experiencia de apoio institucional no sus

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Coleção Micropolíca do Trabalho e o Cuidado em Saúde Lecia de Moraes Falleiro Organizadora Experiências de Apoio Instucional no SUS: da teoria à práca

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  • Coleo Micropoltica do Trabalho e o Cuidado em Sade

    Letcia de Moraes FalleiroOrganizadora

    Experincias de Apoio Institucional no SUS: da teoria prtica

  • Coleo Micropoltica do Trabalho e o Cuidado em sade

    Letcia de Moraes FalleiroOrganizadora

    Experincias de Apoio Institucional no SUS: da teoria prtica

    1. EDIO

    Porto Alegre, 2014

    Rede UNIDA

  • Coordenador Nacional da Rede UNIDAAlcindo Antnio Ferla

    Coordenao EditorialAlcindo Antnio Ferla

    Conselho EditorialAlcindo Antnio FerlaAdriane Pires BatistonEmerson Elias MerhyIzabella MatosIvana BarretoJoo Henrique Lara do AmaralJoo Jos Batista de CamposJulio Csar SchweickardtLaura Camargo Macruz FeuerwerkerLisiane Ber PossaLiliana SantosMara Lisiane dos SantosMrcia Regina Cardoso TorresMarco AkermanMaria Luiza JaegerMaria Rocineide Ferreira da SilvaRicardo Burg CeccimRossana BaduySueli BarriosTlio FrancoVanderlia Laodete PulgaVera Lucia KadjaoglanianVera Rocha

    Comisso Executiva EditorialJanaina Matheus CollarJoo Beccon de Almeida Neto

    Arte Grfica - CapaCorposKathleen Tereza da CruzBlog: http://saudemicropolitica.blogspot.com.br

    DiagramaoLuciane de Almeida Collar

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)

    E96 Experincias de apoio institucional no SUS: da teoria prtica / Letcia de Moraes Falleiro, organizadora. 1. ed. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014. 263 p. : il. (Coleo Micropoltica do Trabalho e o Cuidado em Sade)

    ISBN 978-85-66659-30-6 1.Apoio institucional Sade. 2. Sistema nico de Sade. 3. Bahia. 4. Gesto em sade. 5.Apoiadores.I. Falleiro, Letcia de Moraes. II. Ttulo. III. Srie.

    CDU: 614.39 NLM: WA525

    Bibliotecria responsvel: Jacira Gil Bernardes CRB 10/463

    Todos os direitos desta edio reservados ASSOCIAO BRASILEIRA REDE UNIDA

    Rua So Manoel, n 498 - 90620-110 Porto Alegre RSFone: (51) 3391-1252

    www.redeunida.org.br

    Agradecimentos

    Agradecemos o empenho de todos que participaram da elaborao deste livro:

    Aos autores, pela pacincia e persistncia cotidiana, por debaterem conosco sobre Apoio Institucional, Apoio Matricial e Educao Permanente em Sade, por nos apresentarem outros pontos de vista, por nos desafiarem quando defendamos nossas verdades, por discordarem das nossas intervenes nos textos e tambm por aceitarem com humildade a lapidao to precisa de cada pargrafo.

    Raimunda Maria Cerqueira Santos, por aceitar o convite para revisar todos os textos que compe essa publicao e por cuidar com tanto empenho e zelo desta obra.

    Caroline Castanho Duarte, por aceitar o convite e por suas palavras to carinhosas aps a leitura de cada texto.

    Ao Prof. Dr. Tulio Franco, pelo voto de confiana.

    editora Rede UNIDA, pela publicao deste material.

    Celebramos os 11 textos publicados neste livro!

    Celebramos a riqueza da troca de experincias!

  • Quem viu, viu Quem no viu quer v

    Quem vir ver Como que faz tempo bom quando

    quer chegar Quem viu, viu

    Quem no viu quer v Quem vir ver

    Se voc quer ver tempo bom Comece a plantar

    (Trecho da msica Festa na Aldeia Amadeu Alves e Seu Reginaldo)

  • Sumrio

    Agradecimentos..............................................................5

    Prefcio..........................................................................11

    Apresentao................................................................15

    Consideraes preliminares sobre Apoio Institucional e Edu-cao Permanente.........................................................19

    Parte I - Implantao do Apoio Institucional.......31 De Tcnicos a Apoiadores: Experincia de Apoio Institucional na Rede Hospitalar e Especializada na Bahia.................................................................................33

    Processo de trabalho e diferentes modalidades de Apoio do NASF no Municpio do Oeste Baiano..................59

    A Vivncia de Apoio Institucional na 7 Diretoria Regional de Sade.............................................................81

    Parte II - O Apoio Institucional no Territrio........89 Apoio Institucional Gesto Municipal de Sade para implantao do Acolhimento....................................91

    Construo de Linha de Cuidado MaternoInfantil: relato de experincia em um municpio baiano .............113

  • Prefcio

    Caro(a) leitor(a),

    As estratgias de Apoio a equipes de trabalho tm sido cada vez mais experimentadas no Sistema nico de Sade. A crescente produo terica sobre Apoio Institucional e Matricial nos ltimos anos tem nos demonstrado caminhos factveis de como e onde investir energia na gesto das polticas pblicas para a renovao das prticas de sade. Estou certa de que este livro de experincias de Apoio Institucional e Matricial da Bahia vem a acrescentar nesse contexto, expressando um pouco da luta e do trabalho realizado cotidianamente para o fortalecimento do Sistema nico de Sade (SUS).

    Com linguagem simples e direta, o livro traz diversas experincias e acontecimentos que nos remetem ao que representa: tornar-se Apoiador(a) nas organizaes de sade; compor equipes e projetos de Apoio; e apoiar gestores e trabalhadores no contexto do SUS. So 11 narrativas de experincias concretas. Os autores so trabalhadores/gestores que trazem, na linguagem, a emoo de quem vive e repensa sua prpria ao e existncia no mundo. So registros de vida intensa no trabalho e acontecimentos que se passam h anos na Bahia.

    Os relatos falam de mtodos e de medos, de agendas

    Acolhimento aos novos Gestores na Macrorregio Leste: um relato de experincia......................................131

    Parte III - O processo de trabalho do Apoia-dor.....................................................................149 O Apoio Institucional temperado com msica.............................................................................151

    Os sentidos de uma experincia ao habitar o territrio no Apoio Institucional descentralizado...............................................................161

    Insero e Acolhimento de trabalhadores numa equipe de Apoio Institucional da Diretoria de Ateno Bsica..............................................................................185

    O cotidiano do Apoio Institucional: o trabalho em equipe.............................................................................209

    De Apoiadora coordenadora: uma jornada de autoconhecimento e gesto de coletivos no Apoio Institucional vivenciada na Bahia....................................231

    Anexo..........................................................................255

    Quem somos ns: organizadora, colaboradoras, revisora e autores............................................................................259

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    dando visibilidade aos significados de sua prtica.

    De fato, Apoiadores(as) e equipes de Apoio Institucional formam-se e conformam-se mesmo em ato. No h formula que d conta de tamanha complexidade. A singularidade de cada contexto precisa ser preservada em cada arranjo de Apoio e tudo deve se adequar ao constante movimento. Por isso, a Educao Permanente a dobra perfeita do Apoio. Por meio da anlise das vivncias, da troca de experincias, do compartilhamento de saberes, poderes e afetos, o Apoiador(a) se cria e cria condies de apoiar.

    Percebo, neste livro, a potncia de servir a muitos Apoiadores(as), gestores e equipes de sade, como ferramenta para seus processos de Educao Permanente. Para mim, ele funcionou como um verdadeiro dispositivo de autoanlise, o que me possibilitou rever trajetrias, aprendizados e significados de minha prtica pessoal.

    Desejo que essa obra possa circular em muitas mos como um autntico livro coletivo, que seja muito til s pessoas que trilham caminhos de fortalecimento de projetos coletivos. Tenho certeza que estes registros cartogrficos iro contribuir muito para ampliar nossas condies de anlise e formulaes no campo das prticas de Apoiono SUS.

    Boa leitura!

    equipe de autores(as), gratido e amor.

    Caroline Castanho Duarte

    Me de Clarice.

    Enfermeira envolvida com coletivos,

    gesto, Ateno Bsica e poltica pblica.

    e encontros, de projetos e desfechos. So experincias de Apoio Institucional e Matricial a diferentes equipes de trabalho que demonstram arranjos e prticas direcionadas a prefeitos, gestores, trabalhadores da sade e aos prprios Apoiadores(as). A partir de diferentes contextos, abordam aes de sucesso e fracasso da prtica. Tambm apontam fragilidades e celebram as fortalezas encontradas em cada caminhada.

    O livro consegue dar voz aos Apoiadores(as), permitindo uma exposio de diferentes olhares, anlises e perspectivas sobre as polticas de sade. Com a leitura destes textos, possvel entrar em contato com o que realmente nos ocupa e preocupa nas prticas de Apoio Institucional, alm de compreender o que sente o Apoiador(a) em seu universo de trabalho.

    Minha trajetria como Apoiadora e coordenadora em equipes de Apoio Institucional na Bahia permitiu-me trabalhar com a maioria dos autores aqui reunidos e, muitas das experincias aqui descritas, pude acompanhar de perto. Eis porque esta obra me parece to profunda - tomando de emprstimo as expresses das autoras - a simples leitura me levou a uma jornada de autoconhecimento, como se reviver a experincia atravs da escrita fosse algo maior do que viv-la.

    Na caminhada pelo Sistema nico de Sade - SUS, entrei em contato com diversos coletivos e pessoas em projetos que envolvem arranjos de Apoio a equipes, e participei de muitas rodas de discusso e encontros que falavam sobre como apoiar no contexto da gesto do SUS e das polticas pblicas. Com a fala do Apoiador(a), pude sentir o lugar do brilho e o lugar da dor de quem habita entre-lugares. Envolto em tantas expectativas, misses, ferramentas, tecnologias, o Apoiador(a) sempre deixa vazar nos espaos seus afetos, como nos textos aqui reunidos,

  • Apresentao

    A ideia de construir um livro de experincias do Apoio Institucional nasceu a partir da minha experincia como Apoiadora na Diretoria da Ateno Bsica da Superintendncia de Ateno Integral Sade da Secretaria da Sade do Estado da Bahia (DAB/SAIS/SESAB).

