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FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA - FESP CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO ROBERTA BRITO SOARES DE PINHO A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JURI CABEDELO-PB 2017

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FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA - FESP CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

ROBERTA BRITO SOARES DE PINHO

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JURI

CABEDELO-PB 2017

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ROBERTA BRITO SOARES DE PINHO

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI

Trabalho de Conclusão de Curso em forma de Artigo científico apresentado à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito, pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba - FESP, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Area: Direito Penal Orientador:Prof.Ms. Eduardo de Araújo Cavalcanti

CABEDELO-PB 2017

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ROBERTA BRITO SOARES DE PINHO

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI

Trabalho de Conclusão de Curso em forma de Artigo Científico apresentado à banca examinadora de artigos científicos da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba - FESP, como exigência para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

APROVADO EM ___/___/2017.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof.Ms. Eduardo de Araújo Cavalcanti

ORIENTADOR - FESP

____________________________________________________ Prof. Esp. Ricardo Berico Bezerra Borba

MEMBRO - FESP

_____________________________________________________ Prof. Esp. Luciana Vilar de Assis

MEMBRO - FESP

5

Aos meus pais, por todos os ensinamentostransmitidos e pelo amor incondicional a mim designado.

Dedico.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pela dádiva da vida e por ter me proporcionado saúde

e força para superar todos os desafios e dificuldades em busca dos meus sonhos.

Aos meus pais pelo incentivo, amor e apoio incondicionais.

Aos meus irmãos Paulo Eduardo e José Hermano por terem feito seus os

meus sonhos e caminharem sempre ao meu lado diante das intempéries da vida.

À minha avó Rosaly Tavares pelo auxílio incansável na construção do meu

caráter e de todo o meu alicerce educacional.

Aos meus sobrinhos Paulo Eduardo Filho e Luís Roberto por todo o carinho

e afeto, o que me serviu de inspiração em busca de um futuro melhor e mais digno.

À minha grande amiga Amanda Gomes pela parceria e amizade de sempre.

Aos meus colegas de turma e de profissão, pelo companheirismo.

Ao meu orientador pelo suporte, atenção, dedicação e paciência nessa

jornada.

A esta instituição de ensino, seu corpo docente, direção e administração,

que me fizeram ampliar meus horizontes em busca do aperfeiçoamento dos meus

conhecimentos acadêmicos e de vida, cujo incentivo foi imprescindível para o meu

crescimento profissional.

Enfim, a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para o sucesso da

minha graduação.

Agradeço!

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TERMO DE RESPONSABILIDADE/DIREITOS AUTORAIS

Eu, ROBERTA BRITO SOARES DE PINHO, RG nº 3.652.783 SSP/PB, acadêmico

do Curso de Bacharelado em Direito, autor do Trabalho de Conclusão de Curso –

TCC, intitulado A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO

JÚRI, orientada pelo professor Mestre EDUARDO DE ARAÚJO CAVALCANTI,

declaro para os devidos fins que o TCC que apresento atende às normas técnicas e

científicas exigidas na elaboração de textos, indicadas no Manual para Elaboração

de Trabalho de Conclusão de Curso da Fesp Faculdades. As citações e

paráfrases dos autores estão indicadas e apresentam a origem da ideia do autor

com as respectivas obras e ano de publicação. Caso não apresentem estas

indicações, ou seja, caracterize crime de plágio, estou ciente das implicações

legais decorrentes deste procedimento.

Declaro, ainda, minha inteira responsabilidade sobre o texto apresentado no TCC,

isentando o professor orientador, a Banca examinadora e a instituição de

qualquer ocorrência referente à situação de ofensa aos direitos autorais.

Cabedelo, PB, ___ de __________ de 2017.

__________________________________________

ROBERTA BRITO SOARES DE PINHO Mat. 2015110090

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO......................................................................................................8

2MÍDIA: FERRAMENTA DE INTEGRAÇÃO SOCIOCULTURAL..........................9

3A INFORMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE

COMERCIALIZAÇÃO MIDIÁTICA............................................................................11

4 AMÍDIA E O JULGAMENTO DE CRIMES.........................................................14

5OS EFEITOS DA INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO

TRIBUNAL DO JÚRI..................................................................................................16

5.1 ESTUDO DE CASO – CASAL NARDONI............................................................20

6CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................23

REFERÊNCIAS..........................................................................................................25

9

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI

ROBERTA BRITO SOARES DE PINHO

EDUARDO DE ARAÚJO CAVALCANTI

RESUMO

O presente trabalho versa acerca da notável influência da mídia no âmbito sócio-jurídico, especialmente no que tange às decisões do Tribunal do Júri, em vista da sua composição se dar por cidadãos comuns, deveras propensos a tal influência. A relevância da escolha do tema circunscreve-se à atualidade da temática e à possibilidade da participação popular no julgamento de crimes que ferem o bem maior de todo ser humano, a vida, bem como aos efeitos advindos dessa prática. Para tanto, terá início com uma abordagem acercada mídia como imprescindível ferramenta de integração sociocultural e enfatizar-se-á a sua tendência em comercializar informações em nome da captação de lucros e manipular a massa social conforme seus interesses. Posteriormente, será analisada a sua parcela de influência na área criminal, com destaque para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e todas as suas nuances. Por fim, serão expostos os principais efeitos decorrentes dessa cadeia de influências que envolve a sociedade, a mídia e o direito, quais sejam a transgressão principiológica e a colisão de direitos fundamentais,exemplificando tais concepções através da análise de um caso concreto que gerou grande comoção social e gozou de grande repercussão, o homicídio de Isabella Nardoni, em 2008. Realizou-se pesquisabibliográfica, com pesquisa em artigos, livros e periódicos.

