processual penalgarantista, cresce um direito penal e processual especial465, meramente

que: “A história do processo penal pode ser lida como a história do conflito entreessas duas finalidades, logicamente complementares, mas na prática contrastantes.Podemos, na verdade, caracterizar o método inquisitório e o método acusatório combase no apoio que um dá ao outro e vice-versa. Obviamente, nem o processoinquisitório ignora o problema da tutela do inocente, nem tampouco o acusatóriodescuida do escopo da repressão dos culpados. Os dois métodos se distinguem,antes, com base em duas concessões diversas: uma, do Poder Judiciário; e outra,da verdade. Enquanto o método inquisitório exprime uma confiançatendencialmente ilimitada na bondade do poder e na sua capacidade de alcançar overdadeiro, o método acusatório se caracteriza por uma confiança do mesmo modoilimitada no poder como autônoma fonte de verdade. Disso deriva que o primeiroconfia não só na verdade, mas, também, na tutela do inocente às presumidasvirtudes do poder ju lgador; enquanto o segundo concebe a verdade como resultadode uma controvérsia entre partes contrapostas por serem portadorasrespectivamente do interesse na punição dos cu lpados e do interesse na tutela doacusado presumido inocente até prova em contrário.”462 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 484.463 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 484.464 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 563.465 “O segundo elemento estrutural do direito penal de exceção é aquele quedenominei de ‘gigantismo processual’, que se desenvolve, por sua vez, em três

preventivo e desvinculado dos princípios garantias466. Tem sido alterada afunção do processo, tendo em vista que o mesmo, na sociedade moderna,tende a se tornar, por si mesmo, uma sanção talvez mais odiosa que aprópria pena tradicional.

Desta forma, verifica-se a “possibilidade de fazer uso doprocesso como escopo de punição antecipada ou de intimidação policialesca,ou de estigmatização social, ou de persecuções políticas, ou por todos estesmotivos conjuntamente.”467

O sistema de garantias vem sendo constantemente devastadonos processos penais modernos, com “orientações tendentes à eficácia e alógica da diferenciação e da negociação penal”468. Tem ocorrido, assim, umaminimização da função garantista da jurisdição penal e com ela a suaespecífica fonte de legitimação.

A alteração da fonte de legitimação se deve a “assunção daexceção ou da emergência (antiterrorista, antimafiosa ou anticamorra) como

dimensões: horizontalmente , com abertura de megainvestigações contra centenas deimputados, mediante prisões baseadas em frágeis indícios como primeiros eprejudiciais atos de instrução; verticalmente , com a multiplicação sobre aresponsab ilidade de cada imputado dos delitos adjudicados, circu larmentededuzidos uns dos outros – os delitos associativos dos delitos específicos e vice-versa – ou bem induzidos a títu lo de concurso moral dos adstritos aos co-imputados; temporalmente , com a prolongação desmesurados dos processos que searrastam freqüentemente sem razão, às vezes com intervalos de anos entre aconclusão da instrução e a abertura do juízo, de modo que se cumpra o máximo daprisão preventiva.” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismopenal. Trad. Ana Paula Zomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.661.)466 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 578.467 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 589. Continua dizendo:“Em todos os casos, além de cada intenção persecutória em relação ao suspeito, éindub itável que a sanção mais temida na maior parte dos processos penais não é apena – quase sempre leve ou não aplicada - , mas a difamação pública do imputado,que tem não só a sua honra irreparavelmente ofendida mas, também, as condições eperspectivas de vida e de trabalho; e se hoje pode-se fa lar de um valor simbólico eexemplar do direito penal, ele deve ser associado não tanto às penas mas,verdadeiramente, ao processo e mais exatamente à acusação e à ampliação opera dasem possib ilidade de defesa pela imprensa e pela televisão.” (p. 588)468 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 602.

justificação política da ruptura ou, se preferir, da modificação das regras dojogo que no Estado de direito disciplinam a função penal”469.