    Em 2007, a equipe gestora da DAB iniciou um processo de reestruturao e reorganizao da diretoria. Desde ento, seus trabalhadores vivenciam o Apoio Institucional e a Educao Permanente em Sade como estratgias centrais da Poltica Estadual da Ateno Bsica.

    A partir do desenvolvimento do Apoio Institucional e Matricial aos gestores das Diretorias Regionais de Sade (DIRES) e municpios pelos Apoiadores da DAB, essa estratgia foi se ampliando pelo Estado, sendo implantada tambm nos setores da Ateno Bsica das DIRES e de alguns municpios. Da mesma forma, quando surgiu a FESF, a Funo Apoio foi incorporada a essa instituio.

    Quando entrei na DAB, em 2010, os Apoiadores j manifestavam o desejo e a preocupao de sistematizar, registrar e compartilhar as experincias de Apoio Institucional da DAB, com o objetivo de contribuir para o avano da gesto do SUS.

    Ento, em 2012, mobilizei um grupo de Apoiadores

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    revisora, garantindo a qualidade da apresentao dos mesmos.

    Enfim, o quarto e ltimo passo foi encontrar uma editora para publicao da obra. Nessa etapa, contamos com a sincronicidade da vida, e com a intuio de Rebeca Barros, a fim de encontrarmos novos parceiros, o que nos deixou muito felizes por podermos compartilhar estas histrias.

    Desde o primeiro passo, passou-se um pouco mais de um ano e onze meses de trabalho intenso, criativo e coletivo, o qual comeou com o sonho de dar voz e espao para aqueles que cotidianamente vm construindo novas formas de fazer gesto no SUS.

    O desafio foi a nossa inspirao. Estamos desbravando um caminho desconhecido para ns, que a organizao e produo de um livro. Alm disso, a responsabilidade e, tambm, a alegria pela publicao desta obra so imensurveis, pois, assim como eu, todas as pessoas envolvidas na construo do livro (os colaboradores, a revisora e os autores) trabalham com o Apoio Institucional.

    Para facilitar a leitura e identificao dos temas de seu interesse, dividimos o livro em trs sesses:

    Parte I - Formulando arranjos de Apoio - Esta sesso apresenta experincias de inovao em trs diferentes contextos: gesto estadual de Rede Hospitalar; equipe de Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF); e equipe de gesto de Diretoria Regional de Sade (DIRES).

    Parte II - Apoiando equipes no territrio - Esta sesso detalha trs estratgias de apoio a municpios. So trs textos com distintos objetos: implantao de Acolhimento na Sade da Famlia; implantao de linha de cuidado na rede; e acolhimento de novos prefeitos e gestores de sade ps-definio de cenrio eleitoral. As experincias

    para tornarmos esse sonho realidade. Sabendo que h muitas histrias boas para contar, muitas experincias inovadoras sendo desenvolvidas, as quais, ao serem compartilhadas, ganham ainda mais valor ao contriburem para o avano da organizao da gesto do SUS, optamos por um livro com relatos de experincias, escritos pelos prprios apoiadores. Essa deciso foi inspirada por uma obra de relatos de experincias de Educao Popular que, assim como o livro de experincias do Apoio na Bahia, preocupou-se em dar voz s pessoas que desenvolvem essa estratgia no cotidiano, que vivenciam e superam seus desafios, que festejam o xito, que aprendem com os equvocos, que reorientam suas prticas dia aps dia em busca do melhor resultado, e que, muitas vezes, passam despercebidas em meio a tantos especialistas e acadmicos.

    O primeiro passo foi definir o desenho do livro: Um livro de relatos de experincias de Apoio Institucional no Estado da Bahia. Seria um livro no institucional, contendo a produo cotidiana do Apoio Institucional, relatada pelos prprios apoiadores. Foram estabelecidos os critrios de incluso dos textos e divulgado o convite para os Apoiadores, incluindo as pessoas que j tinham passado pelo Estado e vivido essa experincia.

    O segundo passo foi a leitura, avaliao e seleo dos textos, at restarem as onze experincias contadas a seguir. Alm disso, todos os textos selecionados passaram por um processo de lapidao intenso, criativo e bastante trabalhoso, para garantirmos a qualidade do material publicado. importante que todos possam ler e compreender nossa linguagem, para que as experincias possam ser acessadas por todos que tiverem interesse, e no apenas pelos que vivenciam o mundo acadmico.

    O terceiro passo foi a reviso lingustica dos textos, desempenhada de forma minuciosa e carinhosa por nossa

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    Consideraes preliminares sobre Apoio Institucional e Educao Permanente

    Letcia de Moraes Falleiro, Rebeca Silva de Barros, Vanessa Carol de Souza Lima, Caroline Castanho Duarte

    Um dos maiores desafios no Sistema nico de Sade (SUS) tem sido inovar as prticas de gesto. A transformao dos modos tradicionais de gerir pessoas, processos de trabalho, recursos e polticas pblicas de sade tem sido foco de trabalho e estudo em diversos contextos do pas. Dentre as iniciativas e inovaes experimentadas, esto em destaque os arranjos de Apoio Institucional. Segundo o Dicionrio Aurlio, a palavra apoiar tem como sinnimos dar apoio a, aprovar, amparar, defender, favorecer, sustentar, firmar, encostar, fundar, fundamentar, arrimar-se e prestar auxlio mtuo (FERREIRA, 2010).

    Como funo Apoio, no contexto organizacional, entende-se o papel exercido por agentes que trabalham e assumem posicionamento subjetivo, tico e poltico de acordo com uma metodologia de Apoio. Os objetivos dos arranjos de Apoio Institucional experimentados pelas organizaes so, em geral, comprometidos com a transformao dos processos de trabalho e das relaes exercidas entre os sujeitos. Costuma-se denominar Apoio

    envolvem gestores e trabalhadores de sade e acontecem com o Apoio da DAB/SAIS/SESAB.

    Parte III Vivendo o dia a dia do Apoiador - Esta sesso rene quatro textos que contemplam reflexes e anlises sobre o cotidiano do Apoiador. So trs textos que tratam das impresses dos Apoiadores sobre seu processo de trabalho e um texto referente experincia de coordenar uma equipe de Apoio Institucional.

    Sei que h muitas experincias que no puderam fazer parte deste livro. Porm, tambm gratificante encontrar aqui tantas experincias vivas, cheias de emoes, de entrega, de coragem, e poder apresent-las agora, em primeira mo.

    No foi possvel abordar, neste livro, toda a histria da implantao do Apoio Institucional na Bahia, porque muitas pessoas que passaram pelo incio desta experincia trabalham atualmente em outras instituies e no puderam enviar seus relatos. Por isso, optamos por manter o foco deste livro no desenvolvimento do Apoio. Tambm correramos o risco de cometer injustias ao deixar de citar uma ou outra pessoa, ou mesmo de simplificar ou resumir uma histria to complexa, vivida por tantas pessoas, e acabarmos relatando apenas um ponto de vista. Acredito, e desejo, que aqueles que iniciaram a implantao do Apoio na Bahia, em 2007 e nos anos seguintes, ficaro felizes ao se identificarem com as histrias aqui relatadas.

    Finalmente, este livro no pretende oferecer um mtodo, um passo a passo, ou funcionar como um manual. Pretende, sim, ser um dispositivo para a Educao Permanente de gestores e trabalhadores do SUS. Desejo que, aps a leitura, cada relato sirva como uma contribuio, um olhar, uma ideia, e inspire coragem para novas prticas.

    Desejo que sua leitura seja prazerosa e inspiradora!

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    Institucional as estratgias que se do entre organizaes, a exemplo da relao que acontece entre os entes federados do SUS Municpio, Estado e Unio (OLIVEIRA, 2011, p. 46).

    Apoio Institucional para a qualificao da gesto em sade

    Segundo Campos (2007), o Apoio pensado como uma funo gerencial que, a partir do princpio da cogesto, visa reformular o modo tradicional de fazer coordenao, planejamento, superviso e avaliao em sade.

    A compreenso dada por Campos (2007) a de que, na cogesto, so experimentadas formas de acolher as demandas provenientes dos diversos atores envolvidos no contexto, oferecendo diretrizes e submetendo tanto as demandas quanto as ofertas a processos de discusso, negociao e pactuao, construindo projetos de mudana do modo mais interativo possvel.

    A cogesto como base do Apoio Institucional pressupe um modo de agir mais dialogado por parte da organizao que intenta projetos de mudana. Busca-se construir relaes e aes que valorizem o princpio da autonomia dos sujeitos e dos coletivos sobre suas prprias realidades e problemas. Assim, o Apoio Institucional procura enfrentar as prticas verticais e autoritrias, presentes nas relaes intra e interinstitucionais, para superar os modelos de superviso centrados na realizao e fiscalizao de normas e padres que, em geral, so previamente estabelecidos por pequena parte da organizao (BARROS et al., 2012).

    Por meio do movimento constante de aproximao

    e dilogo entre gestores, trabalhadores das equipes de sade e usurios, o Apoio Institucional configura-se como um arranjo que possibilita melhor organizao das prticas e maior apropriao dos trabalhadores em relao ao seu fazer cotidiano. Com a finalidade de fortalecer os sujeitos e os coletivos implicados na construo de processos de cogesto e democratizao das relaes de poder, os arranjos de Apoio contribuem na perspectiva de transformar os modelos de gesto hierarquizados em modelos mais horizontalizados. Esses resultados sustentam-se em processos de Educao Permanente (BERTUSSI, 2010).

    De acordo com Campos (2007), para que se realize a funo de Apoio, so necessrios, ao Apoiador Institucional, alguns recursos metodolgicos, dentre os quais: (a) capacidade de construir rodas, ou seja, todo Apoiador Institucional um ativador de espaos coletivos visando a interao intersujeitos na anlise de situaes e na tomada de deciso; (b) habilidade em incluir as relaes de poder, de afeto e a circulao de conhecimentos em anlise; (c) capacidade de pensar e fazer junto com as pessoas e no em lugar delas, estimulando a capacidade crtica dos sujeitos; (d) habilidade de apoiar o grupo para construir objetos de investimento e compor compromissos e contratos; (e) capacidade de trabalhar com uma metodologia dialtica que, ao mesmo tempo em que traga ofertas externas, valorize as demandas do grupo apoiado, pois a metodologia dialtica entende o homem como um ser ativo e de relaes.

