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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA ANA CARLA SANCHES LOPES FERRAZ A RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO ESTRATÉGIA EMPRESARIAL DE DESENVOLVIMENTO MARÍLIA 2007

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

ANA CARLA SANCHES LOPES FERRAZ

A RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO ESTRATÉGIA

EMPRESARIAL DE DESENVOLVIMENTO

MARÍLIA

2007

1

ANA CARLA SANCHES LOPES FERRAZ

A RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO ESTRATÉGIA

EMPRESARIAL DE DESENVOLVIMENTO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação da Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

MARÍLIA

2007

2

Ana Carla Sanches Lopes Ferraz

A Responsabilidade Social Como Estratégia Empresarial de Desenvolvimento

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,

como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação da Profª.

Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

Aprovada pela Banca Examinadora em ______/______/______.

____________________________________________________________

Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

Orientadora

____________________________________________________________

Profº. Drº. Paulo Roberto Pereira de Souza

____________________________________________________________

Profª. Drª. Iara Rodrigues de Toledo

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, por terem com

imenso sacrifício, contemplado a mim e aos

meus irmãos, a educação e, acima de tudo,

ricos ensinamentos morais.

Ao Eloy, esposo incomum, bom

amigo e incentivador, meu fiel escudeiro.

À Mariana e Milena, filhas queridas,

motivo de todo o sacrifício e a razão de ser da

minha vida.

Aos familiares e amigos que, das

mais diversas formas me auxiliaram com a

força necessária à superação dos desafios.

AGRADECIMENTOS

Meu agradecimento especial a

Deus, razão de todos os objetivos da vida.

Agradecimento a todos os

professores do Curso de Mestrado e de

forma especial à Professora Jussara Susi

Borges Nasser Ferreira, minha mestra e

orientadora, pelo comprometimento

incessante em todas as fases difíceis dessa

jornada, e a quem aprendi a admirar por

sua inteligência e determinação.

 

5

“Direito somente se manifestará como

ciência válida, quando refletir o espírito

justo que edifica a equidade em cada

comunidade social.”( EHRLICH)

6

A RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO ESTRATÉGIA

EMPRESARIAL DE DESENVOLVIMENTO

RESUMO:

A presente pesquisa busca sistematizar no conceito de função social da propriedade previsto na Constituição Federal, a responsabilidade social como um dos requisitos desse conceito, amparada na funcionalização dos institutos jurídicos e na mudança social da sociedade. Este estudo visa demonstrar a atuação e postura das empresas frente à globalização e avanços tecnológicos e a realização de parcerias e estratégias com outros setores da sociedade na busca da permanência do mercado por meio de ações sociais não mais amparadas pelo Estado. O desenvolvimento da dissertação revela o que tem motivado o setor empresarial a investir nas relações com a sociedade para que seja reconhecido não apenas pelo potencial econômico, mas pela conscientização e ética galgada em suas ações, seja pela publicação espontânea de seus Balanços Sociais ou pela implementação de normas técnicas de qualidade, na busca da sustentabilidade e sucesso econômico empresarial. A responsabilidade social empresarial, embora não regulamentada pelo Estado, é norma de conduta capaz de estabelecer um regramento favorável ao direito; a favor do direito de igualdade, ao direito do trabalho digno, ao direito à saúde e educação do indivíduo, direitos estes previstos na Constituição Federal e não legitimados. As ações de responsabilidade social efetivadas pelas empresas são capazes de proporcionar um direito resultante de fontes distintas do Estado, possibilitando a criação de uma norma que, embora não reconhecida, seja dotada de eficácia e validade jurídica no meio social em que surgiu e apta, portanto, a desempenhar o papel necessário para a concretização da Justiça. Palavras-chave: Responsabilidade, Empresa, Ética, Mudança, Cidadania e Justiça.

7

THE SOCIAL RESPONSABILITY AS ATRATEGY BUSINESS OF DESEMVOLVIMENTO

ABSTRACT:

This current research aims to systemize in the concept of the property social function due to the Federal Constitution, the social responsability like one of the legal requirement of this concept, supported in the functionality of the juridical institutes and in the social changes in the society. The study aims to show the performance and posture of the enterprises in face of globalization and technological advances. It also shows the partnerships and strategies with others sectors of the society, not more supported by the State. The explanation of this study shows what has motivated the business sector to invest in the relashionship with the society in order to be recognized not also for its economic potencial, but for the ethics and consciousness supported by its actions It can be for the spontaneous publishing of its Social Balances or for the implementation of tecnical rules of quality in order to reach the sustentability and business economic success. The business social reponsability, although it’s not regulated by the State, it’s a conduct rule able to establish a favourable regulation to the Law, equality rights, dignity work and to the individual’s health and education. These rights are due to the Federal Constitution. The actions of social responsability that are executed by the enterprises are able to afford a right resultant from diferent sources of the State. That way it’s possible the creation of a rule that, although it’s not acknowledged, can be endowed with efficacy and juridical legality in the social enviroment where it has arisen. Therefore it’s able to execute the needful paper in order to reach the concretion of the Justice. Key-words: Responsibility, Company, Ethics, Change, Citizenship and Justice.

8

LISTA DE ABREVIATURAS

AA 1000 – Institute of Social and Ethical Accountability

ADCE – Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas de São Paulo

AliarRSE – Câmaras e Conselhos Empresariais

AS 8000 – Social Accountability

AVAL – Administração por Valores

BSR – Business for Social Responsability

CAGED – Cadastro de Empregados e Desempregados

CEPAA – Council on Economic Priorities Accreditation Agency

CES – Conselho Econômico e Social

ETHOS – Instituto de Empresas e Responsabilidade Social

FGV – Faculdade Getúlio Vargas

FIDES – Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social

FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro

GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas

GRI – Global Reporting Initiative (Iniciativa Global para Apresentação de Relatórios)

IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

OA – Organizações Autentizóicas

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONG’s – Organização Não-Governamentais

PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PSF – Programa Saúde da Família

RAIS – Relação Anual de Informações Sociais

RSE - Responsabilidade Social Empresarial

SAI – Social Accountability Internacional

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas

SENAR – Serviço de Aprendizagem Rural

9

SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte

SEST – Serviço Social de Transporte

UNIDO – Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial

USEM – União Social dos Empresários Mexicanos

USP – Universidade de São Paulo

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 11

1 RESPONSABILIDADE SOCIAL: ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............... 15

1.1 A EMPRESA COMO MANIFESTAÇÃO DA SOCIEDADE .......................................... 20

2 DESENVOLVIMENTO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL .................................... 27

2.1 RELAÇÃO EMPRESA - STAKEHOLDERS ................................................................... 31

2.2 ÉTICA, DIREITO E RESPONSABILIDADE ................................................................... 34

3 A RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO REQUISITO DA FUNÇÃO SOCIAL

DA EMPRESA .................................................................................................................... 48

3.1 O ESTADO E A RESPONSABILIDADE SOCIAL.......................................................... 58

3.2 RESPONSABILIDADE SOCIAL NA EMPRESA BRASILEIRA ................................... 67

3.2.1 Parcerias e Estratégias .................................................................................................... 75

3.3 RESPONSABILIDADE SOCIAL NA EMPRESA ESTRANGEIRA............................... 84

3.3.1 Parcerias e Estratégias ..................................................................................................... 88

4 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA ..................................................... 103

4.1 CULTURA EMPRESARIAL ........................................................................................... 107

4.1.1 Educação Corporativa .................................................................................................... 112

4.2 DIGNIDADE EMPRESARIAL ....................................................................................... 116

4.3 FORMAS DE GESTÃO EMPRESARIAL ...................................................................... 122

4.4 POLÍTICA AMBIENTAL DA EMPRESA ..................................................................... 130

5 A RESPONSABILIDADE SOCIAL E AS BARREIRAS DA

REGULAMENTAÇÃO ................................................................................................... 139

5.1 NORMA ÉTICA E NORMA JURÍDICA ........................................................................ 149

5.2 MUDANÇA SOCIAL COMO LEGITIMADORA DO DIREITO .................................. 157

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 167

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 174

11

INTRODUÇÃO

As últimas décadas do século XX evidenciaram grandes transformações sociais,

econômicas, políticas e culturais.

A globalização econômica introduziu novos parâmetros em relação ao mundo do

trabalho e nas relações entre Estado e sociedade trazendo as inovações tecnológicas, o

desenvolvimento dos meios de comunicação, bem como a ampliação de novos direitos.

As desigualdades sociais, a degradação ambiental e o desemprego marcam a

sociedade contemporânea, ao passo que a concorrência desmedida, o individualismo e a

busca pelo lucro marcam as relações sociais e econômicas dos sistemas capitalistas desta

época.

O presente estudo tem por objetivo demonstrar a Empresa como espaço

organizado de prestação de serviços sociais, por meio das políticas denominadas

responsabilidade social. É necessário construir novas formas de relação entre capital e

trabalho, de modo que o capitalismo não venha a acentuar ainda mais essas contradições.

A responsabilidade social das Empresas, nesses últimos anos, aparece como uma nova

relação entre esses conceitos.

Uma segunda abordagem trata do relacionamento da Empresa com seus

stakeholders, ou seja, com os atores envolvidos na realidade empresarial, como os

fornecedores, clientes, empregados, políticos e Governo. O poder adquirido pela Empresa

advém da confiança que ela demonstra na sociedade, vindo a incentivar o envolvimento

individual e institucional no enfrentamento da questão social.

Será abordada a importância de princípios éticos nas organizações empresariais,

de forma a cultuar uma postura digna de comportamento moralmente aceito pela

sociedade, impondo limites da mesma forma como impõe o Direito, uma vez que o

12

Direito, assim como a Ética, são normas de conduta. A cultura também será caracterizada

com grande importância por ser considerada um dos fatos desencadeadores da mudança

de paradigmas e comportamentos da Empresa contemporânea.

Após essa abordagem preliminar, buscar-se-á no Princípio da Função Social da

propriedade previsto na Constituição Federal a origem do instituto da responsabilidade

social no contexto normativo, onde a garantia do direito subjetivo do proprietário sob o

imóvel condiciona o cumprimento de sua função social, do mesmo modo, por analogia, a

Empresa, ao desenvolver a atividade econômica, deve cumprir sua função social, a de

prover a responsabilidade.

O Estado é analisado por meio de um conjunto de fatos históricos que

desencadearam uma transformação social nos interesses privados, considerando que o

atual desenho de Estado é insuficiente para prover as necessidades da sociedade

contemporânea, e as Empresas capitalistas acabam por atuar neste campo.

A investigação seguirá sob a descrição das práticas de responsabilidade social

desenvolvidas atualmente na Empresa brasileira, na Empresa estrangeira, bem como na

formação de parcerias com organizações não governamentais, fundações ou o próprio

Governo. É imprescindível a formação de consensos e o desenvolvimento de estratégias

formuladas pelas Empresas para que consigam a permanência no mercado, uma vez que a

competitividade acaba por impor essa postura.

Serão delineados os contornos da Responsabilidade Social Corporativa, sua

origem, desenvolvimento e a evolução de conceitos, cuja filantropia cedeu lugar à ação

responsável e consciente. Essa conscientização tem sua origem na educação corporativa

por meio da quebra de paradigmas tradicionais, onde as Universidades adentram nas

Empresas com o objetivo de realçar a competência dos empregados por meio do

investimento cultural e treinamentos específicos, valorizando a capacidade do indivíduo.

A valorização do trabalho bem como da dignidade do trabalhador será ressaltada

como a maior responsabilidade das organizações empresariais atualmente, de maneira a

demonstrar de que forma serão geridos os processos de trabalho e de produção,

resgatando a dignidade do trabalhador, minimizada em razão do desemprego.

13

Em função desse resgate, as Empresas passam a implementar ações no sentido de

proporcionar incentivos materiais aos empregados, fortalecendo, assim, a subordinação

do trabalho ao capital. Com a adoção do investimento educacional, a Empresa cria uma

mentalidade contínua de aprendizado voltado ao desenvolvimento da organização.

As formas de gestão empresarial retratam a transparência das ações empresariais

e reforçam a efetiva mudança de atitude. Desse modo o debate será em torno da

importância da publicação espontânea dos Balanços Sociais pelas Empresas e o

desinteresse do Estado na sua regulamentação, uma vez que esta torna as Empresas

igualadas e submissas à lei, liquidando a competitividade e a movimentação do mercado

econômico.

Estratégias são criadas com o intuito de fortalecimento empresarial no mercado.

As certificações e normas técnicas de qualidade são critérios de avaliação de

responsabilidade social implementadas pelas Empresas conscientes, visto que o mau

gerenciamento da sustentabilidade representa um risco para a sua reputação e imagem.

Ainda sob o enfoque da gestão empresarial, será abordada a política

implementada nas Empresas com relação à preservação do meio ambiente, haja vista que

o quadro de desenvolvimento econômico atual requer das indústrias a exploração

contínua de recursos naturais. Diante desse fato, é necessária a implementação de

estratégias, bem como das auditorias ambientais, para conciliar o fator econômico com o

ambiental e amenizar o impacto que estas ações podem gerar perante a sociedade.

E, por fim, vale ressaltar o debate sobre a transformação social ocorrida nos

últimos anos, em razão de novas posturas e mudanças de paradigmas, levando a

responsabilidade social a criar dimensões imagináveis à sociedade, de modo que suas

práticas habituais e contínuas as tornem positivadas perante a sociedade,

independentemente de regulamentação jurídica.

A abordagem visa a demonstrar que o Direito vai além de um sistema de regras,

quando a própria sociedade empresarial passa a interpretar como seus os princípios, os

valores e os costumes que entendam ser necessários para a melhoria das relações

14

comerciais e sociais. A lei passa a ser legítima e alcança a justiça quando reflete as

necessidades de uma sociedade.

Nessas condições, ressalte-se a existência de um Direito vivo, implícito e

garantido aos indivíduos no que concerne às relações empresarias. É o nascimento da

legitimação social desenhada pela própria sociedade.

15

1. RESPONSABILIDADE SOCIAL: ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Desde os primórdios da vida humana é possível ver nascer, modificar ou

extinguir uma relação jurídica entre os indivíduos. A manifestação da atividade humana

traz em si a idéia de responsabilidade que naturalmente advém de uma obrigação. Essa

obrigação, por sua vez, é resultante de uma conduta praticada pelo indivíduo, fazendo

com que o fato gerador da responsabilidade seja o comportamento humano.

Os problemas sociais sempre existiram nas sociedades, de forma que em suas

organizações são inevitáveis as desigualdades.

Diante da necessidade natural de os indivíduos se organizarem e se

desenvolverem como sociedade, foi inevitável a evolução do conceito da

responsabilidade, que tem sido ampliado e moldado em razão das exigências dos grupos

sociais e a necessidade de buscar a valorização do trabalho, por meio de condutas sociais

de amparo à dignidade do indivíduo.

Nas últimas décadas, com a transformação das sociedades, novas concepções

vêm sendo aceitas em razão do nascimento de novos direitos. Por conseqüência, uma

significativa mudança ocorreu no mundo do trabalho, provocando alterações

consideráveis no modelo de desenvolvimento econômico empresarial.

A globalização trouxe importantes mudanças nas relações sociais como a

transformação no processo de reprodução da força de trabalho e a reorganização do

mercado mundial, um momento de crise e de ameaça aos direitos adquiridos ao longo dos

anos, evidenciando a necessidade de um Estado capaz de prover um sistema de proteção

social, de natureza universal e coletiva.

O processo de globalização da economia influiu diretamente nas questões

relacionadas ao mundo do trabalho. Segundo Ianni, a “globalização intensificou e

generalizou no processo de dispersão geográfica da produção ou das forças produtivas,

compreendendo o capital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão do trabalho social, o

16

planejamento e o mercado.” 1

A introdução de inovações tecnológicas e comerciais trouxe conseqüências

sociais, econômicas e psicológicas na vida das pessoas. O desemprego originário da

criação de novas funções gerenciadas por maquinaria, minimizando a mão de obra

humana, ocasionou a exclusão social. O Estado, por sua vez, não mais respondia às

crescentes demandas da sociedade.

No início de 1980, sob a influência da crise do Estado Assistencial (Welfare

State)2 nos países desenvolvidos, a recessão econômica e o endividamento externo

trouxeram à tona a discussão sobre o papel do Estado na economia.. Em razão dessa

influência, houve conseqüências irreversíveis para a estrutura social brasileira sob o ponto

de vista das relações de trabalho, emprego e proteção social. 3

É fato notório que o ideal do padrão material mínimo oferecido pelo Estado não

proporcionou a satisfação das necessidades dos indivíduos, ao passo que o discurso

neoliberal veio responder à fragilidade do Estado em equacionar problemas sociais,

defendendo a liderança do setor empresarial na construção de uma sociedade renovada e

mais justa.

Essa idéia surgiu no Consenso de Washington em 1989 quando representantes do

governo dos Estados Unidos da América e as economias latino-americanas discutiam o

conjunto de reformas essenciais para que a América Latina superasse a crise econômica e

retomasse o crescimento. Dentre as medidas desse discurso estava o poder dos sindicatos,

a redução do papel do Estado na economia, a privatização das empresas estatais, a

flexibilização da legislação trabalhista, a redução da carga fiscal e a abertura comercial. 4

A Constituição Federal também desencadeou um processo de discussão na

1 IANNI, O. A Internacionalização do Capital - Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, p.47. 2 Welfare State - A essência desse Estado Assistencial foi um padrão mínimo, garantido pelo Estado de uma alimentação, saúde, alojamento e instrução assegurados a qualquer cidadão como um direito político e não como beneficência 3 WILENSKI, apud DRIABE, Sócia M. Artigo publicado no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas - Unicamp, 1.993 4 CAMARGO, Luiz Rogério. Resenha Obra John Williamson, do International Institute for Economy, Revista de Economia Política, vol. 24, nº 04 (96), outubro-dezembro, 2004.

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sociedade brasileira, principalmente entre as classes sociais, diante de um mercado

consumidor mais exigente e participativo quanto à revalorização do trabalho, a dignidade

da pessoa humana, e, principalmente, a democratização das relações entre Estado e

sociedade.

Ainda em período de experiência desse novo modelo de legislação, bem como a

viabilização das políticas sociais, o país via-se diante de um conceito de que a lei era o

alicerce de todas as condutas, da separação dos poderes ao enunciado dos direitos e

garantias individuais.

Esse novo Estado trouxe a internalização da legislação, de modo que a igualdade

não mais formal, porém material, rompeu com o paradigma do Estado liberal, ocorrendo

de certo modo, uma materialização do direito. Com a ampliação dos objetivos estatais, a

preocupação em alcançar a igualdade por meio da força da lei foi substituída pelo alcance

dos Princípios Constitucionais e Costumes.

O fator primordial para a mudança da estrutura do Estado foi o surgimento dos

direitos sociais, que tinha no formalismo o impedimento da realização do ideal de

igualdade. Nesse contexto, o ideal de igualdade apresentou-se com grande relevância,

configurando-se como principal fundamento da transformação política e jurídica do

Estado, de conteúdo essencialmente formado por valores sociais, influenciados pelo

crescente desenvolvimento econômico.

Bonavides destaca que "o centro medular do Estado social e de todos os direitos

de sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade.” Nesse aspecto, é

importante salientar sobre a importância do princípio de igualdade nesse momento, sendo

o “direito-guardião do Estado-social.” 5

O Estado-social no Brasil definiu-se com a inovação da Constituição Federal e a

conscientização dos indivíduos sobre a efetividade dos Princípios Constitucionais, no

sentido de valorizar a solidariedade como expressão de igualdade de todos os indivíduos

5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p.301-302.

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no exercício dos direitos fundamentais.

Todavia o Estado interventor não conseguiu gerar os efeitos preconizados pelos

modelos econômicos. A sociedade, de maneira geral, enfrentou uma enorme concentração

de renda, além de problemas sociais, econômicos e ambientais.

Os benefícios alcançados pelos indivíduos com os avanços tecnológicos e

inovações do mundo contemporâneo evidenciaram um contraste significativo, enquanto

milhares deles viviam em condições de extrema pobreza, sem um mínimo de dignidade.

Essa desigualdade social necessitava de respaldo, ou do Estado, do setor privado ou do

próprio indivíduo.

Essa sociedade mais complexa clamava por uma nova concepção de direitos com

o surgimento do Direito Ambiental, o Direito do Consumidor e a influência dos

sindicatos, firmando o tradicional conceito da importância da participação crescente do

povo nas decisões a respeito de idéias, etnias e culturas. Nesse novo contexto social,

crescia a conscientização e a educação para a cidadania.

Conforme salienta Mello Neto, a “atuação de um Estado grande e de um

Governo forte foi substituída pelo surgimento de uma ação comunitária forte, atuante,

reivindicatória e mobilizadora.”6

A evolução da sociedade trouxe consigo o surgimento de ações provindas do

Terceiro Setor, instituições sem fins lucrativos, movimentos sociais, organizações não

convencionais, iniciativas da sociedade civil, bem como o destaque para as Empresas

privadas que atuavam nas mais diversas áreas buscando formas alternativas de atender

essas demandas e fortalecendo-se com o objetivo de viabilizar políticas sociais que não

eram mais amparadas pelo Estado, contudo podiam atender os setores diversos da

sociedade. 7

6 NETO, Francisco P. Mello; FROES, César. A Responsabilidade Social e Cidadania Empresarial. A Administração do Terceiro Setor. Qualitymark, Rio de Janeiro, 1999, p.03. 7 VOLTOLINI, Ricardo. Terceiro Setor: Planejamento e Gestão. São Paulo: Ed. Senac, 2004.

19

Atualmente se reconhece a necessidade de mudanças significativas nesse quadro

alarmante do ponto de vista econômico e social das sociedades, de modo que o alcance

dos direitos fundamentais depende de ações não somente do Estado, mas, sobretudo, das

organizações empresariais e dos indivíduos que, com mais autonomia, exercem sua

responsabilidade social promovendo o desenvolvimento das sociedades onde estão

inseridos.

É importante destacar que essa nova concepção não servirá para substituir o

dever do Estado que é o investimento público, de modo que este não seja responsável

pelo cumprimento de sua missão constitucional, porém introduzir novos parâmetros e

recursos de práticas sociais, reconhecendo que esse Estado, embora necessário, não é

suficiente para promover o desenvolvimento social de uma nação na contemporaneidade.

Para Cardoso, ainda que essa postura possa trazer custos mais elevados, por

outro lado, o mercado acaba por compensar a longo prazo as empresas que manifestam

comportamento socialmente responsável. É o chamado “investimento ético”. 8

Em face desse investimento ético ou investimento social privado, as Empresas

poderão ter revertido em lucro, prestígio e estabilidade as práticas sociais que sejam

desenvolvidas de forma igualitária, transparente e ética, sendo esse investimento o uso

planejado, monitorado e voluntário de recursos privados provenientes de pessoas físicas

ou jurídicas, em projetos de interesse público. 9

A nova realidade do mercado exige das Empresas investimentos além da usual

política de preços e de qualidade, limitando-se à economia de mercado. Incluem-se no

universo do investimento social privado as ações de responsabilidade protagonizadas por

Empresas, Fundações e Institutos de origem empresarial, instituídos por famílias ou

indivíduos que introduzem em suas práticas habituais as ações de valorização desse

mercado e proteção à sociedade de maneira geral.

8 CARDOSO, Carlos Cabral. Comportamento Organizacionsl e Gestão. Editora RH: Universidade do Minho, 2006, p.16. 9 GIFE, Grupo de Institutos Fundações e Empresas. São Paulo: 2.004, Disponível em http://www.gife.org.br, acesso em 08 de junho de 2006.

20

A Empresa contemporânea tem seus atributos medidos pela própria sociedade

quando do consumo de produtos ecologicamente corretos, quando do bom relacionamento

com fornecedores e empregados, na preservação ambiental, na preocupação com a

qualidade de vida, e enfim, na confiança adquirida em razão do relacionamento ético

existente entre Empresa e sociedade.

Cabe pontuar nesse prisma, a conceituação de Empresa no atual contexto e a

importância do seu relacionamento com a sociedade, de forma a compartilhar a

transferência de direitos e deveres, sempre em prol do indivíduo.

1.1 A EMPRESA COMO MANIFESTAÇÃO DA SOCIEDADE

No atual cenário econômico, influenciado pela globalização e pelos avanços

tecnológicos, a Empresa passa a se destacar com uma crescente influência na sociedade

contemporânea, estando ela, sem dúvida, no centro da economia moderna, constituindo a

célula fundamental de todo o desenvolvimento industrial.

Com a promulgação do novo Código Civil Brasileiro, o "Direito de Empresa" foi

regulado no Livro II, marcando o abandono do sistema tradicional consagrado pelo

Código Comercial de 1850, baseado no comerciante e no exercício profissional da

mercancia-teoria dos atos de comércio, trocando-o pela adoção do sistema do empresário

e da atividade empresarial.

O grande enfoque atualmente está na busca do desenvolvimento empresarial, de

modo a equilibrar o capital e o trabalho para alcançar os fins econômicos. A Empresa tem

o objetivo de desenvolver produtos e serviços para atender à sociedade, e esta quando

amplamente atendida, manifesta-se valorizada e segura.

A essência deste desenvolvimento empresarial na contemporaneidade está na

valorização do indivíduo, na pessoa de seus empregados, no trabalho e salários dignos, na

produção com qualidade, no preço justo, na preocupação com a prevenção e preservação

ambiental e na postura ética demonstrada à sociedade.

21

Essa postura está amplamente delimitada na conceituação de Hentz quando

entende a Empresa como “uma organização dos fatores de produção para a satisfação das

necessidades alheias”, resgatando como objetivo primordial o desenvolvimento de

produtos e serviços com a finalidade de atender aos anseios da sociedade. 10

Segundo Asquini, o conceito de Empresa faz parte de um fenômeno poliédrico,

que teria, no aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação aos elementos que

o integram. Para o autor, o conceito de Empresa ultrapassa a conjugação de esforços e

riscos organizados na busca de fins econômicos. Esses perfis são o subjetivo, o funcional,

o patrimonial e o corporativo. 11

Sob o perfil subjetivo, pode-se dizer que a Empresa é confundida com a pessoa

do empresário, de modo que a atuação do sujeito sobre fatores econômicos (capital e

trabalho), de maneira organizada, releva em muito este perfil. Quem exerce a empresa é a

pessoa jurídica ou a pessoa física, não os seus órgãos sociais, por meio dos quais a pessoa

jurídica explora sua atividade.

Na economia de troca o caráter profissional da atividade do empresário é um elemento natural da empresa. O princípio da divisão do trabalho e a necessidade de repartir no tempo as despesas da organização inicial, de fato, orientam naturalmente o empresário, para especializar sua função através de uma atividade em série, dando lugar a uma organização duradoura, normalmente, com escopo de ganho. 12

O perfil funcional apresenta-se como a própria atividade na busca de um fim

produtivo, assim, a Empresa em sentido funcional é a atividade profissional organizada.

O perfil patrimonial (que é objetivo) à Empresa é vista como um complexo de

bens materiais, imateriais, móveis e imóveis, e serviços, usados pelo empresário para

desenvolver sua atividade.

O fenômeno econômico da empresa, projetado sobre o terreno patrimonial, dá lugar a um patrimônio especial distinto, por seu escopo, do restante patrimônio do empresário (exceto se o empresário é pessoa

10 HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito Comercial Atual. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.36. 11 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Tradução de Fábio Konder Comparato. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. v. 35, nº 104 out/dez 96. São Paulo: RT, 1996, p.109. 12 Op.cit, p. 116

22

jurídica, constituída para o exercício de uma determinada atividade empresarial, caso em que o patrimônio integral da pessoa jurídica serve àquele escopo). 13

Asquini apresenta o perfil corporativo como uma organização especial de

pessoas, empresários e colaboradores, como se fosse uma instituição. Os empregados são

associados ao empresário, desse modo a Empresa é concebida como uma atividade

realizada com a colaboração integrada de uma equipe de pessoas, metas estabelecidas e

previsão de lucros.

Na Empresa-Instituição encontram-se todos os elementos característicos: o fim

comum, a conquista de um resultado produtivo que supera os fins individuais do

empresário (lucro) e dos empregados (salário) e a relação de cooperação entre ambos, a

formação de um ordenamento interno da empresa, que confere o aspecto contratual e

patrimonial e também um particular aspecto institucional.

O empresário e os seus colaboradores dirigentes, funcionários, operários, não são de fato, simplesmente, uma pluralidade de pessoas ligadas entre si por uma soma de relações individuais de trabalho, com fim individual; mas formam um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos singulares colaboradores: a obtenção do melhor resultado econômico na produção. 14

A concepção de Empresa com o perfil corporativo de Asquini ganha espaço nas

sociedades contemporâneas no sentido de reverter a condição única de provedora de

recursos econômicos para a gestão de recursos sociais, quando se verifica que esta é uma

estratégia de desenvolvimento e permanência no mercado.

O perfil atual das organizações empresariais reveste-se da conjunção dos fatores

humanos, econômicos e sociais na realização de um fim; fatores humanos, no que diz

respeito ao trabalho digno ao empregado; fatores econômicos quando se verifica que o

trabalho desenvolvido de forma conjunta com comprometimento gera retornos positivos à

Empresa, que, por conseguinte, pode favorecer melhores salários; e fatores sociais, no que

13 Op.cit, p. 118 14 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Tradução de Fábio Konder Comparato. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. v. 35, nº 104 out/dez 96. São Paulo: RT, 1996, p.122.

23

diz respeito à preocupação ética com a qualidade da produção e a prevenção do meio

ambiente, proporcionando uma imagem positiva perante a sociedade consumidora.

Essa análise também vem sendo feita por autores estrangeiros, verificando que a

Empresa atualmente possui vários objetivos e tem como finalidade a satisfação de

inúmeras necessidades, conforme preleciona Ragazzi:

A análise sobre a Responsabilidade Social Empresarial tem recaído tradicionalmente sobre a sociedade comercial, associando a noção de empresa como unidade organizacional que tem por finalidade a produção, o intercâmbio de bens e o melhor desdobramento de uma atividade econômica e lucrativa, satisfazendo múltiplas necessidades.15

O autor afirma que a origem do bem advém de uma atividade econômica

lucrativa. Ao exercer a atividade lucrativa, a empresa pode também desempenhar suas

ações no sentido de minimizar as desigualdades e resgatar o valor da dignidade dos

indivíduos, proporcionando melhores condições de vida. Nesse aspecto, estará

contribuindo com a sociedade e ao mesmo tempo gerando lucros.

A nova tendência das organizações empresariais é se distanciar cada vez mais do

individualismo e buscar a manifestação da sociedade, por meio de grandes parcerias: os

desenvolvimentos ético, cultural e econômico.

Para que seja demonstrada a origem da conceituação de Empresa como

organismo social, cabe pontuar a idéia original de Empresa proposto por Friedman, na

qual constituiu o núcleo da “teoria acionista” sob a idéia de que a missão essencial de

uma Empresa é dar lucros aos investidores. A “teoria acionista” de Friedman, conhecida

como “Stokholder theory” decorreu do conceito de propriedade privada vigente na época

do liberalismo clássico. Essa Teoria considerava que os gestores tinham apenas o dever

de atuar de acordo com os interesses dos acionistas. 16

15 RAGAZZI, Guillermo Enrique, Reflexiones em torno de la responsabilidad social empresaria in LLORENTE, Sara P.; BARREIRO, Marcelo G. (Coord.). Custiones Actuales de Derecho Empresário, Buenos Aires, Ed. Errepar S/A, 2005, p.401, tradução nossa (El análisis sobre RSE há recaído tradicionalmente sobre la sociedad comercial, asociando la noción de empresa como unidad organización que tiene por finalidad la producción o intercambio de bienes o de servicios o bien el despliegue de una actividad económica o lucrativa, satisfaciendo múltiples necesidades) .15 16 FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom. Chicago, Il: The University of Chicago Press, 1962, p.133.

24

Friedman foi o primeiro a discordar da teoria da Empresa como organismo social

responsável. Para ele, o papel social da Empresa deve-se restringir à geração de empregos

e ao pagamento de salários justos, e estar cumprida sua obrigação com o bem-estar

público.

No entendimento do autor, as Empresas não possuem responsabilidades no

âmbito social uma vez que possuem “personalidade artificial”, sendo os Empresários os

únicos capazes de assumir suas responsabilidades, não podendo a Empresa se

responsabilizar por ações e condutas que não foram praticadas por ela mas por pessoas

que a representam. 17

As discussões “das responsabilidades sociais do negócio” são notáveis para sua frouxidão e faltas analíticas do rigor. Que significa dizer que o “negócio” tem responsabilidades? Somente os povos podem ter responsabilidades. Uma corporação é uma pessoa artificial e neste sentido pode ter responsabilidades artificiais, mas o “negócio” ao todo não pode ser dito ter responsabilidades, mesmo neste sentido vago. A primeira etapa para a claridade em examinar a doutrina da responsabilidade social do negócio é perguntar precisamente o que implica para quem. 18

Sobre esse aspecto, o autor preleciona que os homens de negócios (empresários)

que desejam agir em prol do bem estar coletivo, não podem colocar em jogo os objetivos

e capitais da empresa.

É perceptível que a teoria de Friedman não condiz com a concepção atual do

direito de Empresa, uma vez que ela, organizada de capital e trabalho, tem não somente

no empresário, mas na Empresa em si, a responsabilidade dos resultados e riscos, e entre

suas finalidades essenciais estão a produção e distribuição de bens e serviços, a geração

de empregos, produção com qualidade e não apenas o enriquecimento gerado por meio

dos lucros. Esse é o cunho social ideal para as companhias privadas. 17 Ob. Cit., p.134. 18 FRIEDMAN, Milton, artigo “The Social responsibility of Business is to Increase its Profits, no jornal New York Times, em setembro de 1970”: tradução nossa (The discussions of the social responsibility of the “social responsibility of business, are notable for their analytical looseness and lack of rigor”. What does it mean to say that “business” hás responsibilitys? Only people can have responsibilities.A corporation is an artificial person and in this sense may have artificial responsibilities, but “business” as a whole cannot, be said to have responsibilities, even in this vague sense. The first step toward clarityin examining the doctrine of the social responsibility of business is to ask precisely what in implies for whom).

25

Ashley19 delimita exatamente as idéias de Friedman ao discorrer sobre o seu

entendimento acerca da responsabilidade social empresarial.

Friedman argumenta que a direção corporativa, como agente dos acionistas, não tem o direito de fazer nada que não atenda ao objetivo de maximização dos lucros, mantidos os limites da lei. O ponto central do argumento da função institucional está em que outras, como governo, igrejas, sindicatos e organizações sem fins lucrativos, existem para atuar sobre as funções necessárias ao cumprimento da responsabilidade social corporativa. Gerentes de grandes corporações não têm competência técnica, tempo ou mandato para tais atividades, que constituem uma tarifa sobre o lucro dos acionistas.

A visão economicista de Friedman atrela a empresa apenas ao fator econômico,

desconsiderando a sua responsabilização no aspecto social, já que os recursos

disponibilizados para essa finalidade advirão dos lucros de acionistas.

Esse fator desencadeia um contraste com a divergência de valores do

pensamento empresarial contemporâneo. A Empresa, como entidade jurídica de direito

privado, tem como fundamento a obtenção dos lucros sim, mas sobretudo o resgate dos

valores sociais como a igualdade, trabalho e dignidade humana, até como forma de

resgate de sua sobrevivência, visto que utiliza os recursos da própria sociedade onde está

inserida.

Para Carrol, o conceito de responsabilidade empresarial confirma a seguinte

presunção:

[...] o que é bom para a empresa é bom para a sociedade, reconhecendo-se, deste modo, a existência de uma inter-relação entre o bem público e o bem da empresa. Esta perspectiva pode originar uma visão alargada do conceito de responsabilidade social das empresas. 20

Essa visão do conceito de responsabilidade social seria a abertura das Empresas

para a convivência em sociedade, de forma a compartilhar as boas ações para que os

resultados sejam positivos para ambas as partes.

19 ASHLEY, Patrícia A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005, p.21. 20 CARROL, A.B. The Pyramid of Corporate Social Responsibility, p. 39-48 apud NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Porto: Ed. Vida Econômica, 2004, p.125.

26

A Empresa manifesta-se atualmente como uma instituição. A sociedade, por sua

vez, introduz as exigências e os fundamentos morais para que essas empresas possam se

estabelecer no espaço pretendido. A sociedade contemporânea expede uma espécie de

autorização de funcionamento e operabilidade de forma conduzida e assistida com a

finalidade de satisfazer as necessidades pessoais, sejam elas trabalhistas, ambientais ou

econômicas.

A sociedade é local onde os indivíduos estão inseridos na busca do atendimento

de todos. A sociedade é um grupo, uma organização de pessoas com características

comuns e que se manifestam por suas crenças, valores, cultura e tradição. De tal modo a

responsabilidade social de uma organização está na previsão de suas ações de forma a

realizá-las da melhor maneira possível, antecipando as conseqüências, em benefício de

todos os componentes inseridos nessa comunidade.

Essa mesma sociedade dita as regras básicas para organização e desenvolvimento

de uma atividade empresarial, quando por meio da conscientização e fiscalização, exige

dela cumprimento à legislação, a efetividade de condutas éticas, práticas sociais,

educacionais, trabalhistas e ambientais, fazendo, dessa forma, a interligação das ações

sociais recebidas e o retorno da confiabilidade e consumo.

A confiabilidade e o consumo responsáveis são os fatores essenciais para que

haja a interação entre Sociedade e Empresa, de forma a conduzir as melhores práticas aos

indivíduos, seja na diminuição das desigualdades, na redução da exclusão econômica e

social, seja na possibilidade de acesso a novas formas de trabalho, de conhecimento,

enfim, a criação de uma sociedade mais justa.

A partir da primeira abordagem sobre a manifestação empresarial na sociedade, é

importante o entendimento sobre a evolução e desenvolvimento da responsabilidade

social para que se entenda por que a Empresa atualmente é considerada o principal agente

de transformação social.

