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JOÃO BOSCO BORGES EXPECTATIVAS, ETNICIDADE E SIMBOLOGIA: O CASO DA “GUERRA DO PENTE” CURITIBA 2010

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JOÃO BOSCO BORGES

EXPECTATIVAS, ETNICIDADE E SIMBOLOGIA:

O CASO DA “GUERRA DO PENTE”

CURITIBA

2010

JOÃO BOSCO BORGES

EXPECTATIVAS, ETNICIDADE E SIMBOLOGIA:

O CASO DA “GUERRA DO PENTE”

Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel e licenciatura em História, no departamento de História, setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Professor orientador Dr. Dennison de Oliveira.

CURITIBA

2010

3

SUMÁRIO

I. RESUMO______________________________________________________ 4

II. INTRODUÇÃO________________________________________________ 5

III. TENSÃO, CRISE, EXPECTATIVAS E LEGITIMAÇÃO ______________ 15

III.1. REVOLTAS E EXPECTATIVAS______________________________ 20

III.2. PATERNALISMO E ECONOMIA MORAL ____________________ 28

IV. ETNICIDADE E NEGOCIAÇÃO ________________________________ 31

IV.1. A CONSTRUÇÃO DO “TURCO” ____________________________ 31

IV.2. A TURQUIA CURITIBANA_________________________________ 34

IV.3. O OLHAR MICROSCÓPICO________________________________ 35

V. UMA LEITURA SIMBÓLICA ____________________________________ 41

VI. CONCLUSÕES _______________________________________________ 45

VII. LISTA DE FONTES ___________________________________________ 48

VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ____________________________ 49

4

I. RESUMO

A presente monografia analisa uma revolta popular que ocorreu em Curitiba no

ano de 1959, que se iniciou depois de uma briga entre um comerciante libanês e um

cliente, por causa de uma nota fiscal. A partir desta briga, o conflito tomou proporções

maiores chegando a se estender por dois dias, destruindo vários estabelecimentos e só

terminando com a intervenção do exército. Num primeiro momento, analiso de que

maneira os quebra-quebras estão relacionados a questões econômicas do período.

Proponho então a atualização e utilização do conceito de economia moral de E.P.

Thompson para a análise de revoltas neste contexto entre-ditaduras (1945-1964) no Brasil.

Posteriormente trato do componente étnico atrelado aos acontecimentos. Finalmente

realizo uma análise da simbologia dos acontecimentos, que muito deve à Antropologia e

aos estudos sobre rituais. Utilizo no decorrer destas páginas de pressupostos da micro-

história e dos jogos de escala, como uma forma de contemplar e também relacionar os

âmbitos micro e macro-social. Os documentos analisados são fontes da imprensa (jornais e

revistas) espaços de circulação das idéias de uma época, assim como com documentos da

Delegacia Policial de Economia Popular e da Delegacia de Ordem Política e Social.

Palavras-chave:

Revolta popular – conflitos étnicos – micro-história

5

II. INTRODUÇÃO

Curitiba, 10 de novembro de 1959. Um quebra-quebra que se estende por dois dias

e envolve um grande número de populares, causa destruição em vários estabelecimentos

comerciais na capital paranaense. Comerciantes sírio-libaneses são as vítimas preferidas

dos revoltosos. O exército é chamado a intervir e impõe à população da antes pacata

cidade, o toque de recolher. Mais de cem estabelecimentos foram alvos dos ataques de

populares. Vários foram presos e muitos outros feridos. Os jornais anunciam: “Curitiba

explodiu”.

O presente texto se propõe a analisar esta revolta popular ocorrida no centro de

Curitiba, que se iniciou depois de uma briga entre um comerciante libanês e um cliente,

por causa de uma nota fiscal. A partir desta briga, o conflito tomou proporções maiores

chegando a se estender por dois dias e ganhar as adjacências da região da Praça Tiradentes.

Desde 1959, a “Guerra do pente” se tornou parte, como peculiaridade, da história

da cidade. Muitos foram os artigos jornalísticos publicados a seu respeito, e até mesmo um

filme foi lançado, com entrevistas de alguns envolvidos. De todo modo, a revolta será aqui

uma porta de entrada para o entendimento de várias questões que dizem respeito à

imigração (sobretudo de não-europeus), modernização, desenvolvimentismo,

nacionalismo, xenofobia, entre outros aspectos do Brasil do período entre-ditaduras, assim

como pretende contribuir para o estudo da violência coletiva através de uma perspectiva

micro-histórica.

Segundo Carlo Ginzburg:

“mesmo que o historiador não possa deixar de se referir, explícita ou implicitamente, a séries de fenômenos comparáveis, a sua estratégia cognoscitiva assim como os seus códigos expressivos permanecem intrinsecamente individualizantes (mesmo que o indivíduo seja talvez um grupo social ou uma sociedade inteira.)”1

Este é o horizonte teórico no qual a presente pesquisa está situada. Assim como na

medicina não basta catalogar todas as doenças até compô-las num quadro ordenado, pois

em cada indivíduo, elas assumem características diferentes, não é suficiente para o

historiador agrupar, e buscar regularidades nos casos de revolta popular, por exemplo, sem

adentrar suas especificidades. 1 GINZBURG, Carlo. “Sinais, raízes de um paradigma indiciário”. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e

sinais. São Paulo: Companhia das letras, 1990, p. 157

6

A variação de distâncias focais ou de escalas é um elemento essencial da micro-

história que utilizarei no decorrer desta monografia. Ela chama a atenção para o fato de que

“o social não é um objeto definido, mas que deve ser construído a partir de interrogações

cruzadas.”2

A análise micro-histórica tem duas faces. Usada em pequena escala, torna muitas

vezes possível uma reconstituição do vivido inacessível a outras abordagens

historiográficas. Por outro lado, propõe-se a identificar as estruturas invisíveis segundo as

quais esse vivido se articula.3 Trata-se de uma tentativa de enriquecer o real introduzindo

na análise o maior número possível de variáveis. Fenômenos maciços, que estamos

habituados a pensar em termos globais, podem ser lidos em termos completamente

diferentes se tentarmos apreendê-los a partir de uma ótica microscópica.

No estudo da multidão há um processo histórico que leva da psicologização e

marginalização da ação das “massas amorfas” por Gustave Le Bon no começo do século

XX, até trabalhos como os de E. P. Thompson que tratam do estudo da legitimação destas

atitudes, a partir de uma noção de economia moral4 do povo, do costume enquanto

oposição à lógica do livre mercado. Em fins dos anos 1950 e no início dos 1960, autores

como Georges Rudé e Eric Hobsbawm também realizaram contribuições significativas

para o que se convencionou chamar de a história das multidões ou da turba urbana,

rejeitando a visão da massa irracional.5 Estes autores pretendiam identificar nas revoltas,

suas motivações e os resultados alcançados.