    Isso significa que as ofertas que o Apoiador apresenta precisam ser trabalhadas, refletidas, reelaboradas, sempre coletivamente, para se constiturem em conhecimento e reformulao de suas prprias prticas.

    Com base em Bertussi (2010), possvel identificar ferramentas necessrias funo de forma que o

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    Apoiador se torne:

    a) Articulador: produzindo conexo, considerando as singularidades de cada qual e a diversidade e mobilidade dos possveis encontros entre sujeitos;

    b) Educador: agindo pedagogicamente, tomando o mundo do trabalho como matria prima para o aprendizado;

    c) Escutador/Observador: agindo a partir da observao do cotidiano, dos movimentos da equipe e seu contexto, sempre aberto escuta;

    d) Facilitador: facilitando processos que contribuam para colocar as potncias dos sujeitos e dos coletivos em evidncia;

    e) Negociador: mediando e buscando compatibilizar os interesses distintos envolvidos na formulao dos acordos e projetos comuns.

    Um trabalhador que inicie sua jornada como Apoiador Institucional poder tomar essas ferramentas como orientadoras do seu fazer. Para tanto, importante que manifeste seu desejo de aprimoramento profissional e informe sua demanda Educao Permanente, assim como, fundamental que a Instituio/rgo capte essa demanda e invista na formao de sua equipe.

    O papel da Educao Permanente no desenvolvimento do Apoio Institucional

    Cada organizao vive seus cenrios polticos, onde atores sociais especficos, com aes, interesses e poderes distintos, compem seu prprio jogo social1 . Por isso, e 1 Segundo a formulao terica de Carlus Matus (apud COSTA, 2008), Ator

    por suas caractersticas inovadoras, os arranjos de Apoio Institucional desenvolvem-se de forma muito singular em cada organizao. Nesse contexto, a Educao Permanente apresenta-se como a principal ferramenta do Apoiador, tanto para promover ampliao da capacidade de reflexo e de anlise dos coletivos, quanto para tornar possvel a sua prpria formao no cotidiano do seu processo de trabalho.

    Sentir a necessidade de mudana uma condio indispensvel para que um gestor ou trabalhador da sade mude ou incorpore novos conceitos e ferramentas sua prtica. Essa necessidade no pode ser imposta e deve ser proveniente de um profundo questionamento sobre a suficincia de sua maneira de fazer ou pensar seu processo de trabalho no enfrentamento dos desafios cotidianos.

    Considerando as caractersticas apresentadas sobre o desenvolvimento do Apoio Institucional como modo de inovar a gesto do SUS, identifica-se a Educao Permanente como a principal estratgia utilizada pelos Apoiadores para estimular mudanas de prticas na gesto e no cuidado em sade. A Educao Permanente em Sade, segundo Ceccim (2005, p. 976), constitui estratgia fundamental s transformaes do trabalho no setor para que venha a ser lugar de atuao crtica, reflexiva, propositiva, compromissada e tecnicamente competente.

    Educao Permanente em Sade , portanto, um

    Social uma pessoa, grupo ou organizao que participa de algum jogo social. O Ator Social possui um projeto poltico, controla algum recurso relevante, acumula (ou desacumula) foras e possui capacidade de produzir fatos capazes de viabilizar seu projeto. Todo ator social capaz de fazer presso para alcanar seus objetivos. possvel caracterizar o agir social como um jogo que pode ser de natureza cooperativa ou conflitiva. Num jogo social, diferentes jogadores tm perspectivas que podem ser comuns ou divergentes e controlam recursos que esto distribudos entre os jogadores segundo suas histrias de acumulao de foras em jogos anteriores. Um conjunto de jogos sociais conforma um contexto que pode ser entendido como um sistema social.

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    conceito estratgico para qualificao da gesto e da assistncia, pois toma como matria prima as prticas reais de profissionais reais em ao na rede de servios.

    Processos de Educao Permanente baseiam-se em metodologias ativas de ensino, como a aprendizagem significativa e a problematizao. Nesse sentido, o aprender e o ensinar incorporam-se no cotidiano das organizaes e do trabalho tendo como referncia as necessidades das pessoas (sejam trabalhadores, gestores ou usurios), colocando-as como protagonistas dos processos de mudanas em suas realidades.

    Conforme Ceccim e Ferla (2009), na Educao Permanente, existe a troca e o intercmbio, o estranhamento e a desacomodao com os saberes e as prticas que estejam vigentes em cada lugar. Diante disso, o Apoiador, ao lanar mo dessa estratgia para ativar coletivos em processos de mudana, deve considerar que todos (inclusive ele) so, ao mesmo tempo, educandos e educadores; apoiadores e apoiados.

    O Apoio Institucional, alicerado no pressuposto da Educao Permanente, promove a pr-atividade dos trabalhadores, estimula a sua criatividade e propicia um campo frtil de produo de conhecimento em suas vivncias marcadas por fracassos, sucessos, dificuldades e aprendizados. Atualmente, carecemos de mais textos que tratem do Apoio na prtica: como fazer Apoio no dia a dia das organizaes; como lidar com os desafios quando se prope a mudar radicalmente o modo de fazer gesto; por que estratgias de Apoio so vistas como bem sucedidas ou mal sucedidas; como catalizar os aprendizados e as habilidades adquiridas individual e coletivamente pelos Apoiadores; quais analisadores possibilitam perceber resultados da ao de Apoio.

    Em cada histria contada neste livro, podemos

    identificar a influncia da Educao Permanente no trabalho dos Apoiadores das diferentes organizaes. As narrativas apresentadas nesta publicao revelam como a Educao Permanente em Sade pode nutrir as prticas dos Apoiadores ampliando sua autonomia e desenvolvendo sua criatividade, na superao dos desafios.

    O processo de implantao do Apoio Institucional na Bahia

    O Apoio Institucional vem se desenvolvendo de inmeras formas na gesto do SUS, seja no nvel municipal, estadual ou federal, como opo contra-hegemnica em relao aos modelos de gesto mais tradicionais, marcados por certa burocratizao, autoritarismo e tomada de deciso de forma verticalizada.

    Algumas destas experincias foram implantadas pela Secretaria Municipal de Sade (SMS) do municpio de Joo Pessoa (BERTUSSI, 2010), de Campinas (DOMITTI, 2006); pelo Conselho de Secretrios Municipais de Sade nos Estados do Rio de Janeiro, Alagoas, Minas Gerais (COSEMS-RJ, 2013); pela Fundao Estatal Sade da Famlia (FESF-SUS); pelo Departamento de Ateno Bsica da Secretria de Ateno Sade do Ministrio da Sade (DAB/SAS/MS).

    At 2007, a realidade encontrada na Ateno Bsica da Bahia era de baixa resolutividade atrelada inexistncia de planejamento, avaliao e monitoramento; gesto centralizada e fragmentada; dificuldade de expanso, sem levar em considerao critrios de equidade; modelo da Estratgia Sade da Famlia que no atendia necessidade dos municpios baianos; falta de dilogo entre os nveis de ateno; falta de interesse poltico em desenvolver e

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    estruturar a Ateno Bsica, entre outras, ou seja, Ateno Bsica no era prioridade.

    A partir de 2007, iniciou-se o processo de implantao do Apoio Institucional na DAB/SAIS/SESAB, como um dos eixos estruturantes da Poltica Estadual de Ateno Bsica (BAHIA. SECRETARIA DE SADE DO ESTADO DA BAHIA, 2013), de acordo com a proposta do novo governo do Estado da Bahia, a qual apontava a necessidade de estabelecer uma gesto solidria com os princpios da tica, da participao e dilogo social, efetividade, transversalidade e regionalizao (CUNHA; NASCIMENTO, 2009).

    Essa estratgia organizacional propunha um novo modo de agir que buscava mais horizontalidade na relao entre Estado e Municpio e nos encontros entre gestores, trabalhadores e usurios. Costa (2009), em seu quadro comparativo entre os modelos de ateno da DAB/SAIS/SESAB, resume a proposta implementada em 2007, com destaque para a constituio de uma gesto mais integrada; a qualificao da relao entre o nvel estadual e municipal com vistas descentralizao solidria e pactuada; o investimento na transparncia e democratizao institucional, evitando a tomada de deciso de forma concentrada.

    A opo dessa diretoria (DAB) por essa nova estratgia organizacional tomou como referencial terico o Mtodo Paidia proposto por Campos (2007, p. 86).

    O Apoio parte do pressuposto de que as funes de gesto se exercem entre sujeitos, ainda que com distintos graus de saber e de poder.

    Por outro lado, assume que todo trabalho tem uma trplice finalidade e produz efeitos em trs sentidos distintos: primeiro, objetiva e interfere com a produo de bens ou servios

    para pessoas externas organizao trabalha-se para um outro por referncia equipe de operadores ; segundo, procura sempre assegurar a reproduo ampliada da prpria organizao; e, terceiro, acaba interferindo com a produo social e subjetiva dos prprios trabalhadores e dos usurios. (...)

    Na realidade, ao no reconhecer que toda gesto produto de uma interao entre pessoas, verifica-se, com frequncia, tendncia a se reproduzirem formas burocratizadas de trabalho, com empobrecimento subjetivo e social dos trabalhadores e dos usurios. O Apoio Paidia procura compatibilizar essas trs finalidades, reconhecendo que a gesto produz efeitos sobre o modo de ser e proceder de trabalhadores e de usurios das organizaes.

    Dessa forma, a diretoria passou a buscar a ampliao da capacidade de reflexo, anlise e de cogesto dos sujeitos; resgatar a noo de que todo o servio de sade, produzido pela gesto e/ou assistncia deve ter uma utilidade para o usurio (valor de uso); reafirmar que os sistemas de sade podem contribuir para a formao de sujeitos mais implicados com a implementao do SUS.