PALAVRAS-CHAVE:Influência daMídia. Tribunal do Júri. Participação Popular. 1 INTRODUÇÃO

É inerente a todo e qualquer ser humano a necessidade de se comunicar,

pois que, por natureza, foi concebido para viver em sociedade. Com a eclosão do

fenômeno da globalização e a popularização dos meios de comunicação em massa,

a informação emerge como o novo cerne da integração e do desenvolvimento

social.O poderio da mídia, portanto, se intensifica a cada dia e junto com ele a sua

capacidade de influenciar o modo de pensar e agir da sociedade.

No Brasil, os recursos midiáticos são essencialmente de propriedade privada

e, em vista disso a mídia vem se destacando por se desvirtuar de seu intento inicial,

qual seja o informativo, em nome da busca por audiência e pelo aumento dos lucros,

Concluinte do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba (Fesp). Semestre 2017.1. e-mail: [email protected] Mestre

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notadamente na seara criminal, na qual se aproveita do enorme interesse e apelo

social emergente, acrescido das prerrogativas constitucionais de ampla liberdade

informativa de que dispõe para difundir informações arraigadas de sensacionalismo,

com fins a chamar a atenção do público.

A informação assume feição comercial e caráter econômico ao se

transmudar em produto comercializado pela mídia, que a manipula conforme seus

interesses. Recebe larga aceitação social em virtude da cultura do povo brasileiro

em elevar a status de verdade absoluta o que vê, ouve e lê nos meios de

comunicação.

Essa capacidade de manipulação de informações tem sido evidenciada na

seara criminal, contribuindo sobremaneira na formação do juízo de valor e da

opinião pública. Nesse contexto, tema que vem ganhando destaque quando se fala

em influência midiática é a sua interferência no processo decisório do tribunal do júri,

tendo em vista que os julgadores são cidadãos comuns, muitas vezes despidos de

preparo técnico-jurídico para tal e facilmente manobráveis.

Se deixam induzir pelo sensacionalismo midiático, de tal forma que realizam

um julgamento antecipado do indivíduo, galgando-se nas informações repassadas

pela mídia quando, na verdade deveriam basear-se única e exclusivamente no

conjunto probatório produzido nos autos.

Essa situação acaba por acarretar a transgressão, quando não o

cerceamento de diversos direitos e garantias fundamentais, justificados pela ampla

liberdade informativa da mídia, além de provocar a colisão de princípios que

deveriam subsistir no seio social como forma de garantia da dignidade humana e do

exercício da cidadania.

Nessa conjuntura, o que se busca no presente trabalho é compreender de

que modo e até que ponto a mídia consegue influenciar os cidadãos, no meio social

e jurídico, quais as conseqüências advindas de todo esse movimento jurídico-social

para a sociedade, para a mídia e especialmente para aqueles cidadãos incumbidos

de decidir o futuro de pretensos acusados da prática de crimes dolosos contra a

vida.

2 MÍDIA:FERRAMENTA DE INTEGRAÇÃO SOCIOCULTURAL

11

É sabido que é intrínseca a todo e qualquer ser humano a necessidade de

conviver em sociedade, de interagir e se comunicar, como ser social que é. Logo, a

presença da mídia configura-se como aspecto primordial na vida de qualquer

indivíduo, consistindo em instrumento viabilizador da satisfação das necessidades

supracitadas e, além disso, como direito fundamental. Desta feita, exige e goza de

proteção.

Inegável é o fato de que, nos últimos anos, o fenômeno da globalização e a

popularização dos veículos de comunicação em massa têm conseguido

estreitarincisivamente as relações socioculturais dos mais diversos grupos sociais,

não se podendo mais conceber o desenvolvimento (social, econômico e cultural)

desvinculado da atuação substancial da mídia.

Nesse contexto, é fundamental que se compreenda o que vem a ser a mídia

para, em seguida, internalizar o peso de sua influência no modo de pensar e agir da

sociedade como um todo. Conforme descrito no dicionário Aurélio (2016), mídia é

“todo o suporte de difusão de informação (rádio, televisão, imprensa, publicação na

internet, videograma, satélite de telecomunicação etc.), é o conjunto dos meios de

comunicação social”.Assim, é possível afirmar que a mídia, nos dias atuais,

desempenha fundamental papel frente à inevitável necessidade de integração

sociocultural.

Portanto, como bem expõe o sociólogo John B. Thompson (apud

GUARESCHI, 2007, p. 8), “vive-se atualmente uma sociedade midiada, na qual não

há nada que não esteja profundamente relacionado com a mídia nem

intrinsecamente por ela influenciado, desde a economia até a religião, passando-se

pela política e pelo direito”. Isto posto, verifica-se que a função precípua da mídia

deve sero desempenho de sua práxis informativa, no entanto, passou a,

indubitavelmente, assumir múltiplas funções com o desenvolvimento tecnológico e o

estreitamento das barreiras de comunicação.

