exposições universais: osaka 1970

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E X P O S i E S U N I V E R S A I S

OSAI(A 1970 Miguel Fontoura

Texto Miguel Fontoura

Reviso de Texto Fernando Milheiro

Design Grfico Luis Chimeno Garrido

Coordenao de Edio Fernando Lus Sampaio

Coordenao de Produo Diogo Santos

Fotocomposio, Seleco de COl' e Fotolitos Facsimile, Lda.

Impresso SIG - Telles da Silva, Lda

Crditos Fotogl'ficos Agradece-se aos servios da Embaixada do Japo, em Lisboa, a cedncia das fotografias.

Depsito Legal 118285/97

ISBN 972-8106-03-3

Tiragem 2 000 exemplares

Lisboa, Novembro de 1997

Uma Edio

EXPO'9S'

I Progresso na Harnlonia ............................................................................. . 7

II Entre canais e bambus ............................................................................. 17 o recinto 20 Todos iguais, todos difeumtes............................................................................. 23 A rvore de Tange . . . ........................................................................................ ........ 27 ... e o Tecto...................................................................................................................... 30

1110 Pavilho do Tema ........................................................................... 35 Pavilhes com histrias ........................................................................................... 36 O melhor e o mais diferente ................................................................................. 48 Portugal enl Osaka..................................................................................................... 55

IV At Vancouver ............................................................................................ 61 Bibliografia ..................................................................................................................... 72

P ROGRESSO NA HARMONIA

D Exposio Japonesa U niversal e Internacional, Osaka'70, foi . inaugurada a 14 de Maro de 1970 pelo imperador Hirohito e pelo primeiro-ministro Eisaku Sato. Cada uma das duas figuras leram discursos com menos de 30 segundos cada. Na sua interveno, Eisaku Sato explicou, perfeitamente, o porqu de fazer uma

Exposio no Japo, dizendo: O Japo adquiriu fora nacional suficiente para organizar uma exposio mundial e para assumir, junto da comunidade internacional novas responsabilidades . Depois dos discursos, a festa comeou, com o desfile dos Expo-Anj os e das Expo-Hospedeiras, respectivamente crianas e hospedeiras dos vrios pases participantes, vestidas com os seus trajes tradicionais. Por cima delas e sua volta, nuvens de confetti choviam, caindo sobre os robots electrnicos que deitavam fumo de cores e faziam barulhos de mquina sofisticada. Atrs desta primeira coluna mais desordenada e infantil, seguiam as representaes nacionais, com o Canad, Estado que tinha organizado a ltima Exposio, em 1967, a liderar o desfile. Seguiam-se-Ihe os Estados Unidos da Amrica e a Corea do Sul e os demais Estados participantes. Como explicao da poltica externa nipnica da altura, a ordem do desfile era espantosamente clara e sinttica . . . N o dia seguinte , 1 5 d e Maro, Osaka'70 abriu a s suas portas de manh cedo, para os milhares de visitantes que se acotovelavam . . . e os normais problemas logsticos e os acidentes imprevisveis no se fizeram esperar. Nesse mesmo dia, oitenta visitantes ficaram presos numa gndola suspensa, porque o. mecanismo, com uma reprovvel falta de respeito nacional, decidiu parar; igual falta de decoro tiveram as portas giratrias que serviam a entrada ao:pavilho dos Estados Unidos: ou por excesso de visitantes, ou talvez pelo peculiar gosto asitico em girar sobre si mesmo, o facto que essas pOltas foram substitudas quase imediatamente, no deixando de causar um rubor envergonhado nos representantes americanos . . . Alis, qualquer stio onde 65 milhes d e pessoas convergem e m 183 dias , naturalmente, lugar de complicaes mais ou menos srias. Em Osaka, ficaram para os registos: 55 casamentos, 17 mortes, um nascimento, 47 mil crianas perdidas (e encontradas), 44 mil adultos perdidos (e tambm encontrados), 60 greves de trabalhadores do recinto e dos pavilhes, 1800 roubos declarados, 126 incndios e . . .

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um tufo. Mas as exposies, embora tambm feitas destas pequenas histrias, tm sempre um enredo maior, uma explicao que elucida os porqus e os comos. esta explicao que, nas pginas que se seguem, pretendemos claro Cento e dezanove anos depois da primeira Exposio Internacional ter aberto as portas ao pblico, no imponente Crystal Pala ce em Londres, o continente asitico vai ser o anfitrio da vigsima exposio internacional: OSAKA'70. Depois de ter participado na sua primeira Exposio Internacional, em Paris, em 1867, o Japo que faz de anfitrio e convida o mundo. Sculo e meio depois, muda-se o continente, muda-se a vontade, muda-se, afinal, o prprio conceito de exposio internacional. A museologia industrial de carcter nacionalista, xenfoba por vezes, substituda por dois novos conceitos: a cooperao internacional e as novas tecnologias. No entanto, nem tudo mudou tanto como isso: o pas anfitrio na dcada de setenta continua a compreender a realizao de um evento desta natureza com o mesmo sentido de promoo nacional e de afirmao de capacidade como os anfitries do sculo passado. No caso japons, no entanto, h diferenas culturais essenciais: o facto de a Exposio de 1970 se realizar na sia, mais precisamente

o aspecto mais ldico de Osaka: o Daidarossauro.

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no Japo, vai ter uma importncia fundamental na normalizao da percepo desse pas pelos quase dois milhes de visitantes no asiticos e, atravs desses, das vrias sociedades ocidentais. Afinal, h quase trinta anos, o Japo era ainda para muitos uma curiosidade inacessvel pela distncia e pela falta de interesse. U ma sociedade igualmente inacessvel pelas diferenas, pelas prticas rotineiras to contrrias s nossas, no fundo to incompreensveis e estranhas como estas: ao entrar-se em casa, descalam-se os sapatos, no se tira o chapu; as pessoas esfregam-se antes ele entrar na banheira, no quando l esto; quando de luto, a cor permitida s o branco; as notas de p de pgina, nos livros, colocam-se em cima e no em baixo do texto; os jardins no tm flores; o vinho bebe-se aquecido, mas o peixe come-se cru; os gatos no tm caudas e so as mu lheres q u e aj udam os homens a desp ir os seus casacos . . . Descontando o bvio sabor folclrico deste amlgama de costumes japoneses, observados ainda hoje, fica-se, assim mesmo, com uma n tida certeza das d iferenas de sociedade entre o Japo e o Ocidente. Nesse sentido, a realizao, em Osaka, de uma Exposio Internacional contribuiu para que essas diferenas fossem, de parte a parte, entendidas por aquilo que na verdade so: idiossincrasias perfeitamente naturais e aceitveis, que mais no servem do que para dar uma tipicidade prpria a culturas cujo centro bem mais do que esse gnero de pormenor quase acidental. Com Osaka '70, vol t a-se a provar a excelncia do ins trumento Exposio Internacional como veculo de promoo nacional, independentemente da lngua oficial em que so apresentadas, da nacionalidade do recinto onde so realizadas ou da percentagem de estrangeiros que as visitam. Conjuntamente com os Jogos Olmpicos e, possivelmente, com o Campeonato do Mundo de Futebol, so as montras do orgulho nacional da era moderna; com elas, por elas mesmo, as naes ganham orgulho, exibem-se perante as demais, impem respeito internacional . E, em 1970, poucas naes teriam t a n ta s r a z e s c o m o o J a p o para orga n i z a r u m a E xp o s i o Internacional . Q u e m entrasse n a c atedral de ferro e v i dro q u e albergava a Exposio In ternacional de Londres de 1851 , estava, partida, impedido de ter opinio sobre a representao japonesa, facto para o qual contribui a no participao desse pas na primeira Exposio Internacional . . . E se se fizer o exerccio de imaginao necessrio para se conceber, agora, o possvel pavilho japons na Londres de 1851, o que colocaramos l dentro? Por outras palavras, o que que

