expressoes_06

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  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    1/39

    EXPRESSES!

    ..

    TNT

    Arte E Violncia

    Contra A Civilizao

    Um Encontro

    Com Deus

    Cisnes, Morcegos

    E A Integridade

    Uma Montagem Vale Mais

    Que Mil Palavras

    Mais que dizer - transmitir.

    Ed. 06

    10 DICAS PARA

    EXPLODIR A BOLHADA SUPERPROTEO

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    2/39dez 2011 | 02

    EDITOR:

    Jos Danilo Rangel

    CO-EDITORES:

    Vanessa Galvo

    Rafael de Andrade

    COLABORADORES:

    Ulisses Machado - Texto

    Ricardo de Moraes - Texto

    Pequena incendiriae x p e d i e n t e

    ..

    TNT

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    3/39dez 2011 | 03

    NDICE

    Prembulo..................................................................04Um encontro com Deus...................................................................06Por uma educao contra o senhor de almas........................14Cisnes, Morcegos e a Integridade............................................16Arte e violncia contra a civilizao.............................................1910 dicas para explodir a bolha da superproteo..............................29Uma montagem vale mais que mil palavras...........................33Um poeta em quatro verbos...........................................36

    O poeta e a hidra........................................................................37Do leitor................................................................................................38Ao leitor...............................................................................39 N m e r o

    A n t e r i o r

    UmEncontro

    ComDeus

    UlisssesMach

    ado 06ArteeV

    iolncia

    ContraaCivili

    zao

    RafaeldeAnd

    radeeRicardo

    deMoraes 19

    10dicaspara

    Explodir

    aBolhadaSup

    erproteo

    VanessaGalv

    o 29

    http://expressoespvh.blogspot.com/2011/12/expressoes-n-5-edicao-atual.html
  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    4/39dez 2011 | 04

    PREMBULO................................

    Nossos ns nem sempre so estabelecidos por ns, resultado da vidanuma sociedade oraganizada de tal maneira e deensora de certos valores,apesar de desvalorizados, a maioria das nossas aes se direcionam paralonge do que pretendemos e, ao que parece, tudo o que podemos azer,

    acatar ou rejeitar os ns, os objetivos que as circunstncias determinampara ns. Isso no verdade. Podemos, sim, determinar nossos prpriosns. Mas determin-los gera um grande problema: determinandoos ns, seremos capazes de desenvolver os meios de alcan-los? E aresposta para isso no se pode alcanar seno atravs da tentativa e dapersistncia.

    Meios e ns so questes relevantes quando pensamos em dar umsentido nossa existncia, eu quero isso, eu ao assim, eu busco por esseou aquele motivo. Comeos entretanto que so realmente importantes.Determinar um objetivo a que perseguir e correr atrs dos meios dealcan-lo exige criatividade, inteligncia, tenacidade, mas comear abusca - este sim um sinal de grande coragem, pois o primeiro passopara ora da massa e para a assuno de si.

    Este nmero comea com um conto de Ulisses Machado, UmEncontro Com Deus, a histria antstica de um cara que encontroucom o Divino e aproveitou o momento para um bate-papo. Raael deAndrade, sempre veemente e com palavras ortes, retoma o tema daeducao e questiona educadores e educandos em sua crnica Por UmaEducao Contra o Senhor de Almas, mais adiante, numa parceria comRicardo de Moraes, nos apresenta Arte e Violncia Contra a Civilizao,onde a dupla roga pelo m da arte como qualquer coisa de qualquer

    orma e arma pontos a respeito de suas concepes artsticas. Nodecodicando, escrevi sobre dois tipos de moral, usando para isso NinaSayers, personagem do lme Cisne Negro, e Batman; no extra, discorrium pouco sobre as montagens que tanto vejo no acebook. Por m,temos Vanessa Galvo, nas dez dicas, alando sobre superproteo esugerindo maneiras de a superar.

    Espero que goste, pois, estamos tentando caminhar e, tambm,oerecer caminhos.

    Porto Velho - Dezembro de 2011

    Jos Danilo Rangel

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    5/39dez 2011 | 05

    p a r c e i r o s :

    No ruim descobrir que suas respostas esto erradas e

    comear a fazer as perguntas certas.

    do flme Thor

    Para acessar s clicar sobre a imagem.

    http://dosedeatmosfera.blogspot.com/http://douglasdiogenes.blogspot.com/
  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    6/39dez 2011 | 06

    Oque vou contar aqui no brincadeira, nemtampouco sonho ou loucura e, tirandouma vertigem ou outra que sempre existe emqualquer realidade, completamente isento de distrbios

    psicolgicos ou qualquer coisa parecida. No tenho, nem

    nunca tive, e se Deus me permitir nunca terei a torpe

    pretenso de ser um messias, um enviado, um iluminadoou outra espcie de escolhido ou charlato. Tambm

    nunca ui dado ao espiritismo, embora alguns espritos me

    visitem, como a personagem de Tolsti, Ana Karenina, o

    gato de Poe e o desenvolvimento sustentvel da Amaznia.

    Vamos ao que interessa. Cheguei em casa tarde,

    mais do que costumo, e at quei com medo de minha

    mulher encher o saco. S depois que acendi a luz lembrei

    que no tinha mais mulher. Ela me abandonou. Quando oi

    embora me disse que estava abandonando minha lngua, e

    no eu propriamente dito. Dizia que eu alava demais e quepor muito tempo cara entre amputar minha lngua ou se

    amputar de mim. Acabou por tomar esta ltima deciso.

    As mulheres sempre tomam as decises mais drsticas.

    Sempre vivi muito em crise, em crise com tudo. Bebia

    muito, umava, chorava, ia pro hospital com presso baixa,

    com depresso; e o suicdio nunca sorriu pra mim, acho

    que por pura inpcia minha. Bem, mas voltando ao assunto,

    cheguei em casa, era j meia noite e meia, tinha sado do

    trabalho s cinco e meia, como sempre e desde que minha

    mulher me abandonou sempre ia direto para casa; j azia

    quase dois meses. Entreguei os ltimos relatrios ao chee,cara de mochila. Sempre tive a impresso de que ele tinha

    eito cirurgia plstica, s que o mdico havia esquecido de

    tirar os pontos, a gordura, e quando ele alava eu pensava

    que o cirurgio tinha esquecido tambm os bisturis. Tive

    pena do meu chee nesse dia. Nos outros eu s tinha sentido

    repulsa. Acho que esse novo sentimento oi um preldio do

    que estava para acontecer.

    Nunca ui muito religioso, ia Igreja, gostava, e

    ainda gosto, do nazareno que evaporou o prprio corpo,

    adoro a me dele que no me dele, Maria, cndida,cndida. Nunca ui muito dado a Deus. Sempre O achei

    muito distante, misterioso e urioso, mas O respeitava.

    Tambm no tinha aquele sentimento de proximidade que

    algumas pessoas querem que a gente tenha, ou querem que

    Conto

    Umencontrocom DeusUlisses Machado

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    7/39dez 2011 | 07

    a gente acredite que elas tm. Minha mulher era evanglica,

    no muito praticante, mas era. E eu adorava as saias dela.

    No que ela usasse muito, mas quando usava, eu tambm

    usava. Sai do trabalho, cinco e meia, como j disse, tentei

    beber alguma coisa no bar, sentei, mas quando ia pedir me

    bateu um desespero que em outros tempos me aria beber

    mais ainda. No. Entrei no carro e ui rodar. Rodei umas

    duas horas, ou mais. E numa daquelas ruas que voc nosabe se vem, se vai, ou se ca todo mundo parado, atropelei

    um gato. Para minha sorte, o bichano no era preto, mas

    cou esmagadinho. Isso me comoveu. No que eu goste

    de gatos ou de qualquer outro animal. O caso que eu j

    estava estranho, desesperado, sei l se saudades de minha

    mulher, ou se esse vazio natural que foresce mesmo nos

    espritos mais cheios e elevados. Me deu vontade de ir

    Igreja e eu ui. Eram nove e meia da noite. Hora de culto,

    em uma igreja pobre e eia, ali mesmo naquela rua com

    o cadver do elino no meio, e meu carro sujo de sangue.O culto, que alava em descarregar no sei o qu, no sei

    onde, provocou em mim um sentimento ainda maior de

    desespero. A reunio terminou dez horas. Minha vontade

    de orar tambm. Sa dali e rodei mais uma hora e meia,

    ou mais. Tentei beber mais uma vez, perto de minha

    casa, em um bar, num banco que at ala comigo, de to

    meu conhecido. E como os assentos nos conhecem! Sem

    sucesso. Eu me sentia limpo de mais para o lcool; e meu

    vazio no era aquele que pedia a embriaguez, era outro,

    mais vazio, e por isso mais completo. Pedia a lucidez. Fuipara casa. Casa que nunca mais seria a mesma.

    Um homem quando est em casa mais homem,

    mais dono de si. Tive um certo alvio ao cruzar o ptio,

    abrir o porto, pensar que ia deitar ao lado de minha amada

    e dormir, seno o sono dos justos, pelo menos o dos que s

    oram condenados em primeira instncia. Abri a porta, e,

    como j oi dito, acendi a luz, e a luz me mostrou o que eu

    tinha esquecido, ou melhor, o que eu queria esquecer: que

    a dona de minhas cores tinha partido, que aquela por quem

    eu viveria, sempre lembrando que morrer por algum cil, dicil viver, essa mulher que me abriu o cho e me

    deu asas, tinha me abandonado, sem me devolver o solo. O

    sentimento estranho se enterrou mais ainda em mim. Sentei

    absortamente no so umando um cigarro, esta maravilha

    to mal alada e querida quanto as putas. No vou dizer

    que choveu porque seria mentira. O ato , no entanto, que

    no oi necessrio, mas oi como se o cu tivesse cado. Por

    uma rao de segundos, que at agora no sei se oi s

    em minha cabea, ou se realmente aconteceu, o mundo

    pareceu explodir e se reconstruir umas mil vezes, comono pensamento. L ora houve estrondos, acho que de um

    acidente de carro, dois estouros, a lembrarem tiros, gritos

    de mulheres e crianas, msicas vrias e inidenticveis.

    Depois disso uma calmaria que no durou at o m do

    meu cigarro. Mas a oi minha mente que ez o trabalho.

    Disso eu tenho quase certeza. Vozes, as mais variadas,

    gritando, pedindo socorro, gente se pisando, se aogando,

    beijos de cinema, amor, sexo, suplcio, guerras antigas e

    modernas, escndalos, corrupo, boicotes, embargos,

    traies, revoltas, rebelies, mendigos, rio, misria,

    riqueza, esplendor em todas as partes do mundo, todosos acontecimentos, em todos os lugares, de repente, em

    segundos, eu vi tudo isso e muito mais que no sei dizer.

    Apenas sei que eu soube de tudo, ali, naquela hora eu sabia

    de todos os segredos do mundo; desde o mais srio que

    mudaria o rumo do pas mais importante do planeta at a

    nota baixa de um menino que no queria que me soubesse,

    passando pelo desalque milionrio de uma nanceira

    que acarretaria a demisso de vrios empregados e pelo

    rompimento de um namoro ctcio entre atores amosos.

    Repito, tudo em questo de segundos. Fiquei to aturdidoque apaguei a luz, echei os olhos e tentei dormir. Tal como

    aconteceu com a primeira anestesia, a bebida, esta tambm

    alhou. A vida estava ali, com toda sua bela e horrorosa

    realidade. No havia uga, nunca h uga.