27

2 DESENVOLVIMENTO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

Diante da importância da manifestação da Empresa na sociedade, nota-se com

grande relevância o fator responsabilidade nos limites empresariais, uma vez que a

Empresa relaciona-se a priori com os indivíduos que compõem a sociedade. Em primeiro

plano é necessário entender a definição do termo “responsabilidade” e, posteriormente, o

termo “social”, que advém de “sociedade”.

A palavra responsabilidade tem sua origem etimológica no verbo latino

respondere, de spondeo, primitiva obrigação de natureza contratual do Direito Romano.

No entanto, a responsabilidade pode adquirir um significado sociológico no aspecto da

realidade social, porque decorre de fatos sociais, sendo nesse prisma a possibilidade de

prever os efeitos do próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal previsão.

Segundo Miranda, os julgamentos de responsabilidade são reflexos individuais,

psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de responsabilidade, e

complementa que, sob o ponto de vista jurídico, a idéia de responsabilidade já adota um

sentido obrigacional. 21

Nota-se que o termo responsabilidade é tão abrangente que se sobrepõe ao

sentido obrigacional da reparação pelo causador do dano. Já o termo “social”, advindo da

sociedade, significa “campo de relações intersubjetivas, ou seja, das relações humanas de

comunicação, englobando, portanto, a totalidade dos indivíduos entre os quais ocorrem

essas relações.” 22

É importante ressaltar a concepção dos conceitos responsabilidade e social para

melhor entendimento sobre a origem dos fundamentos que levaram as Empresas a buscar

o comportamento social e ético na contemporaneidade.

21 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1997, p.7. 22 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 89 e 98.

28

As primeiras manifestações sobre a responsabilidade social surgiram no início

do século XX, nos Estados Unidos da América, com o lançamento do livro “Social

Responsabilities of the Businessman” em 1953, de autoria de Bowem, considerado o

precursor da era moderna da responsabilidade social corporativa. Essa obra representou o

marco teórico sobre o conceito da responsabilidade social, em razão da extensão e

profundidade do tema. 23

A referida obra traz uma pesquisa com os empresários americanos sobre a

responsabilidade social-empresarial realizada pela revista “Fortune” em 1946, em que

foram questionados sobre quais as responsabilidades dos administradores ou proprietários

de empresas perante a sociedade. Esse livro, baseado na ética cristã e na realidade da

sociedade norte-americana da época, discute os limites da ação do homem de negócios

em relação aos problemas da sociedade em geral, analisando até que ponto os interesses

comerciais se fundem com os interesses da sociedade.

O resultado da pesquisa foi favorável ao pensamento de Bowem, já que 93,5%

dos executivos entrevistados reconheceram suas responsabilidades por suas ações. Esse

resultado positivo conduziu à primeira conceituação de responsabilidade social, como a

“obrigação do empresário de adotar políticas, tomar decisões e acompanhar linhas de ação

desejáveis, segundo os objetivos e valores da sociedade”. 24

O fundamento precípuo da responsabilidade social é a adoção de posturas

condizentes com os objetivos e valores da sociedade, levando-se em consideração que os

grandes negócios são centros vitais de força e tomada de decisões, e que de algum modo

essas ações interferem na vida das pessoas, não podendo, portanto, deixar de avaliar as

conseqüências de suas condutas diante da sociedade onde estão inseridos.

Quanto à obtenção desmedida de lucros, Bowem defendia que o interesse

econômico não podia sobrepor-se aos demais interesses da sociedade. No mais, as

práticas empresariais para obtenção de lucro deveriam ser lícitas e compatíveis com as 23 BOWEM, Howard R. Responsabilidades Sociais dos homens de negócios. Tradução de Octávio Alves Velho, Civilização Brasileira S/A: Rio de Janeiro, 1957. 24 Idem.

29

ações sociais exercidas, observando a garantia de condições favoráveis de trabalho aos

empregados, segurança nas operações, respeito ao consumidor, entre outros. Nesse

momento, o autor já resgata valores fundamentais no mundo empresarial, como a conduta

ética.

Bowem25 recebeu críticas substanciais a respeito dessa concepção primária de

responsabilidade social, principalmente do economista Friedman que discordou da teoria

sobre a empresa responsável, enfocando que a missão das empresas é somente a obtenção

de lucros, conforme já salientado anteriormente.

A obtenção do lucro na atividade econômica é certamente uma das metas mais

importantes das organizações empresariais. Porém, o que se verifica é uma mudança de

postura dos empresários levados por vários fatores mundiais que possivelmente

influenciaram no surgimento da responsabilidade social nas empresas.

A reorganização do capital gerou uma mudança no cenário econômico,

originando grande competitividade para o setor industrial. Também é relevante citar o

aumento das condições de pobreza e degradação ambiental, que favoreceu o

fortalecimento de movimentos sociais e o surgimento das Associações e Organizações

Não Governamentais.

Contudo, as profundas transformações do mundo contemporâneo provocaram a

incerteza e instabilidade como fatores ameaçadores das organizações empresariais,

desencadeando um processo de mudança quanto às condutas sociais desempenhadas por

elas.

O conceito de responsabilidade social, no entanto, começou a aparecer nas

sociedades como um apelo dirigido ao mundo empresarial, a fim de que os empresários

devolvam à sociedade onde vivem, na forma de investimento social privado (em saúde,

educação, assistência a crianças e idosos), uma parte dos lucros que obtém, a fim de

melhorar as condições de vida das pessoas. 25 BOWEM, Howard R. Responsabilidades Sociais dos homens de negócios. Tradução de Octávio Alves Velho, Civilização Brasileira S/A: Rio de Janeiro, 1957.

30

Para Ashley a responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa

contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade, ou seja, “é assumir as

obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei.” 26

Na concepção do Instituto Ethos, a Responsabilidade Social é a forma de gestão

que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os

quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o

desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais

para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das

desigualdades sociais. 27

Nesse passo, verificam-se a Empresa, a sociedade, os empregados, os

fornecedores, os acionistas; todos envolvidos em prol de uma melhor qualidade de vida.

Essa parceria é fundamental para o alcance dos objetivos de todos, principalmente para o

reconhecimento de direitos e cumprimento de deveres.

Na transição de parâmetros e concepções ditados pela atualidade, a

responsabilidade pelo desenvolvimento de um país e, portanto, pelo desenvolvimento de

suas localidades, não cabe apenas ao Estado, muito menos aos governos de qualquer

nível. É também responsabilidade das organizações empresariais promoverem o

desenvolvimento do local onde estão inseridas, considerando que todo desenvolvimento

tem cunho social.

Ainda nesse pensamento, Dunn expõe seu conceito sobre a importância da

responsabilidade social.

Ser socialmente responsável é um dos pilares de sustentação dos negócios, tão importante quanto à qualidade, à tecnologia e à capacidade de inovação. Quando a empresa é socialmente responsável, atrai os consumidores e aumenta o potencial de vendas, gerando maiores lucros para os acionistas. Além disso, também é hoje um sinal de reputação corporativa e da marca.28

26 ASHLEY, Patrícia A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005, p.08. 27 ETHOS, Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. Disponível em http://www.ethos.org.br, acesso em 12/06/2006. 28 DUNN, Robert. Quer uma vantagem competitiva? apud ASHLEY, Patrícia A.Ética e Responsabilidade Social nos negócios, Saraiva, 2005.

31

Evidencia-se a inter-relação existente entre a Empresa que contrai lucros em

razão da qualidade dos produtos oferecidos, de posturas éticas e responsáveis

estabelecidas, e a sociedade que aumenta o seu consumo em razão da confiança e respeito

gerados por essa Empresa. Portanto, os investimentos, técnicas e recursos empregados

para o alcance dos objetivos materiais (lucros) podem, concomitantemente, abranger a

solução de problemas sociais.

A relação existente entre Empresa-sociedade abrange vários atores e grupos de

interesse que fazem parte da rotina das organizações empresariais, seja a comunidade

atuando externamente seja os próprios empregados internamente, demonstrando de forma

clara que a Empresa não sobrevive sozinha, e, portanto sua liberdade termina quando

possa de maneira irresponsável, interferir negativamente na sociedade.

2.1 RELAÇÃO EMPRESA - STAKEHOLDERS

A Empresa responsável necessita da definição de objetivos e programas sociais

que integrem as condutas e comportamentos éticos nas suas rotinas diárias, uma vez que o

próprio mercado e a sociedade agem como fiscais do cumprimento das ações

empresariais.

Esses fiscais das ações empresariais são todas as pessoas que de alguma forma

possuem algum interesse na Empresa, e são chamados de “Stakeholders”. 29

Nunes entende que os danos causados pelas empresas aos “stakeholders” devem

ser minimizados por meio dos seguintes princípios éticos:

1. Princípios dos Direitos Empresariais - ao definir o futuro empresarial, a empresa e os seus gestores não podem violar os direitos de terceiros. 2. Princípio dos Efeitos Empresariais - responsabiliza a empresa e os

29 Stakeholders, termo em inglês amplamente utilizado para designar as partes interessadas, ou seja, qualquer indivíduo que possa afetar o negócio por meio de suas opiniões ou ações, ou ser por ela afetado: público interno, fornecedores, consumidores, comunidade, governo, acionistas, que de alguma forma possuem algum interesse particular na empresa.

32

seus gestores pelos efeitos das suas ações para com terceiros. 30

Os princípios representam a reciprocidade existente entre os indivíduos

envolvidos com a empresa. O princípio dos direitos empresariais trata da necessidade das

empresas de fazer antecipadamente a previsão do impacto que seus atos podem causar a

terceiros. O princípio dos efeitos empresariais já trata da conscientização que esses efeitos

possam resultar a terceiros, ou seja, os princípios representam a conduta de respeitar os

direitos e deveres das partes envolvidas nas relações empresariais.

Essa conciliação demonstra a postura empresarial frente aos seus stakeholders

originando um símbolo de postura ética do que efetivamente a empresa representa. A

empresa deve como requisito primordial de organização planejar seus interesses de forma

a não prejudicar terceiros. E da mesma forma, a sociedade pode cobrar e participar de

decisões que possam substancialmente afetar seu bem-estar.

Essa nova maneira de exercer a responsabilidade social introduzida nas

Empresas visa ao combate às desigualdades e valorização do trabalho pela via da

promoção da ética e desse modo, consegue evitar ou diminuir as práticas da

autopromoção descabida por meio de marketing em função dos objetivos delimitados pela

ética empresarial.

Cardoso traz em sua obra os níveis distintos em que se enquadram os princípios

fundamentais norteadores da responsabilidade social:

1. nível institucional: a sociedade atribui poder e legitimidade à empresa, mas essa atribuição pressupõe que a empresa os utiliza de forma socialmente responsável. 2. nível organizacional: a empresa é sempre responsável pelos efeitos, conseqüências e impactos, diretos e indiretos da sua atividade. 3. nível individual: a responsabilidade social assenta no princípio da responsabilização individual do gestor, isto é, a dimensão moral do gestor confere-lhe a responsabilidade de utilizar a discricionariedade de que dispõe nas escolhas e decisões que toma, de forma socialmente responsável, não aleijando essa responsabilidade a coberto de regras,

30 NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Ed. Vida Econômica: Portugal, 2004.

33

políticas ou procedimentos. 31

Os princípios fundamentais norteadores da responsabilidade, segundo o autor,

precisam necessariamente atender aos níveis fundamentais para se alcançar a efetividade

nas ações sociais perante a sociedade.

O nível institucional trata da constituição da empresa amparada em preceitos

legais, mas condicionada à realização de ações sociais responsáveis. O nível

organizacional se dá com a previsão e implementação de práticas coordenadas de modo

que a empresa possa prevenir os impactos de suas ações e ser responsabilizados por elas.

Por sua vez, o nível individual refere-se à responsabilidade do empresário nas diretrizes e

decisões que toma no ambiente empresarial.

O poder atribuído à empresa advém da sociedade em razão da segurança e

confiabilidade que ela impõe. Por sua vez, ela é a única responsável por suas ações e

efeitos, de forma que essa responsabilidade atinja individualmente o representante da

empresa, em razão de práticas imorais e antiéticas que venham a ser praticadas ou

decisões que tenham sido tomadas e que possam, de alguma forma, prejudicar a imagem

da empresa. O resgate da ética nas práticas negociais fortalecerá a imagem empresarial

perante a sociedade.

Nunes entende que a empresa deve reconciliar as suas obrigações econômicas (e

o cumprimento das normas legais) com suas pretensas obrigações com a sociedade (os

stakeholders). “É a conciliação, o equilíbrio entre a obtenção de lucros e as obrigações

sociais para com a comunidade”.32

É necessário que as empresas procurem a estratégia adequada para solucionar os

conflitos existentes que sejam de seus interesses, sem que para isso se sobreponham ao

interesses de terceiros.

31 CARDOSO, Carlos Cabral. Ética e Responsabilidade Social, in GOMES, Jorge F. S., REGO, Armênio. (coord) Comportamento Organizacional e Gestão. Lisboa, Editora RH, 2006. 32 NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Ed. Vida Econômica: Portugal, 2004, p.126.

34

Os princípios fundamentais norteadores para o alcance efetivo das ações

responsáveis está no respeito e consideração com seus stakeholders, na imposição de

direitos e na concessão de deveres, na ética condutora dos preceitos morais e na

efetividade da responsabilidade condutora das negociações empresariais conscientes.

Cabe salientar nesse prisma, o relacionamento entre a ética, o direito e a efetiva

responsabilidade social nas negociações empresariais e o que isso representa para a

sociedade.

2.2 ÉTICA, DIREITO E RESPONSABILIDADE

É de grande importância o resgate ético nas negociações empresariais como

forma de responsabilidade e cumprimento do direito. Atualmente, diante da forte

concorrência no mercado e da liberdade econômica proporcionada pela globalização,

torna-se imperioso manter os negócios distantes da mentira, roubo, suborno e outras ações

imorais.

Nesse passo, cabe aqui diferenciar os conceitos de ética e moral. O conceito de

ética advém do que venha a ser a moral dos indivíduos, é o ato de decidir com

consciência e honestidade como formato do comportamento humano. A moral faz parte

integrante da cultura social, de maneira que impõe normas de conduta para a sociedade.

Já a ética é o controle de qualidade dessa moral, o regimento o qual tem por objetivo a

reflexão crítica do ato moral.

Para Reale, a Ética é uma ciência normativa dos comportamentos humanos, não

apenas comportamentos valiosos, mas obrigatórios, estando, então, presente o sentido

imperativo da norma ética, a expressão do dever ser. 33

Nunes traz uma diferenciação precisa do seu entendimento sobre a ética e a

moral, conforme se verifica:

33 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p.393.

35

A moral indica, assim, as grandes linhas gerais de comportamento do cidadão, reguladas pela sua consciência e pela tendência para a concretização dos objectivos individuais. A ética, por seu turno, indica as razões filosóficas das decisões de acção, ou seja, é a ciência que estuda as regras de comportamento e a sua fundamentação. Em linguagem corrente, ou em sentido usual, usamos o termo “ética” quando nos referimos à reflexão filosófica que tem como objecto a análise e a fundamentação do comportamento ou agir humano. 34

A moral manifesta-se no comportamento humano, sob a influência da própria

consciência, da cultura e costumes da sociedade. Já a intenção da ética é a imposição de

regras, bem como a limitação desse comportamento do indivíduo na sociedade, por meio

da punição, do cumprimento de norma legal ou mera conscientização, da mesma forma

como age o direito.

No pensamento de Ihering, do mesmo modo, a Ética está relacionada à conduta

moral do indivíduo, ou seja, se o indivíduo é o sujeito final da moral, então a

inobservância das normas morais deve manifestar-se na dimensão do bem-estar, assim, a

sua observância evidencia-se em sua elevação. 35

O entendimento do autor é de que todo e qualquer indivíduo que reconhece sua

conduta imoral dentro de uma sociedade, acaba por elevar sua conduta ética, ao passo que

a capacidade de reconhecer o que venha a ser antiético, torna o indivíduo nobre, de

conduta elevada e consciente de suas ações, dos seus direitos, deveres e realizações no

contexto social onde está inserido.

Vázquez entende que a moral se refere ao comportamento adquirido ou modo de

ser conquistado pelo ser humano, todavia a ética significa “caráter” enquanto forma de

vida também adquirida e conquistada pelo ser humano. Desse modo, expõe seu conceito

sobre a moral:

A moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual

34 NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Ed. Vida Econômica: Portugal, 2004, p.22. 35 IHERING, Rudolf Von. A finalidade do Direito. Tomo II, 1. ed., Trad. de Helder K Hoffmann. Campinas: Bookseller, 2002, p.93-94.

36

são regulamentadas as relações mútuas entre indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal. 36

O autor enfatiza que o ato moral é voluntário, mas acaba por fazer parte de um

contexto normativo (código moral) que vigora em determinada sociedade e acaba por dar-

lhe sentido. Sendo contexto normativo, argumenta que existe evolução moral todas as

vezes que processe mudanças históricas que fazem os indivíduos pensarem e agirem com

mais responsabilidade e com mais liberdade.37

Os preceitos morais evoluem conforme evolui a sociedade; o que é correto hoje,

pode não ser mais usual amanhã, e o indivíduo deve ser livre para acompanhar as

mudanças. Uma vez adaptado às normas atuais, acaba por elevar sua conduta ética e

valorizar as ações que não tinham valor anteriormente, da mesma forma acontece com as

empresas que atualmente adotaram uma nova concepção na forma de administrar os

negócios, acompanhando as mudanças e anseios da sociedade.

Após a análise geral sobre a ética e a moral, cabe agora pontuar a ética no âmbito

empresarial, sendo o foco da análise deste estudo.

A ética empresarial centra-se na concepção de Empresa enquanto organização

econômica e instituição social, ou seja, um tipo de organização que desenvolve uma

atividade que lhe é peculiar e da qual resulta a função que deverá exercer perante a

sociedade, e a direção que deve seguir para tomada de decisões.

A importância da ética no contexto empresarial vem manifesta amplamente no

ordenamento jurídico brasileiro, tendo respaldo na Constituição Federal no capítulo da

Ordem Econômica e Financeira, estampados no capítulo I, do título VII, com os

princípios éticos que norteiam a atividade empresarial, como a valorização do trabalho

36 VÁSQUEZ, Sánchez A. Ética. 24. ed. Trad. João Dell’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.84. 37 Ob.Cit.

37

humano e da livre iniciativa à repressão ao abuso do poder econômico, o incentivo à livre

concorrência e a atuação do Estado na iniciativa privada, e ainda, no § 4º, do art. 173,

estão estabelecidas as práticas irregulares que devem ser evitadas na exploração da

atividade econômica, exatamente por ferir a ética empresarial. 38

A legislação constitucional prevê a possibilidade do acompanhamento mais

rigoroso das práticas empresariais no tocante à ética negocial, permitindo que os órgãos

de fiscalização e a própria sociedade adotem medidas judiciais necessárias para coibir os

abusos cometidos pelas empresas.

Embora a legislação constitucional traga essa previsão, alguns abusos cometidos

no interior das empresas não possuem o amparo legal, necessário se faz, então, estruturar

uma grande empresa em preceitos éticos e morais como base de sustentação das ações

responsáveis, uma vez que os comportamentos não-éticos no interior de uma organização

merecem um controle interno, que possam gerar custos elevados para as empresas e

conseqüentemente prejuízo à sociedade.

A importância do reconhecimento da ética no ambiente interno e externo das

empresas atualmente é fator habitual. Muitos administradores estão reexaminando

inclusive o comportamento ético dos indivíduos que compõem a empresa por entenderem

que a ética está relacionada à ação prática individual dos homens, podendo refletir tais

ações na sociedade.

As relações éticas facilitam e solidificam os laços de parceria empresarial de

forma interna com empregados ou com os sócios, e de forma externa com os

consumidores, clientes e toda a sociedade, de modo que as ações éticas acabam ocorrendo

em função do respeito que um agente ético gera em seus parceiros.

Incluem-se nas ações éticas empresariais o fator responsabilidade como sendo o

termo mais importante deste contexto, pois não basta o cumprimento dos deveres, é

necessário o cumprimento dos deveres com responsabilidade, isto é, a empresa que age 38 BRASIL. Constituição (1988), São Paulo, Saraiva, 2005.

38

com princípios éticos faz a previsão da conseqüência dos seus atos muito antes de colocá-

los em prática, de forma a prevenir os riscos e não trazer prejuízos para si ou para a

sociedade.

Weber traz estas considerações, explicadas por meio de duas teorias, a Ética da

Convicção, entendida como deontologia (estudo dos deveres) e a Ética da

Responsabilidade, conhecida como teleologia (estudo dos fins humanos), expondo

algumas considerações:

[...] toda a atividade orientada segundo a ética pode ser subordinada a duas máximas inteiramente diversas e irredutivelmente opostas. Pode orientar-se segundo a ética da responsabilidade ou segundo a ética da convicção. Isso não quer dizer que a ética da convicção equivalha à ausência de responsabilidade, e a ética da responsabilidade a ausência de convicção. Não se trata disso, evidentemente. Não obstante, há oposição profunda entre a atitude de quem se conforma às máximas da ética da convicção – diríamos, em linguagem religiosa, “O cristão cumpre com seu dever e, quanto aos resultados da ação, confia em Deus” – e a atitude de quem se orienta pela ética da responsabilidade, que diz: “Devemos responder pelas previsíveis conseqüências de nossos atos.” 39

Verifica-se, no pensamento de Weber, a existência de um confronto de idéias

entre tradição e modernidade. Enquanto a ética da convicção tem seus fundamentos nas

tradições passadas e internalizadas pelo indivíduo, não se preocupa com o resultado das

ações. Já a ética da responsabilidade faz com que o indivíduo repense em suas decisões,

não deixando aos outros a responsabilidade futura de seus atos.

A teoria da responsabilidade de Weber conceitua e respalda a concepção da

Ética empresarial, de modo a efetivar as decisões negociais com maturidade e

consciência, e assumir suas responsabilidades perante a sociedade. A Ética apoiada na

convicção não é adequada para os tomadores de decisão das grandes empresas, que

precisam se reposicionar diante dos seus atos, uma vez que estes terão implicações

externas e abrangerão toda coletividade.

Nesse prisma, importante ressaltar a significação da ética ambiental no ambiente

39 WEBER, Max. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.114.

39

empresarial, sendo esta a conduta de comportamento do ser humano na natureza cuja base

primordial está na própria conscientização ambiental e no compromisso da preservação da

natureza.

Deve-se ter em conta que optar pela ética ambiental no ambiente empresarial é

caminhar pela mão contrária aos interesses econômicos, fator preponderante dentro de

uma sociedade neocapitalista, levando-se em consideração a fácil tendência de utilização

de matéria prima da natureza de forma indiscriminada.

Daí a necessidade da conscientização e mudança de paradigmas ético-

empresariais, de modo que deverão cumprir não apenas as obrigações legais, mas morais

e éticas, posicionando o empreendedor frente à natureza, refletindo em ações que darão

resultados positivos.

Considerando o meio ambiente como um direito fundamental, preconizado pela

Constituição Federal, é importante lembrar que ele é também um dever fundamental, ou

seja, ao mesmo tempo que proporciona liberdade, exige-se a responsabilidade.

Diante desse posicionamento, cabe agora fazer a relação entre a ética e o direito,

e atentar para a significativa comparação nas relações empresariais e sociedade,

reforçando o conceito de que a ética é uma conduta oriunda do comportamento humano, é

a teoria do comportamento moral do homem em sociedade, enquanto o direito é uma

conduta oriunda de preceitos legais impostos à sociedade. 40

Uma diferença significativa entre as normas morais e o direito está na

interioridade da moral e na exterioridade do direito. O indivíduo interioriza as normas

morais e conscientiza-se de que as deve cumprir. Ao passo que no direito, o indivíduo

não interioriza a norma legal, apenas a cumpre de forma exteriorizada ainda que não

40 NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Vida Econômica, Portugal, 2004, p.27.

40

esteja convencido de que é justa. 41

Isso demonstra que o cumprimento das normas morais não é garantido por regra

coercitiva advinda da vontade, o cumprimento é exigido pela simples consciência do

indivíduo. O direito, ao contrário, exige tal dispositivo legal, e impõe a observância da

regra jurídica e a obrigação de comportar-se independentemente da vontade.

Portanto, pode-se afirmar que, quando um indivíduo ou um grupo de indivíduos

regulam as suas relações, não sob a ameaça de uma pena ou coação, mas pela íntima

convicção da sua consciência de que está agindo corretamente, essas ações demonstram

um elevado comportamento moral e o crescimento e maturidade desses indivíduos no

âmbito social.

Diz-se no âmbito social porque as ações moralmente corretas advêm de uma

determinada sociedade, não é o indivíduo que altera as regras do fazer ou não fazer. A

própria sociedade onde está inserido é que impõe as regras morais que devem ser

seguidas. Nesse passo, “o indivíduo decide e age no âmbito de uma obrigatoriedade

socialmente dada.” 42

Esse alcance da norma ética nas sociedades, como conduta moral respeitada,

manifesta-se com força e poder de conquistar espaços inimagináveis, quando revestida de

uma maior valoração do que as normas jurídicas. Nesse entendimento, Nunes explica que,

embora a norma ética não implique sanção pelo descumprimento, ainda assim representa

maior efetividade no seu cumprimento.

A diferença entre ética e o direito resulta do facto de que o cumprimento da norma jurídica é imposto por coacção, podendo ser considerado como uma forma de sanção, entre outras possíveis, para o indivíduo. Enquanto face ao incumprimento de uma norma moral temos o surgimento de um sentimento de culpa perante a sua própria consciência. Então, apesar de não haver sanções legais para o não cumprimento das regras morais, a força que elas contêm faz com que

41 VÀSQUEZ. Adolfo S. Ética. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2001, p.98. 42 VÀSQUEZ. Adolfo S. Ética. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2001, p.184.

41

sejam obedecidas para além da norma jurídica. 43

O fato de o direito ser imposto por coação como forma de sanção não representa

tanta força como o descumprimento dos preceitos éticos, por serem oriundos da própria

consciência humana, que dita as regras de conduta moral para viver em sociedade.

Considerando o Direito e a Ética como normas de conduta, é evidente que em

uma sociedade possam existir leis que agradam e amparam alguns indivíduos e

desagradam a outros, criando uma situação de conflito. Nesse caso, é necessário que

existam as regras morais básicas cumpridas pelos indivíduos para que se chegue ao

equilíbrio e à sua satisfação. Da mesma forma deve agir a empresa, atendendo aos

preceitos legais e incorporando uma conduta ética, moralmente aceita perante a

sociedade.

Para Cardoso o entendimento é que não há necessidade de se padronizarem

regras morais básicas de conduta para se alcançar a eticidade de uma organização

empresarial, quando a própria sociedade se incumbe de fiscalizar e julgar o seu

comportamento. Nesse sentido, só a pressão social pode contribuir para que o mundo dos

negócios se torne mais virtuoso. As crescentes expectativas da opinião pública na

moralização dos negócios acabam por conduzir a um reforço do empenhamento moral

dos gestores. 44

Os comportamentos não éticos das empresas como o alto índice de corrupção,

práticas imorais ou o descumprimento das obrigações fiscais, geram no mercado

consumidor uma situação negativa. A Empresa deve agir com a ética da legalidade ao

pagar seus impostos e seguir as determinações legais, considerado o “mínimo ético”

possível em uma organização empresarial.

Em 2001, fraudes contábeis foram descobertas na Empresa americana do setor

43 NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Vida Econômica, Portugal, 2004, p.28. 44 CARDOSO, Carlos Cabral. Ética e Responsabilidade Social, in GOMES, Jorge F. S., REGO, Armênio. (coord.) Comportamento Organizacional e Gestão. Lisboa, Editora RH, 2006, p.15.

42

energético “Enron”, quando executivos maquiavam balanços da empresa para desviar

centenas de milhões de dólares. Mais recentemente, empresários da alemã Volkswagem

pediram demissão depois da descoberta de um dos maiores escândalos corporativos da

Europa, também envolvendo desvios de dinheiro. 45

A integridade e honestidade são fatores de grande importância para a imagem

organizacional. O envolvimento com fraudes e atos de corrupção abala consideravelmente

a postura sólida à sociedade.

Nunes, ao tratar do tema corrupção e suborno, classifica um comportamento

como corrupto, quando uma pessoa que ocupa determinado cargo numa empresa, procura

por meio desta situação privilegiada, obter um benefício ilegítimo para si próprio, para

determinado grupo, ou para a própria empresa. 46

Quanto ao suborno, entende a autora que se trata de um aliciamento de

influências para exercer indevidamente suas funções e ignorar regulamentos de

segurança, atenuar condições fiscais e dar um tratamento preferencial em troca de algum

tipo de compensação. 47

Para lidar com essas situações e não cair em descrédito perante o mercado, as

empresas buscam alternativas que, se não resolverem por completo, pelo menos

amenizem a condução das práticas empresariais. Essas alternativas são as espécies de

controle interno das empresas, nomeadamente os Códigos de Ética e a Auditoria Social.

Cabe pontuar a prerrogativa de se optar pelo controle externo coercitivo por meio da

aplicação das normas jurídicas, se for o caso.

Muitas empresas atualmente já vêm adotando os códigos de conduta que servem

45 EXAME. Revista. Matéria: O custo da corrupção. Disponível em http//: www.portalexame.abril.com.br, acesso em 16/05/2007. 46 NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Vida Econômica, Portugal, 2004, p.144. 47 Ob. Cit p.145.

43

de orientação de comportamentos. Esses códigos, mais conhecidos como “Códigos de

Ética” são declarações de princípios que permitem mecanismos de controle para ajudar a

regulação interna das empresas, devem conter regras explícitas para as tomadas de

decisões nos casos concretos. 48

A conduta ética ou moral é relativa a cada ambiente cultural. Depende da cultura

e dos costumes de cada local. Não há meio de generalizar regras e condutas se o

entendimento de uma sociedade é diverso da outra. O que é ilícito numa sociedade pode

não ser para outra. Contudo, as condutas éticas praticadas numa sociedade, por meio de

hábitos e costumes, podem representar um regramento mais efetivo do que o próprio

regramento jurídico.

As empresas que buscam a implementação das práticas sociais devem ter uma

postura de autêntica responsabilidade no que tange ao seguimento das regras de conduta,

pois deverão ser adaptadas às regras morais e éticas da sociedade onde estão inseridas,

uma vez que os Códigos de Ética ou de Conduta são as normas legais de cumprimento

efetivo que regulamentam tais ações.

Os referidos Códigos poderão abranger inclusive o Sistema Contábil e

Financeiro da Empresa, estruturados de forma a permitir a pesquisa e identificação de

operações irregulares, bem como poderá incluir orientações sobre a Ouvidoria, onde serão

elaboradas análises imparciais sobre determinado problema e encaminhado ao

departamento competente para resolução da pendência, de forma eficaz e precisa.

Os Códigos de Ética poderão detalhar para cada relacionamento da empresa

quais os princípios que deverão ser seguidos na prática diária e que tornarão referência

para as ações empresariais. Estas normas estabelecidas para o trabalho se traduzem em

um Regimento ou Código de Regulação, e a possibilidade de ser aceito no ambiente

empresarial ficará atrelada à sustentação dos princípios éticos.

48 Ob. Cit. P..29.

44

Segundo Fernandez, os princípios éticos estruturais de um Código de Ética

empresarial são: “a legalidade, o profissionalismo, a confidencialidade, a fidelidade, as

responsabilidades concretas, a boa-fé, a ausência de conflito de interesses e o respeito

integral pelas pessoas”.49

O Princípio da Legalidade é fundamental para manter a ordem, uma vez que

regula o comportamento dos indivíduos. Constitui o mínimo que a pauta de convivência

social deve observar para que haja uma convivência pacífica, segura e harmoniosa, de

maneira que se consubstancie como um dos princípios gerais do Direito.

O Princípio do Profissionalismo está ligado ao desempenho dos empregados da

empresa e dos gestores. Busca, em primeiro lugar, o aprimoramento de conhecimentos

para maior rendimento das funções e maior eficiência. A cooperação é fundamental,

inclusive, com atuação em outros setores diferentes.

Ser profissional é estar sempre preparado para receber e dar informações para as

pessoas, com a responsabilidade suficiente para que essas informações sejam verdadeiras,

precisas, necessárias, completas e oportunas. O bom profissional também deve conhecer e

cumprir as normas legais e éticas e estar atento para a prevenção de riscos. Desse modo,

estará contribuindo para o bem-estar de todos à sua volta.

O Princípio da Fidelidade está intimamente relacionado com o Princípio da

contabilidade; buscam a clareza e veracidade de todos os atos econômicos da empresa,

sobre todas as mutações sobre o patrimônio, de forma a captar as informações pela

contabilidade, considerá-las nos balanços sociais e demonstrar os resultados.

Do mesmo modo está o Princípio da Confidencialidade com respeito ao sigilo

profissional. Tem o objetivo de preservar a intimidade sobre questões pessoais ou

profissionais. A preservação do sigilo de dados sobre certas transações comerciais é um

fator importantíssimo para as empresas, quando do jogo da competição e concorrência 49 FERNANDEZ, J.L.F., Ética para empresarios y directivos, apud Nunes, Cristina Brandão. Ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Porto: Vida Econômica, 2004, p.158.

45

pelos mercados afora.

O Princípio da Boa-fé diz respeito à intenção dos indivíduos nas ações

empresariais de forma verdadeira para que as ações sejam confirmadas e convalidadas. A

boa-fé objetiva é concebida como regra de conduta fundada na honestidade, lealdade e no

princípio da consideração e do respeito.

Este último, o Princípio do respeito, age livremente em função de um plano

próprio e tem algumas características que o compõem como a privacidade, veracidade e

autonomia.

Cabe salientar que esse regulamento é estritamente interno, embora dependendo

das ações praticadas, que podem ser aplicadas às normas jurídicas convencionais,

conforme já exemplificado anteriormente. Apesar de o Código de Ética ser peculiar a uma

empresa específica, com características pessoais e internas, estas devem ser aceitas em

nível nacional para que possam ter credibilidade e servir de modelo para outras empresas.

Em pesquisa detalhada em alguns Códigos de Ética de empresas nacionais e

estrangeiras, verificou-se primordialmente um regramento de condutas fortalecido pela

inclusão dos princípios citados, uma fonte de orientação fundamental para a condução dos

negócios empresariais. Contudo, os Códigos de Ética permitem promover o

relacionamento da empresa com a sociedade, refletindo a sua conduta social de acordo

com as regras básicas de cidadania, com uma gestão eficiente, com respeito aos

stakeholders, com qualidade dos produtos e com respeito aos direitos fundamentais dos

indivíduos. 50

Cabe pontuar que a adoção por um código de ética empresarial não significa

simplesmente escrever uma série de tópicos como se fossem ordens ou mandamentos aos

empregados. As suas palavras terão de refletir os valores realmente praticados para que

sejam interiorizados em todos os níveis da organização. 50 Código de Ética da Microsoft, Código de Ética da Ericson, Código de Ética Da Empresa Votorantim, Disponíveis nos sites relacionados, acesso em 12/01/2007.

46

Para moldar e efetivar os comportamentos e atitudes, é necessário que a empresa

promova o diálogo sobre as questões éticas, além de acompanhar, avaliar, cobrar,

recompensar e estimular. Mais do que isso, é necessário entender que a organização é

apenas um subsistema dentro da sociedade, e que a cultura organizacional também é parte

da própria cultura da sociedade que a cerca.

Quanto às Auditorias sociais ou éticas, como são chamadas atualmente, analisa a

empresa como um todo, inclusive a análise do envolvimento da empresa com a sociedade,

a oportunidade de empregos que ela oferece, a obediência à lei e outras normas de

conduta, a segurança no trabalho, a preservação do meio ambiente, a qualidade e

segurança dos produtos e serviços. 51

Embora acarretem um acréscimo de custo e apresentem divergências conceituais

em alguns casos, as Auditorias éticas vêm sendo reconhecidas e aceitas pelas

organizações empresariais como instrumento sério, com credibilidade e eficácia,

principalmente quando se atrelam à exigência do cumprimento obrigatório do Código de

Ética. Os dois instrumentos juntos conduzem à regulação dos comportamentos.

Essa regulação dos comportamentos empresariais, além de preceito normativo, é

o espelho de boa conduta refletida em toda sociedade, ao passo que o direito busca

estabelecer o regramento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado.

A empresa responsável poderá alcançar a sua viabilidade econômico-financeira

evitando as práticas fraudulentas e antiéticas com a introdução dos regulamentos internos,

como meio de conduzir as negociações empresariais com respeito e liberdade econômica.

Da mesma forma, a responsabilidade empresarial deverá alcançar os anseios de

toda uma sociedade na tomada de decisões, implementando princípios que possam

estabelecer normas de boa convivência, maior produtividade, eficácia nos serviços,

qualidade no atendimento e preocupação com os direitos do indivíduo, tanto internamente 51 NUNES, Cristina Brandão. A ética empresarial e os fundos socialmente responsáveis. Vida Econômica, Porto, 2004, p.162.

47

como externamente.

A responsabilidade empresarial efetiva e legítima consolida-se justamente na

fusão da ética com o direito, tanto do cumprimento dos preceitos legais e da condução

empresarial embasada nos preceitos éticos e morais, como uma carta de valores e

princípios dispostos ao resgate da cidadania.

48

3 A RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO REQUISITO DA FUNÇÃO SOCIAL

DA EMPRESA

Ao pensar em Responsabilidade Social, é importante destacar de onde surgiu o

Instituto, e em que contexto ele está inserido. Na verdade, a responsabilidade é um dos

requisitos da função social, que está amplamente positivada na Constituição Federal.

Reconhece-se originariamente o termo “função social” no período medieval, por

meio de escritos da Igreja Católica que consagraram o Princípio da Função Social da

Propriedade em razão da publicação da “Encíclica Rerum Novarum” na qual visava,

sobretudo, à distribuição de riquezas entre os homens e reafirmava o direito de

propriedade como direito natural do homem e com vistas ao interesse da dignidade da

pessoa humana. 52

A “Encíclica Rerum Novarum”, editada pelo Papa Leão XIII, em maio de 1891,

pregava o caráter natural do direito de propriedade, sem se negar, todavia, a necessidade

do cumprimento de sua função social. Essa ideologia, partindo do maior poder político da

época, a Igreja, causou grande repercussão e aceitação, dando impulso a inúmeras

reformas e influenciando nas diretrizes dos diversos ordenamentos jurídicos posteriores. 53

Em um período posterior, quem inovou o tema com uma perspectiva mais

racionalista foi Duguit, que tinha em sua “Teoria da Função Social” a propriedade como

direito absoluto. 54

Em 1911, Duguit foi o primeiro a combater a concepção da propriedade como

um direito absoluto. Defendia, em suas aulas e palestras, a questão da propriedade privada

como um dever, não como direito subjetivo.

