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CRUZ VERMELHA PORTUGUESA
Auditoria de conformidade e financeira
às subvenções/apoios públicos e ao
modelo de governo, organização e funcionamento
Relatório n.º 2016 / 1463
Proc. n.º 2016/213/A5/326 Outubro de 2016
DE
CO
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RO
LO
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DA
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EIR
A D
O E
ST
AD
O
Independência
InteGridade
ConFiança
Auditoria de conformidade e financeira às subvenções/apoios públicos e
ao modelo de governo, organização e funcionamento da Cruz Vermelha Portuguesa
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PARECER:
DESPACHO:
Relatório n.º 2016/1463 Processo n.º 2016/213/A5/326
Cruz Vermelha Portuguesa - Auditoria de conformidade e financeira às subvenções públicas
e ao modelo de governo, organização e funcionamento
SUMÁRIO EXECUTIVO
1. Introdução
O propósito inicial da presente auditoria restringia-se a controlar as
subvenções públicas pagas à Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) no triénio
2013/2015 tendo-se assumido, no entanto, desde início, uma perspetiva
sistémica no controlo a realizar, com todas as consequências daí
advenientes.
Fruto das primeiras
diligências, o âmbito
da auditoria, em
nome do interesse
público que urgia
proteger, foi alargado Todavia, as diligências iniciais determinaram a necessidade de aprofundar
Auditoria de conformidade e financeira às subvenções/apoios públicos e
ao modelo de governo, organização e funcionamento da Cruz Vermelha Portuguesa
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as verificações nos aspetos relativos ao modelo de governo da Instituição,
máxime, tipo de gestão adotado (apenas perspetiva de curto prazo),
organização estrutural, funcionamento e prestação de contas.
a aspetos gerais da
vida da Instituição.
O mesmo sentido de exigência de verificações, não expectáveis aquando da
elaboração do Plano da Ação, registou-se quanto às relações entre a CVP e
o Ministério da Defesa Nacional (MDN), através da Secretaria-Geral, e com
a sociedade Hospital da Cruz Vermelha, SA (HCVP), dada a importância que
estes relacionamentos representam na vida da CVP.
2. Contexto em que decorreu a auditoria e consequências
As conclusões referentes ao controlo das subvenções foram,
definitivamente, condicionadas pelo facto de a equipa de auditoria se ter
deparado com a inimaginável situação da entidade auditada não ter o
mínimo de condições para responder em qualidade, conteúdo e tempo às
solicitações requeridas pela ação de controlo.
Em resultado de
diversas e graves
deficiências ao nível
da organização e dos
sistemas de
informação,
designadamente, o
contabilístico, a CVP
não reúne condições
para ser auditada
quanto às subvenções
. recebidas do Estado
Uma tal circunstância tem origem em diversas fontes, das quais se
destacam as mais significativas:
a) A ausência de uma linha hierárquica de comando que fizesse com que
as 188 estruturas locais respondesse, de modo uniforme, em qualidade
e tempo, às diversas solicitações formuladas. Algumas delas, pura e
simplesmente, não responderam;
b) A manifesta deficiência ao nível da estrutura enquanto determinante
da organização e das relações hierárquicas e funcionais;
c) A falta de informação de gestão fiável sobre os mais diversos aspetos
da vida da CVP;
d) O atraso na aprovação dos documentos de prestação de contas de que
são exemplo as contas de 2014, que ocorreu em maio de 2016, sendo
que as de 2015 não têm ainda uma data previsível para que tal
aconteça;
e) A estranha situação de termos sido forçados a concluir que as contas
do exercício de 2014 não reúnem os requisitos mínimos de fiabilidade
para poderem ser certificadas, como foram.
Assim, as conclusões extraídas sobre esta matéria suportam-se, no
essencial, nos resultados das verificações levadas a cabo junto dos
concedentes.
3. Organização dos resultados das verificações, conclusões e recomendações
Deste modo o relatório tem a particularidade de contemplar dois pontos
sobre «resultados». Um «quanto à entidade auditada» e outro «quanto ao
controlo das subvenções». Esta organização permite que cada concedente
A heterogeneidade
das matérias que
passaram a integrar o
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seja destinatário das conclusões e recomendações que lhe dizem respeito, e
o relatório integral tenha como destinatários as tutelas da IGF e da CVP )
esta Instituição enquanto entidade auditada), o Tribunal de Contas e
Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros.
Aos concedentes serão enviadas as que aos mesmos digam respeito.
objeto da auditoria
fez com que o
relatório contemple
dois pontos de
«resultado».
4. Conclusões, recomendações e propostas de ordem geral
4.1. As verificações fizeram emergir graves deficiências que afetam a vida
da entidade em diversas áreas, sendo as mais significativas as que dizem
respeito: ao conteúdo dos Estatutos; modelo de governo da instituição;
organização estrutural; organização contabilística, gestão financeira,
aprovação relato e prestação de contas.
4.2. Os Estatutos da CVP não contemplam uma harmoniosa repartição dos
poderes por três órgãos fundamentais: presidente nacional (PN), direção
nacional (DN), assembleia geral (AG), verificando-se uma desmesurada
concentração de poderes no PN. De tal modo que este, direta ou
indiretamente, determina a constituição da assembleia geral.
4.3. O modelo de governo não segue os melhores princípios comumente
recomendados para as organizações que ambicionam a excelência do
desempenho, aferido este pelos efeitos/impactos gerados para todas as
suas partes interessadas (stakeholders). É expressão maior das
insuficiências nesta vertente a completa ausência de gestão estratégica.
4.4. A estrutura organizacional não alinha pelos melhores modelos
conhecidos em entidades da mesma natureza, ou em qualquer outra. Não
existe um verdadeiro modelo organizacional e de funcionamento da
Instituição. Na verdade estamos perante «várias CVP» muito ciosas dos
«seus poderes».
4.5. A completa desadequação do modelo de organização contabilística
está bem patente no facto de existirem 166 contabilidades não controladas,
agregadas sem garantias adequadas de fiabilidade, a que se juntam: (i) a
dificuldade em responder a qualquer pedido sobre dados contabilísticos e
financeiros sobre toda a CVP; (ii) o sistemático atraso na aprovação das
contas; (iii) a circunstância de ao fim de vários anos de aplicação do sistema
de normalização de contabilidade oficial terem sido produzidas e
“aprovadas” umas contas que, na opinião da equipa de auditoria, não
reúnem os requisitos necessários para o terem sido.
4.6. Os recursos financeiros são geridos descentralizadamente sem
qualquer quadro de atuação com o rigor que a natureza dos ativos em
causa justifica. Na realidade existem várias «gestões financeiras».
A presente auditoria
propõe para a CVP
uma nova era no que
diz respeito ao
modelo de governo, a
partir da alteração
dos Estatutos, bem
como à organização
estrutural, gestão
financeira e
contabilística.
Entretanto, é
indispensável
regularizar aspetos
centrais no que diz
respeito à aprovação,
homologação e
prestação de contas.
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4.7. Para além da falta de fiabilidade das contas, do facto de serem
aprovadas a destempo – atraso de 10 meses as relativas de 2013 e 14
meses as referentes a 2014 – os relatórios e contas não têm sidos
submetidos a homologação do Ministro da Defesa Nacional, conduta que
viola o preceituado estatutariamente.
4.8. A CVP vive a insólita situação de não prestar contas a nenhuma
entidade externa, v.g. ao Tribunal de Contas e à Secretaria-Geral da
Presidência do Conselho de Ministros, nem ao Fisco. Esta conduta é passível
de coima a instaurar pela Comissão de Normalização Contabilística.
4.9. Relativamente ao capítulo da «aprovação, relato e prestação de
contas» são apresentadas recomendações e propostas tendentes a sanar as
deficiências detetadas nos diferentes domínios, bem como ao apuramento
das responsabilidades do Revisor Oficial de Contas em todo o processo de
“aprovação” das contas de 2014.
5. Conclusões e recomendações decorrentes do controlo da gestão das subvenções
Neste domínio destacamos:
5.1. Necessidade de melhorias ao nível do Instituto da Segurança Social,
com reflexos na CVP, e no Instituto de Emprego e Formação Profissional. No
âmbito das verificações neste Instituto constatámos que a SROC a que
pertence o ROC que também integra o Conselho Fiscal e certifica as contas,
celebrou um outro contrato de prestação de serviços, situação que pode
configurar a violação, nomeadamente, do dever de independência (artigo
71.º do Estatuto da Ordem). Acresce que ao abrigo desse segundo contrato
a SROC auferiu, em 2013 e 2014, 17,3 milhares de euros sem evidência de
contraprestação de serviço;
5.2. Desobrigação do INEM de comunicar à IGF os pagamentos efetuados à
CVP, uma vez que se reportam a prestação de serviços;
5.3. Incapacidade da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares em
responder adequadamente às solicitações da IGF;
5.4. Complexidade e melindre das relações entre a CVP e o Ministério da
Defesa Nacional, que não permitiu concluir o trabalho a tempo dos
resultados de modo a serem integralmente incluídos neste relatório.
Todavia, é possível indiciar uma situação de fraude à lei (fuga ao Código dos
Contratos Públicos) quando o MDN transferiu, a título de subvenção, fundos
correntes, no valor de 990,0 milhares de euros, em 2014/2015, para
financiar investimentos no Lar de Ponta Delgada que é propriedade do
Estado.
O controlo das
subvenções suscitou,
nomeadamente, a
necessidade de
algumas melhorias
nos sistemas de
gestão e controlo do
Instituto da
Segurança Social e do
Instituto de Emprego
e Formação
Profissional.
Por outro lado, o
Instituto Nacional de
Emergência Médica
deve deixar de
comunicar à IGF os
valores pagos à CVP
pelo transporte de
doentes uma vez que
se trata de prestação
de serviço.
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ÍNDICE
1.INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 10
1.1. Fundamento.................................................................................................................... 10
1.2. Natureza e âmbito .......................................................................................................... 10
1.3. Objetivos e questões de auditoria .................................................................................. 10
1.4. Metodologia e condicionantes ....................................................................................... 11
2. RESULTADOS QUANTO À ENTIDADE AUDITADA – CRUZ VERMELHA PORTUGUESA .............. 14
2.1. Natureza Jurídica .............................................................................................................. 14
2.2. Estatutos ........................................................................................................................... 15
2.3. «Universo CVP» ................................................................................................................ 15
2.4. Modelo de Governação .................................................................................................... 16
2.5. Estrutura organizacional ................................................................................................... 18
2.6. Organização contabilística ................................................................................................ 19
2.7. Recursos financeiros e gestão financeira ....................................................................... 20
2.8. Recursos humanos .......................................................................................................... 24
2.9. Recursos materiais .......................................................................................................... 24
2.10. Aprovação, relato e prestação de contas ....................................................................... 26
3. RESULTADOS QUANTO AO CONTROLO DAS SUBVENÇÕES ..................................................... 32
3.1. Introdução ........................................................................................................................ 32
3.2. ISS - Instituto da Segurança Social .................................................................................. 34
3.3. SGMDN – Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional ......................................... 36
3.4. IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional ...................................................... 38
3.5. INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica IP ........................................................ 42
3.6. SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências ..... 42
3.7. DGEstE – Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares ................................................ 43
4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ......................................................................................... 45
4.1. RELATIVAS À ENTIDADE AUDITADA - CVP ........................................................................... 45
4.1.1. Natureza jurídica e estatutos ................................................................................... 45
4.1.2. Modelo de governo ................................................................................................. 45
4.1.3. Estrutura organizacional .......................................................................................... 45
4.1.4. Organização contabilística ....................................................................................... 45
4.1.5. Recursos financeiros e gestão financeira ................................................................ 46
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4.1.6. Recursos humanos e materiais ............................................................................... 46
4.1.7. Aprovação, relato e prestação de contas ................................................................ 46
4.1.8. Recomendações ............................................................................................................ 47
4.2. RELATIVAS ÀS ENTIDADES CONCEDENTES .......................................................................... 48
4.2.1. ISS ............................................................................................................................ 48
4.2.2. SGMDN .................................................................................................................... 49
4.2.3. IEFP .......................................................................................................................... 49
4.2.4. INEM ........................................................................................................................ 50
4.2.5. SICAD ....................................................................................................................... 50
4.2.6. DGEstE ..................................................................................................................... 50
5. PROPOSTAS ............................................................................................................................. 51
5.1. Propostas às tutelas da IGF e da CVP ............................................................................... 51
5.2. Propostas de encaminhamento ....................................................................................... 51
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AAG
ABDR
ABR
ACE
ACI
Área de Apoio à Gestão
Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados
Auditoria Baseada em Riscos
Agrupamento Complementar de Empresas
Auditoria e Controlo Interno
ADC Agência para o Desenvolvimento e Coesão
AG
ANPC
Assembleia geral
Autoridade Nacional de Proteção Civil
AP Administração Pública
ARS Administração Regional de Saúde
CAE Classificação de Atividade Económica
CC Contabilistas Certificados
CD Conselho Diretivo
CDist
CH
CIRC
Centros Distritais
Centros Humanitários
Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
CLDS
CMVM
CNC
CODU
CPA
Contratos Locais de Desenvolvimento Social
Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
Comissão de Normalização Contabilística
Centros de Orientação de Doentes Urgentes
Código do Procedimento Administrativo
CVP
D-Ext
DF
Cruz Vermelha Portuguesa
Delegações e Extensões
Demonstrações Financeiras
DGCF
DGEstE
Departamento de Gestão e Controlo Financeiro
Direção-Geral dos estabelecimentos Escolares
EL
ESNL
Estruturas Locais
Entidade do Setor Não Lucrativo
FSE Fundo Social Europeu
GAQGR Gabinete de Auditoria, Qualidade e Gestão de Risco
IASFA Instituto da Ação Social das Forças Armadas
IEFP Instituto do Emprego e Formação Profissional
IGF
IIA
Inspeção-Geral de Finanças
The Institute of Internal Auditors
INEM Instituto Nacional de Emergência Médica
IPSS
ISS
Ld.ª
Instituições Particulares de Solidariedade Social
Instituto da Segurança Social
Limitada
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MDN Ministério/Ministro da Defesa Nacional
ME Ministério da Educação
MEP Método da equivalência patrimonial
MPI Ministério do Planeamento e Infraestruturas
MS Ministério da Saúde
MTSS Ministério do Trabalho e da Segurança Social
OA
OCIP
OE
OT
PA
Organismos Autónomos
Orçamento e Contas de Instituições Particulares de Solidariedade Social
Orçamento do Estado
Ordem de Trabalho
Plano de Atividades
PAQPIEF Programa de Apoio e Qualificação do Programa Integrado de Educação e Formação
PARES
PCM
PCF
Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais
Presidência do Conselho de Ministros
Presidente do Conselho Fiscal
PCUP Pessoa coletiva de utilidade pública
PEA Programa de Emergência Alimentar
POPH Programa Operacional Potencial Humano
PORI Plano Operacional de Respostas Integradas
PRI
RA
Plano de Respostas Integradas
Relatório Anual
ROC
RPI
Revisor Oficial de Contas
Regulamento do Procedimento de Inspeção
RSI
SA
Rendimento Social de Inserção
Sociedade Anónima
SCI
SGHCVP
SGPCM
SGMDN
SICAD
SIEM
Sistema de Controlo Interno
Sociedade Gestora do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, SA
Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros
Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional
Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências
Sistema Integrado de Emergência Médica
SIF Sistema de Informação Financeira
SNC
SNS
SROC
TdC
Sistema de Normalização Contabilística
Serviço Nacional de Saúde
Sociedade de Revisores Oficiais de Contas
Tribunal de Contas
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1. INTRODUÇÃO
1.1. Fundamento
A presente auditoria enquadra-se nas atribuições de controlo financeiro cometidas à Inspeção-Geral de
Finanças (IGF) pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 96/2012, de 23 de abril, que aprova a sua
Lei Orgânica, e foi realizada em cumprimento do Plano do Atividades (PA) de 2016, aprovado pelo
Senhor Ministro das Finanças pelo Despacho n.º 101/16/MEF, de 28 de fevereiro.
Na perspetiva do controlo propriamente dito, esta ação enquadra-se no âmbito do «3.º setor da
economia», também designado com «economia social», regulado pela Lei n.º 30/2013, de 8 de maio,
uma vez que se trata de um universo de entidades fortemente subvencionado pelo Estado.
1.2. Natureza e âmbito
O propósito inicial era o de realizar uma auditoria de conformidade e financeira às subvenções
atribuídas e pagas à Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), no triénio 2013/2015, pelos concedentes
seguintes: Instituto da Segurança Social), IP (ISS); Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional
(SGMDN); Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP); Instituto Nacional de Emergência
Médica, IP (INEM); Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) e
Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE).