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o Japo poderia colocar num seu pavilho? Para alm dos aspectos culturais da sua representao, a merecerem certamente um pavilho prprio, o Japo no tinha produo industrial prpria, no detinha avanos industriais que justificassem a sua presena. Faltava-lhe ainda a razo mais necessria de todas: a vontade de participar que, no caso japons, era quase inexistente . E vai ser este Japo que, sculo e meio depois, se lana na aventura de realizar a primeira exposio feita no continente asitico. Parecendo at querer aumentar a parada, a Exposio de Osaka vai-se assumir, desde o momento da concepo, como a maior e mais rica Exposio Universal realizada depois de 1945. mesma pergunta, uma resposta diferente agora: que mostraria o Japo agora em 1970, aos olhos do mundo? A primeira gTande potncia asitica, a robustez de uma economia que comeava a disputar a plimazia norte-americana em alguns sectores e um orgulho nacional verdadeiramente inultrapassvel. Em 1970, o Japo tinha vontade, capacidade e poder para organizar a Exposio Intemacional de Osaka. Falar de Exposies Internacionais falar de orgulhos nacionais: sem estes, no h condies para realizar aquelas. Com efeito, como j ustificar o dispndio de energias e de vontades necessrias para conceber e realizar uma aventura do tamanho de uma Exposio Internacional, sem se recorrer ao manancial, sempre inesgotvel, do orgulho na nao? esta exactamente a melhor maneira de explicar porqu o Japo decidiu lanar mos obra e realizar uma Exposio Internacional . Obriga a histria e o respeito pelos factos que se recontem os passos mais importantes que levaram a Osaka, em 1970. que, para os mais distrados, o dia 15 de Maro de 1970 o culminar de uma srie de tentativas de realizao de uma Exposio Internacional em solo japons: 1890, 1912 e 1940 so datas que qualquer especialista nipnico em Exposies Internacionais ter na memria como hipteses falhadas de ter, no Japo, um Exposio Internacional. E, para os mais desatentos, estas trs datas representam, na histria japonesa, trs momentos fundamentais: o incio da era Meiji , o comeo da modernizao do Japo; o final da mesma era, com a morte do i mperador e a ltima tentativa de supremacia nipnica no oceano Pacfico , que culminaria com a guerra contra os Estados Unidos. Para alm disso, 1940 representa igualmente os 2600 anos da fundao do Japo. E, para quem aprecie exemplos de honestidade comercial relacionada com Exposies Internacionais, os servios da organizao da Exposio j aponesa de 1940 tiveram tanto sucesso que chegaram a vender bilhetes.

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Mais exactamente, foram adquiridos 700 mil bilhetes, no Japo, com mais de dois anos ele avano. Os afortunados que puderam ou quiseram esperar trinta exactos anos, conseguiram fazer valer o seu dinheiro: trs dcadas depois, franqueavam as portas da primeira Exposio Internacional algu;na vez realizada no Japo! Cronologias parte, era certamente ainda a mesma nao que mostrava, ao mundo, a sua capacidade e pujana. E trs dcadas mais marcantes na recente histria j aponesa no devero existir: do expansionismo militar xenfobo ao estatuto de primeira potncia global civil, no dizer de, entre outros, Funabashi, em somente trinta anos um caminho que merece algum detalhe de escrutnio. Mas permitimo-nos recuar na exposio para relembrar o mote deste l ivro: a vontade j aponesa de fazer uma Exposio Mundial ! esta vontade que est sempre presente, quer para justificar o orgulho nacional-militarista da Junta Militar j aponesa da dcada de quarenta, quer para relembrar, j na dcada bastante mais civil de sessenta, as autoridades nipnicas do objectivo nacional de expor o Japo ao mundo, fazendo uma Exposio Internacional! Temos assim um mbil expositivo recorrente e crnico: o muito compreensvel orgulho japons. Como qualquer orgulho, o j apons matizado, de acordo com a circunstncia em que vivido: da inebriante novidade da industrializao de finais do sculo XIX, passando pelo expansionismo militarista das dcadas de trinta e quarenta do nosso sculo , reafirmao pacfi ca e pacifista das vantagens do confucionismo social e econmico japons das ainda contemporneas dcadas de sessenta e setenta, de todas estas etapas se alimentou, conscientemente, o orgulho nacional japons. Assim, torna-se compreensvel, mais, justificvel, que o Japo tenha acalentado, durante mais de um sculo, o desejo de convidar, para a sua casa, as demais naes que iam percorrendo o seu caminho. Atrevemo-nos at generalizao evidente: a vontade expositiva japonesa no maior do que a francesa ou norte-americana: enquanto os Nipnicos organizaram uma s vez, at 1970, uma Exposio Internacional, os seus aliados ps-1945, fizeram-no trs vezes, de Saint Louis a Nova Iorque, passando por Chicago! Entendida a teimosia j aponesa em organizar uma Exposio Internacional, depois dos reveses de 1 890, 1912 e 1940, percebe-se o porqu de Osaka como smbolo da modernidade japonesa, j perfeitamente alcanada em 1970. Vinte e cinco anos depois da derrota militar japonesa, vinte e cinco anos depois do incio da ocupao militar norte-americana, vinte e

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cinco anos depois da maior humilhao internacional alguma vez sofrida pelo Japo, este v chegada a altura de convidar a comunidade internacional para participar na sua Exposio. Como reabilitao internacional, h piores processos . . . Mas a Exposio de 1970 no , de todo, uma questo de revanchismo exibicionista; a ideia no provar a superioridade do Japo, mas a igualdade por comparao aos demais Estados participantes. Por essa mesma razo, a escolha do tema da Exposio Progresso Humano na Harmonia tem de inocente somente a subtileza de quem no se querendo pr em bicos de ps, pretende c hegar mesma altura. Ao lado do significado imediato e bvio do tema, um outro se esconde : um desejo de normalizao e de aceitao do valor do Japo pelos demais Estados. tambm esta a explicao da vontade japonesa em conceber e realizar a sua Exposio em 1970: para alm de servil' de montra capacidade tecnolgica e industrial j aponesa, existe igualmente um desejo de aceitao na normalidade do sistema internacional que, pelo menos desde 1945, andava arredada da percepo j aponesa. E no entanto, a Exposio de Osaka vai viver de um paradoxo evidente, quer durante a sua realizao, quer durante os anos que se vo seguir. Destinada a potencial' e a dar a conhecer ao mundo inteiro que o Japo estava de volta ao seio da comunidade internacional, por um lado e, por outro, a incutir confiana na prpria nao j aponesa, a verdade que uma rpida observao dos nmeros finais de bilheteiras nos levam a concluir que esta Exposio foi feita para japoneses exclusivamente! De um total de 64 milhes de visitantes, 62 milhes eram j aponeses, isto , 97 por cenLo dos visitantes no eram estrangeiros. Se se quiser observar por outro prisma, cerca de 60 por cento da populao japonesa visitou Osaka entre 15 de Maro e 1 3 de Setembro de 1970! Dos trs por cento de visi tantes da Exposio que eram estrangeiros, mais uma vez os nmeros podem surpreender: eram cidados americanos 52 por cento dos mais de milho e meio de visitantes de alm-mar. Concluindo: dos mais de 64 milhes de visitantes de Osaka'70, cerca de 700 mil foram

estrangeiros, se no se contar com os americanos. Et pourtant... a Exposio no deixou de ser um xito internacional, comprovada pelos 77 pases e quatro organizaes internacionais participantes, bem como pelo nvel da participao, traduzida nos contedos temticos dos Pavilhes Nacionais. Comprovam tambm o sucesso os nmeros de bilheteira apurados no final da Exposio: os quase 65 milhes de visitantes registados superaram, em mais de

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Outra vista de Osaka, com o Pavilho Americano ao lado direito da imagem.

15 milhes, os esperados pela organizao! Para se ter uma ideia mais concreta dos nmeros envolvidos, o dia em que se bateu o recorde de visitantes foi a 5 de Setembro, quando mais de 800 mil visitantes fi.'anquearam as portas da Exposio. Mas o sucesso da Exposio no se faz s de numeros, mas de vontades e persuases: convencer um milho e meio de turistas no japoneses a visitar uma Exposio Internacional no , de todo, uma m promoo para o pas, partindo do princpio que a distncia dos principais centros emissores de turistas era considervel. Alis, Osaka teve um outro efeito curioso e no esperado na sociedade japonesa: o nmero de turistas japoneses a viajar para o estrangeiro mais que dobrou a partir de 1970, como se em Osaka tivessem ficado abertas as portas para que uma sociedade tradicionalmente fechada e conservadora despertasse agora, com curiosidade, para o mundo sua volta e o quisesse ver de perto. Para tanto, no era tambm estranho o facto de estando profundamente envolvido num processo de aceleradssimo crescimento industrial e econmico, o Japo se obrigasse internacionalizao em todos os campos: Osaka foi, tambm, consequncia do crescimento econmico j apons, que forou , mais ou menos abertamente, a uma exposio ao estrangeiro at ento pouco sentida na sociedade japonesa. Depois de 1 945 e do contrato poltico e de desenvolvimento firmado com os Estados Unidos, essencial para o desenvolvimento da ecollo-