52 VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao Direito à Reforma Agrária. Editora de Direito Ltda: São Paulo, 1997. 53 Ob. Cit. 54 DUGUIT, Leon. Las Transformaciones Del Derecho (Publico Y Privado). Editorial Heliasta S.R.L. Buenos Aires.

49

Para Duguit todo o indivíduo tem a obrigação de cumprir, na sociedade, certa

função em razão direta do lugar que nela ocupa. Por conseguinte, o possuidor da riqueza,

pelo fato de possuí-la, pode realizar certo trabalho que somente ele pode cumprir. Só ele

pode aumentar a riqueza geral e assegurar a satisfação das necessidades gerais, ao fazer

valer o capital que possui. Está, pois, obrigado socialmente a cumprir essa tarefa, e só no

caso de a cumprir, será socialmente protegido. A propriedade não é um direito subjetivo

do proprietário. É a função social do possuidor da riqueza. 55

É importante destacar esta passagem da palestra de Duguit sobre o tema:

Porém, todo indivíduo tem na sociedade uma certa função a desempenhar, uma certa tarefa a executar. Não pode deixar de cumprir esta função, de executar esta tarefa, porque da sua abstenção resultaria numa desordem, e quando menos, prejuízo social. Por outro lado, todos os atos que se realizam contrários à função que lhe incumbe serão socialmente reprimidos. Mas, pelo contrário, todos os atos que se realizam para cumprir aquela missão que lhe corresponde em razão do lugar que ocupa na sociedade, serão socialmente protegidos e garantidos. Se ao se observar e se analisar, se comprova que, qualquer que seja o grau de civilização de um povo, a solidariedade e interdependência social está constituida pelos elementos que se encontram sempre em graus diferentes, com formas variáveis, misturados uns nos outros, mas que apresentam sempre características essenciais idênticas, em todos os tempos e em todos os povos. Esses dois elementos são: as semelhanças e as necessidades dos homens que pertencem à um mesmo grupo social; e em segundo lugar, a diversidade das necessidades e das atitudes dos homens que pertencem a esse mesmo grupo. 56

A noção de propriedade dada pelo autor é fazer com que o sujeito exerça a 55 Ob. Cit. 56 DUGUIT, Leon. Las Transformaciones Del Derecho (Publico Y Privado). Editorial Heliasta S.R.L. Buenos Aires. (tradução nossa) (Pero todo individuo tiene em la sociedad uma cierta función que llenar, uma cierta tarea que ejecutar. No puede dejar de cumplir esta función, de ejacutar esta tarea, porque de su abstención resultaria um desorden o cuando menos um perjuicio social. Por outra parte, todos los actos que realizase contrários a la función que lê incumbe serán socialmente reprimidos. Pero, pó el contrario, todos los actos que realice para cumplir la misión aquella que le corresponde em razón del lugar que ocupa em la sociedad, serán socialmente protegidos y garantidos. Si se lê observa y e se lê analiza se comprueba que, cualquiera que sea el grado de civilización de um pueblo, la solidariedad o interdependência social esta constituída pó dos elementos que se encuentram siempre em grados diversos, com formas variables, entremezclados unos com otros, pero que presentan siempre caracteres esenciales idênticos, em todos los tiempos y en todos los pueblos. Esos dos elementos son: lãs semejanzas de lãs necessidades de los hombres que pertenecen a um mismo grupo social; y em segundo lugar, la diversidad de lãs necessidades y de las aptitudes de los hombres que pertenoceu a esse miesmo grupo).

50

função social de sua propriedade de maneira a gerar benefícios pessoais e para sua

família, e não apenas como objetivo único de acúmulo de riquezas e obtenção de lucros

pessoais. No mais, todo indivíduo tem o dever de desempenhar uma função perante a

sociedade, sendo uma função diferenciada de acordo com o lugar que ocupa.

A ausência dessa funcionalização resultaria em total desordem, quando a sua

efetividade está socialmente protegida e garantida nas relações entre os indivíduos nas

sociedades. Desse modo, verifica-se que Duguit teve grande contribuição para o direito de

propriedade ao conseguir de forma clara e simples demonstrar, em seus escritos, que a

propriedade já é em si uma função social.

A previsão constitucional dos ideais de Duguit fortaleceram-se na Constituição

Federal de 1891, onde já se garantia a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos

cidadãos e estendia esses direitos ao de propriedade.

A Constituição de 1934 com um pequeno avanço, limitou o direito de

propriedade, pois deveria cumprir-se sua finalidade social, embora sem prejudicar o

direito subjetivo de seu titular.

Apesar dessas restrições, a referida legislação foi considerada a precursora na

introdução da defesa dos direitos sociais, com inovações no capítulo dedicado aos

aspectos econômicos e à previsão da intervenção do Estado no domínio econômico,

impondo limitações na atuação do setor privado, visando desta forma à garantia dos

direitos coletivos.

Houve um retrocesso no âmbito social quando da promulgação da Constituição

Federal de 1937, uma vez que trazia apenas uma exceção para a possibilidade de

desapropriação, e efetivação do direito de propriedade, por motivo de utilidade púbica ou

de interesse social e ainda com prévia indenização. Da mesma forma, a Constituição

Federal de 1946 manteve essa possibilidade, mas acrescentou a exigência de proceder ao

pagamento de indenização prévia.

A Constituição Federal de 1967, enfim, já contemplou o Princípio da Função

51

Social da Propriedade como fator de grande importância, trazendo no seu Artigo 157 a

primeira afirmação de que a ordem econômica destina-se à realização da justiça social. 57

Todavia, a Constituição Federal de 1988 inovou ao assegurar a propriedade

como um direito inviolável e essencial ao homem, como o direito à vida, à liberdade, à

igualdade e à segurança pessoal, reconhecendo pela primeira vez uma postura social no

que concerne o uso da propriedade, quando no seu Artigo 5º, com o título “Direitos e

Garantias Fundamentais”, contemplou a garantia do direito de propriedade se atendida

sua função social. 58

Dos direitos e deveres individuais e coletivos Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. 59

O direito de propriedade individual foi alçado à categoria de direito fundamental,

de sorte que a propriedade é reconhecida como extensão da personalidade do proprietário

sobre a coisa.

A Constituição Federal garante o direito subjetivo do proprietário sobre o

imóvel, no entanto, condiciona essa garantia, apenas na hipótese dela (propriedade)

cumprir uma função social. Enfim, o proprietário tem o dever de empregar a propriedade

numa destinação social. Desse modo, o que era um direito absoluto sobre a propriedade

passou a ser um dever e predomina a finalidade social sobre o interesse individual.

Sobre a função social da propriedade, bem salienta José Afonso da Silva60:

(...) como um princípio informador da Constituição econômica brasileira com o fim de assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames

57 PAUPÈRIO, A. Machado. Teoria Geral do Estado. 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1971 58 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de .967, com a Emenda I de 1969, 2. ed., São Paulo, RT, 1972. 59 BRASIL. Constituição (1988). 60 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p.98.

52

da justiça social (artigo 170, II e III), a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, princípio também da ordem econômica, e portanto, sujeita, só por si, ao cumprimento daquele fim...

O entendimento do autor sobre o tema se concretiza-se a partir do conceito de

propriedade sem limites ou regras, interpretada de forma ampla e abrangente que se

consubstancia em direito, destinado a um dever: o de cumprir sua função social.

Ainda nesse raciocínio, Silva complementa que é possível admitir que a função

social da propriedade consista precisamente na sua aplicação imediata e direta na

satisfação das necessidades humanas primárias, o que vale dizer que se destinam à

manutenção da vida humana. 61

O homem tem o dever de cuidar de si, mas deve ter o compromisso de cuidar da

sociedade em um processo contínuo de interação, para que ocorra a satisfação de

interesses e necessidades de todos os indivíduos dessa sociedade. A esse respeito Comte

preleciona: (...) “Tudo em nós pertence, portanto à Humanidade, porque tudo nos vem de

lá: vida, fortuna, talento, instrução, ternura, energia, etc”. (...). 62

Ainda sobre o tema, Orrutea confirma:

Não se pode negar a imensa importância dada à função social da propriedade dentro da sistemática constitucional de 1.988, uma vez que tal princípio foi previsto no Artigo 5º do texto, o que implica dizer que faz parte do rol de Direitos e Garantias Individuais. Em última análise, é cláusula pétrea expressa, fazendo parte do núcleo duro imutável da Constituição de 1.988. O conceito de propriedade, hoje tem como pressuposto e pré-requisito o princípio da função social. O primeiro já não existe mais sem o segundo. 63

É impossível que se viva em sociedade a partir de interesses individualistas que

se sobreponham às necessidades da coletividade, por isso a função social deve ser

assimilada sempre como fundamental ao direito de propriedade, como um direito

61 Ob. Cit. 62 COMTE, Augusto. Catecismo Positivista, Décima Conferência - Regime Privado. Trad. Miguel Lemos. São Paulo: Vitor Civita, 1983, p. 267. 63 ORRUTEA, Rogério Moreira. Da propriedade e a sua função social no Direito Constitucional Moderno. Londrina: Editora UEL, 1998, p.273.

53

indisponível e que deve ser preservado pela sociedade.

Dessa forma, a propriedade cumpre sua função social quando almeja o alcance

de todos com o intuito de construir uma sociedade mais justa, equilibrada, sem pobreza e

desigualdade.

Nesse contexto, e por analogia, é que podemos pensar numa verdadeira função

social da empresa que ganha nova interpretação, quando se verifica o poder-dever do

proprietário visando ações e produção de bens, compatíveis com o interesse geral e

coletivo, de forma a dar uma finalidade a eles.

Portanto, uma propriedade improdutiva ou uma empresa improdutiva, que não

proporciona empregos, não paga impostos, que não gera segurança e bem-estar aos

indivíduos e não se importa com as necessidades coletivas, não cumpre sua função na

sociedade. A Empresa depende de um contexto social para justificar sua existência.

Para Comparato, Função, em Direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica

alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. 64

No contexto empresarial, a função social da propriedade não se confunde com as

restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios, pois, quando se fala em bens de

produção de uma empresa, estes terão de satisfazer os interesses coletivos. A empresa

atua, não apenas para atender aos interesses dos sócios, mas de toda a coletividade,

consumidores e empregados.

A mudança de concepção do direito de propriedade deve-se ao fato da inovação

do princípio da função social da empresa, impondo-lhe novo conceito e amparado pelas

normas disciplinadoras da Constituição Federal.

Mais recentemente, cabe salientar que o Código Civil de 2002 inovou sob o

prisma do direito de propriedade, mudou a feição jurídica das empresas, transferiu a

64 COMPARATO, Fabio Konder, Direito Empresarial: estudos e pareceres, São Paulo: Saraiva, 1990.

54

entidade comercial para entidade empresarial com aspecto mais amplo e compromissos

sociais, resgatou alguns valores fundamentais como a eticidade, a função social do

contrato, a boa-fé nos negócios jurídicos, enfim, a função social da Empresa.

No raciocínio de Ferreira, são ainda funções sociais da Empresa:

O desenvolvimento regular de suas atividades empresariais com a observância dos mandamentos constitucionais; o dever de atender os interesses coletivos de todos os envolvidos na rede de produção e circulação de riquezas; eleição de políticas econômicas, sociais e éticas, indicativos de concorrência leal e de preços justos; geração de empregos; manutenção regular do recolhimento de tributos, por fim, agir de acordo com os usos e costumes sociais. 65

Há uma ruptura nos moldes tradicionais do direito de propriedade e inicia-se o

enfoque social, no sentido de o indivíduo não ter a propriedade dos bens, mas a posse ou

usufruto destes bens, de forma a emoldurar a Empresa contemporânea, sendo a função

social da Empresa ou função social dos bens de produção um novo contexto e uma

mudança nas relações jurídicas de maneira geral.

A incidência do princípio da função social reflete-se, assim, numa nova

estruturação do poder dentro da Empresa: ao invés de dominação, atuaria a cooperação e

o compartilhamento do poder nos diversos níveis hierárquicos, de forma a satisfazer todos

os interesses. Segundo Hentz, “a empresa é a organização dos fatores de produção para a

satisfação das necessidades alheias”. 66

O novo pensar da Empresa contemporânea deve ser amparado e moldado sobre o

resgate à cidadania, de forma a cumprir as obrigações empresariais e os deveres

contratuais na busca de interesses sociais e não apenas econômicos.

As ações de responsabilidade social, realizadas atualmente pelas Empresas

contemporâneas, nada mais são que reflexos impostos pela função a qual deve

65 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges.Função Social e Função Ética da Empresa. In: Revista Argumentum de Direito da Universidade de Marília – Unimar, v.4, 2004, p.50. 66 HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito de empresa no Código Civil de 2002: teoria do direito comercial de acordo com a Lei nº 10.406 de 10/01/2002, 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.

55

desenvolver dentro de uma sociedade.

A responsabilidade social, no entanto, nada mais é que um dos pressupostos da

função social da Empresa: o de atender aos anseios da sociedade onde está inserida, por

meio de práticas sociais e éticas, o amparo aos direitos do trabalhador envolvido com a

produção, bem como o reconhecimento dos valores desse trabalhador por meio de

investimentos intelectuais e culturais, e enfim, a responsabilização, ambiental, social e

moral. 67

Atualmente, em razão dos avanços tecnológicos, da concorrência desmedida na

busca de mercados consumidores e lucratividade, as empresas procuram estratégias de

permanência no mercado disponibilizando recursos financeiros para o investimento

social, de forma a não desprezar os preceitos sociais como a dignidade do trabalhador, o

bem-estar da comunidade, meio ambiente e regularidade com o Estado.

Em artigo publicado sobre a responsabilidade social das Empresas, Félix

considera que, atualmente, as Empresas que buscam o resgate social além do econômico

conseguem fortalecer-se e perpetuarem-se no mercado consumidor ainda mais consciente

e, conseqüentemente, exigente.

(...) as empresas que prestam atenção adequada aos aspectos sociais e ambientais são aquelas maduras o suficiente para perceberem que práticas de responsabilidade cidadã redundam em melhoras de seus resultados, na medida em que trazem efeitos sociais positivos imediatos e mediatos, diretos e indiretos, de auto-preservação e perpetuação da comunidade e da organização, concernentes à ampliação ou manutenção do mercado consumidor (sociedade). 68

Ainda neste raciocínio, o investimento social pode se transformar posteriormente

em um retorno positivo para as empresas que conseguem incorporar as práticas sociais

como rotina empresarial.

A decisão de se “gastar dinheiro” no processo de responsabilização

67 A “noção” sobre Responsabilidade Social das Empresas está contida nos artigos 1º, III; 7º I, XI e XXVII; 11, 170 III, 193 e 194 da Constituição Federal. 68 FELIX, Luiz Fernando Fortes. O ciclo virtuoso do desenvolvimento responsável. Responsabilidade social das empresas: a contribuição das Universidades, V. II. São Paulo: Peirópolis, Instituto Ethos, 2003.

56

social pode se transformar num investimento estratégico de significativo valor, pois resulta em melhores oportunidades de negócios, incorporação de vantagem competitiva e consolidação de boa reputação perante a sociedade, clientes, empregados, fornecedores, parceiros estratégicos, governo, bancos e organizações não governamentais. 69

A responsabilização social não significa simplesmente a disponibilização de

recursos financeiros para as ações sociais, isso seria filantropia, de cunho beneficente. A

responsabilidade social efetiva consegue despertar a conscientização das práticas sociais

de forma contínua e habitual, de maneira que essa conduta passe a fazer parte do

cotidiano da empresa, que passa a acompanhar os projetos sociais desenvolvidos, os seus

efeitos e os resultados almejados em toda a sociedade.

A partir do momento em que essas práticas sociais começam a ser geridas e

introduzidas no cotidiano das empresas em forma de cultura empresarial ou costume,

como já mencionado anteriormente, a imagem positiva da empresa insere-se na sociedade

e passa a conquistar e a preservar os consumidores, por meio da qualidade dos produtos, a

motivação dos empregados, preços justos e credibilidade.

Diferentemente da empresa que disponibiliza recursos financeiros para

campanha social de entidades carentes, por meio de campanhas de marketing, e após um

período, cai no esquecimento da sociedade, ou no cumprimento da legislação ambiental

quando ela própria degradou o meio ambiente onde está inserida. Essa empresa apenas

cumpriu a sua obrigação, não agiu com responsabilidade social.

Zanoti faz a diferenciação de uma empresa efetivamente responsável e

consciente daquela que apenas pratica a filantropia:

Há uma linha muito tênue que separa o dever, imposto por lei, de restaurar o meio ambiente que a empresa degradou, o que não pode ser computado como responsabilidade social pura, da decisão de se preservar ou restaurar o meio ambiente sobre o qual a empresa não exerceu nenhuma atuação negativa, direta ou indiretamente, o que é responsabilidade social pura. A mesma linha tênue separa a decisão de se oferecer alimentação, a preço simbólico, para seus funcionários que,

69 GUROVITZ, Hélio. BLECHER, Nelson. O Estigma do Lucro. In: Revista Exame, edição 839, ano 39 n. 6, 20 de março de 2005, p.20-25.

57

por razões geográficas, não teriam fácil acesso às refeições, o que não é responsabilidade social pura, da iniciativa de se proporcionar alimentação de boa qualidade, preparada sob orientação de nutricionista, a preço simbólico, para todos os funcionários, inclusive para aqueles que teriam fácil acesso a outros locais para realizarem as suas refeições, o que é responsabilidade social pura [...] a verdadeira responsabilidade social elege a sociedade como o alvo fundamental de suas ações espontâneas e positivas. (grifo nosso) 70

A espontaneidade e habitualidade das ações sociais promovidas pelas empresas

são o que caracteriza sua responsabilidade. O fato de promover ações sociais com o fim

de promoção de marketing e publicidade não as torna capaz de gerir as constantes

mutações e necessidades da sociedade em que se insere.

Se a propriedade cumpre sua função social quando o seu uso favorece o bem-

estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela exercem suas atividades laborais,

mantém níveis satisfatórios de produtividade, assegura a conservação de recursos

naturais; observa as justas relações de trabalho, faz uma justa exploração da terra e de

seus recursos, da mesma forma esses resgates estarão sendo feitos pela empresa que

exercer sua responsabilidade por meio da função social.

Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição

de comportamentos positivos, resultando na prestação de fazer, portanto não admitindo o

não fazer. Da mesma forma a Empresa, no exercício de sua atividade econômica e

lucrativa, deve inserir obrigatoriamente padrões de comportamentos em consonância com

as necessidades sociais.

Contudo, levando-se em consideração a mutação e o desenvolvimento das

sociedades contemporâneas, o resgate do conceito da função social da propriedade nas

Encíclicas editadas pelo Papa Leão XIII, bem como por Duguit, desencadeou um

processo de mudanças significativas na função exercida pelas empresas na sociedade e

conseqüentemente a responsabilidade delas nesse contexto.

70 ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. Dissertação de mestrado. A Função social da empresa como forma de valorização da dignidade da pessoa humana, Unimar, Marília, 2006.

58

Atualmente, a Empresa responsável vê-se moldada estrutural e interiormente sob

o enfoque da função social, fazendo as mudanças necessárias e considerando as relações

jurídicas existentes, por meio da transparência da organização e da preocupação com o

impacto social que as suas ações deverão surtir na sociedade.

O Estado, por sua vez, é responsável pela condução e organização da ordem

econômica, uma vez que a atuação das empresas possa ultrapassar os limites legais e

éticos e atingir o indivíduo como pessoa humana. Desse modo, é importante ressaltar o

comportamento do Estado em meio às mudanças ocorridas na sociedade na

contemporaneidade.

3.1 O ESTADO E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

Ainda tomando como premissa a função social da propriedade, bem como a

função social da empresa, chega-se à função social do Estado, que deve ser o de prover os

recursos sociais fundamentais para o indivíduo.

Atualmente se vive em constantes e significativas mudanças de concepções. As

dificuldades econômicas e sociais requerem e favorecem uma transformação nos padrões

de atuação do Estado e no modo do seu relacionamento com a sociedade.

Além do Estado, há também uma transformação social nos interesses privados e

uma incessante necessidade de conduzir ações de modo consciente e responsável. O

aumento da poluição, fome, desemprego, má distribuição de recursos e renda, violência,

exclusão social evidenciam a necessidade de uma nova definição dos padrões de

industrialização e do consumo.

O desenvolvimento das indústrias, principalmente, deu-se em razão da extração,

apropriação e utilização de recursos materiais e energéticos da natureza, que, pertencem a

toda sociedade.

59

O comprometimento empresarial com a questão social é assunto relevante e atual

nas pautas cotidianas. Vê-se uma mudança radical de comportamentos no que se refere

ao fator econômico, visto que essa questão passa concomitantemente a andar com a

questão solidária.

Essa mudança de paradigmas deu-se em razão de um conjunto de fatos históricos

ocorridos no Estado, e que desencadearam a responsabilidade social empresarial.

Em meados de 1980, o Estado Brasileiro enfrenta uma crise econômica em razão

da falta de crédito público, ocasionando a ineficiência do custeio dos serviços públicos.

Nesse mesmo período, ainda sob os reflexos da crise do Welfare State 71 nos países

desenvolvidos, o Estado passa a sentir as conseqüências de enfrentar custos cada vez mais

elevados.

Viu-se a necessidade de prover uma reforma do Estado em razão de vários

problemas fiscais e diante de uma realidade pela qual o Estado mais gasta que arrecada

com impostos. Nesse período em que o endividamento externo é gradativo, há um rombo

na poupança pública, e a previdência social é ineficiente.

É crescente o processo de globalização, e com isso o capitalismo sofre

transformações que acabam por influenciar a estrutura do Estado. Diante da força do

capital econômico e de novas e galopantes tecnologias, advém a integração de mercados,

e juntamente com esses fatores, surge a preocupação com o trabalhador, considerando-o

como principal agente de transformação da economia e meio de inserção social.

O crescimento econômico traz consigo o desemprego e as grandes disputas

comerciais. Conseqüentemente, ao lado desses fatores tem-se a degradação do meio

ambiente. Não há dúvidas de que todos esses aspectos resultantes da globalização

proporcionam condições favoráveis ao desenvolvimento, porém, traz cicatrizes sociais

significativas como a desigualdade entre os homens e a redução do trabalhador. Neste

momento, o capitalismo moderno observa atentamente o desequilíbrio entre capital e 71 Welfare State - Sistema social em que o estado político considera de sua responsabilidade o bem estar individual e social.

60

trabalho.72

As transformações derivadas do processo de globalização, contraditoriamente,

geraram um aumento de oportunidades para uma parcela significativa de cidadãos, porém

influenciaram no crescimento desordenado da pobreza e da desigualdade, na insegurança

econômica, no deslocamento social e na degradação ambiental para outros.

A obtenção do crescimento econômico nesse novo mundo, sem abandonar as

metas de redução da pobreza, da coesão social e da sustentabilidade ambiental, torna-se o

principal desafio para quase todos os governos, neste início de século.73

Dworkin observa que o aumento da riqueza como resultado do crescimento

econômico não se constitui valor para a sociedade. Não que isso não seja desejável, ou

menos importante, mas seria inaceitável crer que, para que isso ocorra, seja

desconsiderada da decisão do Estado a inclusão da justiça social.

[...] o aumento da riqueza social por si só não torna nenhuma sociedade mais digna, ou melhor. A presunção de que maior riqueza leva ao melhoramento da sociedade é equivocada, vez que não especifica o sistema de medida que presume para verificar se uma sociedade inclinada à riqueza produz mais atividade benéfica para outros de que uma sociedade que encoraja um altruísmo mais direto; não se considera a distribuição. 74

No entanto, a busca de distribuição de riquezas foi inclusa na Constituição

Federal com o paradigma do Estado Democrático de Direito em seu artigo 170, a previsão

de assegurar a livre iniciativa dos agentes econômicos, de maneira que a valorização do

trabalho também passe a fazer parte do desenvolvimento político, jurídico e econômico

das sociedades modernas.

Ao contrário dos antigos ordenamentos, a atual Constituição Federal buscou

sanar os conflitos existentes entre capital e trabalho, em razão do cunho social esculpido

72 RICO, E.M. Memorial para concurso para preenchimento de vaga de Professor Doutor - Faculdade de Serviço Social - PUC - São Paulo, 2002. 73 Ob. Cit. 74 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.138-139.

61

no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Com essa ruptura de paradigmas, o capital

passa a dividir espaço com a força humana e deixa de ser o único elemento da economia

de mercado.

Santos chama esse fato de “redescoberta democrática de trabalho”, e assim

preleciona:

O trabalho noutras épocas foi reduzido a fator de produção econômica, desligado do conceito de cidadania. A valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica busca, pois, reparar essa dissociação histórica, fazendo com que o trabalho seja tanto elemento de força econômica, como meio de firmação da cidadania e inclusão social.. 75

A riqueza social de uma sociedade é criada pela força do trabalho que agrega

valor às mercadorias, valoriza o capital e constitui grande importância para o resgate da

valorização do indivíduo.

O Estado Brasileiro passa por um desafio ao incluir o princípio da valorização do

trabalho no artigo 170 da Constituição, ao impor que medidas político-econômicas sejam

elaboradas em consonância com a melhoria das condições de trabalho, com o pleno

emprego, com o bem-estar do trabalhador, entre outros, de forma a promover a repartição

das riquezas produzidas, o que demanda amadurecimento cultural, social e, acima de

tudo, vontade política.

Todavia, o que se vê é a queda acelerada das ações governamentais em questões

fundamentais como educação, saúde, segurança, trabalho digno e meio ambiente, pois,

embora a Constituição contemplasse um modelo social aos cidadãos e trabalhadores, as

condições precárias do financiamento do setor público inviabilizaram a ampliação dos

gastos sociais e a execução das políticas públicas.

Em pesquisa recente sobre a exclusão social no Brasil, usaram sete indicadores

para traçar o perfil social, entre eles a pobreza, violência, escolaridade, alfabetização,

75 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democracia. In: A crise dos paradigmas em Ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999, p.60.

62

desigualdade social, emprego formal e concentração de jovens. Mais de cinco mil

municípios foram consultados e concluíram que o indicador da exclusão nas regiões

Norte e Nordeste é a ausência ou carência de escolaridade e nas regiões Sul e Sudeste,

imperam outro tipo de exclusão: a violência em que a melhor escolaridade não significa

garantia de emprego.

O resultado final da pesquisa é desanimador, pois 25% dos brasileiros vivem em

condições precárias, 42% dos municípios do país possuem alto índice de exclusão social,

e apenas 200 cidades (3,6% do total) possuem algum padrão adequado de atendimento

social, o que representa apenas 25% da população nacional. 76

A nova realidade social que está se formando no início do Século XXI não

poderá ser regida unicamente pelo Estado, e o desenho atual desse Estado não impulsiona

a formação do capital humano, social e empresarial, ou seja, a realidade impede a

introdução de novas facetas necessárias ao desenvolvimento nacional. É preciso mudar.

Segundo Del Vechio,

(...) em cada Estado convivem muitas vontades sociais... e o Estado que decorre da realidade e que reflete a síntese das aspirações da maioria do povo corresponde à vontade social preponderante (grifo do autor) [...] Um Estado inadequado, que não cumpre seus objetivos e por isso vai-se enfraquecendo, uma vez que o próprio povo não se empenha na manutenção de uma ordem que não corresponde aos seus desejos e às suas necessidades. 77

Considerando a inadequação do Estado diante dos problemas sociais, denota-se

que esse Estado sozinho é incapaz de prover as necessidades dos indivíduos na

contemporaneidade. Em razão disso, ocorre atualmente a inserção de “energias novas”,

que são cada vez mais incorporadas às sociedades, para juntamente com o Estado, tentar

amenizar os problemas sociais por meio da mobilização de empresas privadas, entidades

sem fins lucrativos e Organizações não Governamentais.

Diante dessa nova organização empresarial global, as organizações 76 O Globo, Revista Razão Social, - pesquisa “Atlas da Exclusão Social - 5º volume, nº 22, p.8 77 VECHIO, Del, apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.141.

63

privadas possuem uma nova diretriz nos rumos da obtenção do lucro, pois simplesmente as vantagens oferecidas em relação a valores (preços) não estão sendo suficientes para a obtenção de um mercado consumidor. Cada vez mais a qualidade do produto está relacionada à relação da empresa com a sociedade e seu comportamento ético e esses fatores determinam o comportamento dos consumidores. 78

O Terceiro Setor, formado por entidades que estão fora da estrutura formal do

Estado, não tem fins lucrativos e, geralmente, é constituído por grupos de cidadãos da

sociedade civil, que muito têm cooperado com o país, viabilizando postos de trabalho,

assumindo a cidadania com responsabilidade e contribuindo de certa forma para o

desenvolvimento do país.

Cardoso, em discurso proferido no Palácio do Planalto em fevereiro de 1998,

expôs sua opinião sobre a importância de organizações inovadoras atuando paralelamente

ao Estado, e confirmando, dessa forma, a nova postura contemporânea da sociedade. 79

(...) Nós temos que entender que no mundo moderno não existe apenas Estado e Empresa, existem trabalhadores organizados, sindicatos e existe uma imensa massa não organizada, e existem muitas formas de organização que não são nem sindicato, nem empresa, nem burocracia estatal. Tudo isso tem que ser mobilizado em conjunto... Nos alvores do novo milênio nós estamos assistindo à formação de novos tipos de sociedade que não estão baseados, apenas, na oposição entre setores privados organizados, trabalhadores e empresários, nem desses com o Estado... Nós estamos assistindo às novas formas de sociabilidade...

É o momento da conscientização e incansável busca da sinergia entre Estado e

Sociedade, em razão da necessidade imediata de desenvolver sistemas de gestão das

políticas públicas, em que contenha a articulação, descentralização, participação e o

controle social.

Franco entende que “o papel do Estado no incentivo e no suporte direto e

78 PAES, A. A Responsabilidade Social Empresarial (RSE): espaço de intervenção profissional. PUC - São Paulo, 2003, disponível em http://www.sãopauloemperspectiva/revista, 18(4), p. 73-82, acesso em 28 de janeiro de 2006. 79 CARDOSO, Fernando Henrique, apud FRANCO, Augusto. A reforma do Estado e o Terceiro Setor. Seminário Internacional sobre a Sociedade e a Reforma do Estado. Disponível em http://www.homplanejamento.serpro.gov.br/ gestão/publicações/seminário/, acesso em 31/01/2006.

64

indireto às atividades empresariais tenderá a decrescer num mundo que, provavelmente,

não estará mais baseado no paradigma do trabalho e na universalização do emprego. O

entendimento do autor é de que a empresa bem sucedida será aquela inserida numa rede

social que lhe dê sustentação”.80

Essa sustentação, como meio de permanência no mercado, seria oriunda do

“capital social”, sem o qual se tornam inviáveis os projetos estatais de desenvolvimento,

bem como os empreendimentos empresariais privados. Nesse passo, é imprescindível o

investimento na organização das sociedades civis como estratégia, inclusive econômica.

Ainda no pensamento do autor,

[...] Só esta sinergia pode otimizar os esforços e alavancar os recursos que o Estado não possui para investir no desenvolvimento, incorporando o capital empresarial e o capital social como fatores decisivos na estratégia nacional. Sem esta sinergia o Estado jamais poderá ser controlado e o Mercado jamais poderá ser orientado pela sociedade. [...] A razão principal para a parceria com a sociedade não é de ordem econômica, em virtude da maior eficiência e da redução de custos que isso pode significar. Em outros, porém, mesmo sendo desvantajosa, inicialmente, a parceria, ela deve ser efetivada por razões estratégias, uma vez que o aumento do capital social é condição necessária para gestar um novo modelo de desenvolvimento, de relação do Estado com a Sociedade e, inclusive, de Estado.

O que se reconhece atualmente é que o Estado encontra-se em processo de

transformação. Se antes sua atuação tinha cunho intervencionista, atuando em

praticamente todos os aspectos sociais, políticos ou econômicos. Hoje, em razão do

surgimento de novos agentes sociais, sua atuação está voltada à regulamentação e

fiscalização.

Esses agentes sociais, representados principalmente pelo setor privado, surgem

para atender o interesse público. Está aqui marcada uma profunda revolução na

tradicional dicotomia Estado e Mercado, pois sob um Estado diminuído em ações estatais

80 FRANCO, Augusto de. A reforma do Estado e o Terceiro Setor. Seminário Internacional sobre a Sociedade e a Reforma do Estado. Disponível em http://www.homplanejamento.serpro.gov.br/gestão/publicações/ seminário/, acesso em 31/01/2006.

65

e uma sociedade galgada de necessidades, cresce a consciência das pessoas, tanto física

quanto jurídica, de que “é necessário posicionar-se proativamente no espaço público, se o

que se deseja é um desenvolvimento sustentado considerando o impacto que o cenário

econômico reflete sobre a realidade social”.81

As relações entre sociedade e Estado têm sido, na verdade, historicamente conflituosas. Fundamentalmente porque, enquanto instituinte, a sociedade é movimento, transformação, inovação, história. E o Estado, enquanto instituído, é inércia, permanência, conservação, ordem estabelecida. Nos momentos de crise, a sociedade instituinte pode opor-se ao Estado instituído, percebido como recusa a se evoluir, tentando inclusive, subvertê-lo. E o Estado pode, em reação de autodefesa, contrapor-se autonomamente à sociedade, vendo-a como a sua negação e buscando reprimi-la. O próprio progresso, contudo, desencadeou forças que engendraram mais ampla repartição do poder na sociedade, a qual, embora ainda excludente, fortaleceu-se e organizou-se como espaço público com crescente autonomia, capacidade de iniciativa e de inovação. 82

Relevante é a atual conjuntura do Estado; a sociedade que, quando se sente

fragilizada e prejudicada nos seus direitos, busca fortalecimento na atual concepção de

interação nas ações sociais, de forma a integrar sociedade-Estado para alcançar eficiência,

desempenho e resultado.

A consolidação dos investimentos sociais empresariais deu-se a partir de 1990,

dessa vez, enfocado como uma questão estratégica, pois o setor empresarial, ao ser

reconhecido como socialmente responsável, alcança diferenciais de competitividade e de

imagem valorizada, já que consegue melhorar sua produtividade.

Desse modo, as empresas passam a incluir nos seus projetos, o desenvolvimento

de ações voltadas para a valorização do indivíduo, qualidade de trabalho, produção de

qualidade e respeito ao meio ambiente.

Fleta define o que venha ser a responsabilidade social, exatamente no contexto

81 PIVA, Horácio. Papel do Terceiro Setor e da Empresa Privada na Reforma do Estado. Seminário Internacional sobre a Sociedade e a Reforma do Estado. Disponível em http://www.homplanejamento.serpro. gov.br/gestão/publicações/seminário/, acesso em 31/01/2006. 82 Ob. Cit.

66

contemporâneo:

Entende-se por responsabilidade social o conjunto de obrigações inerentes à evolução de um estado ou condição com força ainda não reconhecida pelo ordenamento jurídico positivo ou desconhecida parcialmente, mas cuja força que se vincula e sua prévia tipificação procedem da íntima convicção social de que não segui-la constitui uma transgressão da norma da cultura.83

Essa inserção na cultura empresarial de executar práticas sociais com o fim

precípuo de estabilidade à permanência no mercado, já se tornou uma realidade em pelo

menos boa parte do empresariado brasileiro, embora não se tenha uma norma positivada

que direcione esse contexto. As práticas sociais empresariais, efetivadas em razão da

cultura que se desenvolveu dentro das corporações, transcendem a imposição das normas

jurídicas.

Embora se perceba o crescimento das ações de responsabilidade social, ainda há

grandes entraves na estratégia brasileira de se alcançar a justiça social, principalmente

pela dificuldade de parcerias com o Estado ou ações provindas deste, seja por

desconhecimento, desinteresse ou por falta de oportunidades.

Conforme análise de resultados proporcionados pelo Instituto de Pesquisa e

Ação Social das Empresas (IPEA), as empresas brasileiras “são quase totalmente

desinformadas a respeito do aproveitamento dos incentivos tributários, federais ou locais,

(principalmente as pequenas empresas), na efetivação de projetos e programas de caráter

social; não procuram complementar as ações do governo e nem sequer reconhecem a

influência estatal no processo decisório ou executivo das ações e trabalham de forma não

articuladas e por isso isoladas de outras empresas ou mesmo de outros atores da

sociedade.”84

Diante desse quadro, devem-se estabelecer uma parceria entre o setor 83 FLETA, Luis Solano. Fundamentos de Lãs Relaciones Públicas, Madri, Editorial Sínteses, AS, 1995. 84 IPEA. Instituto de Pesquisa Ação Social das Empresas. Disponível em: http://www.ipea.gov.br, acesso em: 25 jan. 2007.

67

empresarial, governo e entidades para se chegar a um ponto comum, e principalmente

desenvolver um trabalho de esclarecimento e divulgação sobre os incentivos fiscais

destinados à realização das políticas sociais.

Uma colaboração mais estreita entre o poder público e a iniciativa privada

aumentaria também a eficácia dos recursos aplicados pelas empresas na área social pelo

fato de que as empresas, na sua grande maioria, preferem atuar nas comunidades e regiões

onde estão inseridas, e os recursos investidos pelo setor privado não são

negligenciáveis.85

A capacidade operacional do Estado, no tocante às políticas sociais, é deficiente.

O Estado está cada vez mais distante dos interesses sociais. As políticas econômicas

sobrepõem-se a todas as demais políticas públicas, inclusive as sociais.

Vê-se atualmente a sociedade civil organizada, bem como as organizações

empresariais ocupando espaço nas áreas que antes eram da tradicional responsabilidade

do Estado, obtendo a multiplicação das iniciativas privadas com fins públicos.