Todavia, a perspetiva sistémica aprovada, determinou o desenvolvimento de diligências naquelas
entidades concedentes e em diversas estruturas pertencentes ao «universo CVP» com consequências
diferenciadas ao nível do presente trabalho.
A expressão do universo financeiro, aferido apenas pela despesa pública de 2014 (ótica de caixa),
situa-se nos 21 615,4 milhares de euros, ou seja, o apoio financeiro do Estado, qualificado como
«subvenção», representou 35,2% dos proveitos.
E, se olharmos para alguns dos principais indicadores de dimensão da CVP, reportados ao mesmo
exercício económico, podemos constatar que,: (i) montante dos proveitos – 61 383,1 milhares de euros;
(ii) fundos patrimoniais – 70 312,8 milhares de euros; (iii) Ativo não corrente – 85 688,6 milhares de
euros; (iv) passivo total – 49 221,3 milhares euros; (v) disponibilidades - 20 839,1 milhares de euros,
valor aproximado das subvenções recebidas.
1.3. Objetivos e questões de auditoria
O objetivo principal consiste em emitir opinião sobre se a «mensuração» (valor aprovado), o registo, o
relato e a divulgação efetuados pelas entidades intervenientes no processo1, de acordo com as
respetivas atribuições e competências, evidenciam de modo verdadeiro e apropriado, em todos os
aspetos materialmente relevantes, que o valor dos recursos públicos atribuídos e pagos à CVP, o foram
em conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como se estiveram
subordinados aos princípios da boa gestão pública: economia, eficiência e eficácia.
1 Aqui entendido como sendo o conjunto de atividade, tarefas e procedimentos que concorrem para a gestão e controlo das
subvenções atribuídas e pagas à CVP, independentemente de quem tenha sido o protagonista das mesmas.
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Nesta conformidade, as duas questões maiores da auditoria são:
As respostas a tais interrogações pressupôs que se estabelecessem e materializassem três subquestões,
a saber:
(i) Os sistemas de controlo interno (SCI), visto numa perspetiva sistémica - entidades concedentes
e da entidade beneficiária (CVP) – nele se considerando a gestão de riscos, são adequados de
modo a que, após a realização dos testes aos controlos, possam ser qualificados como
fortes/robustos ou razoáveis?
(ii) Os organismos concedentes, têm procedimentos instituídos e operacionalizados para
acompanhamento das verdadeiras finalidades dadas às subvenções/apoios concedidos?
(iii) O risco de deteção, considerando o risco inerente (SCI e sistemas de registo, contabilísticos
e/ou extracontabilísticos) e o risco de controlo (materialidade, conhecimento das entidades,
origem e credibilidade da informação disponível), foi apropriado tendo em vista a obtenção de
prova adequada e suficiente para a emissão da opinião de auditoria?
1.4. Metodologia e condicionantes
Tendo em conta o objetivo principal - as questões de auditoria, bem como a análise preliminar do
controlo interno e a apreciação prévia dos riscos relevantes para o trabalho - era nosso intento levar a
cabo uma auditoria baseada em risco (ABR) na aceção preconizada pelo IIA - The Institute of Internal
Auditors2, tendo por base o entendimento expressado no Anexo 1, admitindo que nos poderíamos
louvar nos resultados dessa presumível prática de gestão, face ao estatuto e à projeção externa da Cruz
Vermelha, nacional e internacionalmente.
No entanto, com o fundamento adiante exposto, uma tal perspetiva desvaneceu-se logo nas primeiras
diligências realizadas na CVP. Assim a metodologia e as condicionantes adotados para o
desenvolvimento da auditoria foram os, comummente, seguidos pela IGF neste tipo de auditorias
constantes nas Normas e Boas Práticas da IGF e nas normas técnicas internacionais mais usuais em
matéria de auditoria financeira, como consta, genericamente, de seguida:
1.4.1 Metodologia
No essencial, esta fase do trabalho consubstanciou-se nos procedimentos seguintes:
a) Planeamento da ação
2 Para o IIA, a ABR tem como fundamento toda uma estrutura de gestão/governação determinada (guiada) pela adequada
gestão do risco, a todos os níveis e setores da organização, reforçando/responsabilizando, em primeiro lugar, a gestão de topo. Numa tal aceção, se o modelo de gestão de riscos não for suficientemente robusto, a organização não pode suportar (propiciar condições) para uma ABR. Então isso implica, para esta metodologia, necessariamente, que estamos perante um SCI fraco. Eis a conclusão maior e mais relevante que tem que ser extraída.
As subvenções concedidas à Cruz Vermelha Portuguesa traduziram-se numa aplicação legal, regular, eficiente e eficaz dos recursos públicos envolvidos?
Existem desvios? Em caso afirmativo, são materialmente relevantes e/ou apresentam riscos significativos?
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(i) Análise e tratamento do ficheiro das subvenções recebidas pela CVP e comunicadas à IGF pelos
vários concedentes, com vista à ordenação dos apoios financeiros públicos concedidos em
2014, definindo-se como critério as subvenções públicas por concedente da administração
pública central do Estado e Segurança Social de valor unitário igual ou superior a 100 mil euros
perfazendo um universo financeiro de 18.117.392 euros;
(ii) Recolha e análise da documentação relevante para o planeamento da ação, designadamente,
legislação / programas / regulamentos de suporte à atribuição, monotorização e controlo dos
apoios financeiros públicos pelos concedentes;
(iii) Análise preliminar dos sistemas e subsistemas de controlo interno dos concedentes e da
entidade beneficiária e respetiva avaliação prévia do risco,
(iv) Reuniões com os responsáveis das entidades concedentes e da CVP.
b) Verificações, testes de auditoria e análise
Na CVP, os procedimentos base levados a cabo sintetizam-se do seguinte modo:
(i) Reuniões com os interlocutores da entidade auditada;
(ii) Identificação e análise da informação relevante para os objetivos da ação;
(iii) Avaliação da gestão de riscos, incluindo o modelo de gestão existente;
(iv) Testes aos controlos tendo por base, parcialmente, amostras aleatórias, com vista a avaliar a
fiabilidade dos SCI da CVP, do ISS e do IEFP; E, com diferentes graus de extensão e
profundidade, foram também efetuadas diligências junto da SGMDN, do INEM, do SICAD e da
DGEstE;
(v) Verificações de conformidade e substantivas, possíveis no contexto da CVP e das seis
entidades concedentes;
(vi) Realização de testes substantivos, utilizando para o efeito, igualmente, em três situações,
amostras estatísticas.
1.4.2. Condicionantes
À materialidade dos apoios recebidos pela CVP (21 615,4 milhares de euros, em 2014) associam-se os
seguintes fatores de potencial risco:
(i) A multiplicidade de entidades concedentes sob tutela de seis ministérios3, de uma estrutura
transversal – Programa Operacional Potencial Humano (POPH), financiado pelo Fundo Social
Europeu (FSE) e, ainda, diversos Municípios, num conjunto de 64 concedentes;
(ii) Volumoso acervo de normativos e regulamentações aplicáveis a cada um dos tipos de
subvenções/apoios financeiros públicos concedidos sob análise;
3 Ministério do Trabalho e da Segurança Social, Ministério da Defesa Nacional, Ministério da Saúde, Ministério da Educação,
atual Ministério do Planeamento e Infraestruturas e Presidência do Conselho de Ministros.
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(iii) A circunstância, a nosso ver absolutamente incomum, de a CVP fechar contas tardiamente – as
de 2014 com um ano de atraso;
(iv) A ausência de prestação de contas a entidades externas de controlo, como seja o Tribunal de
Contas (TdC), apesar da dimensão dos apoios públicos, nem tão pouco, na qualidade de PCUP-
Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, procederem a qualquer outro registo junto de entidades
públicas com competência na matéria, como é a Presidência do Conselho de Ministros (PCM),
através da sua Secretaria Geral/SGPCM;
(v) A falta de transparência decorrente da não publicitação dos apoios financeiros públicos
recebidos e dos documentos de prestação de contas, tanto no seu sítio na internet, como em
qualquer outro meio de divulgação.
O levantamento dos procedimentos de controlo interno instituídos na CVP, os testes à sua aplicação,
bem como a obtenção dos registos indispensáveis para a realização de testes substantivos foram ainda
significativamente condicionados pelos seguintes factos:
(i) Morosidade sistemática no fornecimento de dados solicitados para o normal desenvolvimento
dos trabalhos, a que acresceu o facto da existência de um único interlocutor4, sem capacidade
de resposta tempestiva e adequada, o que originou a interrupção da auditoria durante três
semanas;
(ii) Elevada heterogeneidade em toda a CVP, segundo informações do interlocutor (e por si
subscritas no «Estudo de Sustentabilidade») no que respeita, quer às operações económico-
financeiras e sua relevância contabilística, quer ao nível dos conhecimentos dos responsáveis
aos diferentes níveis, muitas vezes em clara desconformidade com a magnitude e
complexidade das tarefas que sobre eles impedem e/ou que lhes compete coordenar/dirigir;
(iii) Multiplicidade de aplicações informáticas nas diferentes estruturas locais (EL) para execução
da contabilidade, grande parte em outsourcing a contabilistas certificados (CC), processamento
de salários, faturação e tesouraria, o que, ainda na opinião do referido interlocutor, tem
dificultado, de sobremaneira, face aos níveis de descentralização, a harmonização de
procedimentos e, consequentemente, a nosso ver, a disponibilização de informação integrada,
em particular, aquela que é requerida por uma gestão criteriosa e prudente, compatível com a
natureza da CVP e a origem dos seus proveitos;
(iv) Incapacidade em proceder à aprovação dos documentos de prestação de contas no prazo
legal. A título de exemplo, refira-se que aqueles documentos, reportados ao exercício de 2014,
foram aprovados apenas em 19/05/2016.
A fragilidade dos ambientes de gestão e de controlo refletiram-se nos resultados do nosso trabalho.
Com efeito, a auditoria à CVP revelou-se complexa, sendo causas da mesma, designadamente: (i) a
4Responsável pela «Área de Controlo Interno e Apoio à Gestão» (ex-“Setor de Controlo Interno”) que, pelas suas inúmeras
ausências da sede, originou delongas significativas na disponibilização de comprovantes a auditar, provenientes dos responsáveis doutras áreas funcionais.
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incapacidade de disponibilizar informação contabilística corrente em tempo útil e fiável; (ii) a
sistemática aprovação tardia dos documentos de prestação de contas; (iii) as asserções prestadas pelos
responsáveis da CVP, designadamente, sobre reconhecimento, mensuração, apresentação e divulgação
dos vários elementos não têm correspondência nas demonstrações financeiras e divulgações, gerando
falta de fiabilidade das últimas contas aprovadas, relativas ao exercício de 2014. (IAASB, ISA 315 –
Identificar e Avaliar os Riscos de Distorção Material Através do Conhecimento da Entidade e do seu Ambiente)
Assim, não é possível, com recurso aos métodos e técnicas usuais em auditoria financeira – avaliação do
SCI e da gestão de riscos, bem como a partir da realização dos testes substantivos, com base em
amostras aleatórias- emitir opinião de auditoria seja sobre que aspeto for da gestão da CVP, logo, sobre
os resultados dos processos de gestão e controlo das subvenções.
Assim, quando os sistemas dos organismos concedentes não nos fornecem a informação suficiente para
firmar convicções, a CVP é, em regra, incapaz de complementar a informação necessária e, muito
menos, suprir eventuais reservas que tenham sido suscitadas pelos sistemas de gestão e controlo
daquelas entidades.
1.4.3. Contraditório
Nos termos do disposto no art.º 12.º (princípio do contraditório) do Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 de
julho e artigo 20º do Regulamento do Procedimento de Inspeção (RPI) da IGF, bem como do n.º 2 do
artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) foi dado conhecimento formal das
principais asserções, conclusões e recomendações constantes deste documento, através do envio de
diversa correspondência, sobre os quais foi solicitada aos responsáveis da CVP - o Presidente Nacional
(PN) e o Diretor Geral (DG) - o Revisor Oficial de Contas (ROC) e o Presidente do Conselho Fiscal (PCF)
que se prenunciasse sobre as mesmas.
Por existirem indícios da prática de infrações financeiras, nos termos da alínea c) do n.º 2 de artigo 20º
do RPI, foi ainda realizado o contraditório formal pessoal, através do envio do extrato das referidas
asserções aos responsáveis visados para que, querendo, se pronunciarem sobre as mesmas.
A análise detalhada das respostas recebidas, no essencial não põe em causa as asserções, conclusões e
recomendações constantes do presente relatório, conforme consta do Anexo 2.
Não obstante, introduzimos nos pontos específicos do relatório os aspetos que, embora não revelando
dados novos ou complementares foram invocados pela entidade auditada.
2. RESULTADOS QUANTO À ENTIDADE AUDITADA – CRUZ VERMELHA PORTUGUESA
2.1. Natureza Jurídica
De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 281/2007, de 7 de agosto, que
aprovou o seu regime jurídico, bem como os respetivos estatutos, a CVP é «uma pessoa coletiva de
direito privado e de utilidade pública administrativa, sem fins lucrativos, sendo ainda “… uma instituição
humanitária não governamental, de carácter voluntário e de interesse público que desenvolve a sua
atividade devidamente apoiada pelo Estado …».
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A propósito, importa realçar que, já em fase de conclusão da presente ação inspetiva, na reunião de
19/09/2016 na sede da CVP, o PN referiu à equipa da IGF que: “na verdade, lá fora, a FEDERAÇÃO
INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA E DO CRESCENTE VERMELHO tem questionado o enquadramento da CVP sob
tutela do Ministério da Defesa Nacional, porque considera estranho tal dependência relativamente ao
Estado em Portugal».
A CVP está inscrita na Conservatória do Registo Comercial/CRC como pessoa coletiva de utilidade
pública (PCUP) 500745749 e com diversas atividades económicas, sendo uma CAE principal e três
secundárias (cf. certidão permanente – Anexo 3).
Nos termos do artigo 57.º do Estatutos, a CVP está sujeita à tutela do Ministro da Defesa Nacional que
inclui, designadamente, as competências para “o exercício da tutela inspetiva da CVP na administração
dos seus recursos” e “homologar o relatório e contas dos exercícios anuais da CVP».
2.2. Estatutos
O Anexo 4 sintetiza o complexo de órgãos nacionais da CVP e os respetivos poderes, donde resulta, com
toda evidência, os seguintes traços caracterizadores do quadro por que se rege esta entidade nas
matérias em apreço:
a) Os Estatutos sob análise concentram no presidente nacional poderes que, para além de
excessivos, são incompatíveis entre si, desde logo o poder máximo de gestão/administração e o
de, para além de ter assento da Assembleia Geral (AG), a composição desta ser totalmente
determinada, direta ou indiretamente, por si;
b) Não são conhecidas organizações, muito menos do tipo da CVP, em que AG possa refletir a
vontade de um só indivíduo com a possibilidade de criar constrangimentos sérios à livre
expressão da vontade dos restantes membros, face aos poderes que lhe são próprios. No
domínio das pessoas coletivas, ou equiparadas, apenas numa sociedade unipessoal por quotas
uma só pessoa goza de tanto poder;
Temos assim que o órgão máximo da Instituição, a AG, à qual estão cometidas a generalidade das
responsabilidades que são próprias deste órgão, tem, no entanto, peculiaridades excecionais pela
negativa:
a) A AG não tem o poder de eleger/destituir os órgãos de gestão;
b) Este órgão é composto, justamente, por aqueles para quem emite orientações estratégicas e
operacionais e, posteriormente, tem a responsabilidade de zelar pelo bom cumprimento de tais
orientações, bem como a de proceder à avaliação dos respetivos executores.
Urge, portanto, que este quadro seja conduzido a uma situação de normalidade.
2.3. «Universo CVP»
A CVP é, também, a «empresa-mãe» das seguintes sociedades com fins lucrativos:
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Em 100% na Clínica Social Rainha Santa Isabel5, em Estremoz;
Em 100% na «Parfisi – Gabinete de Reabilitação Física, Lda» e
Em 54,97% na «Sociedade Gestora do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, SA»,
conjuntamente com o acionista Estado, representado pela «PARPÚBLICA, Participações Públicas,
SGPS, SA» (45,03%),
que, em 31/12/2014, estariam contabilizadas pelo método da equivalência patrimonial (MEP) por um
valor que ascendia a 6 249,2 milhares de euros.
Em cumprimento do PA da ação programámos verificações sumárias na empresa CVP – Sociedade de
Gestão Hospitalar, SA, adiante, também identificada por HCVP ou hospital.
Aliás, os trabalhos iniciais junto da CVP suscitaram, desde logo, a necessidade de realizar tais diligências,
dadas as relações existentes entre as duas entidades e as múltiplas referências à importância da vida
desta sociedade para aquela Instituição.