De acordo com Thompson, “por trás de toda ação direta popular, há sempre

alguma noção legitimadora de direito.”6 O conceito economia moral forjado pelo

historiador inglês não se refere a uma simples atitude de rebelião ou insubordinação

popular, nem a um amplo sistema de equilíbrio entre diferentes setores da sociedade

inglesa do século XVIII, mas muito mais a uma cultura política que inclui expectativas,

tradições, superstições da população pobre em seu relacionamento ou envolvimento com

2 REVEL, Jacques. “A História ao rés-do-chão.” In: LEVI, Giovanni. A herança imaterial. Trajetória de um

exorcista no Piemonte do século XVII. Tradução de Cynthia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 36 3 REVEL, prefácio, p. 17 4 THOMPSON, E.P. “A economia moral da multidão inglesa” In: THOMPSON, E.P. Costumes em comum:

estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 150-202. 5 HOBSBAWM, Eric. “A turba urbana” In: Rebeldes primitivos. Estudos de formas arcaicas de movimentos

sociais no século XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978; RUDÉ, Georges. A multidão na história: estudos

dos movimentos populares na França e na Inglaterra 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991. 6 THOMPSON apud PAMPLONA, Marco. A historiografia do protesto popular: uma contribuição para o

estudo das revoltas urbanas. Revista de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, número 17, 1996, p. 20.

7

ou no mercado, especialmente o de alimentos. Seu método foi

“reconstruir um modelo paternalista do mercado de alimentos, dotado de expressão institucional protetora e de rotinas de emergência em tempos de escassez, que derivava em parte das antigas políticas de abastecimento e regulação do mercado na época eduardiana e dos Tudor; contrastar esse modelo com a nova economia política econômica do livre mercado de grãos, associada acima de tudo com “A riqueza das nações”; e mostrar como, em tempos de preços elevados e penúria, a multidão podia, com uma vigorosa ação direta, impor ao mercado um controle protetor e a regulação dos preços, reivindicando às vezes um legitimidade derivada do modelo paternalista.”7

No âmbito da produção realizada no Brasil acerca do protesto urbano, “Protesto

urbano e política: o quebra-quebra de 1947”8 de José Álvaro Moysés foi concebido numa

perspectiva influenciada por Hobsbawm e sua visão da turba urbana. Hobsbawm

acreditava que estes protestos representavam movimentos pré-políticos por não terem uma

estrutura organizada ou por não pretenderem mudanças no sistema social. Entretanto,

apesar disto tinham objetivos definidos e que diziam respeito, por exemplo, ao protesto

contra o aumento dos preços de produtos alimentícios. No trabalho, Moysés analisa

manifestações coletivas de violência contra o aumento do preço de passagens do transporte

público em São Paulo na década de 1940. Ele conclui que as manifestações indicam a falta

de canais institucionais pelos quais os usuários de transportes pudessem se expressar.

A inexistência de canais institucionais também foi analisada como motivo de

revolta popular por José Murilo de Carvalho na sua leitura da Revolta da vacina de 1904.

Segundo o autor, os cidadãos que não participavam de forma mais efetiva do processo

eleitoral no contexto da República Velha, se mostravam ativos através deste tipo de

manifestação violenta.9

Em “A revolta das barcas”, Edson Nunes faz uma análise de uma explosão de

violência iniciada na estação das Barcas em Niterói em maio de 1959, que se alastrou por

outras partes da cidade e culminou com ataques à residência da família dos proprietários do

serviço de transportes coletivos. Ao redor do evento, surge um Estado dominado por

ambiguidades, refém tanto das reivindicações trabalhistas quanto de um empresário a ele

7 THOMPSON E.P. “Economia moral revisitada” In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular

tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 204. 8 MOYSÉS, José Álvaro. “Protesto urbano e política.” In: Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e

outros estudos 2. Brasília: Anpocs, 1983, pp. 96-112. 9 CARVALHO, José Murilo de. “Cidadãos ativos: a Revolta da vacina.” In: Os bestializados. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp. 91-139.

8

ligado clientelisticamente. O autor ainda observa elementos simbólicos presentes em meio

aos acontecimentos: durante o ataque às residências e nos momentos seguintes, fotografias

permitem observar vários participantes travestirem-se com as roupas da senhora Carreteiro

(esposa do empresário dono das barcas). Encerra nesta espécie de “carnaval” a violência

contra a residência dos alvos da multidão, afirma Nunes.10

No caso de Niterói, a revolta popular precipitou acontecimentos e desencadeou

várias decisões e medidas que culminaram com a estatização dos serviços. Na perspectiva

do autor, a revolta foi decisiva e legitimadora da uma relação entre população e Estado que

Nunes chama de “governa-me ou te condeno”. A violência cotidiana envolve uma

complexa mescla de classes, instituições e interesses, complexidade que tem no Estado, em

suas muitas instâncias, sua principal esfinge.11

Francisco Neves estudou saques realizados no Estado do Ceará no início do século

XX. Estas ações na visão do autor estariam ligadas a um contexto paternalista que acabava

por legitimar as atitudes daqueles que se rebelavam.12 Sua perspectiva não está longe

daquela concebida por E.P. Thompson que vê nas manifestações populares, uma noção de

consenso baseado nos costumes tradicionais, ou na chamada “economia moral dos

pobres”.13

No caso do Paraná, Fernando Schinimann produziu uma dissertação intitulada “A

Batalha da carne” que trata a respeito da “greve branca da carne” ocorrida em Curitiba na

década de 1950. O autor demonstrou ao tratar da questão da carne: os caminhos do

abastecimento, o tratamento político do assunto, além das reações de uma população que

barganhava através de quebra-quebras e protestos (sobretudo direcionados a açougues e

frigoríficos).14

Um artigo a respeito da “Guerra do pente” foi escrito por Jamil Zugueib. O

psicólogo tratou acerca dos efeitos psicológicos causado na família e na comunidade árabe,

pela revolta. Entrevistou também um radialista que havia participado dos eventos,

lembrando a importância do rádio nos acontecimentos. O autor cita Hobsbawm para tratar

da revolta enquanto uma manifestação de caráter “pré-político”, mas retoma as obras de Le

10 NUNES, Edson. A Revolta das Barcas. Rio de Janeiro: Garamond, 2000, p. 85. 11 NUNES, Edson, Ibidem, p. 137 12 NEVES, Frederico da Costa. A multidão e a história. Saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, CE, 2000. 13 THOMPSON, E.P. “A economia moral da multidão inglesa” In: THOMPSON, E.P. Costumes em comum:

estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 150-202. 14 SCHINIMANN, Fernando. A batalha da carne. 1945-1964. Dissertação de mestrado. Curitiba: UFPR, 1992.