Destarte, verifica-se que o poder da mídia perante a sociedade a atinge em

todos os aspectos, ditando as regras do seu cotidiano e determinando a

estruturação de seus hábitos,de tal maneira que assume uma dimensão ideológica

imprescindível, notadamente em virtude do avanço tecnológico trazido com o

fenômeno da globalização, o qualelevou a difusão de informações a uma velocidade

jamais vista ou imaginada.

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3 A INFORMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE COMERCIALIZAÇÃO MIDIÁTICA

Em virtude da crescente importância que a mídia vem assumindo no tocante

à formação da consciência coletiva da sociedade brasileira, cada vez mais sedenta

por informações, e exigente no que se refere à sua transmissão no menor lapso

temporal possível, os detentores da informação estão se valendo desta insigne

ferramenta de integração sociocultural, bem como das garantias constitucionais a

que faz jus, referentes à ampla liberdade de expressão e acesso à informação, para

a satisfação de seus interesses.

Particularmente no Brasil, prepondera no cenário da comunicação o caráter

privado de sua propriedade e, levando em consideração a hegemonia capitalista, o

grande escopo da mídia, qual seja servir de instrumento de informação, na garantia

de um Estado democrático, é deturpado, em nome da perene necessidade em se

obter lucros, rechaçando a clareza e a veracidade.

O que ocorre é a seleção da informação passível de maior clamor social e

lhe é dada um enfoque apelativo, tendencioso e sensacionalista no sentido de

manobrar principalmente as camadas populares que, em virtude da pouca instrução

que detêm, acabam por tomar tal versão como absoluta.

Nota-se, pois, que isso se deve ao fato de que, culturalmente, a sociedade

brasileira costuma receber a versão dos fatos difundida pela mídia como única e

verdadeira, o que não raro acaba por desencadear a formação de um juízo de valor

corrompido, baseado em uma “realidade” distorcida.

Os meios de comunicação social, além de formadores da opinião pública, constroem uma discursivização do direito, florescida na sede de justiça social, não se colocando apenas como observadora dos fatos, limitando-se a narrá-los, mas se posicionando no centro deles, emitindo pontos de vista, incorrendo em excessos e pregoando a suposta ‘verdade’ (OLIVEIRA, 2013).

Assim,percebe-se que a função precípua da mídia de cunho essencialmente

informativo possui tamanha importância que a Constituição Federal de 1988 a

protege largamente como direito individual e também de toda a coletividade, em

nome da busca pela preservação e efetivação da liberdade.

A liberdadefaz parte do núcleo essencial de todo estado democrático de

direito, se apresentando como requisito basilar na concretização do respeito à

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dignidade humana. Dessa forma, a liberdade de pensamento e de expressão, assim

como o amplo acesso à informação, estão assentados na Carta Magna de 1988

como direitos fundamentais.

A liberdade de pensar e se expressar abrangem não somente a faculdade

de adotar quaisquer crenças ou idéias e formar opiniões a respeito de determinado

assunto, como também, e principalmente, o direito de exteriorizar tais concepções.

Nessa ótica, dispõe o inciso IV do artigo 5° do Diploma Maior que “é livre a

manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Complementando,

estabelece o inciso IX do supracitado artigo que “é livre a expressão da atividade

intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou

licença”.

Ademais, a Constituição de 1988 traz ainda em seu artigo 5°, inciso XIV que

“é assegurado a todos o acesso à informação [...]”. Doutrinariamente, a liberdade de

informação engloba três acepções: o direito de informar, o direito de se informar e o

direito de ser informado, conforme esclarece Rodrigues Junior (2009, p. 61):

O direito de informarconsiste na faculdade de comunicar informações a outrem sem impedimentos; o direito de se informar consiste na faculdade de obter informações sem impedimentos; o direito de ser informado consiste na liberdade de receber informações íntegras, verdadeiras e contínuas, sem impedimentos.

Corrobora de tal entendimento José Afonso da Silva (2014, p. 247-249)

quando preleciona que:

A palavra informação refere-se ao conjunto de condições e modalidades de propagação para o meio social (ou colocada à sua disposição), sob as diversas formas, de acontecimentos, ideias e opiniões. O direito de informação abrange o direito de informar, de se informar e, ainda, o direito de ser informado. [...] compreendendo a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de fatos, notícias ou ideias, através de qualquer meio.

Intimamente relacionada à liberdade de pensamento, de expressão e de

informação, constituindo-se em decorrência daquelas, é a liberdade de imprensa,

dado que se caracteriza como a nova feição do direito de comunicação, cujo

conceito não mais se restringe à informação impressa, pois que passa a incluir

também formas outras de divulgação da informação.