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mia japonesa, que teve como consequncias culturais mais notrias uma transposio ela mitologia comercial e consumista americana, traduzidas nos hamburgueres, refrigerantes, msica e, pasme-se! , num interesse devoto no mais americano dos desportos, o basebol, depois de 25 anos sob esse confortvel guarda-chuva americano, o Japo sofre a sua segunda grande abertura, exactamente com Osaka'70. Contrariamente i mposta pelo comodoro Perry e pelos seus canhes, em 1853, na baa de Edo, ou assinada em 1945 sob o olhar vigilant e de MacArthur, esta abertura de 1970 representa um esforo consciente de normalizao por parte do Japo. Para a Associao que a organizou, a Exposio deve ter tido um sabor especial , sendo o fechar de pgina sobre um assunto naturalmente delicado, do ponto de vista japons: o viver com o passado recente. Os Japoneses, como alis os Alemes, vo experimentar nas dcadas de cinquenta e sessenta um crescimento econmico enorme, em grande parte sustentado pelos vencedores ocidentais da Segunda Guerra Mundial - lgica bipolar oblige. Este crescimento econmico no teve, no entanto, correspondncia total no sentir nacional. As feridas profundas provocadas pela derrota de dois expansionismos impiedosos no foram ainda fechadas. Embora os Alemes possuam a matriz da inquietao da conscincia, para a qual tm criado os antdotos possveis, da teoria da normalizao do domnio firme e final do passado (a quilomtrica llergangenheitsbewltigllng), tambm os Japoneses, de maneira mais controlada e sussurrada, tm nestas ltimas dcadas questionado a sua direco h istrica, o seu desgnio mais profundo. Mais lima vez, a Exposio de Osaka, o seu carcter ferico e educadamente ostentatrio da riqueza e pujana japonesas foram um excelente meio para afastar todos esses fantasmas. Nesse sentido, Osaka teve consequncias interiores profundas para um Japo sempre preso tradio mais pesada e sacudido, violentamente, pelo progresso econmico ocidental. Este arranjo cultural entre a preservao ele uma sociedade e m muitos aspectos ainda medieval e uma fora de trabalho com necessidades e consumos cada vez mais ocidentalizados, este compromisso quase impossvel entre modernidade e cons ervadorismo foi magistra lmente consubstanc iado em Osaka . exactamente esse acordo invisvel entre o melhor de dois Inundos essencialmente diferentes que Osaka consegue representar perfeitamente nos 330 hectares da sua Exposio. A extravagncia de algumas solues arquitectnicas, contrastando com os quimonos impecavelmente vestidos, o futurismo por vezes quase naif das novas tecnologias orgulhosamente mostradas por

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o "admirvel mundo novo" da moda dos anos 70 em Osaka.

empresas japonesas a par de um jardim japons tradicional, todas estas incongruncias cio script de Osaka foram uma verdadeira sesso de psicanlise colectiva da nao japonesa. O resultado foi uma catarse colectiva essencial; um olhar ao espelho mais profundo da alma japonesa, das suas obsesses, confli tos e paranias, todas sublimadas, entre Maro e Setembro de 1970, nas colinas de Senri. A viagem que este livro oferece um passeio pelas memrias mais significativas da Expos io de Osaka, no pretendendo mais do que conservar, reavi vaI' ou criar as impresses mais eI uradouras produzielas por essa aventura. Mesmo impressas a negro, em papel, as narrativas perelem sempre alguma da cor e do pormenor nat urais ela ocasio em que so vi vidas; no se estranhe, portanto, algumas omisses ou distraces , responsabilidade nica e exclusiva elo autor desta memria que, no entanLo, julga no afectarem o interesse do leitor por essa Exposio. E agora que o mote geral esL dado, comece-se pelo pri ncfpio, pela escolha do local para a realizao da Nippon Bankoku Hakurankai (Exposio Universal elo Japo).

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ENTRE CANAIS E BAMBUS

IIExposio de Osaka teve lugar na cidade de Sllita, ao p das colinas de Senri, na regio de Kansai, junto de Osaka. A escolha da

localidade foi , como todos os processos j aponeses, complicados, morosos e . . . efic ientes. Em Fevereiro de 1964, Masataka Toyota, membro da Cmara do Conselho de Ministros japons, defende, no seio do Partido Liberal-Democrata, no poder na altura, a realizao de uma Exposio Internacional no Japo. A 28 de Abril de 1964, o mesmo Toyota deposita uma proposta nesse sentido na Comisso de Comrcio e I ndstria da Cmara dos Conselheiros. Paralelamente, na Primavera e Vero desse ano, inicia-se uma grande campanha pblica com o objectivo de levar a Exposio para a regio de Kinki, a sul de Tquio. Esta regio, que compreendia as prefei turas de Fllkui, Mie, Shiga, Kyoto, Osaka, Byogo, Nara e Wakayama, tinha sido escolhida, em 1963, como objecto de um vasto plano governamental que tinha como finalidade equilibrar o centralismo cada vez mais crescente de Tquio , a capital . Deste modo, procurava-se desenvolver estas prefeituras em termos econmicos e culturais , tendo como sempre como meta a equiparao face macrocefalia crescente da capital ao norte. Estando ento toda a regio de Kinki empenhada num forte processo de desenvolvimento, nada poderia ser melhor do que realizar, em qualquer uma das suas prefeituras uma Exposio Internacional . Assim sendo, os presidentes das Assembleias das oito prefeituras envolvidas, os governadores da regio de Kinki, a Federao das Cmaras de Comrcio e Indstria de Kinki e a delegao regional do Partido Liberal-Democrata vo-se unir volta de um mesmo objectivo: realizar, em Kinki, a primeira Exposio Internacional a ter lugar na sia. Raramente na histria da realizao das Exposies, ter uma nica regio concitado tanto apoio popular e poltico para ser o local de realizao de tal projecto. Esta unanimidade regional, inde

pendentemente de ser apenas uma das oito prefeituras a beneficiar directamente da concretizao deste sonho, prova, mais uma vez, que o Japo estava resolutamente empenhado a trazer para si a Exposio de 1970, depois dos trs anteriores desaires. caso para lembrar Shakespeare, quando coloca o rei Joo a falar: Se no ns, quem? Se no agora, quando? Sendo este o esprito dos responsveis regionais na altura, importava agora fazer avanar

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as pretenses de Kinki. Para tal, enviada a 23 de Abril ele 1964 uma carta assinada por Gisen Sato e Daizo Odawara, respectivamente governador de Osaka e presidente da Cmara de ComTcio e Indstria de Osaka. Quase um ano depois, este esforo antecipa trio d os seus frutos : a 3 de Abril de 1965, o Ministrio do Comrcio Internacional e da Indstria clecide que, se o Japo obtiver o direito de realizar a Exposio, esta ter l ugar na rea de Osaka . Em Setembro de 1965, o Bureau International des Expositions concede ao Japo o direito de organizar a primeira Exposio Internacional no continente asitico, na rea de Osaka. Mas a escolha final elo stio no estava ainda feita, j que na regio de Osaka, dois locais se perfi lavam como possveis de receber a Exposio: Senri e Otsu. O plano proposto para a hiptese da cidade de Otsu inclua construir um canal entre o lago Biwa, em Otsu, at baa ele Osaka e um outro do mesmo lago para o mar do Japo, que servisse para transportar todos os materiais de construo necessrios. Convm aqui uma palavra de explicao: no Japo, a construo de canais para transportar os materiais de construo comum, bastando dizer que os famosos castelos de Nagoya e Osaka foram construdos recorrendo a esse mtodo. Para alm de serem uma obra gigantesca de engenharia, atravessando o Japo horizontalmente e ligando as suas costas leste e oeste, estes canais poderiam representar, no futuro, uma melhoria considervel nos processos de di stribuio comerciais entre a costa do Pacfico e a costa do mar do Japo. Serviriam ainda estes canais

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como bvia atraco turstica, constituindo-se como variaes nipnicas do canal do Panam, mas a uma escala muito maior. Calcule-se o efeito dos grandes barcos de contentores a subir e a descer por causa dos diferente nveis de gua existentes por entre colinas e vales, no meio de zonas habitadas ! Uma ltima vantagem da soluo Otsu era que estes canais poderiam, eles mesmos, constituir-se parte integrante da Exposio, pelo seu valor arquitectnico e pela memria de construo que representavam. Senri, o distrito ganhaelor, por seu lado, no necessitava ele recorrer a obras de engenharia to imensas para acolher a Exposio. Pelo contrrio, uma das principais razes que levou a que fosse escolhido foi , exactamente, o facto do governo japons ter, j h algum tempo, planos de desenvolvimento urbano para essa rea. O distrito de Senri era, na verdade, o centro ele um gigantesco plano de desenvolvimento de transportes e urbano destinado a Osaka: a se projectavam vrios ns de auto-estradas, a juntar aos milhares ele casas previstas construir. Por outro lado, em termos de terreno, a opo Senri era naturalmente agradvel: toda a rea tinha sido uma floresta de bambu. Para alm de representar custos menores com terraplenagem, o facto de previamente ter sido uma floresta no colocava entraves arqueolgicos. Alis, quando os primeiros buldozeres comearam as escavaes, o alvio dos responsveis foi enorme ao perceberem que no existia qualquer tipo de vestgios humanos: estava-se sobre terreno virgem de histria humana. Foi durante a preparao elo terreno para a Exposio que se veio a compreender o porqu desta falta absoluta ele interesse do Homem por esta zona: no foram descobertos cursos de gua potvel na rea. Osaka, a segunda maior cidade elo Japo, situada 4.00 km a oeste de Tquio, na altura com uma populao de 3,6 milhes de habitantes, era a capital comercial elo Japo. O recinto ela Exposio ocupava 330 hectares e estava situado sensivelmente a 16 km de Osaka e a 30 km da antiga cidade imperial de Kyoto. A rea em causa era composta por pequenas colinas, que, no processo da:. terraplenagem necessria, foram aproveitadas para criar pequenos lagos artificiais. Em termos de distribuio espacial, a parte mais alta do recinto foi aproveitada para os edifcios mais volumosos, reservando-se assim as partes mais planas e baixas para os edifcios mais pequenos. A orografia algo acidentada da regio de Senri emprestava algum interesse ao prprio recinto da Exposio que conseguia, desse modo, quebrar a monotonia inevitvel ele 330 hectares uniformemente terraplenados, at porque toda essa regio era escassamente arborizada.