9

Bon e Tarde para tratar do caráter irracional do quebra-quebra.15

O presente trabalho não parte do pressuposto de que a revolta popular pode ser vista

enquanto um movimento “primitivo” ou “pré-político”. De acordo com José de Souza

Martins, a revolta “espontânea” tem despertado menos “a atenção de cientistas sociais

brasileiros do que movimentos sociais organizados.”16 Como nos lembra o mesmo autor,

no entanto, o conceito de comportamento coletivo17

é anterior ao de movimentos sociais.

Segundo ele, o interesse maior pelos estudos de movimentos sociais deve-se a vários

fatores, dentre eles: modismos, a dificuldade que advém da imprevisibilidade de

fenômenos de comportamento coletivo, e finalmente, “em conseqüência da discutível

suposição de que os movimentos sociais constituem formas de ação coletiva mais

desenvolvidas e acabadas do que as do comportamento coletivo.”18

A interdisciplinaridade que é característica do trabalho do historiador de hoje, me

compele a utilizar um arcabouço de informações e conceitos legados tanto pela sociologia

quanto pela antropologia, a respeito dos quais tratarei mais adiante. Este diálogo não se

baseia, contudo, na simples transposição de conclusões da pesquisa antropológica para a

história. Na verdade, “há de se encontrar a estrutura na particularidade histórica do

conjunto das relações sociais e não em um ritual ou em uma forma particular isolados

dessas relações.”19

Ao abordar este evento que terminou como o saldo de cerca de 120

estabelecimentos destruídos no centro da cidade de Curitiba, me interessa menos perscrutar

seus participantes, enquanto foco principal de estudo, da forma como fez Rudé em seu

clássico “A multidão na história”20. Principalmente por entender que sua rejeição das

concepções de marginalização da massa preconizadas por Le Bon no início do século XX,

já cumpriu seu papel de forma eficiente.21 Meu enfoque está mais preocupado com as

relações e negociações entre imigrantes e locais, assim como com as expectativas

relacionados ao Estado por parte da população num momento histórico conturbado de um 15 ZUGUEIB NETO, Jamil. Libaneses na “Guerra do pente” em Curitiba. Sofrimento étnico e integração

cultural. Revista Tiraz, número 6, USP. 2009. 16 MARTINS, José de Souza. As condições do estudo sociológico dos linchamentos no Brasil. Estud. av. [online]. 1995, vol.9, n.25, pp. 295. 17 O autor se refere à obra de Le Bon, G. Psychologie des foules, Paris, PUF/Quadrige, 1995 18 MARTINS, José de Souza. Op. Cit., p. 295. 19 THOMPSON, E.P. “Folklore, antropologia e história social”. In: THOMPSON, E.P. As peculiaridades dos

ingleses e outros artigos. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2001. p. 248. 20 RUDÉ, Georges. A multidão na história: estudo dos movimentos populares na França e na Inglaterra

1730-1848. Rio de janeiro: Campus, 1991. 21 O psicólogo social Gustave Le Bon na sua obra do início do século XX, “Psicologia das multidões” trata a respeito de “massas amorfas” marcadas em suas atitudes, sobretudo, pela irracionalidade.

10

país “que se moderniza e enfrenta uma série de contradições, notadamente no plano

social.”22

Alberto Melucci afirma que a ação social não é o simples efeito de leis mecânicas

ou um determinismo natural, mas tampouco é a encarnação do espírito ou dos valores. Ela

é sim o resultado das relações que colocam junto uma pluralidade de atores sociais que

produzem significado para o que fazem.23 De acordo com o autor ainda, os atores sociais

não são conflituosos por essência; eles se tornam atores antagonistas numa conjuntura

específica na qual a dominação se torna visível, o choque entre a lógica do sistema e as

expectativas e recursos disponíveis ao grupo reveladas, e oportunidades específicas para

ação dadas.24

A singularidade de uma época reside “na tensão que é gerada pela

contemporaneidade de atitudes herdadas do passado e de comportamentos provocados por

novas problemáticas.”25 Uma abordagem do estudo das revoltas pode se beneficiar,

conforme mencionei, da aceitação da relação entre as expectativas de um lado; e os casos,

ou seja, os usos e apropriações que os sujeitos fazem destes conceitos em determinado

contexto, de outro (levando em conta, portanto, estas novas problemáticas.)

Inicialmente tratarei a respeito destas expectativas da população na especificidade

do caso que analisamos. Primeiro, em relação ao âmbito sócio-econômico, avalio de que

forma a revolta estaria relacionada a questões econômicas do período. A análise da

economia tanto no âmbito estadual quanto federal, bem como as expectativas e as ações

populares podem elucidar parcialmente estes aspectos. Proponho então uma questão:

poderíamos nos referir ao conceito de economia moral forjado por Thompson para analisar

este acontecimento de 1959?

De acordo com Giovanni Levi, tanto a comunidade camponesa, quanto as massas

populares urbanas apresentam em seu interior um processo matizado e mutável de divisão

e desarmonia: não podem ser descritas através da imagem idílica de uma sociedade

solidária e sem conflitos e, no entanto, parece existir uma homogeneidade cultural que se

manifesta particularmente nos momentos de conflito aberto com as classes dominantes e

22 NAVES, Santuza Cambraia. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo da

experiência democrática: democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008, p. 275. 23 MELLUCI, Alberto. Challenging codes: collective action in the information age. Cambridge: Cambridge University press, 1996. Op. cit., p. 26. 24 MELUCCI, Ibidem, p. 108. 25 BENSA, Alban. “Da micro-história a uma antropologia crítica”. In: REVEL, Jacques (org.) Jogos de

escalas. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 59.

11

com o mundo externo.26

Num segundo ponto contemplarei os usos do discurso étnico e da negociação de

identidade. Analiso se e de que maneira a revolta teria sido motivada por questões étnicas,

já que o comerciante era de origem libanesa. Importante, neste sentido, é tentar

compreender como se dava esta relação, possivelmente xenófoba, em relação aos árabes.

Para tratar destas questões utilizarei o enfoque proposto pelo antropólogo norueguês

Frederik Barth27, autor de “Grupos étnicos e fronteiras”, para fazer a análise da questão

étnica por um viés relacional. A importância desta leitura da sociedade está bem clara nesta

assertiva de Melucci: fenômenos coletivos que emergem em sociedades complexas não

podem ser tratados simplesmente como reações a crises, como meros efeitos de

marginalidade, ou puramente como problemas oriundos da exclusão do mercado político.

“Nós devemos levar em conta que movimentos sociais nestes ambientes são também sintomas de conflitos marcados por antagonismos... também relacionados a relações sociais, símbolos, identidades e necessidades individuais.”28

Partirei inicialmente de um processo de longa duração que é a construção da

imagem do imigrante árabe enquanto “turco”, algo que se inicia com a figura do mascate,

“protótipos da integração do imigrante árabe no Brasil.”29. Finalmente analisarei as

relações simbólicas, os antagonismos e as disputas sociais que ocorrem no âmbito local,

em escala microscópica, mas não menos importante.