As diligências efetuadas depararam-se com dificuldades, em particular, quanto à disponibilização das
atas dos órgãos sociais, remunerações praticadas pelo hospital e instrumentos previsionais de gestão de
médio/longo prazo.
Por outro lado, recolhemos fortes indícios de que nas contas do hospital estariam relevadas algumas
operações financeiras que careciam de cabal esclarecimento.
2.4. Modelo de Governação
O modelo de governação implementado na CVP não responde aos mais elementares requisitos de uma
administração atual e moderna em matéria de: gestão estratégia, estrutura organizacional, sistemas de
informação para a gestão, onde se inclui o sistema contabilístico e, finalmente, a prestação de contas,
na aceção de accountabaility:
a) Em desconformidade com o que é regra em qualquer entidade, privada ou pública, a CVP não
tem sido capaz de fechar e aprovar as suas contas anuais em tempo útil. A AG reuniu para a
aprovação de contas de 2013 e 2014, respetivamente, em 29/01/2015 (10 meses de atraso) e
em 19/05/2016 (14 meses de atraso).
b) Os relatórios de gestão (2013 e 2014) não passam de descrições, nem sempre muito coerentes,
de factos sem o necessário relacionamento entre eles. E, dessa forma, não habilitam qualquer
parte interessada com a informação de que necessita para formular qualquer juízo sobre a
gestão, ou seja, não se pode concluir como a situação de partida (no momento zero) pode ser
transformada com os objetivos propostos. De igual modo, também não se pode dizer se a
situação em N+1 é melhor, igual ou pior do que aquela que existia no momento N, seja de que
ponto de vista for;
5 Até finais de 2015, esta empresa era detida em Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) pela CVP e pela St.ª Casa da
Misericórdia, estando ainda em curso o processo de formalização da sociedade.
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c) Estes factos convivem com ausência de gestão estratégica, apesar da extrema importância da
MISSÃO da CVP: “prestar assistência humanitária e social, em especial aos mais vulneráveis,
prevenindo e reparando o sofrimento e contribuindo para a defesa da vida, da saúde e da
dignidade humana.”
d) O Presidente Nacional da CVP, e a Direção Nacional, não dispõem de condições que lhes
permitam responder a três questões das mais pertinentes da gestão atual:
(i) Qual a VISÃO da Direção da CVP para os próximos cinco anos?
(ii) Quais os três/cinco principais objetivos estratégicos que concretizam a VISÃO e sem os
quais não existe garantia de que a MISSÃO seja prosseguida de modo económico,
eficiente e eficaz?
(iii) E, existindo objetivos estratégicos, qual a estratégia, isto é, quais são os caminhos (as
opções eleitas) para atingir esses objetivos?
A título ilustrativo, mas muito elucidativo, na antedita AG de 19/05/2016, o Ponto Dois da Ordem de
Trabalhos (OT) foi: “Aprovação das Orientações Estratégicas e Orçamentais e das Orientações Gerais de
Gestão do Património para a ano de dois mil e dezasseis.”
O relato das intervenções havidas – não se pode falar de discussão e, muito menos, de decisões e
orientações - é de efeito nulo como guia/orientação para a gestão. Tenha-se presente apenas o insólito
desta situação: «Orientações Estratégicas» para menos de 6,5 meses.
Esta conduta mais não é do que a reprodução do que se tinha passado na AG de 29/01/2015, aquando
da aprovação dos documentos de prestação de contas de 2013
Tudo isto acontece num quadro de amplo envolvimento do Estado, através do Governo, já que: (i)
nomeia o presidente nacional; (ii) designa o presidente do conselho fiscal; (iii) deve exercer a função
inspetiva; (iv) tem o poder/dever de homologar o relatório e contas anuais. Incompreensivelmente, não
tem existido qualquer ação inspetiva sobre atividade da Instituição, nem tão pouco a homologação dos
relatórios e contas.
A gravidade da situação descrita ganha o seu verdadeiro significado se tivermos em conta o que é tido,
habitualmente, como um adequado modelo de governo das organizações sociais – não empresariais e
governamentais.
Entenda-se por bom governo o sistema pelo qual se dirigem e controlam as organizações, fazendo
participar os órgãos de gestão/administração e fiscalização, bem como a AG enquanto instância superior
da estrutura do poder de qualquer organização associativa.
As boas práticas de gestão transformam princípios em recomendações objetivas, adequando os
interesses com o desígnio de sustentar a reputação da instituição e de otimizar o respetivo valor social,
garantindo o princípio da continuidade/perenidade.
Os ditos princípios essenciais consubstanciam-se na: Transparência e responsabilidade, equidade e
accountability
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2.5. Estrutura organizacional
A estrutura organizacional da CVP – a que decorre dos Estatutos e a praticada – não é racional, logo não
gera a otimização de resultados, só ao alcance dos melhores modelos e em que muitas entidades da
mesma natureza, foram até pioneiras.
Entendemos a «estrutura organizacional» como fonte e/ou manifestação de:
a) Tipos de autoridade/poder: de linha ou hierárquica, de staff ou apoio funcional;
b) Princípios fundamentais da estruturação:
Unidade de comando;
Equilíbrio entre autoridade e responsabilidade;
Princípio escalar/cadeia de comando;
Amplitude de controlo, que depende fundamentalmente: da complexidade do trabalho, da
dispersão geográfica, das relações de interdependência, e da qualificação dos recursos
humanos;
c) Centralização e descentralização do poder de decisão;
d) Concentração e desconcentração espacial das estruturas.
A CVP tem sede em Lisboa, com 22 unidades orgânicas centrais, e detém estruturas locais (EL) com
diferentes níveis de desconcentração e descentralização - cfr. Organograma, Anexo 5 - assente em:
144 Delegações locais (DL) complementas com 16 Extensões (Ext);
20 Centros Humanitários (CH);
8 Organismos Autónomos (OA).
Na ausência de regras de funcionamento, uniformes e bem definidas, não admira que uma estrutura
orgânica de tamanha dimensão, dispersa por todo o País (incluindo nas zonas mais recônditas do
interior) com elevado número de meios humanos (contratados e voluntários), seja considerada, em
geral, pelos responsáveis e pelos técnicos, como uma das mais sérias condicionantes à agilização de
procedimentos, donde decorrem especiais exigências ao nível da gestão.
Com efeito, no decurso dos trabalhos desta auditoria, foi também possível constatar que a indefinição
de responsabilidades e a dispersão organizativa é sistematicamente apontada como sendo a razão dos
atrasos a todos os níveis, desde a prestação de contas à disponibilização de dados e/ou informações
básicas para o desenvolvimento desta auditoria, não obstante as inúmeras insistências (orais e escritas)
junto do nosso interlocutor e do DG da CVP.
No caso concreto das subvenções públicas recebidas pela CVP, o responsável pela Área do Apoio à
Gestão6 (AAG), coadjuvado por uma técnica auditora, foram incapazes de ultrapassar as entropias
funcionais ocorridas nas mais diversas situações, provocando atrasos no curso normal dos trabalhos,
como já foi referido.
6 Ex-Área do Controlo do Interno (ACI)
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Face ao exposto, consideramos de grande utilidade que a CVP, no mais curto prazo, passe à
concretização duma reforma estrutural com downsizing ao nível das estruturas locais e com a devida
formalização de responsabilidades7. Para tanto, a CVP pode beneficiar das experiências bem sucedidas
ao nível da Administração Pública, em serviços/organismos de grande dimensão e descentralizados por
todo o território nacional, ou de entidades privadas dos mais diversos setores.
As experiências organizativas melhor sucedidas na AP apontam para a criação de estruturas e logísticas
de suporte estáveis, do tipo de Centros Humanitários Distritais, cada qual constituído por unidade
orgânicas departamentalizadas segundo uma ou várias óticas
Num modelo organizacional deste tipo e com os serviços locais dependentes de um nível intermédio – o
distrito – haverá, certamente, melhores condições para a implementação de práticas comuns de
funcionamento, designadamente no que diz respeito à contabilidade e à gestão dos recursos materiais,
fazendo uso das potencialidades das novas tecnologias e sistemas de informação.
Já a gestão financeira e de tesouraria pode ganhar em racionalização, em minimização de riscos e em
melhoria do controlo interno se for centralizada ao nível da sede.
2.6. Organização contabilística
Com base nas informações prestadas pelo responsável da AAG ao longo da auditoria, em sede de
contraditório escrito (e reafirmado na reunião final que teve lugar na sede da Instituição, em 19 de
setembro de 2016) a Cruz Vermelha Portuguesa adota o Sistema de Normalização Contabilística (SNC)
para as Entidades do Setor Não Lucrativo (ESNL)8, na sede e em todas as EL.
Em síntese, a organização contabilística da CVP apresenta-se do seguinte modo:
a) A contabilidade é executada por contabilistas certificados (CC)9, os quais utilizam “softwares”
próprios;
b) A AAG elabora e remete aos responsáveis pela elaboração da contabilidade individual das
estruturas da CVP algumas orientações e políticas contabilísticas adotadas e o plano de contas;
c) Anualmente, para o encerramento das contas, são solicitados um conjunto de documentos de
prestação de contas, designadamente: Balanço, Demonstração de Resultados por Natureza,
Demonstração das Alterações nos Fundos Patrimoniais, e Demonstração de Fluxos de Caixa;
d) A sede procede à agregação das contas da sede e das estruturas CVP: validação dos elementos
rececionados, importação de balancetes após regularização e antes do apuramento dos
7 Redução de Delegações/Extensões com incremento dos Centro Humanitários, um ou mais por Distrito (sem ultrapassar os
cinquenta), em que cada um possa ser equiparado a direção de serviços (com áreas funcionais relativas à gestão financeira/contabilidade, recursos humanos e logística/aprovisionamento) e com pessoal contratado, hierarquicamente dependente da sede, com competências delegadas. De resto, a maioria das operações no âmbito da missão social, emergência, socorro, já poderiam ser entregues ao voluntariado. 8 Aprovados, respetivamente, pelo Decreto-Lei n.º158/2009, de 13 de julho e pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março.
9 Segundo o Presidente Nacional o custo médio anual da CVP com os CC (ex-TOC) para todo o universo organizacional importa
em cerca de 5 milhões de euros.
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resultados (em Excel) de cada uma das contabilidades no «Software Consolid» e exportação
para o balancete agregado;
e) Anualmente, aquele software vai utilizando os seguintes elementos: Tabela de estruturas;
Tabela de seguradoras; Tabela de entidades bancárias e Plano de contas;
f) A partir do balancete agregado, são preparadas as demonstrações financeiras individuais da CVP
antes de anulações e eliminações de operações entre estruturas. Todas as transações, saldos,
rendimentos e gastos reconhecidos resultantes de operações entre estruturas devem ser
integralmente anulados.
“Quando existem diferenças de agregação procede-se à correção da situação líquida.” Não foi
esclarecido o efeito que este «modo expedito de acertar as contas» pode ter no grau de
fiabilidade das DF.
Não obstante a publicação, em 2011, do regime da normalização contabilística para as ESNL e dos
responsáveis da CVP reclamarem a premente necessidade de obter informação contabilística agregada
em tempo útil, o certo é que, desde então e até ao presente, ainda não conseguiram implementar um
sistema integrado de contabilidade e fiável para toda a Instituição.
Importa todavia realçar que, no início do corrente ano, foi proposto aos órgãos diretivos da entidade um
estudo elaborado pela AAG com vista à implementação duma única plataforma informática em todos os
seus serviços operativos (centrais e locais), cujo prazo de conceção e implementação prolongar-se-á
pelo triénio 2016-18, inclui a realização de 12 ações/ano, envolvendo 320 formandos, 8 formadores e
um custo da ordem dos 2 130,0 milhares de euros, isto é, 710,0 milhares de euros de média anual.
Esta solução deve ser ponderada à luz da recomendação sobre a organização contabilística que a IGF
adiante apresenta e que se traduz, fundamentalmente, na integração sistemática (ao mês), ao nível da
sede, de todos os processamentos contabilísticos.
2.7. Recursos financeiros e gestão financeira
De acordo com as demonstrações de resultados, os rendimentos da CVP foram os seguintes:
Quadro 1 – Rendimentos Unidade: euro
Unidade Orgânica 2014 2013
Valor Peso Valor Peso Vendas 170.139 0,3% 181.556 0,3% Prestações de serviços 49.036.204 80,2% 47.868.950 80,3%
Subsídios, doações e legados à exploração 6.489.583 10,6% 5.481.373 9,2% Reversões (depreciações, amortizações e perdas por imparidades)
105.743 0,2% 92.157 0,2%
Reversões de provisões 0 0,0% 17.783 0,0%
Ganhos por aumento de justo valor 51.119 0,1% 6.997 0,0%
Outros rendimentos e ganhos 4.733.606 7,7% 5.222.233 8,8%
Juros, dividendos e outros rendimentos similares 573.148 0,9% 723.707 1,2%
Total 61.159.543 59.594.756
Fonte: Demonstrações financeiras individuais de 31 de dezembro 2014
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No entanto, considerando o disposto no artigo 52 dos estatutos, os recursos económicos da CVP podem
ser de diversas naturezas e, em 2014, contabilizou os seguintes valores, por fontes de financiamento:
Quadro 2 – Rendimentos segundo o artigo 52.º Unidade: Euro
Unidade Orgânica Quotizações
Membros Subvenções
(AP) Dotação OE/MDN
Donativos Rendas Prestações
Serviços Total
Sede Nacional 134.573 302.418 1.411.000 401.022 144.362 1.522.211 3.915.586
Serviços autónomos 60.632 31.023 7.478.422 7.570.077
Delegações Locais 359.345 2.654.682 1.335.527 408.367 33.544.409 38.302.330
Centros Humanitários 87.486 357.365 132.698 11.690 5.909.758 6.498.997
Total 581.404 3.375.097 1.411.000 1.869.247 595.441 48.454.800 56.286.989
Fonte: Área de Apoio à Gestão
Comparando os dois quadros anteriores são evidentes as diferenças quer de designações quer de
conteúdos das parcelas. A título de exemplo: (i) as «prestação de serviços» registam 49 036,2 milhares
de euros e 48 454,8 milhares de euros (uma diferença de 581,4 milhares de euros), respetivamente na
DR e no quadro supra (ii) os «subsídios, doações e legados à exploração» na DR apresenta 6 489,6
milhares de euros, enquanto que as «quotas dos membros + subvenções + donativos» no quadro supra
somam 5 825,7 milhares de euros, quer dizer, verifica-se uma diferença de 663,8 milhares de euros.
Não obstante os referidos aspetos, importa realçar que o modo de contabilização da CVP difere,
substancialmente, do conceito de subvenções públicas tal como se encontra legalmente definido10. Ou
seja, a grande fatia de dinheiros públicos recebidos na Instituição foram registados como «prestações de
serviços» e apenas uma reduzida parcela (menos de cinco milhões de euros – da AP e do OE/MDN) foi
considerada como «subsídios, subvenções ou apoios públicos».
Tal situação, configura uma aplicação incorreta do modelo de normalização contabilística, a que a CVP
se encontra sujeita como ESNL, em que os rendimentos das «prestações de serviços» propriamente
ditas se contabilizam nas contas 72(n) e os «subsídios, doações e legados à exploração», do Estado e
outros entes públicos e/ou privados, devem ser contabilizadas nas contas 75(n)11.
Assim, o procedimento usado mais não é do que um artifício para ocultar a verdadeira origem/natureza
dos rendimentos e, assim, não evidenciar que é realmente o Estado quem financia uma parte muito
significativa da atividade da CVP.
E se, por um lado, as verbas provenientes do INEM assumem a natureza de pagamentos por serviços
prestados, do tipo “outsourcing” (requisitados “just in time” por esse organismo público nas situações
de socorro urgentes a doentes, e faturados mensalmente pela CVP), já o mesmo não pode ser
considerado quando estamos em presença de verdadeiras subvenções. De facto, todos os dinheiros
públicos que a CVP recebe, nomeadamente, para apoio social (do ISS) e para formação e emprego (do
10
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 2º, da Lei n.º 64/2013, de 27 de agosto, considera-se «subvenção pública» toda e qualquer vantagem financeira ou patrimonial atribuída, direta ou indiretamente, pelas entidades obrigadas, qualquer que seja a designação ou modalidade adotada. 11
Conforme o Código de Contas aplicável especificamente a estas entidades - Anexo a que se refere o n.º1, de artigo 1º da Portaria n.º 106/2011 de 14 de março.
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IEFP), revestem a natureza de subsídio público para o financiamento da sua atividade enquanto parceira
do Estado nas respostas a situações de carência dessas populações-alvo.
No que diz respeito às verbas provenientes da SGMDN, a questão já reveste contornos especiais, pelo
que será tratado com mais detalhe adiante.