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o RECINTO

m os 330 hectares do recinto, 228 eram consagrados exclusivamen te s ex!)osies. Deste nmero, aproximadamente 186 hectares eram ocupados pelas participaes estrangeiras, incluindo-se aqui os pases (77), organizaes internacionais (quatro) e ainda cidades e provncias parte i ntegrante de Estados participantes, como, por exemplo, o Pavilho do Alasca ou de So Francisco. Os restantes 42 hectares dedicados parte expositiva do recinto, cerca de 18 por cento da rea disponvel, era completamente ocupada pelos pavilhes japoneses: 32 empresas privadas, organismos pblicos e governamentais; 10 governos provinciais e municipais e ainda 1040 expositores individuais ou colectivos. Uma nota para a participao de quatro importantes organizaes i nternacionais: a Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico, as Comunidades Econmicas Europeias, a Organizao elas Naes Unidas e o Banco Asitico de Desenvolvimento. A presena destas quatro organizaes essenciais ao sistema internacional ela altura atesta pelfeitamente a importncia concedida pelos Estados participantes Exposio de Osaka. O recinto da Exposio estava dividido em duas partes: Norte e Sul. Na par te N o rt e , encon trava-se o Ja rd im Japons ; na S u l , a Expolndia. O Jardim Japons tinha 1 ,3 km de comprimento e 200

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Vista geral do recinto: em primeiro plano, o Pavilho Fuji; por detrs, a imponncia do Pavilho Sovitico.

metros de largura e apresentava ao pblico a histria das tcnicas de jardinagem nipnicas iniciadas h centenas de anos atrs. Neste jardim, 2 ,3 milhes de rvores e arbustos recriavam uma natureza frtil e abundante que, naturalmente, e como se viu atrs, faltava, na ver

dade, zona de Semi Pelo meio do jardim, trs grandes lagos artificiais marcavam presena: o lago das Carpas, o lago de Ltus e o lago dos Irises. A Zona Sul do recinto era a Expolndia: seis etapas de divertimento, jogos e fantasia, como se costuma dizer, e neste caso com propriedade, para toda a famlia ! . Por entre as rodas gigantes, carrocis, barraquinh as e afins, uma construo peculiar dominava toda a rea da Expolndia: o Daidarossauro. Consistia numa srie de montanhas russas entrelaadas entre si que se e spra Iavam p o r t oda a Expolndia, com cinco percursos d i feren t e s . Q u an t o ao n o m e , quase impronuncivel, uma explicao devida: Daidarossauro a juno das palavras Daisarabochi, nome do gigante mitolgico que criou o monte Fuji numa noite, e ele (Dino) Sauro, enorme rptil da Era Secundria. Entre a Zona Norte, contendo o Jard im Japons , e a Zona Su l , albergando a Expolndia, estava o c entro d o rec in t o , c o m os Pavilhes Nacionais, o Pavilho do Tema e os Pavilhes Industriais Japoneses. A rea Smbolo, onde estava a Praa do Festival, tinha como funo, neste recinto, unir as metades ocidental e oriental do recinto. Os 330 hectares que compunham a Exposio tinham, apesar desta diviso em temtica e cardinal, uma unidade de visita absoluta, alis demonstrada cabalmente pelo inovador sistema de transporte dentro do recinto. A filosofia de transporte de visitantes em Osaka assentava em quatro instrumentos fundamentais: o mono-rail, carros elctricos, passadeiras rolantes e gndolas suspensas . O mono-rail tinha uma extenso de 2 ,7 milhas e era completamente computadorizado e automatizado: no havia condutores, nem qualquer outra espcie de funcionrios da organizao dentro das carruagens. Uma viagem de 15 minutos neste mono-rail de fico cientfica e estava feita uma volta completa ao

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A surpreendente novidade das passadeiras rolantes, ou 3 dcadas de progresso acelerado . .

recinto da Exposio. Os carros elctricos, com capacidade para seis passageiros eram outra boa maneira, e ambientalmente correcta ! , de ver todos os pavilhes , a par com as gndolas giratrias, suspensas de cabos, como um verdadeiro telefrico, capazes de levar quinze pessoas de cada vez a ter uma viso area da Exposio. Finalmente, um outro meio de transporte, agora popularizado por todo o lado, na altura verdadeiramente novo e espantoso: as passadeiras rolantes tubulares. Dentro destes tubos andantes, o visitante podia apreciar o recinto sua volta, j que as paredes eram feitas em perspex, um parente prximo da fibra de vidro, um plstico que, na altura, fazia furor. Com uma velocidade de 1,5 milhas por hora, um eficientssimo e fresqussimo sistema de ar condicionado, estes tapetes rolantes transportavam, por hora, 10 mil pessoas entre as vrias atraces ela Exposio, numa distncia total de quatro quilmetros. Este sistema t inha s ido ut i l i zado pela primeira vez na Exposio de Paris , e m 1900; agora, o Japo recuperava essa tecnologia e utilizava-a de maneira totalmente radical e nova, aumentando-lhe o interesse prtico. Alis, os sistemas de transporte dentro dos grandes aeroportos internacionais so devedores a Osaka, em grande parte, pelas compridas passadeiras rolantes to funcionais e teis. Estas passadeiras bateram ainda todos os recordes internacionais para a maIS longa passadeira j amais construda com ar condicionado.

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TODOS IGUAIS, TODOS DIFERENTES

1m dos problemas que reoITentemente se a.present os organiza

dores de qualquer mamfestao onde eXIstem vanas vontades expositivas saber como as coordenar, como as arranjar de maneira a que o todo - a Exposio Internacional - seja mais do que a simples soma de Pavilhes Nacionais, por muito belos que sejam. Como no podia deixar de ser, a organizao japonesa responsvel por Osaka'70 teve exactamente o mesmo problema: conciliar os orgulhos e particularidades nacionais, traduzidos em arquitecturas mais ou menos afirmativas e inconciliveis entre si com um esprito de harmonia expositi va que, no caso de Osaka tinha, ainda por cima, o nus do tema central da Exposio - ProgTesso e Harmonia - tender, naturalmente, para uma harmonizao arquitectnica muito completa . Originalmente foi ideia da Associao organizadora convidar um grupo de arquitectos que, por si mesmos, desenhassem e construssem uma estrutura expositiva internacional nica, onde os vrios pases participantes pudessem, de acordo com o espao concedido a cada um deles, expor as suas peas. Esta ideia seria a traduo lgica e real do Progresso e Harmonia , tema central da Exposio. No entanto, e apesar do muito apoio que suscitou, por exemplo, na Associao de Arquitectos Japoneses, no foi para a frente. Duas razes claras se podem identificar, imediatamente: os orgulhos nacionais e os orgulhos industriais. Em 1970, no auge da competio bipolar ideolgica, cultural, econmica e social, no se podia esperar que as duas superpotncias abdicassem de uma oportunidade nica para provar, aos seus olhos, aos do adversrio e aos do mundo, testemunha fundamental, a sua superioridade, traduzida em mais arquitectura, melhor arquitectura, mais exposies, mais atraco, mais interesse, enfim, excelncia ! E se esta razo colhe fundo nos egos desmesurados das duas maiores potncias, no deixa de poder ser aplicada, com sucesso, aos pases mais pequenos: o orgulho nacional no corresponde a tamanhos de territrios nem sequer a nmero de nacionais, mas sempre a uma legtima aspirao de grandeza. Assim sendo, os demais pases pequenos preferiram tambm a soluo finalmente adoptada de deixar capacidade econmica e inventiva de cada um a melhor maneira de se apresentar em Osaka. Na categoria orgulhos industriais o dedo deve ser apontado possante indstria japonesa. De facto, se o orgulho nacional contou, e muito, para a rej eio de modelos comunitrios de exposio, a afir

mao crescente da indstria japonesa, a sua pujana, to bem assi-

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nalada nesse mesmo ano de 1970, quando, finalmente ! , o Japo ascende ao terceiro lugar no campeonato da riqueza mundial, s atrs, na altura, da Unio Sovitica e dos Estados Unidos, no poderia permitir que os pavilhes dedicados a esta exaltao tecnolgica no fossem, eles mesmos, excepcionais. Assim, sendo esta Exposio uma celebrao da emancipao econmica e cultural do Japo, no faria sentido que as indstrias japonesas, afinal o motor de todo esse desenvolvimento, fossem remetidas para partes de espaos expositivos gerais: o Japo exigia que se mostrasse o seu avano, a sua igualdade internacional por comparao aos demais com pavilhes prprios. E que estes tivessem tanto dinamismo arquitectnico quanto as vendas ao exterior ou as quotas de mercado. O Japo esteve presente com 32 pavilhes de empresas, organismos pblicos e governamentais. Cada um destes pavilhes foi um marco arquitectnico de Osaka'70, tornando-a, definitivamente, uma Exposio arquitectonicamente diferente. Convm alis que se explique uma caracterstica nica da Exposio Internacional de Osaka: pela primeira vez na histria das Exposies Internacionais, os pavilhes das empresas privadas foram to ostentatrios, arrojados e conseguidos como os dos pases participantes :

por outras palavras, empresas como a Fuj i, Matsushita, Toshiba, a IBM e a Kodak, assim como algumas Associaes Industriais japonesas - Gs e dos Txteis - por exemplo, deixaram a sua marca na memria dos visitantes, bem como na histria das arquitecturas de exposies passadas. Premonio dos tempos que viriam, Osaka foi a