Como o evento foi registrado pelos periódicos e jornais da época, os utilizei como

as principais fontes desta minha análise. Segundo José de Souza Martins “as informações

publicadas pelos jornais são detalhadas e oferecem dados sociologicamente relevantes para

o exame das hipóteses consideradas."30 É necessário levar em conta o que afirmou Antoine

Proust sobre a forma de inquirir este tipo de texto: “interessará menos pelo que eles dizem

do que pela maneira como dizem, pelos termos que utilizam, pelos campos semânticos que 26 LEVI, Giovanni. A herança imaterial. Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Tradução de Cynthia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 27 BARTH, Fredrik. “Grupos étnicos e suas fronteiras.” In: POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. São Paulo: Editora UNESP, 1998. 28 MELUCCI, Alberto. Challenging Codes: collective action in the information age. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, p. 99. Tradução minha: “We must acknowledge that social movements in complex societies are also the symptoms of antagonistic conflicts... it also concerns social relationships, symbols, identities, and individual needs.” 29 LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade cultural. Imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no

Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2000, p. 98. 30 MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 300.

12

traçam e poderíamos completar também pelo interdito, pelas zonas de silêncio que

estabelecem.”31

Nos jornais nos deparamos com aspectos da vida dos homens do passado “que

permitem recuperar suas lutas, ideais, compromissos e interesses.”32 Ela registra a vida

cotidiana e nos possibilita o acesso também aos sujeitos anônimos da história. Nela

encontramos dados sobre a sociedade, seus usos e costumes, condições de vida, o folclore,

informes sobre questões políticas e econômicas.

A forma de se questionar as fontes é um problema fundamental da história. O

documento é resultado de uma

“montagem, consciente ou inconsciente, da sociedade que o produziu e também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver esquecido ou manipulado. Esse produto resulta de relações de forças conflitantes e do empenho de seus produtores para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem da sociedade.”33

Ao invés de se perguntar se as idéias e informações nela contidas são falsas ou

verdadeiras, procura-se saber antes: quem produziu o jornal? Para que? E como? Além

disso, o jornal não pode ser estudado isoladamente, mas em relação com outras fontes

quem ampliam sua compreensão. A imprensa, ao invés de espelho do real deve ser

abordada enquanto “espaço de representação do real, ou melhor, de momentos particulares

da realidade.”34

De acordo com Capelato, a leitura dos discursos expressos nos jornais permite

acompanhar o movimento das idéias que circulam na época de sua produção. O confronto

das falas, que exprimem idéias e práticas, “permite ao pesquisador captar, com riqueza de

detalhes, o significado da atuação de diferentes grupos que se orientam por interesses

específicos.”35 Os principais jornais utilizados foram a Gazeta do Povo, O Dia, O Estado

do Paraná, a Tribuna do Paraná, o Correio do Paraná e o Diário do Paraná, que

cobriram o evento, além da revista de circulação nacional, O Cruzeiro.

Devemos levar em conta algumas informações sobre estes meios. Tanto a Gazeta

31 PROUST apud DE LUCA, Tânia. “A história dos, nos e por meio dos periódicos”. In: Fontes Históricas, São Paulo: Contexto, 2008, p. 114. 32 CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na História do Brasil. 2ª. Edição. São Paulo: Contexto,1994, p. 13. 33 Ibidem, p. 24. 34 Ibidem, p. 24. 35 Ibidem, p. 34.

13

do Povo, quanto O Dia estavam atrelados ao então governador Moysés Lupion.36. Ligados

a Bento Munhoz da Rocha, e, portanto, à principal oposição ao governo do estado estavam:

O Estado do Paraná e a Tribuna do Paraná (lançada inicialmente como um jornal

vespertino).37 Já O Correio do Paraná fora fundado em 1931, como um órgão do Partido

Liberal Paranaense – de oposição a Manoel Ribas, antecessor de Lupion.38

O Diário do Paraná, por sua vez, era um veículo dos Diários Associados de Assis

Chateaubriand no Estado.39 No âmbito nacional, a empresa de Chateaubriand era também

responsável pela publicação semanal de sucesso O Cruzeiro. Na década de 1950, a revista

chega a vender 700 mil exemplares por edição, maior tiragem de um meio semanal no país

à época. A forma como os meios interpretam os acontecimentos não pode ser analisada

sem que se levem em conta estes aspectos, interesses e características etc. A cobertura de O

Cruzeiro, por exemplo, é mais cuidadosa do que a feita pelos jornais diários. A matéria que

trata sobre a revolta, só foi lançada na edição de 26 de dezembro daquele mesmo ano, ou

seja, cerca de 15 dias após os acontecimentos.

Trabalhei também com exíguos documentos da Delegacia de Ordem e Polícia

Social (DOPS), referentes aos acontecimentos. Para tratar da questão das expectativas e

costumes da população, utilizei documentos da Delegacia Policial de Economia Popular

que tratam de reclamações feitas contra comerciantes estrangeiros. Para analisá-los o

historiador deve também levar em conta a história das instituições que os produziram, seu

modo de funcionamento, o motivo de sua produção, a quem é endereçada etc. Enquanto o

DOPS surgiu como um órgão de controle social no contexto autoritário do Estado Novo, a

Delegacia Popular de Economia Popular foi criada em 1946 no governo de Eurico Gaspar

Dutra. Este órgão regulador do Estado era encarregado de controlar abusos por parte de

comerciantes, em relação à população.40

Para realizar a reconstrução da dinâmica do comércio da região central de Curitiba,

a chamada “Turquia” e seu entorno, me referi também aos alvarás de estabelecimentos

comerciais da localidade na época. Eles permitem descobrir a nacionalidade dos

36 OLIVEIRA FILHA apud PEGORARO, Éverly. Dizeres em confronto: A Revolta dos Posseiros de 1957 na

Imprensa Paranaense. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2007, p. 104. 37 PEGORARO, Éverly. Dizeres em confronto: A Revolta dos Posseiros de 1957 na Imprensa Paranaense. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2007, p. 104, p. 108) 38 PILOTTO, Osvaldo. Cem anos de imprensa no Paraná (1854-1954). Curitiba: Instituto histórico, geográfico e etnográfico paranaense, 1976. 39 CÔRTES, Carlos Danilo Costa. O Diário do Paraná na imprensa e sociedade paranaenses. Curitiba, 2000. 40 SCHINIMANN, Fernando, Op. Cit., 1992, p. 19.

14

comerciantes da região, bem como analisar o tipo de comércio com o qual estes estavam

envolvidos durante a primeira metade do século XX.