    No Estado da Bahia, que adotou como um dos pilares de sua poltica de sade a gesto solidria o fortalecimento da Ateno Bsica, estrategicamente, passou-se a incentivar as Diretorias Regionais de Sade (DIRES), de forma que os tcnicos de referncia da Ateno Bsica tambm trabalhassem na lgica do Apoio Institucional em parceria com as equipes de Apoio Institucional da DAB/SAIS/SESAB. Dessa forma, esse modelo foi se capilarizando pelo territrio. Nesse sentido, a incorporao do Apoio Institucional tem se

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    concretizado tambm como uma nova forma de organizar gestes municipais, assim como a Fundao Estatal de Sade da Famlia (FESF-SUS) que, desde sua origem, adotou como estratgia central em sua prestao de servios a conformao de sua prpria equipe e metodologia de Apoio Institucional. As experincias propiciadas por essa nova forma de operar e produzir mudanas nas organizaes na rea da sade tm possibilitado um novo discurso, uma outra forma de se fazer gesto.

    As experincias apresentadas nesta publicao demonstram que a funo Apoio na Bahia tem contribudo para ativar sujeitos e coletivos, agenciar encontros e instrumentalizar trabalhadores com ferramentas e conhecimentos. Os arranjos de Apoio favorecem a desconcentrao do poder nas organizaes e empoderam os sujeitos na busca de solues para problemas locais. medida que valoriza a autonomia e ativa o protagonismo dos sujeitos e coletivos nos diversos territrios baianos, os apoiadores trabalham fortalecendo as diretrizes de regionalizao e descentralizao da sade e do SUS.

    Referncias

    BAHIA. Secretaria de Sade do Estado da Bahia. Diretoria de Ateno Bsica. Poltica Estadual de Ateno Bsica. 2013. Salvador: Secretaria da Sade, 2013.

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    COSTA, R. M. O. O processo de trabalho da equipe de Apoio Institucional com foco na gesto do trabalho e da educao na Ateno Bsica no Estado da Bahia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009. 122 f. Dissertao (Mestrado Profissional em Sade Pblica com rea de Concentrao em Gesto do Trabalho e da Educao na Sade) - Escola Nacional de Sade Pblica Professor Srgio Arouca ENSP/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2009. Disponvel em: . Acesso em: 27

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    abr. 2014.

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    DOMITTI, A. C. P. Um possvel dilogo com a teoria a partir das prticas de apoio especializado matricial na Ateno Bsica de sade. Campinas, 2006. 87 f. Tese (Doutorado Ps-Graduao em Sade Coletiva) - Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade Estadual de Campinas, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 27 abr. 2014.

    FERREIRA, A. B. H. Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. 5 ed. Curitiba: Positivo, 2010. 2272 p.

    OLIVEIRA, G. N. Devir apoiador: uma cartografia da funo apoio. Campinas: 2011. 175 f. Tese (Doutorado Ps-Graduao em Sade Coletiva) - Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.

    Parte I

    Implantao do Apoio Institucional

  • De Tcnicos a Apoiadores: Experincia de Apoio Institucional na Rede Hospitalar e Especializada na Bahia

    Leandro Dominguez Barretto, Joo Andr Santos de Oliveira, Ana Cristina Guimares, Yara Lcia Pedreira

    No decorrer do perodo entre o segundo semestre do ano de 2007 e o fim de 2009, cada um de ns viveu e foi marcado de diferentes formas pela experincia de construo e funcionamento do Apoio Institucional s Unidades da Rede Prpria da Secretaria da Sade do Estado da Bahia (SESAB), que se encontravam sob a Gesto Direta do Estado, ou seja, no terceirizadas. Ns, autores deste texto, fizemos parte da equipe da Diretoria da Rede Prpria sob Gesto Direta (DIRPGD) que uma das diretorias de apoio da Diretoria de Gesto da Rede Prpria (DGRP), ligada hierarquicamente Superintendncia de Ateno Integral Sade da SESAB. Por razes que nos levaram para outros caminhos, no tivemos a oportunidade de continuar este projeto juntos a partir de 2009, mas o conhecimento e o saber da experincia1 vivida seguem juntos com cada um 1 (...) o sujeito da experincia seria algo como um territrio de passagem, algo como uma superfcie sensvel que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas,

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    dos que participaram ou continuam atuando nesta equipe.

    O relato do trabalho desenvolvido neste perodo, proporcionado por este livro sobre Apoio Institucional, uma oportunidade de resgatar esta experincia singular na rea da Ateno Especializada no Estado da Bahia, como forma de socializao e registro de um processo que pode contribuir com aes futuras. Ao mesmo tempo, tambm uma oportunidade de resgatar lembranas e vivncias que muito mobilizaram desejos e sentimentos s vezes contraditrios, que povoaram os participantes desta equipe e a ns autores especificamente, colocando-nos mais uma vez em anlise (e autoanlise) sobre o processo de construo e das escolhas feitas. Foram momentos de muito trabalho e desafios aparentemente insuperveis, mas tambm de relaes de cumplicidade em torno de um projeto de mudana da sade da Bahia, centrado na incluso, nos processos de negociao e pactuao em espaos coletivos e na busca da produo da autonomia dos sujeitos envolvidos.

    Tentamos colocar aqui nossas implicaes, sentimentos, dificuldades e satisfaes, e ao mesmo tempo queremos permitir ao leitor compreender o contexto onde estvamos inseridos, para que possa servir, de alguma forma, como apoio reflexo de situaes em contextos semelhantes. Por isso, tentamos trazer um pouco da estrutura de funcionamento e seus processos, buscando fugir de uma descrio fria e estruturalista.

    deixa alguns vestgios, alguns efeitos. (BONDA, 2002, p.24)

    Contexto Geral

    poca desta experincia, a Rede Prpria do Estado sob Gesto Direta era composta por um conjunto heterogneo de Unidades de Sade, sendo trinta e nove ao total, com vinte e oito hospitais de diversos portes e caractersticas, sete Unidades Ambulatoriais Especializadas (os Centros de Referncia) e quatro Pronto-Atendimentos. Onze unidades eram localizadas em municpios do interior do Estado e as demais se localizavam em Salvador, consequncias de uma municipalizao tardia e ainda no plenamente concluda. A caracterstica heterognica deste grupo de Unidades era destacada no somente pela diferente natureza das mesmas (hospitais, centros de referncia, pronto atendimento), mas tambm pela variada tipologia das unidades hospitalares, pois entre os vinte e oito hospitais estavam includos tanto os maiores e mais complexos hospitais do Estado, como tambm hospitais de pequeno porte do interior, que funcionavam como importantes referncias para algumas regies.

    Uma equipe multiprofissional de tcnicos (enfermeiro, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta, odontlogo, administrador, mdico, economista) era responsvel pelo acompanhamento dessas Unidades, mantendo comunicao distncia ou em visitas eventuais, bem como por meio de pareceres tcnicos em processos de solicitaes de recursos e projetos oriundos das Unidades de Sade.

    A partir do fim do ano de 2007, assumimos a direo desta equipe de tcnicos da Rede Prpria com a tarefa de desenvolver aes estratgicas para a nova gesto da sade no Estado, compatvel com os compromissos de fortalecimento do Sistema nico de Sade, assumidos pelo novo Governo iniciado naquele ano. Dentre as aes

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    estratgicas na rea de ateno hospitalar e especializada junto com Rede Prpria estavam: a qualificao e modernizao da estrutura fsica das Unidades; a ampliao de leitos e do acesso aos servios; o desenvolvimento da Gesto da Informao juntos s Unidades; a qualificao da Gesto de Pessoal nas Unidades; a municipalizao de Hospitais de Pequeno Porte; a articulao das Unidades com a Rede de Servios locorregionais; a organizao de Linhas de Cuidado prioritrias para ateno especializada desenvolvida pelos hospitais da Rede Prpria; a mudana do modelo de gesto de hospitais estratgicos.

    A situao de muitas Unidades era precria, por isso sempre que abramos espao para escuta de demandas recebamos uma enxurrada de pedidos. Vale lembrar que a Rede Prpria no controlava a execuo de muitas aes como compras de equipamentos, obras, investimentos, contratao de pessoal, sendo necessria uma interlocuo com os diversos setores da SESAB para viabilizar as necessidades pactuadas com as Unidades. Na maioria das vezes no havia recurso suficiente para atender todos os pedidos. Alm disso, vivamos a presso da sobrecarga dos grandes Hospitais de Urgncia, com falta de leitos para pacientes graves e uma relao tensa no processo de regulao destes leitos, conformando-se em uma pauta que ocupava muito e de forma no planejada a agenda da equipe de direo. Essa situao foi produtora de muita angstia durante algum tempo, com atravessamento de agendas, desestruturao de pautas e a convivncia com a morte de pessoas nos hospitais e unidades de sade que acompanhvamos.

    Por fim, havia uma grande expectativa quanto a repostas da Rede Prpria, que concentra a maior quantidade de trabalhadores da SESAB e os grandes problemas assistenciais da Rede Hospitalar. Sentamos esta

    expectativa no cotidiano, com muitas agendas de diversos setores da SESAB e outras Secretarias pautando a Rede Prpria, gerando uma tenso que precisvamos abordar em nossas conversas quase diariamente.

    O processo de trabalho da equipe

    medida que assumamos o cotidiano da Direo da equipe, fomos conhecendo o processo de trabalho institudo no local. Percebemos que a equipe trabalhava sob demanda, tanto dos hospitais como dos demais setores do Nvel Central. Dos hospitais vinham as demandas de liberao de processos ou pedidos de autorizao de recursos voltados principalmente para obras, equipamentos e pessoal. Dos setores da SESAB provinham demandas de pareceres e levantamento de necessidades para investimento, bem como levantamentos de informaes para agendas estratgicas como atualizao de cadastros, indicadores assistenciais, etc. Para atender s demandas apresentadas e a formalizao de pareceres, a equipe de tcnicos baseava-se em protocolos e normas institudas pela prpria SESAB e/ ou outras instituies subsidiando os mesmos. O projeto poltico-sanitrio para cada Unidade nem sempre estava claro ou disponvel para estes atores.