    A luz se acendeu de repente, sozinha. E diante

    de mim quem estava? No, no era minha mulher, embora

    eu quisesse isso, e ainda agora eu queria que tivesse sido

    ela. Mas querer s poder quando voc pode primeiro

    e quer depois. Era o gato. Ele mesmo, o gato que eu

    tinha atropelado. No! No era parecido, nem irmo,nem nada, era o mesminho. A porta estava trancada,

    as janelas tambm, eu achava isso pelo menos e depois

    me certiquei, estavam mesmo echadas. Fiquei aquele

    tempo parado, como qualquer pessoa quando se depara

    com o inusitado. Qualquer pessoa racional, claro. E eu

    sempre ui muito racional, materialista. So Tom. E nem

    um pouco propenso a crer em histrias extraordinrias.

    Esreguei os olhos, ele continuou l, ora me olhando,

    ora olhando em volta, ora srio, ora desdenhando, e at

    enadado, mas no o puro e simples tdio que peculiaraos gatos, o tdio que se via nele era meio humano, tdio de

    mestre esperando uma resposta bvia do aluno sabicho.

    O caso que a pergunta nem havia sido eita. Balancei a

    cabea, ele continuava l. Levantei, ui ao banheiro, lavei

    o rosto e voltei, tinha sumido, sentei, aliviado e pensando

    que tinha sido apenas uma vertigem boba. Sentei em cima

    dele. Pensem em um gelo, pois , mais gelado ainda. Nunca

    havia cado, e at hoje nunca quei to medroso quanto

    naquele instante. Foi um gelo e um silncio antrticos. O

    absurdo do que estava acontecendo tinha sado do campo visual, mais vulnervel a ludbrios e entrado no campo

    sensorial. Eu senti a aberrao. Dei um salto e ui parar na

    porta da cozinha. Dei tambm um grito, seco, seco como

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    8/39dez 2011 | 08

    telhado em tempo de seca. Quando, porm, eu pensei em,

    ou pegar o dito, ou ir ao quarto e dormir, ele alou:

    - No se assuste.

    Volto a dizer, no estou, nem estava louco. Tive

    tanta lucidez na hora que me lembrei que se diz que para

    saber se algum louco s dar dinheiro a ele. Se rasgar

    porque t variando. Tirei duas notas de cinquenta do bolso,

    no me deu a mnima vontade de trucid-las.- Guarde-as, so inteis. disse o elino enquanto

    eu azia meu teste psiquitrico. E continuou: - E voc no

    est louco, nem variando, e nem est drogado, embora

    devesse, porque as drogas oram eitas para serem usadas,

    com moderao, mas devem ser usadas. Tudo tem um

    propsito.

    Resolvi entrar na brincadeira pra ver onde ia

    dar. Mesmo que eu estivesse louco o que ia adiantar lutar

    contra?

    - Desculpe por ter passado por cima de voc.

    Essas ruas sem sinalizao, voc devia olhar mais por onde

    anda...

    - No se preocupe com isso. Os gatos so os

    donos do mundo. Eu z este para dar queles. Os gatos

    preerem ser atropelados a terem que olhar e esperar paraatravessarem uma rua. Sua dignidade elevada e seu valor

    innitamente superior ao humano no os deixam aceitar

    as regras da estpida associao a que vocs chamam,

    pretensiosamente, de civilizao.

    - Ento voc ressuscitou e veio aqui me dizer

    alguma coisa? O que houve?

    Ele soltou uma copiosa gargalhada e disse: - No

    meu caro, no sou o gato que voc atropelou, s estava um

    pouco entediado e resolvi dar uma volta por estas zonas.

    Continuam a mesma coisa. De quebra resolvi te assustarum pouco. Porm voc est entrando na brincadeira.

    Assustar becios me d pequenos prazeres. Uma boa

    conversa conere um prazer muito maior. Eu sempre ao

    isso, muito mesmo. Venho em vrias ormas. s vezes, at

    venho na carcaa de algum humano que morreu h tempos

    ou recentemente. Da, perturbo os amiliares do cara. Na

    maioria das vezes eu venho na orma de animais mesmo.

    A minha primeira apario oi em orma de cobra. Deu

    uma conuso. Algumas pessoas que conversam comigo,

    ou apenas me vem saem doidas, alando coisas; umas se

    dizem enviadas, e, embora eu s tenha trocado duas outrs palavras com elas, j se acham privilegiadas, enviadas,

    iluminadas e saem pregando em meu nome. E o pior que

    acabam pregando outras coisas alm de palavras. Alguns

    constroem templos enormes, nas mais variadas ormas, em

    meu nome, provocam guerras por discordarem uns com os

    outros quanto a mim. claro que a orma com que apareo

    diere. Na Europa no tem eleante, ento quando eu quero

    aparecer nesse continente impossvel que seja na orma

    de eleante. Eu no vou pegar um bicho daquele tamanho

    e levar pra l s pra satisazer as pretenses absolutistas,ascistas ou monotestas de meia dzia de lunticos. Da

    que s apareo assim na rica e na sia. Alguns dizem

    que me viram somente na orma de uma luz muito orte.

    No . O que acontece que eu ui e assustei tanto o

    incrdulo, perturbei tanto ele que depois que ui embora

    o pobre se embebedou e cou olhado pro sol. Acabou por

    se perturbar mesmo. So poucos os iguais a voc meu caro.

    Como vai a tua vida?

    - Ento voc ...? completamente aturdido e

    conuso, como de se suspeitar eu ensaiei esta pergunta,que ele no me deixou acabar.

    - Voc, com medo de dizer uma palavra que no

    signica nada? Francamente, por um instante, (e voc no

    tem idia do que seja um instante para mim), achei que

    voc osse mais orte e seguro que os demais. As palavras

    no so nada. Tenha medo dos atos, mas as palavras no,

    so incuas, s azem mal para quem no sabe o signicado

    delas. Pode dizer, vai, diz.

    - Voc ...

    Ele, impaciente, ez um gesto bem humano dedesgosto, levou a pata esquerda ao rosto e esregou-a nele.

    Sem atentar-se para as garras acabou por se arranhar e,

    irritado, praguejou em italiano: - Porco Dio!

    Recompondo-se, gritou, e oi um grito que,

    contraditoriamente, posso chamar de diablico:

    - Deus, meu querido. Eu sou Deus, Al, Brama,

    Amon R, Zeus, e tantos outros nomes que tm me dado

    por a.

    Recompondo-me:

    - Bem, se voc Deus, eu sou Jesus Cristo.- No me ale nesse a. doloroso. Eu gostava

    muito dele, muito mesmo. Foi um dos que eu mais gostei.

    E j era de amlia, gostava tambm do pai dele. Porm era

    As palavras noso nada. Tenhamedo dos atos...

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    9/39dez 2011 | 09

    por ele que eu tinha o maior carinho. Conversei muito com

    ele. Voc me lembra ele, inteligente, cansado, perscrutador,

    sagaz, orte e seguro, de uma segurana futuante.

    Apaixonei-me por ele, deveras, juro. O problema que

    conversamos tanto que subiu cabea do cristo. E ele

    achou que era meu lho. Pior, saiu dizendo isso, arrumou

    problemas, para mim e para ele. Eu at ajudei no comeo.

    Achava legal deixar todo mundo embasbacado, azendopequenos truques. Ento Jesus abusou de vez, a eu no

    apareci mais. Ele terminou de car louco. Quando na cruz

    perguntou novamente porque eu o tinha abandonado,

    cortou meu corao, me deixou mal mesmo, quei com

    depresso, tive que tomar remdios, calmantes. Eu j

    tinha achado que era mau antes, todavia no passavam

    de rpidas crises. Com o Cristo no, e me vi em apuros

    mesmo. Tanto que resolvi dar uma passeada com o corpo

    dele e deixar os seus inimigos aturdidos e arrependidos.

    Eu at ui ver os amigos dele, os que o seguiam, para darcoragem a eles. Dei coragem demais, olha o que zeram.

    E, com uma expresso de prounda tristeza, a maior que j

    vi em toda minha vida, ele se levantou do so e comeou

    a andar, entre perplexo e nervoso, porm consigo mesmo

    apenas comeou a resmungar em vrias lnguas. S o que

    eu entendi oi: - Poxa, voc dose hein rapaz, no devia

    ter alado em Jesus. No que voc era ele, pelo menos,

    porque eu j tinha notado as semelhanas no carter e na

    inteligncia. e mudando completamente de humor deu

    um salto sobre a estante e continuou mas eu no tiveculpa, apenas dei corda, ele que se enorcou. Deus o tenha.

    - Tudo bem, no sou Jesus ento.

    - Assim est melhor. No vou azer nada para que

    voc creia que sou eu o Eterno. No me interessa isso, isso

    deve interessar s a ti mesmo.

    - O Senhor h de convir que me muito dicil

    de acreditar.

    - Sim, sim, sei disso, e eu mesmo no acreditaria.

    s vezes eu mesmo tenho diculdade de crer em mim.

    Aconteceu com muitos deles, dos que eu tentei apenas darum susto e acabaram por ter longas conversas comigo. O

    problema que para alguns que eu dei provas, e Cristo oi

    um deles, acabaram por se convencer tanto que criaram

    religies, dogmas, templos, verdades, livros sagrados,

    perseguies aos hereges, sendo que alguns destes ltimos

    eram meus amigos, a quem eu tambm tinha aparecido,

    orjaram tambm muitas guerras, sangue, chacinas,

    suplcios. Nunca pedi nada disso, a nenhum deles.

    - E porque no voltava para lhes dizer isso?

    - Como eu j disse, utilizo corpos de deuntos, eno tenho o poder de reconstitu-los h todo momento. No

    mximo uma ou duas vezes. E d um pouco de trabalho

    tambm e, apesar do tempo que tenho, no gosto muito

    de trabalhar. Fiz o mundo em apenas seis dias e o homem

    em apenas um e o que pior, no oi num sopro, oi num

    suspiro de enado e adiga, no dei muita ateno para

    aquele montinho de barro que eu tinha juntado quase que

    como uma brincadeira. A est o resultado. At hoje no

    gosto de mexer com barro. Destarte eu voltava e alava com

    os bem-aventurados, mas eles tinham suas ideias xas. A

    maldita ideia xa. Para eles no importa o tanto que eutinha dito para no se gabarem, no sarem dizendo coisas

    sobre mim, no criarem verdades. Outras vezes, quando

    eu voltava e dizia que aquele no era o caminho, me

    respondiam que eu era o demnio, porque eu, esquecido

    e distrado, vinha em orma dierente e quando percebia,

    eu j tinha era esquecido qual a orma primordial. Com

    alguns, entretanto, deu certo, consegui reverter a situao.

    Buda, por exemplo, esse grande camarada, grande de todas

    as ormas, ele oi muito bom, poxa vida, adorei esse cara,

    pois , Buda depois de perceber que eu no queria templos,nem dogmas achou por bem no se ligar ao meu nome

    e criou uma religio meio sem deus algum. O nada. Ele

    percebeu que a nica coisa que me liga ao mundo terreno

    justamente a nica coisa que realmente liga um ser ao

    outro, o amor. Sidarta compreendeu que eu no intereria

    na vida de ningum, de orma alguma, ento ele achou de

    construir o tal do Nada. O Nada de Buda tudo. Nem eu

    tinha pensado em algo to inteligente. E olha que eu tive

    milhares de anos para isso. Existem outros que nem isso

    azem. No se do a trabalho nenhum. No criam nadaaps alarem comigo. Uns porque no acreditam, outros,

    os que crem, por inteligncia percebem que intil e at

    perigoso.