Infelizmente não podemos contar com o inquérito policial relacionado aos

acontecimentos, que ao que tudo indica foi extraviado. A falta de mais documentos a

respeito do ocorrido é um problema que se impõe ao pesquisador. Entretanto, como nos

lembra Jacques Revel,

“se fosse suficiente saber tudo sobre um personagem, do seu nascimento à sua morte, ou sobre um acontecimento, em todos os seus aspectos, para compreendê-los, os jornalistas contemporâneos estariam mito mais bem equipados do que os historiadores; isso não acontece necessariamente, como sabemos.”41

Alguns trabalhos tiveram uma influência decisiva na escolha do tema, tanto em

relação à forma, quanto ao conteúdo. Dentre eles: “Jogos de Escala” organizado por

Jacques Revel, por sua discussão acerca da micro-história; Victor Turner e José de Souza

Martins, por suas contribuições no estudo da liminaridade; Jeff Lesser acerca da trajetória

de imigrantes não-europeus no Brasil do século XX; e sobretudo, Frederick Barth por suas

conclusões acerca da etnicidade.

41 REVEL, “Microanálise e construção do social” in: In: REVEL, Jacques (org.) Jogos de escala: a

experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998 , p. 37.

15

III. TENSÃO, CRISE, EXPECTATIVAS E LEGITIMAÇÃO

Conforme defende Francisco Neves, o conceito economia moral ultrapassa os

limites da obra de Thompson e é permanentemente atualizado pelas transformações

históricas, podendo ser utilizado, portanto, em contextos diversos ao da Inglaterra do

século XVIII.42 O próprio historiador inglês, num artigo no qual revisitava seu conceito

afirmava que ele já atingira sua maioridade perdendo sua filiação inicial e afirmava: “será

interessante ver como isso vai continuar.”43

Stanley Tambiah na obra “Leveling crowds, ethnonationalist conflicts and

collective violence in South Asia”, cita obras que transportam o conceito da economia

moral para a análise da violência coletiva do século XX no sul da Ásia. Na mesma obra,

ele faz a indagação se seria possível utilizar o conceito para seu objeto de estudo, ou seja,

conflitos étnicos asiáticos do século passado. Sua conclusão é negativa, pois segundo ele,

“o conceito de economia moral só é aplicável a uma situação onde as partes protestantes se referem a um discurso de valores e práticas compartilhadas, apesar do fato de cada grupo pode tentar interpretar e aplicar tais valores em seu benefício. Não pode ser aplicada a uma situação onde os rivais apelam para normas diferentes e realizam demandas exclusivas. Os motins de fome ingleses, apesar de não diretamente legitimada pelo Estado, derivam seu senso moral e justificação de expectativas acerca de uma justa divisão do trabalho na sociedade e como suas partes contribuem ou deveriam contribuir para o bem comum. Os tumultos étnicos de nosso tempo derivam de demandas exclusivas em relação aos recursos e recompensas da parte dos grupos que compõe sociedades plurais...”44

Todas estas considerações acima servem para lembrar-nos dos perigos da simples

transposições de conceitos para diferentes realidades históricas. É bom lembrar que os

conflitos étnicos analisados por Tambiah tratam de um contexto cultural bastante diverso,

onde estão envolvidos grupos com demandas particularistas (sejam elas marcadas pela

42 NEVES, Frederico da Costa, “Economia moral versus moral econômica. (Ou: o que é economicamente correto para os pobres.)” In: Projeto História, número 16, São Paulo: EDUC, 1998, pp. 39-58. 43 THOMPSON E.P. “Economia moral revisitada” In: Op. Cit., 1998, p. 266. 44 TAMBIAH, Stanley. Leveling crowds: ethnonationalist conflicts and collective violence in South Asia. Los Angeles: University of California Press, 1996.p. 322. Tradução minha: “the concept of moral economy is only applicabble to a situation where the contending parties refer and defer to a shared discourse of values and practices, although each party may try to interpret and apply those values to its advantages. It cannot be applied to a situation where the rivals appeal to different norms and make mutually exclusive claims.” (p. 322) “The English food riots, although not directly condoned by the state, derived their moral sense and justification from expectations of a fair division of labor in society and how its parts contributed and should contribute to the common wealth. The ethnic turmoils of our time derive from exclusive claims to resources and rewards by the component groups in plural societies...”

16

religião ou pelo caráter étnico), num ambiente onde falta uma ideologia e identidade

nacional. Existem evidentemente, apelos à tradição e valores, nos olhos desses diferentes

grupos, que legitimam suas posições. Entretanto, as demandas concorrentes impedem a

existência de uma noção mais unitária de economia moral.

Segundo o sociólogo José de Souza Martins, diferentemente do caso inglês da

economia moral que tratava da força dos costumes e expectativas em contraposição à lei

do capital, no caso brasileiro o mundo da tradição foi e tem sido “entre nós muito mais o

mundo da fé e da festa do que o mundo das regras nas relações de trabalho, do direito

costumeiro e dos privilégios ligados às corporações profissionais.”45As conclusões deste

autor, por sua vez, por serem por demais generalizantes se tornam insuficientes para a

análise de nosso caso específico.

Podemos tratar de uma economia moral da multidão curitibana no caso da “Guerra

do pente” e neste contexto de 1945-1964? Obviamente, é preciso levar em conta o que é

específico de cada caso e ambiente, mas isso por si não anula a possibilidade de utilização

do conceito. Talvez existam aproximações suficientemente fortes que possibilitem sua

utilização ou mesmo sua atualização.

O período 1945-64 havia sido até então, o único na história política brasileira em

que o país experimentara um sistema de participação política efetiva das massas.46

Podemos tratar desta conjuntura a partir do conceito da “democracia de massa”.47 Em

1959, data central desta análise, vivia-se o período desenvolvimentista dos “50 anos em 5”

do governo JK. Contudo, a noção de “desenvolvimento” veiculada pela propaganda

presidencial ocultava o fato de que os êxitos do período “estiveram associados ao aumento

das disparidades regionais, das desigualdades de renda, dos focos de tensão...”48

Segundo Vânia Maria Louzada Moreira, o governo JK deixou de cumprir as

promessas do desenvolvimento social que, via de regra, estavam associadas à idéia de

constante aceleração da prosperidade econômica.49 Havia, além disso, o problema

45 MARTINS, José de Souza. Op. Cit., 2000, p. 33. 46 SCHWARTZMAN, Simon apud ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Mendes de “Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Vargas.” In: FAUSTO, Boris (org.) História Geral da civilização brasileira. Tomo III. O Brasil

Republicano. 3ª. Vol. Sociedade e política. (1930-1964) São Paulo: Difel, 1986, p. 242. 47 OFFE apud MAGALHAES, Marion Brephol de. Paraná: política e governo, Curitiba: SEED, 2002., 2002, p. 52. 48 MARANHÃO, Ricardo. “Estado e a política ‘populista’ no Brasil (1954-1964)”. In: FAUSTO, Boris (org.), História Geral da civilização brasileira. Tomo III. O Brasil Republicano. 3ª. Vol. Sociedade e política. (1930-

1964) São Paulo: Difel, 1986, p. 267. 49 MOREIRA, Vânia Maria Lousada. “Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural.” In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.) O tempo da

17

crescente da inflação (em parte devido aos gastos públicos com a construção de Brasília,

entre outros).50

A “vida moderna” é permeada pelo consumo de bens materiais. Segundo

Magalhães, “esse ideário foi apropriado no Brasil à época do governo de Juscelino

Kubitschek, designado como desenvolvimentismo ou modernização.”51 Com a

universalização do voto, a democracia eleitoral se consolida, e ao “poder político

institucionalizado se impõe ampliar suas bases de sustentação.”52

O Estado de Bem-Estar Social, pode ser definido como um conjunto de habilitações

legais que autorizam o Estado, por meio do voto e da tributação, a realizar a redistribuição

de riqueza, por meio da manutenção de escolas, serviços de saúde, habitação, segurança,

lazer e cultura. Consiste no estímulo ao pleno emprego, não apenas para atenuar o conflito

entre capital e trabalho, mas também para garantir o consumo de mercadorias produzidas

socialmente.53 Trata-se de uma via reformista, alternativa à Revolução e ao Liberalismo

Econômico.