Relativamente às contas anuais de 2013 e 2014, a CVP evidencia totais de balanços, respetivamente de
117 312,3 milhares de euros e de 119 534,1 milhares de euros, conforme mostra o quadro comparativo
a seguir apresentado:
Quadro 3 – Balanço comparativo Unidade: Euro
BALANÇO 31/12/2014 31/12/2013
ATIVO
Ativo não corrente 85.688.641,08 85.105.335,26
Ativos fixos tangíveis (terrenos, prop. de investimento e equip.) 71.493.675 70.834.906
Bens do património histórico e Cultural (edifícios) 2.496.150 2.496.150
Ativos Intangíveis 4.771.950 5.104.218
Participações financeiras 6.396.847 6.154.661
Outros ativos financeiros (papel comercial) 530.019 515.400
Ativo corrente 33.845.447 32.206.926
Inventários 980.861 891.124
Clientes, adiantamentos a fornecedores e Estado 5.452.868 5.752.187
Outras constas a receber (subvenções públicas) 3.475.082 3.331.664
Diferimentos (conservação e reparação de viaturas) 1.573.987 1.262.213
Ativos financeiros (aplicações de tesouraria) 1.523.517 1.231.944
Caixa e depósitos bancários 20.839.132 19.737.794
Total do Ativo 119.534.088 117.312.261
FUNDOS PATRIMONIAIS
Fundos patrimoniais 70.312.762 70.615.951
Fundo 0 0
Resultados Transitados 24.471.952 24.846.533
Ajustamentos em ativos financeiros 5.704.395 5.386.251
Excedentes de revalorização 19.581.315 19.581.315
Outras variações nos fundos patrimoniais 20.441.362 20.659.314
Resultado líquido do período 113.739 142.537
PASSIVO
Passivo não corrente 19.680.018 18.471.522
Provisões 226.455 257.064
Financiamentos obtidos (bancários e leasing) 19.453.563 18.214.458
Passivo corrente 29.541.308 28.224.788
Fornecedores 4.670.657 4.156.160
Adiantamento de clientes, Estado e outros entes públicos. 1.250.006 1.071.544
Financiamentos bancários (descobertos, leasing e factoring) 10.841.536 11.640.017
Outras contas a pagar (remunerações e diferimentos) 12.779.108 11.357.067
Total dos Fundos Patrimoniais e do Passivo 119.534.088 117.312.261
Fonte: Demonstrações financeiras individuais de 31 de dezembro 2014
Note-se que essas demonstrações financeiras são omissas em valores relativos à principal rubrica do
capital próprio, como seja a de «Fundo» (ou «Fundadores, beneméritos, patrocinadores, doadores,
associados e membros»), contrariando todo o acervo de regras contabilísticas, europeias e nacionais,
sobre a constituição de fundos patrimoniais nas ESNL.
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A este tal respeito, a norma contabilística e de relato financeiro para estas entidades,12: «os fundos
patrimoniais constituem o interesse residual dessas entidades nos ativos depois de deduzir os passivos».
Ou seja, «o fundo patrimonial compõe-se, designadamente, dos fundos atribuídos pelos fundadores das
entidades ou terceiros, pelos fundos acumulados e outros excedentes, bem como subsídios, doações e
legados que o governo ou outro instituidor ou a norma legal aplicável a cada entidade estabeleçam que
sejam de incorporar no mesmo ».
E, quanto à “contabilização dos subsídios e outros apoios”, o ponto 14.5 da mesma norma, refere o
seguinte: «Os subsídios não reembolsáveis relacionados com ativos fixos tangíveis e intangíveis devem
ser inicialmente reconhecidos nos Fundos patrimoniais e subsequentemente imputados numa base de
sistemática como rendimentos durante os períodos necessários para balanceá-los com os custos
relacionados que se pretende que eles compensem.»
Assim e com o devido respeito por opinião diversa, a CVP deveria considerar, como composição do seu
“Fundo”, em acréscimos anuais, os valores que vão compondo os respetivos resultados transitados.
Também ao nível do mapa de Fluxos de Caixa foi-nos transmitido que a CVP não tem sido capaz de
evidenciar, com precisão, os recebimentos dos subsídios/subvenções públicas que aufere anualmente
de acordo com o fim a que se destinam vs intervenção que suportam, distorcendo assim o conceito da
“ótica de caixa” com operações financeiras e da “ótica económica”.
Assim, resulta claro que a CVP não só não informa bem os seus stakeholders, como uma tal conduta
parece deliberada, já que não dá a conhecer para o exterior, em qualquer meio de divulgação, próprio
ou público ao seu alcance as verbas de que dispõe para o seu funcionamento e atividade,
especialmente, as significativas subvenções/ajudas financeiras públicas de que tem vindo a beneficiar.
Refira-se que as disponibilidades – de 19 737,8 milhares de euros, em 2013, e de 20 839,1 milhares de
euros, em 2014 - situaram-se praticamente ao mesmo nível dos montantes que a CVP recebeu a título
de subvenções públicas nos mesmos anos – respetivamente, 19 300,0 milhares de euros e 21 615,4
milhares de euros. No entanto, e em que mais de 66% daquelas disponibilidades “representam um
depósito a prazo, tendo por base a compensação dada pelo Novo Banco na venda das obrigações do
BES/Luxemburgo, conforme consta do ponto 4.14 do relatório da SROC” (destaque nosso).
É, portanto, evidente que as subvenções públicas têm permitido à Cruz Vermelha Portuguesa manter
uma volumosa almofada financeira geradora de elevadas reservas de liquidez, mas em relação às quais
podem não ter sido adotadas as melhores medidas de gestão de riscos tendo em conta o atrás
referido13.
12
Cfr. Norma contabilística e de relato financeiro para as entidades do setor não lucrativo– ponto 3.5 do Aviso n.º 6726-B/2011, de 10 de março, publicado no DR 2.ª série n.º 51, de 14 de março. 13
É consabido que o BES/Luxemburgo se encontra em processo judicial.
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2.8. Recursos humanos
Os recursos humanos à data do trabalho de campo ascendiam a cerca de 8.400 indivíduos - 70%
encontravam-se em regime de voluntariado (6.500) e os restantes (1.900)14 eram contratados,
incluindo-se aqui os beneficiários das medidas de emprego do Instituto do Emprego e Formação
Profissional (IEFP), a saber: estágios profissionais/”EE” e contratos de emprego e inserção/”CEI”.
Tendo sido solicitado aos responsáveis do setor de pessoal da CVP, informação relativa à situação de
todos os recursos humanos ao serviço da instituição (na sede e nas estruturas locais), designadamente,
por categorias15, com e sem remunerações, respeitante ao ano de 2014, foi fornecida uma listagem em
que apenas consta a identificação dos responsáveis com “competências delegadas” e os totais de
efetivos agregados por unidade orgânica sem qualquer distinção profissional em 2015: 2 716
trabalhadores remunerados e 6 327 voluntários (total 9 043 efetivos).
Indagados os responsáveis sobre tão exígua resposta ao pedido efetuado, referiram simplesmente que a
CVP não consegue detalhar os dados nos moldes requeridos pela IGF. Assim, da tal listagem, apenas se
apresenta a síntese possível no quadro seguinte:
Quadro 4 – Recursos humanos Unidade: Euro
Unidade Orgânica Trabalhadores Remunerados
Voluntários Total
N.º Valor N.º Valor Sede Nacional 173 3.738.347 65 40.996 3.779.343
Serviços Autónomos 238 3.977.545 3.977.545
Delegações Locais 1.867 18.154.568 5.658 639.321 18.793.889
Centros Humanitários 438 3.754.460 604 72.175 3.826.635
Total 2.716 29.624.919 6.327 752.493 30.377.412
Fonte: Área de Apoio à Gestão – dados de 2014
Como se verifica, do quadro, os recursos humanos custaram à CVP16, em 2014, cerca de 30 377,4
milhares de euros. No que respeita aos gastos com pessoal constantes dos registos
contabilísticos/balancetes (29 627,2 milhares de euros) analíticos constataram-se diferenças que não
foram cabalmente esclarecidas pelo interlocutor.
2.9. Recursos materiais
Nas últimas demonstrações financeiras aprovadas (2014), constam no ativo fixo tangível diversos bens
imobilizados, cujo valor bruto ascende a 122 059,2 milhares de euros, dos quais 67% (82.009,1 milhares
de euros) respeitavam a terrenos, edifícios e outras construções.
14
Números referenciados na ata do Conselho Supremo de 19 de maio de 2016. 15
Como sejam, Técnicos superiores, Assistentes administrativos e Operacionais de “missão”, sendo estes do tipo socorrismo, enfermagem ou outras. 16
Os voluntários não auferem remunerações mas são-lhes atribuídos subsídio de refeição, compensação de transportes e seguros de acidentes pessoais.
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Para além dos imóveis próprios, para usufruto ou para arrendar (senhoria) a terceiras entidades17, a CVP
também arrenda (inquilina) diversas instalações alheias, conforme se sintetiza no quadro seguinte:
Quadro 5 – Instalações próprias e arrendadas Unidade: Euro
Unidade Orgânica Próprias Alheias Total
N.º Rendas/ano N.º Rendas/ano
Sede Nacional 11 203.286 203.286
Serviços Autónomos 3 43.023 2 13.845 29.178
Delegações Locais 41 452.820 52 307.277 145.543
Centros Humanitários 3 11.690 7 116.157 -104.467
Total 58 710.819 61 437.278 273.541
Fonte: Área de Apoio à Gestão
Constata-se assim a existência de resultado superavitário de 273,5 milhares de euros entre os
arrendamentos ativos e passivos.
Relativamente aos equipamentos de transporte, foi disponibilizada a inventariação da frota automóvel18
ao serviço do pessoal dirigente e para os serviço operativos. Aí se incluem as viaturas de socorro a
doentes, a saber:
370 Ambulâncias: transporte doentes não urgentes, tipo “A1/A2” – requisitadas pelas ARS,
Centros Hospitalares ou privados;
143 Ambulâncias de emergência: tipo “B” requisitadas pelo INEM, Administrações Regionais de
Saúde (ARS) e Centros Hospitalares; e
duas Ambulâncias medicalizadas e cuidados intensivos: tipo “D” só requisitada por Hospitais,
cuja síntese se reproduz no quadro seguinte:
Quadro 6 – Equipamentos de transporte Unidade: Euro
Unidade Orgânica
Ligeiros Pessoal Assistência/missão
N.º Custos 2014
Amb. Tipo A1 e A2 N.º
Amb.
Tipo B Nº
Amb.
Tipo D Nº
Social/ Outros N.º
Custos 2014
Sede Nacional 4 22.389 3 7 29 142.617
Serviços Autónomos 7 13.278
Delegações Locais 3 7.547 288 116 1 295 3.326.569
Centros Humanitários 2 11.937 79 20 1 56 380.104
Total 9 41.873 370 143 2 387 3.862.568
17
Incluindo nomeadamente estabelecimentos comerciais, ginásio e moradias. Também, dadas as qualidades decorativas do Palácio Conde D’Óbitos em Lisboa, que é o edifício sede da CVP, o mesmo tem sido arrendado para eventos privados, tais como banquetes e bodas de casamento. 18
A que acrescem 64 viaturas com contrato de “leasing”.
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Fonte: Área de Apoio à Gestão
Complementarmente a CVP dispõe ainda de 6 embarcações/botes para socorro aquático e 13 veículos
motorizados para diversas funções (todo-o-terreno/estafetas).
Fora das situações de emergência/catástrofe, no essencial, estes equipamentos têm na CVP a mesma
função que teriam em qualquer empresa comercial, pelo que é questionável a dimensão desta frota
automóvel face à Missão da instituição.
2.10. Aprovação, relato e prestação de contas
2.10.1. Aprovação dos documentos de prestação de contas
Como atrás ficou referido, as contas da CVP do exercício de 2013 foram aprovadas com 10 meses de
atraso (AG de 29/01/2015) e as de 2014 com 14 meses de atraso (AG de 19/05/2016). Não se nos
afigura justificável um reiterado incumprimento numa matéria tão essencial para a vida de qualquer
organização.
A equipa de auditoria teve acesso a uma versão das DF do exercício de 2014, já certificadas pelo ROC e
confirmadas pelo Conselho Fiscal. Na ocasião tivemos a oportunidade de alertar para
incongruências/gralhas em algumas notas do ABDR que tinham passado incólumes nesses órgãos19.
Porém, só em finais de julho p.p. nos foi facultada uma “errata” às contas individuais, sendo que sobre a
mesma nada é referido na ata da respetiva Assembleia de aprovação de contas;
Apesar da data tardia em que as contas de 2014 foram aprovadas, esse processo está de tal modo
distorcido, que somos levados a considerar que as mesmas não reúnem as condições mínimas para
serem aprovadas. Esta afirmação funda-se: (i) no Relatório e Contas; (ii) na Certificação “Legal” das
Contas; (iii) no Relatório Anual do Revisor Oficial de Contas; (iv) no Parecer do Conselho Fiscal; (v) na
antedita errata; (vi) e, em especial, nas respostas ao contraditório efetuado junto dos responsáveis da
CVP, do Presidente do Conselho Fiscal e do Revisor Oficial de Contas.
A fiabilidade, ou a falta dela, das contas de 2014 é função do que se concluir quanto aos dois
documentos fundamentais neste domínio: a Certificação “Legal” das Contas (CLC) e o Relatório Anual do
Revisor Oficial de Contas (RA/ROC). Todas os responsáveis que se pronunciam sobre a “boa prestação
de contas” da CVP fazem-no, tão só, respaldando-se no trabalho realizado pelo ROC e pela Oliveira Rego
& Associados, SROC (ORA), que os anteditos documentos expressam.
A nossa conclusão é de que as contas da CVP de 2014, considerando as inúmeras contradições de
valores sobre os mais diversos factos patrimoniais, máxime, na CLC e no RA-ROC, não reúnem condições
para serem certificadas. Para estribar uma tal afirmação pensamos ser suficiente reproduzir e
interpretar a reserva que o ROC fez constar na CLC:
19
Também não nos pareceu adequada a forma como o ROC se referiu, nessa AG, às contas de 2014, ao referir que: «As demonstrações financeiras representam de forma apropriada a situação patrimonial da instituição.», sem pronunciar a palavra “verdadeira”. Opinião diferente da que consta na certificação das contas.
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a) “7. O elevado número e dispersão geográfica das unidades que compõem o universo CVP, sem o
suporte de um aplicativo contabilístico integrado, condicionam a abrangência dos
procedimentos de auditoria, e bem assim a perceção e conforto relativamente às práticas de
controlo contabilístico das unidades, cujas contabilidades são, à data, maioritariamente
realizadas em regime de outsourcing.
Pelo exposto no parágrafo anterior, os procedimentos de circularização de saldos de terceiros –
clientes, fornecedores e outros devedores e credores, revelaram-se ineficazes na produção
suficiente de prova de auditoria, apresentando-se também condicionada a extensão das
verificações de auditoria nas unidades, em relação às áreas de acréscimos e diferimentos - o
que não nos permitiu com a necessária segurança, formar opinião sobre as respetivas áreas de
balanço e demonstração dos resultados.” - Destaques nossos
Temos então confirmado, desde logo, que não foi produzida prova sobre as contas de clientes,
fornecedores, outros devedores e credores, e acréscimos e diferimentos.
b) Se a partir do RA/ROC nos reportarmos, apenas, às asserções supra que podem ser mensuradas
de imediato, o que pode, ser o menos crítico do conteúdo da reserva supra, obtemos os
seguintes montantes não certificados:
Balanço – Ativo
Balanço – Passivo
10 501,9 milhares de euros
18 699,8 milhares de euros
Como o valor do Balanço é 119 534,1 milhares de euros, a materialidade dos itens sem
certificação representa 24,4%.
c) De acordo com a «ERRATA das Demonstrações Financeiras Individuais», elaborada depois das
observações efetuadas pela esta equipa de auditoria sobre uma versão das demonstrações
financeiras a que, a muito custo, teve acesso, os rendimentos de 2014 cifraram-se nos
61 159,5 milhares de euros e os gastos em 61 045,8 milhares de euros.
A antedita reserva, em nossa opinião, significa que nenhum destes valores se encontra
certificado.
d) Em sede de contraditório o ROC da CVP reconhece que a materialidade dos itens do Balanço que
não foram certificados é de 19,8% e que, no que diz respeito à DR, se encontram na mesma
situação: 95,5% dos rendimentos e 9,9% dos gastos.
Do nosso ponto de vista, a aceitação de tais lacunas não é compatível com a certificação das
contas sob análise. Realmente, estamos perante uma situação em que ao ROC não restava outra
hipótese senão a recusa de certificação. Isto mesmo sem considerar que os 9,9% de gastos não
certificados indicados pelo ROC se encontram claramente subavaliados. Basta referir que
considera certificados 20 389,1 milhares de euros de “Fornecimentos e serviços externos”,
quando no RA o ROC não demonstra essa circunstância.