    - O Senhor tem certeza que eu no estou

    sonhando ou variando?

    - No. No tenho certeza de nada. Mas quantas

    coisas incrveis existem, no mesmo? O avio, a televiso,

    e o que pior, as pessoas que do ateno a ela, as bombas,

    o teleone, a internet e tantas outras coisas inimaginveis.

    Por vezes, eu mesmo acho que estou sonhando e co porno acreditar em mim. J alei.

    - Como assim, no acreditar em Deus?

    - Em mim, criatura! Isso mesmo. Penso que eu

    possa ser um sonho de algum louco, ou bbado. De algum

    marinheiro que se perdeu e est isolado a muito tempo.

    - T brincando comigo.

    - J disse que voc pode pensar o que quiser. Se

    quiser construir uma igreja e pregar em nome do Gato-

    Deus que voc atropelou e depois apareceu vivo dizendo

    coisas estranhas, v l, aa isso. Mas vou logo te dizendo,a responsabilidade toda tua. O que eu no posso azer

    car sozinho toda a eternidade, sorendo com os

    improprios que os humanos cometem, porque, anal,

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    10/39dez 2011 | 10

    so meus lhos e, no obstante a minha no-interveno,

    eu soro muito com o sorimento deles. novamente ele

    deu um salto para o cho, se lambeu todo, me olhou com

    candura e compaixo, oi para um canto da sala e apontou

    para uma oto de minha esposa que pendia da parede: - o

    que houve com ela?

    - Me abandonou.

    - Isso eu sei, esperto. Quero saber por qu.- No sei, ela dizia que eu alava demais. Sei l,

    acho que no me ama. No sei, demonstra me amar de

    vez em quando, mas no sei. Acho que aps nove anos de

    casados a gente se entediou e ela cansou de me ouvir alar

    que ia azer aquilo e tal sem nunca azer.

    - Por mim! Teu Pai Eterno, Santssimo. Est voc

    em minha rente, eu na mais digna orma elina e ainda

    queres me enganar. O que ez, realmente?

    Por instantes camos os dois calados. Ento ele

    se roou em minhas pernas, deitou de barriga para cima,se lambeu novamente e alou, quase rindo, mas sempre

    com aquele riso srio e doloroso, e que me impressionou

    tanto, como se para Ele, mesmo nos momentos alegres e

    descontrados, osse impossvel esquecer tudo que vivera e

    vira durante tantos sculos. Eu sei, eu sei, voc realmente

    no ez nada. Bem por isso ela te deixou. Foi a tua inrcia,

    inoperncia e covardia que zeram com que nela secassem

    as ontes de vida abundante. Teus racassos no so maiores

    do que os dos outros homens, o problema que tu te aogas

    muito neles. E ela inteligente. E meas inteligentes, machr, pedem machos decididos, mesmo que seja com

    aetao. Contudo, no se preocupe, aa o que quiser

    dessa sua vida emera, ir dar um jeito de estragar tudo.

    No sei o que houve, alguma coisa aconteceu na hora que

    eu assoprei, (ou espirrei, ou cuspi, ou baejei, ou bocejei),

    o barro. Talvez eu tivesse bebido e o lcool tenha pegado

    em uma parte que no era para pegar. Ou ento eu tenha

    assoprado mais um lado do que outro. Pode ter batido um

    vento, pingado alguma coisa. No me lembro.

    - Como o Senhor pode no se lembrar?- No d muito ouvido ao que dizem meu caro.

    Empreste s uma orelha, a outra guarde no bolso. Eu tenho

    sim uma memria proporcional a minha eternidade, mas

    no, ela no eterna. Mesmo assim eu criei uma lei, s

    pra mim, que az com que, de tempos em tempos, eu me

    esquea de algumas coisas. H muita coisa na eternidade,

    boas e ruins. Estas prevalecem, inelizmente. Ento depois

    de passado algum tempo eu apago certas memrias, para

    que diminuam os meus pesadelos. Voc j parou pra pensar

    que lembrar de tantos erros, inortnios, barbaridades etorpezas pode causar muita dor? No sou imune dor. Eu

    bem que queria. Mas tudo tem um eeito colateral. A lei da

    dor tambm me tiraria a sensibilidade dor dos outros,

    por conseguinte eu caria imune a todos os sentimentos,

    da para no amar mais nada seria um pulo. No h amor

    sem dor, um carrega o outro como uma me carrega um

    lho. Como na angstia mora esta vontade de angstia por

    estar existindo. na erida que mora o sentido da cura. No

    entanto, vou logo te avisando, o diabo no existe. Ento no

    diga que o meu sentido est nele. Para os homens o diabo

    so os outros; sempre o outro, o estranho, o esquisito, oescroto, o dierente. O que no az parte do homem, do

    indivduo, aquilo que no lhe completamente ntimo e

    conhecido, aquilo sobre o qual ele no tem poder lhe

    alheio, isso que o seu inerno. O deus dos outros o

    diabo. Sempre achei um barato a inveno desse coitado

    que recebe mais nomes do que eu. Porque h na terra

    tanto horror, tanta desgraa e a maioria exclusivamente

    provocada pelo prprio ser que engendra uma entidade

    externa - largar-lhe a culpa nas costas uma artimanha

    enomenal. Tambm no pensaria nisso. Mas o tal do

    demnio, ou melhor, a ideia dele, bem velha. Mais do que

    Buda. tudo que o homem no conhece, ou que conheceum pouco e o assusta, ou ainda que conhece muito e bem

    por isso repudia por ser recusado pela coletividade de uma

    orma pronunciada e aceita clandestinamente.

    - Ento o Senhor nunca interere?

    - No me chame mais de senhor! Isso coisa

    de vassalo, servo, idiota ou militar. Coisas imbecis que s

    existem em uno de si mesmas. E umas para conterem as

    outras. Eu s ui o senhor da criao, depois nunca mais.

    Pensei em intererir algumas vezes, mas os eeitos seriam

    unestos. Os homens no entendem nem a si mesmos eeu no reclamo disso, pois justo a que reside sua beleza.

    Ento como azer com que se entendam? Por conseguinte

    no posso nem sequer me preocupar com vocs. Eu vos

    No h amor semdor, um carrega ooutro como uma

    me carrega umflho.

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    11/39dez 2011 | 11

    amo simplesmente. E substancialmente isso no signica

    nada.

    O que mais me causou estupor nessa

    hora no oi exatamente a revelao, que por si s j era

    enomenal, embora intuda algumas vezes, mas sim a minha

    pouca surpresa, como se tal verdade no osse novidade

    para mim. Ele, por sua vez, ez uma cara estranha, quase

    eliz, eu diria, entre alegre e desejoso de algo porvir. Porm disse, se dirigindo para a coisinha:

    - Estou com ome. O que tem para sacricar a

    mim?

    - Nada, no tenho comida de gato.

    - Nem um peixinho, uma carne?

    - S carne, mas est congelada.

    - Leite?

    - Tem.

    - Ento pega!

    Coloquei o leite em um prato que estava sobre amesa. Ele nem esperou eu terminar, sem me olhar saltou

    sobre ela e se atracou ao leite. Bebia em uma ria to

    animalesca que me surpreendeu.

    - Todo ser come igual disse ele -, a nica hora

    em que todos so, na mesma medida, elizes.

    No deixei ele desconversar e retomei do ponto

    anterior:

    - Ento, para qu tudo isso, qual o objetivo da tua

    criao?

    Ele, como se tivesse sido proundamenteoendido, me olhou com um olhar mortal, daqueles

    tipicamente emininos e berrou.

    - Cale-se! Estou comendo. E se voc comear

    com este papo srio de nalidade, sentido, objetivo, a gente

    encerra o assunto. E outra, isso bem inantil. Achei que

    osses mais inteligente.

    - Mas por qu?

    - Qual o sentido deste leite que estou bebendo?

    - um alimento.

    - Oh, no me diga! E o que mais?- Para dar ora aos seres que o bebem.

    - Nossa! Que nobre objetivo. Pode tambm

    alimentar um assassino, um ladro, e tantas outras

    aberraes. No, meu caro, as coisas so eitas para si

    mesmas. Servirem s outras conseqncia lgica e

    secundria. Nunca chupou uma laranja e achou que ela

    podia ser mais doce? Nunca saiu ao sol e pensou que ele

    podia ser menos quente? A nica coisa que az sentido a

    maldade. Esta sempre tem um motivo. As coisas boas no,

    so desinteressadas, vazias mesmo. Por isso to dicil crernelas, crer em boas intenes. Quanto ao homem, ele no

    leite para ter um objetivo, seja prprio ou de alimentar

    algum, embora seja bebido pelo tempo, que insacivel,

    no consumvel. s vezes, certo, parece ser cultivado

    em grandes campos, ser produzido para um determinado

    m, e somente para esse m, como muitos trabalhadores,

    mulheres (em determinados perodos da histria),

    consumidores, soldados. No entanto isso problema de

    vocs. Eu, por mim, no z com intuito algum...

    S ento percebi que eu estava amando o

    gato, ou Deus, ou seja l o que tenha sido. E ele continuoualando sem que eu ouvisse. Percebi at uma puerilidade

    nele. No chegou a ser til, apenas repetitivo, como se

    estivesse desabaando. Me senti muito prximo dele. Essa

    proximidade que temos de quem conhecemos muito,

    por convivncia, por similitude de ideias e ideais. Aquele

    tipo de entendimento e empatia que as pessoas tm sem

    saber o porqu, quando j se encontram e conversam sem

    ouvir o que o outro diz; o importante estar ali, absorver

    a intensidade da vida traduzida naquele instante poroso. E

    mais, a liberdade. Saber que o amigo no vai cobrar nadade ti, no vai te censurar; no mximo ir tentar te levar

    a ver os erros. Esses encontros so sempre sem obrigao

    alguma, por corolrio no h punio, por isso mesmo

    podemos car muito tempo sem ver um amigo de verdade,

    anos at, sem mesmo alar com ele, e ainda assim manter

    o liame. Foi esse o sentimento que tive pelo gato; eu que

    nunca ui muito com a cara destes elinos arrogantes.

    - Bem, agora que j me enchi posso partir. disse

    ele meio triste. E completou: - E no perca muito tempo

    com estes pensamentos, nem com o que eu te disse. Vivaapenas. De preerncia subvertendo a lgica do mundo, e

    a tua tambm.

    - No pode ir agora. Tenho tanta coisa pra dizer

    e ouvir.

    - Por mim! Nossa Senhora, Al, Jesus, Buda,

    Tup! O que quer voc? O dia que entender a lgica de

    uma ormiga ser capaz de entender todo o universo.

    Contudo, ma chr, devo advertir-lhe que at hoje nem eu

    compreendo completamente. Mesmo as coisas que azemos

    ganham desdobramentos que no nos possvel reter,sequer observar. Voc no tem lhos, se os tivesse saberia

    do que estou alando. O signo pode ser apenas um, porm

    os signicados so vrios; e ainda temos que contar com os

    erros de interpretao, com a m-, com a ingenuidade.