Nesta perspectiva, os trabalhadores e suas organizações são incorporados em suas

reivindicações e não mais apenas reprimidos. O abrandamento dos conflitos e das classes

leva a uma desideologização da política e a uma homogeneização. Segundo a autora “a

democracia competitiva obriga, por sua vez, o Executivo a responder às demandas da

sociedade. O Estado passa a ser visto como um prestador de serviços, e não mais como um

órgão repressivo.”54 Este contexto diz respeito a este período pós-1945, tanto no âmbito

estadual quanto nacional.

De acordo com Magalhães, “o processo de redemocratização do Paraná, em 1946,

à semelhança de outros estados, não se caracteriza por mudanças profundas no quadro de

administração pública.”55 Moysés Lupion, o primeiro governador eleito (1947-1951),

valeu-se da imagem de Manoel Ribas, governador e interventor durante o Estado Novo. A

ênfase na modernização do Estado, na política de distribuição de terras e aberturas de

estradas no governo de Ribas conferiu-lhe força para levar à vitória a seu herdeiro político.

Assim como Eurico Gaspar Dutra, Lupion chegou ao poder pela condução de Vargas.

experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 191. 50MARANHÃO, Ricardo. Op. Cit., 1986, p. 281. 51 MAGALHÃES, Marion Brephol de. Op. Cit., 2002, p. 51. 52 Ibidem, p. 52. 53 Ibidem, p. 53. 54 Ibidem, p. 54. 55 Ibidem, p. 55.

18

Lupion vence Bento Munhoz da Rocha em 1947. Portador de um discurso popular,

ele representava uma renovação, pois não advinha de nenhuma família tradicional. A

imagem será alterada pelos oposicionistas em 1950, “que fez de Lupion uma figura

nacionalmente conhecida como um político inescrupuloso.”56

Munhoz da Rocha, através de alianças vence as eleições seguintes, sem fazer

contudo, maioria no legislativo estadual. Sua gestão (1951-1956) confere ao Paraná sua

primeira identidade e insere-o no contexto nacional, onde conquista ainda para o Estado

dois cargos federais: a Carteira de Crédito Agrícola do Banco do Brasil (CREAI) e o

Instituto Brasileiro do Café (IBC). Contudo suas iniciativas não o tornam popular. Segundo

Magalhães, sua gestão será considerada pela opinião pública como excessivamente elitista,

porque fortemente dedicada à cidade de Curitiba, em prejuízo dos investimentos ao homem

do campo. Essa imagem, aliada ao impacto do suicídio de Vargas, ajuda a explicar o

retorno de Lupion ao governo, o que demonstra a fragilidade da repercussão das denúncias

feitas na eleição anterior.57

Os dois políticos tinham um estilo oposto, apesar de as gestões não o terem.

Enquanto Munhoz tinha imagem de estadista e intelectual, Lupion, era visto como um

“homem do povo”.58 No que se refere a políticas, parecem se tratar do mesmo governo.

Ambos buscaram evidenciar o surto do progresso dos anos 40 e 50, bem como o papel

reservado ao Estado na economia nacional. O café leva o Estado a uma posição decisiva na

política brasileira.

O segundo governo de Lupion (1956-1961) foi marcado, entretanto, pela falta de

ações relacionadas à modernização de certos serviços no estado. O governador “não dera

prosseguimento à expansão dos serviços públicos, havendo carência de estradas, energia

elétrica e equipamentos urbanos em cidades cada vez mais populosas.”59 A década de

1950, aliás, coincide com os índices mais altos de crescimento urbano, também no plano

nacional.60

O crescimento populacional implica o aumento de bens, que leva à ampliação da

mão-de-obra. Assim se articulam produção e população. Surgem possibilidades para

56 Ibidem, p. 56. 57 Ibidem, p. 57. 58 Ibidem, p. 57. 59 Ibidem, p. 69. 60 PATARRA, Neide L. “Dinâmica populacional e urbanização no Brasil: o período pós-30.” In: FAUSTO, Boris (org.) História geral da civilização brasileira Tomo III. O Brasil republicano. 4ª. Vol. Economia e

cultura (1930-1964) São Paulo: Difel, 1984, p. 261.

19

imigrantes. E a escassez de mão de obra justifica o esforço em atrair pessoas tanto nos

outros estados como no exterior. No governo de Munhoz da Rocha, a Divisão de

Imigrantes da Secretaria da agricultura firma convênios imigratórios em diversos países,

atraindo braços para a lavoura e indústria.61

Até os anos 1930, companhias particulares, tinham sob sua iniciativa a colonização,

sendo muitas responsabilizadas por abusos contra os colonos. Dizendo pretender coibir tais

abusos e defender os interesses do cidadão, os governantes sucessivamente foram trazendo

para si tal responsabilidade. Para tanto foram criados a Fundação Paranaense de Imigração

e Colonização (1947) e o Departamento Administrativo do Oeste (1948) – depois

transformado em Departamento de Fronteira, ligado diretamente ao Palácio do governo. A

presença do governo no estado se amplia. Trata-se de uma política intervencionista.

Lupion refere-se à ocorrência de esboços de agitações entre os lavradores do Norte

cafeeiro: “nestes dias tão férteis em ânimo subversivo”62 Também registra ocorrências no

sudoeste, envolvendo posseiros, colonizadores e grileiros, insuflados por “partidos

contrários ao governo... quando as paixões partidárias não respeitam nem as ânsias de

progresso de uma gente laboriosa e ordeira como a nossa”63 De acordo com Magalhães,”a

insistência em veicular a imagem de tranquilidade e progresso não ocorre por acaso; visa

atrair capitais e mesmo mão-de-obra para o Estado, em franco processo de crescimento

econômico.”64

Segundo Magalhães, quando os políticos se referem a momentos de

“intranquilidade” no Estado, como é o caso da Revolta de Porecatu (Movimento rural,

orientado pelo PC, que lutava contra a ocupação das terras pelos empresários ligados à

economia canavieira.), fazem-no para “denunciá-la como exceção, e não como regra.”65

Na década de 1950 se inicia a construção do centro cívico, “lugar de poder” do

Estado,66 - um centro, portanto, que administraria as várias regiões do estado, como

também ícones da cidade como o Teatro Guaíra e a Biblioteca pública. Neste contexto, é

ampliada também a rede hospitalar e de saneamento. As Policias Civil e Militar, passam a

atuar em todas as regiões, municípios e ruas do Estado.