Desse modo se faz necessário salientar a importância das parcerias das empresas

com outras empresas privadas, com organizações comunitárias, com organizações não-

governamentais ou com instituições governamentais para que o movimento de

transformação social não se dê isolado, mas articulado.

3.2 RESPONSABILIDADE SOCIAL NA EMPRESA BRASILEIRA

A inserção do conceito de Responsabilidade Social nas Empresas Brasileiras só

ganhou consistência na última década, e ainda é difícil para a sociedade em geral o

entendimento do que venha a ser filantropia, e sua diferenciação das práticas empresariais 85 Idem.

68

socialmente responsáveis.

A crise do modelo econômico baseado no Estado, mais recentemente, fez com

que os aspectos sociais antes relegados a um segundo plano assumissem uma importância

maior. Na atualidade, as Empresas deparam-se cada vez mais frente às responsabilidades

que não faziam parte de sua realidade.

O Brasil ainda caminha frente para estabelecer uma concepção sólida e

determinante quanto às práticas sociais das Empresas no sentido de fortalecer o elo entre

Estado, empresa e sociedade, uma vez que os consumidores, agora mais conscientes,

esperam das Empresas muito mais que o cumprimento da legislação, mas principalmente

a preocupação com o consumo sadio, o meio ambiente equilibrado e a preocupação com

problemas sociais.

Nesse aspecto, é importante descrever a origem dos fatos históricos que

marcaram o início dessa nova concepção da preocupação social pelo empresariado

brasileiro.

O culto pela caridade, pregado pela Igreja Católica na metade do século XVI,

deu origem à instalação das primeiras Santas Casas de Misericórdia, criadas com a

conotação de filantropia, especialmente para órfãos e idosos. Mais tarde, com o advento

da República, o Estado brasileiro começou a repassar recursos e subsídios, dando

continuidade à política social até então implantada pelos hospitais. 86

O Estado, juntamente com a Igreja e agora com a figura de alguns empresários,

passa à construção de instituições sociais próprias, de modo a amparar a saúde, educação,

técnicas científicas e jurídicas.

86 COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007.

69

Em meados do século XIX, os empresários também assumem uma postura social

diante do operariado, por meio da construção das vilas operárias. Essas vilas foram

construídas para trabalhadores das indústrias e considerado para muitos autores da época

um modelo industrial paternalista em razão de se criar um ambiente de trabalho fechado e

que perduraria por sucessivas gerações.87

Com o intuito de modernizar e industrializar a economia, em meados de 1940,

empresariado e governo uniram-se pelos ideais de nacionalismo e racionalismo do

capitalismo, e criaram as instituições do chamado “Sistema S” (SENAI, SENAC, SESC e

SESI), com o objetivo de capacitar mão-de-obra para as indústrias, comércio e serviços,

bem como criação de serviços que pudessem proporcionar o bem-estar dos trabalhadores

e seus familiares.

Cabe salientar que estas organizações perduram até os dias de hoje, juntamente

com outras criações como o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas

Empresas), SEST (Serviço Social de Transporte), o SENAT (Serviço Nacional de

Aprendizagem do Transporte) e o SENAR (Serviço de Aprendizagem Rural).88

Ainda nesse pensamento, verifica-se aqui a primeira intenção do Estado de

prover parceria com o empresariado brasileiro, delegar-lhe a estes a função de

proporcionar o bem-estar social aos trabalhadores, e o empresariado passa a atuar de

maneira indireta, por meio da intermediação das organizações sindicais; desse modo, os

serviços do Sistema S passam a ser classificados como “Serviços Sociais Autônomos”.89

A primeira disseminação do conceito de Responsabilidade Social Empresarial

surgiu na década de 1960 pela Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas - ADCE -

Brasil, em São Paulo, como uma sucursal da União Internacional das Associações

87 Ob. Cit. 88 Idem 89 MEIRELLES, apud COSTA. Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2.005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007.

70

Católicas Patronais (International Christian Union os Business Executives), a qual

pregava o conceito de solidariedade, justiça e liberdade às empresas associadas com o

intuito de forte conscientização. 90

Mais tarde, a ADCE Brasil veio publicar o “Decálogo do Empresário”,

demonstrando a proposta de responsabilidade social nos negócios. Sendo uma entidade

jurídica de direito privado, de caráter educativo, sem fins lucrativos e constituída de

empresários cristãos, no fundamento de suas práticas, estão os princípios estabelecidos

pela doutrina social da Igreja. Todas as atividades acerca da responsabilidade e do

balanço social das empresas seguem tais princípios.

A conscientização efetiva do empresariado brasileiro fortaleceu-se em razão da

crise econômica de 1980, a qual gerou conseqüências sociais, econômicas e ambientais

para a sociedade. A Constituição Federal foi o instrumento essencial para a sociedade

civil organizar-se e buscar seus direitos individuais, coletivos, de igualdade, de trabalho

justo e, acima de tudo, de dignidade.

Há, no momento, a criação de um novo cenário, em que as empresas passam a

revalidar seu papel de inserção política, econômica e também social, uma vez que

aumentam os níveis de desigualdade e desemprego no país.

Conforme pontuou Grajew, fundador do Instituto Ethos de Responsabilidade

Social,91

O que há, na verdade, é um novo olhar, uma nova maneira de compreender as questões que envolvam todas as relações humanas, inclusive - e especialmente - no universo empresarial. Quando se fala nesse assunto, estamos tratando de ética, de relação socialmente responsável da empresa em todas as suas ações, suas políticas, suas práticas, em tudo o que ela faz, suas atitudes com a comunidade, empregados, fornecedores, com os fornecedores dos seus fornecedores, com os fornecedores dos fornecedores dos seus fornecedores, com o

90 ADCE - Brasil, Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas de São Paulo, disponível em http://www.adcesp.org.br/publicações.htm, acesso em 02 de julho de 2006. 91 ETHOS, Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. Disponível em http://www.ethos.org.br, acesso em 12/06/2006.

71

meio ambiente, governo, poder público, consumidores, mercados e com seus acionistas. É preciso pensar todas as relações como uma grande rede que se inter-relaciona. 92

Diante dessa crescente e demorada mudança, surge a grande expectativa de se

alterar o cenário brasileiro, no sentido de colocar o bem-estar do cidadão como centro

primordial da atividade econômica, e inter-relacionar os outros fatores em razão desse

centro primordial que é a pessoa humana.

Ashley tem o entendimento de que, nesse momento, o valor social, entendido

como valor que representa o compromisso social da empresa, deve ter caráter

imprescindível nas agendas das empresas, no intuito de se buscar a conscientização do

empresariado com as questões sociais. 93

Ainda nesse prisma de mudanças, cria-se uma nova entidade formada por jovens

empresários, o PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), passando a

representar forte postura frente ao sistema político em razão de sua postura social com o

intuito de lutar pela democracia.

Em 1991, foi encaminhado ao Congresso Nacional um anteprojeto propondo

publicação do Balanço Social pelas empresas, porém, não foi aprovado. Posteriormente,

em 1992, foi publicado pelo Banco do Estado de São Paulo - Banespa, um relatório

divulgando as suas ações sociais. Esse relatório tornou-se um marco histórico nas agendas

empresariais, de forma a incentivar a publicação de seus Balanços Sociais.

Efetivamente, o marco da aproximação dos empresários brasileiros com as ações

sociais foi em 1993, em razão da criação da Organização Não Governamental IBASE -

Instituto Brasileiro de Análise Econômica e Social.

Essa Organização, fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lança a 92 GRAJEW, Oded. Negócios e responsabilidade social. In: Esteves, Sergio (org). O dragão e a borboleta: sustentabilidade e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Axis Mundi, 2000. 93 ASLHEY, Patrícia A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005.

72

Campanha Nacional da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, com o

apoio do Pensamento Nacional das Bases Empresariais - PNBE, que contava com o

slogan “a solidariedade é uma grande empresa”.94

O projeto foi de grande importância para a difusão da conscientização

empresarial sobre o problema social, envolvendo as empresas privadas, entidades

religiosas e filantrópicas, escolas, universidades, e outras organizações da sociedade

brasileira, bem como para lançar o Balanço Social como instrumento em que a empresa é,

de certa forma, evidenciada perante a sociedade sobre seu comportamento social

responsável, já que as empresas abrem as portas para a sociedade conduzir suas ações.

Com o lançamento do modelo do Balanço Social, Betinho lança o “Selo do

Balanço Social”, estimulando as empresas a divulgar seus resultados na participação

social por meio do comportamento com empregados e meio ambiente, a contribuição para

a qualidade de vida da sociedade, avaliação de resultados e, em contrapartida, obter a

imagem de transparência e seriedade desejada pela sociedade.95

Posteriormente, muitos outros institutos e organizações foram surgindo com o

intuito de difundir as idéias socialmente responsáveis aos empresários, como o Instituto

Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, fundado em 1988 e inovando na sua

concepção organizacional, os objetivos da entidade similar americana BSR (Business for

Social Responsability), produzindo projetos de nível mundial. 96

O Instituto Ethos é uma espécie de elo entre os empresários e as causas sociais.

Seu objetivo é disseminar a prática da responsabilidade social empresarial por meio de

publicações, experiências, programas e eventos para as empresas interessadas. 97

94 IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Revista Democracia Viva: in Betinho e a luta cidadã, disponível em www.ibase.br/betinhoespecial/, acesso em 20 de junho de 2006. 95 Idem. 96 ETHOS, Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. Disponível em http://www.ethos.org.br, acesso em 12/06/2006 97 Idem.

73

A grande novidade trazida pelo Instituto foi o lançamento do “Indicadores

Ethos” em 2001, uma ferramenta de avaliação da gestão da empresa no que se refere à

incorporação de práticas de responsabilidade socio-empresarial ao planejamento de

estratégias e ao monitoramento do desempenho geral das empresas.

Para conquistar um diferencial e obter a credibilidade e aceitação da sociedade e

das diversas partes interessadas dentro do universo empresarial, além de novas práticas e

da publicação anual dos balanços e relatórios sociais e ambientais, as empresas têm

buscado certificações, selos e Standards internacionais na área social.

Entre os exemplos brasileiros mais significativos estão o Selo Empresa Amiga da

Criança conferido pela Fundação Abrinq, o Selo Empresa-Cidadã, uma premiação da

Câmara Municipal da Cidade de São Paulo, e o Selo Balanço Social Ibase-Betinho, do

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, conforme já salientado

anteriormente.98

O crescimento de organizações sociais tem se proliferado em todo o Brasil,

contudo, verifica-se que esse associativismo se concretiza finalmente na

redemocratização e no neoliberalismo, uma vez que as sociedades mais complexas

dificultam a delimitação das funções dos agentes públicos e privados. 99

É importante destacar que realmente existe uma separação entre o limite público

e privado quando se trata de responsabilidades. É de vital importância, por exemplo, que a

educação no país seja de nível razoável, e a saúde possa corresponder às necessidades dos

cidadãos, para o bom desempenho e desenvolvimento empresarial. Porém, esses fatores

são de responsabilidade do Estado, e as empresas, esperam que ele cumpra sua obrigação.

98 ABRINQ, Fundação para os direitos da criança e adolescente. Disponível em www.fundabrinq.org.br/portal, acesso em 23 de junho de 2006. 99 SANTOS, Wandreley Guilherme dos, apud COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia – Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/ oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007.

74

Por outro lado, as empresas também são responsáveis pelos direitos dos seus

trabalhadores, pelo fornecimento de produtos de qualidade aos consumidores e pela

preservação do meio ambiente, de modo que o Estado e a sociedade também esperam que

ela cumpra com sua responsabilidade.

Atualmente, é muito difícil estabelecer o limite da atuação do Estado, bem como

os limites das ações dos indivíduos, visto que, antigamente, os problemas inerentes no

contexto capital-trabalho ficavam restritos às empresas. Conforme salienta Costa:

Hoje, o mundo é muito mais complexo. O movimento da nova sociedade obriga a pensar também num novo Estado. Serão cada vez mais intensos e difíceis esses debates, porque não se tem um passado de mobilização política que compare com o que no Brasil vem ocorrendo. 100

Ocorre que as ações sociais desenvolvidas pelo Estado ainda possuem o caráter

assistencialista. As promoções dos serviços sociais são efetuadas em troca de apoio

político, o que estimula a desigualdade na distribuição de renda e faz com que as poucas

ações desenvolvidas sejam privilégios de alguns.

Embora tenhamos uma baixa qualidade em serviços públicos e o mínimo de

respaldo social, verificou-se que após a ditadura militar e o advento da democracia,

tornou-se necessária a revisão das relações existentes entre Estado, mercado, empresa e

sociedade, buscando acima de tudo o interesse dos cidadãos.

A Constituição Federal quando trata da liberdade de iniciativa, valorização do

trabalho e justiça social, reforça a intenção do Estado de garantir a exploração econômica

para todas as empresas que produzirem bens e serviços, porém, esse exercício da

atividade econômica deverá sempre buscar a satisfação das necessidades da coletividade.

É primordial a participação da livre iniciativa para o crescimento da sociedade,

embora seja o Estado responsável em prover e distribuir as riquezas nacionais. Contudo,

100 COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007.

75

as ações empresariais devem focar a redução das desigualdades sociais, a promoção de

empregos e salários justos e uma melhor qualidade de vida.

As empresas brasileiras ainda caminham a passos lentos no que diz respeito à

conscientização de assumir suas responsabilidades sociais. No entanto, vê-se atualmente

um contingente cada vez maior de empresas interessadas em mudar suas posturas em prol

de se estabelecer fortalecidas no mercado, porque esse fortalecimento advém da conduta

ética, moral e social exercida perante a sociedade e cobrada pelos consumidores

conscientes.

Certamente, a nova postura não advém dos incentivos fiscais proporcionados

pelo Estado, posto que as pessoas jurídicas podem usufruir até o limite de 2% do imposto

de renda devido, calculado no lucro real, quando efetuarem doações a entidades, ou 4%

para doações realizadas em projetos culturais. Os incentivos não mobilizam as empresas

frente à devastadora carga tributária que carregam.

Essa nova postura deve vir da nova concepção atual de conciliar o

desenvolvimento econômico com o desenvolvimento social. Assim, seja investindo

recursos próprios, seja utilizando incentivos governamentais, operando diretamente ou

por meio de parcerias, tem crescido a participação das empresas nesse contexto.

A mobilização entre os vários setores da sociedade como organizações da

sociedade civil, igrejas, associações, fundações, empresas, deu origem à formação de

parcerias estratégicas com o intuito de garantir melhores condições de vida para a

sociedade e buscar a delimitação das responsabilidades.

3.2.1 Parcerias e Estratégias

Com a premissa de efetivar a atividade econômica aliada às ações sociais em

prol do indivíduo, a formação de parcerias tem servido se não para resolver, pelo menos

aliviar os custos e os problemas inerentes às necessidades das sociedades.

76

A parceria entre Governo, iniciativa privada e sociedade civil resultaram no

surgimento de um novo modelo de gestão social, voltado para a formação e

desenvolvimento de projetos inovadores com fins sociais.

A interlocução e envolvimento com os diversos públicos possibilitam aos

parceiros delinear criteriosamente as demandas e levar em conta os diferentes interesses, e

as empresas, governo e organizações da sociedade civil têm percebido que estas relações

de parceria socializam conhecimentos, experiências, aprendizados e recursos, e têm

conseqüências mais satisfatórias do que obteriam com atuações isoladas.101

É crescente o incentivo à participação nas questões nacionais, sob o argumento

de que as particularidades regionais das questões sociais brasileiras demandam um tipo de

ação integrada na sociedade, capaz de mobilizar diferentes competências na criação de

soluções inovadoras adaptadas às diferentes realidades locais.

Um exemplo disso é o Estado buscando alterar o sistema de gestão pública de

saúde, passando as responsabilidades para os Municípios. Passado esse primeiro

momento, o Estado busca fortalecer os planos de saúde privados e depois regulá-los, para

expandir os investimentos privados na área da saúde pelo setor privado e, enfim, transferir

uma parte de sua total responsabilidade.

Atualmente, muitas empresas privadas desenvolvem projetos na área da saúde

no interior das empresas, perante a sociedade, autônoma ou em parceria com Governos

estaduais ou municipais. Desse modo, verifica-se grande parte de empresas brasileiras

investindo na área da saúde e demonstrando sua responsabilidade social.

São muitos os exemplos de parcerias que tiveram êxito na busca de

investimentos na área social, caracterizando suas responsabilidades à sociedade.

A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro - FIRJAN é prestadora

de serviços às empresas e atua como fórum de debates e de gestão de informação para o 101 GRAJEW, Oded. A arte do trabalho em grupo. In: EXAME. Edição Especial - Guia de Cidadania Corporativa. São Paulo: Editora Abril, 2002.

77

crescimento econômico e social do Estado. Atualmente, possui 101 sindicatos industriais

filiados, representando 16 mil empresas em todo o Estado do Rio de Janeiro.

O Projeto “Ação Global” presta serviços sociais uma vez por ano. Há uma

comunidade de baixa renda escolhida nos municípios, oferecendo serviços de saúde,

controle de pressão, avaliação odontológica e oftalmológica. Também são desenvolvidos

serviços de cabeleireiro, postos de carteira de trabalho, de identidade e certidão de

nascimento, inclusive com a distribuição de lanches durante todo o trabalho desenvolvido.

Foram também desenvolvidos projetos para alfabetização de adultos, com grande

êxito de interessados. Esse trabalho é coordenado pelo SESI em parceria com a Rede

Globo desde 1996, mas só conta com a parceria do Governo Federal a partir de 2003. 102

A Empresa White Martins, desde 2000, investe na formação de 1.500

adolescentes de 17 anos, de 60 municípios, expostos aos riscos sociais relacionados à

saúde. Os Agentes Jovens de Saúde recebem orientação para prevenir problemas típicos

da faixa etária como gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis e consumo de

drogas.

Também são capacitados para investigar, nas comunidades em que moram, os

casos que exigem assistência especializada, como os portadores de deficiência e

patologias crônicas e atuar também em questões relacionadas a cuidados básicos de

saúde. 103

A Fundação Telefônica faz parceria com o Governo Federal apoiando a edição

de materiais e a criação de um portal eletrônico para padronizar procedimentos médicos

das equipes de atendimento do Programa Saúde da Família (PSF) do Ministério da Saúde

102 COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES - Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007. 103 Ob. Cit.

78

e seguindo os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS). 104

O crescimento desses movimentos do terceiro setor tem criado a necessidade

prática de enfrentar desafios por representar um novo paradigma de gestão social, apoiado

em princípios de compartilhamento de recursos, informação e conhecimento. Como é o

caso de ações implementadas em outras áreas também de fundamental importância como

a educação.

A Fundação Roberto Marinho, como uma das iniciativas das Organizações

Globo, é uma instituição privada, sem fins lucrativos e faz parte do terceiro setor da

economia do país. Foi criada em 1977, movida por uma missão de seu idealizador, o

jornalista Roberto Marinho, contribuindo para a resolução dos problemas educacionais.

A opção pela educação trouxe em primeiro momento a edição do programa

Telecurso, atendendo a uma demanda de milhões de brasileiros, que por algum motivo ou

falta de oportunidade, não concluíram o ensino básico. Em 1997, a Fundação colocou no

ar o canal Futura, como o canal do conhecimento, em parceria com 15 instituições e

grupos empresariais, que têm em comum o compromisso com a educação no País. 105

Observa-se a necessidade da formação das organizações da sociedade civil sem

fins lucrativos para que haja participação efetiva do chamado terceiro setor na

concretização de políticas sociais. A interligação dessas organizações permite o

conhecimento e a troca de experiências para o surgimento das soluções.

Segundo Kaufmann, a criação de redes de cooperação e de programas sociais no

âmbito de empresas e universidades é indicador de maturidade política e cultural. 106

104 Ob. Cit. 105 Disponível em http://geracaodepaz.globo.com, acesso em 02 de fevereiro de 2007. 106 KAUFMANN, J.N. Mundialização e globalização: desafios ético-políticos. In: Ser Social Revista semestral do Programa de Pós-Graduação em Política Social. Brasília: v.1, n.4, jun/1999, p. 121-130.

79

A Fundação Abrink, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social e o Grupo de

Instituições, Fundações e Empresas - Gife são organizações que realizam este tipo de

trabalho no Brasil, disponibilizando informações sobre Organizações Não

Governamentais, a fim de buscar informações idôneas e confiáveis na busca do parceiro

ideal para o auxílio às empresas multinacionais.

O grupo Telemar, empresa de telecomunicações, atualmente responsável por 64

% do território nacional, por meio do Instituto Telemar, em 2004, lançou o programa

“Comunidade Digital”, destinado a fornecer acesso à Internet em banda larga à rede de

ensino estadual e municipal de todo o Brasil. Até 2006, o projeto atingiu mais de duas mil

escolas conectadas à rede mundial de computadores. 107

Outra inovação em investimento social advém de um dos setores mais criticados

da economia: os bancos. A Fundação Bradesco é um dos exemplos de investimento social

na área da educação há mais de cinqüenta anos, num montante de 900 milhões de reais

nos últimos anos.

Outra grande empresa brasileira atuante na área de investimentos sociais é a

Natura empresa de cosméticos. A empresa, desde 1995, desenvolve o Programa Crer para

Ver, em parceria com a Fundação Abrink, cuja finalidade é financiar projetos que

contribuam para a qualidade da educação pública, e ainda desenvolve a linha EKOS de

perfumes fabricados com ativos da biodiversidade brasileira, extraídos de forma

sustentável. 108

Nesse aspecto, cabe ressaltar sobre a Fundação O Boticário, outra empresa

especializada no ramo de cosméticos, uma das maiores financiadoras de projetos de

conservação da natureza no Brasil, com mais de 900 milhões de dólares investidos. 109

É de vital importância a mudança de concepção nos últimos anos consoante ao

discurso das organizações brasileiras voltadas aos problemas sociais: “assistir o mais

107 Disponível em http://desafios.org.br/edições/26artigo29580-3.asp, acesso em 02 de fevereiro de 2007. 108 Disponível em http://www.natura.net/naturamundi/src/index.asp , acesso em 02 de fevereiro de 2007. 109 Disponível em http://internet.boticario.com.br/portal/site/fundaçao, acesso em 02 de fevereiro de 2007.

80

carente” ou “tirar a criança da rua”, fala-se agora em “educar para a cidadania”,

“preservar o meio ambiente” e “formar o indivíduo para a vida em sociedade.”

Essas expressões denotam que a responsabilidade social se insere no ambiente

das empresas, na prestação efetiva de serviços sociais, na forma de infra-estrutura básica,

saúde, educação, lazer, cultura, de forma a reverter a questão social em prol da cidadania.

É importante destacar a forma de atuação das empresas que realizam ou

pretendem realizar atividades sociais, de forma direta ou indireta, exclusiva ou

diversificada. As organizações do “Terceiro Setor” são consideradas pela legislação

brasileira, já que, no Brasil, a maioria assume a forma jurídica de associações, seguidas

pelas fundações, que, vinculadas às empresas privadas, possuem mais recursos e estrutura

profissional, e pelas Organizações não Governamentais vinculadas a segmentos sociais. 110

Segundo documento promovido pelo Conselho da Comunidade Solidária, muitos

são os temas prioritários no Terceiro Setor brasileiro: o estabelecimento de uma

identidade, a regulamentação de contratos e convênios, a criação de mecanismos de

fiscalização e certificação especializados, a criação de incentivos fiscais para aumentar as

doações, a criação de um sistema unificado de informações, entre outros. 111

Coelho explica que o Estado, quando considerado um dos vértices de um modelo

social tripartite, e dada a crescente dificuldade de financiamento e gestão das políticas

sociais, pode assumir dois tipos de posturas: um papel político meramente diretivo,

regulador e normativo ou um papel restrito no atendimento dos direitos universais,

assumindo também, nesse caso, a responsabilidade diretiva e fiscalizadora das atividades

110 COELHO, Simone de C. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. São Paulo: Editora Senac SP, 2000. 111 Conselho da Comunidade Solidária - Agência do Governo criada na gestão de Fernando Henrique Cardoso, responsável pela orquestração de causas sociais e distribuição de recursos públicos.

81

terceirizadas. 112

Portanto, a tendência futura é que o papel das organizações não-governamentais

na América Latina tende a crescer e a se firmar, substituindo, em muitos casos, as ações

governamentais, uma vez que essas parcerias empresariais estejam focadas no

atendimento das demandas sociais.

Presume-se, então, que novas formas de política social estarão cada vez mais

presentes na forma de fazer negócios em países em desenvolvimento, como é o caso do

Brasil.

Em recente pesquisa realizada pelo Instituo de Pesquisas Econômicas Aplicadas

- IPEA - ficou demonstrada a percepção dos empresários sobre a sua atuação na área

social. 113

Foram ouvidas 9.978 empresas em todo o país, baseado em cadastro mantido

pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com dados da Relação Anual de Informações

Sociais (RAIS) e do Cadastro de Empregados e Desempregados (CAGED).

O enfoque da entrevista foram as ações voluntárias desenvolvidas apenas entre

as empresas e a comunidade, considerando desde os trabalhos de atendimento

emergencial como, por exemplo, a doação de agasalhos até as iniciativas de duração

prolongada e que requerem mais recursos. 114

• Setenta e oito por cento (78%) do empresariado brasileiro entende que as ações sociais são responsabilidade do Estado, mas se vêem no dever de intervir em razão do Governo não cumprir sua tarefa. Os empreendedores não têm a pretensão de substituir o Estado neste sentido, mas apenas compensar sua insuficiência em determinados fatores. • Cinqüenta e cinco por cento deles (55%) afirmaram que só não atuam

112 COELHO, Simone de C. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. São Paulo: Editora Senac SP, 2000. 113 IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - pesquisa “A iniciativa privada e o espírito público” Revista Desafios do Desenvolvimento, disponível em http://www.ipea.gov.br, acesso em 02 de fevereiro de 2007. 114 Idem.

82

mais em prol das comunidades em razão da falta de recursos e apenas oito por cento (8%) do empresariado afirmaram não ter nenhum interesse nas causas sociais. • De todas as empresas pesquisadas, apenas (2%) aproveitaram os incentivos fiscais em suas ações sociais. Um fato interessante sobre este apontamento é que a maioria das empresas evitam a parceria com o Estado (através do repasse de subsídios) temerárias à vinculação de suas imagens à política partidária ou aos governantes. • Ficou demonstrado que o perfil do atendimento privado ainda é “predominantemente emergencial”, a maioria das empresas atuam em ações imediatas à sociedade onde estão inseridas, e os principais alvos são crianças (62%) e idosos (39%).115

A pesquisa demonstrou de forma clara que a motivação em causas humanitárias,

saúde, educação, dignidade do trabalhador é o principal alvo propulsor dos investimentos

sociais para as empresas, embora ainda o alcance dessa conscientização não seja geral.

São poucas as estatísticas que possibilitam a avaliação mais precisa sobre a

atuação das empresas brasileiras no contexto social, restando apenas observações

genéricas demonstrando que as ações são efetivadas por motivações distintas das

anteriores, consideradas como filantrópicas ou como caridade. Atualmente, há uma nova

concepção sobre as práticas responsáveis.

Também são implementados, nas empresas brasileiras, novos conceitos sobre

trabalho, com modernas estratégias visando acima de tudo o resgate da dignidade do

trabalhador, com salários justos, investimentos em educação e saúde. No mais, de uma

maneira geral, há um comprometimento com as práticas executadas, a ponto de

influenciar outras iniciativas empresariais.

O trabalhador passa a ser considerado como um tipo humano e não mais como

instrumento. O homem é abordado amplamente como ente coletivo, diminuindo a figura

do operário, trabalhador e proletário e ressaltando a figura do colaborador; aquele que

veste a camisa da empresa, que tem responsabilidade de inovar e renovar, aprimorando

serviços.

115 Idem.

83

Sem dúvida há uma maior preocupação do setor privado com os problemas

sociais. À medida que o Estado se apresenta insuficiente e omisso em suprir essas

necessidades, as organizações movem-se em busca de saná-las. Desse modo, é

interessante transcrever as palavras de Rossetti, acerca do tema:

O Brasil é desigual ao extremo. E os empresários brasileiros vêm percebendo que é inconciliável, tanto do ponto de vista ético como dos negócios, um cenário social em que coabitam empresas saudáveis e em crescimento, inseridas numa sociedade enferma, com um fosso cada vez maior a separar cidadãos ricos e pobres. 116

A desigualdade social ainda é o maior problema da sociedade brasileira. É

necessário buscar uma cultura nova capaz de compreender o real impacto negativo que

esse fator traz para o desenvolvimento econômico empresarial.

A Constituição Federal estabelece como objetivos da República a construção de

uma sociedade livre, justa e solidária, reduzindo as desigualdades sociais. Como

Fundamento do Estado Democrático de direitos tem-se a cidadania, a dignidade da pessoa

humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Quanto aos direitos sociais a Constituição Federal inclui a educação, saúde,

moradia, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à

infância, e assistência aos desamparados. Contudo, vê-se que a Constituição Federal

reflete uma combinação de direitos humanos e direitos do cidadão, representando um

avanço considerável em termos de direitos.

No entanto, a realidade brasileira reflete uma profunda contradição com os ideais

proclamados, visto que o país convive com uma triste desigualdade social, fruto da

concentração de renda que origina no empobrecimento da classe trabalhadora. Os

elementos da crise econômica e o curso da reforma do Estado criaram obstáculos à

aplicação dos preceitos constitucionais.

116 ROSSETTI, Fernando. Pesquisa “A iniciativa privada e o espírito público”, publicada na revista “Desafios do Desenvolvimento”, IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), disponível em http://www.ipea.gov.br, acesso em 02 de fevereiro de 2007.

84

As políticas econômicas atuais têm subordinado todas as demais políticas,

inclusive as sociais. Nesse caso, uma mudança de concepção produzindo uma cultura

nova que contemple uma compreensão do impacto da desigualdade social no cotidiano é

fundamental.

Segundo Ianni, são três os principais fatores que agravam o índice de

desigualdades sociais no Brasil; a falta de oportunidades e acesso ao ensino superior; a

questão demográfica representada por altas taxas de natalidade e o direcionamento

equivocado do gasto público.117

Tais fatores revelam que a postura do Estado na condição de provedor do bem

comum encontra-se paralisado por interesses econômicos, portanto a previsão da garantia

à cidadania, bem como da redução das desigualdades sociais desarticula-se da

responsabilidade exclusiva deste Estado e torna-se um predicado da empresa, pela

afirmação da responsabilidade social como modalidade de prestação de serviços sociais.

Diante dessa triste realidade, é importante analisar como andam as ações de

responsabilidade social nas empresas estrangeiras, o seu desenvolvimento, as inovações

na busca de uma possível comparação em termos de desenvolvimento, já que naqueles

países, o tema começou a ser difundido muito antes que no Brasil.

3.3 RESPONSABILIDADE SOCIAL NA EMPRESA ESTRANGEIRA

Para se falar em Responsabilidade Social na empresa estrangeira é necessário

primeiramente focar a tradição do caso americano, porque este foi o precursor do

pensamento social nas ações empresariais.

Desde o século XVI, existe, nos Estados Unidos da América do Norte, a relação

117 IANNI, Octavio. Estado e Planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.

85

de parceria entre Estado e Empresa. Nas colônias americanas foram aparecendo a

formação de empresas com o objetivo de prestar serviços de construção, transporte e

infra-estrutura.

As Empresas eram reguladas de acordo com o tipo de atividade desenvolvida, o

seu tamanho, o número de empregados e a estrutura de capital, lembrando, que nessa

época, a concepção americana sobre empresas era enfocada na teoria de Friedmam; que

era a busca de lucros de seus acionistas. 118

No início do século XX, ocorreu um marco da história da responsabilidade social

americana, inclusive citado em várias obras estrangeiras e nacionais, sobre o caso “Dodge

versus Ford”. Esse marco concretizou-se quando Henry Ford, acionista majoritário da

Empresa resolveu distribuir parte dos lucros em investimentos sociais, como o aumento

de salário dos empregados e a criação de um fundo de reserva para a eventual redução de

receita. 119

Obviamente que na concepção americana da época a suprema corte de justiça

posicionou-se a favor dos Dodges, sob a justificativa de que as corporações existem para

o benefício dos acionistas, não podendo usar os lucros para outra finalidade. A partir

desse momento, as práticas sociais realizadas pelas empresas eram amplamente

condenadas e a filantropia era praticada apenas por meio de doações pessoais dos

empresários.

Esse painel começou a sofrer alterações em 1930, pois, como as grandes

Empresas eram responsáveis pelo desenvolvimento do país naquela época, em razão de

interesses políticos, passaram a realizar ações de cunho filantrópico. A Justiça americana,

por sua vez, passou a determinar que as grandes Empresas estabelecessem leis sobre a

filantropia corporativa para buscar o desenvolvimento social.

118 COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007. 119 ASHLEY, Patrícia. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005.

86

Com a introdução da política de intervenção do Estado na economia,

favoreceram os investimentos pelas Empresas em tecnologia e a acumulação de capital,

tornando viável a realização de projetos sociais, causando a ruptura do contexto

tradicional sobre as práticas sociais das grandes corporações americanas, conforme

demonstra Cappellin:

Com as pressões da sociedade e do Estado, a ação filantrópica passou a ser promovida pela própria empresa, simbolizando o início da incorporação da temática social na gestão empresarial. Portanto, falar de responsabilidade social empresarial nos Estados Unidos é referir-se às exigências que se sobrepunham à fragilidade da capacidade do Estado de regular o controle da autonomia das empresas durante este período. 120

Nesse momento começaram surgir as parcerias entre Estado e empresariado

americano na provisão de bens comuns, bem como a concorrência entre as próprias

Empresas no desenvolvimento de ações de políticas redistributivas. Esse novo paradigma

vivenciado na sociedade americana fez com que o Estado se sentisse obrigado a investir

em fundos públicos, no sentido de dar proteção aos necessitados.

Somente quando as elites econômicas viram vantagens na coletivização de soluções a problemas sociais é que o poder público se tornou agente natural na provisão de “bens da cidadania” como educação, saúde e previdência. Ou seja, tanto para os grandes empresários como para os trabalhadores, a seguridade social se converteu cada vez numa questão de custos e controles e, finalmente, num tema de negociação. [...] Surge algo que pode ser chamado de “consciência social” de todos os membros de uma coletividade nacional vinculados a um substrato de responsabilidade que ia além da ação individual até alcançar , a partir do esforço das iniciativas de políticos e administradores reformistas encarregados da burocracia estatal, uma orientação para uma política nacional em que o Estado central proviria à segurança e proteção dos bens coletivos. [...] Portanto, o Estado-Providência sacrificou capitalistas individuais que deixaram de ter alguns lucros que tinham antes, em favor, no entanto, de um melhor funcionamento da sociedade, o que, no seu conjunto, acabou por favorecer ao próprio capitalismo, ou seja, o Estado-Providência surge como forma de domesticar a solidariedade social dos trabalhadores, através do consenso do

120 CAPPELLIN, Paola; Relatório de Pesquisa. Nações Unidas, apud COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005.

87

empresariado.121

Iniciou-se uma nova fase de coletivização, quando empresariado e Estado se

conscientizaram e uniram-se em prol de uma sociedade melhor.

A partir de 1970, o Estado americano foi abalado em sua credibilidade pública

em razão da crise econômica, à medida que se tornou enfraquecido diante de sua

ineficiência administrativa. Nesse momento, a necessidade de o Estado atuar em conjunto

com a sociedade civil, mercado e principalmente as grandes Empresas, para resolução de

problemas sociais, foi notória.

O governo dos Estados Unidos da América criou órgãos regulatórios que

formaram os pontos de referência da responsabilidade social empresarial, fazendo com

que crescesse o número de ações responsáveis. Entre os vários órgãos regulatórios

existentes estão a Agência de Proteção ao Meio Ambiente - EPA - e a Comissão de

Segurança nos Produtos ao Consumidor - CPSC - que foram os responsáveis pela criação

de práticas empresariais. 122

Em 1996, foi realizada a primeira conferência americana entre empresários,

governos, líderes trabalhistas e sociedade para disseminar e incentivar práticas de

cidadania empresarial, marcando o início de uma nova concepção.

Com um mercado altamente competitivo, as Empresas americanas viram-se no

dever de buscar práticas diferenciadas perante a sociedade e os consumidores, para se

manterem no mercado. Foi necessária uma reestruturação nas empresas, começando por

investimentos em trabalhadores mais qualificados, tecnologias avançadas, integração com

as comunidades e respeito ao meio ambiente, em atendimento às exigências dos

consumidores.

121 COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo nº230 publicado no CES - Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007. 122 JONES, Audra. Artigo, Procurando o sentido da Responsabilidade Social Corporativa, Revista Giving, USA, 1997.

88

Atualmente, o governo dos Estados Unidos da América continua a regular o

comportamento empresarial. São exemplos mais recentes a Lei de Reinvestimento na

Comunidade para o setor bancário, a Lei do ar puro e a Lei de Reforma da Contabilidade

das Empresas Públicas e Proteção dos Investidores - Lei Sarbanes Oxley.123

Cabe salientar que essas leis dizem respeito às posturas empresarias no ambiente

interno e às práticas sociais desenvolvidas no ambiente externo das Empresas, com

relação aos consumidores, a toda a sociedade que se consolidou em razão de incentivos

fiscais às Empresas adeptas à filantropia. No entanto, sabe-se que esse não é o meio mais

eficaz de solucionar os problemas sociais.

Não são todas as Empresas americanas que estão mudando seu contexto com

relação à postura ética e social. Muitas ainda persistem na responsabilidade da emissão de

poluentes e resistentes às mudanças em razão do fator econômico.

Buscar-se-ão exemplos de ações conduzidas de forma responsável, por meio de

parcerias com o Estado, Fundações, instituições e outras Empresas, para verificar a

efetividade da responsabilidade social em outros países.