    As possibilidades so to imensas que no d pra se car

    cogitando. Uma lanterna pode ser nossa propriedade, suas

    pilhas tambm. Entretanto o que cada um az com a luz

    que sai dela... bem, deixemos isto de lado.

    - Ora, mas...

    - Ora, nada. Se voc acredita em todas as coisasque sempre te disseram sobre mim, sei l se oi sobre mim

    mesmo, ento tem que me obedecer e aceitar o que estou

    te dizendo.

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    12/39dez 2011 | 12

    - E os templos, os homens que alam em teu

    nome, que pregam para milhes, bilhes? Essa gente toda,

    ou grande parte, cr em ti plenamente.

    - Ser mesmo? Ou esto apenas ugindo de

    si mesmos e de sua misria? Por que na maioria dos

    lugares onde h bonana, paz e prosperidade eu no sou

    to requerido? Por que s na misria extrema ou nos

    momentos de crise se voltam a mim? Ou ento, por que aprolierao de tantas vertentes de igrejas e seitas acontece

    em lugares conturbados e desordenados? No meu caro.

    por si que o homem clama. Da que era, no undo sempre

    , por mim! que ele deveria pronunciar na hora de dizer

    qualquer coisa. O problema que alar em nome de um

    terceiro sempre mais cmodo.

    - Mas e o livro sagrado?

    - Ah, meu caro! Qual seria o livro sagrado,

    de que voc est alando? O sagrado s o para quem o

    sagra, ou sangra por ele, em nome dele. Para um cachorro,

    sagrado o osso ou rao que lho do. Sagrado para um

    pssaro de estimao a sua gaiola. E minha verdade no

    deixa de ser verdade por ser inverossmil ou mesmo por

    no encontrar sustentao na realidade vivenciada pelahistria. Uma coisa sagrada para mim porque sagrada

    para mim. Sagrado para voc agora ser um gato. Mesmo

    com teu materialismo pueril e com tua arrogncia niilista,

    que, no mais, apenas mais uma orma de pensar, mas sem

    infuncia nenhuma sobre tua conta bancria, tu vai car

    no mnimo tenso sempre que passar por um gato. Talvez

    at tente conversar com alguns, ou achar que alam contigo.

    Vai ser tachado como doido.

    - Bem, j sei que no adianta tentar te tirar muita

    coisa, ento me diz ao menos o que eu ao pra trazerminha mulher de volta.

    - , voc tem classe, eu sabia, acertei em cheio.

    Acho mais cil mudar o mundo do que ela voltar agora.

    Quem sabe daqui algum tempo. Se no aparecer outro.

    Como eu disse, no posso te ajudar; teu negcio com ela,

    eu no tenho nada a ver com isso.

    Disse isso e me pediu para que eu abrisse

    a porta. Eu ainda sorri e perguntei por que Deus tinha que

    pedir para um homem abrir a porta. Sorrindo, um sorriso

    meio triste, mas sereno, ele me respondeu que anal a

    casa era minha e j que eu no o tinha convidado paraentrar que pelo menos o levasse at a porta e a abrisse.

    Disse-me tambm que no tinha casa, porque quem tem

    muitas casas acaba por no ter nenhuma. Quase chorei. Ele

    desapareceu, primeiro andando, com a soberba natural dos

    elinos, depois saltou o muro e correu. Voltei pra dentro e

    tentei acreditar no que tinha acontecido. Um calor tomou-

    me completamente. Aquela sensao de antes voltou com

    mais ora ainda; todos os sentimentos do mundo caram

    sobre mim, todas as verdades, ou melhor, todas as partes

    de meias verdades se revelaram, e era tudo to conuso eao mesmo tempo revelador, era tudo escuro e tudo claro.

    Quase uma convulso. Ento acordei. De repente. Como

    quando parece que nem sequer dormimos; quando no h

    a viajem do sono, sem descanso absorto, e sim um apago

    imediato.

    II

    Minha mulher no voltou, pelo menos

    por enquanto. Eu no ui promovido, nem o cirurgioterminou o procedimento em meu chee. Minha cidade

    continua a mesma, eia, suja, desordenada e edorenta, mas

    que eu amo. Que nem o sentimento do gato, digo dele, para

    conosco. Continuo umando tambm e bebendo e saindo

    com amigos e chorando e tantas outras coisas que azia

    antes. Meus crimes continuam sendo os mesmos e minhas

    honestidades tambm. Apesar disso o sentimento de

    proximidade e aetividade pelos gatos mudou, at comprei

    um, o primeiro, porque toda vez que vejo um perdido na

    rua levo pra casa. J tenho trinta e trs. Inclusive eu aceitocontribuies para alimentar os bichinhos.

    Uma coisa no sai da minha cabea: sei

    como deus saiu da minha casa, s no entendi, at agora,

    como oi que ele entrou.

    Ulisses Machado

    Uma coisa sagrada para mimporque sagrada

    para mim.

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    13/39dez 2011 | 13

    E minha verdade no deixa de ser verdade por serinverossmil ou mesmo por no encontrar sustentao na

    realidade vivenciada pela histria.

    O Gato* do conto Um Encontro Com Deus, de Ulisses Machado

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    14/39dez 2011 | 14

    crnica

    Incipiti tragoedia: Aqui em sala de aula em meio multido de jovens e crianas sonhadoras, em meio sminhas refexes e leituras, onde alguns poucos tericospassam em minha cabea, chego a uma concluso sobrealgumas causas da decadncia da educao. Primeiro, preciso pensar que o ideal, o contado pelos velhos, pelosantigos sempre um discurso alojado no passado e lresidente e que uma nova orma de educar deve-se voltarpara o que visto pelos atuais prossionais de educao times goes on um pensamento bem moderno.

    Se eu tenho apenas alguns meses de experinciacom o ensino e j tenho aquele gosto amargo na bocaquando entro na sala de aula porque h algo errado. Emdeesa e em ataque aos atuais prossionais de educao,armo que a culpa deles e tambm no . Neste mundo,algum deve sempre ter a culpa. Se minha inteno osseazer uma retrospectiva da culpa, comearia pelos atosque me levaram a refetir sobre esta culpa.

    Hoje 10 de novembro de 2011 e estou em sala

    de aula como j estive pelo menos cento e sessenta vezessob o olhar do mesmo proessor tutor e de discentes queme viram pelo menos quarenta vezes. Descreverei apenas oque vi e vejo. Vejo trinta alunos que no se importam com oque o proessor est dizendo, que no possuem respeito por

    Seus domnios

    de conhecimento so

    as maiores drogas

    de nossa sociedade:a droga do futebol...

    Por uma educaocontra o Senhor de almas

    Rafael de Andrade

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    15/39dez 2011 | 15

    quem trabalha na escola, no leem (nem mesmo os livrosdidticos, muito menos os outros livros), no interpretame no esto interessados em nada disto.

    Seus domnios de conhecimento so as maioresdrogas de nossa sociedade: a droga do utebol, que geradiscusses inteis sobre times, campeonatos, sobre vendade jogadores, de como no preciso estudar para se terdinheiro (j no basta nosso ex-governador), sobre o

    prestgio destes jogadores e toda mentira que a mdia podeprogramar. Este mesmo utebol que gera indivduos cada

    vez mais ricos e uma massa consumidora cada vez maispobre, que leva a morte centenas de jovens, que umaespcie de pio de nal e meio de semana, tal qual a religiode Marx, o pio de Quincey e o Haxixe de Baudelaire.

    H uma aproximao com toda espcie de drogaque as mdias podem lanar aos jovens. As telenovelas que

    j perderam seu contedo de reproduo dos romancesde costumes pr-modernos cuja rmula consistiam

    em mocinho, mocinha e um vilo para se tornar umabanalizao do erotismo, enriquecimento e ignornciaintelectual, as novelas ormam uma massa de ignorantes.Os enlatados norte-americanos aproximam os discentesda perspectiva do sucesso a partir do acaso, da boa sorte edo vou estudar depois, agora vou curtir, anal, dizem osamericanos e Augusto Cury, tudo dar certo. No nadaestranho pensar que uma sociedade to competitiva possa

    vender uma programao to relaxada e espontnea, maisuma teoria conspirao.

    H tambm o que h na juventude. Armaes

    da sexualidade, disputas pelo espao, briga com os paise proessores, os primeiros relacionamentos, confitossociais e hormonais, toda essa ase bem discutida pelaauto-ajuda e literatura juvenil. Esta questo se torna demenor importncia no por ser trivial, mas por ser comumem boa parte das juventudes do mundo. Quando sentei nasmesmas cadeiras da mesma escola sete anos atrs, tive estasdiculdades, mas nunca agredi proessores, deixei de lerou oendi supervisores, minha rebeldia era outra, de ormapoltica e brigando por espaos, objetivando a melhora, atal liberdade.

    Ao que parece, todos pararam de crer em algopara olhar para o prprio umbigo de orma cada vez maiscega. As ormas de agrupamento se tornam cada vez mais

    volteis, o objetivo cada vez mais se divertir e menosajudar o grupo. O discurso da terra da liberdade capitalista a terra do consumo (de roupas, utebol e enlatados) e cada vez menos a terra de homens livres, liberdade esta ques existe na mente dos loucos, poetas e lsoos.

    Sobre a culpa. A retrospectiva da culpa podenos levar at o ano de 1500, na tal descoberta do Brasil,

    pode nos levar at o ano um da humanidade, como todaas retrospectivas de culpa no Brasil tendem a ser. Aponto aprimeira culpa para os pais que, embebidos destes discursosde lucro e salvao engedrados por seus senhores, delegamaos lhos a uno de continuar a servir dignamente ou de

    se tornarem bons senhores, donos de almas, patres. Ospais que ensinam o amor ao time, o amor a Deus, o amorao dinheiro, ao sexo, ao amor que se pode comprar e nuncao amor vida e ao prximo. Quem ensina o lho a lutarpelo pobre, por uma educao de qualidade? A semana do senhor e o nal de semana do Senhor e o utebol. E horgulho neste tipo de violncia.

    Aponto a segunda culpa para o prprio sistema

    educacional. Os currculos rios, voltados para apreensoda cultura de nosso povo (capitalista e individualista),

    voltados para o mercado de trabalho e nunca para aapreenso da vida e ormas de encar-la. Esta orma deeducao mantm os homens rios e mortos, de mentepequena e preocupados com o decorar e respondercorretamente.

    Paga-se muito bem para que o policial prenda oestudante que luta por uma educao de qualidade, masse paga mal para um proessor que pode, a partir de seu

    conhecimento, diminuir estas atrocidades ocorridas emtodos os mbitos da sociedade, o proessor que deveriaensinar valores, ensinar a viver e mudar esta realidadesocial, pelo menos perceb-la de uma orma dierente daindicada. Os proessores precisam lutar para sobrevivercom o que recebem e lutar por um ensino dierente do atualest ora do alcance da classe, por enquanto. Ser proessor viver de sonhos e no morrer de pesadelos. Questes decurrculo, remunerao e estrutura entram neste ponto.

    Falta exemplo de pais e proessores para a leitura,busca de conhecimentos, altam novas prticas didticas.