O apogeu da mídia redirecionou as liberdades atinentes à difusão de

informações notadamente para o meio jornalístico em virtude da massificação dos

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meios de comunicação e da sua vultosa influência na formação do modo de pensar

e agir da sociedade. Em vista disso, como não poderia deixar de ser, a liberdade de

imprensa também foi disciplinada na Constituição Federal com o intento de “proibir

que o Estado cerceie ou dificulte a circulação e o acesso às informações, assim

como para que este não venha a intervir na liberdade destas informações”

(OLIVEIRA, 2013).

Esta liberdade no tocante à comunicação se encontra espraiada no Título

VIII da Constituição da República Federativa, o qual é denominado “Da Ordem

Social”, no Capítulo V, concernente à comunicação social. Determina o artigo 220 do

Diploma Maior que:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição [...]. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social [...]. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

No entanto, é exatamente nesse vértice onde reside o poderio formador,

transformador e manipulador da mídia, tendo em vista que usualmente a mesma tem

se valido dessa ampla liberdade de exteriorização de idéias e opiniões que lhe é

assegurada para influenciar, conforme a sua conveniência, a grande massa social,

com fins ao controle da opinião pública, passando a tratar a informação como um

produto passível de comercialização e obtenção de lucros, preterindo o acatamento

às limitações constitucionais e, indiscriminadamente, extrapolando o regramento

imposto pela lei em sentido amplo.

É importante frisar que essa liberdade não pode ser concebida como integral

e irrestrita, até porque nenhum direito é absoluto e, sobretudo em uma sociedade

dotada de preceitos democráticos, os direitos dos entes sociais devem almejar a

harmonização e ponderação com fins à busca pelo interesse público.

Logo, a liberdade de imprensa encontra limitações de cunho infra e

constitucional, os quais devem ser respeitados. Destaca-se, nesse contexto, o direito

à privacidade (o qual abrange o respeito à intimidade, à vida privada, à imagem e à

honra das pessoas) na perspectiva individual, e o respeito a diversos princípios

referentes à comunicação social na conjuntura coletiva, atinentes à ética e

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responsabilidade na veiculação de informações, primando-se pela veracidade e

clareza dos fatos em nome do interesse público.

Portanto, não obstante a mídia funcione como instrumento de consolidação

do estado democrático de direito, não se pode admitir o uso dessas prerrogativas

relativas à amplitude da concepção de liberdade como justificativa para transcender

a esfera de demais direitos, individuais e coletivos, na busca implacável por

audiência e pelo proveito econômico que acompanha a mesma.

4 A MÍDIA E O JULGAMENTO DE CRIMES

O processo de adulteração informativa realizado pelos veículos de

comunicação em massa, cujo intuito é nitidamente lucrativo, vem ocorrendo em

diversos setores, mas ganha notável destaque nos assuntos relacionados à

perspectiva criminal, em virtude do fato de a criminalidade constituir atualmente um

dos mais graves problemas sociais a assolar a coletividade, o que acaba por se

tornar um assunto reiteradamente tratado na mídia, especialmente em se tratando

de crimes chocantes, causadores de grande comoção e de grande repercussão.

Essa preferência por noticiar informações relacionadas à segurança pública

e ao jornalismo investigativo não é senão uma tática, que consiste em atrair leitores,

ouvintes e telespectadores em função da necessidade que possuem de saber mais,

de se aprofundar no assunto e satisfazer a curiosidade, e da capacidade que esse

tipo de informação detém no que diz respeito a intensificarnos entes sociais um

sentimento de revolta, impunidade, insegurança, bem como dedespertar nos

mesmos grande sensibilização.

Nesta senda, a mídia, desvirtuando-se de seu papel informativo,se aproveita

da enorme repercussão que a prática desses crimes repugnantes causa e inflama o

forte teor apelativo já evidente, revestindo a realidade de roupagem sensacionalista,

o que corrobora sobremaneira para a formação de um juízo de valor falho, viciado,

condicionado à ocorrência de fatos nem sempre verídicos.

Percebe-se uma notória predileção midiática por determinados tipos de

crimes, quais sejam aqueles mais afetos a se transformar em um espetáculo, cuja

finalidade informativa pode facilmente ceder lugar à de entretenimento. Nesse

cenário, sobressai a prática dos crimes contra a vida, mormente os dolosos, capazes

de impingir maior impacto e aguçar o interesse da sociedade.

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A mídia se vale do fato de se tratar da tutela do bem de maior monta, a vida,

bem como de que tal modalidade de crime possui a peculiaridade de ter a

participação popular no seu processo de julgamento, o que demonstrao caráter

democrático e popular de tal instituto. Agrega-se a isso o fato de que,

constitucionalmente, o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é da

competência do Tribunal do Júri, o qual possui como jurados cidadãos comuns,

acarretando um interesse ainda mais veemente das camadas populares.