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primeira testemunha do crescente poder financeiro e econmico das grandes multinacionais. Nos 330 hectares de recinto disponveis, as empresas disputaram, denodadamente, com os Estados soberanos, o metro quadrado expositivo, no sendo, por vezes, o resultado favorvel s organizaes polticas tradicionais. Estava dado o mote daquilo que, a partir de 1970, viria a ser o normal em qualquer Exposio: o patrocnio, directo ou indirecto, de acontecimentos especiais durante a Exposio, por vezes de pavilhes, quando no da Exposio em si. Haver ainda quem estranhe, nos dias de hoje, o mecenato cultural, o patrocnio ou o apoio financeiro a causas culturais, filantrpicas ou outras? Pelo contrrio, o patrocnio produzido pelas grandes multinacionais tornou-se, nos ltimos anos, parte importante, se no essencial, dos sempre reduzidos oramentos das empresas culturais. Voltando nossa histria, histria da Exposio de Osaka, foi exactamente com ela que a importncia relativa dos Estados por relao s grandes empresas multinacionais comeou a deixar de ser um dado seguro: a partir de agora, os Estados com menos recursos financeiros tinham deixado, na prtica, de ter capacidade para competir com os grandes conglomerados internacionais. Prova evidente desta recente incapacidade financeira foram os seis pavilhes que a organizao colocou ao dispor dos pases menos desenvolvidos, como forma de reduo de custos de constn.lo. Esta extremamente irnica reviso das catastrofistas previses marxistas, em que so - pasme-se! - as empresas, o capital, que subjuga o prprio Estado, e no o agora quase que para sempre explorado operrio apareceu, pela primeira vez, em Osaka. Da simples vontade de marcar a diferena, como no caso do pavilho da empresa j aponesa Fuj i , um gigantesco edifcio composto de . . . dezasseis enormes salsichas de borracha multicolorida insufla-

das d e a r q u e n t e , a experinc ias arqui tectnicas de mrito prprio, a participao do sector privado

foi a grande novidade de Osaka.

A originalidade do Pavi lho Fuji.

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Esta novel participao privada, feita com arrojo que baste, no se quedou pela arqui tectura exterior dos pavilhes; pelo contrrio, a prova da capacidade e vontade cio sector privado presente em Osaka estendeu-se ao interior cios seus pavilhes, ao contedo exposi tivo, com certeza, mas, e aqui com muita inteligncia, decorao. Com efeito, no propriamente todos os dias que se tem Joan Mir a

o Pavilho das Indstrias do Gs.

decorar, como bem lhe apeteceu, o Pavilho do Gs, iniciativa da A ssociao das E mpresas de Gs do Japo. Ou, se se preferir a expresso musical , ass is t ir a um concerto de Ianis Xenakis no Pavi lho da S i derurgia do Japo, cor tes ia da Assoc iao das Indstrias Siderrgicas do Japo. E ainda, para finalizar, ver e tocar nas esculturas sonoras de Franois e Bernard Baschet, no interior do Pavilho da Federao do Ao Japons. C omo em qualquer manifestao com a dimenso ela Exposio

Internacional de Osaka, necessrio haver um mestre-ele-cerimnias, algum que coordene, harmonize, dirija esta orquestra ele arquitectu

ras, esta pluralidade de gostos e tendncias, quer sejam pblicas, quer sejam privadas, ou, tambm associativas. Em Osaka'70, foi Kenzo Tange.

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A RVORE DE TANGE. . .

III enzb Tange, o discpulo de Le Corbusier, o mestre-de-cerimnias . da grande aventura japonesa de 1970, obteve a honra de ver o seu nome indissociavelmente ligado Exposio de 1970, tendo sido o seu arquitecto supremo. Supremo por duas excelentes razes: porque foi superior por comparao aos demais e superior porque superintendeu, e como! , s arrojadas e brilhantes arquitecturas plurais de Osaka. Bravssimo ento ! , que o maestro dirigiu os naipes, conduziu as seces e comandou os grupos como mais ningum! E o resultado, enfim, merecedor de gravao, at porque, infelizmente, os registos da obra reduzem-se a fotografias sempre pequenas de mais por comparao grandeza dos instrumentistas e do maestro, foi uma sinfonia de solues e aventuras arquitectnicas de grande valor, parte das quais deu frutos at hoje observados. Fazendo j ustia completa ao grande arquitecto japons, Tange teve o mrito de coordenar as equipas de arquitectura que se ocuparam dos pavilhes, mas coube-lhe igualmente conceber o recinto, uns complicados 330 hectares de terreno acidentado. Tange pode assim ficar descansado: a aventura de Osaka'70 sua, em grande parte . E aventura tem aqui um nico significado: pensar, imaginar, criar, conceber, util izando somente as regras da inteligncia ! J avismos: Tange no responsvel por nenhum edifcio erigido na Exposio de Osaka (s perderam os mais de 60 milhes de visitantes . . . ) ; Tange foi o Plano Director de Osaka! E , enquanto que, para a maioria do tracejador de linha desenhada em pape l a s s u m i r o papel de coordenador s u premo de uma Exposio, sinnimo evidente e claro de aventura e desvelo arquitectnico , seria um desafio adamastric o , para Tange foi , a melhor palavra . . . natural. Natural porque as alturas e largu

ras em que por dentro vivemos tm

de ser naturais: seno, no so alturas e larguras, mas ps-direitos e cmodos e frestas nas janelas! este o grande paradoxo da realizao de Tange em Osaka: o seu conceito arquitectnico de Exposio exclui a Natureza : a Natureza , a, o Homem. E no ser este a mais bem acabada realizao da Natureza? Convoque-se aqui o testemunho de um outro grande arquitecto, Eero Saarinen, quando definiu

magistralmente o conceito de arquitectura como natureza feita pelo Homem . Olhando para a sua obra, tragicamente interrompida, recordemo-nos, pelo menos, que, neste caso, a citao inteiramente merecida: dizem-nos o edifcio da TWA no JFK e o edifcio da CBS,

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em Nova Iorque, bem como lima outra srie de obras maiores deste finlands, espalhadas um pouco por todo o mundo. Funo, estrutura e integrao na sua poca h istrica: Tange soube aplicar estes princpios gerais da arquitectura moderna de maneira

Tange e Okamoto: uma perfeita smbiose entre dois grandes artistas em Osaka.

i nteligente em Osaka. Diro os puristas do trao depurado mais moderno que a Arquitectura de Exposio , se assim se pode chamar, nunca provou merecer figurar na fila da frente das novas solues da arquitec tura . Julgamos ser um racioc n io por demais simplista, j que se esquece da primeira funo dessa Arquitectura de Exposio : a necessidade de mostrar, do pavilho vitoriano cm exotismos coloniais, ao mobilirio de escritrio futurista das primeiras dcadas deste sculo. A essa necessidade, esta Arquitectura soube sempre responder, por vezes marcando, indelevelmente, as solues escolhidas anos depois, como no caso da utilizao do ferro como material de construo nos finais do sculo passado. Num certo sentido, em Osaka, Tange vai fechar um ciclo velho de sculo de ligaes entre as Exposies Internacionais e as correntes arquitectnicas modernas, conseguindo, ainda, fazer a ponte , de alguma maneira, entre a sempre presente necessidade de expor e os novos e radicais ventos do ps-modernismo arquitectnico. A sua planta do recinto em Osaka mimetiza e recria uma forma arbrea, com um tronco , ramos e flores . A soluo de um recinto de exposio em forma de rvore solucionou, inteligentemente, os