    No credito ao proessor a nica responsabilidade dechamar ateno dos alunos, mas a responsabilidade vemtambm do exemplo dos pais, das polticas pblicas, dasartes. Temo que este seja um caminho sem volta e que aeducao perca para sempre sua uno mais elevada ese torne um buraco na ormao humana destas crianasque chegaro ao ensino superior cometendo as mesmasatrocidades, matando, servindo, se resignando, amandoo seu senhor, humilhando ao prximo, como vemos poraqui.

    Temo que a raa dos romnticos sonhadores deixede existir. Toda vez que um jovem mata o outro por lcool,time ou roupas, no culpem apenas seus pais e proessores,matem tambm um rico, um poltico, destronem um rei doutebol, queimem um pedao da mdia, deixem de assinarrevistas, plantem uma rvore, lutem pelo outro.

    Durmo e tenho pesadelo com nosso Admirvel

    Mundo Novo, realidade cada vez mais prxima.

    Raael de Andrade

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    16/39dez 2011 | 16

    Cisnes,

    Morcegose a Integridade

    Nossa moral, maniquesta, e

    por isso mesmo, escassa de

    cores, dominada pelos tons

    rudimentares e opostos deuma perspecva infanl, pelo

    preto e branco da viso menos complexa e

    mais extremada da criana que, ainda incapaz

    de reunir caracterscas antagnicas a um

    mesmo objeto, imagina dois objetos a que

    atribuir as qualidades reconhecidas como

    opostas, um para cada qualidade, nossa moral

    que vesga e talvez menos moral que deveria

    ser, categoriza o que abarca com a mesma

    simplicidade de algum que tendo duascaixas achou por dividir o que tem no armrio

    segundo o prsmo ou a falta dele, assim,

    para a nossa moral, onde no h possibilidade

    para o maz, para o degrad, para o meio,

    para o talvez, para o nem isso nem aquilo, para

    a nossa moral, segundo a qual tudo ou bomou mau, o mundo e todos nele cabem em

    duas caixas.

    Essa maneira de medir

    especialmente castrante, para usar um termo

    freudiano, especialmente arrebanhadora,

    para ser mais prximo de Nietzsche, pois

    considera mau tudo o que verdadeiramente

    humano e engrandece o que no pode ser

    humano, a eteridade, o regime para todas

    as fomes, o controle de todas as foras. Semdizer que a prpria incenvadora de algo

    mau, da dissimulao, do ngimento, da

    Jos Danilo Rangel

    D3C0D1F1C4NDO

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    17/39dez 2011 | 17

    Mas onde haveriaum exemplo da inteireza,

    de algum que nada exclui ou exagera?

    connua insasfao moral do indivduo

    consigo mesmo, exatamente por reconhecer

    como bom apenas o que supe plenamente

    bom, e como mau todo o resto.

    Quem Nina Sayers no comeo do

    Cisne Negro? Um fantasma cujo nico prazer

    assombrar os palcos de no sei onde, um

    vegetal que dana, mrbido e sempre a

    balanar pelo vento que lhe sopra as folhas

    plidas. Mais que isso, ela produto da moral

    que considera o indivduo sem considerar

    as circunstncias, que atribui aos atos

    valores desapegados de qualquer avaliao

    conjuntural. Aos atos e atudes, s respostas,

    a tudo, enm, que imana do indivduo, tudo

    o que ele faz e sente avaliado conforme

    uma tabela de valores que descontextualizao movimento, o grito, o senso, o senmento,

    e os pe sobre a mesa desligados de tudo o

    mais. Assevera-se: o que mau mau em si.

    Nina busca ser boa, no por ansiar

    por qualquer grandeza, mas por ser to

    covarde a ponto de optar pelas sombras de

    uma bondade omissa, sem sal, sem mrito,

    de qualquer jeito, ela no procura a virtude,

    aceita a conteno. Como na vida, onde

    as coisas mudam e nos vem exigir novosesforos, para atuar numa pea de bal, o lago

    dos cisnes e fazer o papel do cisne negro, Nina

    precisa desenvolver outras qualidades, precisa

    ser m. O lme mostra exatamente isso, a

    transio de Nina do bem para o mal, se assim

    quiser, digo que a transio da insossa para

    a rancorosa.

    O importante que mesmo a,

    percebe-se o olhar infanl que no pode

    encontrar um lugar entre os extremos, comono fossem eles ligados por uma ponte de

    estgios, e apresenta Nina ora boa, ora m,

    como se a sua jornada, e por extenso a

    jornada de todo aquele que quer se realizar,

    no fosse mais que a transformao de

    algum bom em algum mau, um passeio de

    um extremo a outro, e a lma frase de Nina

    (qual foi mesmo? sei que foi alguma coisa a

    ver com perfeio) no tem lugar naquele

    nal, a perfeio que ela alcanou no foi a

    totalidade do ser, aceito em cada parte, o

    grande ser sonhado tanto por Jung e sua idade

    da razo quanto por Pessoa que defende:

    para ser grande s inteiro. Foi apenas a torpe

    e momentnea vitria sobre os, igualmente

    torpes, preceitos morais repressores, agentes

    da deformao da personalidade.

    Mas onde haveria um exemplo

    da inteireza, de algum que nada exclui ou

    exagera, a grande sntese, onde estaria? Em

    muitos personagens de lmes, revistas emquadrinhos, animes, livros etc. Contudo, como

    no gosto de muitos personagens de lmes

    e revista, gosto do Batman, responderei a

    questo com ele: em Batman! - pelo menos

    no Batman apresentado nos lmes de Nolan

    e em revistas como Ano Um e o Cavaleiro

    das Trevas. Batman inteiro. Mas no a

    inteireza o segredo da bondade, o nada excluir

    ou exagerar, no somente integridade que

    faz dele grande. Fosse assim, o Duas-caras,Arthur Dent, seria tambm grande, mas no,

    e isso porque embora exista nele e bem em

    evidncia duas metades, elas no se misturam,

    no formulam uma sntese como resultado de

    interao de suas tendncias contraditrias.

    Em duas-caras as metades coexistem intactas.

    Em Batman no, sua bondade e crueldade

    andam juntas, ou no ele bom enquanto

    praca o mal contra bandidos?

    Contudo, no somente o fato desaber sintezar disposies contrrias que

    faz de Batman grande, sua grandeza tambm

    se baseia na capacidade que ele tem de

    encontrar ensejo para cada uma das snteses

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    18/39dez 2011 | 18

    disposicionais que cria. Coisa, alis, que duas

    caras no faz, deixando para uma moeda

    resolver que movimento melhor se encaixa

    nesta ou naquela situao.

    A moral com que se mede a bailarina

    sexualmente frustrada, mede o ato, ou a

    atude que o precede, em si, como isso

    mau, e isso bom, nossa moral, ainda muito

    infanl, atribuindo predicados a um sujeito

    sem um ambiente. uma moral repressora e,

    portanto, o ser que a aceita, no pode sequer

    almejar a totalidade, deve, ou se sasfazer

    com a opresso, que ser bom, ou se tornar

    mau. A moral que possibilita a completude

    do sujeito, que nada exclui ou exagera,

    aquela que cogita o valor dos atos e atudes

    em sua relao com as circunstncias. comessa moral que se deve avaliar Batman, para

    entend-lo como heri, ou mesmo, somente

    como uma pessoa boa, preciso recorrer

    ao meio, s circunstncias onde seus atos e

    atudes surgem e acontecem.

    Depois de um cataclisma em sua

    vida, a morte brutal dos pais, testemunhada

    em toda a sua violncia, Bruce Wayne,

    experimenta um dio intenso simultneo ao

    desejo de vingana. Pela lgica da moral dosextremos, dio e desejo de vigana so maus,

    logo, mau tambm aquele que as carrega

    em seu corao. Pela outra moral, a moral que

    podemos chamar de moral do cabvel (j que

    considera o ato pelo seu ensejo), no entanto,

    vemos que estes senmentos no fazem de

    Bruce Wayne algum mau, pois, o m que ele

    d aos maus senmentos - perseguir bandidos

    - bom.

    Em vez de apontar e distribuirindiscriminadamente todo o dio que

    experimenta pela perda dos pais, Bruce

    Wayne faz deste senmento a primeira

    fora movadora para se tornar Batman, um

    defensor do bem e, de certa forma, da jusa,

    apesar de com a avidade de jusceiro acabar

    por transgredir a lei. Seu desejo de vingana,

    senmento tambm considerado mau por

    aquela tabela de valores imatura, se manifesta

    na construo do alterego, e se realiza, dentro

    das possibilidades do bem comum, j que

    busca afetar os agressores da paz e ordem

    comunais. Apesar de todos os vcios, anal,

    espancar quem quer que seja no bem

    visto por ningum, Bruce Wayne, em vez de

    reprimir sua agressidade, seu dio, sua sede

    de vingana, encontra um meio especco

    onde os manifestar, usando-os como movos

    para execuo de coisas valorosas.

    Jos Danilo Rangel

    A moral que possibilita a completude do sujeito, quenada exclui ou exagera, aquela que cogita o valor dosatos e atitudes em sua relao com as circunstncias

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    19/39dez 2011 | 19

    Literatura em Rede

    _____________________________________________

    1. Graduando em Cincias Sociais, participa do Centro de Hermenutica do Presente UNIR.

    2. Graduando em Histria, participa do Centro de Hermenutica do Presente UNIR.

    Este ensaio uma resposta toda provocao levantada

    pela teoria literria desenvolvida pelo professor Alberto Lins

    Caldas em suas mais variadas publicaes pelo e no Centro

    de Hermenutica do Presente. Seguindo a mesma linha esttica,

    escolhemos abordar os mais variados pontos que apontam para

    uma arte e literatura que nos cerca. Utilizamos da perspectiva

    apreendida da leitura da crtica literria de Caldas (2000,

    2000, 2001, 2005) para repensar estruturas artsticas que se

    apresentam para nossa crtica. Ao mesmo tempo, atualizamos a

    definio de arte surgida destas leituras em contato com artistas

    que publicam e se comunicam com a crtica literria do Centrode Hermenutica do Presente, de Alberto Lins Caldas.

    ARTE E VIOLNCIA CONTRA A CIVILIZAORaael de Andrade1 /Ricardo de Moraes2

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    20/39dez 2011 | 20

    A leitura de Bourdieu nos diria que, enquanto membros novatos docampo literrio, estamos tentando mudar as estruturas do campo ao tempo que os

    mais antigos iro sancionar nossas ideias sobre o objeto de disputa (denio do que arte). E isto nos ez pensar por muito tempo se nossa denio de arte voltada parao rompimento apenas porque no somos aceitos pelos escritores desta terra varonil.Armados desta dvida, passamos a requentar e conhecer o que produzido nossa

    volta. Chegamos a uma concluso: que o que est ao nosso redor no nos basta, precisoir sempre alm e romper com estes limites pequenos de terra, de estado, de mercado, depblico. Para ir alm necessrio questionar sempre, gritar sempre nossa violnciae procurar por artistas escondidos nos esgotos daqui (porque o que brilha iluso),no azendo parte da terra ou da cidadania (porque esto nos esgotos como estou).Muitos se esoram para crer na vida aps a morte. Outros j oram convencidosda existncia da mesma. J ns omos convencidos da sua no existncia,de que quem possui senhor escravo, de que literatura e arte devem serexpresses violentas e sem senhores (ela deve matar at mesmo o artista).