    A interao com as equipes de gesto das Unidades era definida a partir de demandas para diagnsticos, aplicao de questionrios, inspees ou para subsidiar pareceres dos diversos processos que chegavam diariamente Diretoria. O grupo de tcnicos com frequncia referia a falta de governabilidade em muitas aes, pois nem sempre o que era identificado como necessidade era efetivamente priorizado. Havia um sentimento de desempenhar um

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    papel de apontador da existncia de no conformidades, que nem sempre podiam ser efetivamente abordadas. Este era um desconforto muito presente, que nos afetou ao iniciarmos o trabalho na Diretoria, nos mobilizando para pensar alternativas de construo de uma relativa governabilidade e consequente envolvimento maior do tcnico nas decises e com o prprio objeto de trabalho junto s Unidades.

    Apesar da realizao de uma certa escuta qualificada (MERHY et al., 1997) nas visitas, ficava a mesma em segundo plano, em virtude das tarefas que deveriam ser cumpridas. Utilizando o conceito de Composio Tcnica do Trabalho, oferecido por MERHY e FRANCO (2003), podemos dizer que o trabalho vivo desenvolvido pela equipe de tcnicos era governado pelo trabalho morto2 realizado no momento em que a demanda foi construda sem a participao do tcnico, anterior visita com predomnio do uso de tecnologias leve-duras e duras3 que permitiam pouca margem para situaes que fugissem tarefa previamente solicitada. O trabalho morto (aquele j realizado e acabado) poderia ser representado pela emisso de um parecer arquivado em 2 Trabalho Vivo representa o trabalho no momento em que o mesmo acontece, sendo o nico momento em se pode operar com Tecnologias Leves. J o Trabalho Morto representa o produto de um trabalho humano j acabado, resultado do trabalho vivo anterior que o produziu, caracterizado por tecnologias duras e leve-duras. O Trabalho Vivo tambm opera com tecnologias duras e leve-duras, mas a disputa est justamente sobre o que preside esta ao, se as tecnologias leves e o momento vivo em ato, ou se o trabalho morto realizado anteriormente. (MERHY, 2002).3 [...] as tecnologias envolvidas no trabalho em sade podem ser classificadas como: leves (como no caso das tecnologias de relaes do tipo produo de vnculo, autonomizao, acolhimento, gesto como uma forma de governar processos de trabalho), leve-duras (como no caso de saberes bem estruturados que operam no processo de trabalho em sade, como a clnica mdica, a clnica psicanaltica, a epidemiologia, o taylorismo, o fayolismo) e duras (como no caso de equipamentos tecnolgicos do tipo mquinas, normas, estruturas organizacionais). (MERHY, 2002, p. 49)

    um processo (pasta), sendo este o produto do trabalho do tcnico. O momento vivo de interao com as equipes de gesto das Unidades e entre os tcnicos em si, territrio de tecnologias leves (escuta, acolhimento, vnculo), com a possibilidade de construo de novos significados e pactuao de projetos, poderia at mesmo atrasar o produto esperado, por isso no eram valorizados numa rotina onde as aes seguem um padro independente da singularidade do acontecimento, predominando a repetio e a cristalizao de determinadas aes.

    Por fim, havia uma expectativa que a equipe de tcnicos tambm realizasse uma espcie de superviso das Unidades com o monitoramento de informaes (como produo de servios) e andamento de outras atividades, sendo realizada geralmente com a aplicao de questionrios especficos. Em geral, tambm o retorno s Unidades de Sade a respeito do resultado de avaliaes era feito na forma de relatrios impressos, sem uma discusso sobre seus resultados.

    Incmodos

    Compatvel com nossa trajetria, tanto no cuidado como na gesto, trouxemos como tema principal de anlise o cuidado em sade que era produzido pelas Unidades da Rede Prpria com as muitas complexidades que elas possuam. No era suficiente garantir o funcionamento de processos estruturados que viabilizassem o suprimento de insumos e atendimento s demandas dos servios. Era necessrio articular o papel de cada Unidade na rede de servios (cuidado produzido em Rede), mas principalmente o cuidado articulado entre os diversos profissionais e setores,

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    tendo como implicao a constituio de servios que orientam suas aes para o atendimento s necessidades de sade dos usurios e a produo de autonomia, compatvel com processos de gesto mais participativos e colegiados. No entanto, ao nos depararmos com o contexto descrito, ficamos profundamente afetados por mltiplas questes. Como desenvolver o trabalho que desejvamos, em um contexto de tantas demandas urgentes e difusas? Como envolver a equipe de tcnicos que no se sentia empoderada no cotidiano do seu trabalho? Como produzir um processo de mudana para uma gesto participativa, colegiada e centrada nas necessidades de sade dos usurios, em Unidades de Sade complexas e com tantas demandas estruturais?

    Outro aspecto relevante que trabalhar na rea hospitalar especializada exige um conhecimento especfico sobre a gesto destes espaos, sobre os mecanismos de produo do cuidado em unidades especializadas e das lgicas que operam no mercado, nas profisses e especialidades que atuam nestes servios. Este saber no era comum maioria dos membros da equipe, nem aos que j estavam, nem aos novos. Havia a necessidade de saber mais sobre o objeto hospital - servios especializados para enfrentar alguns destes desafios.

    Como enfrentar os desafios colocados para esta Diretoria neste contexto? Era preciso investir na formao inicial da equipe em um curto espao de tempo (mesmo compreendendo que estamos sempre em formao), mas sem prejudicar o andamento das aes, considerando tambm a tenso produzida pela necessidade de resultados no pouco tempo disponvel.

    Dessa forma, havia a necessidade de equilibrar o desejo que nos mobilizava para provocar determinadas mudanas no processo de trabalho das Unidades de

    Sade, com a demanda real e necessria de dar respostas a demandas estruturadas, do contrrio, no seria possvel sustentar um projeto de mudana frente ao pragmatismo necessrio que o tempo poltico da gesto governamental exige.

    Os significados do tcnico

    O termo tcnico geralmente utilizado para denominar uma funo de profissionais geralmente de nvel superior de diversas categorias, que desempenham atividades especficas dentro de uma instituio. Assim, encontramos o seu emprego tanto na rea assistencial, tcnicos de um Centro de Ateno PsicossocialCAPS, por exemplo, como na gesto. Na SESAB, assim como em outras instituies governamentais (municipais ou estaduais) todos os profissionais de nvel superior que no ocupam funes de Direo, Coordenao ou suas Assessorias so denominados de tcnicos.

    No entanto, com o tempo fomos percebendo que o termo tcnico tinha outros significados para alm de simplesmente denominar uma funo dentro da instituio. Por no ocupar um cargo de Direo (diretor, coordenador ou assessor) o tcnico geralmente se colocava em um patamar diferente daqueles, visivelmente inferior quando se tratava da tomada de decises. Antagonicamente funo de tcnico, os profissionais que ocupavam cargos de direo, eram vistos como tendo uma funo poltica, pois, de fato, ocupavam aqueles cargos por uma deciso do Governo. Assim, encontramos uma instituio onde as informaes estratgicas e as decises circulavam em uma esfera poltica, enquanto as aes operacionais eram

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    executadas por uma esfera tcnica, menos empoderada e consequentemente menos envolvida com o projeto poltico da instituio.

    O tcnico aquele profissional que possui um saber especfico sobre o funcionamento dos servios, dos parmetros, das normas, etc., um saber tcnico mas ao qual no est associada uma capacidade de decidir sobre as polticas, pois este seria um conhecimento acessvel somente queles que assumiam funes de Direo. Cabia ao tcnico realizar visitas e dar pareceres que no seriam necessariamente acatados, pois, em ltima instncia, as decises dependiam de uma esfera poltica da qual o mesmo no fazia parte. Ou seja, corria-se sempre um grande risco do parecer do tcnico no ser acatado e seu trabalho no ser valorizado. Por outro lado, o tcnico tambm aquele que est vinculado instituio pois geralmente um profissional concursado diferente da funo de Direo que est vinculada ao Governo. Um tcnico pode ocupar uma funo de Direo durante um determinado Governo e assim assumir outro papel por um perodo, com maior delegao para decidir e participar das decises.

    Qual a consequncia destas relaes? Porque nos chamou tanta ateno estes significados do lugar do tcnico? Percebemos que esta diferenciao, fortemente instituda, tinha importante impacto no envolvimento dos tcnicos com o cotidiano da gesto na Diretoria. Os tcnicos viam-se menos como gestores, limitando o envolvimento e a criatividade de cada um no cotidiano do seu trabalho. Esta situao tambm facilitava a desresponsabilizao com alguns processos, no sendo incomum ouvirmos a expresso: Sou somente um tcnico para justificar o no enfrentamento de alguns conflitos ou uma menor participao em agendas que demandavam tomada de deciso. A Instituio reforava este papel, na medida em

    que muitas vezes no reconhecia a legitimidade da presena do tcnico em determinadas espaos reunies, grupos de trabalho, pois se tratava de um profissional com baixa capacidade de deciso. Ou seja, a separao entre tcnico e poltico ou tcnico e gestor era uma caracterstica comum a toda a Instituio e no s da Diretoria da Rede Prpria.

    Acreditamos que essa ciso resultou do modelo gerencial hegemnico, que determina uma hierarquia muito bem marcada e vertical, de organizao Taylorista (CAMPOS, 2000), dividindo a instituio entre aqueles que decidem e os que executam. Ao mesmo tempo, percebemos que essa caracterstica do modelo foi reforada e alimentada pelos prprios trabalhadores, como um mecanismo de sobrevivncia organizacional, pois no eram raros os relatos de desafetos dos que ali j trabalhavam h muitos anos. Assim, ser somente tcnico poderia ser uma forma de evitar exposies e enfrentamentos, presentes no cotidiano da gesto.