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vrios desafios colocados organizao em O saka : como fazer caber em 330 hestares 77 pases, quatro organizaes internacionais e mais de 40 expositores japoneses, entre governos locais e empresas? Aqui no somente o nmero le participantes que causa dificuldades, mas tambm, at mais, diga-se, as diversidades notrias entre pases grandes e pequenos, ricos e pobres, com bons e no to bons arquitectos, com reas de construo maiores ou menores, enfim, com mais de cem solues diferentes de arqui tectura ! Como organizar este desafio sem se ter como resultado uma coleco montona de solues arqui tectnicas dspares entre s i , coleco essa organizada segundo o critrio nico da arrumao alfabtica, ou qualquer outra menos conhecida? nesta resposta que Tange prova o seu talento de organizador, ao solucionar o aparentemente insolvel problema da organizao e coerncia elo desordenado que uma Exposio Internacional conseguindo dar uma continuidade fsica aos pavilhes desiguais que so sempre os pavilhes de uma Exposio Internacional. a rvore de Tange que vai solucionar esta dificuldade: no tronco, encontra-se a Grande Praa ou a rea do Smbolo, que vai desde as pOltas de entrada principais at ao Pavilho do Tema, passando por um Museu e um Centro de Controlo de Informao Computadorizado; os ramos so os caminhos por onde andar, neste caso, as passadeiras tubulares e. as vias para automveis e as flores da rvore so, como no podia deixar de ser, os pavilhes. Atente-se na ntida simbologia pantesta desde traado eXl)Ositivo: o tronco, o corao do ser vivo, contm a Entrada e o Pavilho mais i mport a n t e , j que enc erra em si m e s m o o t em a nuclear da Exposio; os ramos, por onde a seiva da rvore vai de encontro promessa realizada de vida que so as flores, tm o papel de transpor tadores , nes te caso do fac tor mais e s senc ia l de qualquer Exposio: os seus visitantes. Finalmente, o crculo fecha-se, quando se chega rea mais representativa de todo o recinto: os pavilhes de todos os Estados e organizaes participantes. Num certo sentido, estes pavilhes so as flores desta rvore, j que ser a partir deles, neles at, que todas as exposies futuras tm e tero o seu comeo. Como qualquer outro recinto, os 330 hectares de Osaka tinham uma paleta de cores essencial caracterstica. Neste caso, as cores do vidro, cimento e ferro. Era o incio da dcada de setenta, e a modernidade arquitectnica a tanto obrigava. O high-tech dava os seus passos em Osaka, afastando, radicalmente, os eflvios cromticos e decorativos de exposies passadas. Mas que no se fique com a ideia que a arquitectura de Osaka era baa ou montona. Pelo contrrio, graas

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o simbolismo arquitctnico de Okamoto: a Torre do Sol .

em grande parte aos esforos de Tange, do lado japons, e de alguns grandes arquitectos convidados por algumas das naes participantes, Osaka pode-se orgulhar de ter deixado marcas indelveis na arquitectura, quer entendida como arte visual, quer como soluo tcnica. Taro Okamoto, por exemplo, um devedor da inteligncia e viso de Kenzo Tange; se no fosse este ltimo, o pintor Okamoto no poderia ter visto a sua criao, uma Torre do Sol, um verdadeiro bab)'-face olmeca solar, de braos abertos a celebrar a Festa, a receber os visitantes sob o enorme tecto da Praa Festival. que Tange fez finca-p na obra de Okamoto e, contra a gTande maioria dos seus colaboradores e demais responsveis pela organizao do recinto, exigiu que este hoje conhecido ex-lbris da Exposio pudesse, todos os dias, abraar o Sol . . . e ser admirado pelos milhes de visitantes que por ele passaram .

. . . E O TECTO

o m tecto com 1 ,6 metos quadrados, a 30 metro de altura, .sus

penso por seIS UlUCOS pIlares. Este tecto, esta levItao arqUItectnica, , provavelmente , a grande memria visual de Osaka'70. E com razo, pois quer em termos da rea bruta que ocupou, quer como smbolo de uma nova arquitectura, fortalecida com novas tcnicas de construo, tradues mais fiis do fiTOjO intelectual e elo desrespeito sadio pela conveno ortodoxa e bolorenta canonizada por arautos cada vez mais roucos e cansados, quer enfim como simples manifestao de graa e l eveza de um s imples t ec t o , giga n tesco t ec t o q u e

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albergava o mundo de Osaka, esta tenda, tecto, telhado, enfim, esta obra ficou, muito tempo depois de ter sido desmontada, como emblema elas fronteiras que j se podiam sonhar desbravadas no incio ela dcada de setenta.

Vale a pena debruarmo-nos um pouco na maneira engenhosa como Tange e a sua equipa conseguiram fazer elevar e suster! , com segurana, quase 32 mil metros quadrados de telhado, sobre uma rea superior a trs campos de futebol. A estrutura de telhado assentava sobre seis pilares, a partir dos quais, num verdadeiro entranado, 2272 traves e vares se encaixavam em 639 caixas de j uno ! Apesar dos nmeros pesados, a estrutura era, em s i mesma, extraordinariamente leve, quer devido ao facto destes vares serem feitos de uma liga leve de alumnio, quer tambm por causa da sua dimenso: 1 0,8 metros de comprimento para somente 35 centmetros de largura ! Toda esta estrutura foi montada no cho, por facilidade de execuo e, depois, iada at ficar a uma altura de 30 metros sobre o recinto da Exposio. Imagine-se quatro mil toneladas de tecto suspenso sobre uma exacta meia dzia de pilares e ficar-se- com ideia da grandiosidade do Tecto de Tange . Esta estru tura albergava duas grandes 1reas do recinto : a rea Smbolo e a Praa Festival. Juntas, consti tuam o corao de toda a

o Tecto de Tange, albergando a Torre do Sol.

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Exposio. A Praa Festival tinha capacidade para albergar, debaixo da sua parte do Tecto de Tange, 27 mil pessoas simultaneamente. Como tal, tinha como funes essenciais acomodar os Dias Nacionais dos 77 pases participantes, bem como uma enorme quantidade de espectculos avulsos: ballet, pera, msica instrumental, grupos rock, enfim, todas as manifestaes artsticas que chamassem muito p blico eram concentradas na Praa Festival . No se fique, no entanto, com a i deia de que esta gigantesca rea para 27 mil pessoas era somente um amontoado desordenado de espaos sobrepostos; a Praa Festival podia orgulhar-se de ter ao seu dispor a mais moderna tecnologia. Os vrios palcos eram controlados por uma rgie computadorizada central, que os coordenava nas suas ascenses e voltas sobre si mesmos, de maneira a no haver sobreposies ou descoordenaes; computadores controlavam igualmente a amplificao dos sons dos vrios palcos e os j ogos de luzes, sempre com a preocupao de deixar acontecer o espectculo do lado, respeitando o seu ambiente prprio. A coordenao sincrnica entre eventos artsticos no acabava, porm, por debaixo do Tecto de Tange; no grande lago artificial front eiro Praa Festival, local das pelformances mais arrojadas, excnt ricas ou, ' simplesmente, vistosas, o grande palco flu tuante era, i gualmente, controlado pela maquinaria e cincia nipnicas. A rea Smbolo, contrariamente ao seu hermtico nome, e estando t ambm debaixo do Tecto de Tange, mais fcil ainda de explicar; contrariamente Praa Festival, onde todas as tendncias, todas as i deias, todas as modas se cruzam e interagem, a rea Smbolo era, apenas , o pon to de par t ida da toda a Expos io . Smbolo do Progresso e Harmonia, temas da Exposi e smbolo tambm da tradio j aponesa - no fundo, o simbolismo mais profundo era a ponte alcanada j entre a tradio e modernidade nipnicas. E na rea Smbolo, smbolos eram trs: Maternidade, Juventude e Sol. Trs dimenses da vida, trs torres debaixo de um tecto, o Tecto de Tange. As duas primeiras torres representam o crescimento e a i nfindvel energia da Humanidade; a ltima, o Sol, a dignidade e o progresso da raa humana. Visitemos com mais ateno a Torre do Sol, obra de Taro Okamoto . Como vimos anteriormente, a oportunidade de Okamoto de ter const rudo a Torre do Sol deve-a, exclusivamente, ao discernimento de

Tange: sem a teimosia deste, aquele no teria sido autorizado a fazer o que fez. E pode-se dizer que a fez bonita . . . A Torre do Sol tinha 7 0 metros de altura e apresentava trs faces dis-

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A original Torre do Sol , Pavilho do tema da Exposio.

tintas aos visitantes: a mais brilhante tinha onze metros ele dimetro, estava no cume da Torre e simbolizava com a sua cara dourada, a Eternidade e o Cosmos. Uma outra face estava virada para a entrada principal da Exposio e uma terceira, que se assumia como a divindade protectora, protegia, l de cima, todo o recinto e os seus visitantes. Mas a Torre tinha ainda uma outra caracterstica, esta particularmente simptica para todos os visitantes: uns hospitaleiros braos abertos recebiam os visitantes. Imagine-se um abrao, mesmo figurado, de 50 metros de envergadura a iniciar uma visita a Osaka !