3.3.1 Parcerias e Estratégias

Com a finalidade de conduzir e orientar as práticas socialmente responsáveis

desenvolvidas pelas Empresas, formaram-se organizações para difundir várias formas de

gestão para o maior número de Empresas possíveis, a fim de verificar o cumprimento de

tais normas, estabelecerem orientações sobre a garantia de qualidade nos negócios, sejam

elas estratégias nacionais ou estrangeiras.

Exemplos dessas organizações são a CEPAA - Council on Economic Priorities

Accreditation Agency e a SAI - Social Accountability International, organizações

americanas não governamentais, fundadas em 1997 com o propósito de criar Códigos de 123 Ob. Cit.

89

Condutas para as empresas.

A criação dos Códigos de Condutas ou Códigos de Ética foi uma grande

inovação e amplamente desenvolvidos pelas grandes Empresas americanas, abrangendo

condutas dos empregados, preocupação com meio ambiente, criação de metas específicas

para atender as expectativas e às exigências dos consumidores e sociedade em geral.

Os Códigos de Condutas que recebem o respaldo não somente do Governo, mas

dos sindicatos e das Empresas estrangeiras, são a Declaração Tripartite de Princípios

sobre Empresas Multinacionais e Política Social da Organização Internacional do

Trabalho (OIT) e as Diretrizes da Organização Comercial de Desenvolvimento

Empresarial (OCDE) para Empresas Multinacionais.

A Declaração Tripartite de princípios da Organização Internacional do Trabalho

- OIT - é adotado por Governos, organizações de empregadores e organizações de

trabalhadores. A Declaração foi revisada e ampliada em 2000, reafirmando os Direitos

Fundamentais no Trabalho e fazendo uma série de recomendações para os

trabalhadores.124

Os objetivos da Declaração são, dentro dos marcos legais nacionais e

internacionais, fomentar a contribuição positiva das Empresas multinacionais ao

progresso econômico e social, minimizando e resolvendo as dificuldades que suas

operações possam causar.

A função das condutas diretivas da Declaração propõe para as Empresas locais

uma oportunidade para fazer alianças com mercados globais, e para os Governos

representa um campo para as Empresas atrair investimentos multinacionais e promover o

trabalho digno.

As diretrizes da Organização Comercial de Desenvolvimento Empresarial -

OCDE para Empresas multinacionais são recomendações dos Governos às Empresas 124 KRAEMER, Maria Elizabeth. Artigo: Marco referencial da responsabilidade social corporativa. Disponível em http:// www.gestiopolis.com/canales5/fin/marcore.htm, acesso em 25 de maio de 2007.

90

multinacionais que definem princípios e padrões de cumprimento voluntário, de acordo

com as legislações nacionais, visando promover uma conduta empresarial responsável.

Desde 1976, foram aprovadas as diretrizes, sendo compostas por 30 países

membros, entre eles a Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia, Dinamarca,

Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Hungria, Irlanda,

Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos,

Polônia, Portugal, República Checa, República Eslovaca, Suécia, Suíça e Turquia, e agora

recentemente também a Argentina, Brasil e Chile. A sede da OCDE é em Paris, na

França. 125

A finalidade principal da organização é construir economias fortes nos países

membros, melhorar a eficiência e os sistemas de mercados, expandir o livre comércio e

contribuir para o desenvolvimento desses países.

A partir de 1998, a Organização Comercial de Desenvolvimento Empresarial

reconhece o desenvolvimento sustentável como prioridade, interpretando o termo

“sustentável” com a inclusão de considerações sociais, ambientais e econômicas, e

impondo regras para o respeito às legislações nacionais, acordos, princípios e pactos

internacionais sobre o Meio Ambiente. 126

Outros aspectos de grande importância também são observados pelas diretrizes

da Organização Comercial de Desenvolvimento Empresarial como o combate à

corrupção, mantendo a ética por meio da transparência das atividades, mantendo um

diálogo aberto com trabalhadores e sociedade. Outro fator importante é respeitar os

interesses dos consumidores, evitar atividade que prejudique as regras legais da livre

concorrência e cumprir as obrigações fiscais dos países onde estão instaladas.

Essa mesma organização proporcionou a criação de um Código de Conduta para 125 Disponível em http://www.balancosocial.org.br/media/DiretrizesOCDE-aplicação, acesso em 08/02/2007. 126 KRAEMER, Maria Elizabeth. Artigo: Marco referencial da responsabilidade social corporativa. Disponível em http:// www.gestiopolis.com/canales5/fin/marcore.htm, acesso em 25 de maio de 2007.

91

as Empresas multinacionais, sugerindo as diretrizes essenciais para a conduta em

sociedade, orientando princípios e normas de responsabilidade voltadas para potencializar

a contribuição das Empresas para o desenvolvimento sustentável. Estas, por meio das

diretrizes, devem garantir a divulgação de informação pontual, periódica e precisa sobre

suas atividades políticas, sociais, éticas e de meio ambiente. 127

Ainda sobre a disseminação do tema da responsabilidade empresarial em todo o

mundo, em meados de 2000, no âmbito das Nações Unidas, foi lançado o Pacto Global -

Global Compact - que consiste num Código de Conduta de adesão voluntária para

Empresas e organizações contendo nove princípios divididos em três áreas: direitos

humanos, direitos laborais e defesa do ambiente.

Sob as pressões da crescente preocupação dos efeitos da globalização, as

lideranças empresariais foram convocadas a se unir em uma iniciativa global para, em

parceria com algumas agências das Nações Unidas, organizações do trabalho,

organizações não governamentais e sociedade civil, contribuir para os avanços da prática

da responsabilidade social corporativa, na busca de uma economia global mais

sustentável e inclusiva.

As agências das Nações Unidas envolvidas com o Pacto Global são o Alto

Comissariado para Direitos Humanos, Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente - PNUMA - Organização Internacional do Trabalho - OIT, Organização das

Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial - UNIDO e o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. 128

Mediante consolidação do Pacto Global em princípios aceitos

internacionalmente, as Empresas embasam-se por valores universalmente sustentados e

endossados. 129

127 Balanço Social. Disponível em http://www.balancosocial.org.br/media/DiretrizesOCDE-aplicação, acesso em 08/02/2007. 128 Pacto Global. Disponível em http://www.pactoglobal.org/br/view.phb=mat=49 , acesso em 08/02/2007. 129 Ob. Cit.

92

Cabe salientar, de grande importância para este estudo, os princípios universais

do Pacto Global, como respeito e proteção, incluídos nos Princípios de Direitos Humanos,

bem como Princípios do direito do trabalho, apoiando a liberdade de associação no

trabalho, a abolição do trabalho infantil e forçado, e a eliminação da discriminação no

ambiente de trabalho.

Outro grande princípio universal constante do Pacto Global refere-se à proteção

ambiental, apoiando uma abordagem preventiva nos desafios ambientais, promovendo a

responsabilidade ambiental e fomentando tecnologias que não agridem o meio ambiente.

Necessária se faz a abordagem de que o Pacto Global mantém o chamado

“Learning Forum”, que disponibiliza um banco de práticas e realiza encontros anuais com

seus participantes. O Learning Fórum é uma das suas mais importantes ferramentas, pois

possibilita a troca de conhecimentos e experiências entre os diversos atores do processo

econômico e social de todo o mundo. 130

A criação do Livro Verde da Comissão Européia em 2001, com o objetivo de

promover um quadro europeu para a responsabilidade social das Empresas, buscou a

orientação sobre a adoção de práticas para maior rentabilidade e competitividade das

Empresas e o desenvolvimento econômico da sociedade.

O Livro Verde define a responsabilidade social corporativa como a “integração

voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das Empresas nas suas

operações e na sua interação com outras partes interessadas”, conscientes de que um

comportamento responsável é fonte de êxitos comerciais duradouros. 131

O debate preconizado por este instrumento implica a gestão da mudança

empresarial sob o fundamento de conduzir as práticas socialmente responsáveis,

assumindo compromissos de forma equilibrada e amplamente aceitável. Com esse

processo de mudança de forma responsável, as Empresas acusarão efeitos positivos no 130 Idem. 131 KRAEMER, Maria Elizabeth. Artigo: Marco referencial da responsabilidade social corporativa. Disponível em http:// www.gestiopolis.com/canales5/fin/marcore.htm, acesso em 25 de maio de 2007.

93

nível macroeconômico.

Cabe também salientar sobre o Livro Verde a divisão das áreas de conteúdo de

responsabilidade social corporativa nos seus aspectos internos e externos. A dimensão

interna implica as práticas relativas ao investimento do capital humano, na saúde,

segurança, enquanto no seu aspecto externo a responsabilidade social ultrapassa a esfera

da própria Empresa e se estende à comunidade local, envolvendo outras partes

interessadas, como acionistas, fornecedores, clientes, ou seja, a própria sociedade. 132

Todos esses princípios elencados demonstram o marco referencial teórico para a

implementação das diretrizes usadas nas práticas de responsabilidade social corporativa

pelas empresas em todo o mundo, apresentando um grande contributo no enfrentamento

dos grandes desafios da contemporaneidade, por meio da solidez e amplitude que eles

representam.

Por sua vez, Portugal vê-se inserido no contexto dos países que adotam essa

nova postura e procura assimilar as Diretrizes da União Européia, uma vez que o país se

encontra em período de decrescente industrialização.

As nossas responsabilidades sociais, antes de mais, têm que ver com o quadro insatisfatório que estamos a viver. (...) No caso português é mais grave porque, além de uma legislação inadequada, temos o seu incumprimento generalizado. Antes de qualquer acréscimo de exigências sociais - importantes em si mesmas - é necessário que a lei seja cumprida, é necessário que a lei seja correta, e é necessário que haja resposta em tempo aos desafios incontornáveis que se aproximam, com o alargamento da União Européia, e com a globalização mundial do comércio e dos movimentos de capitais, que verdadeiramente põem em causa a eficácia da nossa atual base econômica e do funcionamento das instituições públicas. 133

Existe a preocupação de adequação imediata das organizações econômicas nessa

nova concepção de gerir os negócios de forma a alcançar a sustentabilidade, porque o

mercado está mais exigente diante da industrialização e livre comércio ocasionados pela

132 Ob. Cit. 133 CES - Conselho Econômico e Social - Portugal - Disponível em http://www.ces.pt/cms/153 , acesso em 18 de fevereiro de 2007.

94

globalização.

No mais, o Conselho Econômico e Social de Portugal entende ser necessária uma

rápida implementação da legislação por entendê-la inadequada e ineficaz diante da

realidade atual do país.

Vale ressaltar que o artigo 92º da Constituição da República Portuguesa atribui

dois tipos de funções ao Conselho Econômico e Social: a função consultiva e a função de

concertação social.

A função consultiva baseia-se na participação das organizações representativas

da sociedade e da economia e concretiza-se por meio da produção de pareceres sobre

propostas ou projetos de textos legislativos que os órgãos pretendam adotar, ou sobre

quaisquer matérias de política econômica e social, por imperativo legal, por iniciativa do

Governo ou de outros órgãos de soberania, ou por iniciativa própria do Conselho

Econômico Social.

A função de concertação social tem por objetivo promover o diálogo social e a

negociação entre o Governo e os parceiros sociais como os sindicatos e associações

patronais e é exercida com base em negociações tripartidas entre representantes daquelas

entidades, pelas quais se procura firmar acordos de concertação social em domínios

específicos da política econômica e social. 134

Embora artigos recentes demonstrem certa resistência e falta de conscientização

das Empresas portuguesas em assumir uma postura responsável, verifica-se atualmente o

tema sendo difundido em artigos, jornais e obras.

Sobre esse aspecto, uma nova esperança apresenta-se de tal modo que já se

encontra em discussão e debates a elaboração do anteprojeto da Norma Portuguesa de

134 Ob. Cit.

95

Responsabilidade Social, inclusive, em novembro de 2006, foi tema amplamente

discutido entre as autoridades locais na 4ª Reunião do Fórum de Ética e Responsabilidade

Social realizada em Lisboa.

Assim como Portugal, muitos são os países engajados no movimento de

conscientização e desenvolvimento de projetos de inclusão social que beneficiem a

sociedade, por meio de instituições localizadas que implementam a divulgação desse

trabalho, como a Business for Social Responsability, com sede nos Estados Unidos da

América, a Word Business Council for Sustainable Development , na Suíça e Corporate

Social Responsability, com sede na Holanda. 135

Na Espanha, cabe ressaltar o trabalho desenvolvido pela Fundação Avina,

instituição de Ecologia e Desenvolvimento, que se associa a líderes da sociedade civil e

do empresariado em suas iniciativas para a promoção do desenvolvimento sustentável.

No âmbito da transparência das ações, as empresas espanholas têm apresentado

considerável evolução, com a elaboração de seus memoriais de sustentabilidade

(memoriais de sostenibilidad), tornando matéria habitual nos meios de comunicações

espanhóis, desde 2002. 136

Na Holanda o processo de desenvolvimento sobre o tema já vem sendo discutido

há mais de 10 anos, com a participação da sociedade civil, embora nos últimos anos se

verifique um entrave em relação ao desacordo e colaboração entre algumas empresas e a

sociedade civil, com respeito a alguns temas específicos. Não há uma política específica

do governo Holandês com relação ao tema, nem mesmo o interesse pelas sociedades civis

em difundir o assunto. 137

135 Ob. Cit. 136 Anuário Espanhol de Responsabilidade Social Corporativa, elaborado pela Fundación Ecologia y Desarrollo por la Fundación Avina, disponível em http://www.ecodes.org/documentos/archivo/AnuarioRSC2006.pdf, acesso em 18/02/2007. 137 Visão e Propostas da Red Puentes sobre Responsabilidade Social nas Empresas da América Latina, disponível em http//: www.redpuentes.org , acesso em 18 de fevereiro de 2007.

96

De uma maneira geral, a extensão das práticas sociais na Europa deve-se em

razão de uma preocupação social oriunda da tradição cultuada pelos europeus que se

valem do reconhecimento sobre a escassez de recursos naturais existentes e por isso

procuram implementar suas ações em prol da valorização da natureza.

As pressões da sociedade civil organizada e os incentivos fiscais proporcionados

pelo Governo em contribuição à Empresa e ao desenvolvimento econômico, de maneira a

estabelecer mecanismos indutores às práticas sociais, bem como a conscientização e

imposição de regras, fazem com que as práticas de responsabilidade social na Europa

sejam cada vez menos voluntárias.

O voluntarismo das ações sociais como responsabilidade das empresas européias

deixou de existir quando a cobrança advinda da sociedade e as diretrizes condutoras do

Governo estabeleceram uma espécie de regramento capaz de conscientizar e moldar as

empresas nas suas condutas sociais e responsáveis.

No âmbito da América Latina, ao contrário das Empresas européias, na ausência

de pressão da sociedade e diante de Governos omissos na imposição de regramentos e

imposição de perfis estratégicos, as Empresas estão caminhando para a conscientização

de comportamentos voluntários sobre a responsabilidade que a atividade econômica tem

com relação à sociedade.

Segundo Aguero, há alguns exemplos de organizações que implementam

parcerias com Organizações não Governamentais locais e internacionais, universidades,

agências governamentais, centros de pesquisas, fundações filantrópicas, inclusive com o

Institutho Ethos no Brasil, Acción Empresarial no Chile, Fundemas em El Salvador,

Mexican Center for Philanthropy no Peru, entre outras organizações similares na

Argentina, Colômbia e Panamá. 138

Desenvolve-se ainda na América Latina uma associação voluntária composta por

seis países, a Red Puentes que tem como objetivo o desenvolvimento da cultura das 138 AGUERO, Felipe, apud COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007.

97

práticas da responsabilidade social. Por meio da visão da Red Puentes de que as Empresas

multinacionais devem ser responsáveis pela aplicação dos padrões internacionais,

realizou-se pesquisa em que se observam os contrastes vividos nestes países, nos últimos

anos. 139

No México a partir da década de 1990, o tema da responsabilidade social vem

ganhando significativa relevância, em razão do aumento de fundações e de programas

sociais corporativos, com a intervenção dos empresários, em campos que, anteriormente,

eram domínio exclusivo de Estado.

É relevante o aumento de sócios corporativos e o interesse pelas Empresas em

receber o “Selo Empresa Socialmente Responsável”, além da criação das Câmaras e

Conselhos Empresariais, chamadas de AliarRSE, da União Social dos Empresários

Mexicanos -USEM e da Administração por Valores - AVAL. Embora tenha havido

avanços consideráveis nos últimos anos, o país ainda caminha lentamente no

desenvolvimento das práticas cidadãs. 140

Na Argentina, depois da relevante crise econômica vivenciada pelo país nos

últimos anos, está surgindo um novo discurso sobre a responsabilidade social, partindo

das organizações da sociedade civil e das organizações sindicais.

O Estado começa a interessar-se e a ocupar-se deste tema por meio de seminários

ou da criação de áreas de responsabilidade social empresarial, inclusive contando com a

manifestação do Ministério do Trabalho em querer participar ativamente e em conjunto

com a Chancelaria Nacional do Trabalho. Desse modo, verifica-se um crescente interesse

da sociedade em difundir o tema da responsabilidade social da Empresa. 141

Em pesquisa recente realizada no ano de 2005 sobre a responsabilidade social na

139 Visão e Propostas da Red Puentes sobre Responsabilidade Social nas Empresas da América Latina, disponível em http//:www.redpuentes.org , acesso em 18 de fevereiro de 2007. (A Red Puentes é uma associação de ONGs da América Latina e Europa, que possui a missão de promover o desenvolvimento da responsabilidade social nas empresas). 140 Ob. Cit. 141 Ob. Cit

98

Argentina, verificou-se que a grande maioria das empresas realiza suas ações em forma

de doações em dinheiro ou em produtos, de cunho filantrópico. Apenas 25% das empresas

contam com fundações corporativas, e a destinação dos benefícios é para a educação

básica, combate à pobreza, saúde e desenvolvimento da infância. 142

No Chile, há um notável desenvolvimento do tema em termos conceituais,

inclusive com a atuação de instituições especializadas no assunto como Acción RES, Por

Humana, Red Puentes e ACHS, Sofofa. O trabalho persistente de divulgação, deu origem

a um significativo aumento no número de Empresas a incorporar em sua gestão a norma

ISO e as certificações.

Apesar de o país viver uma fase econômico-financeira estável com forte razão

para o movimento prosperar, pesquisas recentes demonstram que as iniciativas de

responsabilidade social empresarial no Chile não passam de 300 Empresas, a maioria

delas, do mesmo modo que a Argentina investe em ações filantrópicas e de investimento

comunitário apenas. 143 Nesse país, a Red Puentes trabalha com afinco no

desenvolvimento do tema, pois acredita em que seja necessário o investimento ou

capacitação em um novo modelo de Empresa, capaz de gerir uma nova concepção de

princípios éticos, transparência e equidade. Conforme se manifesta o último documento

Red Puentes Internacional, no ano de 2005.

Grande parte dos problemas sociais e ambientais do planeta são produtos de uma gestão empresarial não ética, ilegítima, ambiciosa e irresponsável, facilitada pela falta de marcos legais apropriados e por governos e sistemas de regulação, controle e fiscalização frageis e pouco eficientes. Por isto, é fundamental um conceito no qual se compromete a avançar em direção à um novo tipo de empresa em que será fundamental uma administração animada e enquadrada em superação por princípios éticos de transparência, responsabilidade, respeito e equidade. .144

142 UDESA - Universidade de Buenos Aires, Argentina. Pesquisa 2005, sobre a responsabilidade social empresarial, disponível em http:// www.udesa.ed.ar, acesso em 20/03/2007. 143 Ibidem 144 Visão e Propostas da Red Puentes sobre Responsabilidade Social nas Empresas da América Latina, disponível em http//: www.redpuentes.org , acesso em 18 de fevereiro de 2.007. tradução nossa (Gran parte de los problemas sociales y ambientales del planeta son producto de uma gestión empresarial no ética, ilegítima, codiciosa e irresponsable, facilitada por la falta de marcos legales apropiados y por gobiernos y sistemas de regulación, control y fiscalización frágiles y poco

99

Contudo, vem se desenvolvendo, na América Latina, uma agenda sobre práticas

de responsabilidade social, a importância da adoção dessas práticas no contexto

empresarial de cada país, uma vez que, passando por períodos de crises econômicas,

acabam possuindo as mesmas características, portanto enfrentando as mesmas

dificuldades de estabelecer práticas sociais em prol da sociedade.

[...] um Estado fraco, a democratização e as reformas neoliberais. Com as privatizações, o setor privado fica mais poderoso, aumenta a complexidade organizacional e, diante da mobilização da sociedade civil organizada, as empresas passam a se preocupar com a sua legitimidade no cenário de crises, incertezas, baixo crescimento, do aumento do desemprego e das desigualdades sociais. Cria-se para o empresariado oportunidades de sair de seus limites corporativos estreitos para ter uma visão mais assertiva, nacional e universalista. 145

Todos os acontecimentos citados inter-relacionam-se nos países da América

Latina ao sofrerem pressão sobre a questão social, desigualdades e desemprego, por isso

buscam, na organização com instituições, novas oportunidades de responderem às

expectativas dos consumidores mais exigentes e conscientes de enfrentar as pressões do

mercado, por meio de inovações gerenciais e práticas socialmente responsáveis.

Porém, esses fatores combinam-se e são articulados de maneira ímpar em cada

sociedade de acordo com as necessidades e os momentos políticos e sociais que estão

vivendo.

As concepções inovadoras das práticas sociais no ambiente empresarial têm a

mesma base sustentadora, os mesmos princípios e o mesmo alcance em todos os países da

América Latina, porém diferenciam-se de acordo com o que representam em cada país.

Enquanto que, no Peru, a responsabilidade social empresarial surge como uma reação política das elites empresariais peruana, no Chile, a

eficientes. Poe esto, lo fundamental que promete el concepto de la ser es avanzar hacia um nuevo tipo de empresa que em lo fundamental sea gestionada, animada y enmarcada em suoperación por principios éticos de transparência, responsabilidad, respeto y equidad.) 145 COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007.

100

responsabilidade social empresarial surge com uma conotação religiosa e humanitária, como resposta ao profundo enriquecimento do empresariado local, ao lado da consciência das imensas desigualdades sociais. E outros contrastes também podem ser observados no México e Argentina. O grande contraste observado é entre o Brasil e os demais países. O caso brasileiro é singular, pois a responsabilidade social empresarial nasce de uma sintonia única: “com o calor da democratização do país”. (grifos nossos )146

Interessante notar que o caso brasileiro é sempre singular, em todos os aspectos

em que se analise. Enquanto em outros países da América Latina a responsabilidade

social surge como reação política ou como uma conotação religiosa, os direitos

conquistados no Brasil com o advento da Constituição Federal e como uma nova

concepção de valores sociais, fizeram com que desabrochasse do interior das sociedades a

conscientização sobre a conquista de direitos e a contraprestação por meio de deveres,

criando estratégias de melhor convivência entre os homens.

E nessas estratégicas incluem-se a atividade econômica, que, ao mesmo tempo

em que usufrui os recursos naturais pertencentes a toda sociedade, deve, em

contraprestação, compensar por meio do cumprimento de sua função social, já que a falta

de regulamentação obriga tais práticas.

Na América Latina, incluindo o Brasil, é quase inexistente a regulamentação das

práticas de responsabilidade social. Tem havido pouca ação por parte do Governo no

sentido de regular esses padrões nas Empresas em comparação com os Estados Unidos da

América que possuem vasta regulamentação sobre o tema.

No tocante à regulamentação das ações externas, como o relacionamento

Empresa e sociedade, consumidores e meio ambiente, as Empresas latino-americanas não

recebem compensações suficientes em incentivos fiscais para que sejam motivadas às

práticas socialmente responsáveis.

A sociedade torna-se fundamental para promover e cobrar das organizações 146 AGUERO, Felipe, apud COSTA, Maria Alice Nunes. Mudanças no mundo empresarial: a responsabilidade social empresarial. Artigo n. 230 publicado no CES – Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia - Universidade de Coimbra, 2005, disponível em http://www.ces.fc.uc.pt/pblicações/oficina/230/pdf, acesso em 30/01/2007.

101

empresariais uma nova postura social. Sem pressão por parte da sociedade, da

conscientização dos consumidores de uma nova conduta de comportamentos, os governos

estarão menos inclinados a criar padrões para regulamentar as práticas empresariais.

Recente pesquisa realizada pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social sobre

a “Percepção do Consumidor”, verifica-se que é crescente a conscientização da sociedade

em cobrar práticas sociais responsáveis. Os países desenvolvidos são os que mais

prestigiam as Empresas que realizam ações com boas práticas de responsabilidade social,

pela consciência da importância das práticas, ou pelo estágio avançado em que essas

Empresas se encontram. 147

Com relação à percepção dos consumidores, o país que obteve maior índice

sobre o prestígio a uma Empresa socialmente responsável foi a Austrália (53%),

contrastando com a Grécia, com o menor índice (4%), e o Brasil, que se encontra numa

posição mediana (17%), demonstrando que os consumidores podem interferir na atuação

das Empresas, por meio do efetivo consumo, e não em razão do marketing desenvolvido

em determinada companhia. 148

Outro fato relevante trazido pela pesquisa foi a manifestação de 57% dos

consumidores que consideram necessária a legislação para obrigatoriedade das

organizações no desenvolvimento de práticas sociais de cunho responsável.

Um dos motivos de grande relevância é o desconhecimento existente entre

consumidores e até empregados sobre a publicação dos relatórios empresariais. Mais de

82% dos entrevistados desconhecem esses relatórios, mas manifestam-se favoráveis e

defensores das organizações empresariais que divulgam suas práticas perante a sociedade. 149

Desse modo, é importante estabelecer linhas de raciocínio acerca da

147 ETHOS, Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. Pesquisa 2004 - Percepção do Consumidor Brasileiro, disponível em http://www.ethos.org.br , acesso em 19/02/2007. 148 Ob. Cit. 149 Ob. Cit.

102

regulamentação das normas de responsabilidade social das Empresas brasileiras, já que o

Brasil está longe de atingir o patamar social desejado e satisfatório, como nos países

desenvolvidos.

103

4 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA

A responsabilidade social empresarial passou por uma evolução de conceitos nos

últimos anos, cuja filantropia cedeu lugar ao comportamento responsável, à preocupação

com empregados, à revisão das funções dos procedimentos e à implementação de

mudanças. Esse compromisso assumido a cada dia é solidificado com a confiança e

expectativa dos indivíduos envolvidos.

Nessa evolução de conceitos, nasceu a responsabilidade social corporativa, que

nada mais é que uma terminologia usada na contemporaneidade para definir a

responsabilidade social empresarial, sendo a corporação uma ação instrumental,

conhecida como centro de referência para a responsabilidade nos negócios, uma vez que

todos os modelos de responsabilidade social incorporam idéias morais e éticas, que

mesmo não expressas conscientemente, constituem-se uma referência normativa.

A responsabilidade social corporativa abraça a idéia de coletividade. A

responsabilidade de uma corporação é a maneira de como ela deve proceder em

sociedade, e o que a constrói ou define é a soma das éticas pessoais que a compõem. A

responsabilidade corporativa é formada por indivíduos unidos por um fim comum de

pensamentos e idéias que possuem uma mesma concepção no modo de realizá-los,

estando sujeitos a “regulamentos” que vão fornecer as estratégias adequadas a seguir.

A abordagem da responsabilidade social corporativa traz o enfoque de um novo

modelo de relações sociais, econômicas e políticas, em que a relação com os stakeholders

tem uma abordagem maior do que a anterior, envolvendo questões externas ao ambiente

de mercado, como a vizinhança, a comunidade e grupos ambientalistas.

Esse novo enfoque teve início em meados de 1960 nos Estados Unidos da

América do Norte e Europa, quando o tema passou a ser discutido nos meios empresariais

104

e acadêmicos pelos posicionamentos de Bowem, Mason, Adrews e Friedman.

Segundo Felipe, dois fatores desempenharam importante papel no

desenvolvimento do tema: de um lado, a pressão da sociedade sobre as decisões atuais; de

outro, a insegurança quanto ao futuro, caso essas decisões não pudessem atender às

necessidades dessa sociedade. 150

O compromisso social implicaria uma integração dos objetivos sociais,

produzindo um enorme impacto sobre o processo produtivo, e principalmente o

envolvimento de todas as organizações empresariais, a sociedade e o Governo.

Ashley entende que a responsabilidade social corporativa não pode ser reduzida

a uma dimensão apenas “social” da empresa, mas deve-se interpretá-la por meio de uma

visão integrada de dimensões econômicas, ambientais e sociais que, reciprocamente,

relacionam-se e definem-se. E assim complementa:

Os objetivos empresariais transcenderiam os aspectos mensuráveis de emprego de fatores de produção, passando para uma forma de organização que conciliasse os interesses do indivíduo, da sociedade, da natureza, transitando do paradigma antropocêntrico, para qual a empresa é o centro de tudo, para o egocêntrico, no qual o meio ambiente é o mais importante, e a empresa, assim como os outros agentes, insere-se nele. 151

A idéia é implementar as estratégias de transmitir os valores que as Empresas

acumulam, sejam os valores econômicos ou éticos, para a promoção do bem estar público

de forma a atingi-lo interna e externamente e essas práticas possam ser vistas não somente

pelo conteúdo intrínseco, mas por possuir um valor agregado, que é a preocupação com a

questão humana, social e ambiental de maneira geral, e não apenas localizada.

Kotler e Nancy Lee foram os responsáveis pela iniciativa social corporativa e

150 FELIPE, Dair Loredo.”Os sistemas integrados de Gestão, como indicadores da responsabilidade social”, Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. 151 ASLHEY, Patrícia A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005, p.51.

105

entendem que as melhores práticas de responsabilidade são aquelas embasadas em

procedimentos organizados de planejamento, implementação e controle das ações. 152

Para esses autores, as estratégias de organização empresarial são os suportes

necessários para a tomada de decisões de investimentos da responsabilidade social. Um

grande exemplo é um marketing planejado, ético, capaz de gerar forte reputação e por

conseqüência, intensificar as vendas.

As organizações empresariais estabelecem objetivos e ditam as diretrizes que se

sobrepõem e impõem às sociedades civis, no que se referem às políticas econômico-

financeiras, tais como: transporte, habitação, saúde, educação e meio ambiente. Elas têm

como essência a condução dos negócios de forma co-responsável pelo desenvolvimento

social.

A responsabilidade social corporativa não se limita à preservação do meio

ambiente ou à filantropia. Relaciona-se à capacidade de a Empresa entender os interesses

e demandas existentes e conseguir incorporá-los no planejamento de suas atividades. O

foco central das atividades está direcionado ao engajamento institucional rumo aos

problemas sociais de tal forma que abranja um atendimento muito além das fronteiras das

negociações empresariais.

Segundo Kaufmann, na nova ordem mundial, a hegemonia nacional tem ficado

cada vez mais sob o controle das organizações multilaterais e das corporações

transnacionais com poderes econômicos e políticos decisivos, capazes de se sobrepor e

impor aos Estados Nacionais. 153

À medida que as Empresas conseguem atingir um patamar estratégico que possa

152 KOTLER, Philip e LEE, Nancy. Corporate Social Responsability Doing the most good for you company and your cause, apud FELIPE, Dair Loredo. Os sistemas integrados de Gestão, como indicadores da responsabilidade social, Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. 153 KAUFMANN, J.N. Mundialização e globalização: desafios ético-políticos. In: Ser Social. Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação em Política Social. Brasília: v.1, n.4, 1999.

106

orientar públicos distintos e se transformar em efetiva ação social, longe de filantropia e

obrigação regulatória, pode-se dizer que alcançaram o ápice da responsabilidade social

corporativa, possuindo força e poder suficientes para se sobrepor às ações do Estado.

No Brasil, os fatores que impulsionaram as Empresas na ampliação dos

conceitos e, conseqüentemente, na mudança de patamar de suas ações foram e continuam

sendo as enormes carências sociais do país, crescente grau de organização da sociedade,

ação social promovida por concorrentes, a divulgação crescente dos meios de

comunicação sobre as ações sociais das Empresas e o crescimento das expectativas da

sociedade, bem como dos próprios empregados sobre a postura social das Empresas.

Apoiadas nesses fatores sociais e inseridas no âmbito de uma nova estratégia de

atendimento às demandas da sociedade, as Empresas amparam-se na idéia de

solidariedade, baseando-se em uma divisão de responsabilidades entre Estado, Terceiro

Setor e Mercado.

Nesse momento o Estado é retirado do papel de principal responsável pela

proteção social, abrindo espaço para as Empresas capitalistas se envolverem nos

problemas sociais, por meio da construção de um espaço organizado e estratégico de

prestação de serviços como ações de responsabilidade social.

É importante ressaltar que a responsabilidade social se afirma no ambiente

empresarial como uma exigência de mercado e não como simples benevolência das

Empresas, o fator econômico também é essencial para sua sobrevivência. Isso significa

que o mercado faz exigências ao setor empresarial de ações que se compatibilizem com a

expansão dos mecanismos capitalistas que ele próprio impõe.

As relações entre mercado-Empresa passam a ser marcadas por critérios que

entram em cena a flexibilidade, produtividade, qualidade, baixo custo e menor preço,

evidenciando a exploração e compatibilização da responsabilidade social com a dimensão

econômica, de forma a efetivar e fortalecer a competitividade empresarial.

Evidencia-se que a estrutura capitalista leva Empresas a buscar medidas que

107

possam responder às necessidades impostas pela competitividade, fruto da abertura da

economia que coloca diversos setores empresariais, principalmente das indústrias diante

da competição. A disputa é árdua e merece o comprometimento eficaz, adequado e rápido

para que as empresas se sobressaiam uma perante as outras.

A responsabilidade social corporativa passa a se afirmar ao lado de sistemas de

qualidade, do desenvolvimento tecnológico, de medidas que reorganizam e orientam as

estratégias gerenciais para enfrentar a competitividade atual, como uma tática para

valorizar a Empresa e seus produtos, e assim garantir seu lugar no mercado.

É importante destacar algumas estratégias ligadas à cultura e dignidade do

trabalhador implementadas pelas Empresas corporativas, e os novos sistemas de gestão e

novo comportamento ambiental, sinalizando a afirmação e a contribuição da

responsabilidade social para a geração de um consentimento universalizador que se

constitui a realização do capital e trabalho.

4.1 CULTURA EMPRESARIAL

O principal desafio das organizações empresariais, atualmente, é mobilizar um

poder de organização para tornar as ações planejadas, democráticas, seguras e mais

sustentáveis. O mundo necessita de uma nova visão que estimule todas as pessoas a

atingir níveis mais altos de cooperação nas áreas em que compartilhem os mesmos

interesses.

Com a prerrogativa de proporcionar um bem-estar público, reduzindo os

conflitos existentes entre capital e trabalho, por meio da transmissão de valores como a

ética, moralidade, igualdade e dignidade, as organizações passam a implementar nova

estratégia empresarial de modo a fortalecer essa nova concepção de responsabilidade

diante das precárias condições de vida e de trabalho e um mercado repleto de mudanças.

108

O fortalecimento de uma cultura, pelos costumes e valores de uma sociedade é

imprescindível para a implementação das políticas empresariais, na tomada de decisões,

de forma a seguir as linhas de conduta, por meio de ações que sejam desejáveis aos

indivíduos dessa sociedade.

O conceito de cultura organizacional vem sendo pensado nas últimas décadas

como preocupação às práticas de gestão, no sentido de incluir noções de moralidade,

levando-se em consideração que toda a sociedade é composta por princípios, valores e

tradições culturais, e que de alguma forma influenciam no comportamento dos indivíduos,

das organizações e nas próprias decisões negociais.

Asley vai além da noção simplista para demonstrar a importância do fator

cultural das sociedades nas práticas de responsabilidade social empresarial.

Cada vez mais, e por diversos motivos, as organizações vêm adotando uma visão de mundo e um valor cultural antes restrito a outras áreas da sociedade: a de que é preciso agir de maneira correta para com o próximo, sendo o “próximo” entendido da forma mais abrangente possível (incluindo todos os públicos de uma empresa, a sociedade ou a nação em que se insere - possivelmente a economia global e o próprio meio ambiente). 154

Não há organização ou empresa de qualquer segmento ou porte que não tenha

suas características particulares de personalidade. Pensando por esse prisma, é inevitável

a comparação entre a cultura organizacional da Empresa e a personalidade dos indivíduos

que fazem parte dela.

Por isso, nos processos de mudança cultural e organização das Empresas é

fundamental conhecer suas características e principalmente seus elementos de formação.

Esses elementos nada mais são que a reunião de alguns fatores que têm sua origem numa

estrutura de valores éticos, crenças ou experiências, complementados pelos costumes dos

indivíduos.

154 ASHLEY, Patrícia A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005.

109

Para Max Weber, toda produção teórica no domínio das ciências da cultura só é

possível, se reportada a valores.

A significação da estrutura de um fenômeno cultural, e a causa de tal significação, não podem, contudo deduzir-se de qualquer sistema de conceitos legais, por muito perfeito que seja, como também não podem ser justificados nem explicados por ele, dado que pressupõem a relação dos fenômenos culturais com as idéias de valor. O conceito de cultura é um conceito de valor. Para nós, a realidade empírica é “cultura” porque enquanto por nós relacionada às idéias de valor, ela abrange os elementos da realidade que, através desta relação se revestem para nós de uma significação. 155

A cultura adquirida pelo homem dentro de uma sociedade só é solidificada com

ações e comportamentos de valores estruturais que possam trazer algum retorno

significante.

A distinção entre fatos e valores parte do pressuposto de que os valores não são

dados nem no plano sensível, nem no plano transcendente. “Eles são criados pelas

decisões humanas, que diferem dos atos pelos quais o espírito percebe o real e elabora a

verdade. Os valores são aceitos por causa do livre-arbítrio e da livre afirmação da

realidade.” 156

O diferencial de uma ação social estruturada e responsável está na efetividade e

valorização das condutas, no envolvimento e no compromisso dos que atendem e

daqueles que são atendidos. Desse modo, as empresas usam esses valores agregados

como uma estratégia empresarial.

A responsabilidade social empresarial tem elementos culturais que a

caracterizam como algo natural, espontâneo e gratuito por parte das empresas. É vista

perante a sociedade como ação superior, mais evoluída que a simples filantropia,

fundando-se em uma estrutura sólida que gerenciará a qualificação das ações sociais.