Portanto, o processo penal moderno contrasta com osprincípios do Estado de Direito, vindo a produzir “uma justiça política

alterada na lógica interna em relação aos cânones ordinários: não maisatividade cognitiva baseada na imparcialidade do juízo, mas procedimentodecisionista e inquisitório fundado no princípio do amigo/inimigo e apoiada,para além da estrita legalidade, no consenso da maioria dos partidos e daopinião pública”470.

Ferrajoli, diante deste contexto, salienta que as regras deemergência são jurídica e politicamente injustificadas, pois “na jurisdição ofim não justifica os meios, dado que os meios, ou seja, as regras e as formas,são as garantias de verdade e de liberdade, e como tais têm valor para osmomentos difíceis, assim como para os momentos fáceis; enquanto o fim nãoé mais o sucesso sobre o inimigo, mas a verdade processual, a qual foialcançada apenas pelos seus meios e prejudicada por seu abandono.”471

Imprescindível se torna, assim, mesmo diante da modernacriminalidade econômica, a manutenção das garantias do cidadão, para suasegurança contra as perversões substanciais e inquisitivas, além de umaexigência elementar de igualdade472.

469 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 649-650. Para ele, “estaconcessão da emergência outra coisa não é que a idéia do primado da razão deEstado sobre a razão jur ídica como critério informador do direito e do processopenal, seja simplesmente em situações excepcionais como aquela criada peloterrorismo político, ou de outras formas de criminalidade organizada. Ela equivale aum princípio normativo de legitimação da intervenção punitiva: não mais jurídica,mas imediatamente política; não mais subordinada à lei enquanto sistema devínculos e garantias, mas à esta supraordenada. Salus rei publ ica suprema lex : asalvaguarda ou apenas o bem do Estado, é a norma principal do ‘direito deemergência’ (Grundnorm ), a lei suprema impregna todas as outras, a ícompreendidos os princípios gerais, e que lhes legitima a mutação.” (p. 650)470 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2002. p. 655.471 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 667.472 Vide FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal. Trad. AnaPaula Zomer et. a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 669.

Este modelo é o que melhor parece responder racionalmenteao norte a ser perseguido no controle da criminalidade econômica. Trata-sede um modelo ideal, que busca o fim de um direito penal da emergência(irracional), expurgando de seu sistema o caráter simbólico do Direito Penal.

5. Processo penal e criminalidade econômica: síntese reflexiva

No contexto de uma sociedade de risco, com o direito penaleconômico possuindo a função primordial da prevenção geral positiva, oprocesso penal, visto como instrumento de aplicação do direito material e,sobretudo, encarregado de assegurar as liberdades públicas e preservar asgarantias fundamentais, se depara com uma encruzilhada.

A busca de tal finalidade acaba por colocar as instituiçõesjurídicas encarregadas da persecução penal em crise e na defensiva, tendoem vista se encontrarem diante de fenômenos que não estavam preparadaspara enfrentar.

Ademais, diante das “imagens de choque mostradas emdirecto e difundidas à escala global, as novas fronteiras da criminalidadetransnacional e organizada, os flagelos dos diversos tipos de tráficos e aviolência e as conseqüências econômicas que – real ou suspeitamente – lhesão associadas, perturbam as análises e geram insegurança, e fazem aopinião pública reclamar, por vezes, um recuso perante valores”473. Talcenário corre o risco de conduzir ao “encolhimento da democracia e aoencurtamento dos direitos para salvação da segurança e da eficácia”474.

O processo penal enfrenta uma crescente expansão dos meiose instrumentos capazes de lesionar os direitos fundamentais, para que possa

473 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 257.474 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 258.

ser eficaz na aplicação do Direito Penal Econômico, gerando segurança.Visualiza-se, assim, a defesa da sociedade contra a criminalidade econômica,a qual sempre mais vezes é usada como justificação para a limitação dosdireitos fundamentais individuais.