Desta feita, é evidenteque fica cada vez mais difícil para o cidadão comum

ter acesso aos fatos de forma transparente e objetiva, para que, a partir daí ele

mesmo forme sua consciência e opinião, e ainda mais para o julgador (juiz ou

cidadão),se desvencilhar de todo esse bombardeio de informações e pontos de

vista, bem como de toda a indução e manipulação da mídia. A esse respeito, Rocha

(2003, p. 2-3) realça que:

O poder da imprensa é arbitrário e seus danos irreparáveis. O desmentido nunca tem a força do mentido. Na Justiça, há pelo menos um código para dizer o que é crime; na imprensa não há norma nem para estabelecer o que é notícia, quanto mais ética. Mas a diferença é que no julgamento da imprensa as pessoas são culpadas até a prova em contrário. Tem sido comum os meios de comunicação condenarem antecipadamente seres humanos, num verdadeiro linchamento, em total afronta aos princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, quando não lhes invadem, sem qualquer escrúpulo, a privacidade, ofendendo-lhes aos sagrados direitos à intimidade, à imagem e a honra, assegurados constitucionalmente. Aliás, essa prática odiosa tem ido muito além, pois é corriqueiro presenciarmos, ainda na fase da investigação criminal, quando sequer existe um processo penal instaurado, meros suspeitos a toda sorte de humilhação pelos órgãos de imprensa, notadamente nos programas sensacionalistas da televisão, violando escancaradamente, como registra Adauto Suannes, o constitucionalmente prometido respeito à dignidade da pessoa humana. Não foram poucos os inocentes que se viram destruídos, vítimas desses atentados que provocam efeitos tão devastadores quanto irreversíveis sobrebens jurídicos pessoais atingidos.

O que ocorre de fato é que a mídia, com toda a sua influência perante a

sociedade, acaba por proceder a um julgamento antecipado, baseado

preponderantemente no que foi veiculado pelos meios de comunicação, rechaçando

a presunção de inocência que deve imperar, quando não a inverte, transformando-a

em presunção de culpabilidade. Além disso, dificulta-se o efetivo exercício do

contraditório e da ampla defesa, em manifesto prejuízo do devido processo legal.

Em decorrência de todo esse processo marcado por pré-julgamentos, o

sistema penal e processual penal brasileiro, responsável pela emissão dos

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veredictos e pela aplicação de penalidades,torna-se marginalizado e sua eficiência

banalizada. Nesse sentido, a intervenção midiáticaacarreta a colisão dos interesses

da sociedade, em encontrar o culpado e puni-lo o mais rápido possível, com os

ideais defendidos pelo órgão julgador brasileiro (poder judiciário), que prima pelo

devido processo legal, com todas as garantias inerentes a um julgamento justo e o

respeito à dignidade da pessoa humana, quando, na verdade, deveria aproximá-los,

conforme pressupõe o Estado Democrático de Direito.

Nessa conjuntura, a grande problemática atual reside na necessidade de

encontrar e pôr em prática mecanismos de controle, tanto por parte da mídia quanto

do judiciário, para que se possa garantir o efetivo exercício do direito à liberdade

informativa sem sacrificar os direitos e garantias individuais e vice-versa,

notadamente nas demandas relativas ao julgamento dos crimes dolosos contra a

vida, pois a mídia não pode tomar para si o poder-dever de julgar em nome do

Judiciário e este não pode permitir que se ponha o futuro de alguém nas mãos de

indivíduos cuja capacidade de filtrar o verídico em meio ao falso já se encontra

contaminada, prejudicando a essencial paridade que deve existir entre acusação e

defesa na contenda.

5OS EFEITOS DA INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO

JÚRI

Não é de hoje que a mídia vem se destacando como a grande fonte de

influência da formação da opinião pública. Por todo o exposto, óbvia é a conclusão

de que a atuação dos veículos de comunicação em massa, marcada pelo

sensacionalismo exacerbado,no julgamento dos crimes dolosos contra a vida pelo

Tribunal do Júricompromete sobremaneira a necessária proteção dos direitose

garantias fundamentais, os quais deveriam gozar de inviolabilidade.

A mídia constrói e vende versões deturpadas da realidade que acabam

sendo aceitas e inseridas no cotidiano social, funcionando como verdadeira

ferramenta de controle e manipulação. Assim, o jurado, membro do Conselho de

Sentença, consciente ou inconscientemente, se sente pressionado a acatar o que

reivindica o clamor social. Manobrado pela mídia, acaba por desatender a essencial

imparcialidade que deve sustentar sua decisão.

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[...] eis porque é maléfica a atuação da imprensa na divulgação de casos sub judice, especialmente na esfera criminal e, pior ainda, quando relacionados ao Tribunal do Júri. Afinal, quando o jurado dirige-se ao fórum, convocado para participar do julgamento de alguém, tomando ciência de se tratar de ‘Fulano de Tal’, conhecido artista que matou a esposa e já foi ‘condenado’ pela imprensa e, consequentemente pela ‘opinião pública’, qual isenção terá para apreciar as provas e dar o seu voto com liberdade e fidelidade às provas? (NUCCI, 2011, p. 131)

Ademais, deve-se entender e respeitar o fato de que, invariavelmente, a

prática de um crime enseja a necessidade de investigação e julgamento, porém

devem estar adstritos às prerrogativas legais. Logo, especialmente no que tange ao

julgamento dos crimes dolosos contra a vida, o tribunal do júri não deve adquirir a

função de instrumento de condenação sumária (no qual os cidadãos do Conselho de

Sentença já ingressam predeterminados a culpar o réu como forma de atender aos

apelos sociais afetados pelo sensacionalismo midiático, ou mesmo em vista de uma

formação viciada de juízo de valor). Deve se basear unicamente nos fatos narrados

e esmiuçados ao longo do trâmite processual no campo probatório e fazer valer de

fato o escopo de garantia de todos os mecanismos de defesa legalmente admitidos

aos acusados.