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e) Acresce que os processos de amostragem seguidos, o tipo de verificações efetuadas, muitas
delas “à distância”, são no mínimo questionáveis. Pela importância de que se reveste neste
contexto insere-se como Anexo 6 o pontos «3.4. Sistemas de Controlo Interno» e «3.5.
Abordagem de Auditoria» do Relatório Anual (RA) do ROC.
Em síntese no dizer do próprio ROC, significa que a avaliação que fez do controlo interno nas EL
“condiciona significativamente a abrangência dos procedimentos de auditoria e conforto sobre
as práticas de controlo interno das unidades.” Está tudo dito.
Neste âmbito, ao Presidente do Conselho Fiscal (PCF), após uma análise detalhada do RA/ROC e do
Parecer do CF, foi-lhe solicitado que informasse esta Inspeção-Geral se continuava a subscrever o
Parecer com a redação seguinte:
“Com a salvaguarda das situações referidas nos pontos anteriores, o Conselho Fiscal, face à
especificidade das condições de funcionamento da Instituição, nomeadamente, nas delegações e
centros humanitários, considera que as demonstrações financeiras da Cruz Vermelha Portuguesa
estão em condições de ser aprovadas.”
O PCF, louvando-se no trabalho da ORA e do ROC, manteve este Parecer que foi emitido pelo Conselho
Fiscal.
Nesta sede deve, igualmente, ser apreciado o que se tem passado como a falta de homologação20, dos
relatórios e contas que cabe ao membro do governo que tutela a CVP, como prevê a alínea b) do artigo
57.º dos Estatutos. Contrariamente ao que dispõe a alínea p) do nº 2 do artigo 17º dos Estatutos da CVP,
a Direção Nacional não tem enviado ao Ministro da Defesa Nacional (MDN) o relatório e contas anuais
para homologação.
Assim, e não tendo as contas anuais da CVP sido objeto de homologação, significa que as mesmas nunca
foram confirmadas ou aprovadas por quem detém competência para tal (MDN), donde resulta que os
efeitos jurídicos inerentes nunca foram produzidos, logo as mesmas são consideradas ineficazes.
E não venha a CVP argumentar que, integrando o ministro da tutela (bem como dois seus
representantes) o Conselho Supremo, nos termos do artigo 28º dos Estatutos, a questão da “falta de
homologação” se encontra tacitamente sanada.
Com efeito, o que se integra nas competências deste órgão, na parte que aqui importa considerar, ou
seja na alínea g) é apenas o de dar parecer “… sobre o relatório e contas anuais da CVP”, conceito que
não se confunde com o de “homologação”, e é nessa qualidade, ou mais concretamente, para o
exercício dessa competência, entre outras, que Ministro da Defesa Nacional (e os seus representantes)
têm assento no Conselho Supremo.
Na realidade, emitir um parecer traduz-se num ato meramente consultivo - já que através do mesmo é
expresso um mero juízo técnico sobre uma determinada questão - enquanto homologar, assume a
natureza de um ato vinculado, através do qual é dada eficácia ao ato objeto de homologação, tornando-
20
Formalidade que garante a eficácia do ato administrativo.
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o exequível e apto a produzir efeitos na esfera jurídica, donde resulta estarmos perante atos
juridicamente distintos, que não são de todo comparáveis, nem, tão pouco, se poderá inferir que os
efeitos de um subsumem-se nos efeitos de outro podendo um deles suprir a falta de emissão de outro,
como a CVP pretende fazer crer.
De facto, e se assim fosse, não teria certamente o legislador consagrado na alínea g) do artigo 28º dos
estatutos a competência do ministro da tutela (bem como de dois seus representantes), de dar parecer
sobre o relatório e contas, enquanto representantes do Conselho Supremo e, simultaneamente,
conferir-lhe poderes de tutela no que concerne à homologação dos relatórios e contas anuais da CVP,
conforme resulta da alínea b) do nº 2 do artigo 57º dos estatutos.
Donde resulta, em nosso entendimento, que os relatórios e contas dos exercícios anuais da CVP só se
podem considerar juridicamente válidos e eficazes após a emissão expressa do respetivo ato de
homologação por parte do ministro da tutela, v.g. defesa, o que não se tendo verificado, no caso em
apreço, permite-nos afirmar que as mesmas nunca foram aprovadas.
Do mesmo modo, não pode a CVP afirmar que a tutela cometida ao Ministro da Defesa é
continuamente exercida, através do controlo realizado pelo Presidente do Conselho Fiscal, porquanto
este, nos termos do nº 2 do artigo 30º dos estatutos, foi nomeado por aquele membro do governo, para
o exercício das correlativas funções.
Na verdade, o Conselho Fiscal é um órgão social da CVP, com competências próprias, sendo os seus
titulares responsáveis pelos atos exercidos em nome deste órgão, não se podendo presumir, já que a
mesma seria facilmente ilidível, que pelo simples facto do Ministro da Defesa designar o seu presidente
acompanha a atividade desenvolvida pela entidade em causa. E ainda que assim fosse, esse
acompanhamento apenas permitiria que o ato de homologação fosse mais sustentado.
E não alegue ainda a CVP que por ser uma pessoa coletiva de direito privado e não ter “caráter
governamental” não se encontra subordinada a um tal regime de tutela, porquanto é “… absolutamente
autónoma do Estado, Estado este que apenas apoia e por ele é apoiada…”
Com efeito, pese embora se trate de uma pessoa coletiva de direito privado, tendo-lhe sido reconhecida
utilidade pública e administrativa, é plenamente reconhecido, de acordo, aliás, com os ensinamentos
doutrinais plenamente consagrados, que tais entidades ao prosseguirem fins de interesse público, e
sendo destinatárias de dinheiros públicos, não podem deixar de estar sujeitas, em certa medida, a um
regime definido pelo Direito Administrativo pertinente, designadamente, no que concerne à fiscalização
da sua atividade.
É precisamente, para esse efeito que, em nosso entendimento, ficou consignado nos estatutos tão forte
envolvimento do Estado na vida da CVP, conforme se refere ao longo deste relatório, em particular no
ponto 2.5.
2.10.2. Relato das atividades, origem e aplicação dos rendimentos
No que diz respeito à atividade desenvolvida, ao contrário da Cruz Vermelha Internacional que se define
simplesmente como «uma organização sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é prestar socorro e
assistência às pessoas vítimas de guerras e catástrofes naturais», a CVP descreve uma vasta e detalhada
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panóplia de atividades, que extravasam o seu “core business”, agindo no âmbito da economia social
como qualquer outra entidade deste setor.
Com efeito, tais atividades encontram-se plasmadas em cada um dos longos relatórios de gestão de
2013 e 2014, que resumimos no Anexo 7, e do qual destacamos as seguintes, por grandes tipos:
EMERGÊNCIA – socorrismo, linha “144” e teleassistência;
APOIO A IDOSOS – academias/clubes sénior, cuidados geriátricos e lares;
APOIO A CRIANÇAS E JOVENS – apoio familiar, aconselhamento parental, intervenção precoce;
PLANOS DE FORMAÇÃO E EMPREENDORISMO;
PROJETOS ESPECIAIS – “Revive +” (para apoio a reclusos e a migrantes,) prevenção da violência
doméstica;
CAMPANHAS ESPECIAIS – “Portugal+Feliz”, segurança rodoviária;
SAÚDE E DESENVOLVIMENTO HUMANO,
ENSINO – Escola Superior de Saúde, Escola Superior de Enfermagem, Escola Profissional “Tasso de
Figueiredo” e Escola de Socorrismo.
Verificou-se ainda que a CVP participa como veículo publicitário em inúmeras campanhas de marketing,
de muitas empresas (tais como, a Nestlé, a Land Rover, a Disney, a Skechers, a Ribealves, a Zippy, a
Agriloja), que, a final, resulta na obtenção de donativos em espécie, de natureza diversa.
Todavia, relativamente às questões de gestão/execução financeira do mesmo período, aquele relatos
apenas as descrevem de forma muito residual, sendo que, no que se relaciona com as subvenções
públicas, não são sequer aí aventadas: as elevadas verbas recebidas (em média, cerca de 20 000,0
milhares de euros por ano); quais e quantos os concedentes e, ainda os beneficiários por programa e/ou
protocolos , por medidas e/ou ações.
2.10.3. Prestação de contas
Sendo o texto estatutário omisso quanto à obrigação da CVP prestar contas a qualquer entidade,
sempre teremos que entender que, nesta matéria, lhe são aplicáveis os regimes legais inerentes à sua
natureza e à origem dos seus rendimentos, desde logo pelo imperativo constitucional inserto no n.º 5 do
artigo 63.º (Segurança social e solidariedade): “O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a atividade
e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido
interesse público sem caráter lucrativo, com vista à prossecução de objetivos de solidariedade social,
consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea
e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º”.
Assim, a CVP encontra-se sujeita ao cumprimento do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro21, Sendo
que o antedito diploma estabelece os deveres especiais das PCUP, que incluem o de “enviar por meio de
transmissão eletrónica à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, o relatório de
21
Diploma que aprovou o estatuto das pessoas coletivas de utilidade pública (PCUP).
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atividades e as contas do exercício relativo ao ano anterior, no prazo de seis meses após a sua
aprovação”22.
Ora, foi constatado que a CVP não tem dado cumprimento a esta obrigação, o que pode configurar uma
violação reiterada dos deveres legalmente impostos às PCUP, e consequentemente, determinar a
cessação da declaração de utilidade pública, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 13.º do
referido diploma onde se estabelece que “A declaração de utilidade pública e as inerentes regalias
cessam: (…) c) Pela violação séria ou reiterada dos deveres que lhes estejam legalmente impostos.”
No mesmo sentido, embora com uma finalidade distinta, acresce o preceituado na Lei de Organização e
Processo do Tribunal de Contas (LOPTC)23, nomeadamente, a norma prescrita no n.º 3 do artigo2º, que
refere: «Estão ainda sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas as entidades de qualquer natureza que
tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou
outros valores públicos, na medida necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correção
económica e financeira da aplicação dos mesmos dinheiro e valores públicos.», conjugado com a alínea
d) do nº 2 do artigo 51º, que refere: «Estão ainda sujeitos à elaboração e prestação de contas, as
entidades obrigadas à elaboração de contas consolidadas, sem prejuízo da prestação de contas
separadas pelas entidades previstas no artigo 2º, que integram os respetivos perímetros de
consolidação.»
Com efeito, face ao estipulado legalmente, consideramos que a CVP encontra-se sujeita à fiscalização
concomitante do Tribunal de Contas, devendo, nos termos do nº 4 do aludido artigo 52º da LOPTC,
remeter-lhe as respetivas contas consolidadas, até 30 de junho do ano seguinte a que respeitam,
situação que até à presente data, nunca ocorreu.
Neste contexto, estipula o nº 7 do mesmo preceito que a falta injustificada de remessa das contas, para
além de poder determinar uma auditoria a realizar pelo TdC, tem como consequência a aplicabilidade
de uma sanção, maxime uma multa, conforme estipula a alínea n) do nº 1 do artigo 65º da mesma lei,
no âmbito da responsabilidade financeira sancionatória que se encontra cometida ao mesmo Tribunal.
Aliás, se dúvidas se colocassem, quanto à sujeição da CVP ao TdC, as mesmas seriam dissipadas, atento
o teor da alínea e) do nº 1 do artigo 5º da LOPTC, que dispõe que compete em especial ao Tribunal de
Contas “Julgar a efetivação de responsabilidades financeiras de quem gere e utiliza dinheiros públicos,
independentemente da natureza da entidade a que pertença”.
E também não deixa de ser, no mínimo, estranho que a CVP nem sequer divulgue no seu sítio da
internet24, nem em qualquer outro meio de informação/comunicação de âmbito nacional, nem as suas
contas anuais, nem os valores de subvenções/apoios financeiros públicos, evidenciando total falta de
22
Alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º. 23
Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações insertas até à Lei n.º20/2015, de 09 de Março. 24
Contrariamente ao que acontece com as suas congéneres, nomeadamente, em Espanha ou França (vide sites: www.cruzroja.es/web/cruz-roja/transparência e www.croix-rouge.fr/La-Croix-Rouge/La-Croix-Rouge-Francaise/Ressources-et-transparence/Transparence).
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transparência por parte dos órgãos de gestão da CVP perante o Estado, os seus stakeholders e os
cidadãos em geral.
A tal respeito deve, ainda, ser tomado em consideração o que dispõe o ponto 2.3 do Anexo II ao
Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março25:
“os doadores/financiadores/associados pretendem conhecer o grau de cumprimento dos
objetivos desenvolvidos; os credores pretendem obter informação acerca da capacidade da
entidade de solver os seus compromissos; os membros das ESNL pretendem conhecer o
modo como os donativos e outros fundos são aplicados nas atividades; os voluntários
pretendem conhecer os resultados da sua dedicação, bem como os programas realizados e
as necessidades de recursos; o Estado, na medida em que proporciona os recursos para a
atividade de diversas entidades do setor não lucrativo, tem necessidade de controlar os
fluxos/meios que permitam cumprir os fins sem diminuir o património; o público em geral,
de entre os quais cumpre referir os contribuintes, grupos de interesse ou pressão,
associações de defesa do consumidor e todos os interessados, direta ou indiretamente, no
futuro da atividade da ESNL, que devem ter a possibilidade de avaliar o contributo da
entidade no seu bem-estar ou no desenvolvimento económico do setor em que se insere”.
Finalmente, e sendo certo que a CVP não presta contas a nenhuma entidade, tem vindo a infringir:
a) O disposto no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março, que aprova o
regime da normalização contabilística para as ESNL e que integra o Sistema de Normalização
Contabilística aprovada pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho;
b) Os Artigos nºs 120.º e 121.º o Código sobre o Imposto sobre o Rendimentos de Pessoas
Coletivas, uma vez que não tem apresentado à Autoridade Tributária, respetivamente, o
Modelo 22 e a Informação Empresarial Simplificada (IES.
3. RESULTADOS QUANTO AO CONTROLO DAS SUBVENÇÕES
3.1. Introdução
Das 64 entidades públicas que em 2014 concederam/pagaram subvenções à CVP, destacámos aquelas pagaram um montante igual ou superior a 100.000 euros, como se evidencia no quadro a seguir:
Quadro 7 – Concedentes Unidade: Euro
Concedentes 2013 2014 Instituto da Segurança Social (ISS) 12.207.014,00 12.442.628,18 Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) 1.304.638,00 1.642.247,22
Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) 1.885.201,00 945.429,48
Secretª Geral-Ministério da Defesa Nacional (SGMDN) 1.422.000,00 2.122.000,00
Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) 26
257.076,00 248.713,00
25
Diploma que aprova, designadamente, o regime de normalização contabilística para as micro entidades (NCM) e para as entidades do setor não lucrativo (ESNL). 26
Valor que inclui a Ação Social Escolar.
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Concedentes 2013 2014 Instituto da Segurança Social (ISS) 12.207.014,00 12.442.628,18 Serv. de Interv. nos Comp. Aditivos e nas Dependências (SICAD) 52.127,00 309.531,89
Subtotal 15.450.993 15.341.850,77
Programa Operacional de Potencial Humano (POPH) 773.687,00 663.389,38 Secretª Geral -Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM) 226.114,00 406.842,00
Agência para o Desenvolvimento e Coesão (ADC) 1.328.782,00 146.097,42
Município de Lagos 402.480,00 0
Município de Cascais 271.869,45 102.000,00
Fundo de Socorro Social (FSS) 150.000,00 80.000,00
Município de Vizela 138.130,00 138.130,00
Município Viana do Castelo 106.958,00
Munícipio de Valença 100.000,00
Total Geral 20.526.076,45 19.347.008,57
Fonte: Dados IGF
Do quadro supra foram excluídos os concedentes de apoios comunitários (POPH e ADC) e os municípios,
e, numa primeira fase dos trabalhos, foram objeto de verificações as seis principais entidades acima
elencadas – o ISS, o IEFP, o INEM, a SGMDN, a DGEstE e o SICAD, donde resulta um universo financeiro
de referência para a presente auditoria 15 341,9 milhares de euros, cujas medidas subvencionadas se
indicam na figura seguinte:
Figura 1 – Natureza dos apoios concedidos
Assim, com base nos fluxos financeiros de 2014, com extensão aos anos de 2013 e de 2015, sempre que
se mostrou necessário e possível, para além da verificação da conformidade com a legislação aplicável e
regulamentos aplicáveis, a análise assentou, fundamentalmente, na intervenção de cada destas seis
entidades concedentes de subvenções financeiros à CVP, como se dá conta nos pontos que se seguem.