A cultura exercida no ambiente empresarial, e os costumes inseridos na própria 155 WEBER, Max. Sobre a Teoria das Ciências Sociais. Tradução de Carlos Grifo Babo. Editorial Presença: Lisboa, 1974, p.53-54. 156 Ob. Cit., p. 54.

110

sociedade evidenciam elementos que favorecem a construção de um consenso comum de

que a Empresa é responsável pelo bem-estar da sociedade. Essa concepção de

responsabilidade social promovida pelas Empresas nada mais é do que estratégia de

negócio que tem impactos na imagem corporativa.

Um exemplo disso é a publicação dos balanços sociais das empresas. Verifica-se

que esse procedimento já vem sendo implementado nas Empresas há muito tempo,

identificando que a ação voltada ao social se refere a algo nato e inerente àquela Empresa,

como se essa prática já fosse exercida muito antes da responsabilidade social.

A idéia que reflete desse posicionamento é que não é de agora que a Empresa faz

o bem comum, caracterizando como uma condição natural, supondo uma

responsabilidade inata.

Outro exemplo da cultura agregada nas ações de responsabilidade social é seu

fortalecimento no interior das organizações, apresentando normas e procedimentos como

a instituição dos Códigos de Ética e de conduta, ou seja, a responsabilidade social é

agregada ao gerenciamento empresarial, podendo constituir-se como um setor específico

na estrutura organizacional da Empresa. Ela passa a fazer parte na condução das

estratégias de negócio.

Funda-se como condição natural e nata, nas Empresas, as práticas de

responsabilidade social quando se trata da filantropia. Existe atualmente uma negação

dessa prática anterior que foi substituída. De certa forma, essa “alteração” dos enfoques

coloca a responsabilidade social como uma evolução de conceitos, conforme salienta

Iamamoto:

Não se trata de um ressurgimento da velha filantropia do século XIX. O que se presencia é a “filantropia do grande capital”, resultante de um amplo processo de privatização dos serviços públicos. Não mais aquelas ações levadas a efeito por “pessoas de boa vontade”, mas uma

111

outra “filantropia”, estabelecida sob novas bases, não mais românticas, mas integrada ao desenvolvimento das forças produtivas.157

A evolução de conceitos da responsabilidade social, em relação à sua antecessora

filantropia, consubstancia-se numa abertura de concepção, em que o discurso atual se

distancia cada vez mais na atuação focada em práticas pontuais e benevolentes. Esse

alargamento conceitual vai-se agregando à conduta empresarial de modo a formar novos

valores, uma nova cultura.

Em última análise, a responsabilidade social, por meio de suas práticas, remete a

valores que lançam a idéia de “boa índole”, pois centra-se na idéia de valorização do

trabalhador, respeito à sociedade, comprometimento e responsabilidade.

Esse discurso é uma nova estratégia para a formação de opiniões e consensos,

pois refere-se a algo inato no interior da Empresa que está incutido em sua alma. Esses

ideais sociais, morais e culturais formam princípios que se materializam no plano

concreto e implementarão os projetos sociais.

A partir da implementação das ações sociais, a atuação da responsabilidade

social coloca-se tanto como um discurso quanto como uma prática e firma-se por meio de

atitudes cultivadas no seu interior e que, em algum momento, traduzirão a alma das

empresas.

É importante ressaltar, com relação a essa cultura cultivada no interior das

organizações, que há fatores novos e externos que devem ser implementados sempre,

resgatando as necessidades atuais dos indivíduos e acompanhando o desenvolvimento das

sociedades.

O fator educacional inserido na cultura empresarial deve fortalecer o consenso e

a imagem galgada pelas empresas, isto é, o investimento em educação, informação e

formação de indivíduos éticos, responsáveis, comprometidos representará, futuramente, a 157 IAMAMOTO, Marilda Villela. A questão social no capitalismo. Temporalis. ABEPSS.Brasília, ano II, n.3, 2001.

112

imagem empresarial, para que o retorno pretendido seja atingido com valores perpétuos

para gerações futuras.

4.1.1 Educação Corporativa

Há uma nova tendência, atualmente, que promove a cultura empresarial, gerando

impactos na sociedade por meio de novas concepções e mudanças de comportamentos

introduzidas pela educação.

Se a efetivação das ações empresariais for conduzida por meio de

comportamentos sociais adequados e coerentes, forma-se a personalidade empresarial

forte, sustentada e confiável, capaz de proporcionar o desenvolvimento.

Em face dessa nova concepção de resgatar o social como instrumento de

permanência das grandes empresas no mercado, verificou-se a inserção das Universidades

Corporativas, atuando por meio do investimento privado do capital humano da Empresa,

uma vez que equipamentos e maquinaria não são suficientes para as exigências do

mercado.

A Universidade Corporativa caracteriza-se, fundamentalmente, por organizações

educacionais estabelecidas e operadas por Empresas a fim de realçar a competência dos

empregados e, obter o resgate e a satisfação de boas negociações. No mais, nessas boas

negociações, inclui-se o fator ético, econômico e social no contexto empresarial.

As Empresas contemporâneas, obrigatoriamente, passam a reagir quebrando

paradigmas tradicionais e trazendo para si a responsabilidade de coordenação do

aprendizado e da educação de seus “seres humanos”, suprindo as deficiências e buscando

a adequação do sistema educacional tradicional, seja para atrair e reter talentos, seja para

atender à gestão do seu capital intelectual.

Por isso, esse novo conceito da Universidade Corporativa caracteriza uma

113

evolução em termos de qualidade das Empresas, justamente pelo fator do investimento

humano, primordial para a sustentação e desenvolvimento empresarial.

Em recentes pesquisas sobre o tema, destaca-se como exemplo de sucesso a

Empresa norte-americana Corporate University Xchange, possivelmente a Empresa com a

maior expertise mundial na matéria. 158

Fundada em 1997 por Jeanne Meister, visava inicialmente ao desenvolvimento

da base de dados das necessidades e expectativas dos clientes para, posteriormente,

efetivar o aprofundamento da relação Empresa-consumidor, por meio do investimento

cultural e treinamentos específicos aos empregados. 159

A nova conjuntura do mercado mundial e principalmente a competição acirrada

entre as Empresas fazem exigências de um padrão de produção de alta qualidade e baixos

custos, ficando aos trabalhadores as responsabilidades no desenvolvimento de suas

funções produtivas.

As Empresas passam então a implementar ações na forma de incentivos

materiais que contribuem com os trabalhadores e incentivam-nos no comprometimento de

suas funções, fortalecendo a subordinação do trabalho ao capital.

O objetivo das organizações empresariais é expandir o cérebro dos seres

humanos por meio dos mais diferentes sistemas de aprendizado: viagens, entrevistas,

visitas, análise de casos, avaliação de empresas, leituras complementares, a fim de

comprometer os empregados às ações realizadas. É a criação de uma mentalidade

contínua de aprendizado voltada para o desenvolvimento da organização.

Consolida-se, de certa forma, uma nova cultura empresarial, de forma que a 158 MEISTER, Jeanne C. Educação Corporativa: A gestão do capital intelectual através das Universidades Corporativas, 1. ed. Makron Books, São Paulo, 1999. 159 Ob. Cit.

114

valorização de princípios, crenças e valores da organização sejam um grande estímulo

para a motivação dos empregados das Empresas. Retoma-se aqui a importância da cultura

empresarial para o desenvolvimento da sociedade.

Irani Varella expõe sua experiência sobre o tema:

Ao mesmo tempo em que a educação básica é fator essencial para o desenvolvimento sustentável de qualquer país, a educação corporativa é um instrumento útil e necessário para toda empresa que busca a sustentabilidade e sua integração com a sociedade. Além de estimular o desenvolvimento profissional do trabalhador e a própria profissionalização, a educação corporativa torna-se um diferencial competitivo ao aumentar o nível de aprendizado, capacitação, atualização e o conhecimento de ponta dentro da organização. 160

É importante ressaltar a atuação governamental no tocante ao baixo nível da

educação fundamental no País, de grande importância em razão de que se possa

estabelecer, por meio do setor produtivo e de forma autônoma, a educação corporativa de

maneira complementar, não deixando a total responsabilidade educacional do Estado nas

mãos do setor privado.

É necessária a implementação da educação básica aos indivíduos para que se

possa estabelecer o investimento privado na educação corporativa por meio das

Universidades, de forma a contribuir para melhorar a qualidade de vida de sua

população.161

O foco das ações corporativas está no valor agregado, gerado pelo capital

humano. Vive-se um momento de transição da era da informação para a era do

conhecimento, de modo que será o desenvolvimento contínuo do conhecimento humano

que permitirá atender às necessidades das sociedades contemporâneas, seja por meio das

160 VARELLA, Irani. Sustentabilidade e educação corporativa. Artigo publicado Portal do Voluntário, disponível em http://www.portaldovoluntario.org.br/site/pagina.phpartigo, acesso em 19/11/2006, não paginado. 161 Ob. Cit.

115

estratégias empresariais, seja nas relações entre os indivíduos.

No caso do Brasil, embora o tema das Universidades Corporativas seja

prematuro, já existem focos dessa nova concepção adentrando os meios empresariais

como “diferencial” da concorrência, ou seja, não basta mais ter equipamentos e infra-

estrutura de última geração, se não houver a capacitação e criatividade.

Segundo pesquisa recente da revista “Valor Econômico” 162, há grande aumento

de escolas de negócios no Brasil, projetadas em razão do crescimento de projetos

desenvolvidos nas empresas brasileiras na área da responsabilidade social.

Um grande exemplo é a Faculdade de Administração de São Paulo, a Fundação

Getulio Vargas - FGV - que conta com pós-graduação lato sensu sobre administração para

organizações do terceiro setor e, ainda, atua em parceria com o Instituto Ethos, o

programa para executivos de iniciativa privada chamado "Princípios e Práticas da

Responsabilidade Social nas Empresas”.

O objetivo é fazer com que os alunos compreendam os desafios das Empresas

em relação à responsabilidade social, aliar a estratégia do negócio não apenas em

benefício da companhia, mas também em prol da sociedade.

Existe, atualmente, a viabilização do Governo Federal da certificação dos cursos

ministrados dentro das empresas, que, embora proporcionem a consolidação do

conhecimento e capacitação para o desenvolvimento do trabalho, não possuem

reconhecimento oficial do Ministério da Educação. Enquanto isso não acontece, as

parcerias entre empresas e Instituições de nível superior para o alcance da educação

corporativa tem sido de grande relevância e satisfação.

Com base em análise efetuada no ano de 2006 pela Secretaria de Tecnologia

162 GIARDINO, Andréa. Jornal Valor Econômico de 27/03/2006. Disponível em www.valoronline.com.br/ valoreconômico/285/colunistas/html, acesso em 20/11/2006.

116

Industrial do Ministério de Desenvolvimento Industrial e Comércio Exterior163 sobre as

atividades de Educação Corporativa no Brasil, o resultado é satisfatório no tocante ao

retorno positivo obtido pelas empresas.

Entre os fatores relevantes trazidos por essa nova concepção de desenvolvimento

empresarial estão a facilitação e o cumprimento das metas estabelecidas, parcerias com

entidades de formação técnica e acadêmica, melhora na imagem institucional,

atendimento ao objetivo do cumprimento social da Empresa, a integração da Empresa no

mercado globalizado, inclusive com o aumento das exportações e, enfim, a integração do

trabalho em equipe com a satisfação e valorização do indivíduo. 164

Mais uma vez, é importante salientar a mudança de concepção na atividade

empresarial contemporânea, que, em busca de reconhecimento, investe em inovações

como a Universidade Corporativa para que se estabeleça no mercado de forma eficiente e

definitiva.

Ao mesmo tempo em que oferecem respostas às necessidades de reprodução

social da força de trabalho, resgatando a dignidade do seu trabalhador, as Empresas

almejam, em troca, seu comprometimento e desempenho para alcançar o

desenvolvimento econômico.

Cabe agora ressaltar a importância do resgate da dignidade do trabalhador como

fomento à estabilidade das organizações empresariais.

4.2 DIGNIDADE EMPRESARIAL

163 AGUIAR, Afrânio Carvalho. Atividades de Educação Corporativa no Brasil: Análise das Informações coletadas no ano de 2006 pela Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério do Desenvolvimento Industrial Comércio Exterior, disponível www.educaçãocorporativa.desenvolvimento.gov.br/ documentos/relatórioatividades2006, acesso em 20/11/2006. 164 Ob. Cit.

117

A globalização e o desenvolvimento tecnológico foram grandes causas para a

preocupação com a mão-de-obra humana nas grandes indústrias, uma vez que, em alguns

casos, foi substituída por maquinaria, em outros, originou-se em estratégia valorizada

para implementação das negociações empresariais.

Por essa mudança, viu-se necessária a motivação do trabalhador, o interesse de

produzir e criar um ambiente agradável em todos os sentidos, para o alcance da efetiva

função social do direito, que é resguardar a dignidade humana, por meio de princípios

inseridos nas práticas de responsabilidade social.

Para Ferreira, a dignidade empresarial expressa-se por meio do exercício da

atividade econômica de forma equilibrada, sem abusos, cumprindo as funções econômica

e social, de forma adequada aos preceitos constitucionais, delimitados pelo abuso do

poder econômico, a concorrência e a proteção ao direito do consumidor. 165

A valorização do trabalho, e a dignidade do trabalhador passam a fazer parte da

responsabilidade das organizações empresariais. A forma como são geridos os processos,

o direcionamento para objetivos comuns, o fomento do trabalho e da produção são

adoções de práticas e estratégias com forte predominância humana.

Essas novas estratégias empresariais de responsabilidade social voltadas à

dignidade dos trabalhadores não se configuram essencialmente e somente pela

consciência social ou uma bondade desinteressada das Empresas; concretizam-se em

razão do atual estágio de desenvolvimento dos sistemas produtivos que exigem uma

inovação constante de produtos e serviços, e a qualidade do capital humano da empresa é

o diferencial para a competitividade.

Para as Empresas, a manutenção de empregados motivados e experientes é de

grande importância para conseguir atingir os objetivos de crescimento.

Rego inovou a questão das novas organizações empresariais, preocupadas com a

165 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Função Ética da Empresa. Artigo. Revista de Direito Argumentum, Universidade de Marília, 2004, p. 45.

118

questão do indivíduo, denominando-as de “organizações autentizóicas” (OA), aquelas que

possuem elevado desempenho das organizações e realização pessoal, social e familiar dos

seus membros. 166

A atenuação da relação entre as pessoas e as organizações representa um sério risco para os negócios. Para as organizações, é mais importante hoje do que há 50 anos atrás prestar atenção redobrada à saúde e ao bem-estar de todas as pessoas. Os empregadores deixaram de cantar o velho mantra “As pessoas são nosso maior activo”, para proclamarem “As pessoas são a nossa maior responsabilidade”. 167

Baseado no projeto de Kets de Vries, nasce um modelo de organização

empresarial fundamentado na dignidade da pessoa chamado de “The 100 best companies

to work for in America”, em que são colocadas em evidência pela sociedade as melhores

empresas para se trabalhar. 168

A cultura organizacional dessas empresas baseia-se na confiança, alegria,

franqueza, respeito pelo indivíduo, justiça, trabalho em equipe, orientação para o cliente,

responsabilidade nas ações, aprendizagem contínua e abertura às mudanças.

A concepção de criar um estímulo às empresas preocupadas com a valorização

da condição humana foi criada nos Estados Unidos da América em 1983, por Levering e

Moskowitz, e foi publicada pela revista Fortune o nome das melhores empresas para se

trabalhar, reunindo de uma só vez o marketing positivo e a ação empresarial inovadora, o

que posteriormente foi ampliado pela Comissão Européia. 169

166 O conceito da expressão “Autentizóico” é um neologismo oriundo da conjugação de dois termos gregos: “authenteekos e zoteekos”. O primeiro significa que a organização é autêntica, merecedora de confiança. O segundo significa que é “essencial para a vida” das pessoas, facultando-lhes sentidos de equilíbrio, realização pessoal, autonomia, competência e iniciativa. 167 REGO, Arménio. Comportamento Organizacional e Gestão. 21 Temas e Debates para o Século XXI, Editora RH: Lisboa, 2006. (Armênio Rego é doutor em organização e gestão de empresas, professor na Universidade de Aveiro, Portugal). 168 KETS DE VRIES, M.F.R. e Balazs, K. Creating the “authentizotic” organization: Corporate transformation and its vicissitudes. A rejoinder. Administration and Society, apud REGO, Arménio. Comportamento Organizacional e Gestão. 21 Temas e Debates para o Século XXI, Editora RH: Lisboa, 2006, p.332. 169 Ob. Cit.

119

Verifica-se que as Organizações Autentizóicas são conceitos inovadores de

Empresas responsáveis que vêm sendo disseminadas pelo mundo todo, para servir de

exemplo para outros modelos.

Essas Empresas buscam conciliar a realização profissional, a realização família-

pessoal e desempenho organizacional, com programas de horários flexíveis, salas de

amamentação, creches, bons programas para crianças e idosos, licenças de paternidade,

planos de previdência privada, transporte, assistência jurídica, cestas básicas,

acompanhamento médico e outras necessidades. Funcionam como uma rede de proteção

social das Empresas voltada a seus trabalhadores em troca do comprometimento e do

desempenho deles.

Heitor também estuda as organizações com desempenhos elevados e entende que

compete ao gestor do século XXI colocar-se no lugar de seus empregados, para tomar

conhecimento das necessidades alheias. 170

Não é possível gerir seres humanos sem ter estima nem benevolência para com eles. A criação de valores humanos no seio das equipas, deve ser a base de referência comum. A maneira de agir das pessoas nas empresas depende da visão que elas têm da mesma; mudar a visão da empresa no sentido de permitir a transformação é crucial para o desenvolvimento. 171

Apesar de existirem ainda entraves no que se refere às mudanças de concepções,

a empresa contemporânea não pode deixar excluídos os valores do indivíduo trabalhador,

visto como homem, enquanto cidadão livre e responsável, e com sua dignidade

resguardada como um direito fundamental, uma vez que ele representa a peça-chave para

o seu desenvolvimento.

A partir dessa realidade consubstanciada, vê-se a efetivação dos direitos sociais

como trabalho, educação e saúde ao alcance dos indivíduos inseridos em um sistema

170 HEITOR, Maria Isabel P. Comportamento Organizacional e Gestão. 21 Temas e Debates para o Século XXI. Editora RH, Lisboa, 2006. 171 Idem.

120

capitalista desigual.

Comparato, na abertura da III Conferência Internacional de Direitos Humanos,

alertou que o poder engendrado pelo capitalismo, na idade moderna, e fundado na

combinação de poder econômico, militar e tecnológico tornou-se hoje ilegítimo.

Nenhum poder se mantém, se estiver despido de legitimidade, isto é, do reconhecimento, pela consciência ética coletiva, da importância da função social por ele exercida. O sentimento de abuso de poder, gerador da rebeldia, nasce, justamente, dessa perda de legitimidade, que transforma o poder de direito em pura dominação de fato. Rousseau, logo no início do Contrato Social, exprimiu essa verdade de forma muito feliz. “O mais forte”, disse ele, “não é nunca bastante forte para permanecer sempre no poder (pour être toujours le maître), se não faz da sua força um direito e da obediência um dever”. 172

Há de se fazer legítima a atuação do indivíduo no contexto econômico

empresarial como ser social e não somente como instrumento de geração de riqueza. O

desenvolvimento econômico há de estar atrelado à cidadania, de forma a resgatar a justiça

social.

Torres ensina que os direitos sociais e econômicos compõem o que se

convencionou chamar de cidadania social e econômica, a nova dimensão da cidadania

aberta para o campo do trabalho e do mercado, devendo ser equacionados a partir da

teoria da justiça. 173

A justiça social encontra sua expressão constitucional no art. 6º (“são direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados”), sendo

complementada pelo art.170 (“a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os

172 COMPARATO, Fábio Konder, abertura da III Conferência Internacional de Direitos Humanos, Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos - Dignidade do ser humano, liberdade e justiça. Teresina PI, 2006, disponível em www.direitos.org.br, acesso em 11/10/2.006. 173 TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In: Ricardo Lobo Torres (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. . Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.269.

121

ditames da justiça social”).174

Assinala ainda que o conteúdo oferecido pela idéia de justiça social cifra-se,

sobretudo, na necessidade de distribuição de rendas, com a conseqüente proteção aos

fracos, aos pobres e aos trabalhadores, sob a diretiva de princípios como os da

solidariedade e igualdade.

O autor soube pontuar exatamente a realidade sócio-econômica, empresarial,

ideal, capaz de alcançar os objetivos econômicos e a satisfação da solidariedade e

igualdade entre os indivíduos, tão apregoados pela Constituição Federal. Nesse momento,

basta a inserção dessa nova concepção constitucional nos moldes empresariais.

A preocupação das empresas contemporâneas com a humanização de seus

empregados deve-se em maior parte, à conjuntura econômica, que, em razão da

competitividade, transfere à empresa a obrigatoriedade de dispor um diferencial. Esse

diferencial está nas ações de responsabilidade social que conferem às empresas uma

conotação louvável perante a sociedade.

Os incentivos materiais proporcionados pelas empresas aos trabalhadores

contribuem para que eles estejam cada vez mais dependentes das ações sociais recebidas e

possam retribuir por meio do comprometimento e responsabilidade com a produção, é

responsável pela promoção do lucro.

Embora se perceba uma troca de interesses nas relações entre empresa e

trabalhadores, estes se sentem mais fortalecidos pelo amparo recebido em razão das ações

de responsabilidade social desenvolvidas.

Enquanto as empresas, por meio de suas ações, estiverem resgatando a dignidade

de seus trabalhadores, independentemente dos seus objetivos, acredita-se que os

indivíduos excluídos, que pouco podem se manifestar em tempos normais, consigam

174 Ob. Cit.

122

realmente integrar-se à sociedade global por meio dessa nova postura organizacional, a

fim de resgatar a dignidade humana prevista na legislação Constitucional.

Após a verificação da ação estratégica empresarial voltada ao quadro dos

trabalhadores, é fundamental pontuar outras ferramentas gerenciais que incentivam o

bem-estar e as boas condições de trabalho e fazem a condução adequada e legítima para a

empresa manter-se em destaque, de forma que alcance o desenvolvimento.

4.3 FORMAS DE GESTÃO EMPRESARIAL

O mau gerenciamento da sustentabilidade representa um risco para a reputação

das empresas. Por isso buscam implementar estratégias de gestão que monitoram e

relevam sua imagem, de forma a construir uma estrutura de identidade social relacionada

à determinadas questões.

As novas experiências e transformações em que as sociedades procuram

equilibrar-se, depende principalmente desses novos processos de gestão, ou seja, novas

formas de comportamentos organizacionais.

A Petrobrás é um exemplo que busca valorizar as características essenciais da

Empresa por meio da marca, a tecnologia avançada, o compromisso com a sociedade

brasileira, envolvendo-se com o desenvolvimento cultural do País. Os projetos,

necessariamente conduzidos pelas empresas, têm de ter o reconhecimento da sociedade

para que sejam implementados e tenham sucesso. 175

Com a necessidade de amenizar as exigências sociais e buscar a transparência na

administração, novas formas de gestão empresarial têm demonstrado mudanças de

atitude; uma delas é a criação do Balanço Social como o instrumento de divulgação das

ações empresariais na área social, dirigidas a seus empregados e à comunidade onde estão

175 PETROBRÁS.Relatório de Responsabilidade Social 2002: Energia para o desenvolvimento humano sustentável, trabalho e geração de riqueza, 2002.

123

inseridas. 176

O objetivo do Balanço Social não é simplesmente garantir uma boa imagem no

mercado, mas uma demonstração à sociedade sobre políticas administrativas, a relação

empresa-sociedade, servindo de controle e auxílio para as tomadas de decisões que

envolvam a sociedade como um todo.

Fernanda Rizzi entende que o balanço social é visto como instrumento de

prestação de contas das ações sociais da Empresa perante a sociedade. É parte da

chamada contabilidade social, área subordinada ao grande sistema da ciência contábil,

sendo um instrumento fornecedor de informação de caráter social e benefícios aos

diversos tipos de usuários, como os gestores, os funcionários e a sociedade onde a

Empresa se encontra inserida. 177

O Balanço Social deve conter dados quantitativos e qualitativos para servir de

elementos mínimos essenciais à tomada de decisão no que se refere aos programas e às

responsabilidades sociais inerentes à organização, portanto não devendo ser considerado

como um mero instrumento de marketing, sendo, acima de tudo, um instrumento de apoio

à gestão, ao controle e à adoção de estratégias. 178

A Empresa deve estar aberta e disposta a receber sugestões e críticas da

sociedade e a trabalhar na construção de seu bem-estar. Nesse sentido, a tomada de

decisões das empresas deve considerar fatores como as conseqüências sociais de curto e

longo prazo, a viabilidade de desenvolvê-las e a sua lucratividade.

Foi, a partir de 1970, que o Balanço Social se tornou instrumento regulatório

popular, principalmente nos EUA, na Alemanha e na França, atingindo posteriormente a

176 Disponível em www.balancosocial.org.br , acesso em 20 de junho de 2006. 177 RIZZI, Fernanda Basaglia. Balanço Social e ação de responsabilidade social nas empresas. in: Instituto Ethos: Prêmio Ethos Valor. Vários Autores. Responsabilidade Social das Empresas, a contribuição das Universidades. São Paulo, Editora Fundação Petrópolis, 2002, p.180. 178 ETHOS, Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. Disponível em http://www.ethos.org.br, acesso em 12/06/2006.

124

Europa e a América Latina, onde algumas Empresas já são reconhecidas

internacionalmente por seus procedimentos contábeis na área social.179

Esse modelo europeu de Balanço Social desenvolveu-se em direção à

solidariedade econômica e enfatizou o planejamento social e humano na empresa, de

forma que tivesse o mesmo reconhecimento dos processos econômicos, comerciais e

tecnológicos. Outros aspectos também foram abordados, a questão do meio ambiente,

fornecedores e governo, se interagindo na construção de um novo prisma empresarial.

Nos Estados Unidos da América do Norte, os estudos para o Balanço Social

partiram das Universidades, e suas características eram aspectos sociais públicos,

enfocando a diminuição da violência e o relacionamento amigável entre empresas e

consumidores.

Na América Latina, o Balanço Social desenvolveu-se através da junção dos

modelos americanos e europeus, ou seja, a humanização das empresas e a criação de

propostas participativas, incentivando a democracia.

No Brasil, em razão da publicação do Balanço Social ainda não ser obrigatório

em todo o país, são poucas as empresas que se preocupam em prestar contas de suas ações

à sociedade.

A história do Balanço Social no país iniciou em 1978, quando a Associação dos

Dirigentes Cristãos de Empresas - ADCE apresentou um modelo como proposta.

Entretanto, a popularização do Balanço Social só ocorreu de forma mais ampla a partir de

1.990, quando o sociólogo Herbert de Souza promoveu e apoiou a idéia por meio do

Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas, o IBASE.

179 Business for Social Responsability (BSR), Instituição americana de Responsabilidade Social. Disponível em http// www.bsr.org, acesso, em 16/10/2006.

125

Na realização da 2ª Conferência Mundial do Meio Ambiente a ECO 92, realizada

no Rio de Janeiro e a publicação da “Agenda 21”, trouxe um novo impacto às ações

sociais e ambientais das Empresas, ao integrarem o princípio do desenvolvimento

sustentável, no qual desenvolvimento econômico, inclusão social e proteção ao meio

ambiente são interdependentes e indissociáveis à gestão de Empresas. A partir desse

momento as Empresas passaram a se conscientizar da publicação anual de seus balanços

sociais.

A campanha notável de Herbert de Souza na divulgação do Balanço Social teve a

participação e apoio de lideranças empresariais, suscitando uma série de debates pela

mídia, favorecendo o sucesso dessa nova concepção e construção de práticas socialmente

responsáveis. 180

O Balanço Social, hoje, é um moderno instrumento de gestão, responsável pelo

controle e divulgação do exercício dos empreendimentos, de modo que chega a ser

avaliado pelos analistas de mercado, investidores e órgãos de financiamento, que já

incluem o Balanço Social como documento necessário para se conhecer e avaliar os riscos

empresariais.

A inovação do Balanço Social trouxe através da transparência, a satisfação e o

bem-estar dos empregados, consumidores, e sociedade, a visão moderna de que o objetivo

da empresa é antes de tudo, cumprir sua função social.

Além do Balanço Social, outros mecanismos para avaliação da responsabilidade

social das Empresas têm sido efetivados para organizarem as estratégias gerenciais e o

enfrentamento da competitividade atual, de forma a agregar valor à Empresa e aos seus

produtos.

Esses novos instrumentos de gestão que conduzem as práticas responsáveis são 180 Herbert de Souza - Betinho, foi o fundador do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), entidade não governamental de pesquisas e lutou em favor da democracia econômica e social, da construção de uma sociedade de novos valores éticos e culturais.

126

as normas técnicas de qualidade, a AS 8000, AA-1000 e a GRI -Iniciativa Global para

apresentação de relatórios, os indicadores, como os Indicadores Ethos de

Responsabilidade Social Empresarial e as certificações como a da Fundação Abrinq.

A norma SA 8000 - ou Social Accountability - é o primeiro padrão de

certificação social que busca garantir os direitos básicos dos trabalhadores. Quem

credencia as organizações qualificadas para verificar a conformidade é a Social

Accountability International – SAI.181

A SA 8000 é baseada nas normas internacionais de direitos humanos e nas

Convenções da Organização Internacional do Trabalho. Além de proteger a reputação e a

integridade das marcas das empresas, a SA 8000 possibilita externar em seus valores

éticos e seu grau de envolvimento social, aspectos fundamentais frente a um consumidor

cada vez mais participativo e exigente.

A norma AA 1000 é uma inovação, a norma mais abrangente para a gestão da

responsabilidade social corporativa. Criada pelo Instituto americano, Institute of Social

and Ethical Accountability, a AA1000 reúne, numa só norma, o levantamento de

informações, auditoria e relato social ético das Empresas. 182

Essa norma foi desenvolvida para amparar as organizações na definição de

objetivos e metas. Os estágios das normas de processo são o planejamento,

responsabilidade, auditoria e relato, integração de sistemas e comprometimento dos

stakeholders.

As normas de processo da AA1000 associam a definição e a integração de

sistemas dos valores da organização com o desenvolvimento das metas de desempenho e

com a avaliação e comunicação do desempenho organizacional.

181 KRAEMER, Maria Elisabeth Pereira. Artigo: Responsabilidade Social. Um olhar para a sustentabilidade. Disponível em http//www.ambientebrasil.com.br/gestão/sustentabilidade.doc. acesso em 16/10/2006. 182 Idem.

127

Por este processo, focalizado no comprometimento da organização para os

stakeholders, a AA1000 vincula as questões sociais e éticas à gestão estratégica e às

operações da organização. É um instrumento para verificação de mudança organizacional

e de aprendizagem e inovação para servir de modelo do processo a seguir na elaboração;

proporcionar mais qualidade a outros padrões específicos e complemento a outras

iniciativas.

A Iniciativa Global para apresentação de relatórios - GRI - Global Reporting

Initiative é um acordo internacional, criado com uma visão de longo prazo, multi-

stakeholder, cuja missão é elaborar e difundir as diretrizes para organização de relatórios

de sustentabilidade aplicáveis global e voluntariamente. 183

A GRI não oferece nenhum modelo de Balanço Social. O que a iniciativa

propõe, baseia-se no conceito de sustentabilidade. Busca transformar a elaboração desses

relatórios sobre sustentabilidade de uma rotina e conferir-lhes credibilidade como as

demonstrações financeiras.

No Brasil, as primeiras iniciativas para a elaboração de um modelo de

divulgação de atividades sociais das empresas foram realizadas pela Fundação Instituto de

Desenvolvimento Empresarial e Social (FIDES), em 1980, e, posteriormente, pelo

Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas (IBASE).

A partir do ano de 2000, foi inserida a iniciativa grandiosa do Instituto Ethos de

Responsabilidade Social Empresarial, dando continuidade aos trabalhos de FIDES e

IBASE, como ferramentas de avaliação e gestão de empresas nas práticas socialmente

responsáveis.

É bem verdade que as Empresas que possuem um posicionamento ético

melhoram sua imagem pública gradativamente, alcançando uma maior legitimidade

183 KRAEMER, Maria Elizabeth. Universidade do Minho, Portugal. Artigo: Responsabilidade Social. Um olhar para a sustentabilidade.. Disponível em http//www.ambientebrasil.com.br/gestão/sustentabilidade.doc. acesso em 16/10/2006.

128

social. Para isso, as práticas de gestão empresarial precisam ser conduzidas dentro de uma

estrutura capaz de alcançar a eficiência. É por esse motivo que as organizações buscam

as normas técnicas de qualidade.

Ainda na busca de qualidade, as Empresas buscam as normas voluntárias

internacionas - ISO - International Organization for Standardization, configurando-se

como federação internacional que congrega organismos de normalização técnica de todo

o mundo. 184

No Brasil, as normalizações estão representadas pela Associação Brasileira de

Normas Técnicas - ABNT, é a organização que define as normas técnicas reconhecidas

oficialmente para uso da indústria e Governo. 185

A ISO 9000, a ISO 14000 e ISO 14001 são exemplos de normas voluntárias

internacionais para sistemas de gestão de qualidade e de gestão ambiental,

respectivamente. A mais recente, a ISO 14001, traz um conjunto de práticas destinadas a

minimizar os impactos que põem em risco o meio ambiente.

Essa norma garante a redução da carga de poluição gerada pelas empresas,

controla os insumos e matérias-primas que representam desperdícios de recursos naturais.

Desse modo, as empresas passam a contribuir, de forma sistematizada, na redução dos

impactos ambientais. 186

Recentemente, no Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas aprovou a

norma NBR 16001, referente ao sistema de gestão em responsabilidade social. Aprovada

em 2004, essa norma passou a fazer parte do sistema brasileiro de certificação,

demonstrando ao mercado que as organizações empresariais não existem apenas para

explorar os recursos econômicos e humanos, mas principalmente para contribuírem com o

184 Norma ISO é um documento estabelecido e aprovado por consenso, que prevê, para uso comum, regras, guias e/ou características para uma atividade ou seus resultados, com o objetivo de alcançar o grau de excelência num dado contexto. 185 Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT - Disponível em www.abnt.org.br/resolução, acesso em 12/05/2007. 186 Ob. Cit.

129

desenvolvimento social. 187

Ainda em implementação das estratégicas empresariais brasileiras, cabe pontuar

sobre mais uma inovação prevista para 2009, a publicação da Norma Interna de

Responsabilidade Social ISO 26000, construída com base em iniciativas já existentes e

não terá caráter de sistema de gestão. 188

A referida norma não será certificável e não proporá requisitos a ser cumpridos

pelas organizações empresariais, será uma espécie de guia de diretrizes em

responsabilidade social e seu uso será voluntário.

Os mecanismos usados para avaliação das responsabilidades empresariais

conduzem a uma imagem ideal baseada em organização, comprometimento e publicidade.

Esses fatores fundamentais fazem a diferença para a sociedade sobre a função social que a

empresa realiza.

Com base nos inúmeros instrumentos de gestão descritos, verifica-se nas

organizações empresariais a necessidade de implementação de estratégias que possam

melhorar a imagem pública e alcançar a legitimidade social.

Por meio dessas estratégias, as empresas adentram no mercado explorando

recursos econômicos, humanos e ambientais, mas com a consciência de sua

responsabilidade social. É, na verdade, um conjunto de práticas que denotam a segurança

de que as empresas precisam para minimizar os impactos que suas ações representam.

Mais uma vez, cabe ressaltar que a responsabilidade social é incorporada pelas

empresas em seus cotidianos, por meio de programas e projetos que têm, por finalidade,

divulgar e promover a imagem empresarial nas causas sociais e ambientais, e que de

alguma forma se reverterão no desempenho econômico.

187 Idem. 188 Idem.

130

Cabe agora pontuar sobre o comportamento das empresas com relação ao meio

ambiente, levando-se em consideração os processos de gestão existentes, a consciência

empresarial galgada por fatores éticos e culturais e o domínio econômico oriundo da

competitividade dos novos mercados.

4.4 POLÍTICA AMBIENTAL DA EMPRESA

Nas últimas décadas as Empresas deixaram de ser vistas apenas como instituições

econômicas para se preocuparem com as ações sociais e ambientais, que devem ser

desenvolvidas para amenizar as alterações no ambiente onde estão inseridas.

A preocupação com o meio ambiente surge com a legislação que tende a

remediar o desequilíbrio provocado pelas atividades humanas irresponsáveis. Sua

conceituação está amplamente recepcionada na Constituição Federal, em seu artigo 225,

no tocante a expressão “sadia qualidade de vida”, em que se procura tutelar a vida em

todas as suas formas, influências, interações de ordem física, química e biológica. 189

Para Antunes, o Direito Ambiental passa a ter uma conotação tridimensional,

tendo uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica.

Entendo que o Direito Ambiental pode ser definido como um direito que se desdobra em três vertentes fundamentais, que são constituídas pelo direito ao meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o Direito Ambiental é um direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais. Mais do que um Direito autônomo, o Direito Ambiental é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra transversalmente, em todos os ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que se devem harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentável. 190

189 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.19. 190 ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p.9

131

Essa nova consciência ambiental, surgida por meio do advento da Constituição

Federal e das transformações sociais e culturais ocorridas nos últimos anos, ganhou

dimensão e colocou o meio ambiente como um dos princípios fundamentais da Empresa

contemporânea, pois de fato, os fenômenos sociais, as ações estatais, as alterações

ambientais produzem, atualmente, grandes reflexos no mercado e na economia.

O maior enfoque gerador da preocupação empresarial está na limitação dos

recursos naturais, de modo que, administrados pelas Empresas por meio da gestão

ambiental, possibilita, ao mesmo tempo, eficácia e eficiência nas atividades econômicas

empresariais e estabilidade com o meio ambiente em que ela atua.