Entretanto, como deve ser estruturado o processo penal475

diante de uma sociedade democrática reivindicando proteção, exigindo altosgraus de vigilância e maior controle do Estado, com este utilizando-se dosmecanismos à sua disposição para invadir os direitos fundamentais, comoforma de combater eficazmente o crime e garantir a segurança, se ele possuicomo fundamento à proteção dos direitos fundamentais do indivíduo? A suafuncionabilidade original (garantismo) resta comprometida.

O que se verifica, portanto, é uma tensão entre valores,devendo-se buscar um equilíbrio que permita uma persecução penal eficaz,sem o retrocesso nas garantias que são à base de uma sociedadedemocrática.

Como visto, para Hassemer, não se teria que falar emprocesso penal para aplicação do Direito Penal Econômico, tendo em vistaque o mesmo reconhece todos os problemas advindos com esta novacriminalidade, e a complexidade para sua persecução, defendendo aexistência de um Direito de Intervenção, que se situaria entre o direitoprivado e o público.

Segundo Silva Sanchez, não haveria problema em seflexibilizar os direitos fundamentais na persecução penal da criminalidadeeconômica (desde que sem cominação de pena privativa de liberdade), tendo

475 “Já de per s i o processo penal foi bem definido como um dos terrenosprivilegiados para experimentar a autenticidade civil e democrática de um regimepolítico: pelo modo como resultam fixadas as regras que devem servir ao Estadopara determinar se um indivíduo é inocente ou culpado, e pelo modo como resultamorganizadas as relações entre os vários su jeitos que operam no processo penal e assuas respectivas atividades, se podem extrair a lguns entre os elementos maispreciosos para valorizar se e quando um povo, se e quando uma sociedade sãocoerentes com as suas afirmações de apego aos valores da civilização, da liberdadee da democracia”. (CHIVARIO, Mario. Direitos humanos, processo penal ecriminalidade organizada. Trad. Dr. Maurício Zanoide de Moraes. Revista Brasileirade Ciências Criminais, ano 2, n. 5, janeiro/março 1994. São Paulo: Revista dosTribunais, 1994. p. 25.)

em vista que se estaria falando de um direito penal de segunda velocidade,com fundamentos diferenciados.

Para Ferrajoli, que defende a manutenção de um processopenal garantista, a aplicação do Direito Penal Econômico enfrenta gravesproblemas diante do cenário anteriormente apresentado. Sendo assim, oprocesso penal não poderia se utilizar indiscriminadamente de instrumentosque afetem, ou desconsiderem, os valores fundamentais que deve tambémgarantir. Lesões estas presentes nas denúncias genéricas, nas inversões doônus da prova etc., que afetam o princípio da presunção de inocência.

Segundo António Henriques Gaspar, “a sociedadedemocrática, justa, de equidade e de respeito pelos direitos fundamentais dapessoa humana, tem de saber superar as ameaças que hoje a confrontam,guardando-se no respeito dos seus valores”476.

Defende, ainda o mesmo doutrinador, que o respeito aosdireitos fundamentais não pode ser considerado obstáculo a um eficientecombate da criminalidade econômica. Destaca que o equilíbrio deve seralcançado, ou seja, deve-se “conciliar as exigências de defesa da sociedadecom a preservação dos direitos e liberdades fundamentais no processopenal”477.

Tal equilíbrio “na realização das finalidades a que está adstrito– a investigação dos crimes, a identificação dos seus agentes, e a aplicação,se for o caso, da sanção penal prevista na lei”478, pode ser alcançado atravésda noção de processo eqüitativo479 e de seus elementos integrantes.