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3.2. ISS - Instituto da Segurança Social
3.2.1. Resultados da análise
Para efeito desta auditoria, de entre as atribuições cometidas a este Instituto, destacam-se as que dizem
respeito ao desenvolvimento da cooperação com as instituições particulares de solidariedade social
(IPSS).
O sistema de controlo interno (SCI) foi avaliado como razoável, com necessidade de melhorias. Esta
opinião funda-se em testes aos controlos, onde se deteram algumas deficiências ao nível dos Centros
Distritais (CDist), situações que já têm vindo a ser alvo de correções por parte do Gabinete de Auditoria,
Qualidade e Gestão de Riscos (GAQGR).
Atenta a atividade do ISS, o contexto em que a mesma é exercida e a avaliação do SCI, foi selecionada
uma amostra aleatória27 para os pagamentos processados em 2014, ao abrigo dos acordos de
cooperação28 celebrados com as delegações locais da CVP, cuja expressão financeira é de 9 326,6
milhares de euros (cerca de 76% do total de pagamentos em cada ano). Assim, a referida amostra
resultou num total de 41 pagamentos no valor de 490,2 milhares de euros (5,3%) respeitantes a
acordos de cooperação celebrados com 28 delegações locais.
Relativamente aos programas e outros protocolos optou-se por amostras dirigidas, o que se traduziu na
análise de pagamentos respeitantes a três protocolos e quatro programas, no valor de 508,2 milhares de
euros, isto é, 18% deste universo.
No período 2013/2015, de acordo com o reporte efetuado pelo ISS à IGF, a concessão de apoios
financeiros à Cruz Vermelha Portuguesa totalizou 37 641,8 milhares de euros. No entanto, consultado o
sistema de informação financeira (SIF) verificámos que os pagamentos efetuados totalizaram 36 810,7
milhares de euros, naquele período, porquanto o Instituto reportou os encargos refletidos no seu
orçamento, independentemente dos fluxos monetários ocorridos com as instituições29.
Na figura seguinte apresentamos os montantes efetivamente pagos à CVP no triénio, por natureza de
apoio:
Figura 2 – Apoios concedidos pelo ISS
27
Com um nível de confiança de 90% e uma materialidade de 5%. 28
Contrato escrito através do qual, nos termos do regime de cooperação, é estabelecida uma relação jurídica, com vista ao desenvolvimento de uma determinada resposta social, entre as IPSS ou equiparadas e o Estado, através dos Centros distritais, que as apoiam técnica e financeiramente. 29
Esta situação suscita a necessidade de ajustar as exigências de fiabilidade da informação prestada à IGF, bem como o modo de publicitação efetuada por esta, matéria que será tratada em informação autónoma.
Acordos Cooperação
PEA
PAQPIEF
AcordosCooperação
Protocolos RSIPARESPEARNCCICLDS+PAQPIEFLNESOutro
2013 9.156.7911.258.330128.039427.045532.68988.73135.871365.9306.551
2014 9.326.6141.257.85659.930596.043495.680234.97720.591213.918
2015 9.661.1291.207.06155.177606.338504.951469.12731.64369.741
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Fonte: Departamento de Gestão e Controlo Financeiro do ISS
A análise ao SIF permitiu concluir que o sistema não possibilita a extração de contas correntes das
delegações locais da CVP destinatárias das transferências por parte da Segurança Social e que o
apuramento dos montantes pagos por delegação e por projeto/programa/protocolo/acordo é lento.
No tocante aos acordos de cooperação constatámos que foi dado cumprimento aos dispositivos legais e
normas internas existentes para a sua celebração, tendo os respetivos pagamentos ocorrido de forma
regular e em conformidade com as frequências mensais comunicadas30 pelas delegações locais.
Contudo, salientamos que os testes realizados permitiram constatar que o controlo de frequências de
utentes, em vigor, não garante a inexistência de pagamentos indevidos. Com efeito, nas “respostas
sociais”31 (Creches, Centros de Atividades de Tempos Livre com almoço e Centro de dia) desenvolvidas
pelas delegações locais de Santo Tirso, do Porto, de Valença, de Vila Nova de Gaia, de Tavira, de Olhão e
de Marco de Canavezes, registaram-se reposições que ascenderam a 101,2 milhares de euros,
reportadas ao período de 2014, num total de 448,6 milhares de euros pagos àquelas delegações.
O referido sistema não contempla os requisitos necessários de validações, nomeadamente no que se
refere à adequação da idade do utente à resposta social, bem como à sua frequência a mais do que um
tipo de resposta.
A este propósito, foi referido pelo diretor da Unidade de Cooperação e Respostas Sociais (UCRP), que se
encontra em desenvolvimento a parametrização do sistema com vista a obviar as atuais limitações, em
parceria com o Instituto de Informática da Segurança Social.
Acresce ainda referir que o atual sistema não permite gerar, automaticamente, reportes mensais de
controlo, sendo necessária a extração da informação para Excel e tratada manualmente pelos técnicos,
o que se traduz num processo longo e potenciador de risco de controlo.
Quanto ao acompanhamento e avaliação efetuados pelo ISS verificámos que todas as respostas sociais
abrangidas pela referida amostra foram objeto de ações de acompanhamento e avaliação realizadas
pelos CDist no último triénio, tendo sido apontadas várias desconformidades, designadamente, quanto:
(i) ao cumprimento da Circular de Orientação técnica n.º 4 de 16/12/2014, da Direção-Geral da
Segurança Social, no tocante ao cálculo das comparticipações familiares32; (ii) à adequação dos
Regulamentos Internos conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de novembro33; (iii) à
adequação dos quadros de pessoal face ao número de utentes abrangidos; (iv) ao cumprimento da
capacidade dos equipamentos; (v) à apresentação de contas e orçamento da CVP relativas aos exercícios
de 2011 a 2015.
30
Via SSD – plataforma utlizada pelas IPSS para comunicação da frequência dos utentes. 31
Atividade desenvolvida no âmbito da ação social, destinada a prestar um serviço ou a desenvolver ações dirigidas aos diversos grupos de população, enquadrada na rede de serviços e equipamentos sociais. 32
Regulamento das comparticipações familiares devidas pela utilização dos serviços e equipamentos sociais das IPSS, com acordo de cooperação celebrado com o ISS 33
Diploma que procede à alteração dos Estatutos das IPSS.
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Em matéria de apresentação de contas constatámos que, até ao dia 28/06/2016, a CVP não tinha
submetido as contas na plataforma OCIP34, tendo a diretora do Departamento de Gestão e Controlo
Financeiro (DGCF) informado que, conforme reportado pela CVP, a previsão para a conclusão deste
processo situar-se-ia em 2017, com a submissão das contas de 2014 e 2015.
Trata-se, obviamente, de uma resposta que, a manter-se, não pode deixar de ter consequências ao nível
de futuras subvenções a conceder por este Instituto àquela entidade, conforme estipulado na
Deliberação n.º57/2012, de 20 de setembro, do Conselho Diretivo do ISS.
Cumpre ainda referir que somente quatro estabelecimentos foram objeto de fiscalização por parte do
Departamento de Fiscalização do ISS e apenas uma resposta social foi auditada por uma inspeção
setorial – Inspeção-Geral da Educação e Ciência.
De entre os processos analisados salientamos o cumprimento dos normativos legais, o controlo da
elegibilidade de despesas e os pagamentos regulares em termos legais e financeiros dos Programas de
Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES) e de Apoio e Qualificação do Programa
Integrado de Educação e Formação (PAQPIEF) e dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS e
CLDS+). No entanto, o ciclo de cada um dos processos é moroso uma vez que o ISS não tem um sistema
de informação para desenvolvimento de todos os procedimentos associados às candidaturas e execução
de projetos financiados.
No que se refere aos protocolos de Rendimento Social de Inserção (RSI) verificámos que, apesar de
centralmente a Unidade de Intervenção Social (UIS) do instituto proceder ao controlo prévio com vista à
sua renovação, um dos CDist - Viana do Castelo - não verificou todas as condições nos termos propostos.
Constatámos a este propósito que as deduções de dívidas, no valor de 11,2 milhares de euros,
decorreram de acertos relativos aos encargos com pessoal. Destaca-se a delegação de Arcos de
Valdevez que efetuou uma rescisão contratual sem que houvesse lugar à substituição da trabalhadora e
respetiva comunicação ao CDist, conforme está protocolado. Esta situação foi detetada a posteriori, o
que originou pagamentos indevidos no valor de 9 798,16 euros, entretanto, recuperados.
Quanto ao Programa de Emergência Alimentar (PEA) cumpre referir que, muito embora se trate de um
programa cuja duração se encontrava delimitada no tempo, até dezembro de 2014, continuam a ser
renovados protocolos neste âmbito, atenta as carências dos beneficiários. Este programa tinha como
fonte de financiamento prevista o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAC) –
Medida 2, o que até ao momento não se concretizou.
De referir que o controlo de beneficiários do programa tem demonstrado várias limitações, ficando
sujeito, apenas em 2016, ao sistema de controlo de frequências aplicado às respostas sociais.
3.3. SGMDN – Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional
3.3.1. Resultados da Análise
34
Sítio da internet para entrega da informação contabilística exigida às IPSS e equiparadas.
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A SGMDN, nos anos de 2014 e 2015, surge como o 2.º concedente de subvenções à CVP, com 2 122,0
milhares euros e 1 712,0 milhares de euros, respetivamente, enquanto que, em 2013, ocupava o 3.º
lugar com 1 422,0 milhares de euros. Isto é, no triénio em apreço, a SGMDN pagou à CVP 5 256,0
milhares de euros. Veremos adiante que nem todos esses apoios financeiros podem ser qualificados
como subvenções.
O Plano da Ação da auditoria às subvenções/outros apoios públicos concedidos/pagos por esta SG à CVP
adotou uma metodologia em tudo idêntica à seguida para os pagamentos efetuados por outros
concedentes, isto é, apreciação do SCI, aqui se incluindo a gestão de riscos e a realização de testes
substantivos ao processo de empreitada levado a cabo com o financiamento/subvenção atribuída por
esta Secretaria-Geral.
Tendo em vista a preparação adequada da 1.ª reunião na SGMDN foi solicitado, o envio prévio da
informação seguinte:
a) Discriminação das subvenções (valores por contratos/acordos/protocolos/etc.) pagas por essa
Entidade à CVP nos anos 2013, 2014 e 2015.
b) O manual de procedimentos (ou documento equivalente) relativos à análise e decisão da
concessão, ou não, das subvenções, bem como ao acompanhamento e controlo e avaliação de
impacto.
c) Evidência da realização de tais procedimentos quanto aos processos a que se reportam os
pagamentos mencionados na alínea a).
d) Para além da descrição daqueles procedimentos/tarefas, requeremos que juntassem exemplos
dos documentos utilizados/produzidos em cada uma das fases do processo.
Tais diligências revelaram-se infrutíferas e preocupantes, dadas as insuficiências que resultaram: (i) da
apreciação efetuada à informação fornecida, inicialmente, pela SGMDN; (ii) das conclusões da reunião
com Secretário-Geral do MDN e da sua resposta escrita prestada por aquele dirigente e (iii) das dúvidas
quanto à questão maior: Qual a base legal para o MDN transferir para a CVP, anualmente, um dado
montante de recursos financeiros públicos que, desde a aprovação dos atuais Estatutos (2007), variaram
entre 2 122,0 milhares de euros e 1 422,0 milhares de euros?
E na hipótese daquela dúvida poder ser ultrapassada com uma explicação adequada, o que até ao
momento não aconteceu, careciam, também, de resposta as interrogações seguintes:
a) Porque razão são concedidos apoios públicos à CVP mesmo quando esta não cumpre as suas
obrigações para com o Estado, v.g. não sujeição das contas a homologação, ausência de
prestação de contas e de planos e orçamentos que justifiquem, respetivamente, a aplicação dos
apoios passados e dos solicitados para o futuro?
b) Qual a base legal, bem como com que expetativas de economia, eficiência e eficácia, na
perspetiva do interesse público subjacente, a SGMDN transferiu para a CVP 990,0 milhares de
euros para investir na construção e equipamento do Centro Social Militar de Ponta Delgada que
é propriedade do MDN?
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Ainda que uma tal demonstração pudesse ser feita, ficava por esclarecer a legalidade das duas
operações subjacentes, uma de 700,0 milhares de euros destinada a ser investida em obras, e
outra de 290,0 milhares de euros para equipamentos. No entanto, esta auditoria abrangeu uma
análise substantiva dos procedimentos subjacentes à obra/equipamentos, cuja análise consta
do Anexo 8.
De qualquer forma, podemos desde já inferir que as dotações que suportaram estes
pagamentos à CVP obrigaram a uma prévia alteração orçamental do orçamento corrente da
SGMDN, com fundamento de, eventualmente, se subverter ao cumprimento da lei, tanto mais
que estes encargos nem sequer estavam previstos nos OE de 2014 e 2015.
c) Tal circunstância pode configurar uma situação de fraude à lei, porquanto valendo-se desse
expediente, aparentemente lícito, pode ter-se alcançado um resultado não coincidente com
aquele que as normas imperativas (contornadas) do Código dos Contratos Públicos (CCP)
pretendem obstar. Na hipótese, a nosso ver remota, de existir base legal bastante para o MDN
efetuar as mencionadas transferências para a CVP, qual o verdadeiro fundamento do ato
(Despacho do Senhor SEDN) que concedeu àquela Instituição uma subvenção de 1 442,0
milhares de euros para o exercício de 2016?
Tudo indica que o ato que devia encontrar o primeiro fundamento na dotação inscrita
adequada, oportuna e fundamentadamente no OE 2016, foi proferido sem essa inscrição, ou
essa inscrição foi efetuada sem se conhecerem as necessidades da entidade destinatária do
apoio, com a agravante de esta ter a obrigação de cumprir previamente um conjunto de
obrigações e formalidades e isso não se ter verificado.
É que o processo orçamental de 2016 e aquele que culminou com prolação do antedito
despacho não de mostram compatíveis.
Tal como foi referido, oportunamente, neste processo, todas estas matérias foram submetidas à
consideração do Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional para que providencie a resposta de
todas elas à IGF, em nome do MDN.
3.4. IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional
3.4.1. Resultados da análise
A Missão do IEFP é promover a criação e a qualidade do emprego, através da execução de políticas
ativas de emprego e de formação profissional, cofinanciadas pelo FSE. No período em apreço as
medidas que prosseguiram aquela Missão foram cofinanciadas pelo POPH, que integrou o Quadro de
Referência Estratégica Nacional/QREN: Tipologia 5.4 – “Apoio à inserção de desempregados”, do Eixo 5
– “Apoio ao empreendedorismo e à transição para a vida ativa”.
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No âmbito do nosso trabalho, procedemos, inicialmente, à análise dos regulamentos35 para a atribuição
de apoios a cada uma das medidas subvencionadas e à análise no sistema informático central, do
percurso completo de cada processo, desde a apresentação, análise e aprovação das candidaturas, à
monitorização/acompanhamento da execução das medidas em vigor no biénio 2013-1436 e ao controlo
dos pagamentos aos seus destinatários. Porém, os procedimentos de controlo levados a cabo não
evidenciaram a realização de ações de acompanhamento e controlo no terreno.
Assim foram selecionados 11 processos, que abrangeram as 4 medidas seguintes com execução
financeira em 2013 e 2014:
a) Contratos de Emprego-Inserção - apoio a atividades socialmente úteis com duração de 12
meses, as quais não podem consistir na ocupação de postos de trabalho, destinado a pessoas
com deficiência e incapacidade, desempregados inscritos nos serviços de emprego, beneficiários
de subsídio de desemprego (CEI) ou do rendimento social de inserção (CEI+).
b) Estágios Emprego/EE e Estágios Inserção/EI – apoio ao desenvolvimento de experiência prática
em contexto de trabalho, com o objetivo de promover a inserção de jovens no mercado de
trabalho ou reconversão profissional de desempregados, inscritos nos serviços de emprego.
c) Medida Estímulo/ME – apoio financeiro às entidades empregadoras que celebrem contratos de
trabalho a tempo completo ou parcial, durante 6 meses, com desempregados inscritos nos
serviços de emprego, com obrigação de proporcionarem formação profissional aos
trabalhadores contratados.
d) Reembolso da Taxa Social Única/TU - apoio financeiro através do reembolso de uma
percentagem dessa taxa às entidades empregadoras que celebrem contratos de trabalho sem
termo (ctst) ou a termo certo (cttc), respetivamente, de 100% e de 75%, a tempo completo ou
parcial, destinados a jovens ou a adultos desempregados inscritos nos serviços de emprego.
Pelas razões já anteriormente referidas, nesta ação inspetiva, tomou-se por base o exercício de 2014,
com um total de pagamentos à CVP de 1 642,2 milhares de euros.