    Este cenrio esvaziava do papel do tcnico sua funo gestora, sobrecarregava aqueles em funo de Direo e empobrecia a interao da equipe de tcnicos da Diretoria com as equipes das Unidades de Sade, reduzindo sua capacidade de interveno e apoio junto s Unidades. Por isso nos causava tantos incmodos, especialmente por entendermos que todos os atores em cena governam, todos planejam, todos fazem gesto de seu processo de trabalho, do seu cotidiano, da sua vida (MATUS, 1996). Todos tm uma liberdade importante no seu fazer e usam os poderes (saberes, entre outros) para operar nesse cotidiano. Por fim, todo trabalhador usa seu trabalho vivo na produo de certos produtos e com certas direcionalidades, que no necessariamente so os da organizao. Ou seja, mesmo diante de uma estrutura organizacional que no privilegia os saberes e a participao de todos, os profissionais tm a

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    possibilidade de agir com graus diferentes de liberdade no cotidiano do seu trabalho. Abrir espao para este potencial era fundamental para qualificar o trabalho em nossa Diretoria.

    Dessa forma, construir coletivamente outro fazer para essa equipe de profissionais da Gesto da Rede Prpria da Bahia tornou-se, para ns, muito mais do que a organizao do processo de trabalho para um funcionamento mais adequado da equipe, utilizao melhor dos recursos ou acolhimento mais qualificado das demandas dos hospitais e unidades especializadas. A construo de outro fazer, baseada no Apoio Institucional, significava romper com um passado de captura do trabalho vivo das pessoas e anulao ou sufocamento das diferenas, inveno e criatividade que todos possuem. Era a afirmao de outra tica, esttica e poltica de existir enquanto gestor e trabalhador de sade no SUS.

    De Tcnicos a Apoiadores

    Comeamos, ento, a construir a proposta de organizao da Diretoria da Rede Prpria sob Gesto Direta, implantando o Apoio Institucional nas Unidades da Rede Prpria, incluindo uma intensa agenda de Educao Permanente EP (MERHY; FEUERWERKER, 2014). Alguns dos novos membros da equipe traziam saberes adquiridos com a experincia de Apoiadores Institucionais ou coordenadores de equipes de Apoio em diferentes redes de ateno (Ateno Bsica, Urgncia e Emergncia, Ateno Especializada e Hospitalar) desenvolvidas em um municpio do estado de Sergipe ou em municpios baianos.

    Estas experincias anteriores ajudavam a perceber que, para desenvolver as agendas estratgicas colocadas para a nova gesto do Estado, bem como criar um processo de gesto mais participativo e comprometido com a formao de sujeitos, seria necessrio conformar um novo ator na equipe de tcnicos da Rede Prpria, ator este com maior poder de interlocuo junto s equipes das Unidades de Sade, mais envolvimento com a formulao de polticas e agendas estratgicas e maior capacidade de deciso, mesmo que realizada dentro do nvel de hierarquia que o organograma de uma instituio complexa e tradicional comporta. Precisvamos de mais gestores, no somente de tcnicos.

    Assim, construmos o pacto de apostar na transformao de uma equipe de tcnicos para uma equipe de Apoiadores. Ou seja, institucionalmente no deixariam de ser tcnicos, mas passavam a desenvolver a funo de Apoiador, deixando de lado o significado tradicional de tcnico discutido anteriormente, para dar espao a uma maior implicao e comprometimento com os diversos processos de gesto envolvidos na Diretoria, incorporando, ao mesmo tempo, uma maior participao nas decises e definies dos projetos da Diretoria.

    Apostamos em rodas de discusso e processos de Educao Permanente que passaram a fazer parte do cotidiano da gesto da equipe da Diretoria DIRPGD, debatendo os conceitos de Tcnico, Poltico, Apoiador e Supervisor. Trabalhamos com textos de diversos autores em reunies que variavam de periodicidade semanal ou quinzenal, bem como em oficinas para este fim. Fizemos leitura e conversamos sobre teorias que nos ajudassem a compreender que todo ator em situao governa e que assim precisvamos superar a dicotomia entre tcnico e poltico. Conversamos sobre o projeto polticosanitrio

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    do novo Governo para as unidades da Rede Prpria e percebemos identidade do grupo com a nova proposta, bem como sobre os conhecimentos necessrios para desenvolver o Apoio Institucional s unidades hospitalares e especializadas. Os problemas do cotidiano eram fonte de estmulo para estudo coletivo desenvolvido por processos de Educao Permanente em Sade.

    No havia dvida de que as Unidades da Rede Prpria precisavam de apoio entendido como uma ajuda no fazer com o outro pois havia um passivo de muitos anos com pouco ou nenhum investimento em muitas delas. Essa situao gerava angstia na equipe da Rede Prpria, mas tambm foi uma condio que facilitou a identidade com as novas funes. Alm disso, estava posto no somente a necessidade de conversar sobre infraestrutura dos servios, mas principalmente sobre o processo de trabalho das equipes de sade das Unidades de Sade e a forma como se dava a produo do cuidado nas mesmas, um cuidado atravessado pelos interesses das corporaes, do saber especializado, da indstria mdica/farmacutica e de equipamentos, sendo desse modo, uma produo do cuidado pouco permevel aos interesses dos usurios.

    medida que desenhvamos com a equipe as caractersticas deste novo personagem (tcnicos na funo de Apoiadores), fomos identificando tambm as limitaes e demandas que o grupo colocava para assumir aquele novo lugar. Algumas demandas no estavam evidentes e precisavam ser percebidas e/ou sentidas por ns e devolvidas para pactuao com o grupo. As caractersticas do Apoiador estavam relacionadas com a expectativa da gesto central quanto aos mesmos, expectativa dos gestores das unidades e, expectativa do prprio Apoiador para atender demanda da Rede de Petio e Compromissos construda com a SESAB e com as Unidades de Sade. Era necessrio

    que o Apoiador operasse com tecnologias e ferramentas que dessem conta dos saberes, poderes e afetos (CAMPOS, 2000) necessrios ao seu trabalho, e assim identificamos as seguintes necessidades:

    - Saberes: era necessrio ampliar o conhecimento da equipe sobre temas especficos da Ateno Hospitalar, bem como sobre os novos paradigmas em discusso, como a desospitalizao, por exemplo. Era necessrio ter novos saberes para ofertar nas interaes com os servios. Alm disso, as distintas polticas para as reas de Sade da Mulher e da Criana, Sade Mental, Alta Complexidade, Urgncia e Emergncia, etc. demandavam um estudo das mesmas, para ento pensar o papel de unidades especializadas nestas Redes. Alm da organizao de um cronograma de formao dentro das aes de Educao Permanente, tambm dividimos a equipe de Apoiadores em Coordenaes, organizadas com base no tipo das Unidades, que implicavam em agendas especficas: Maternidades; Hospitais de Urgncia e Pronto Atendimento; Centros de Referncia; Hospitais Especializados; Hospitais do Interior.

    - Poderes: era necessrio mais do que reconhecer que todos os atores governam. Foi importante mapear os recursos que a equipe precisava controlar para relacionar-se com as Unidades de Sade. Identificamos que a capacidade de fazer ofertas - informaes sobre projetos, saberes especficos da gesto hospitalar, retorno de demandas anteriores, acesso a informaes, etc. - legitimava a equipe de Apoiadores junto Direo das Unidades. Da mesma forma, a capacidade de resposta rpida a determinados pedidos empoderava a equipe no controle de alguns processos internos. Assim, organizar a informao passou a ser fundamental, bem como monitorar o andamento de aes estratgicas (como contratao de pessoal) para manter as Unidades informadas e planejar a ampliao e mudana de servios.

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    Nesse perodo constitumos o Ncleo de Informao da DGRP, responsvel por instrumentalizar o Apoiador com informaes para discusso e monitoramento de aes das Unidades.

    - Afetos: o trabalho do Apoiador deve lanar mo de saberes e tecnologias comuns ao trabalho desenvolvido no mundo do cuidado em sade como a escuta, acolhimento, vnculo, construdos atravs de espaos de intercesso e troca entre Apoiador e equipe apoiada. Ou seja, neste novo lugar proposto pelo Apoio, o roteiro ou a planilha so recursos que contribuem para organizao do trabalho, mas no so orientadores do mesmo. A escuta est alm dos instrumentos estruturados e mesmo alm do que efetivamente verbalizado. Da mesma forma, o espao intercessor (MERHY, 2002) o espao de negociao entre atores, de construo de pactos e de produo para os envolvidos, atravs de uma relao de trocas. Este era outro conhecimento esperado e buscado pela equipe, o conhecimento das tecnologias leves no campo da Micropolitica. (MERHY, 2002)

    Um processo rico foi se conformando, produzindo aproximao entre toda a equipe. No entanto, a receptividade proposta de uma mudana foi muito heterognea, sendo que alguns recusaram a mesma. Sair do lugar tradicional do tcnico implicava um maior compromisso com determinados processos, que anteriormente eram concludos aps a entrega do parecer do tcnico ao seu Coordenador ou Diretor. Implicava uma maior responsabilidade na interlocuo com os diretores de Unidades de Sade, pois o Apoiador falava no mais do lugar individual de seu saber especfico, mas sim em nome de uma poltica e de diretrizes pactuadas junto ao Nvel Central da Secretaria. Por fim, tambm implicava em uma maior participao em reunies da Diretoria DIRPGD, com

    o objetivo de participar de determinadas decises bem como ter acesso socializao das mesmas.

    Sem partir de velhas prticas, a priori, de resistentes mudana, tentamos trabalhar essa questo buscando acolher os incmodos, o que nem sempre era possvel por conta das agendas e da prpria distncia inicial que havia entre ns. Abordamos este tema em muitos espaos e momentos. No processo, alguns tcnicos solicitaram sua remoo da Diretoria. Ao mesmo tempo, recebemos pedidos de remoo de profissionais de outras reas para ingressarem em nossa Diretoria, referindo que estavam ouvindo boas informaes sobre o processo que vinha se desenvolvendo naquele setor. Tivemos muitas mudanas na equipe, mas a maioria dos profissionais originrios da Diretoria permaneceu conosco durante todo o projeto. Adquirimos novos e verdadeiros companheiros no encontro entre jovens sanitaristas participantes do Governo e antigos servidores estaduais de carreira do Estado.