O discurso de segurança é evidentemente um discurso da moralização dos

61 MAGALHÃES, Marion Brephol de. Op. Cit., p. 59. 62 LUPION apud MAGALHÃES, Marion Brephol de. Op. Cit., 2002, p. 58. 63 MAGALHÃES, Marion Brephol de. Op. Cit., 2002 p. 58. 64 Ibidem, p. 58. 65 Ibidem, p. 58. 66 Ibidem, p. 63

20

costumes. Serviços de identificação são instalados e novas delegacias são criadas como:

Costumes, Furtos e Roubos e Estrangeiros.67 O já mencionado estimulo a imigração, torna

necessária, uma política de integração, juntamente com um processo de saneamento dos

costumes em face da entrada daqueles considerados física e/ou moralmente desajustados.

Cabe ao governo, portanto, discipliná-los ou afastá-los do convívio dos demais. Essas

medidas apóiam a idéia de um governo científico e racional, que visava se estabelecer

nesta conjuntura.68

III.1. REVOLTAS E EXPECTATIVAS

Thompson lembra que para compreender as ações de qualquer multidão específica,

é preciso observar praças de mercado e práticas específicas de comércio. Mas para

compreender o espaço político em que a multidão podia agir e negociar com as

autoridades, é preciso atentar para uma análise mais ampla das relações entre as duas.69

Retorno alguns anos no tempo a fim de analisar algumas revoltas populares que

aconteceram na década de 1950, a fim de responder a indagação proposta. Em fevereiro de

1952, inicia-se uma reação da população contra açougueiros em Curitiba, seguindo uma

greve branca. Nos bairros do Cajuru e na Zona do Prado (hoje Prado Velho), os açougues

foram invadidos e as carnes atiradas no chão e calçadas. Posteriormente a população

invadiu o centro da cidade. Açougues nas ruas Pedro Ivo, Avenida Sete de Setembro e João

Negrão.70

Segundo Schinimann “fica evidente a participação de donas-de-casa como as

maiores responsáveis pelo movimento.”71 Posteriormente, contudo, contaram com o apoio

de outros setores da sociedade, como os estudantes e suas entidades. O autor afirma que a

revolta conseguiu resultados:

“após o choque físico, foi tomada em Curitiba, uma medida para a baixa do preço da carne... decidiu-se como medida de solução para a questão, baixar o preço do quilo da carne para Cr$ 5,50. Voltando também a existir a carne de tipo popular (pescoço, peito e constela) nos açougues.”72

67 Ibidem, p. 63. 68 Ibidem, p. 64. 69 THOMPSON, E.P. “Economia moral revisitada” in: Op. Cit. 1998, p. 204. 70 SCHINIMANN, Fernando. Op. Cit., 1992, p. 126. 71 Ibidem, p. 141. 72 Ibidem, p. 149.

21

Carlos Roberto Antunes dos Santos trata em seu trabalho a respeito da economia

paranaense e de problemas de longa duração como a dificuldade histórica no estado em

relação à carestia, as crises de produção de gêneros alimentícios e também da agricultura

voltada para o abastecimento local.73

Entre 1930 e 1959 houve um aumento grande no preço de artigos de primeira

necessidade. O jornal “Ação democrática” de 1959 traz uma tabela que dá conta do

aumento de preços destes produtos. O açúcar que em 1930 custava Cr$ 1,00, em 1959 já

subira a Cr$ 17,00. A carne de Cr$ 1,20 tinha se preço elevado à Cr$ 52,00.74

Encontrei referências de ocorrências nas décadas de 30, 40 e 50, que davam conta

de problemas relacionados ao preço de artigos de primeira necessidade como o leite. Numa

carta escrita por um delegado, os estrangeiros apareciam como os culpados pelos

problemas.

“Não é desconhecido [...] que os leiteiros do Boqueirão promovem movimento de elevação de preços de leite. São eles, em quase sua totalidade, estrangeiros, russos, ucranianos, alemães e na maioria sem nacionalidade. A Comissão Estadual de Abastecimento e Preços negou-lhes o aumento pleiteado, com o que não se conformam.”75

Presente neste trecho também está a participação do Estado na questão do

abastecimento e controle dos preços. Conforme mencionei anteriormente, a Delegacia

Popular de Economia Popular foi criada em 1946, mesmo ano do surgimento da Comissão

Estadual de Abastecimento e Preços (COAP). Tratavam-se, portanto, de órgãos reguladores

criados no contexto do Estado de Bem-Estar Social, provedor e intervencionista.

Apesar de esta posição do Estado como prestador de serviço, evidentemente ele é

incapaz de cobrir todas as demandas sociais. Os jornais do ano de 1959 lembram acerca de

movimentações e descontentamento na cidade de Ponta Grossa em relação ao serviço de

luz elétrica.76 No mesmo ano de 1959, ocorre durante o mês de julho agitações em

Paranaguá, relacionadas segundo as publicações a questão da falta de luz elétrica.77 O

governo de Lupion, conforme já mencionado, foi marcado pela falta de ações relacionadas

73 SANTOS, Carlos Roberto Antunes. A história da alimentação no Paraná. Curitiba: Fundação cultural. 1995. 74 Ação democrática, número 1, junho de 1959. DOPS. Dossiê Ação democrática. Número 0005. Topografia 1. Arquivo Público do Paraná. 75 Documento da Delegacia Policial de Economia Popular, da autoria do delegado Mário Fernandez, 9 de maio de 1951. Leiteiros estrangeiros. Número 0780A. Topografia 89. Arquivo Público do Paraná. 76 “Ameaça de revolta popular”. Tribuna do Paraná. 11 de dezembro de 1959, p. 2. 77 “Agitação em Paranaguá.” Gazeta do Povo, 14 de julho de 1959, p. 3.

22

à modernização de certos serviços no estado.