No mundo sustentável, uma atividade econômica não pode ser pensada

individualmente ou praticada em separado, porque tudo está inter-relacionado, em

permanente diálogo. Os objetivos e as finalidades inerentes a um gerenciamento

ambiental nas empresas evidentemente devem estar em consonância com o conjunto das

atividades empresariais, de forma a conduzir a responsabilidade ambiental, com a

responsabilidade econômica e social.

A busca e a conquista de um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento social,

o crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais exigem um adequado

planejamento territorial que tenha em conta os limites da sustentabilidade.

Os limites da sustentabilidade estão em atender, de forma igualitária, a equidade

social, de forma que desenvolva ações em prol do indivíduo, a prudência ecológica,

desenvolvendo mecanismos de gestão que complementem a prevenção e a preservação de

recursos naturais, e a eficiência econômica, para que os investimentos ambientais se

reproduzam e criem frutos que se refletem no retorno econômico e desenvolvimento.

Fiorillo descreve o presente contexto da seguinte forma:

132

Como se percebe, o princípio da sustentabilidade possui grande importância, porquanto numa sociedade desregrada, à deriva de parâmetros de livre concorrência e iniciativa, o caminho inexorável para o caos ambiental é uma certeza. Não há dúvida que o desenvolvimento econômico também é um valor precioso da sociedade. Todavia, a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico devem coexistir, de modo que aquela não acarrete a anulação deste. 191

O autor atenta para as dificuldades de se estabelecer um regramento mínimo de

posturas ambientalmente corretas diante de um mercado altamente competitivo, cujas

negociações empresariais envolvem vultosos ganhos econômicos. A preservação

ambiental deve estar atrelada ao desenvolvimento econômico, visto que é de grande

importância para a sociedade a coexistência de ambos.

Para que as ações empresariais tenham êxito em todos os aspectos das

negociações e se sobressaiam economicamente diante das demais concorrentes, elas

precisam se fortalecer no mercado competitivo e valorizar as questões primordiais do ser

humano, que será o destinatário final dos produtos fornecidos por elas.

Notória a importância do mercado econômico no meio ambiente, mas não se

pode negar a importância do meio ambiente no mercado econômico. Há uma nítida

coexistência entre os dois fatores que buscam um fim comum, a socialização do mercado,

da sociedade e do meio ambiente.

Deve-se levar em conta a nova concepção de ações empresariais

contemporâneas, por exemplo, a adoção de formas de gestão como uma construção de

estratégias que sedimenta e viabiliza o equilíbrio entre o social e o econômico no âmbito

empresarial.

As razões que levam uma organização a adotar as práticas da gestão ambiental

podem ser derivadas de procedimentos obrigatórios de atendimento à legislação, de

inserção à educação corporativa, por meio de treinamento de conscientização do quadro 191 FIORILLO, Celso Antonio P.; RODRIGUES Marcelo Abelha, Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. 2. ed. São Paulo, Editora Max Limonad, 1999.

133

de pessoal ou justamente por utilizar-se dessa gestão como foco estratégico de

estabilização no mercado empresarial.

Fala-se, na atualidade, da gestão ambiental como sinônimo de gestão de

qualidade empresarial, em que são implantados sistemas organizacionais e de produção

que valorizem os bens naturais, as fontes de matérias-primas e as potencialidades do

quadro humano criativo.

A empresa, como a unidade básica de organização econômica, deve ser também

responsável pelo desenvolvimento sustentável, de modo que seja imprescindível sua

relação com a sociedade e com o meio ambiente.

Evidencia-se uma tomada de consciência dos empresários em relação à

subordinação das indústrias, às condições ambientais no sentido de que a disponibilidade

de recursos naturais está diretamente ligada à manutenção e sustentabilidade da empresa e

da sociedade em geral. A preocupação com a qualidade ambiental tem levado as

indústrias a buscar alternativas tecnológicas mais limpas e matérias-primas menos

tóxicas, a fim de reduzir o impacto e a degradação ambiental.

Cria-se o início de uma nova cultura: atividades de reciclagem, incentivo à

diminuição do consumo, controle de resíduos, capacitação e treinamento da mão-de-obra

humana e o incentivo ao trabalho em equipe. O desperdício é coisa do passado.

A conscientização da sociedade e a legislação ambiental têm induzido as

empresas a uma relação mais sustentável com o meio ambiente. Não há mais lugar para o

lucro exacerbado obtido às custas do comprometimento do meio ambiente. Diante dessa

realidade, a indústria vê-se forçada a investir em processos de gestão, aperfeiçoamento de

mão-de-obra, substituição de insumos, redução de geração de resíduos e racionalização de

consumo de recursos naturais.

A adoção de estratégias de prevenção apresenta-se como a alternativa mais

134

adequada, porém importantes padrões, modelos de comportamento, crenças e práticas

institucionalizadas devem ser modificados, assim como muitos paradigmas consolidados

na estrutura das empresas devem ser substituídos.

Para Kraemer, o objetivo maior da gestão ambiental deve ser a busca permanente

de melhoria da qualidade ambiental dos serviços, produtos e ambiente de trabalho de

qualquer organização pública ou privada. 192

Deve-se atentar para a questão de principiologia e cultura empresarial, no sentido

de que a empresa é a única responsável pela adoção de um sistema de gestão ambiental e,

por conseguinte, de uma política ambiental. E ainda reitera que para o posicionamento da

cultura ambiental depois de concretizada e difundida é necessário o seu cumprimento

integral e cuidadoso, sob pena de a Empresa cair num tremendo descrédito da sociedade

local onde está inserida, no que se refere às questões ambientais.

As Empresas precisam da conjunção do social e do ambiental para sua própria

manutenção, como se o êxito das empresas dependessem da satisfação da sociedade.

A gestão ambiental revela-se como uma arma eficaz na prevenção de desastres

ambientais, à medida que eles possam trazer o ônus de multas, processos por crimes

ambientais, ações e investimentos para reverter o dano e o desgaste da imagem da

empresa.

Também demonstram grande importância os procedimentos voltados à

prevenção, reutilização, reciclagem, recuperação e redução do uso dos recursos naturais

que podem ser significativos para o orçamento organizacional, tendo em vista a

possibilidade de redução de custos, que está incutida na prática, como ocorre com

experiências da Petrobrás:

O reaproveitamento ou a reciclagem dos produtos ao final de sua vida útil cumpre uma dupla função: ajuda a preservar o meio ambiente, seja

192 KRAEMER, Maria Elisabeth Pereira. Universidade do Minho - Portugal. Artigo disponível em http//www.ambientebrasil.com.br/ composer/gestão/index., acesso em 22//10/2006.

135

pela redução do consumo de recursos naturais, seja pela redução de efeitos poluidores, e contribui para a redução dos custos do processo produtivo.193

Nessa empresa, as ações são conduzidas de forma planejada. No que diz respeito

à produção, é inútil investir em um método que não seja sustentável. Pensar em processos

de produção que protejam ou não danifiquem o meio ambiente evita riscos financeiros e

garante benefícios a longo prazo.

Desse modo, as Empresas devem tomar atitudes que evitem riscos ecológicos e

não adiar o problema, já que alguns prejuízos são irreparáveis. 194

As Empresas têm um papel extremamente relevante. O fortalecimento das

práticas empresariais sustentáveis provoca mudança de valores culturais e econômicos,

orienta os seus sistemas operacionais e de pessoal e modifica a condução de seus produtos

ao consumidor. Dessa forma, as Empresas estarão engajadas à idéia de desenvolvimento

sustentável e preservação do meio ambiente.

Um novo enfoque para os sistemas de gestão ambiental nas Empresas tem sido a

implementação das auditorias ambientais, um processo utilizado para avaliar a natureza e

a extensão das questões ambientais existentes e verificar o grau de conformidade das

ações em relação a critérios legais e normativos.

A auditoria ambiental, idéia oriunda dos Estados Unidos da América do Norte,

era vista pelas empresas norte-americanas como um meio de minimizar os custos

envolvidos com reparos, reorganização, saúde e reivindicações. No Brasil surgiu pela

primeira vez com a publicação de diplomas legais estaduais e com o Projeto de Lei

Federal nº 3.160/92. 195

Dentre as principais características desse Projeto de Lei, destacam-se a previsão 193 PETROBRAS. Relatório de Responsabilidade Social 2.002: Energia para o desenvolvimento humano sustentável, trabalho e geração de riqueza, [s.l.: s.n.], 2002, p. 54. 194 Idem. 195 BARATA, Martha M.L., Auditoria Ambiental no Brasil - Uma Nova Ferramenta de Gestão Empresarial. Tese de mestrado. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 1995.

136

de realização de auditorias periódicas e obrigatórias para as atividades potencialmente

causadoras de impacto ambiental, a realização de auditorias por órgãos credenciados e

competentes, o exame periódico dos aspectos legais, técnicos e administrativos da

Empresa e a responsabilidade pessoal da entidade auditada e dos técnicos quanto aos

apontamentos não constatados. 196

Outros aspectos de grande relevância trazidos pelo Projeto são as penalidades

para as empresas; multas, suspensões, não renovação de licenças, embargos de atividades,

a imputação de responsabilidade civil e criminal por danos ambientais e a intervenção do

Poder Público para impedir práticas danosas ao meio ambiente e à população. 197

As organizações empresariais usam a auditoria ambiental como uma ferramenta

de gestão que lhes possibilita controlar seu desempenho ambiental e evitar possíveis

acidentes. Quando os resultados da auditoria são apresentados ao governo, ela reduz a

incidência de fiscalização e quando demonstrados à sociedade, possibilita a informação

pública quanto ao trabalho de proteção ambiental da Empresa seguindo seus resultados.

Complementada a avaliação de impactos ambientais, as auditorias possibilitam

continuamente melhorias em aspectos como a prevenção e limitação de acidentes

ambientais, informação e formação do pessoal em questão ambiental, consumo de

energia, uso da água, reciclagem, reutilização e redução de custos. 198

Algumas empresas aplicam auditorias técnicas e de desempenho ambiental para

conhecer seu passivo ambiental e aplicar eventualmente auditorias técnicas e de

desempenho ambiental, em que buscam, respectivamente, identificar predominantemente

o processo de produção e eliminar os desperdícios e recuperação de produtos. 199

196 KOCHEN, Roberto. Auditoria Ambiental, um instrumento eficaz na gestão ambiental. Artigo, disponível em www.geocompany.com.br/artigo10pdf., acesso em 29 de maio de 2007. 197 Idem. 198 BARATA, Martha M.L., Auditoria Ambiental no Brasil - Uma Nova Ferramenta de Gestão Empresarial. Tese de mestrado. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 1995. 199 Idem.

137

A aplicação da Auditoria ambiental conta com o comprometimento de todos os

componentes da Empresa, de forma a assegurar a implementação da avaliação, do

controle e da redução do seu impacto sobre o meio ambiente, e a possibilidade de

informar e formar seus funcionários quanto à necessidade de proteger esse ambiente.

As Empresas usam cada vez mais artifícios e instrumentos capazes de

implementar as práticas que poderão alcançar êxito para sua imagem. A gestão para o

desenvolvimento sustentável inclui a responsabilidade ambiental como partícipe do

processo, colocando-a como um indicador primordial da nova competitividade, levando-

se em consideração o ajustamento ao desempenho econômico.

Desse modo, a responsabilidade ambiental, no contexto empresarial, é uma

realidade como forma de preservação da espécie humana no planeta. O que difere são os

interesses que levam as empresas à preservação do meio ambiente, pela conduta ética de

cumprimento da legislação, pela estabilidade econômica no mercado, pela

conscientização do consumidor que exige produtos ecologicamente corretos, enfim, o fato

é que tanto a empresa como o mercado e toda a sociedade são responsáveis pela

preservação do meio ambiente onde estão inseridos.

Evidencia-se a construção que sedimenta cada vez mais a viabilidade de um

equilíbrio entre o social e ambiental com o fator econômico no âmbito das Empresas.

A incorporação da idéia de que o êxito das organizações empresariais depende da

satisfação da sociedade, faz com que elas fiquem dependentes do desenvolvimento de

ações sociais e ambientais para sua própria manutenção.

A prática da responsabilidade social das Empresas está vinculada à necessidade

de preservar o meio ambiente e dar condições mínimas de consumo e de sobrevivência à

comunidade como algo necessário à dimensão econômica da Empresa, isto é, as ações no

campo social e ambiental concretizam-se como uma forma de restituição das Empresas à

sociedade.

138

O fator ambiental toma uma dimensão grandiosa quando se refere à estabilidade

empresarial, de modo que a valorização das ações ambientais no conceito empresarial

constitui-se estratégia de mercado como postura consciente e efetiva de desenvolver-se

economicamente e, ao mesmo tempo, proporcionar à sociedade uma sadia qualidade de

vida, conforme preconiza os ditames constitucionais.

Embora a própria Constituição Federal represente a legalidade necessária para

conduzir as ações responsáveis empresariais, no contexto econômico, social ou ambiental,

vale a discussão, neste momento da pesquisa, sobre as barreiras existentes no Brasil

quanto à regulamentação da responsabilidade social empresarial.

139

5 A RESPONSABILIDADE SOCIAL E AS BARREIRAS DA

REGULAMENTAÇÃO

O instituto da Responsabilidade Social Empresarial vem sendo amplamente

discutido no tocante à sua regulamentação, por se tratar de um assunto de grande

importância e fundamental para o desenvolvimento social e econômico das organizações

contemporâneas.

A obrigatoriedade calcada no interior das empresas sobre a publicação de seus

relatórios anuais, e a elaboração dos Balanços Sociais, já se consolidou como norma de

conduta ética, conquistada pela adoção de novas estratégias inovadoras de gestão,

derivada da cultura empresarial que se cultuou nos últimos anos, decorrente da mudança

social instaurada.

Nos Estados Unidos da América do Norte, desde 1950, os estudos sobre a

publicação dos Balanços Sociais partiram de pesquisas realizadas pelas Universidades, e

as características principais dos modelos eram os aspectos sociais públicos, as questões da

diminuição da violência e da melhoria das relações entre Empresas e consumidores. 200

Foi nesse país que, pela primeira vez, a noção de responsabilidade social deu

lugar ao debate, inevitavelmente, pelo estágio mais avançado do capitalismo.

Atualmente, os empresários americanos preocupam-se com a publicação de informações

sócio-econômicas vinculadas com a preocupação ambiental, com a participação em obras

culturais e com a contribuição da empresa nos serviços públicos de benefício à

coletividade.

Em 1970, na Europa, popularizou-se a publicação dos primeiros balanços

sociais. A Companhia alemã Steag produziu, primeiramente, uma espécie de relatório

social com o formato de um balanço das atividades sociais. 200 Disponível em www.balancosocial.org.br., acesso em 20 de fevereiro de 2007.

140

Contudo, o que foi realmente considerado Balanço Social foi o relatório

realizado pela Empresa Singer, na França, em razão da publicação da Lei n° 77.769, de

julho de 1977, também conhecida como Rapport Sudreau, na qual lecionava a exigência

da referida publicação pelas entidades. O “Bilan Social”, como era conhecido, limitou-se

a demonstrar as condições de trabalho nas entidades. 201

A lei francesa possui muitos méritos. As informações de caráter obrigatório são

relevantes do ponto de vista social, por tratar-se de temas como emprego, remuneração e

encargos acessórios, condições de higiene e de segurança, condições de trabalho,

formação profissional e relações profissionais entre empregados. Talvez pelo seu

ineditismo, a lei não contemple uma série de informações de caráter econômico que os

trabalhadores e outros analistas gostariam de ver publicada nas peças contábeis.

A França foi o primeiro país a ter uma lei sobre a obrigatoriedade das Empresas

com mais de 300 funcionários, de elaborar e publicar o Balanço Social. Foi, a partir desse

momento, que outras leis passaram a exigir o Balanço Social e este passa a ser adotado

também em outros países da Europa, como Alemanha, Portugal, Espanha, Holanda,

Bélgica e Inglaterra. 202

A Alemanha encontra-se em uma situação comparável à dos Estados Unidos.

Certos agrupamentos e certos organismos reclamam de uma ética profissional, assim o

patronato, os sindicatos e os cristãos têm feito uso de suas participações nas Empresas,

influenciando suas direções. Professores universitários, banqueiros e institutos de

pesquisa, como o Instituto Battelle em Frankfurt, têm feito conhecer seu ponto de vista e

têm aconselhado às empresas a elaboração de relatórios sócio-econômicos. Essa

influência fez com que os empresários alemães tomassem posições muito avançadas em

relação à publicação. 203

201 Idem. 202 TINOCO, João Eduardo P. Dissertação de Mestrado -Balanço Social – uma abordagem sócio-econômica da contabilidade. Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, 1984. 203 Ob. Cit.

141

Faz parte dos relatórios alemães a preocupação ambiental e as condições de

trabalho dos empregados. Ainda que não existam nesse país textos legais, algumas

empresas, entre elas, Basf, Hochst, Fieroth, Deutsche Shell, B.P., Steag, e ainda a

subsidiária germânica da Mobil Oil Corporation, Mobil Oil H.G, vêm por iniciativa

própria elaborando os Balanços Sociais. O conjunto dos compromissos sociais constitui

um dos temas que se encontra nos documentos qualificados de "Contabilidade Social".204

Segundo o American Accounting Association, a Contabilidade Social é uma

ciência que mede e interpreta as atividades e fenômenos que são de natureza econômica e

social essencialmente. Cabe aqui pontuar que, na Espanha, hoje, vigora a Resolução nº

6.389 de 25 de março de 2002, do Instituto de Contabilidade e Auditoria de Contas

(ICAC). 205

Essa Resolução é de caráter obrigatório e geral para todas as empresas

espanholas, com ou sem finalidades lucrativas, na qual as entidades devem incorporar em

suas contas anuais todas as informações relacionadas com as obrigações atuais e também

aquelas que se liquidam no futuro, originárias das atividades de prevenir, reduzir e reparar

os impactos negativos sobre o meio ambiente. 206

Alguns sindicatos operários alemães contribuem para que seus associados

saibam utilizar as informações sócio-econômicas e financeiras, elaborando relatórios que

compreendem os dados sociais e os indicadores econômicos e financeiros. Estes não são

somente retrospectivos, mas procuram igualmente reunir informações prospectivas.

Em Portugal, em cumprimento à Lei nº 141 de novembro de 1985, foi

determinada a elaboração de relatório que especificasse informações em relação ao

aspecto social das entidades.

204 Ibdem 205 Associação Americana de Contabilidade. Organização norte americana voluntária, fundada em 1.916 e mantida por pessoas interessadas em educação e pesquisa na contabilidade. Disponível em www.redecontábil.com.br/revista/asp. Acesso em 12 de março de 2007. 206 KRAMER, M. E. P.; TINOCO, J. E. P. Contabilidade e gestão ambiental. São Paulo: Atlas, 2004.

142

O Decreto-Lei n° 9, de 1992, alterou a redação da referida lei, conferindo

destaque maior às ações sociais da Empresa destinadas à melhoria de vida da

comunidade. No modelo de Balanço Social Português, encontram-se cinco capítulos:

emprego, custos com pessoal, higiene e segurança, formação profissional e proteção

social complementar. 207

Interessante destacar que, na Holanda, Suécia, Alemanha e Inglaterra, a Empresa

não é politicamente inquirida pelos funcionários sob o aspecto da obrigatoriedade de

informações. Existe confiança entre o gestor empresário e seus empregados, de modo que

as informações sobre salários são repassadas de forma espontânea. Essa atitude é

confrontada por uma mentalidade econômica que aceita a interdependência entre o

progresso social e o progresso econômico.208

No Brasil, começaram a surgir os primeiros indícios de obrigatoriedade da

publicação das ações empresariais durante a ditadura militar em 1970, quando da

publicação do Decreto Lei nº 76.900 de 23 de dezembro de 1975, criando a Relação

Anual de Informações Sociais – RAIS - que se trata de um relatório obrigatório que

discrimina as informações sociais relacionadas aos trabalhadores das empresas. 209

O relatório é exigido, até nos dias de hoje, pelo Ministério do Trabalho do

Governo Federal e tem como objetivo o suprimento das necessidades de controle da

atividade trabalhista no País. Verifica-se que a obrigatoriedade da publicação do RAIS é

apenas referente às informações trabalhistas, não englobando as ações sociais, ambientais

e tributárias.

Mais tarde, apresentando a justificativa de que elaborar o Balanço Social é um

estímulo à reflexão sobre as ações das empresas no campo social, Marta Suplicy,

juntamente com Maria da Conceição Tavares e Sandra Starling, apresentaram o Projeto

de Lei nº 3.116/97 que previa a obrigatoriedade da apresentação do Balanço Social pelas

207 Disponível em www.balancosocial.org.br., acesso em 20 de fevereiro de 2007. 208 TINOCO, João Eduardo P. Dissertação de Mestrado. Balanço Social – uma abordagem sócio-econômica da contabilidade. Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, 1984. 209 Disponível em www.rais.gov.br, acesso em 12 de março de 2007.

143

empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas permissionárias e

concessionárias de serviços públicos, independentemente do número de empregados, e

pelas empresas privadas com 100 ou mais empregados. 210

Sob o incentivo dessa interposição e tendo em vista a grande aceitação da

sociedade em razão do trabalho de divulgação e conscientização, realizado pelo Instituto

Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE - com monitoramento de Herbert

de Souza, vários foram os projetos sobre a obrigatoriedade da publicação dos Balanços

Sociais.

Em 1998, foi aprovada a Resolução nº 05 no município de São Paulo, projeto

proposto pela vereadora Adalisa Sposati, do qual originou a criação do “Selo Empresa

Cidadã do Município de São Paulo”. O objetivo da resolução é identificar, no meio

empresarial, as Empresas mais alinhadas à prática da cidadania empresarial pela

demonstração de compromisso ético e responsabilidade social, com conseqüente

valorização do fator humano, sócio-ambiental e profissional no ambiente de trabalho e

comunidade. 211

Após o exemplo satisfatório no município de São Paulo, outros municípios

brasileiros adotaram a postura de regulamentar e tornar obrigatória a publicação dos

relatórios sociais empresariais, como foi em Porto Alegre, RS, com a Lei nº 8.118/98 e

mais recentemente em Londrina, PR, com a Lei 9.536 de 28 de junho de 2004.

As tentativas de se estabelecer um regramento jurídico nacional em face das

Empresas brasileiras sobre o tema, resultaram infrutíferas. A última delas foi o Projeto de

Lei nº 1.305, proposto em 2003 pelo Deputado Bispo Rodrigues, tramitando por um longo

período pelas Comissões até vir a ser arquivado recentemente em janeiro de 2007.

O presente projeto dispunha sobre a Responsabilidade Social das Sociedades

Empresárias com mais de 500 empregados, que determinava a criação de uma Comissão

Ética de Responsabilidade Social e a obrigatoriedade da publicação do instrumento 210 Disponível em www.balancosocial.org.br , acesso em 20 de fevereiro de 2007. 211 Idem.

144

Balanço Social, atualizado pelo menos uma vez ao ano. 212

No parecer de rejeição ao projeto, o relator fez as seguintes considerações:

A responsabilidade social está ligada diretamente à forma como a empresa se relaciona com o público, incluindo fornecedores, consumidores, a comunidade em que se encontra e a sociedade em geral. Ao assumir esta postura, a empresa toma consciência do contexto sócio-cultural no qual está inserida [...] A nosso ver, a aprovação dessa proposta, bem como da emenda apresentada, só contribuiria para burocratizar o processo [...], pois é expressivo o crescimento do número de empresas que vem assumindo suas responsabilidades sociais, independentemente da existência de norma legal regulamentando a matéria. Ressalte-se que a responsabilidade social empresarial já vem sendo utilizada como um critério de seleção para o acesso ao crédito, bem como tem influenciado na escolha de fornecedores, dando-se preferência aos que se encaixam nesse perfil. O retorno se traduz em maior competitividade no mercado nacional e internacional, reconhecimento público, veiculação de sua marca e imagem e, em última análise, na contribuição para a melhoria do futuro do país e do mundo. 213

A justificativa da rejeição funda-se no fato de que a Empresa que adota uma

postura responsável com relação às práticas sociais, independentemente de norma

regulamentadora, encontra-se selecionada e diferenciada no mercado competitivo,

reconhecida nacional e internacionalmente em razão da veiculação de sua imagem,

fomentando a economia do País.

Se houver aceitação da sociedade, bem como da organização empresarial sobre a

publicação dos relatórios sociais de forma voluntária e consciente, não se tem razão para

tornar o processo mais burocrático e complexo.

No mais, o fundamento da rejeição baseia-se no fato de que criar um regramento

jurídico que imponha obrigações empresariais de cunho social coloca as Empresas no

mesmo patamar, nivelando suas responsabilidades, e cerceando a competitividade e a

perspectiva de desenvolvimento. 212 Câmara dos Deputados. Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/integras/htm, acesso em 20 de fevereiro de 2007. 213 BARBOSA, Eduardo Deputado. Câmara dos Deputados. Disponível em http://www.camara.gov.br/ sileg/integras/htm, acesso em 20 de fevereiro de 2007.

145

Ainda sob a justificativa de não se aprovar a lei de responsabilização social, a

obrigatoriedade da publicação de um Balanço Social gera a necessidade de definir um

modelo-padrão sem as particularidades de cada Empresa deixando, de ter o caráter

popular e ser um instrumento de participação de todos. O entendimento é que tornar o

Balanço Social obrigatório seria uma forma, mesmo que inconsciente, de reduzir sua

importância espontânea dentro da empresa.

Atualmente, as normas existentes sobre gestão, por meio da publicação de

Balanços e relatórios sociais empresariais, ou pelas normas técnicas de qualidade e

excelência - normas ISO, já exemplificadas anteriormente, funcionam como regulamentos

das condutas, de maneira a orientar, fiscalizar e positivar tais práticas, uma vez que, no

caso brasileiro, não existe no ordenamento jurídico uma lei específica que torna

positivada essas ações.

Santos expõe que, embora a sociedade, com o aumento crescente de problemas

sociais, necessite de uma demanda desesperada de regulação, só se concretiza a partir de

interesses políticos.

[...] o funcionamento de espaços homogêneos supõem uma demanda desesperada de regras; quando as circunstâncias mudam, e por isso, as normas reguladoras têm de mudar, nem por isso sua demanda deixa de ser desesperada. Tal regulação obedece à consideração de interesses privados. Já o cotidiano supõe uma demanda desesperada de política, resultado da consideração conjunta de múltiplos interesses. 214

A regulamentação das ações sociais empresariais não deve interessar ao Estado,

por isso não há empenho político em efetivá-las, já que, com a ausência de sua eficiência,

aumenta a importância estratégica da política paternalista da responsabilidade social em

promover e sustentar a dependência da sociedade à sua Empresa, com o desenvolvimento

de ações ligadas à saúde, educação e cultura, que antes eram promovidas pelo próprio

Estado.

214 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

146

Por outro lado, a Empresa assume a responsabilidade de disponibilizar para a

sociedade uma melhor condição de vida para obter, em troca, o seu reconhecimento e

conseguir manter-se no mercado de forma plena.

Em recente artigo publicado, Lima expõe sobre o tema da regulamentação da

responsabilidade social pela obrigatoriedade da publicação de balanços sociais e entende

que a questão está ligada a um processo de conscientização e ética das Empresas e não na

obrigatoriedade de adotar esta ou aquela política. 215

Entende-se que o Balanço Social exerce uma função de aproximação da Empresa

com os ambientes internos e externos, pois evidencia tudo o que a empresa está fazendo

para solidificar os laços existentes nas suas relações sociais. Isso fortalece a sua função

econômica, porque um bom desempenho social e ambiental tende a refletir positivamente

no aspecto econômico, ou seja, se a organização desempenha ações positivas, esses

efeitos refletirão posteriormente nos resultados econômicos, que podem ser refletidas no

aumento dos lucros.

As organizações empresariais não sobrevivem isoladamente, elas estão inseridas

em um conjunto de fatores políticos, culturais, econômicos, sociais e até jurídicos, e são

inquiridas constantemente pelos consumidores mais conscientes, assim como são também

questionadas por deixar de cumprir algum preceito que possa causar prejuízo à

comunidade. A própria sociedade é agente fiscalizadora das organizações empresariais,

assim como lecionou Torquato:

Alastra-se, no mundo empresarial, o reconhecimento de que a empresa deve fazer mais do que atualmente tem realizado, ampliando sua ação na sociedade, com a finalidade de comprometer-se com determinados valores e desviar-se de imperfeições e conseqüências maléficas do industrialismo, tais como a poluição ambiental, a negligência para o consumidor e as péssimas condições de ambiente de trabalho para com os funcionários. A amplitude e a importância do papel social das organizações têm sido defendidas, não sem fortes resistências de segmentos da gestão empresarial, aqueles envolvidos com problemas de caixa, e por isso mesmo, defensores do lucro imediato. Porém, as áreas

215 LIMA, Paulo Rogério S. Comissão de Balanço Social da Câmara Municipal de São Paulo, artigo publicado em Revista Eletrônica do terceiro Setor - Integração. Disponível em http://integração.fgvsp.br/administrando.htm , acesso em 20 de fevereiro de 2007.

147

qualitativas vêm criteriosamente definindo posições e ganhando terreno com a proposta de fazer com que as empresas se submetam a um questionamento social permanente. 216

O autor reafirma, de forma coerente, a valorização da cultura e a conscientização

das pessoas inseridas numa sociedade onde renasce um novo conceito de cidadania, a

cidadania participativa.

Esse novo conceito de cidadania faz com que os indivíduos entendam que as

Empresas, embora proporcionem empregos, criando benefícios à sociedade, também

poluem o meio ambiente, ocasionam os acidentes de trabalho, e não dependem de

interesses alheios ou de aplicação de multas impostas pelas legislações ambientais para

fazer cumprir seus direitos.

Para as Empresas que estão sintonizadas com essa nova realidade de

responsabilidade, a prática da publicação dos balanços ou relatórios sociais está

diretamente ligada à cultura organizacional. Essa nova cultura estabelece uma amplitude

de organização que ultrapassa a sua existência econômica e normativa.

A publicação dos Balanços Sociais prevê um comprometimento que ultrapassa

aquilo que é imposto pela legislação, de tal forma que a publicação é a última etapa desse

comprometimento. 217

Com base nesse raciocínio, verifica-se que a responsabilidade social implica,

dentre outros fatores, o cumprimento das normas legais, embora o Estado não possa

controlar se as empresas praticam ações responsáveis, já que é um comprometimento

voluntário da empresa.

O Estado pode, e assim o faz, estabelecer normas que regulem a atividade

econômica empresarial, impondo limites e incentivando a produção e o desenvolvimento,

216 TORQUATO, Gaudêncio. Cultura, Poder, Comunicação e Imagem: Fundamentos da nova empresa. São Paulo: Editora Pioneira, 1991, p.156. 217 LIMA, Paulo Rogério S. Comissão de Balanço Social da Câmara Municipal de São Paulo, artigo publicado em Revista Eletrônica do terceiro Setor - Integração. Disponível em http://integração.fgvsp.br/administrando.htm , acesso em 20 de fevereiro de 2007.

148

fazendo com que a Empresa seja considerada um conjunto de contratos ou uma

organização, e não um ente moral, por isso não se deve confundir a responsabilidade

social da responsabilidade regulada.

A responsabilidade regulada é a responsabilidade jurídica, civil ou penal que é

aplicada posteriormente ao dano praticado. A responsabilidade social ou ética é aplicada

antes mesmo de qualquer dano ocorrido, por meio da prevenção. Desse modo, não há

como se estabelecer critérios comparativos, nem mesmo admitir que uma

responsabilidade possa substituir outra.

Ocorre uma nova concepção de instrumento de direitos sociais adentrando no

ordenamento jurídico: é a mudança social instaurada no contexto atual, levando-se pelo

prisma de que o Direito deve ter como referência fundamental o ser humano, como parte

integrante de uma sociedade, sendo o Direito nada mais que um instrumento de ordenação

social.

Evidencia-se o momento em que a questão social deixa de ser o foco da ação

particular do Estado, passando a ser objeto da atuação empresarial pela afirmação da

responsabilidade social como modalidade de prestação de serviços sociais.

Dada a sua especificidade, a responsabilidade social possui fortes conotações

legais, morais, políticas e ideológicas, e por isso faz com que o tema adquira uma

amplitude maior, quando problemas de ordem social, trabalhista, ambiental que,

anteriormente eram percebidos como uma responsabilidade estática ou paralítica pelo

Estado, atualmente fazem parte das preocupações centrais das organizações empresariais.

Os preceitos éticos, inseridos na esfera da responsabilidade social devem nortear

os limites e as necessidades da influência de alguns fatores com outros, estabelecendo um

ponto de equilíbrio em prol do indivíduo.

149

Já a norma jurídica, sempre que necessário, deve servir como instrumento de

transformação social, buscando eliminar as desigualdades de uma vez por todas, já que é

um dos preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direitos. É certo, portanto o

Direito em si só pode ser descrito como instrumento de organização social quando

legítimo, como também só há Estado-de-Direito sob a égide de um Direito legítimo.218

De nada adianta a legalidade imposta por preceitos normativos regulados se

esses preceitos não alcançam a efetividade das ações impostas de forma a torná-las

legítimas e justas.

As condutas éticas, morais, econômicas e sociais que norteiam a

responsabilidade empresarial, e que sejam capazes de construir uma nova postura no

interior das sociedades, serão válidas e legítimas enquanto estiverem cumprindo a sua

função, que é a dignidade do indivíduo, e, portanto a busca pelo direito justo, positivado

ou não.

Desse modo, a responsabilidade social transcende os princípios da norma

positivada, enquanto a cultura, dignidade, ética e moral estiverem absorvendo as

incertezas da sociedade e sobrepondo-se aos interesses políticos.

5.1 NORMA ÉTICA E NORMA JURÍDICA

Cabe, neste momento, ressaltar os aspectos que diferenciam os preceitos

normativos éticos que possuem valoração social considerável e o direito positivado como

força coercitiva dominante, de forma a considerar que este, no caso da responsabilidade

social, não mais representa a segurança jurídica almejada pela legitimidade diante das

necessidades sociais.

218 GRAU, Eros Roberto. Direito, conceitos e normas jurídicas: São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p.57.

150

Com o desenvolvimento das sociedades, o ser humano ao nascer, passa a integrar

um grupo social que é a família. Nessa primeira base da sociedade, o homem já sofre a

pressão de diversas normas para sua adaptação ao grupo, normas de boa educação e

conduta, normas religiosas e outras estabelecidas pelos pais.

Com o passar dos anos, o homem integra-se a outros grupos maiores como a

escola, um clube, o ambiente de trabalho, um grupo de amigos, e esses grupos vão

estabelecendo normas de conduta que pressionam e controlam o seu comportamento.

As diversas normas com as quais o homem vai se deparando no seu crescimento

e na sua vida em sociedade não possuem a mesma natureza. A sociedade moderna possui

diversos tipos de sistemas normativos, dentre eles a Ética, Moral, a Religião, as regras de

trato social e o Direito, este último, considerado o mais importante à medida que controla

o comportamento humano de forma vinculante e imperativa.

Em se tratando da regulamentação do instituto da responsabilidade social,

primeiramente, ressalta-se, como já explicitado anteriormente, a responsabilidade social

como norma de conduta do ambiente de trabalho, originária dos preceitos culturais, éticos

e morais, cultivados no ambiente empresarial de grande valor estratégico social, uma vez

que sua força e atuação nesse contexto sobrepõem-se à norma positivada.

Nesse passo, ao tratar do tema da norma de conduta, é preciso conceituar o que

vem a ser uma norma. Reale entende que a norma deve ser o reflexo de um

comportamento normal e previsível pelo homem comum e aceito pela a sociedade.

[...] a palavra norma, que nos lembra incontinenti aquilo que é normal, traduz a previsão de um comportamento que, à luz da escala de valores dominantes numa sociedade, deve ser normalmente esperado ou querido como comportamento normal de seus membros. 219

A norma, portanto, deve ser a diretriz de um comportamento socialmente

estabelecido e aceito pela a sociedade.

219 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Editora Saraiva: 2002, p.36.

151

Nota-se que a norma, chamada ética, pressupõe uma norma de conduta de

alguém, portanto pode ser originária da simples vontade do indivíduo, como ato

voluntário, ou proveniente de hábitos e costumes da sociedade onde se insere.

É cabível a pontuação de Reale quanto ao fundamento de que toda a atividade

humana dirigida à realização de um valor deve ser considerada uma conduta ética. E

relaciona alguns valores cardinais que através dos tempos têm sido considerados o bem

visado pela ação, que são o Belo, o Útil, o Santo, o Amor, o Poder e o Bem Individual e o

Bem Comum. 220

Para este estudo, os interesses são pelos valores do Bem Comum, como forma de

conduta ética, uma vez que esses preceitos são valores condutores do instituto da

responsabilidade social.

De acordo com essa teoria, a Ética pode ser analisada conforme o valor da

subjetividade do autor da ação e o valor da coletividade em que o indivíduo atua. No

primeiro caso, o ato do indivíduo é analisado em função da sua intenção de praticar e de

sua realização como pessoa, que chamamos de Moral. No segundo caso, o ato é praticado

sob a existência de um bem social que supera o bem individual que chamamos de Moral

Social, adquirida pelos costumes, convenções sociais e Direito. 221

A existência de um bem social que supera o bem individual é o que caracteriza

uma vontade fortemente aceita na sociedade por uma conduta social moralmente correta e

dentro dos padrões morais e normais do indivíduo.

Após a breve abordagem da estruturação da norma ética, cabe pontuar a

delimitação da norma jurídica, de forma a medir os limites da ação do indivíduo.

Diferentemente da norma ética, a norma jurídica consagrada e reconhecida pelo Estado, é

um preceito obrigatório, dotado de coercibilidade.

220 Ob. Cit. p. 39. 221 Ob.Cit., p.38-39.

152

Reale argumenta o que efetivamente caracteriza uma norma jurídica de qualquer

espécie. É o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma

organizacional ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória. 222

A norma jurídica é a célula do ordenamento jurídico, um corpo sistematizado de

regras de conduta, caracterizadas pela coercitividade e imperatividade. Nesse contexto, é

possível definir o Direito como a ordenação da convivência humana segundo a justiça,

atribuindo-se a cada um aquilo que é seu, sendo a ordem jurídica o resultado dessa

ordenação.