    No existem artistas, a arte passa por nossos dedos por algunssegundos e nos sentimos futuando alm (como diria Balzac em A Condessa deLangueais) da cidade e do que as pessoas chamam de vida. A arte vai emborae nos deixa com saudade, escrevendo crtica, azendo resenhas, artigos (comoao agora), se mantendo por perto. Para (quem sabe?) estando por perto, a riase torne o suciente para que algo seja destrudo. Aqueles que marcam hora

    para azer arte, aqueles que dominam e vendem a arte, nunca entendero.Estes apontamentos tm objetivos simples: denir o que arte e separar esteterrvel movimento para alm do conhecido e instaurado que a arte dopastiche fcido que se denomina arte que me cerca (mas no me toca). Ele,procurando ser bem didtico, procurar resumir nossas opinies e deniessobre o que estamos a tratar a partir de pontos de discusso. Vamos aos pontos.

    INTRODUO

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    21/39dez 2011 | 21

    1. SOBRE MANUAIS E CURSOS

    No existem manuais para literatura earte, muito menos cursos. E apesar de no existirem,so oferecidos para o grande pblico. Estes charlatesoferecem cursos de como escrever, como agradarseu pblico, etc e tal. Bem, posso pensar que aqui noamado Brasil de vocs o escritor precisa se sustentarem meio misria e a partir da ele faz o bvio: vendearte, vende como as bandas de domingo, vende comoa novela da Globo, os filmes. A que se encontra agrande jogada, a arte no pode ser vendida, ou melhor,no pode ser produzida para ser vendida. A partir domomento que algo feito para o consumo, torna-semercadoria, artesanato, objeto para ser consumidopelo grande pblico, agradvel e bem amado portodos (como os fs de bruxos que se rasgam por ele),arte seria algo alm. Ento, quando so montadoscursos de literatura com tpicos como: procure umpblico alvo, tudo que surgir daquele curso (a no serpor grande acaso) no ser arte. Escrever para agradar

    um faixa etria ou um pblico especfico, imaginemagora Dostoivski escrevendo Crime e Castigo parajovens universitrios em formao filosfica,imaginem o pastiche que teramos, algo parecido comos livros que so lanados mensalmente, para agradarhomens da terra, homens de f, homens procurandosexo, homens procurando... No podemos esquecerque basta apenas uma revolta pr-adolescente, tornar-se uma prostituta qualquer para se tornar uma boa

    (e renomada) escritora no pas de vocs. Uma drogaqualquer, uma vontadezinha de escrever sobre a terra,

    etc. e tal. Isto basta e, como sei que no se deve lermanuais, isto vai bastar para vocs at o momento damorte. Nestes manuais e cursos de arte so faladascoisas como: escreva uma pgina por dia, assim, nofinal de um ano voc ter 365 pginas, este tipo decurso compe a espcie de imbecil que conheci, queescreveu 300 pginas em duas semanas para logo apspublicar na Bienal de 2010, afinal ele no podia ficarde fora da grande venda que ocorreria naquele evento.Esta situao me deixou espantado ao visto que euescrevi um livro em 2009 e, dois anos depois, aindaacredito que ele est verde e precisa ser trabalhado.Este tipo acima citado (que agora editor) o grandeexemplo do que temos hoje em dia e do que teremospor mais cem anos na Literatura Brasileira, sim ele muito comum, o resultado de cursos de Literaturae de paixes pr-adolescentes. Sim, ele o futuro de

    vocs - arte igual mercadoria.

    2. O QUE ARTE?

    Arte, esta palavra encontrada nosprogramas dominicais, nos templos, no barzinho daesquina, na faculdade, na boca do homem. Existem

    variados conceitos para tal palavra, mas gostamosmuito de citar Tolsti, a arte como uma a criao deum homem que viveu um grande e forte sentimento,

    NOSSOS PONTOS

    SOBRE ARTE E LITERATURA

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    22/39dez 2011 | 22

    que est frente do seu tempo e que tem esta vontadede expresso. Estar frente e alm so conceitos quese associam a arte em muitos momentos, como emKafka e em Caldas. Arte um movimento alm doinstaurado, podemos concluir. Podem muitos afirmarque a arte nasce do conhecimento acumulado do que sepretende expressar, que a arte nasce das universidades,do leitor rabugento de Balzac. No posso negar que o

    sertanejo, na imensido do deserto social e geogrficoque se encontra, ao cantar suas dores e explorar suasolido, sua fome, sua paixo est fazendo arte. Ali no(deve) existe o imperativo da lngua, da mercadoria, doregionalismo (a terra est ali porque ela realmente

    vivida), mas est o artista do isolamento, a partir dastcnicas disponveis, se expressando alm do cotidiano.Sua arte no mercadoria e muitas vezes diminudapelos mercadores de arte. Destes sertanejos doentes,morrendo e viciados em sua viola, nascem os simulacrosde arte que enchem as exposies agropecurias daterra de vocs, a msica que ganha o mundo e so anova arte do momento. No posso negar que existe artenos morros, na forma de expresso chamada sambaou pagode, o que ns ouvimos de samba e pagode apenas um simulacro do que realmente composto,o que vai para o domingo e chega aos ouvidos damassa (conceito que no gosto de usar, mas cabe aqui),, como Tolstoi dizia, um simulacro do que realmente

    produzido. E o mesmo vale para outras expressesartsticas. A meu ver, arte envolve palavras comoexperincias, rompimento e tcnica. As experinciasso as foras que iro empurrar o artista pela vida,so os sentimentos, as paixes, os vcios, a fora. Orompimento consiste na superao dos discursos queso passados e reproduzidos pelo artista de cursinhoaqui supracitado, consiste no ir alm expresso ebusca das paixes e vcios, tecer o que h por debaixo

    da pele do comum e banal, saber mentir sobre averdade (Oscar Wilde), etc. E a tcnica o que se buscapara transmitir (notas, palavras, tintas), mas existe umporm sobre a tcnica. O simulacro de arte se armade muita tcnica para simular os dois outros pontos(experincia e rompimento) que no existem em suaproduo. Por exemplo, pode-se escrever com grandemaestria sobre o serto, cantarolar, colocar guitarras

    distorcidas, solos, cantores profissionais internacionais,mas nunca iro falar sobre o que de fato morrer noserto como seu Severino (ex.) que, com trs notas,chora a morte de seus doze filhos. E os exemplos sobreeste exagero de tcnica poderiam ir alm, chegando auniversidade (vide Harry Potter), as escolas de msica(vide dois ou trs pequenos msicos da nova geraode Porto Velho), etc e tal. Ainda sobre a tcnica, temosaqui (pelo menos na literatura) o onanista intelectual. aquele indivduo que l e decora todos os livros domundo para poder chegar a uma roda de artistas (toonanistas quanto ele) e dizer eu conheo Cline e, apartir da, idolatrar os deuses do seu panteo literrio( pelo que conheo, o mesmo pode ser aplicado msica). Mas, seria esta a funo da arte? Para queum fulano possa se dizer conhecedor da mesma e semasturbar intelectualmente, e escrever amores edores a partir da cpia do que conhecido?

    3. O OBJETIVO DA ARTE

    A arte tem como objetivo o rompimentode suas prprias estruturas e definies. O simulacrode arte, que se pretende manter da mesma formapara todo sempre, aquele que teme as mudanas,teme perder seu pblico, sua forma de continuarcomendo o salgadinho com tubana. Se a arte possui

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    uma funo, com certeza no para que o indivduopossa se masturbar ou tocar os outros. Ela no servepara que se sinta bem com o grupo ou para exaltara grandeza dos outros, para amar a terra dos outros, ahistria dos outros, a verdade dos outros, ao senhor.Se ela possui uma funo, ela existe apenas parao gozo. O artista de verdade goza ao escrever, gozados outros, nos outros, no cho, nas imagens, ele

    um libertino. Fazer arte para vender ou para agradar se privar deste gozo, pensar nestas coisas minutosantes de gozar e isto no existe. Tudo que pensa nosoutros antes de escrever, compor ou pintar consisteem onanismo intelectual, escrever para ser bajulado,amado, bem querido entre os homens e no pode ser,nunca, arte. Falar o contrrio seria afirmar que tudoque feito, toda tela pintada por antas, toda msicaque explode nas rdios, nos bailes arte. E se isto forrealmente arte? E se arte for servilismo, for servir aosenhor, a terra, ao grupinho, aos homens, ao real?Se arte no for libertinagem, no for gozo? Talvez

    Alberto Lins Caldas esteja errado, junto com Rimbaud,junto com Wilde. Talvez todo bruxo, demnio, anjo,semideus, prostituta, padre, mago, seja arte e o queeu fao apenas violncia pura e desnecessria, talvezSenhor Krauze no faa sentido (como comumouvir), talvez aTetralogia do Nada seja um bando depalavras jogadas e regadas com vazios (como comum

    ouvir), talvez o barranco seja violento e depravado(como comum ouvir), talvez, talvez devemos esperarque Caldas e Moreira comecem a escrever odes aterra e ao domingo do rio para a igreja e com certezaperderamos investigadores do horror. Para concluiresta parte, se a arte possui uma funo, com certezano a de servir como templo para o outro, onde tudoque violenta vocs adorado, mas de gozo egosta doartista. Arte autoconhecimento e rompimento com o

    que conhecido.

    4. POR QUE ESCOLHI SER SOZINHO

    Ando pelas ruas, estudo na universidade,estagio nas escolas, almoo nos restaurantes, durmo emcasas e conheo pessoas. Conheo tambm pessoas que

    se dizem artistas e no so, e conheo (poucas) pessoasque de fato devem ter certa violncia (como acreditoter), mas no geral estou cercado de bebedores da gualmpida e feliz que vem da reproduo das ideias. Dosjovens msicos que conheo (e aqui, logicamente,excluo os que eu no conheo), so voltados para adominao das tcnicas musicais e cantam as mesmasbesteiras que so cantadas nos domingos, na histriada terra e chegam a idolatrar os artistas da geraoanterior, construindo altares, dormindo com eles(sem ningum gozar), uma gerao engrandecida peloseu ttulo de artista e msico da terra, da universidade,do bairro e diminuda pela sua falta de ser o que sedizem ser, de serem artistas. O pblico enganado,ouvir as msicas dos jovens artistas daqui os faz pulare danar porque, em geral, so cpias dos ritmos e dossentimentos pr-adolescentes que vivem ou viveram,entendam que no existe diferena: eles aproveitamritmos, laos e temas de outras pocas ou de outras

    vidas, como faria um escritor qualquer. O objetivo no fazer arte: eles gritam: o objetivo a fama, aparecerno domingo, ir para um reality show, o objetivo realmente este. Mas, no podemos esquecer queestou errado, no fim eles sero artistas renomados,sero reconhecidos como artistas e com certeza estareierrado e obrigado a pedir desculpas, entretanto,pedir desculpas no condiz com o gnio do artista. Ainocncia que ultrapassa os poetas que me cercam

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    24/39dez 2011 | 24

    outra: a de que procuram expressar seus sentimentospura e simplesmente, retirado de toda expresso social.