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o PAVILHO D O TEMA

lIara alm das trs torres, a rea Smbolo tinha ainda um interessante percurso exposi t ivo, assente na ideia da viagem cronolgica

e histrica que a Humanidade tinha feito at ento. Este percurso era o Pavilho do Tema da Exposio de Osaka, construdo dentro da prpria Torre do Sol, em trs nveis distintos : o Mundo do Mistrio, no subsolo; o Mundo da Harmonia, nvel trreo e representando a contemporaneidade; e, finalmente, o Mundo do Progresso, a 30 metros de a l tura , uma anteviso elo fu turo. Esta viagem tinha inc io no subsolo da Torre do Sol, continuava pelo interior da prpria Torre e acabava j sob o Tecto de Tange. Quem experimentasse o percurso, comearia por ser transportado sobre uma passadeira rolante, i merso no negro mais intenso, pontuado, aqui e ali, por rplicas ele gravuras pr-histricas - o Homem comeava assim a marcar a sua eternidade -e por simulaes de ataques de animais selvagens, recorrendo-se, fel izmente, a truques pticos e acsticos. As ltimas salas existentes nos subterrneos da nossa memria colectiva do o primeiro motete do tema da Exposio - Progresso atravs da Harmonia . a altura de ver os utenslios, as ferramentas e as armas com que comemos a dominar as restantes espcies. Mas para alm ela panplia de slexes mais ou menos rombos, mais ou menos encastoados em grossas madeiras, mais ou menos utilizveis, os ltimos tableaux, recordam as fronteiras menos fsicas que fomos sabendo ultrapassar: as caras dos deuses, ou as mscaras para deles nos escondermos; as leitosas Mes-Terra, as avs de Rembrandts e Renoirs, de peito ainda infunado pela azfama de alimentar a Humanidade; enfim, o incio da aventura ela Arte Humana. Depois ele vistas estas caves da nossa memria, suba-se at Torre do Sol propriamente dita e elentro elessa, rvore da Vida. Como em qualquer rvore, o mais importante so as razes onele, neste caso particular, se podia observar o incio da h istria ela evoluo, com a ajuda indispensvel de efeitos de luz, som e cor. Como qualquer Viajante no Tempo encartado por Herbert George Wells, o visitante podia observar as primeiras molculas orgnicas a serem formadas, a

partir dos compostos mais s imples at, num ainda quase passe de mgica, se comearem a j untar num bailado helicoidal, como se de clervixes se tratasse, at se transmutarem na Molcula Primeira, no ADN. Por comparao ao Viajante de Wells, o visitante de Osaka teria

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duas diferenas : a segurana da viagem e o esta ser feita para trs, para o incio da Histria, e no para um seu ponto ps-apocalptico. Esta vi agem educativa pelos nossos verdadeiros avs continuava, agora com a ajuda de quatro elevadores que faziam ascender o visitante, em rota espiralada, pelo meio da crescente complexidade das clulas vivas: das mais simples e primitivas, aos primeiros rpteis, pssaros e smios, chegando . . . a ns mesmos, perfeitamente justificados e aceitveis nesta nostlgica e cientfi ca subida pela nossa memria gentica mais profunda . Ao todo, trezentos modelos, entre clulas e sapiens sapiens faziam compreender a quem fizesse a viagem a beleza inicialmente to simples de toda a existncia, da molcula ao neurnio. O efeito cenogrfico era potenciado, mais uma vez, por uma cuidada orquestrao de luzes, cores e sons. Quando os quatro elevadores se imobilizavam, depois de percorrido o poo espiralado onde se tinha exemplificado o parentesco entre a alga e o Homem, o visitante tinha alcanado o cimo da rvore da Vida e passava ao Espao do Sol. Trinta metros acima do solo, na Torre do Sol, era a altura de iniciar a visita ao Mundo do Progresso , uma" exposio sobre o Universo, apresentando a Via Lctea e o nosso sistema solar: terminava assim a visita ao Pavilho do Tema, cortesia de Taro Okamoto.

PAVILHES COM HISTRIAS

II odos os pavilhes existentes em Osaka foram concebidos de maneira a poderem integrar-se na planificao de uma cidade

do futuro. A razo para esta obrigao era uma clara ligao ao tema da Exposio - Progresso em Harmonia -, neste caso, tentando apontar solues para os j existentes problemas urbansticos e de planeamento existentes nos grandes conglomerados. Os pavilhes estavam divididos em trs grandes "categorias: japoneses e com capitais pblicos; japoneses, mas sustentados pelo sector privado, e estrangeiros . U m a giga n t e s c a bande i ra e m c i mento e a o , a o v e n t o , c o m l l O metros d e altura e o edifcio mais alto d e toda a Exposio. No cume, uma foice e um martelo marcavam toda a construo. Talvez seja este o melhor ngulo para recordar o Pavilho da Unio das Repblicas Socialistas Sovit icas , desenhado pelos arquitectos Posokhin, Svirski e Kondratiev. O Pavilho da URSS era completamente construdo em ao, na forma de um crescente com dimenses de 70 por 130 metros no seu ponto mais largo. O esqueleto de ao

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era revestido com painis prefabricados . . . em ao. O telhado, as duas paredes laterais do edifcio e a sua parte de trs eram pintados de branco, tendo-se guardado o ideologicamente correcto vermelho para a frente do imvel, obtendo-se, assim, a aparncia de uma gigantesca bandeira ao vento. Por dentro, o Pavilho estava dividido em trs andares: um trreo, por onde se fazia o acolhimento dos visitantes, e um primeiro e um segundo andares, por onde estavam distribudas as vrias exposies. Comuns a todas elas, a politizao assumida de todo a empresa. Alis, conjuntamente com o Pavilho Cubano, o Pavilho Sovitico era, sem dvida, o mais politicamente marcado. A essa marcada politizao ajudava tambm o facto de se comemorar, nesse ano, o centenrio do nascimento de Lenine, o que fez com que por todo o Pavilho pelpassasse um sentimento de nostalgia poltica, ajudada pela menwrabilia de objectos pessoais e filmes sobre o primeiro lder sovitico. O Pavilho Sovitico tinha, para alm da sua impressionante e dist inta arquitectura, uma outra diferena por comparao aos demais pavilhes nacionais: para alm das demonstraes de tecnologia de luz e som, que constituram um dos grandes modismos da Exposio de Osaka, a U RSS apresentava exposies especficas sobre temas originais das suas vrias repblicas. Esta diferena interessou alis sobremaneira os visitantes asiticos de Osaka, por motivos com certeza tambm geogrficos.

Era assim que, no interior do Pavilho Sovitico, o visitante tinha um conjunto aprecivel de quadros expositivos, uma mistura c uriosa entre um orgulho naif e uma capacidade tecnolgica e de realizao perfei tamente comparvel dos pases rivais . Uma sala continha uma rplica com modelos naturais da floresta siberiana, com o ar fresco dos pinheiros e conferas a misturar-se com o chilrear dos pssaros numa tarde de Vero. Outra das salas mais impressionantes continha um auditrio para 450 espectadores, onde se podia passar u ma meia hora a observar cenas da vida sovitica: educativo, diferente . . . e propagandstico. Pelo meio de tudo isto, a esttua em tamanho natural de Dostoievski, um manuscrito original de Tchekov e o

p iano favorito de Tchaikovsky . . . O Pavilho continha tambm um restaurante, onde os pratos mais tpicos da gastronomia russa podiam ser apreciados. Mas a piece de rsistance do Pavilho era, sem dvida, a rea consagrada tecnologia e cincia: a, o tema por excelncia era o espao e os avanos soviticos para o seu conhecimento. Como no podia

deixar de ser, as cpsulas espaciais So)'uz 4 e 5 marcavam presena,

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Interior do Pavilho Sovitico: da comemorao de Lenin ao progresso no espao - o mdulo da Soyuz.

acopladas uma outra, repetindo o feito que teve pela primeira vez lugar a 14 de Janeiro de 1969. Era ainda possvel ver um modelo de uma sonda que aterrou em Vnus a 18 de Outubro de 1967, depois de uma viagem de 350 milhes de quilmetros, assim como prottipos de veculos que poderiam servir de veculos de apoio e de socorro a futuras misses espaciais soviticas. Esta rea da tecnologia espacial foi , sem dvida, a que mais interesse suscitou junto dos visitantes. Do outro lado, o Pavilho dos Estados Unidos apresentava-se igualmente formidvel, mas com uma simplicidade desarmante. Por outro lado, a comparao inevitvel entre os pavilhes das duas superpotncias no podia ter u m resultado mais c urioso : enquanto o Pavilho Sovitico era o mais alto de toda a Exposio, o dos Estados Unidos era o mais baixo, j que metade dele estava literalmente enterrado no recinto. Enquanto os Soviticos tinham, fiis pesada arqui tec tura dos sovietes , erigido uma bandeira com ma i s de 100 metros de altura, comemorando o poder e a capacidade da Unio Sovitica, os Estados Unidos decidiram . . . enterrar o seu Pavilho. Para se ter a certeza do conceito, ouamos a empresa de arquitectura responsvel (Davi s , B rody, Chermayeff, Ge ismar e de H arak Associates) : Escave-se um buraco com profundidade, u tilize-se a terra escavada para construir umas paredes e cubra-se tudo com fibra de vido coberta de viniL

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o Pavilho Americano: diferente, original . . . e apetitoso?