    Curiosamente, como resultado deste processo de negociao a este novo modo de fazer a gesto, o termo Apoiador foi rejeitado pela equipe, preferindo identificar-se como Supervisor. Pactuamos que a denominao deveria ser aquela que deixasse a equipe mais confortvel, tendo sido escolhido o termo Superviso da Rede Prpria, mas que as aes deveriam ser aquelas que construmos como papel do Apoio Institucional. Dessa forma foi-se constituindo a equipe de Supervisores/ Apoiadores da Rede Prpria, atravs do tempo com uma intensa mudana do processo de trabalho desenvolvido internamente na Diretoria e tambm na relao com as Unidades da Rede Prpria. A equipe de Apoiadores chegou a contar com at vinte e seis membros com carga horria em mdia de trinta horas semanais.

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    O papel da Educao Permanente

    A Educao Permanente (EP) foi a principal orientadora deste processo, presente nos espaos colegiados de gesto, nas reunies de Diretoria, nas visitas dos Apoiadores s Unidades e na problematizao cotidiana direcionada para movimentos autoanalticos, buscando um aprendizado com o prprio fazer cotidiano. Para facilitar nosso relato destas atividades, dividimos as aes de EP de acordo com o processo na qual estava envolvida:

    - EP nos Espaos Colegiados de Gesto: reunio de Diretoria, reunio de Coordenaes e Reunies Ampliadas dos Apoiadores se constituram em potentes espaos de EP. A gesto colegiada permitiu que membros da equipe do Apoio estivessem mais presentes em momentos de deciso de agendas especficas, tambm passando a conhecer mais sobre determinadas pautas. A pausa em algumas discusses para aprofundar reflexes sobre os melhores caminhos para compartilhar de experincias, era frequente. A participao nestes espaos permitia tambm que os novos Apoiadores conhecessem e vivenciassem processos de mediao em reunies com pautas e produtos bem definidos, pois os mesmos deveriam ser fomentadores de aes semelhantes junto s Unidades.

    - EP no cotidiano do Apoiador: a vivncia de um novo papel pela equipe naturalmente passou a ser produtora de novas questes e inseguranas cotidianamente. A capacidade de acolher novas demandas dos Apoiadores era uma necessidade da gesto, para que os mesmos pudessem exercitar sua alteridade e compreender que Acolhimento tecnologia que deve estar na caixa de ferramentas do Apoiador. Assim, conformamos um espao de reunio quinzenal para conversas especficas sobre certas necessidades do cotidiano, com leituras e discusses

    complementares formao com a consultoria. Ao mesmo tempo foi interessante perceber que a troca de experincias entre os prprios Apoiadores passou a ser um recurso para a equipe, que se apoiava mutuamente em determinadas aes.

    - Formao dos Apoiadores a contratao de uma consultoria externa foi uma ao importante para oferecer contedos especficos sobre a gesto de unidades especializadas, como hospitais. O domnio de determinadas ferramentas especficas neste nvel de ateno ainda era um problema identificado junto equipe e, portanto, essas ferramentas foram ofertadas. Neste espao tambm debatemos a natureza do cuidado na Ateno Especializada e as caractersticas dos saberes e poderes envolvidos nas relaes entre trabalhadores e entre trabalhadores e usurios (CECLIO, 2003).

    As discusses de textos eram muito interessantes, pois nos possibilitavam uma reflexo e debate sobre o universo de problemas do contexto do SUS na Bahia, onde nem todos tinham ainda uma viso de Rede, visto que muitos Apoiadores vinham de uma prtica da assistncia direta ao paciente/ usurio, no debatendo sobre a questo das Redes de Ateno Sade. A cada semana a avaliao destas atividades traziam relatos sobre uma satisfao cada vez maior nesses encontros, embora s vezes nem todos conseguissem fazer a leitura antecipada dos textos trabalhados, pois com o avano da EP, estes tambm aumentavam de nmero e, consequentemente, aumentavam as atividades, j que apesar de estarmos em processo de construo de uma nova prtica, precisvamos responder s demandas da Instituio.

    Vale ressaltar que outro aspecto importante destacado pelo grupo foi a participao das figuras do Diretor, Assessor da Diretoria e Coordenadores nos espaos

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    de EP. Havia a possibilidade de conversar sobre os projetos concretos da Diretoria contextualizando a discusso terica, alm de horizontalizar as relaes tradicionalmente to hierarquizadas.

    A Educao Permanente era um conceito novo para alguns membros da equipe de Apoio da Rede Prpria e foi necessrio que a equipe pudesse ver a coordenao atuando como Apoio ao Apoiador, para compreender que tipo de relao poderia ser construda com a gesto das Unidades acompanhadas. Foi um desafio construir uma agenda semanal que pudesse contemplar os momentos de encontro e reunies na frequncia em que eram necessrios, e ao mesmo tempo executar as demais aes do Apoio, pois ainda permaneciam as agendas estruturadas e as horas consumidas para dar pareceres tcnicos em processos ocupavam muito o tempo da equipe.

    Outro recurso utilizado foi lanar mo de conhecimentos especficos de alguns Apoiadores, compartilhados em momentos oportunos. Por exemplo, a equipe que acompanhava as maternidades tinha um saber especfico na rea de polticas de sade materno-infantil que poderiam ser compartilhadas com a equipe de Apoiadores dos hospitais do interior, que tambm possuam maternidades por serem hospitais gerais. Porm, nem sempre aquele Apoiador dominava o saber especfico para realizar aes do Apoio, assim agendavam-se conversas sobre temas especficos que um determinado Apoiador dominava, compartilhando com os colegas.

    Por fim, a consultoria de profissionais com ampla experincia na gesto e no cuidado desenvolvido na rea hospitalar foi muito importante, no somente para contribuir com a formao da equipe, mas tambm para apoiar a equipe de Direo. Muitas eram as dvidas sobre como enfrentar situaes de incerteza, sobre a proposta de

    gesto da equipe e da Rede de Prpria, bem como os projetos para Unidades especficas e as dificuldades inerentes ao fato de estar na Gesto Estadual de um territrio to vasto e importante como a Bahia.

    A atuao do Apoiador da Rede Prpria

    A implantao do Apoio Institucional na Rede Prpria foi um processo que teve incio no momento que comeamos a considerar a possibilidade de reorientao do trabalho da equipe de tcnicos em conjunto com os mesmos, foi a que se deu o incio do Apoio na Rede Prpria. No entanto, consideramos como referncia o primeiro semestre de 2008, momento em que identificamos o amadurecimento da estrutura de gesto da Diretoria, na medida em que a interao dos Apoiadores com as unidades ia aumentando.

    Percebemos que a heterogeneidade das Unidades e um certo grau de criatividade, seria algo presente no trabalho da equipe. A grande variedade de Unidades no permitia uma relao com grande semelhana entre elas. Assim, a construo de uma Carta de Demandas nem sempre construda com esta denominao foi um dos dispositivos utilizados para organizar a agenda junto com algumas Unidades. Alguns hospitais demandavam mais presena do Apoiador para discutir questes estruturais ou para facilitar o andamento de processos importantes. Com outras Unidades fomos avanando na discusso sobre o processo de trabalho das equipes e o cuidado ofertado aos usurios. Em outras ainda mantnhamos uma relao mediada por pautas originadas fora da Rede Prpria, como a implantao de projetos especficos. Por fim, havia tambm hospitais pouco abertos entrada da equipe de

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    Apoiadores. Optamos, na medida do possvel, por respeitar o movimento das Unidades e organizar a agenda por meio de Cartas de Demandas construdas na interao com os servios. Onde ramos pouco desejados, interagamos mais pontualmente. E assim, fomos fortalecendo vnculos gradualmente.

    A experincia de forar a relao com determinados servios, no respeitando a autonomia da Direo da Unidade, foi desastrosa, fechando o espao para o trnsito do Apoiador e produzindo desconfiana em ambos os lados. Na relao de Apoio, como na relao de cuidado, a produo de vnculo fundamental. Sem confiana no h vnculo.

    A partir das demandas das Unidades, os Apoiadores Institucionais introduziam novas agendas de discusso, pactuando respostas dos resultados das aes consideradas estratgicas no projeto para a Sade do Estado da Bahia. A equipe do Apoio negociava a adeso, fazia pactos e comprometia-se tambm com alguns resultados. Assim, foi possvel iniciar debates como: a implantao de Acolhimento com Classificao de Risco em algumas Unidades; Gesto da Informao voltada para a ocupao e rotatividade de leitos; estmulo criao de espaos de gesto colegiada nas Unidades; definio do papel e articulao das Unidades com a rede locorregional; reorganizao do processo de trabalho de servios especficos em determinadas Unidades. Alm disso, o debate sobre novos recursos (equipamentos e obras) passou a ser realizado no contexto dos projetos pautados pela Diretoria, na interlocuo com outros setores da SESAB.

    As ferramentas estruturadas, questionrios e parmetros continuaram sendo valorizados e buscamos uma maior organizao dos mesmos, facilitando o trabalho do Apoiador quando se demandava este tipo de saber. No

    entanto, nos momentos de EP sempre provocvamos os trabalhadores com questes que colocassem os parmetros em xeque, para no sermos capturados pelos mesmos, e pudssemos construir ou buscar novos parmetros que dialogassem com a necessidade do momento.

    O que ficou

    A perspectiva de produo de uma relao diferente com as Unidades e com os processos anteriormente desenvolvidos produzia uma agitao na equipe e em todos ns. Eram muitas aes desenvolvidas naquele setor e muitas expectativas. Recordando agora, percebemos como o volume de trabalho era grande. Podemos dizer que foi uma experincia cansativa, mas prazerosa. Eram frequentes os relatos de satisfao de muitos dos Apoiadores que compartilhavam conosco aquele cotidiano, ao mesmo tempo em que traziam suas inseguranas e dvidas das novas atribuies.

    Ao longo desses dois anos compartilhamos muitos depoimentos de colegas com dcadas de servio no Estado, que haviam percorrido diversos setores e Unidades, conheceram muitos gestores e presenciaram relaes de grande autoritarismo, relatando com satisfao a possibilidade de participar de um projeto onde podiam ouvir e falar, tendo como tarefa o estmulo a que os colegas das Unidades de Sade tambm pudessem fazer o mesmo, construindo novos caminhos a partir destas conversas. Sem dvida, a possibilidade de troca entre as distintas pessoas que fizeram parte deste processo, novos e antigos servidores, foi uma das grandes riquezas e satisfaes que experimentamos.