Por seu turno, esta última contabilizou, para o mesmo ano, valores de recebimentos diferentes (1 724,9
milhares de euros)37, repartidos por 85 estruturas locais executantes. Instado o interlocutor sobre a
diferença entre tais valores - em cerca de 83 m€ (+5%) - justificou com eventuais deslizamentos de
pagamentos, ainda de 2013. Porém, após uma circularização pedida às mesmas estruturas locais no
decurso desta auditoria e reportada ao de 2014, apenas 63 delas responderam, tendo o cômputo das
35
Aprovados pelo Despacho Normativo nº18/2010, de 29/jun. 36
As medidas – Programa Vida-Emprego e Gabinetes de Inserção Profissional/GIP ou Empresas de Inserção/Profissionalização -
não foram incluídas em sistema informático central, por motivos de insucesso ou de descontinuidade, mantendo-se os processos a nível local. 37
Idem nota pé de página 24.
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ajudas recebidas rondado os 672,0 milhares de euros. Tal situação, confirma as enormes dificuldades
que as estruturas locais da CVP têm em responder (em qualidade e atempadamente) sobre informação
elementar para a gestão e a prestação de contas.
Para a realização dos testes substantivos, solicitámos à CVP os suportes comprovantes da amostra de 31
processos, previamente selecionados, no valor global de 290,0 milhares de euros repartidos pelas
diversas estruturas locais da CVP e pagos pelo IEFP. E, nesse universo financeiro da CVP, constavam três
recebimentos (cerca de 216,0 milhares de euros38 - 75% da nossa amostra) respeitantes a “ações em
cooperação com outras entidades” constantes dum Acordo de Cooperação, assinado entre o IEFP e a
CVP em outubro de 2000, ainda vigente e que tem por objeto “apoiar técnica e financeiramente a
promoção, acompanhamento, avaliação e controlo de ações de formação profissional”.
Analisada a substância desses 3 recebimentos, constatámos que os mesmos resultam de imputação de
custos anuais da CVP, constantes de orçamentos-programas anuais no montante de 275,0 milhares de
euros. E, desses documentos, constam verbas de 5.165,00 euros (em 2013 e 2014), e de 12.132,00 euros
(em 2015), para pagamento de «Trabalhos especializados» que foram contratualizados à ORA (SROC a
que pertence o ROC que certifica as contas anuais da Instituição39) para acompanhamento do «Plano de
Formação» decorrentes do citado Acordo de Cooperação. De realçar que tais trabalhos limitaram-se
apenas a dois relatórios de auditoria em 2013, nas delegações do Porto e da Amadora.
Ora, e para além de se constatar que tais trabalhos se limitaram apenas a dois relatórios de auditoria em
2013, nas Delegações do Porto e da Amadora não se mostra curial, configurando mesmo uma conduta
ilegítima, que os “aludidos trabalhos especializados” tenham sido, através de um contrato distinto, mas
outorgado com a mesma entidade (CVP) cometidos à SROC Oliveira Rego & Associados que exerce a
certificação legal de contas desta mesma entidade, porquanto, desta forma, não se encontra assegurada
a transparência e a independência por que se devem nortear as funções de interesse público
desempenhadas pela referida SROC, tal como decorre, designadamente, dos artigos 41º, 49º, 61º e 71º
do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC)40.
De facto, a imparcialidade e a independência incluem-se no âmbito dos deveres fundamentais
intrínsecos ao exercício da profissão de ROC/SROC, quer ao nível das normas e princípios legais, (v.g.
artigos 61º e 71º do Estatuto da OROC), quer das regras éticas e da moral profissional, contidas no
respetivo Código de Ética da OROC, máxime, nos pontos 3.3.6. do Capítulo 3 e no Capítulo 4.
38
Os 3 pagamentos do IEFP à CVP: em 18/8/2014=€62.181,15; em 27/11/2014=€71.801,13 e em 31/12/2014=82.500,00 39
Tal situação, em termos deontológicos consagrados nos estatutos da Ordem dos ROC, parece não respeitar a independência do «fiscalizador» que, neste caso, também passou a ser parte interessada como um prestador de serviços à mesma entidade. 40
Diploma que aprova o Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e cujo enquadramento, relativamente às situações em apreço, reproduz, em termos genéricos, o regime a que tais profissionais se encontravam sujeitos nos termos do revogado Decreto-Lei nº 487/99, de 16 de novembro.
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Deste modo, a SROC Oliveira Rego & Associados, representada pelo revisor Dr. Oliveira Rego, que exerce
funções públicas de revisão/certificação legal de contas na CVP não podia acumular essas funções com
outras que possam diminuir a sua independência, integridade e objetividade, como sucede com as que
exerce, simultaneamente, naquela entidade, as quais são potenciadoras de conflito de interesses, donde
resulta, por força da alínea c) do n.º 3 do artigo 89º dos Estatutos da OROC, que o Dr. Oliveira Rego se
encontra numa eventual situação de incompatibilidade de funções.
Sendo que a ocorrência de tais factos poderá consubstanciar violação aos normativos legais constantes
do Estatuto da OROC, geradores de responsabilidade disciplinar, de acordo com o artigo 90º e seguintes
do antedito Estatuto, porquanto estão em causa condutas que configuram incumprimento dos deveres
a que alude o artigo 61º, v.g. de zelo e, com especial ênfase, de independência, v.g. artigo 71º, a que se
encontram adstritos- atentas as competências de interesse público em que os ROC/SROC se encontram
investidos no âmbito da certificação legal de contas.
Em conformidade, deverão tais factos ser participados à OROC41, a fim de que esta entidade proceda à
comunicação à Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) da antedita situação de potencial
conflito de interesses, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 148/2015, de 9 de
setembro, uma vez que a CVP é, cf n.º1 do artigo 3º dos Estatutos, “… é uma instituição humanitária
não governamental, de carácter voluntário e de interesse público, …”.
Isto, sem prejuízo de terem ficado por cumprir os compromissos assumidos contratualmente
relativamente ao “acompanhamento da formação” para os exercícios económicos de 2014 e 2015, não
obstante os honorários pagos, os quais deverão ser objeto de reposição.
No que respeita aos estágios profissionais subsidiados pelo IEFP, o Regulamento Específico, de 22 de
abril de 2016, dispõe nas alíneas a) e d) do ponto 13, intitulado «Acompanhamento, avaliação e
controlo» o seguinte:
a) Os estágios podem ser objeto de ações de acompanhamento, avaliação, controlo, auditoria ou
inspeção a efetuar pelo IEFP e por entidades nacionais e comunitárias competentes, bem como por
outros organismos e entidades por estas credenciadas para o efeito;
d) Ainda para efeitos de acompanhamento, o estagiário será inquirido online, sobre o cumprimento
do plano de estágio por parte da entidade promotora.”
As verificações efetuadas no âmbito desta medida não evidenciaram a realização de qualquer controlo
externo, designadamente, em cumprimento das alíneas a) e d) do ponto 13 supracitado.
41
Entidade à qual, nos termos da alínea b) do artigo 6º dos Estatutos da OROC foi cometida, designadamente, a supervisão pública dos ROC/SROC, máxime toda a atividade de auditoria desenvolvida pelos mesmos.
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3.5. INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica IP
3.5.1. Resultados da análise
O INEM está sediado em Lisboa e detém jurisdição sobre o território continental, através das suas
Delegações Regionais – Porto, Coimbra, Lisboa e Faro.
A sua missão consubstancia-se em definir, organizar, coordenar, participar e avaliar as atividades e o
funcionamento de um Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) de forma a garantir aos
sinistrados ou vítimas de doença súbita a pronta e adequada prestação de cuidados de saúde. Para o
efeito dispõe, como principais estruturas desconcentradas, centros de orientação de doentes urgentes
(CODU), aos quais compete a avaliação das vítimas, sua estabilização e transporte assistido para a
unidade hospitalar mais adequada, bem como o apoio psicológico de intervenção em crise.
No âmbito desta ação realizámos verificações nos serviços centrais do INEM, onde foi possível
acompanhar os trabalhos no CODU de Lisboa, uma vez que é a partir daí que se acionam os pedidos de
socorro, com origem na central telefónica da Polícia de Segurança Pública (PSP) da Região de Lisboa e
Vale do Tejo e a correspondente requisição de serviços móveis próprios (398 ambulâncias, 44 VMER e 5
helicópteros) ou de entidades terceiras, nomeadamente, a CVP, Ligas de Bombeiros, Autoridade
Nacional de Proteção Civil (ANPC) e ainda de particulares.
Em 2014 o INEM publicitou pagamentos à CVP num total de 945,4 milhares de euros e, com base num
processo-tipo de requisição de serviços pelo INEM à CVP, procedemos à seleção duma amostra de 38
pagamentos por serviços prestados por diversas estruturas locais, cujo valor totalizou 99,2 milhares de
euros (10,5%), para verificação na CVP.
Assim, para cada pagamento, foram analisados as principais peças que constituem os respetivos
processos, designadamente: (i) protocolos celebrados entre o INEM e cada estrutura local da CVP para
constituição de postos quer de reserva (RES) quer de emergência médica (PEM); (ii) os verbetes de
socorro/transporte, numerados e com indicação dos custos legalmente tabelados (para Kms ou prémios
de saída) e ordens/propostas de pagamentos por transferências bancárias, suportadas por listagens
mensais dos serviços requisitados/prestados.
Segundo informações dos dirigentes, o INEM está em fase de reestruturação dos seus quadros de
pessoal, necessitando de estabilizar as carreiras dos técnicos de ambulância e emergência (TAE) e dos
técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH) e, até à sua concretização, este tipo de “outsourcing” com
os parceiros atrás referidos tem sido a resposta mais adequada para responder à subcapacidade com
que atualmente se depara.
3.6. SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências
3.6.1. Resultados da análise
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O SICAD é um serviço central do Ministério da Saúde, integrado na administração direta do Estado,
dotado de autonomia administrativa e tem por missão a promoção da redução do consumo de
substâncias psicoativas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências.
O financiamento público concedido pelo SICAD destina-se à execução dos projetos que constituem os
programas de respostas integradas (PRI) para concretização do Plano Operacional de Respostas
Integradas (PORI).
No período em apreço o SICAD atribuiu 671,4 milhares de euros à CVP para a realização dos projetos
identificados no quadro infra:
Quadro 8 – Subvenções concedidas ao SICAD Unidade: Euro
Ano Aproximar Aproximar
ER 2013 Aproximar
+ Atitude
3G Despertar
Livre Escolha
Oficina Saber Ser
RIS Rua
direita Total
2013 68.704 68.704
2014 39.482 68.704 22.529 43.333 43.697 22.917 28.870 40.000 309.532
2015 31.021 68.388 36.667 40.056 32.666 25.000 22.684 36.667 293.148
Total 70.503 137.407 90.917 80.000 83.753 32.666 47.917 51.554 76.667 671.384
Fonte: SICAD
Este montante foi concedido a sete delegações da CVP, destacando-se a Delegação de Braga com a
execução de 3 projetos, cujo financiamento totalizou 308,3 milhares de euros.
O SICAD, enquanto entidade financiadora, acompanha e monitoriza os projetos através de estruturas de
proximidade, Unidades de Intervenção Local (UIL), atualmente sediadas nas ARS e sob coordenação da
Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (DICAD) de cada ARS.
Levantados os circuitos e procedimentos e apreciada a respetiva racionalidade, a convicção firmada é de
que a atribuição e pagamentos efetuados à CVP se pautaram pelos princípios de legalidade e
regularidade financeira.
Com efeito, na análise levada a cabo verificámos que o SICAD dispõe de procedimentos bem definidos,
no essencial, automatizados que suportam a decisão, acompanhamento e controlo dos apoios
financeiros concedidos.
Assim, considerámos que o SCI implementado pelo SICAD é adequado.
Esta circunstância parece garantir, em sentido positivo, a atuação da CVP enquanto entidade parceira
desta política pública. Ressalve-se, todavia, que não se realizaram testes substantivos, de acordo com as
opções tomadas na fase de planeamento deste trabalho, em função, designadamente, do resultado da
análise de risco e da materialidade associadas às subvenções geridas por cada um dos concedentes.
3.7. DGEstE – Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares
3.7.1. Resultados da análise
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Esta Direção-Geral é um dos organismos do Ministério da Educação (ME) responsável pela gestão de
controlo dos apoios financeiros ao ensino particular e cooperativo e, nessa qualidade, entre 2013/2015
efetuou pagamentos à CVP no valor de 740,8 milhares de euros.
De acordo com o previsto no Plano da Ação, as preocupações no presente trabalho cingiam-se a
verificações sumárias (na DGEstE e na CVP) com a profundidade e extensão que viessem a mostrar-se
adequadas.
Com tal perspetiva solicitámos a esta Direção -Geral a informação seguinte:
a) Discriminação das subvenções (valores por contratos/acordos/protocolos/etc.) pagas por essa
Entidade à CVP nos anos 2013, 2014 e 2015;
b) O manual de procedimentos (ou documento equivalente) relativos à análise e decisão da
concessão, ou não, das subvenções, bem como ao acompanhamento e controlo e avaliação de
impacto;.
c) Evidência da realização de tais procedimentos quanto aos processos a que se reportam os
pagamentos mencionados na alínea a);.
d) Para além da descrição daqueles procedimentos/tarefas, solicitámos que juntassem exemplos
dos documentos utilizados/produzidos em cada uma das fases do processo.
O nosso propósito, numa 1.ª fase, era caracterizar de modo sintético, mas suficientemente rigoroso, o
ambiente de gestão e controlo em que se inseriam as subvenções/pagamentos atribuídas à CVP e, de
acordo com as conclusões daí decorrentes, determinar as restantes verificações.
Não relevando as dificuldades em obter a informação, esta revelou-se de tal modo escassa e
inconsistente, que não podemos considerar, minimamente, respondida qualquer das anteditas
perguntas.
Face à fraca materialidade do apoio financeiro em causa, cfr. quadro infra, bem como a imensa
dificuldade da CVP em fornecer informação, mesmo a relativa às medidas mais importantes, não
aprofundámos a análise nesta sede.
Quadro 9 – Subvenções concedidas pela DGEstE Unidade: Euro
Finalidade / períodos 2013 2014 2015 Total
Contratos-Programa: Financiamento de cursos profissionais (2010/2013 a 2014/2017)
250.756 248.713 215.931 715.400
Ação Social Escolar 6.320 10.225 8.825 25.370
TOTAL 257.076 258.938 224.756 740.770
Fonte: DGEstE
Contudo, esta informação, associada àquela que a IGF já detém sobre alguns concedentes do mesmo
Ministério que também gerem subvenções integradas na mesma política pública – apoio ao ensino
particular e cooperativo – reveste-se da maior importância no quadro das responsabilidades de controlo
financeiro desta Inspeção-Geral, a que se dará continuidade.
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4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
4.1. RELATIVAS À ENTIDADE AUDITADA - CVP
4.1.1. Natureza jurídica e estatutos
C1. A CVP é uma pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública administrativa, sem fins
lucrativos, sendo ainda, uma instituição humanitária não governamental, de carácter voluntário e de
interesse público.
C2. Os Estatutos da CVP não contemplam uma adequada repartição dos poderes pelos quatro órgãos
fundamentais: presidente nacional (PN), direção nacional (DN), assembleia geral (AG) e conselho fiscal
(CF), verificando-se uma excessiva concentração de poderes no PN. Com efeito, o PN concentra poderes
excessivos e incompatíveis, de tal modo que tem a faculdade de nomear e destituir os membros da DN e
condicionar as decisões da AG, uma vez que esta é constituída pelos dirigentes que o próprio nomeia e
destituí, direta ou indiretamente.
C3. Nos termos do artigo 57.º dos seus Estatutos esta entidade é tutelada pelo Ministro da Defesa
Nacional, em particular, no que diz respeito à tutela inspetiva e ao poder/dever de homologar os
relatórios e contas anuais.
4.1.2. Modelo de governo
C.4. O modelo de governo não segue os melhores princípios comumente recomendados para este tipo
de organizações, nem os efeitos/impactos gerados têm sido aferidos por todos os interessadas atentos
(stakeholders). Isto é, o funcionamento deste modelo tão desadequado, tem gerados resultados muito
díspares daqueles que são produzidos pelas melhores práticas de gestão. Com efeito, não obtivemos
evidências de a CVP enquadrar a sua atividade numa gestão estratégica, dado que as “Orientações
Estratégicas” são afinal anuais e apresentadas tardiamente, como aconteceu com as de 2016 que só
foram aprovadas na Assembleia Geral de 19 de maio.
4.1.3. Estrutura organizacional
C.5 A estrutura organizacional da CVP - consagrada nos Estatutos e praticada – não obedece a um
verdadeiro modelo organizacional e de funcionamento dada a dispersão e heterogeneidade de práticas
adotadas por mais de centena e meia de estruturas locais, comprometendo a uniformidade de
atuações, com as inerentes delongas.