476 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 274.477 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 260.478 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 261.479 “O processo equitativo constitu i o espaço conceptual em que se acolhe a ideia dejustiça, quando, na sua verdadeira essencia, e sobretudo, através do uso doprocesso, é um substituto do uso da força – ou do poder. O processo eqüitativo,bem como a ideologia que lhe está subjacente, pode ser reconduzida, no essencialao sintagma ‘igualdade de armas’. Sendo, porém, o Estado – historicamente e ainda

Sendo assim, “o sensor de equilíbrio entre as exigências eimposições de eficácia e os modelos de garantia no processo penal, está,afinal, na posição do suspeito ou argüido, e na caracterização dos direitosprocessuais que conformam o respectivo estatuto”480 .

O processo eqüitativo, que pode ser caracterizado comoigualdade de armas, vem a constituir o modelo de referência, sendointegrado por várias outras garantias, “que podem ser referidas a cincoprincípios processuais fundamentais que presumivelmente constituem onúcleo [‘core’] da doutrina: (1) direito a um tribunal imparcial; (2) princípioda legalidade; (3) presunção de inocência; (4) contraditório; (5) direito aosilêncio.”481

A utilização de meios especiais de investigação criminal,invasivos dos direitos fundamentais, deve ser feita com a devida ponderação,

hoje – a personificação do poder, com o seu conjunto de meios de imposição(polícia; forças armadas), garantir e preservar a igu aldade de armas no contexto doprocesso penal é uma tareja em boa medida artificia l: é uma das grandes aporias domoderno processo penal. Mas, superando a antinomia (igualdade contra o poder), oprocesso eqüitativo, na consideração complexiva dos diversos elementos queparticipam da construção da noção, há - se fundar- se na igualdade na superação doconflito. O Estado de direito (rule of law), a preeminência da lei e a dimensão dosdireitos humanos (direitos fundamentais do indivíduo nos contextos constitucionaisinternos), devem comandar e enquadrar este conflito, que tem de ser resolvido, nãopela lógica do uso do poder arb itrário, mas pelo poder da lógica, isto é, a justiça.”(GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXI eos direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 262.)480 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 262.481 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 262.

ou seja, tem de se revelarem socialmente imperiosos, sendo proporcionais482

em relação à finalidade perseguida483.

Por fim, destaca que “construir, ou reconstruir, um processopenal democrático onde sejam assegurados os equilíbrios entre a defesa dasociedade e os direitos fundamentais individuais é, certamente, um grandedesígnio para o século XXI”484.

Não se pode esquecer que, na busca por uma maior eficiênciaem reprimir a criminalidade econômica, os direitos humanos não podem serrelegados a segundo plano. Mesmo nos processos para os piores delitos osdireitos humanos devem ser respeitados, desde que não se queira que oprejuízo possa substituir um correto juízo.

A preocupação de um novo processo penal deve ser assegurarque os direitos de defesa sejam usados como devem, salvaguardando onúcleo essencial dos direito,s e harmonizando o seu conteúdo com a eficáciapedida ao sistema de administração da justiça penal.

O processo penal deve proporcionar ao acusado as garantiasde um processo justo, concretizando o princípio do devido processo legal,com uma condenação na medida da culpabilidade do agente. Deve, em

482 Neste sentido: “A noção de proporcionalidade assume- se como um conceito-chave. Proporcionalidade significa que deve existir uma relação racional entre o fimprosseguido pela medida especial de investigação e os meios utilizados, e que severifique um equilíb rio justo e razoável entre o interesse geral da comunidade e aprotecção dos direitos individuais. Essencialmente esta relação impõe a avaliaçãosobre se a medida é demasiado invasiva ou contém um excessivo ônus paradeterminado indivíduo em relação ao benefício para a comunidade como um todo.Se a medida for de uma intensidade de ingerência excepcional, a justificação danecessidade tem de ser especialmente intensa. Só será, então, proporcional, quandoseja estritamente necessária para a protecção da sociedade democrática”. (GASPAR,António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXI e os direitosfundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de Ciência Criminal ,Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 270.)483 No mesmo sentido, Mario Chiavaro ensina que: “Há a necessidade de respeitarum princípio de proporção entre os escopos de defesa social e os sacrifícios quesejam impostos aos direitos e às liberdades”. (CHIVARIO, Mario. Direitos humanos,processo penal e criminalidade organizada. Trad. Dr. Maurício Zanoide de Moraes.Revista Brasi leira de Ciências Criminais , São Paulo, ano 2, n. 5, jan./mar. 1994.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 34.)484 GASPAR, António Henriques. Os novos desafios do processo penal no século XXIe os direitos fundamentais (um difícil equilíbrio). Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Coimbra, ano 15, n. 2, abr./jun. 2005. p. 274.

suma, estabelecer formas eficazes tanto para o direito de punir como para odireito de defesa.