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    Ainda, como sentimento, ficou a satisfao por termos ousado na disputa por um projeto de incluso das pessoas nos processos de gesto e deciso, em uma rea to dura como a gesto especializada e hospitalar, em que o processo estruturado considerado o essencial, e que a viabilizao de mais recursos equipamentos, obras, recursos humanos, a principal resposta esperada do nvel central. Sem esquecer tambm da angstia que s vezes, transformava-se em sofrimento para dar conta das demandas emergenciais cotidianas que desestruturavam agendas e pactos, prejudicando o andamento dos novos projetos, exigindo criatividade e capacidade de improvisao para avanar sem negar as prioridades pautadas pelas crises do dia a dia. Mas isso tambm foi um componente que aproximou o coletivo, aumentando a cumplicidade diante das situaes crticas, pois s com solidariedade possvel enfrentar certos desafios.

    No fim do ano de 2009, a equipe que ocupava os cargos de Direo deixou a DIRPGD para dedicar-se a outras atividades. Alguns membros da equipe do Apoio Institucional sentiram-se rfos, no sendo possvel dar continuidade aos espaos de EP constitudos. No cabe aqui analisar os motivos desta no continuidade, que certamente tem diversas variveis envolvidas. Todavia, o mais significativo compreender como se deu o processo e o que ficou para aqueles que participaram do mesmo.

    Para ns, autores deste texto, foi uma vivncia singular, pela tenso entre a grande demanda e a necessidade de manter a agenda desejada diante das agendas crticas como superlotao de emergncias e dficits de recursos foi tambm um momento de grande aprendizado. Certamente, tomaramos algumas talvez vrias decises diferentes. Isso no quer dizer que seriam melhores, pois s podemos saber efetivamente dos resultados quando eles acontecem. No

    assim na prpria vida? Reconstituir os passos e refletir sobre o acontecido nos ajuda a pensar no que ainda pode vir a ser, em situaes semelhantes de novas experincias.

    O Apoio Institucional s Unidades de Ateno Especializada, em especial hospitais, ainda um grande desafio, pois envolve distintos conhecimentos e onde os saberes das corporaes atuam de forma muito intensa. Mediar aes neste contexto demanda a construo de redes dentro das prprias Unidades, capazes de produzir mudanas a partir das articulaes dos muitos atores existentes nestes servios.

    A experincia de Apoio Institucional na Rede Prpria serve para que outros companheiros que atuam em espaos semelhantes possam ser contaminados com novas possibilidades de um trabalho em sade centrado no trabalho vivo, voltado para a produo da autonomia, em processos participativos e includentes.

    Referncias

    BONDA, J. L. Notas sobre a experincia e o saber de experincia. Revista Brasileira de Educao, n.19, p.24, jan./abr. 2002.

    CAMPOS, G. W. de S. Um mtodo para anlise e cogesto de coletivos. So Paulo: Hucitec, 2000.

    CECLIO, L.C.O.; MERHY, E.E. A Integralidade como Eixo de Gesto Hospitalar. In: Pinheiro, R.; Mattos, R.A. (org.). Construo da Integralidade: cotidiano, saberes e prticas em sade. Rio de Janeiro: Editora IMS, UERJ, ABRASCO, 2003.

    MATUS, C. Poltica, Planejamento e Governo. 2. ed. Braslia: IPEA, 1996.

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    MERHY, E.E. Sade: a Cartografia do Trabalho Vivo. So Paulo: Hucitec, 2002.

    MERHY, E.E.; FEUERWERKER, L. C. M. Educao Permanente em Sade: educao, sade, gesto e produo do cuidado. In: MANDARINO, A. C. S.; GOMBERG, E. (Org.). Informar e Educar em Sade: anlises e experincias. Salvador: Editora da UFBA, 2014. No prelo.

    MERHY, E.E.; FRANCO, T.B. Por uma Composio Tcnica do Trabalho Centrada nas Tecnologias Leves e no Campo Relacional. Sade em Debate, Rio de Janeiro, v.27, n. 65, set./dez. 2003.

    MERHY E.E. et al. Em busca de Ferramentas Analisadoras das Tecnologias em Sade: A Informao e o dia-a-dia de um Servio, Interrogando e Gerindo Trabalho em Sade. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (org.). Agir em Sade : um desafio para o pblico. So Paulo: Hucitec, 1997.

    Processo de trabalho e diferentes modalidades de Apoio do NASF no Municpio do Oeste Baiano

    Alan Jonh de Jesus Costa

    Este texto dedicado s amigas Marilda Bastos, Joceli Sousa, Simone Rodrigues, Claudete Oliveira, Cintia Nazarella, Licia Sola e Catiane Cardoso que dividiram comigo no apenas seus saberes mas a amizade e alegria de suas almas.

    A implantao do NASF

    Minha experincia no Ncleo de Apoio a Sade da Famlia (NASF) em Municpio do Oeste Baiano iniciou-se em dezembro do ano de 2010, quando me tornei integrante de uma equipe multiprofissional composta por assistente social, professor de educao fsica, psicloga, fisioterapeuta e nutricionista, com objetivo de apoiar nove equipes de Sade da Famlia (SF).

    A primeira pergunta que veio minha mente

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    foi a seguinte: como seria esse Apoio? Como equipe, precisvamos antes de tudo lidar com as limitaes que alguns de ns tnhamos sobre o conceito de Sade Pblica/Sade Coletiva e a falta de conhecimento de como construiramos este apoio junto s equipes SF. Foi um perodo riqussimo de aprendizado, e fantstico no sentido de amadurecimento do trabalho na Estratgia Sade da Famlia, especialmente no tocante organizao de aes compartilhadas e no aprimoramento individual para atuao com as diferentes modalidades de Apoio, requeridas conforme as necessidades identificadas nas situaes do cotidiano.

    Esse aprendizado proporcionou uma enorme alegria ao recordar dos ricos momentos de planejamento e desenvolvimento das aes em equipe (essa foi para a maioria de ns a primeira experincia de trabalho em uma equipe multiprofissional); das satisfatrias sensaes vivenciadas quando dos resultados positivos alcanados junto comunidade e/ou s equipes; das diversas reunies em que juntos problematizvamos o que fazer e como fazer; e que tivemos que realizar mudanas de trajetrias para nos adequarmos s necessidades apontadas pelos usurios e trabalhadores das equipes de Sade da Famlia.

    No momento de implantao do NASF o Municpio contava com apenas doze equipes de Sade da Famlia e nove Unidades Bsicas de Sade. A maioria das equipes apoiadas pelo NASF tinha como atividades centrais as aes curativas em detrimento da promoo e preveno. J a populao adstrita a estas Unidades apresentava como problemas de sade mais comuns: hipertenso, diabetes, doenas e transtornos mentais, dependncia ao uso de lcool e outras drogas, e as enfermidades ligadas baixa cobertura de saneamento, e vulnerabilidade econmica, social e educacional.

    Desse modo, a misso do NASF seria contribuir para o aumento da resolutividade das aes da Estratgia Sade da Famlia apoiando e compartilhando as responsabilidades.

    Uma vez recebidos pela Coordenadora da Ateno Bsica e apresentados enfermeira que assumiria a coordenao da equipe de NASF, passamos enquanto grupo a ocupar uma sala da prpria Secretaria da Sade do Municpio, local este onde eram realizadas atividades de planejamento e avaliao das aes.

    Inicialmente, nossas atividades foram desenvolvidas no sentido de orientao e organizao do nosso processo de trabalho: voltava-se para leitura e discusso em conjunto dos documentos oficiais sobre o NASF, elaborados pelo Ministrio da Sade (MS) e pela Secretaria da Sade do Estado da Bahia, confeco de panfleto explicativo, e de visitas de apresentao desse Ncleo s nove equipes sob sua cobertura.

    Durante as visitas eram realizadas a apresentao dos profissionais, do papel do Ncleo de Apoio Sade da Famlia, e um exerccio de levantamento cartogrfico junto equipe, sendo afirmado por diversas vezes que a Equipe NASF no estava ali necessariamente para fazer atendimento direto aos usurios, o que acabou gerando certo clima de dvida e instabilidade entre os atores.

    importante salientar que pelo fato de durante as visitas estarmos acompanhados pela Coordenadora do NASF, pessoa j conhecida na Gesto, os profissionais das equipes ficaram em dvida se o NASF no era ento gesto j que no veio para suprir as suas necessidades imediatas de atendimento individual aos usurios devido demanda reprimida ocasionada pela falta destas categorias profissionais nos servios de especialidades. Este entendimento perdurou por um longo tempo.

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    Alm disso, foi possvel tambm constatar que os profissionais das equipes de Sade da Famlia no tinham qualquer conhecimento sobre o papel a ser desempenhado pelo NASF, e que a maioria das equipes estavam distantes das lideranas e dos aparelhos sociais da comunidade. Todos estes fatores identificados tornaram-se um grande desafio a superar, uma vez que tnhamos em mente que no poderamos avanar no objetivo maior do NASF que seria o Apoio Matricial, se as equipes de Sade da Famlia tinham uma convico diferente da nossa atuao.

    [...] arranjo organizacional ou modalidade de prtica do apoio na qual um conjunto de saberes, de prticas e/ou de competncias concentrados em certos setores, grupos ou indivduos de uma organizao, considerados necessrios para resoluo de demandas ou problemas expressos por outras parcelas da organizao, ofertado a estas ltimas por meio de processos que incorporem uma metodologia de apoio. Toma como objeto uma necessidade ou um problema vivenciado. Nesse sentido que entendemos que o seu enfoque mais clnico, mas sempre considerando que h dimenses de gesto em jogo (OLIVEIRA, 2011, p. 46- 47).

    Dessa forma, nos debruamos na elaborao de projetos de interveno a serem apresentados s equipes, e no desenvolvimento de uma pesquisa de campo. A realizao deste estudo foi de grande importncia para a equipe porque foi a partir do levantamento do perfil epidemiolgico das comunidades a serem assistidas que gerou visitas a 50% das famlias, com a coleta de dados e o conhecimento dos condicionantes gerais de vida e sade, que possibilitou o estabelecimento dos primeiros vnculos entre equipe e usurios.

    Outro movimento de construo da equipe foi o de elaborao de uma agenda d