Este simples conceito veio a ser o Pavilho dos Estados Unidos na Exposio de Osaka. Para alm disso, foi tambm um recorde por si mesma: a maior estrutrura insuflvel at data construda, cobrindo uma rea com 1 1 857 metros quadrados, aproximadamente dois campos de futebol americano! Este tecto, insuflvel, era por isso mesmo leve: apenas 60 toneladas o que perfaz um peso de 5,9 quilos por metro quadrado. A pergunta obrigatria saber como que um tecto com esta dimenso se podia aguentar? Por um lado, aumentando a presso do ar no interior desta gigantesca concha em 0,002 atmosferas, isto , 20 quilos por metro quadrado. Por outro, mantendo-se a forma da concha com a ajuda de 92 cabos de ao que ligavam, cliagonalmente, as paredes ao tecto do Pavilho. Assim, quem visse o Pavilho de uma altura de 500 ou 600 metros, poderia ficar com a iluso de estar a ver um enorme dredon acinzentado ou uma apetitosssima cobertura de uma tarte ou empada ! Os rebordos des ta grande tenda estavam ancorados s paredes artificiais de terra por meio de uma estrutura de cimento. Do lado de dentro do Pavilho as suas paredes, escavadas na terra e ngremes, estavam revestidas por uma matria plstica reflectora, de m ane i ra a c r i a r um efe i t o espec tacu la r aos v i s i t an tes . Es te Pavilho/Concha era, provavelmente, o edifcio mais resistente a tremores de t erra existente na Exposio de Osaka: na verdade, quase nem era um edifcio, mas sim uma bacia escavada na terra e coberta, engenhosamente, por uma superfcie plstica. A inovao e arrojo da concepo mereceu um prmio especial do Insti tuto

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A mericano de Arqui lectos, devido excel ncia do design arquit ectural demonstrado . O lema do Pavilho Americano era I magens da Amrica e estava

d ividido em sete seces: fo tografia, pi ntura, desporto, actividades espaciais , folk art , arte conlempornea e arqui lec t ur a . Uma vez entrado, o v isitante tinha sua disposi o a mais variada coleco de objectos, desde as menwrabilias inocentes, como o equipamento e le Babe Ruth, i tem popularssimo no pas do mundo onde, depois dos Estados Unidos, o basebol mais apreciado, aos carros de corrida utili zados nas 500 Milhas de Indianpolis, a t s afirmaes c laras de s u premacia tecnolgica , c omo as cpsulas espac ia is 11lercury, Gemini e Apollo , passando por um fragmento de rocha lunar. Para alm do Pavilho oficial dos Estados Unidos, existiam ainda mais cinco pavilhes norte-americanos: dos estados federados de Alasca, VTashington e Havai e das cidades de Los Angeles e So Francisco. Falemos agora dos Pavilhes Japoneses: 32 pavilhes, entre os pblicos e ofi ciais e aqueles suportados por empresas privadas. Na p r i m e i ra c a t e gor i a , i n c l u e m - s e o Pav i lh o d o Governo Japons , o das A utonomias Regionais , o da E mpresa Pblica dos Telgrafos e Te lefo n e s J ap o n e s a ( N TT) e a Empresa do Monoplio Japons. No sec tor privado, estavam presen tes

a A ssoc i a o Japonesa de Gs , a Associao dos Fabricantes Kubota, a A ssociao Japonesa de Txteis , a Associao da I ndstria Qumica J a po n e s a , a A s s o c i a o para 'a Partici pao Comum na Exposio, a empresa Astrorama, a Federao das Companhias de Elec tr ic idade Japonesas, a Federao Japonesa do Ferro e do Ao, o Pavilho Cristo, a Igrej a M rmone de J esus Cristo, o C onselho das Exposies do Museu A rt e s a n a l Trad i c i onal Japons e a i n d a a s segu i n t e s e m pr e s a s : Furu kawa, Fuj i pan Robot , Grupo Fuj i , Grupo Hitach i , Grupo Mitsui ,

A promessa d o Futuro e m Osaka: prottipos industriais.

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I B M Japo, Japo Automvel, Matsushita Electri c , Mitsubish i , PepsiCola, Ricoh San-Ai, Sanyo, Sumitomo, Suntory, Takara, Toshiba IRI e Wacoal & Riccar Sewing Machine. Custo total destes 32 pavilhes: dois bilies de dlares americanos, a preos de 1970! Para se ter uma ideia da grandeza, s o Pavilho do Governo Japons, essencial para o orgulho caseiro, custou mais de 1 7 milhes de dlares, comparado com os parcos treze dos Estados Unidos, dez do C anad ou oito da Frana. O nico pas com um Pavilho mais caro foi a Unio Sovitica: uns astronmicos 26 milhes de dlares e a consolao de ser o Pavilho mais alto de toda a E xposio ! O s 1 7 milhes de dlares cio Pavi lho cio G overno Japons deram d irei to a LIma estmtura desenhada pela empresa

o Pavilho oficial d o Governo Japons.

Nikken Sekkei Komu e que se assemelhava, extraordinariamente, a cinco grandes tanques de empresas petrolferas, capazes de albergar a lgumas dezenas de pessoas, a abraar uma torre c entral com 80 metros de altura. Talvez a grande vantagem do Pavi lho do Governo Japons fosse a imagem que proporcionava, se observado de 1 00 ou 200 metros de altura: para alm de esbater as dbias solues arquitectnicas tomadas, fazia lembrar extraordinariamente o logotipo da Exposio, a flor de cerejeira . . . Como se pode compreender facilmente, o interesse no contedo e na arquitectura destes 32 pavilhes variava grandemente. Alguns deles eternizaram-se como peas arquitectnicas de nvel superior; outros permaneceram na retina dos visi tantes como exemplos de solues arquitectnicas novas e arrojadas somente; de outros, ainda, a lembrana oficial da Exposio de Osaka pouco diz, devido sua falta

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de importncia a todos os nveis. Existindo assim diferenas essenciais entre os pavilhes j aponeses, explicveis pelos oramentos

colocados disposio, pela qualidade dos arquitectos que neles trabalharam e pela prpria importncia do tema de cada um deles, , no entanto, possvel discernir algumas linhas unificadoras de todos eles, a nvel arquitectnico e temtico. O primeiro trao de unio de todos eles , claramente, o de um mbil expositivo comum: do Governo s empresas privadas, em Osaka o Japo queria mostrar a sua capacidade tecnolgica e econmica. alis importante reparar na concertao estratgica feita em Osaka entre o pblico, o privado e o associativo: estas trs realidades, cada uma com os seus pavilhes distintos, certo, contriburam, no entanto, para dar uma imagem de unidade e de fora do tecido econmico nipnico. O orgulho nacional na nova potncia econmica mundial recorre sempre que se pensa no que Osaka'70 foi . No alis por acaso que a Exposio de Osaka coincidente com a ascenso do Japo ao estatuto de terceira potncia econmica mundial, s atrs da Unio Sovitica e dos Estados Unidos. Um quarto de sculo depois do diktat americano sobre Tquio, o Japo celebra a sua emancipao econmica e poltica organizando uma Exposio Mundial. Um outro trao comum arquitectural, e tem a ver com alguns bons exemplos de arquitectura metabolista propostos, entre outros, por Tange, Kurokawa, Otani e Kikutake. Esta ideia de metabolismo ou, como alguns lhe preferem chamar, arquitectura das superstruturas foi primeiramente avanada pelo americano Yona Friedman. J na Exposio Internacional de Montreal, em 1967, se tinham experimentado solues de estrutura modular, mas com o objectivo nico de facilitar a construo de grancles reas cobertas sem recorrer s solues tradicionais que envolveriam cimento e beto. A soluo de estruturas modulares era mais leve, barata e rpida. No entanto, em Osaka, a opo de muitos arquitectos, especialmente os japoneses, por esta arquitectura metablica no vai ter por nica explicao esses critrios de rapidez' e baixo custo; esta deciso feita conscientemente em nome de uma opo estratgica de planeamento urbanstico. A enorme densidade populacional no Japo era, j em 1970, motivo de preocupao para urbanistas, prefeituras e Governo central. Deste modo, o metabolismo parecia pocler representar uma soluo para a falta de espao de construo no Japo. No mar, no ar ou em terra, estas gigantescas e leves superstruturas poderiam ser, elas mesmas, o espao que tanta falta fazia. A ideia

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era, tambm, que estas superstruturas fossem aplicadas por cima do tecido urbano j existente; de alguma forma, seria uma sobreconstruo aplicada s grandes metrpoles japonesas. Compreendida assim a importncia desta nova corrente, altura ele analisar as suas consequncias para a Exposio de Osaka. Dos metabol istas , ou arquitectos defensores destas superstru turas, Noriaki Kurokawa foi, em Osaka, responsvel por dois pavilhes dist intos: o da Toshiba IHI e o da Takm'a, ambos os edifcios construdos para duas grandes empresas industriais j aponesas. O primeiro

o Pavilho da Toshiba, por Noriaki I