Apesar de os efeitos trazidos pela influência da mídia no julgamento e na

tomada de decisões pelo Conselho de Sentença no Tribunal do Júri ser dotados de

tamanha força, que vai além do aspecto legalista, em vista de atingir a sociedade em

toda a sua completude, é do ponto de vista estritamente jurídico que se busca, no

presente trabalho, estabelecer notadamente para os acusados, os mais

prejudicados, qual a implicação do impacto midiático nesse sentido.

Conforme preceitua a Constituição Cidadã de 1988, e se reforça ao longo de

todo o ordenamento jurídico pátrio, são os princípios, verdadeiros vetores

responsáveis por estabelecer a direção a ser seguida pela ordem jurídica e pela

sociedade, e a sua solidez, aos quais cabe o ofício de servir de parâmetro para a

interpretação e aplicação do direito, bem como para a boa convivência dos grupos

sociais.Delgado (2011, p. 180), nesse contexto, aduz que:

[...] princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade.

19

Portanto, os princípiosse configuram como unidade central de toda a ordem

jurídico-social, pois que se revestem de natureza dúplice ao funcionar como ponto

de partida e, simultaneamente, como fim a ser alcançado. Logo, levando-se em

consideração que os princípios são o alicerce jurídico da sociedade,nota-se que os

principais e mais devastadores efeitos da influência da mídia nas decisões do

tribunal do júri são a transgressão principiológica e a consequente colisão de direitos

fundamentais.

O cerne da questão da transgressão de princípios envolve

preponderantemente o princípio da presunção de inocência, ao passo que os

direitos fundamentais que se confrontam são, notadamente, a liberdade informativa

da imprensa (que abrange a liberdade de pensamento, expressão e informação) e o

direito à privacidade dos acusados (que engloba a intimidade, vida privada, honra e

imagem das pessoas).

De acordo com Lopes Junior (2012, p. 778) a presunção de inocência:

[...] exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatizarão (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção da inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático a abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência.

Complementa Oliveira (2005, p. 31) sobre o assunto, que o princípio da

presunção de inocência:

Impõe ao Estado a observância e respeito a duas regras específicas ao acusado, uma com relação ao tratamento e outra de fundo probatório. (...) tratamento, segundo o qual o réu, em nenhum momento do inter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e a outra, de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação.

Destarte, é irrefutável que a prerrogativa constitucional do estado de

inocência até trânsito em julgado de sentença penal condenatória colide cabalmente

com essa prática reiterada da mídia de julgar antecipadamente o acusado, antes

mesmo do início do processo ou até do inquérito policial.

Observa-se que é proibida qualquer ação punitiva antes da decisão que põe

fim ao processo e, por punição, deve-se concebernão só a limitação à prisão do

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acusado, mastambém à sua execração pública, pois que o indivíduo pode vir a

carregar tal mácula no seio social pelo resto de sua vida.

A mídia também atua provocando a colisão de direitos fundamentais à

medida que desvirtua a sua função social de cunho informativo em nome da

audiência e da obtenção de lucros. Verifica-seque a liberdade de imprensa (que

engloba a liberdade de pensamento, expressão e informação), em função do

sensacionalismo midiático, colidecom os direitos fundamentais relativos à

privacidade (que abrange a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas) de tal maneira que pode trazer prejuízos irreversíveis.

Mas, a verdade é que, apesar de se conseguir constatar que a colisão

realmente ocorre e acarreta estragos, imprescindível é a análisedas nuances de

cada caso concreto, para que se possa mensurar em que aspecto e grau se deu o

embate de direitos.

A colisão de direitos fundamentais é um fenômeno contemporâneo e, salvo indicação expressa da própria Constituição, não é possível arbitrar esse conflito de forma abstrata, permanente e inteiramente dissociada das

características do caso concreto(BARROSO, 2004, p. 109).

Assim, é possível concluir que a chave para a pacificação de toda essa

contenda advém da aplicabilidade do princípio da proporcionalidade ou ponderação

de interesses. De um lado, tem-se a mídia e a sua prerrogativa de ampla divulgação

de informações referentes a um crime que despertam o interesse da população e do

outro, a proteção dos interesses de quem sofre a persecução penal..

O melhor caminho será sempre o de sopesar o choque axiológico porventura

insurgente entre liberdade de informação e as garantias relativas à privacidade do

acusado, pois ambas estão no mesmo patamar em termos de relevância. Se por um

lado a primeira é um dos eixos do regime democrático, por outro, as segundas

também não podem ser aviltadas, por serem princípios reitores do Estado de Direito.

Com fins a conferir maior plausibilidade ao estudo da influência midiática nas

decisões do tribunal do júri e ratificar a concepção de que é em cada caso concreto

que se vislumbra o peso dessa influência e suas reais consequências, proceder-se-á

à exposição de um caso de homicídio que chocou a sociedade brasileira no ano de

2008. Enfatize-se que tal estudo não se ateará à aferição da inocência ou culpa dos

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acusados. A análise versará acerca da salvaguarda ou não dos direitos e garantias

dos acusados frente à enorme repercussão midiática que o crime causou.