Mesmo diante da necessidade de reprimir a criminalidadeeconômica a fim de assegurar a ordem social, o processo penal não pode seconverter em uma sanção e deixar de ser um processo acusatório, permeadopor garantias fundamentais, tendo em vista ser um instrumento de tutela daliberdade jurídica do réu.

Segundo João Canuto Mendes de Almeida, “a função deJustiça penal põe nas mãos dos governos um instrumento de compreensãodas liberdades dos indivíduos, não só pelas conseqüências condenatórias,como, já no procedimento, pelas medidas preventivas a que sujeita osimputados. Estes não teriam meios de evitá-las, quando, obra de erro,facciosismo, despotismo, tirania, maldade, não lhes fossem dadas garantias

de defesa. São garantias não de defesa do interesse estritamente penal, masdos direitos individuais contra os possíveis abusos de poder”485.

Sob o signo da modernização, sempre em busca de eficiência eceleridade, o processo penal não pode ser visto como uma máquina a exigircondenação, com uma repressão cega e intransigente e, com a aplicaçãosumária de sanções. Através do processo, o acusado deve possuir osinstrumentos e remédios para a defesa de seus direitos, com a configuraçãode parâmetros de justiça.

A Constituição Federal de 1988 traz o conjunto de garantiasque podem ser consideradas como mínimas condições para a estruturaçãode um devido processo legal. O processo penal, portanto, não podedesenvolver-se sem tais garantias, para que não haja uma descaracterizaçãode tal princípio.

Para a manutenção da feição democrática do sistema penal,necessário se faz que no processo penal as garantias das partes sejam

485 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processopenal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 101.

efetivas. A busca de uma identidade própria do direito penal econômico e doprocesso penal para sua aplicação, não deve afastá-los das conquistasobtidas no âmbito do Direito Penal Clássico e de um processo penaldemocrático.

A utilização do Direito Penal Econômico, como mecanismo dedefesa social diante dos novos riscos, não pode ser deformada. O desrespeitoa determinados princípios pode levá-lo a perder sua característica penal e,até mesmo, de próprio direito.

Conseqüentemente, o processo penal, em busca de umaeficiência do Direito Penal Econômico, não pode ter sua estrutura alteradano sentido de potencializar o sistema inquisitivo, em clara afronta apricipiologia garantista prevista na Constituição Federal.

Por fim, a concepção de intervenção mínima e última doDireito Penal, não pode ser alterada, objetivando torná-lo mais abrangente,rigoroso e severo, tendendo a assumir função eminentemente punitivo-repressiva, com o enfraquecimento dos seus princípios garantistasfundamentais, para que, assim, o processo penal possa, efetivamente, serum processo justo, com o respeito ao devido processo legal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conteúdo do presente trabalho não buscou solucionar asquestões afetas à criminalidade econômica, até porque tal tarefa não seráexecutada, satisfatoriamente, em apenas um trabalho científico.

Os objetivos, entretanto, foram alcançados, pois restousistematizada a problemática existente em torno do tema, cujas bases seencontram no direito material, mas cujos reflexos se estendem até oprocesso penal.

Um dos pontos abordados no trabalho, e que se destaca nestemomento, diz respeito ao valor atribuído à prevenção geral positiva, a qualtem sido alçada a uma condição superior em relação às demais questõesinerentes ao Direito Penal Econômico, seja no aspecto material, seja noprocessual.