    Volto a Bourdieu (e aos demais pensadores), as forassociais iro te penetrar de qualquer forma a resposta que definir o artista e o charlato. Ao passo queo charlato ser influenciado, rendido e penetrado, oartista se posicionar contra o social e a favor de seugozo. O que produzido pela boa parte da poesia

    jovem que me cerca um enfadonho amontoado desentimentalismo (amor, amor, sexo e medo de estarlonge da manada) ou amor terra (que de fato noos ama que no passa de sentimentalismo). claro,existem aqueles que expressam suas fomes e dores deforma crua, suas lutas, nestes sim h esperana de queum dia eu no esteja mais sozinho (no citarei nomesnem a favor, nem contra). A velha escrita de dirio:Se tu me amas/ assim te amarei ou amo esta terra/ocu laranja do madeira/ sou beradeiro (sem de fatonunca ter sado da casa da mame) e da por diante.Na prosa o que mais procurado, que se representeo real, o que mais me distancia. Camos no mesmoerro da maioria dos regionalismos, apontado pelocrtico Sodr, que o de cair nos exageros e concluirque a regio representa o homem que mora nela,sendo que se pode dizer exatamente o contrrio. Nestaperspectiva, o homem apresentado ao se apresentara regio, quando de fato, o homem s apresentado

    quando buscamos o homem e a regio aparece comoum fato secundrio. Esta minha grande discusso,no que de fato eu odeie tudo que de Rondnia,mas que a arte no de Rondnia, podendo ser feitapor algum que esteve aqui. Se no fui bem claro, aarte feita EM Rondnia, mas no DE Rondnia. Ea os falsos crticos falaro que eu amo os franceses,os de fora. Ignorantes! Quando se fala de arte(aquela exploso que vocs no conhecem porque

    perdem tempo demais com os pequenos amores ecomendo terra) no possui bandeira. As bandeirasforam inventadas para que muitos travassem a guerrade poucos. A arte no se submete bandeiras. Comoa arte de Cernov, de Fabrcio, de Moreira e de Ricardono se submetem.

    5. SOBRE A LEITURA

    No creio que deva existir uma listacomo em O escritor e o charlato de Alberto LinsCaldas, pois no se extinguiriam as listas de leitura eapreciao. Afirmo que o escritor deve ler sempre ea lista de Caldas um bom norte para se comear,sendo que eu mesmo procuro domin-la, mas nounicamente, existem outras vontades que me fazemter outras leituras. A partir desta lista conheci Flaubert,Kafka, Balzac, dentre outros. O fato que se deve lersempre. Atualmente estou lendo Alm do Bem e doMal, Poder Simblico e Gente Pobre (dedicandoalgumas horas para cada leitura, de acordo com meuhumor e minhas necessidades) e tenho certeza de quepretendo ler sempre. A lista serviu, a meu ver, parair de encontro com o pensamento de que no preciso ler nada para se fazer literatura, no precisode tcnicas nem de conhecer o que produzido fora

    daqui, o aqui me basta. A lista serviu para mostrar oquanto pequena a produo rondoniense pertodo que j foi produzido, serviu para tentar mostrarao ingnuo escritor que possvel ir alm. E foi estalio que aprendi com o madeirismo, o ir alm.Mas o madeirismo no quis dar lies e eu tambmno quis aprender, o fato que gosto de ler e deescrever e que minhas leituras e escritas fogem doque padro, desejado e amado (amm). No fao

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    25/39dez 2011 | 25

    esforos para adorar um deus morto. Muitos bovinoscolocaram em sua cabea: preciso ler toda a lista de

    Alberto. Por serem to fiis, mesmo que lessem todaa lista continuariam sendo charlates. Muitos bovinosidolatram os madeiristas como salvadores da literaturae da boa arte em Rondnia, sem entender que eles jesto mortos para Rondnia, sem entender que sua

    vontade a violncia, o surgimento de novos violentos

    artistas e no o surgimento de bajuladores. O libertino(que no um simples devasso, pois devasso todospodem ser, inclusive as antas) o criador livre. Qualcriador livre deveria seguir listas de fato? A nica listaa ser seguida a fome em excesso, a fome que superao comer sardinhas.

    6. A ARTE ESCRAVA

    Uma pequena narrativa: Certa vez, estavabebendo e sentado em uma confortvel cadeiraquando foi anunciado em uma festa de famlia (queeu vou aborrecido, pensando em comer, beber enos poucos familiares que consigo conversar) queduas artistas da famlia iriam se apresentar. Por ummomento sorri. Pensei na boa msica de Tchaikovsky,pensei em Wagner, mas em menos de um momentome calei. Uma msica de devoo e a mesma dana

    praticada em todos os templos passou a tomar contado ar e me senti enojado. As meninas comearam adanar e cantar e chorei como uma criana. Pensaramque era de emoo, mas chorei de raiva, de pura raiva.Esta narrativa pode ser uma alegoria engraada ouenfadonha, mas retrata muito do que eu vejo ao meuredor. As msicas que servem mdia, a poesia queserve ao medo pr-adolescente, o verso que serve aosenhor, a prosa que relata a terra, a arte produzida por

    escravos sem nenhum desejo de liberdade (e quem sabeeu seja um escravo em busca de liberdade, sonhandocom ela) ou libertinagem. O pensamento que j nascecontido, reprimido pela idade, pelo trabalho, pelonacionalismo, pelo hino, presa por aquilo que no sesente. Fala-se de salvao quando se vive em meio aocaos e o medo, dana-se a terra quando se vive peloprprio umbigo, fala-se de amor, quando desejamos

    nosso prprio rgo. Tudo isso no arte. Arte libertinagem. terrorismo contra o instaurado, nouma forma de adorao, arte no busca verdade (aopasso que quem faz isto a filosofia), arte busca arte,ama arte, destri arte, violenta arte, goza arte, o friodentro de ns.

    7. POR QUE ESCOLHI TER INIMIGOS

    Ao falarmos de arte, temos o amigo, que aquele que elogia sua arte, que ama o que vocfaz, que seu f. O que faz existir uma literaturadaqui um crculo de amigos, um elogiando a artedo outro, sem a crtica necessria, fazendo com queningum saia do lugar e aos mil anos, escreva comose tivesse dez (figura de linguagem, pois com trezeanos, Rimbaud tinha mil). Ao passo que o inimigo aquele que te crtica, te deixa desconfortvel com sua

    escrita, que te faz pensar e investigar melhor o que saide tuas mos. Por isso que escolhi ser inimigo de meusamigos (aqueles com quem convivo e tenho apreo)e criticar suas produes, recebendo crticas de volta.No espero receber crticas verdadeiras sobre minhaproduo fora deste grupo, pois as pessoas defendemo ego (aquele ego que acredita em vida eterna) e suaterra ao invs de criticarem realmente (ou toda arte jfugiu de sua ossada). A primeira palavra que Alberto

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    26/39dez 2011 | 26

    Lins Caldas me dirigiu (sobre minha arte) foi umacrtica terrvel, mas que me fez pensar. Escolhi terinimigos como Ricardo Bezerra, Fabrcio Lima,

    Julie Dorrico, Eliaquim Cunha estas pessoas comquem normalmente saio e me divirto. Recebo crticasdos professores Ninno Amorim, Alberto, EstevoFernandes (sobre arte e sociologia da arte), MiguelNenev, dentre outros. So todos estes meus inimigos

    que me fazem repensar, so todos estes meus inimigosque cumprimento e tenho apreo. Estes so (e seesqueci algum, foram poucos) os pontos de arte naterrinha, sufocados pelo arroto do orgulho regional,pela falta de interesse e auto-destruio que requera prtica das artes. Em literatura, no gostaria de teramigos.

    8. UMA PRIMEIRA DEFINIO DE ARTE

    Minha definio de arte no excludenteou elitista, ela solitria. Reafirmo que ela no nasce daelite intelectual de estado algum, de pas algum. Podeser, e deve existir que as instituies de formaocultural de uma determinada regio sejam o ninhode uma grande guia, mas pura coincidncia. Minhadefinio de arte e literatura solitria, formada pelareflexo solitria, pela vontade solitria de expressar,

    todo artista verdadeiramente solitrio. Podeparecer exagero, mas para se fugir das necessidadesconsumistas e competitivas desta sociedade que noscerca necessrio que se fuja (no s o corpo, masa vontade, que no fundo devem ser a mesma coisa)de tudo, necessrio estar solitrio. Ao ponto queafirmo que a arte pura ou arte pela arte deve fugirdas exigncias do pblico, da famlia, da religio e doestado para ser a manifestao de um indivduo, ela

    deve ser feita na solido doentia. Ah, mas e a excessiva leitura que se

    recomenda nestes textos? Primeiro, nada destes textosdeve ser seguido. Segundo o que cada homem deveseguir seu desejo de rompimento e no listas ouconselhos fteis de quem (assim como eu) no chegounem perto do que arte ou literatura.

    Sei de pouca coisa e ainda reflito. Mas arte

    surge na solido, quando nos esquecemos de tudo ede todos, para gozar de (em) tudo e todos.

    9. A LITERATURA E O ESPRITO CIVILIZADO

    No discurso inicial de A Duquesa deLangeais, Honor de Balzac discute sobre a posiodo artista em relao sociedade. Posso entendera posio deste gnio quando ele aponta que nasociedade so todos voltados para o dinheiro e sexo(e poder para obter ambos, num circulo vicioso), oartista flutua em outra esfera, acima da sociedade,se misturando aos outros apenas por lascvia, semse deixar levar pelo orgulho pequeno burgus dosfestivais. O artista, este ser desprovido do orgulho da

    vida eterna (que cr em vida passada, futura, aps amorte) o orgulhoso daquilo que o supera a todoinstante, orgulhoso daquilo que passa por ele. Isto

    quer dizer que estamos errados ns ou estava erradoKafka, ele parecia ser muito menos do que realmentefoi ou ns parecemos mais do que realmente somos.Mas deste autor aprendemos algo, que a literatura sempre um enfrentamento contra algo, contra o pai,contra a doena, contra ns, em literatura Kafkadestrua seus demnios, matava seu pai, se mutilavana mquina. Com estes aprendemos que o artistaest alm e que a literatura uma arma (como afirma

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    27/39dez 2011 | 27

    Caldas) que deve ser preparada todo dia, a facacontra o mundo.

    A Literatura e a Arte que nos cerca semprefoi a Literatura do civilizado. A Literatura Brasileirasempre buscou ser civilizada, estar em conexo comos grandes centros capitalistas e culturais do mundo.Esta Literatura esteve centrada na Europa mesmoaps se tornar independente e hoje est centrada em

    outros grandes centros. De fato, no possvel ignoraro mundo globalizado em que vivem estes escritores,mas a literatura no possui fronteiras. O que se chamaliteratura brasileira sempre se fundou na tentativa defundar sua Literatura, de procurar seu carter originale o mesmo podemos dizer da Literatura Rondoniense,como afirma Badra. O pecado cometido pela nacional a mesma da regional, ao se fundar em categoriasgeogrficas e caractersticas culturais locais, as obrasfogem do real, apelando para os exageros, sendo oexagero mais conhecido o da fala exagerada. A temosdois extremos: enquanto em alguns textos o caboclofala Tu vais de uma linguagem formal e culta, nooutro um acometido de vosmec, sinh de formaexagerada que peca em representar o real. Ao serepresentar o local nunca se chegar ao homem.