5.1 ESTUDO DE CASO – CASAL NARDONI

No dia 29 de Março de 2008, foi encontrado no jardim do Edifício London,

localizado na Vila Guilherme, cidade de São Paulo, o corpo da menina Isabella

Oliveira Nardoni, então com 5 anos de idade, a qual foi atirada do 6º andar do

prédio. Ainda houve tentativa de socorro, mas ela não resistiu e morreu a caminho

do hospital.

Tratou-se de um dos crimes de maior repercussão dos últimos anos,

principalmente em vista das circunstâncias do caso, pois que a vítima era uma

criança indefesa e foi morta de modo frio e com requintes de crueldade e

brutalidade, supostamente pelo pai e pela madrasta. A mídia cuidou de levantar

diversas suposições acerca do desenrolar do crime, principalmente pelo fato de ter

sido descartada pela polícia, logo após a ocorrência do ato delituoso, a hipótese de

acidente, pois que se confirmou, desde logo, que a tela de proteção presente na

janela do quarto da criança havia sido cortada.

Na mídia, as informações eramatualizadas a todo instante de modo a

garantir a todos o acesso ao caso, ao desenrolar das investigações e ao cotidiano

dos acusados, já condenados sem julgamento pela morte da menina.Discutia-se

sobre cada detalhe que pudesse acelerar a decretação da prisão preventiva dos

acusados ou que os forçasse a assumir o crime e se entregar, diante de imenso

clamor e expectativa social.

Em realidade o que se instaurava era mais um reality show e como todos os outros, este tinha o mesmo resultado, coberturas jornalísticas a cada segundo, entrevistas de autoridades buscando dizer o que o povo queria ouvir e a privacidade dos suspeitos destruída (DILMANN, 2012, p. 45).

Reitera Herculano (2008) em artigo publicado na internet, intitulado “A morte

de Isabella Nardoni: um grande espetáculo”, que:

Para aplacar tamanha avidez por novidades, haja exposição do tema na mídia. Todos os dias, a estorinha da morte da criança é contada e recontada, na TV, no rádio, na internet e nos jornais impressos, do mesmo modo como é tratado o resultado do “paredão”, uma partida de futebol decisiva, um capítulo

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final de novela ou mesmo um detalhe picante da vida de uma “celebridade” televisiva. O que pouca gente consegue entender é que há uma inversão neste caminho. Não foi entre o público que surgiu o interesse pela morte de Isabella, demandando uma produção contínua de notícias sobre o caso. Foi, sim, a própria mídia quem construiu esse interesse, levando o público a uma comoção.

Ainda, a Revista Veja, potencializou a condenação “antecipada” do casal

Nardoni ao estampar na capa de sua revista a foto do casal com os dizeres “Foram

eles”, além de reconstituir em uma história em quadrinhos, o modo como o pai e a

madrasta teriam brutalmente assassinado a criança.

Na sua versão, a revista Veja expõe que os maus tratos à criança teriam

iniciado antes mesmo da chegada da família ao Edifício London, levando em conta

indícios periciais, como forma de preparação do que viria a ocorrer após a chegada

da família no apartamento.

Percebe-se, nesse ínterim, um claro pré-julgamento dos acusados e,

somado a isso, a estratégia da revista em traçar um perfil psicológico baseado no

histórico de vida do casal Nardoni através de adjetivações e da exaltação de

circunstâncias pessoais, com fulcro no enaltecimento da capacidade e predisposição

do casal para a prática delituosa.

A espetacularização de uma tragédia acaba gerando uma comoção pública, que desperta um sentimento de justiça na sociedade. Esse sentimento, somado à pressão popular, pode influenciar no trabalho da justiça, sendo para o bem ou para o mal. O poder da opinião pública pode condenar inocentes e inocentar culpados. O jornalismo que busca condenações as prévias do julgamento, deixa de figurar como um serviço público de informação para se transformar em um manipulador de opinião pública (CUNHA, 2012, p. 16).

A divulgação do histórico de vida, bem como do semblante dos acusados a

cada nova informação insurgente, inevitavelmente os expôs ao julgamento social e

dificultou, senão impossibilitou sua defesa. A mídia, em nenhum momento especulou

acerca da possibilidade de ter havido alguma forma de tortura para a confissão do

crime ou da manutenção equivocada da prisão preventiva dos acusados.

Desde o início das investigações, a mídia, sob a justificativa de embasar-se

nos resultados das perícias, no conteúdo dos depoimentos e em comentários de

especialistas, incitou a culpado pai e da madrasta.Somente em março de 2010,

ambos foram declarados culpados pelo Tribunal do Júri e condenados a 31 anos, 1

mês e 10 dias e 26 anos e 08 meses de prisão, respectivamente, o que foi

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comemorado por muitas pessoas a nível nacional e internacional.Daí se infere que a

sentença dos jurados, nesse caso, foi uma mera confirmação do que a mídia já

havia, há muito, anunciado.