É bem verdade, a prevenção geral positiva se mostra relevantequando alocada adequadamente no sistema criminal. Entretanto, nosmoldes em que tem sido formatada, não se mostra apta à obtenção dos finsa que se destina.

Neste contexto, não podem ser esquecidas as cifras negras,que afetam diretamente a prevenção em questão, o que impede, diante deum crime contra a ordem econômica, seja dada uma resposta efetiva àsociedade e ao próprio delinqüente.

Os próprios institutos legalmente vigentes no ordenamentojurídico brasileiro, como, v. g., o pagamento como causa extintiva dapunibilidade nos crimes contra a ordem tributária, fazem crescer a sensaçãode impunidade e, conseqüentemente, não permitem seja satisfatoriamentepromovidos na sociedade os fins preventivos do Direito Penal.

O fato que se quer destacar nestas considerações finais é queas questões a serem superadas, ao se falar de crimes econômicos, são designificativa amplitude, ultrapassando os limites da praxis, mostrando-secarente de conceituações teóricas, em especial nas de ordem processual.

A doutrina tem buscado superar os obstáculos para que oDireito Penal Econômico seja efetivo ou, no mínimo, eficiente, mas aspropostas ainda não se converteram em ações concretas, até mesmo porserem algumas delas de difícil, ou mesmo impossível, operacionalização. Aexemplo tem-se a proposição de Hassemer, que sustenta a necessidade deser criado um direito de intervenção, pois para tanto há a necessidade de seestruturar um novo ramo do direito, com princípios e regras que permitamgarantir sua autonomia, ao menos, teórica.

É importante lembrar, também, que neste estudo não houveaprofundamento em determinadas variáveis, muitas delas decorrendo dasações políticas do próprio Estado. Como não cogitar no fim eminentementearrecadador nos crimes tributários? Como desconsiderar instituto que,nitidamente, existem para compelir o “devedor” ao pagamento?

Estas, dentre tantas outras, são questões não mais quemencionadas ilustrativamente neste trabalho, e que, por si, merecemaprofundado estudo, talvez com mais propriedade no campo da CiênciaPolítica.

No campo processual, que sofre os reflexos do direito material,os problemas se avolumam, na medida em que o devido processo legal, comseus corolários, não tem sido um princípio limitador das ações, por vezesabusivas, das autoridades públicas responsáveis pela administração daJustiça.

É justamente sob o argumento da prevenção geral positivaque têm sido toleradas as denúncias genéricas, ou mesmo a instauraçãode ação penal em casos pendentes de solução administrativa (estaquestão resta, hoje, praticamente superada).

Assim é que têm sido consolidadas lesões à ampla defesa e aocontraditório, consagrados no sistema acusatório, o qual se infere dasgarantias constitucionais estabelecidas em favor do cidadão.

Os postulados do Direito Penal Clássico são desprezados,como se não fosse o Direito Penal Econômico integrante de um mesmosubsistema jurídico, como se não fosse possível dar uma resposta àsociedade sem que sejam lesionados princípios e garantias fundamentais.

Os valores democráticos do processo penal, seguindo a mesmadiretriz, são esquecidos. Como definir, em se admitindo um processo penaldemocrático, as ações que, com o auxílio da mídia, achincalhampublicamente o cidadão (empresário ou não)?

Em razão das ações dos agentes estatais, e o aumentocrescente dos casos de impunidade, revela-se o fracasso e a falta delegitimação social da justiça criminal.

É preciso que sejam resgatados direitos que, no campo dacriminalidade econômica, somente existem formalmente, pois não passam deprevisão sem qualquer efetividade. E é preciso, fundamentalmente, que oprocesso penal deixe de ser contemplado como o instrumento paraimposição de uma sanção, mas sim como constitucionalmente édisciplinado, ou seja, uma garantia em favor do cidadão contra osdesmandos do Estado, sob pena de ser subvertida a segurança jurídica.

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