4.1.4. Organização contabilística
C.6. A CVP adota o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) para as Entidades do Setor Não
Lucrativo (ESNL). Realmente, a contabilidade é de tal modo espartilhada ao nível das 164 EL, executada
parcelarmente por contabilistas certificados (CC) em regime de outsourcing sem uniformidade das
aplicações informáticas, o que torna o processo de integração central extremamente complexo e
moroso;
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C.7. Anualmente, para o encerramento das contas, são “exportados” para a sede os registos
contabilísticos de cada EL, consideradas de per si como «centro de resultados», a fim de serem
agregados no balancete analítico central e “Quando existem diferenças de agregação procede-se à
correção da situação liquida.”. Todavia, não foi esclarecido o efeito que este «modo expedito de acertar
as contas» pode ter no nível de fiabilidade das DF globais da CVP.
C.8. A completa desadequação deste modelo está bem patente: (i) na dificuldade em responder a
qualquer pedido sobre dados contabilísticos e financeiros de toda a CVP; (ii) no sistemático atraso na
aprovação das contas; (iii) no facto de, ao fim de vários anos de aplicação do sistema de normalização
de contabilidade oficial, serem produzidas umas contas que na opinião da equipa de auditoria, não
reúnem os requisitos necessários para serem aprovadas.
4.1.5. Recursos financeiros e gestão financeira
C.9. Em 2016 a CVP contabilizou 61 159,5 milhares de euros de Rendimentos de cuja relevação
contabilística se destaca: (i) 49 036,2 milhares de euros (80,2%) como prestações de serviços; (ii) 6 489,6
milhares de euros (10,6%) como subsídios, doações e legados à exploração; (iii) 4 733,6 milhares de
euros (7,7%) como outros rendimentos e ganhos. Estas três rubricas perfazem 98,5% dos rendimentos
do ano em apreço.
Como atrás referido, o reconhecimento da grande maioria dos rendimentos não respeita o sistema de
normalização contabilística aplicável. A título de exemplo refira-se que dos cerca de21 615,4 milhares de
euros recebidos apenas a pequena parcela que se refere ao INEM (945,4 milhares de euros recebidos
em 2014) reveste a natureza de prestação de serviços.
Esta conduta, para além do incumprimento contabilístico, traduz-se na falta de transparência e
prestação de contas, pois oculta o verdadeiro fim a que se destinam os apoios financeiros recebidos do
Estado.
4.1.6. Recursos humanos e materiais
C.10. A CVP conta com cerca de 8 400 colaboradores, sendo 1 900 trabalhadores contratados, onde se
incluem os estagiários subsidiados pelo IEFP, e 6 500 em regime de voluntariado.
C.11. No âmbito dos recursos materiais destaca-se o facto de a CVP possuir 515 ambulâncias, de três
tipos diferentes que, excluindo o transporte de doentes em situações de emergência no âmbito do SNS
e/ou INEM, têm uma função comercial como em qualquer outro operador de transportes doentes.
4.1.7. Aprovação, relato e prestação de contas
C.12. Pese embora o papel que hoje é conferido ao relato e aprovação de contas em tempo oportuno,
como manifestação de boa gestão, de accountabaility e de transparência, a CVP aprovou os documentos
de prestação de contas dos exercícios de 2013 e de 2014 respetivamente em 29/01/2015 e em
19/05/2016 e as contas de 2015 ainda nem sequer foram fechadas.
C.13. Todos os documentos de prestação de contas carecem de homologação pelo Senhor Ministro da
Defesa Nacional, sendo que as que respeitam ao exercício de 2014 não reúnem os requisitos mínimos
para serem submetidos a apreciação ministerial, conclusão que extraímos: (i) a partir da incapacidade
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de responder a qualquer tipo de informação de natureza contabilística de 2014 tempestiva e fiável; (ii)
das insuficiências da CLC; (iii) e as deficiências do relatório de revisão da ORA-SROC.
C.14. Como corolário lógico da conclusão anterior impõe-se que o processo de revisão e certificação
das contas da CVP de 2014 seja sujeito ao controlo de qualidade pela entidade competente (CMVM para
as certificações de contas de entidades de interesse público), uma vez que é no trabalho do ROC, e da
SROC a que o mesmo pertence, que se avalia a confiança quanto à fiabilidade das contas do ano sob
análise.
C.15. Os relatórios descrevem pormenorizadamente as atividades – sem qualquer preocupação de
avaliar o desempenho – e, em consonância com a deficiente relevação contabilística da maioria dos
rendimentos, omitem qualquer referência significativa aos volumosos apoios financeiros que recebe do
Estado.
C.16. Contrariamente ao que seria normal e espectável, até pelo disposto no n.º 5 do artigo 63.º da
Constituição da República Portuguesa (Segurança social e solidariedade), não se compreende a razão da
CVP não prestar contas a nenhuma entidade externa. Ao agir deste modo incumpre, designadamente:
a) O previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro42, que
aprovou o estatuto das pessoas coletivas de utilidade pública (PCUP), que exige o envio anual à
Presidência do Conselho de Ministros, dos relatórios e contas no prazo de seis meses após a
respetiva aprovação;
b) O preceituado no n.º 3 do artigo2º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas
(LOPTC)43, conjugado com a alínea d) do nº2 do artigo 51º, porquanto não presta contas ao
Tribunal de Contas e
c) Os normativos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), em
especial, os artigos n.º 120 e 121º, uma vez que não tem apresentado à Autoridade Tributária
(AT) as declarações fiscais, Modelo 22 e Informação Empresarial Simplificada (IES).
C.17. A CVP, na qualidade de ESNL está sujeita à respetiva normalização contabilística, pelo que ao
não apresentar as contas de 2015, incumpre o estatuído no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 36-
A/2011, de 9 de março44, cometendo uma infração punida com coima entre € 500,00 a € 15.000,00,
cuja aplicação compete ao presidente da Comissão de Normalização Contabilística (CNC), nos termos
do artigo 19º do mesmo diploma.
4.1.8. Recomendações
Em conformidade com as conclusões anteriores, recomendamos:
42
Com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro 43
Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações insertas até à Lei n.º20/2015, de 09 de Março. 44
Vigente à data dos factos. Saliente-se, no entanto, que este diploma foi alterado pelo Decreto-lei n.º98/2015, de 2 de junho, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2016.
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R.1 Ao Senhor Presidente Nacional que providencie uma reforma orgânica estrutural, através do
emagrecimento (downsizing) das EL, da contratação de recursos humanos para as respetivas áreas
funcionais a reportarem à Direção Nacional, ficando as operações no âmbito da missão social,
emergência e socorrismo, na sua maioria, cometidas ao voluntariado;
R.2 À Direção Nacional que, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 17.º dos Estatutos, envie ao
Senhor Ministro da Defesa Nacional, para homologação, o relatório e contas anuais individuais de 2014,
logo que as mesmas sejam consideradas fiáveis;
R.3. À Direção Nacional que remeta ao Tribunal de Contas (TdC) e à da Presidência do Conselho de
Ministros (PCM) o relatório e contas individuais de 2014, no prazo de 30 dias após o ato de
homologação;
R.4 Ao Senhor Presidente Nacional e à Direção Nacional que providenciem no sentido das contas
anuais da CVP serem aprovados nos prazos legais: as individuais até 31 de março do ano seguinte a que
respeitam e as consolidadas até 31 de maio do mesmo ano;
R.5. À Direção Nacional que submeta a homologação do Senhor Ministro da Defesa Nacional os
relatórios e contas, individuais e consolidados, até 30 de junho do ano seguinte a que respeitam;
R.6. À Direção Nacional que, a partir do exercício de 2015, envie à PCM as contas individuais até 30
dias após a data da homologação e as contas individuais e consolidadas ao TdC no mesmo prazo;
R.7 Ao Senhor Presidente Nacional e à Direção Nacional que garantam a aprovação e homologação
das contas do exercício de 2016 nos prazos referidos em R.4;
R.8. Recomenda-se à CVP que remeta à IGF a prova necessária e suficiente de que a recuperação
efetuada pelo IEFP foi, efetivamente suportada pela «ORA, SROC». Esta comprovação deve ser efetuada
no prazo de 15 dias após o reembolso efetuado àquele Instituto.
4.2. RELATIVAS ÀS ENTIDADES CONCEDENTES
4.2.1. ISS
a) Conclusões
C.1. Em resultado dos testes de conformidade e substantivos efetuados foi possível concluir que, não
obstante o Instituto ter procedimentos instituídos e em aplicação, para a concessão, acompanhamento
e controlo das subvenções atribuídas à CVP, alguns carecem de uma melhor consolidação junto dos
centros distritais.
C.2. Destacam-se as limitações do sistema de controlo de frequências de utentes, uma vez que
potenciam pagamentos indevidos no âmbito dos acordos de cooperação, bem como o incumprimento,
por parte da CVP quanto à submissão das contas à Segurança Social relativas aos exercícios de 2011 a
2015, sob pena de suspensão de pagamentos do ISS.
b) Recomendações
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R.1. Dada a gravidade desta conduta, recomendamos ao ISS que determine um prazo mínimo para
que a CVP (entidade equiparada a IPSS) regularize as situações em atraso, de harmonia com a
Deliberação n.º 57/2012, de 20 de setembro do Conselho Diretivo do ISS.
R.2. De igual modo deve, no prazo de 60 dias contados a partir da receção destas recomendações,
exigir à CVP que supra, com a maior brevidade, a falta de informação a partir de 2014, enquanto a CVP
não se mostre capaz de aprovar as contas anuais no prazo legal.
R.2. Recomendamos, ainda, ao ISS que os protocolos RSI sejam objeto de acompanhamento regular
quanto ao cumprimento da adequação do mapa de pessoal e respetivo financiamento e do número
protocolado de agregados familiares em acompanhamento, tendo em vista garantir a legalidade e
eficácia dos pagamentos efetuados.
4.2.2. SGMDN
C.1. No âmbito das obras/investimentos no Centro Social Militar de Ponta Delgada, a cargo da CVP,
com dotações orçamentais da SGMDN, detetaram-se factos cuja natureza e complexidade necessita de
cabal esclarecimento, por eventualmente defraudarem a lei que rege a contratação pública. Neste
contexto, consideramos que se justifica que a IGF realize uma auditoria autónoma, atento desde logo o
interesse público em presença.
4.2.3. IEFP
a) Conclusões
C.1. Do que foi dado observar no IEFP e tendo em conta o volume de candidaturas e o timing para
atribuição de cada apoio, é nossa convicção de que os sistemas de controlo interno (SCI) instituídos
neste organismo, quanto às subvenções atribuídas à CVP, são adequados e decorrem ajustadamente
dos regulamentos e normas de procedimentos, o que proporciona uniformidade e consistência nas
análises por parte dos técnicos responsáveis deste Instituto. Registe-se, no entanto, que não emergiram
evidências de acompanhamento e controlo junto da CVP.
C.2. A SROC Oliveira Rego & Associados, nos exercícios de 2014 e de 2015, recebeu indevidamente
17.297,00 euros relativos à celebração de um contrato de prestação de serviços para o controlo do
«plano de formação», para além do respeitante à certificação legal de contas, matéria que, para além de
suscitar uma questão de conflito de interesses, não evidenciou a elaboração de qualquer trabalho
contratualizado no âmbito do antedito contrato de prestação de serviços.
b) Recomendações
R.1. Anualmente aprove e execute um plano de acompanhamento e controlo externos dos apoios
concedidos.
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R.2. Proceda à recuperação das quantias pagas pela CVP à SROC Oliveira Rego & Associados, nos
exercícios de 2014 e de 2015, respetivamente, de 5.165,00 euros e de 12.132,00 euros;
R.3. Reaprecie o teor do antedito «Acordo de Cooperação», tendo em vista apurar a necessidade da
sua atualização ou revogação.
4.2.4. INEM
a) Conclusões
C.1. É nossa convicção de que os valores recebidos pela CVP, assumem a verdadeira natureza de
proveitos por prestação de serviços ao INEM. Com efeito, este Organismo, perante a falta de meios com
que se depara, tem necessidade de proceder, a todo o tempo, à requisição externa de transporte em
ambulâncias, no socorro a doentes.
C.2. Dos testes de conformidade levados a cabo nesta auditoria, foi possível concluir que a CVP
acautelou os procedimentos legais e processuais e não se detetaram quaisquer irregularidades
financeiras. Somos, aliás, de opinião de que este tipo de cooperação entre o INEM e a CVP tem tido um
desempenho eficiente e eficaz, logo da maior utilidade para as populações locais em situação de
socorro/emergência médica.
b) Recomendações
R.2. Recomendamos ao INEM que deixe de reportar à IGF os pagamentos efetuados à CVP pela
prestação dos anteditos serviços, uma vez que se trata de uma pura prestação de serviços.
R.2. Igual procedimento deve ser adotado em relação aos pagamentos de igual natureza e pelos
mesmos motivos efetuados à Liga de Bombeiros e à ANPC e outras entidades, caso existam.
4.2.5. SICAD
C.1. Em resultado das verificações documentais que efetuámos não emergiram situações suscetíveis
de colocar em causa a legalidade e regularidade dos apoios atribuídos, sem que, no entanto, estejamos
em condições de nos pronunciar sobre a eficiência, a eficácia e efeitos (impacto) associados a esta
despesa pública.
4.2.6. DGEstE
C.1. Considerando que a informação que nos foi disponibilizada se revelou escassa e inconsistente,
exige que sejam efetuados exames adicionais eventualmente no âmbito de uma auditoria futura.
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5. PROPOSTAS
5.1. Propostas às tutelas da IGF e da CVP
Tendo em conta as conclusões extraídas quanto aos estatutos, modelo de governo da CVP, bem como as
fragilidades identificadas quanto à certificação legal de contas que põe em causa a aprovação das contas
de 2014, propomos que:
5.1.1. Os estatutos da CVP sejam alterados, podendo tomar-se como exemplo o proposto no Anexo 9
que faz parte integrante deste relatório;
5.1.2. Seja solicitado à CMVM um controlo de qualidade extraordinário ao processo de
revisão/certificação legal de contas, do exercício económico de 2014 da CVP, com caráter de urgência,
devendo aquela Comissão transmitir à IGF, no prazo de 60 dias após solicitação referida, as conclusões
obtidas;
5.1.3. Seja participado à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), a fim de avaliar um contrato
adicional de prestação de serviços celebrado entre a CVP e a SROC «Oliveira Rego & Associados»
(representada pelo Dr. Oliveira Rego) à margem do contrato da certificação legal de contas porquanto,
em nossa opinião, este Revisor encontra-se em situação de conflito de interesses por violação do
princípio de independência e
5.1.4. Se proceda à participação: (i) à CNC, o facto de a CVP não prestar contas a nenhuma entidade, o
que configura uma infração passível de coima ao abrigo do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 36-
A/2011, de 9 de março; (ii) à Autoridade Tributária por violação dos artigos 120.º e 121.º do CIRC.
5.2. Propostas de encaminhamento
Considerando tudo quanto precede, propomos que o/do presente relatório seja:
5.2.1. Submetido à consideração do Senhor Secretário de Estado do Orçamento e, em caso de
concordância, ao Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional, com sugestão de posterior
encaminhamento para o Senhor Presidente Nacional da Cruz Vermelha Portuguesa;
5.2.2. Remetido, na sequência da decisão do Senhor Secretário de Estado do Orçamento, ao Senhor
Presidente do Tribunal de Contas e a S.Exª a Senhora Ministra da Presidência e da Modernização
Administrativa, para os efeitos que tiverem por convenientes e
5.2.3. Enviado às entidades concedentes - ISS, SGMDN, IEFP, INEM, SICAD e DGEstE – o respetivo
subponto do ponto 3.
O presente trabalho foi realizado pelas Inspetoras M. Fátima P. Paulo Duarte e Terezinha Franco Cabrita,
sob a coordenação da Chefe de Equipa Rita M. Pereira da Silva que o subscrevem.
À consideração superior.
Auditoria de conformidade e financeira às subvenções/apoios públicos e
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Auditoria de conformidade e financeira às subvenções/apoios públicos e
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LISTA DE ANEXOS
Anexo 1
Anexo 2
Anexo 3
Auditoria baseada em riscos
Análises das respostas recebidas, em sede de «Contraditório»
Certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial
Anexo 4
Anexo 5
Anexo 6
Anexo 7
Anexo 8
Anexo 9
Estatutos CVP – Órgãos nacionais e respetivos poderes
Organograma atual da CVP
Relatório Anual do ROC - Sistema de Controlo Interno (3.4) e abordagem de auditoria
Síntese dos relatórios de atividades de 2013 e 2014
Obras/Investimento no Centro Social Militar de Ponta Delgada
Proposta de alteração dos Estatutos da CVP