Bobbio assinala que o que chamamos de Direito é mais uma característica de

certos ordenamentos normativos, que de certas normas. Partindo-se da norma, chega-se

ao ordenamento jurídico. Assim, norma jurídica é aquela que pertence a um ordenamento

jurídico. 223

A concepção positivista do direito pauta-se na manifestação típica do direito

moderno, o qual preconiza o direito como fato e não como valor, o direito definido em

função do elemento de coação, a teoria da legislação como fonte preeminente do direito, a

teoria da norma jurídica, a teoria do ordenamento jurídico, a teoria da interpretação

mecanicista e a teoria da obediência.

Com a absorção do positivismo normativista pela ciência jurídica, os operadores

do direito reduz-se à lei imposta, proveniente exclusivamente do Estado, não

considerando o direito como produto sócio-cultural, visto que só há direito enquanto

houver sociedade. Vê-se que esta sociedade clama por direitos sociais, enquanto a

estrutura jurídica do Estado limita-se a aplicar o direito de forma impositiva.

Verifica-se que a idéia de Estado produzida pelos sistemas capitalistas muitas

vezes ficam aquém dos ideais almejados pelas sociedades. Deve-se entender que a ciência

222 Ob. cit., p.95. 223 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, São Paulo: Ícone, 1995, p.147.

153

jurídica resume-se às explicações articuladas de códigos e leis em geral com uma visão

unilateral, abstraindo qualquer indício de valoração ou apreciação de outros institutos.

Na sua obra, Introdução crítica ao Direito, Miaille descreve o que seria um

Estado ideal para as sociedades, de forma que as atuais evidências sociais reflitam o

Estado apenas como uma idéia.

Para que, no sistema capitalista onde os homens estão profundamente divididos em classes antagônicas, uma vida social ainda assim possível, é necessário que exista uma estrutura política, cuja função primeira será ordenar a desordem, reconciliar aparentemente indivíduos que tudo separa, zelar pela salvação pública. Esta instituição sabemo-lo, é o Estado [...] Ora, e é o que muitos esquecem às vezes, esta existência da idéia de Estado é importante para o próprio funcionamento das estruturas estatais. Se cada um de nós não estiver intimamente convencido da necessidade de um Estado, quer dizer, do valor desta (aparente) função de apaziguamento e de regulamentação pacifica dos conflitos, se cada um de nós não acreditar que existe um bem comum, distinto e superior aos nossos interesses particulares, torna-se difícil fazer funcionar o Estado, isto é, concretamente a administração, os tribunais, o exército e, de uma maneira geral, todas as instâncias a ele ligadas. Assim se impõem, na prática e nas consciências, noções tais como: interesse geral, direitos e deveres do cidadão, soberania, razão do Estado, vontade da administração e outras tantas “expressões” sem as quais, afinal, o funcionamento da instituição estatal estaria comprometido. 224

O entendimento é que, se o Estado é uma idéia, a teoria do Estado positivista do

Direito é apenas um aglomerado de leis e, portanto, um aglomerado de idéias, devendo

ser amplamente interpretadas e difundidas para se alcançarem os objetivos do Estado que

é o de promover o bem-comum.

O fato de as normas jurídicas serem respeitadas incondicionalmente, como a

forma racional de o Estado e os homens a ele submetidos, atuar, não se justifica mais. É

necessária uma flexibilização nos moldes rígidos das normas jurídicas, de maneira que os

preceitos sociais fundamentais sejam possíveis de se alcançar.

Dworkin faz uma perspectiva do Direito enquanto acordo pré-interpretativo

224 MIAILLE, Michel. Introdução crítica ao Direito. Trad. Ana Prata. 2 ed. Lisboa: Estampa, 1994, p.50.

154

sobre os quais, as práticas sociais serão consideradas jurídicas numa dada comunidade, e

essas devem ser interpretadas a partir dos princípios fundamentais eleitos pela

comunidade como os seus. Assim, ele busca criticar o positivismo a partir da idéia de que

o Direito vai além de um sistema de regras baseado num teste fundamental. 225

O Direito vai além de um sistema de regras quando a própria sociedade passa a

interpretar como seus os princípios, os valores e os costumes que entendem ser

necessários para a melhoria das condições de vida. A efetivação legítima desses

princípios torna-os válidos no momento em que se enquadram na realidade dos indivíduos

e passam a ter força efetiva na sociedade.

Na era da globalização e da informação, verificou-se que o Direito deve ser visto

não como um mecanismo de dominação; deve-se buscar outras formas de pensar o

Direito, que considere e respeite as condutas sociais de forma legítima.

Nesse sentido, Grau apresenta pontualmente:

O tempo que vivemos denuncia uma tendência bem marcada à desestruturação do direito. O direito, em suas duas faces - enquanto direito formal e enquanto direito moderno, se desmancha no ar [...] Paralelamente à demanda da sociedade por um direito que recupere padrões éticos, a emergência de direitos alternativos é incontestável. 226

Nota-se, no momento, a necessidade de uma nova dimensão para o Direito, pois,

quando este começa a apresentar-se desconectado com a realidade social, sempre

defasado em relação ao desenvolvimento e mudanças sociais, ele passa a ser um

obstáculo à transformação social.

Ainda, no entendimento de Grau, o sistema positivo das normas é fragilizado

quando a legalidade toma o lugar da legitimidade, pois as leis, embora legalmente

positivadas, podem não ser legítimas quando não respeitam as condutas sociais. Para esse

autor, a norma jurídica somente é legítima quando existir correspondência entre o

comando nela consubstanciado e o sentido admitido e consentido pelo todo social, a partir

225 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.36. 226 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.31.

155

da realidade coletada como justificadora do preceito normalizado. 227

Ainda, nesse entendimento, cabe pontuar as considerações de Radbruch sobre a

sustentação de que existe um direito acima das leis.

[...] há leis que não são direitos e há um direito acima das leis [...] quando nem sequer se aspira a realizar a justiça, quando na formulação do direito positivo se deixa de lado conscientemente a igualdade, que constitui o núcleo da justiça, então não estamos diante de uma lei que estabelece um direito defeituoso; mas o que ocorre é que estamos diante de um caso de ausência do Direito.228

A consideração reforça que um preceito positivado que deixa de lado o princípio

da igualdade, do direito ao trabalho, da dignidade do indivíduo, que constituem o núcleo

da justiça efetiva, não trata de um direito defeituoso, mas de uma ausência de direitos.

O Direito deve modificar-se conforme a sociedade onde está inserido. A

obediência incontestável à lei, à crença da neutralidade do Direito, à subsunção da

legitimidade, à legalidade, à interpretação mecanicista formal não são mais os pilares do

Direito. O que se busca são melhores condições de vida, saúde, moradia, alimentação,

trabalho justo, educação, igualdade e segurança.

Não se pode aplicar o Direito em desajuste com os anseios sociais. A Lei, para

ser legítima, tem que refletir o que a sociedade almeja.

Diante dessas considerações, fica evidente que existe um Direito implícito,

garantido aos indivíduos, no que concerne às relações empresariais muito além do

estabelecido legalmente. O Direito estatal não é nem de longe a única expressão

normativa existente, nem mesmo a mais ideal. É o nascimento da legitimação social

desenhada pela própria sociedade.

A sociedade contemporânea clama pelo reconhecimento de direitos adormecidos

227 Ob. Cit., p.86. 228 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, Coimbra: Ed. Armênio Amado, 1974, p.415.

156

e ressurge por meio das organizações sociais na busca da sua efetivação. São as ações

oriundas das sociedades civis, Fundações, Organizações Não Governamentais e Empresas

que, atualmente, fazem o diferencial no que se refere à construção de um novo Direito,

capaz de proporcionar condições de atendimento às demandas sociais.

Essa mudança de paradigmas no seio da sociedade reflete a força que as

condutas éticas, morais e de costume representam. Essas forças sociais têm adentrado as

comunidades com tamanha expressão, que as ações dessa natureza tornaram-se habituais

e tão eficazes quanto às normas reguladas que conduzem a vida em sociedade.

O instituto da responsabilidade social empresarial, atualmente, é visto como um

dos requisitos formadores das estruturas das organizações. É inconcebível que uma

organização empresarial construa sua estrutura organizacional sem levar em consideração

as ações sociais que pretende empreender e os investimentos de capital que isso pode

ocasionar.

É certo que o investimento econômico despendido com ações de cunho social no

ambiente interno com os próprios empregados, ou no ambiente externo com a

comunidade, seja mínimo perto do retorno positivo que essas ações retratam no mercado

e na sociedade.

A abertura para novos direitos e, por conseguinte a conscientização dos

indivíduos galgou uma cultura no ambiente empresarial de que é necessário o

investimento social, como uma estratégia de sobrevivência.

O lucro é e continua sendo o objetivo essencial das empresas, porém ele passa a

ser resultado, uma vez que a organização que não se compromete com a valorização e

igualdade de seus empregados, com o investimento na educação, com a produção de

qualidade e com a preservação do meio ambiente, não consegue mais alcançar o

desenvolvimento. Esse que a princípio era o objetivo, passa a ser resultado.

É possível estabelecer um diferencial precioso quanto à validade das normas de

157

conduta ética, moral e os costumes em relação às normas jurídicas. Verifica-se que não

foi necessária a aprovação de projetos de leis que obrigam a publicação de relatórios

sociais que expressam as condutas empresariais, muito menos uma lei que obrigue a

conduta da responsabilidade social nas organizações empresariais.

A própria sociedade bem como o universo empresarial absorveram, de maneira

habitual e legítima, a conscientização do investimento social como necessidade

fundamental da empresa, e, de certa forma, em prol do indivíduo, capaz de alterar a sua

realidade, efetivando a sua dignidade e outras garantias constitucionais previstas, mas

ainda não legitimadas pela ciência do Direito.

Contudo, na busca por uma transformação social, esse novo Direito, que renasce,

tende a descentralizar e informalizar a justiça no sentido de suscitar a ação negativa do

Estado, por conta de sua falência na aplicação de políticas públicas.

5.2 MUDANÇA SOCIAL COMO LEGITIMADORA DO DIREITO

As estratégias, inovadoras oriundas das organizações empresariais bem como da

sociedade em si, possuem o interesse na transformação social, de modo que o Direito não

se restrinja às normas engessadas dos códigos, mas seja vivo e eficaz, atendendo à

celeridade da vida e as demandas carentes da sociedade.

Segundo Bobbio, a multiplicação dos direitos e mudança social surgiu em razão

de três fatores: o aumento da quantidade de bens considerados merecedores de tutela, a

extensão da titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem, e porque

o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem abstrato, mas é

visto na especificidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade. 229

No primeiro caso, o autor entende que ocorreu a passagem dos direitos de

liberdade para os direitos políticos e sociais. No segundo caso, ocorreu a passagem da

229 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.68.

158

consideração do indivíduo humano, o primogênito dos direitos naturais, para a família,

coletividade ou a humanidade como um todo, e por fim, a passagem ocorreu do homem

genérico para o homem específico, como é o caso dos direitos da mulher, direitos do

consumidor e estatuto da criança.

Bobbio faz questão de abordar o fenômeno da evolução e proliferação dos

direitos para delinear a mudança social ocorrida nos últimos tempos.

O mundo das relações sociais [...] é muito mais complexo, e de que para a vida e para a sobrevivência dos homens, nessa nova sociedade, não bastam os chamados direitos fundamentais, como os direitos à vida, à liberdade e à propriedade. 230

A própria evolução das sociedades e a necessidade de se estabelecer um

regramento das ações dos indivíduos na busca de dirimir conflitos fazem com que haja a

proliferação de direitos, de modo que as exigências por novos direitos sociais são tantas e

o processo de transformação da sociedade torna-se acelerado.

É plausível que a sociedade contemporânea ainda sinta os reflexos do início

dessa mudança social, iniciada com o processo de globalização e adentra as organizações

empresariais, cujos indivíduos fazem parte como empreendedores, sócios, trabalhadores,

consumidores, numa rede unitária de transformação social.

Essas organizações empresariais caracterizam-se por papéis que definem funções

e prescrevem modos de comportamento associado às determinadas tarefas e

responsabilidades, como normas que atuam como expectativas transformadas em

exigências obrigatórias, caracterizando um novo modelo de direitos.

Segundo Faria, reflete muito bem a inserção do indivíduo no interior das

organizações, de forma a fazer parte dela.

As pessoas nascem em organizações (maternidades); são educadas em organizações (escolas, colégios, universidades e centros de treinamentos

230 Ob. Cit, p.75.

159

profissionais); são informadas por organizações (imprensa e os meios de comunicação de massa); trabalham em organizações (escritórios, fábricas e empresas) [...]. Defendem seus interesses específicos por meio de organizações (entidades representativas); mobilizam-se para a defesa de interesses coletivos, direitos humanos, refugiados, menores carentes, meio ambiente, desarmamento, habitação, saúde, previdência, assistência social, etc., por meio de organizações [...] com uma atuação que ultrapassa os limites dos canais políticos convencionais da democracia representativa. 231

As organizações empresariais contemporâneas são o “habitat” da sociedade,

numa interação de deveres e obrigações que se completam, de modo que os empregados,

acionistas e consumidores sejam passíveis destas obrigações, e ao mesmo tempo, sujeitos

de direitos. E ainda continua:

[...] As “organizações complexas” se caracterizam pelo alto grau de sua diferenciação interna, por seus centros dinâmicos de poder com funções de gestão, direção, planejamento e controle, pela sua capacidade de agir estrategicamente, pela extrema sofisticação de suas formas de atuação e pela permanente reivindicação de interesses sociais segmentados. É justamente porque elas tendem a desenvolver suas próprias racionalidades, a forjar suas próprias normatividades, a gerar sua própria “jurisprudência”, a criar seus próprios recursos, a gerar seus próprios mercados e a definir seus próprios valores, na busca pela concretização e maximização de seus interesses, que o contexto social da economia globalizada pode ser definido como uma “sociedade de organizações”, ou seja, mais como uma “constelação de governos privados” do que propriamente como uma “associação de indivíduos articulada por um governo público”. 232

As empresas que estão condicionadas a essa nova postura social, chamadas de

“organizações complexas”, buscam sintetizar de maneira interna todas as formas de

atuação na sociedade, inclusive com relação ao estabelecimento de regras. Essas

organizações procuram estabelecer seus próprios direitos e deveres, formando um

organismo independente, eficaz e objetivo, com o fim de atender às expectativas da

sociedade em que está inserida e, conseqüentemente, alcançar seus objetivos econômicos.

231 FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p.170. 232 Ob. cit, p.172.

160

O fato de não haver no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação que

conduza as práticas socialmente responsáveis das organizações empresariais, faz com que

essas organizações, em consonância com a sociedade, por meio de estratégias formadoras

de consensos, dos costumes adquiridos através dos tempos, com as normas éticas e morais

cultivadas, produzam esse regramento para manter a ordem e alcançar seus objetivos.

Levando-se em consideração que Direito e sociedade são indissociáveis, a

relação jurídica é, em si, uma relação social. Desse modo, pode-se dizer que toda e

qualquer forma de contato do homem entre seus semelhantes possa resultar em uma

situação repleta de desdobramentos relativos ao campo do direito.

Para Ehrlich, o termo sociedade deve representar o conjunto das organizações ou

associações humanas inter-relacionadas; é da ordem interna das sociedades humanas que

surge o Direito. Por isso, diz ele: "Para explicar as origens, o desenvolvimento e a

essência do direito, deve-se pesquisar, sobretudo a ordem das associações.” 233

A obra de Ehrlich foi marcada por uma abordagem sociológica, vislumbrando a

existência de um Direito da sociedade, independente do Direito legislado. O Direito da

sociedade era constituído por suas instituições básicas como o matrimônio, família, posse,

contrato e sucessão, que eram anteriores a toda e qualquer função legislativa. Assim, este

Direito da sociedade deveria prevalecer sobre o Direito legislado nas decisões judiciais.234

Portanto, a Escola do Direito Livre, a qual pertenceu Erhrlich, criticou

fortemente o formalismo jurídico. Entretanto, essa crítica não pretende desconsiderar por

completo o elemento formal do Direito, mas possibilitar a inserção de outros elementos,

também fundamentais à interpretação e compreensão do fenômeno jurídico.

O autor afirma a existência de um “direito vivo”, o qual trata de um Direito

maior na sociedade, abaixo do qual estaria o que ele denomina categorias subalternas, a

ordem estatal e as regras de decisão dos tribunais. O Direito se diz “Vivo” por nascer,

crescer e desenvolver-se com grande dinamismo no cerne da comunidade; em

233 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986. p. 25 234 Ob.cit. , p. 27

161

contrapartida, as duas outras categorias encontram-se sempre em atraso e submetidas ao

seu vigor.

Barros afirma que a sociedade é a fonte e ao mesmo tempo a destinatária do

Direito, logo a Ciência Jurídica existe em decorrência da sociedade, e o inter-

relacionamento social é que o faz surgir. Desse modo, é de grande importância a

consideração da sociedade como a condutora do Direito na imposição de regras da vida

Ainda, nesse entendimento, Duguit considerou a Ciência Jurídica como Ciência

Social, devendo ela voltar-se para as observações objetivas dos fatos, uma vez que o

Direito nada mais é do que regras da vida social, e assim complementa:

Os homens vivem em sociedade e querem viver em sociedade: 1) porque têm consciência de necessidades comuns que não podem satisfazer senão por meio da vida em comum (solidariedade por semelhança); 2) porque têm consciência de terem atitudes e necessidades diversas e de não poderem assegurar-se a satisfação destas necessidades senão por meio de um intercâmbio de serviços, devido à diversidade das atitudes particulares (solidariedade pela divisão do trabalho); 3) da constatação do fato de que os que são seres individuais e sociais ao mesmo tempo e de que a individualidade e a sociabilidade não estão em oposição entre si, senão que se integram reciprocamente. 235

A transformação social vivida nos últimos tempos está relacionada ao

estabelecimento da ordem primordial em todas as sociedades que não depende só do

Estado ditar suas diretrizes, mas do reconhecimento social de certas normas que estejam

em consonância com os anseios da sociedade.

A relação entre Direito e sociedade não se configura, pois, como de coordenação,

mas de império, em que apresentam, em primeiro plano, os fatos sociais a condicionar a

ordem jurídica.

Cabe pontuar sobre a dimensão que o “direito vivo” alcança, de modo que sua

força e objetividade fazem com que a efetividade social passe a delinear o Direito.

235 DUGUIT, Leon. Apud BARROS, Wellington Pacheco. A interpretação sociológica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p 87.

162

O direito vivo é aquele que, apesar de não fixado em prescrições jurídicas, domina a vida. As fontes para conhecê-lo são, sobretudo, os documentos modernos, mas também a observação direta do dia-a-dia do comércio, dos costumes e usos e também das associações, tanto as legalmente reconhecidas quanto às ignoradas e até ilegais. 236

A questão de se buscar o “direito vivo”, adentrando os ordenamentos jurídicos

existentes, é buscar no seu conteúdo a origem histórica, os hábitos, costumes, a fim de

buscar efetivamente a validade do Direito. A lei deve ter a liberdade de se expor à

realidade, pois ela terá, em si mesmo, o fundamento para sua legitimidade.

Grau atenta para a busca da transformação do Direito, não se limitando à lei, mas

interpretando-a de forma a buscar sua valorização. E, desse modo, o autor afirma que o

Direito manifesta-se de várias formas, e o operador jurídico não descreve o Direito, mas a

sua forma de vê-lo.

Posso, exemplificativamente, descrevê-lo como sistemas de normas que regula - para assegura-la - preservação das condições de existência do homem em sociedade. Mas, de outra parte, posso descrevê-lo, exemplificativamente também, desde uma perspectiva crítica, introduzindo, então, a velha questão, do expositor e do censor (crítico) do direito, daquele que explica o direito, tal como o entende, e daquele que indica o que crê deva ser direito - a separação entre o que é e o que deve ser o direito (Benthan). Afirmaremos, então, que necessitamos mais de censores, críticos do direito, do que de meros expositores dele - no que também a afirmação de que os juristas em regra se limitam a interpretar o direito de diferentes maneiras, mas o que importa é transformá-lo. (grifos nossos). 237

O cerne da questão está justamente em buscar o Direito onde ele está escondido e

conduzi-lo de maneira que ele passe a se tornar efetivo diante do resgate da Justiça, isto é,

a aplicação do Direito consiste em se tirar a essência de uma norma jurídica e colocá-la

diante de um caso real. É a passagem do abstrato para o concreto, tendo a Justiça como

ideal.

Afinal, a Justiça é uma virtude, conforme prelecionou Moraes Filho, cujo trecho

236 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986., p. 378 237 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.18.

163

não poderia deixar de ser citado.

[...] a justiça é uma virtude, anterior e superior às regras concretas do Direito positivo, em qualquer tempo e em qualquer lugar. Não participa do impirismo das circunstâncias ou das conjunturas. Por sobre o episódico e o efêmero, a justiça é ou deve ser perene, sempre a mesma, em seus critérios valorativos, para amigos ou inimigos, correligionários ou desafetos. A justiça é de todo incompatível com o casuísmo, com o aqui e agora, com surpresas de critérios que geram a insegurança e o descrédito do direito. A justiça é perene, como ideal social, como Direito justo, enquanto tudo mais passa, porque ela é a disposição e a vontade constante e perpétua de atribuir a cada pessoa, individual ou coletiva, aquilo que lhe deve pertencer de direito. 238

A justiça, diferentemente do Direito não é imutável, ela sempre será a vontade

constante de atribuir a alguém o que é efetivamente justo, por isso é superior às regras

engessadas do Direito positivo. A justiça é capaz de buscar a verdadeira legitimidade de

um direito onde não há norma jurídica.

O Estado, ao editar as normas e impor o Direito como instrumento regulador da

sociedade, fecha-se diante da realidade social que está a sua volta. Muitas vezes legisla

em várias direções sem ao menos existir a necessidade desse regramento, o que gera um

descrédito à lei que não consegue buscar a sua efetividade. A lei do Estado deve ser o

limite do querer social ou deve buscar a satisfação coletiva.

O resultado dessa dessintonia é, em muitos casos, o descrédito à lei, que embora abundante, não dá ao País a devida segurança jurídica, diminuindo a importância do Direito e dificultando a ação daqueles que o operam. E como a lei estatal não satisfaz integralmente, a própria sociedade se auto-regulamenta, muitas vezes alheia à determinação positivada, numa demonstração que já há maturidade social suficiente para, em determinadas questões, preterir a tutela protetora do Estado. 239

O Brasil possui o maior texto constitucional de âmbito social, sob o fundamento

de validade do Direito posto e organizado em razão do poder público, modelado

documentalmente e para garantir os direitos fundamentais dos indivíduos. Nessa esteira,

238 MORAES FILHO, Evaristo de. Sem medo da utopia. São Paulo: Editora LTR, 2007.p. 223. 239 BARROS, Wellington Pacheco. A interpretação sociológica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

164

Canotilho define-o como uma “ordenação sistemática e racional da comunidade política

por meio de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se

fixam os limites do poder político”. 240

Mas para que se chegue ao ideal de justiça, é necessária uma adaptação que

comporte um embasamento crítico e um método de interpretação adequado, para

determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. Assim, é possível buscar no

interior dos Princípios Constitucionais esculpidos na Constituição Federal, o respaldo

para todas as carências da sociedade.

Argumenta-se sobre a possibilidade, por meio da interpretação dos Princípios

Constitucionais, de estabelecer um regramento sobre a responsabilização social

empresarial e suscitar um direito vivo que se encontra adormecido nessas linhas jurídicas.

Podem ser identificados muitos valores no título dos Princípios Fundamentais

como a Dignidade da Pessoa Humana, os Valores Sociais do Trabalho e da Livre

Iniciativa e no título da Ordem Econômica e Social, continua a indicação dos valores

sobre a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a função social da

propriedade, a defesa do meio ambiente e a redução das desigualdades sociais. 241

Esses valores admitem tamanha abrangência que podem servir de fundamento de

validade às inúmeras situações concretas no âmbito da responsabilidade social das

empresas, quando interpretados de forma legítima e não apenas legal.

Considerando o atual contexto social com a elevada complexidade e inovações

da sociedade, não se pode esperar que a Constituição Federal, embora prelecione sobre a

garantia dos direitos sociais, em seu sentido estritamente jurídico, seja vista como

portadora de soluções prontas para problemas dessa ordem. Seu texto é como uma obra 240 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999. p. 48. Conforme salienta o constitucionalista de Coimbra, esse conceito de Constituição pode ser desdobrado de forma a captar as dimensões fundamentais que o incorpora. Dessa forma, têm-se: (1) ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito; (2) declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder limitado e moderado. 241 BRASIL. Constituição (1988). São Paulo: Saraiva, 2006.

165

aberta; ao ser interpretado, atribui-se-lhe a significação requerida no momento atual e

conforme as necessidades da sociedade. 242

O Estado está submetido às regras do desenvolvimento, portanto há de se moldar

de acordo com a realidade social, econômica e política. Considerando a globalização, o

desenvolvimento tecnológico, a abertura de mercados e a competitividade, o setor

empresarial busca alternativas de estabilidade sob uma nova concepção de valores.

Essa mudança de paradigma valorizou a sociedade como a condutora das

ordenações sociais, de modo a exigir das organizações econômicas o cumprimento das

suas funções sociais, para que dignificasse o indivíduo. Conforme pontuou Ehrlich, as

normas sociais concretas que governam a sociedade e que chamou de Direito Vivo, não

são estáticas, porque a sociedade não é estática, diferentemente do Direito positivo, que

não acompanha adequadamente essa evolução.

O que se verifica é que o Estado cria o Direito e nele se observa uma insuficiente

adaptação entre o real e o que ele idealmente procura controlar.

O poder que cria o Direito, desconhecendo que a lei tem um caráter temporal, e que assim deve ser para poder sempre se amoldar às mudanças sociais, não o modifica com a rapidez e suficiência necessárias [...], fazendo com que legislações surgidas numa determinada época e diante de uma realidade social diferente implodam sobre outra realidade; sobre uma sociedade que naturalmente já as relegou ao desuso por reconhecê-las imprestáveis às suas necessidades e que passou, por isso, a se guiar por suas próprias regras. 243

A sociedade complexa abandona o legalismo estrito para se utilizar efetivamente

de um Direito que seja, sobretudo, atual e legítimo. Ao impor seus anseios, ela cobra das

organizações empresariais suas próprias regras de conduta, originando a elaboração dos

instrumentos e estratégicas de gestão como os Códigos de Conduta ou Códigos de Ética,

já que para as empresas, seus valores legitimadores não se encontram propriamente no

conteúdo das normas jurídicas, mas nos procedimentos que fundamentam e efetivam as

242 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 144. 243 BARROS, Wellington Pacheco. A interpretação sociológica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 96.

166

ações sociais responsáveis.

É possível, por meio da implementação dos preceitos Constitucionais e da busca

ao direito vivo existente, estabelecer um regramento sobre a responsabilização social

empresarial numa decisão que, embora com a ausência da lei específica, seja a favor do

direito, a favor do direito de igualdade, ao direito de trabalho digno, ao direito de saúde e

à educação do indivíduo.

Ressalte-se que a mudança social ocorrida nas sociedades contemporâneas em

razão de uma nova postura voltada para valorização da cidadania e redução das

desigualdades, apesar de geridas pelo cruel alicerce do neoliberalismo, trouxe a

legitimação de um Direito capaz de transpor as barreiras da positivação.

Em síntese, é possível demonstrar que há um Direito resultante de fontes

distintas do Estado. É possível afirmar que há, além da norma positivada, alguma outra

pelo Estado não reconhecida, mas dotada de eficácia e validade jurídica no meio social

em que ela surgiu e apta, portanto, a desempenhar o papel necessário para a concretização

da idéia de Justiça que se pretende fazer surgir.

167

CONCLUSÃO

O atual cenário econômico, influenciado pela globalização e pelos avanços

tecnológicos, proporcionou mudanças, entre elas, a grande competitividade no setor

empresarial, originando o aumento do desemprego e desigualdades sociais, de maneira a

evidenciar que a crise global expôs a real necessidade de se encontrar soluções que

viabilizassem a construção de uma sociedade mais justa.

Com o advento de novos direitos aumentaram os sentimentos coletivos de falta

de proteção social, em razão do enfraquecimento das políticas públicas do Estado. Por

essa razão, favoreceu o fortalecimento de movimentos sociais. Surgiram organizações não

governamentais, instituições e Empresas com o objetivo de resgatar as necessidades

sociais dos indivíduos.

Diante dessa mudança de concepção, as Empresas passam a ter um perfil

corporativo, revertendo a condição única de provedora de recursos econômicos para

gestão de recursos sociais. Nesse passo, coube identificar a origem da concepção da

responsabilidade dada à empresa.

A pesquisa buscou delinear a origem do contexto sobre responsabilidade social

empresarial que, a princípio, quando praticada pelas primeiras empresas americanas, eram

confundidas com ações filantrópicas, principalmente porque se cultuava, nos ambientes

empresariais, a influência economicista de Milton Friedman, que pregava a empresa com

a função única de obter lucros, uma vez que a função social cabia exclusivamente ao

Estado.

Com o fortalecimento de nova cultura que adentrou as sociedades empresariais e

o nascimento de uma nova postura, verificou-se que o lucro é perfeitamente compatível

com a ética desde que a ele seja dado um destino social, como a melhoria da qualidade de

vida dos empregados, a promoção de gestões eficientes que visam à preservação do

ambiente sustentável e a elevação do respeito aos consumidores.

168

Desse modo, conceituou-se a ética como norma de conduta moral, e, portanto,

um preceito normativo que conduz o espelho de boa conduta refletida em toda a

sociedade. Essa postura torna efetiva as decisões empresariais com maturidade e

consciência, aumentando os níveis de competitividade, contrariando algumas correntes

que entendem não ser compatíveis à ética e o sucesso empresarial.

O fator responsabilidade passa a ser o termo mais importante no meio

empresarial, pois não basta somente o cumprimento de deveres, é necessário o

cumprimento de deveres com responsabilidade, ou seja, fazer a previsão das ações muito

antes de colocá-las em prática, originando a responsabilidade social empresarial.

Buscou-se a Responsabilidade Social na concepção da função social da

propriedade, amplamente positivada pela Constituição Federal. A origem da

responsabilidade social confirma o direito de propriedade ao proprietário se atendida sua

função social, e transfere à empresa esta condição, de modo que ela possa desempenhar

sua função social à sociedade.

Conclui-se que a noção de responsabilidade social amplamente desenvolvida

pelas empresas contemporâneas, nada mais são que reflexos impostos pela função que

devem desenvolver dentro de uma sociedade, sendo, portanto, um dos pressupostos da

função social da empresa, a funcionalização do direito como todo.

A funcionalização concretiza-se quando há o poder dever do empresário, visando

à ação e à produção de bens compatíveis com o interesse geral e coletivo, com o objetivo

de dar-lhes uma finalidade. Portanto, assim como uma propriedade improdutiva, a

empresa improdutiva que não proporciona empregos, não paga impostos, não gera bem-

estar e segurança aos indivíduos e não se importa com as necessidades coletivas, não

cumpre sua função na sociedade.

A Empresa destaca-se com crescente influência na sociedade constituindo-se a

célula fundamental de todo o desenvolvimento industrial. Com estrutura capitalista e,

conseqüentemente, provedoras dos recursos econômicos, as empresas cujo desempenho e

169

resultado dependem de fatores humanos passa a ter responsabilidades sociais com seu

público.

O conceito de Responsabilidade Social Corporativa, delimitação dada ao

enquadramento social, econômico e ambiental das empresas contemporâneas, possui

diferentes abordagens, mas o foco principal dá-se no engajamento institucional rumo aos

problemas sociais.

Destaca-se com grande relevância um atendimento empresarial além das

fronteiras do negócio. A responsabilidade social chega a estar dimensionada na empresa à

medida que atinge a atividade estratégica orientada para públicos distintos e transforma-se

em ação social espontânea, longe de filantropia e obrigação regulatória.

As empresas adentram um novo esquema de atendimento às demandas sociais,

retirando do Estado o papel de principal responsável pela proteção social, num

movimento que abre espaço para as empresas capitalistas se envolverem na questão

social, construindo no seu interior, um espaço organizado chamado responsabilidade

social.

Uma das posturas que representa a inserção desta cultura empresarial é a adoção

dos Códigos de Condutas ou Códigos de Ética no interior das organizações, que são

usados como orientadores de comportamentos, controlando a regulamentação interna das

empresas e contendo regras explícitas para as tomadas de decisões, fortalecendo a

convicção de que a moral e a ética, além de ser um preceito normativo, reflete a boa

conduta almejada pela sociedade.

Verificou-se uma nova conscientização que exige das empresas o investimento

no seu capital humano, o grande responsável da produção e da melhoria da qualidade dos

produtos fornecidos.

Adentra as empresas contemporâneas a disponibilização de benefícios aos

empregados, como planos de previdência privada, transporte, assistência jurídica, médica,

170

alimentação, creches e berçários, empréstimos pessoais, poupanças, e ainda a

oportunidade de educação superior, com a inovação das chamadas Universidades

Corporativas.

Outra grande estratégica empresarial está na implementação de gestão de marca

que monitora e releva sua imagem, principalmente em razão da conscientização da

necessidade de preservação ao meio ambiente e de proporcionar condições mínimas de

consumo e de sobrevivência na comunidade. Atrelado a isso está a adoção de sistemas de

gestão estruturados, como as normas de certificação de qualidade, alcançando maior

legitimação social.

Ainda sobre a preocupação ambiental, a adoção de estratégias de gestão, como as

auditorias, revela-se uma arma eficaz na conciliação da preservação ambiental e a

atividade econômica, uma vez que esses instrumentos impedem ou amenizam os desastres

ambientais, considerando os eventuais prejuízos que possam afetar a empresa e toda a

sociedade.

Verificou-se uma construção cultural cultivada no ambiente empresarial onde as

empresas passam a transmitir à sociedade os ideais construídos como respeito com os

stakeholders, cidadania empresarial, valorização do trabalho e da pessoa humana,

comprometimento e responsabilidade, por meio da publicação espontânea de seus

Balanços Sociais.

As empresas passam a cultuar a obrigatoriedade de prestação de contas à

sociedade, conferindo credibilidade às demonstrações, externando valores éticos e o grau

de desenvolvimento social, haja vista a inexistência de regulamentação legal para sua

publicação.

Embora tenha havido no Brasil várias tentativas de se obter um regramento legal

para as práticas da responsabilidade social empresarial, especialmente para a publicação

dos Balanços Sociais, mostraram-se infrutíferas pela ausência de empenho e interesse

171

político na sua regulamentação.

Uma nova cultura é trazida à sociedade por meio das ações empresariais,

principalmente por influência das empresas estrangeiras, onde se originaram os ideais

responsáveis. As empresas estabelecem uma amplitude de organização e conscientização

que, atualmente, ultrapassam a sua existência econômica e normativa quando as ações

desenvolvidas passam a transcender os limites da regulamentação.

Por descrédito à lei e insegurança jurídica, a sociedade auto regulamenta-se,

demonstrando que há maturidade suficiente para abandonar o legalismo estrito e ineficaz

para utilizar-se de um direito atual e legítimo. Conforme dizia Grau, a sociedade produz o

direito pressuposto, e o Estado, o direito posto; mas apenas o direito produzido pela

sociedade é comprometido com a justiça.

A lei, para ser legítima, tem de refletir os desejos de uma sociedade, portanto a

transformação social vivida nos últimos anos está relacionada ao estabelecimento da

ordem primordial que não depende só do Estado em ditar seu regramento, mas do

reconhecimento social dos regulamentos empresariais que atendam às necessidades

sociais.

Concluiu-se que a inexistência de legislação específica para a efetivação da

responsabilidade social não maculou as ações empresariais responsáveis, pois elas já

legislam em prol de si mesmas, quando entendem como regras normativas os valores e

costumes cultuados para a melhoria das condições de vida da sociedade.

Ainda que não houvesse a regulamentação interna cultuada no meio empresarial,

há, na sociedade brasileira, um regramento legal que estabelece os limites para a atuação

da ordem econômica, como garantia de todos esses direitos fundamentais essenciais para

a vida digna que a sociedade almeja.

172

Esse regramento é a Constituição Federal, que passa a tomar uma dimensão

maior quando interpretada e implementada pela eficácia dotada de validade jurídica no

meio social em que ela surgiu.

Verifica-se a existência de um direito implícito, garantido aos indivíduos no que

concerne as relações empresariais nas próprias linhas constitucionais. É necessário apenas

desvendar esse direito e conduzi-lo de maneira a torná-lo legítimo em defesa do resgate à

justiça.

Nesse momento, a responsabilidade social empresarial retorna à sua origem e

busca, na efetividade da função social da propriedade prevista na Constituição Federal, a

regulamentação necessária para tornar suas ações justas e legítimas.

Isso é possível porque a propriedade, dotada de função social, é justificada pelos

seus fins, seus serviços, sua função. A função social traz o condicionamento do poder a

uma finalidade, que diretamente importa à ordem econômica, à empresa como

propriedade dos bens de produção, respeitando o princípio constitucional.

Contudo, a legitimidade da propriedade só existe em respeito aos ditames da

justiça social, de modo que seu exercício proporcione a todos existência digna.

Os Princípios Constitucionais estabelecem valores que dignificam o trabalho, a

liberdade, a propriedade, a valorização da pessoa, o meio ambiente, enfim, conduzem as

ações da sociedade de forma imperativa, basta que se busque o direito adormecido, mas

pleno.

A atividade econômica empresarial deve, obrigatoriamente, obedecer a esses

princípios, para conduzir suas ações de maneira que sejam capazes de inserir o

planejamento na atividade econômica, para conformá-la ao respeito e aos interesses

sociais mais amplos, na busca da realização de uma sociedade mais solidária e justa.

173

Desse modo, cabe finalizar com o pensamento de Ehrlich, lecionando que o

“direito somente se manifestará como ciência válida, quando refletir o espírito justo que

edifica a equidade em cada comunidade social”. 244

244 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986.

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