Portanto, situações como a do homicídio de Isabella, trazem à tona um

conjunto de reflexões juntamente com diversos questionamentos como, por

exemplo, se os acusados realmente são tratados como meros suspeitos ou se já

têm o status de culpados pela opinião pública e ainda se há, por parte da imprensa,

qualquer preocupação em não condenar antecipadamente os suspeitos.

Nesse contexto, ao se analisar a íntegra da sentença do notório caso da

morte de Isabella, torna-se concebível a irrefutável influência que a mídia exerceu no

andamento do caso, posto que na fundamentação para manutenção da prisão

preventiva dos condenados há menção à repercussão do fato e à intensa exposição

midiática.

Como este Juízo já havia consignado anteriormente, quando da prolação da sentença de pronúncia - respeitados outros entendimentos em sentido diverso - a manutenção da prisão processual dos acusados, na visão deste julgador, mostra-se realmente necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade do crime, da culpabilidade, da intensidade do dolo com que o crime de homicídio foi praticado por eles e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar. Tanto é assim que o próprio Colendo Supremo Tribunal Federal já admitiu este fundamento como suficiente para a manutenção de decreto de prisão preventiva: "HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA "CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA", NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO." "O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública." (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Aires Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original). Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados, pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta Capital, mas de todo o país, que envolveu diversas manifestações coletivas, como fartamente divulgado pela mídia, além de ter exigido também um enorme esquema de segurança e contenção por parte da Polícia Militar do Estado de São Paulo na frente das dependências deste Fórum Regional de Santana durante estes cinco dias de realização do presente julgamento, tamanho o número de populares e

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profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora, quando já existe decisão formal condenando os acusados pela prática deste crime, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de instrução (grifo nosso).

Assim, a problemática central do tema em estudo é que, em muitos casos,

embora ainda haja dúvidas sobre um determinado delito, suas circunstâncias e

autoria delitiva, ainda assim os meios de comunicação em massa noticiam tais

dados, em muitos momentos, de forma sensacionalista. Uma vez disseminadas pela

mídia, se tornam “certezas” aos olhos curiosos da sociedade, o que contribui

sobremaneira para expor a idéia de que suspeitos ou acusados são desprovidos de

direitos e garantias em virtude da prática delituosa.

Diante do exposto, é possível afirmar que os acusados tiveram cerceados

seus direitos e garantias individuais, tais como o direito à privacidade, o princípio do

devido processo legal, da ampla e plena defesa, do contraditório, da presunção de

inocência etc.,no procedimento investigatório assim como no processo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, é essencial que se esclareça que o objetivo do presente

trabalho não foi o de desprestigiar o instituto do tribunal do júri ou retirar-lhe o

condão de efetivo exercício da cidadania, baseado que é nas diretrizes de um

estado democrático de direito. Ao contrário, buscou-se reiterar a sua relevância

como ferramenta de garantia dos princípios e direitos fundamentais, notadamente no

que tange ao julgamento dos acusados pelo Conselho de Sentença no Tribunal do

Júri.

Porém, verifica-se, pois, diante da explanação acerca da influência midiática

nas decisões do tribunal do Júri que, a mídia, há muito, passou de coadjuvante a

protagonista, ao ultrapassar a sua alçada informativa e adquirir aspecto de “novela

das 9”, pois que vem impingindo as informações que lhes chega, de drama e

sensacionalismo, com fins ao aumento da audiência e maximização dos lucros.

Isso acaba por influenciar sobremaneira a formação da opinião pública da

sociedade e, ainda mais veementemente, os pretensos julgadores do Conselho de

Sentença, os quais, principalmente nos casos de grande repercussão, como o

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homicídio de Isabella Nardoni, se fazem presentes para proferir sua decisão já

dotados de uma série de convicções preestabelecidas e de pré-julgamentos, o que

aniquila a imparcialidade de suas aptidões e construção de juízos valorativos para

analisar o arcabouço probatório de forma estritamente legal.

Nesse contexto, o desfecho da história acaba por se caracterizar como um

julgamento injusto, parcial, que deturpa diversos preceitos constitucionais e fere de

modo irreparável a dignidade humana.

THE INFLUENCE OF THE MEDIA IN THE DECISIONS OF THE JURY COURT

ABSTRACT

The present work deals with the notable influence of the media in the socio-juridical sphere, especially with regard to the decisions of the Jury's Court, in view of its composition being given by ordinary citizens, who are prone to such influence. The relevance of the choice of theme is limited to the current theme and the possibility of popular participation in the trial of crimes that hurt the greater good of every human being, life, and the effects of this practice. To do so, it will begin with an approach to the media as an essential tool of socio-cultural integration and emphasize its tendency to market information in the name of profit-making and manipulate social mass according to its interests. Subsequently, it will analyze its share of influence in the criminal area, highlighting the trial of intentional crimes against life and all its nuances. Finally, the main effects of this chain of influences that involve society, the media and the law, such as the principled transgression and the collision of fundamental rights will be exposed, exemplifying these conceptions through the analysis of a concrete case that generated great commotion Social and had great repercussion, the murder of Isabella Nardoni, in 2008. A bibliographical research was carried out, with research in articles, books and periodicals. KEYWORDS: Media Influence. Jury court. Popular participation.

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