    Representar o real o grande alvodesta Literatura patrocinada pelo Imperador, peloPresidente, pelo Diretor, pelo Reitor, pela Academia,

    etc. O plano histrico e poltico de fundar umahistria da literatura nacional tiveram como objetivoinicial ser fundamento para o Brasil. Foi neste planoque a utopia antropofgica falhou. O objetivo destesrevolucionrios da arte so os mesmos do Estado,que fundamentar uma Literatura Brasileira quefaa frente (e se iguale) a uma histria da literatura dospovos civilizados (ao mercado dos Europeus, dos Norte

    Americanos, dos enlatados) deixando para trs nossa

    origem brbara e desprovida de foras intelectuais.Foi nesse esforo de civilizar (o que gerou nossosheris ndios, tropeiros e gachos) a literatura que seiniciou a arte servial que nos cerca.

    Se civilizar a histria da LiteraturaBrasileira como parte do plano poltico do EstadoNacional representa criar pastiches que violentamentetentam englobar toda a extenso cultural e geogrfica

    do que se convm chamar Brasil, se criar tiposdeslocados, focar a regio, diminuir o homem em prolda histria, possvel afirmar que no existe literaturaou pelo menos no h arte pela arte neste territriose partirmos do ponto nico que a literatura umacriao que pode at ser criada em um territrio, masque flutua acima e vai alm, o bom leitor de Kafkaentender.

    Tambm possumos nossa utopia voraz.Esta nova arte nascida das entranhas do capitalismocomo um verme, uma ratazana, como o chorume,deve ser um ato violento contra o instaurado. De fato,esta definio de arte e literatura ainda est submetidaao plano abstrato (e deve sempre estar?), ela flutuasem fundamentos, banhada no caos, no eterno devirdas leituras e vivncias (da vida realmente). Emcontraparte, existe uma arte esttica, dos livros, dosmuseus, dos territrios, do eterno. contra esta artecivilizada que os brbaros e selvagens lutam, com

    lngua dos brbaros, com arte dos brbaros, com a voracidade dos brbaros e incivilizados. Contra acivilizao e a favor da barbrie. A favor da arte dosbrbaros.

    Rafael de AndradeRicardo de Moraes

  • 8/3/2019 EXPRESSOES_06

    28/39dez 2011 | 28

    REFERNCIAS

    ANDRADE, Oswald. A Utopia Antropofgica. So Paulo: Globo: 1990.

    BADRA, Edson Jorge. Literatura em Rondnia. Srie Caderno Cultural. Governo do Estado de

    Rondnia, Secretaria do Estado de Cultura, Esportes e Turismo. Porto Velho, 1987.

    BOURDIEU, Pierre. Regras da Arte: Gnese e estrutura do campo literrio. So Paulo:

    Companhia das Letras, 1996.

    CALDAS, Alberto Lins. Notas sobre literatura e arte. Porto Velho. Revista Primeira Verso(UNIR). Edufro, 2001.

    ________. Oligarquia das Letras. So Paulo. Terceira Imagem, 2005.

    ________. Que o Madeirismo. In Madeirismo: Ensaios Libertinos. Caderno de Criao 24,

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    ________. Madeirismo versus Minhoquismo. In Madeirismo: Ensaios Libertinos. Caderno de

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    29/39dez 2011 | 29

    10 dicas para

    explodir a bolha da

    SUPERPROTEOEnquanto pensava sobre o que escrevernessas 10 dicas, lembrei daquele ditado,de que todas as mes so iguais, s muda oendereo, ser mesmo? Em alguns aspectossim, mas em relao proteo aos flhos,isso pode variar muito. Existem aquelasmes que realmente no entendem queos flhos precisam de espao, de tempo etambm de tomar suas prprias decises,e assim, exageram na proteo. Foi apartir da que me dediquei a azer essas10 dicas .

    Vanessa Galvo

    TNT

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    01. ABRA MO DO CONFORTO!Passei muito tempo achando conortvel minha me tomar as

    decises por mim, como por exemplo, decidir que roupa iria

    usar em uma determinada esta, mas chegou a um ponto em

    que no tomar minhas prprias decises comeou a intererir

    em muitas situaes da minha vida, pois, alm de muitas dasdecises tomadas pela minha me no condizerem com o que eu

    queria, ou pretendia, ainda me tirou a possibilidade de praticar

    a tomada de deciso. Distinguir o que voc quer do que sua me

    quer para voc muito importante, pois, a partir da que voc

    conseguir uma reerncia para tomar decises uturas. No vai

    ser cil, pois enquanto voc ainda estar aprendendo a tomar

    decises, a sua me no vai querer abrir mo da situao que,

    se era conortvel para voc, (ainda ) muito mais conortvel

    para ela, anal dela o comando, por isso o trabalho para

    mudar ser todo seu. Se quiser decidir por si, ter que abrir mo

    do conorto.

    02. V EM FRENTE!Depois de tanto tempo dentro da bolha, voc decide que no vai

    mais ser assim, voc decide sair, e o que acontece? Voc percebe

    que no sabe o que azer. Claro n, voc no azia. Foi assim que

    me senti quando quis azer algo, quando quis colocar um ponto

    nal em todas as situaes em que era minha me que decidia

    as coisas por mim, e no eu. Quando percebi que era isso que

    queria, me senti s, sem saber o que azer e nem como azer,

    s sabia que queria azer, s sabia que no era mais aquilo que

    queria para mim. E mesmo com medo e insegura do que azer,

    decidi azer mesmo assim. As coisas pioraram? Sim. At hoje,

    h muitos momentos em que ela no entende que no tem mais

    o poder que sempre a deixei ter sobre mim. Mas continuo indo

    em rente.

    03. PREPARE-SE PARAGRANDES MUDANAS!

    Quando voc toma a deciso de mudar, de tomar uma atitude

    dierente daquelas que voc costumava tomar, logo percebe que

    tudo ca mais dicil e que voc nem sabe por onde comear.Foi isso que aconteceu quando decidi que muita coisa ia mudar

    l em casa, que no mais seria aquela criana por quem a me

    az tudo. Quando a minha me percebeu que tudo ia mudar,

    comeou a acusar quem tava ao meu redor de azer minha

    cabea, o Danilo, meu namorado, minhas melhores amigas,

    porque na cabea dela, a deciso de mudar no poderia partir

    de mim. Essa ser sempre a principal mudana, as brigas. Se elas

    j existiam, tenha certeza que elas caro piores, a cada dia, mas

    que trar a voc a possibilidade de ir em rente, de lutar pelo que

    voc quer, de azer voc uma pessoa dierente de muitas outras

    que existem nesse mundo, dierente das que preerem se omitir.

    04. NO REPITA A RELAO!Quando voc comea a sair da bolha, comea tambm a contar

    com a ajuda dos amigos. Aqui preciso cuidado, pois, a orma

    como voc se relaciona com a sua me ainda o modelo bsico

    para todas as suas outras relaes, o que normal, mas isso podeazer com que voc deixe a bolha que tem em casa para adentrar

    outra. O apoio dos amigos muito importante no processo, mas

    preciso sempre ter em mente que voc no quer deixar de se

    relacionar com a sua me, quer, na verdade, mudar uma relao

    que agora no mais saudvel. Por isso necessria ateno,

    para no repetir a relao anterior com os amigos.

    05. NO SE ANULE!No se anular signica que voc no precisa deixar de ser voc

    para ser eliz, voc no precisa abrir mo de seus sonhos, do

    que quer, do que acha certo, pela relao me e lha. Tenho

    um exemplo bem prximo a mim de algum que achou melhor

    deixar de lado o que queria para manter a relao com a me.

    Hoje avaliando essa relao, no sei dizer se esto elizes, s sei

    que eu no aria e nem arei igual. Prezo muito pelas minhas

    vontades e mesmo se elas me trouxerem coisas ruins, vou tercerteza que eu tomei a deciso de passar por elas e de que tive

    oras de enrent-las. Prero pecar pelo excesso, do que pela

    omisso.

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    31/39dez 2011 | 31

    06. QUESTIONE A RELAO!Todas as vezes que sem motivo, ou at por algum motivo, mas

    muito insignicante, minha me e eu brigvamos, sabia que

    ouviria dela um eu ao isso porque te amo, porque quero o

    melhor para voc. Mas era mesmo? Eu seria incapaz de decidir

    o que era melhor para mim? O amor deve nos privar do mundo?Da vida? De viver? No isso que nos az aprender? No a

    vontade de ir em rente o que nos traz obstculos, derrotas e,

    tambm, vitrias? Eu ao isso porque te amo, dizia a minha

    me para justicar muitos atos que eu achava desproporcionais

    e eu sempre acreditava nisso. Quando, porm, comecei a

    questionar os motivos dela descobri que no era bem assim,

    descobri que no era s por amor a mim que ela agia, e pude

    lidar melhor com a situao.

    07. TENHA CORAGEM!Quando alo em coragem, alo em coragem de enrentar seus

    prprios medos, pois nem todo mundo passa por cima de

    um problema sem sentir medo. Eu sei, seu hbito ugir do

    que provoca medo a voc, mas essa outra coisa que precisa

    mudar. Senti medo quando tive que me virar, quando tive que

    resolver alguns problemas que s eu mesma podia resolver, eu

    senti medo quando percebi que no podia contar com a ajuda

    de quem mais deveria me apoiar, eu senti medo de car s, mas

    mesmo assim continuei, continuo e no me arrependo. Sentir

    medo normal em muitas situaes, mas permanecer ugindo

    das coisas por causa dele o que az voc no sair do lugar. Por

    isso digo, tenha coragem de enrentar todos os problemas que

    viro, e tenha certeza que mesmo no sendo cil, voc se sente

    bem quando percebe que tomou a deciso certa.

    08. SEJA INDEPENDENTE!Eu sempre acreditei que a situao s mudaria quando tivesse

    minha independncia nanceira, quando pudesse ter minha

    prpria casa, meu lugar. Mas estava errada. Porque mesmo

    conseguindo sair de casa, quando voltasse para azer uma visita,

    a dinmica da relao seria a mesma, minha subordinao

    estaria intacta, pois independncia no se trata de no precisar

    de ningum, mas de poder tomar as prprias decises. Por isso

    digo, seja independente, mas independente consigo mesmo,

    seja independente mesmo dentro de casa, voc merece isso,

    pensar por si s, poder escolher o que quer para voc e o seu

    uturo. Para isso, voc no precisa desrespeitar os seus pais,

    precisa, na verdade, exigir deles o seu espao e comprovar seu

    merecimento.

    09. MOSTRE QUEM VOC !Sua me acredita que voc uma parte dela, uma extenso

    de sua prpria personalidade, ou seja, para ela, voc no tem

    querer prprio, no tem anseios prprios, para ela voc a

    verso mais jovem dela, s az o que ela j ez, s capaz do que

    ela j oi capaz, por isso a raiva e o ressentimento que sempre

    aforam quando uma dierena entre vocs aparece. Para as

    mes assim, toda dierena apresentada um ato de rebeldia,

    porque mostra um ato que a sua me no quer aceitar e quevoc ajudou muito a reorar: vocs so pessoas dierentes. Ao

    mostrar quem voc com certeza vai levantar muitas questes

    e promover muitos ensejos para discusses, mas, se o que voc

    quer, ter suas opinies respeitadas comece a respeit-las voc,

    no mais se escondendo para que tudo que bem.

    10. LEMBRESE QUE VOC CAPAZ!

    Muitas vezes eu senti que no seria capaz, que no podia azer

    nada, que no ia conseguir nada, ou seja, que eu era uma intil,

    mesmo conseguindo avanar um pouco, mesmo conseguindo

    meios de me realizar,