No âmbito nacional, outros protestos também aconteciam. Na cidade mineira da

Uberlândia ocorrem revoltas contra o preço dos artigos em Janeiro de 1959.78 Em maio,

graves distúrbios agitam a cidade de Niterói, envolvendo a questão do transporte, que

levam o governo a estatizar o serviço das barcas, até então nas mãos de um empresário.79

Em dezembro de 1959, Curitiba é agitada por uma revolta diferente como

registrado pelo jornal Gazeta do Povo do dia 9:

“um desentendimento entre o proprietário do Bazar Centenário, situado à Praça Tiradentes e um freguês, por causa da nota fiscal da compra de um pente, ocasionou uma cena de pugilato em que intervieram empregados da loja, saindo ferido o comprador, com uma perna fraturada. Populares que se encontravam nas proximidades, revoltados com a agressão, passaram a depredar a loja. O número de manifestantes foi aumentando e outros estabelecimentos comerciais, principalmente os de propriedade de sírios e libaneses foram depredados. O quebra-quebra prosseguiu até as primeiras horas de hoje, registrando-se vários feridos e diversas prisões.”80

Segundo o jornal, várias pessoas ficaram feridas e mais de 30 prisões foram

efetuadas na noite do dia 9, quando “grande massa popular – composta na maioria de

jovens arruaceiros” – participou da revolta que se alastrou pelo centro da cidade,

principalmente visando atingir estabelecimentos comercias de sírios, libaneses, bancas de

revistas e carrinhos de frutas.

O quebra-quebra teve início cerca de 18 horas, na Praça Tiradentes, quando o

proprietário do Bazar Centenário, Ahmad Najjar, de nacionalidade síria, teria se recusado a

fornecer uma nota fiscal para um militar que havia comprado um pente em seu

estabelecimento: “ante as reclamações do militar, Ahmad Najjar e mais quatro empregados

seus investiram contra o subtenente e o agrediram, provocando além de escoriações, fratura

de uma de suas pernas.”81

Um grupo de pessoas que se formou em virtude da briga, resolveu, pouco depois,

tirar a desforra pela vítima, iniciando o quebra-quebra no próprio Bazar Centenário, que

teve sua porta de aço arrancada, suas dependências invadidas, mercadorias reviradas,

danificadas e saqueadas. Logo após a agressão, começaram as manifestações sustadas

78 “Movimento popular provoca mortes em Uberlândia.” Gazeta do Povo, 21 de janeiro de 1959, p. 1 79 NUNES, Edson. Op. Cit., 2000. 80 “Multidão depreda casas comerciais”, Gazeta do povo, 9 de dezembro de 1959, p. 1. 81 Ibidem, p. 8.

23

momentaneamente pela presença de policiais e Corpo de Bombeiros, “mas reiniciadas com

a retirada desses quando se esperava estar tudo em calma.”82

Ainda na Praça Tiradentes, mais de 200 pessoas, continuaram as depredações,

atingindo outras lojas e bares localizados naquele logradouro para percorrer, em seguida,

em grupos separados, várias ruas a procura de casas comerciais de “sírios e libaneses,

atacando-as com pedras, paus, garrafas e outros projéteis sob gritos incitadores, destruindo,

também, bancas de jornal e de frutas.”83

Segundo a cobertura da Gazeta do Povo:

“durante mais de 6 horas, grupos de manifestantes promoveram desordens em locais diferentes, indo e voltando, a procura de lojas ainda intactas, a medida que ia aumentando o número de participantes dos atos de violência, na sua grande maioria jovens, formando novas turmas de depredadores, que além de causarem danos materiais de grande monte, deixaram um saldo de vários feridos.”84

As casas mais atingidas pela fúria popular foram: o Bazar Centenário, a Casa

Selma, a Casa Feres, Dedal de Ouro, Bazar Princesa, o Coração da Cidade e a Casa

Califórnia na Praça Tiradentes; além do Bazar Janete, na Rua Des. Westphalen e da Casa

Omairy85, em frente à Estação rodoviária. A maioria destes estabelecimentos era de

propriedade de sírios e libaneses A casa Lojas Nasser também foi atacada, mas como suas

portas de aço estavam cerradas, não houve maiores danos. 86

O jornal ainda enfatiza que o povo não se conteve na fúria e destruiu todos os

carrinhos de colonos vendedores de frutas que encontrou... a banca de jornais e revistas

localizada na Praça Carlos Gomes, esquina com Marechal Floriano, foi jogada pela fúria

popular no meio da rua e destroçada. Na passagem os populares quebraram o luminoso do

Diário do Paraná e de casas comerciais.

“As 23 horas, uma banca de frutas, na Rua Monsenhor Celso, esquina com José Loureiro, foi destruída e queimada. Um carro do Corpo de Bombeiros apagou o incêndio, enquanto soldados da Polícia Militar procuravam dispersar a multidão. Além disso, vários grupos depredaram alguns edifícios públicos, quebraram lâmpadas de praças e do Passeio

82 Ibidem, p. 8. 83 Ibidem, p. 8. 84 Ibidem, p. 8. 85 Relatório da DOPS 9 e 10 de novembro de 1959. Número 0480. Topografia 54. Arquivo Público do Paraná. 86 “Roteiro da pilhagem dos grupos de manifestantes”, O Diário do Paraná, 9 de dezembro de 1959, 1º caderno, p. 8.

24

Público, numa correria de várias horas e concentrações em locais do centro da cidade. A precaução de proprietários fechando as lojas logo que começou o quebra-quebra evitou que os danos fossem maiores...”87

No dia seguinte a revolta se reinicia e um comerciante árabe chamado Salim

Mattar, dono da Casa dos três irmãos, que resolvera dar tiros para o alto a fim de dispersar

a multidão, é quase linchado. Outro senhor árabe é carregado como “escudo humano”

pelas ruas:

“durante o reinício das manifestações, o comerciante Riquel Maulk foi arrancado de seu estabelecimento, à Rua XV de novembro (Casa Idem), no momento em que tentava fechar as portas e espancado. Às 9h20 a aglomeração alcançou a Praça Zacarias, trazendo na frente o comerciante aprisionado. Achava-se este em estado desesperador, chorando e com o rosto quase que completamente coberto de sangue devido à pancadas sofridas.”88

Ainda neste segundo dia de protestos, de acordo com o Correio do Paraná a

população retorna à Praça Tiradentes e ataca novamente o local do início de toda a revolta:

“O Bazar Centenário e outras casas comerciais das adjacências foram outra vez alvo dos

insurretos”89

Até a casa do primeiro jesuíta paranaense Emir Kaluf (de origem árabe), que, aliás,

havia recebido a notícia de sua ordenação naqueles dias, foi apedrejada, enquanto sua

família comemorava o feito. Durante os protestos são atacadas também uma Delegacia de

Polícia (há menções à participação violenta da Polícia nos acontecimentos) e a sede da

Comissão Central de Abastecimento e Preços (COAP).90 A COAP surgira, assim como a

Delegacia Policial de Economia Popular, na década de 1940, também como um órgão de

regulação do mercado.91

Surgem nos jornais, diversas interpretações dos acontecimentos, dentre elas a do

líder dos estudantes:

“...consideramos absurdo este movimento de protesto, pois não tem uma finalidade objetiva e nenhuma bandeira de reivindicação, sendo apenas gente que procura perturbar a ordem. Por outro lado, não deixamos de reconhecer que o povo se sente revoltado contra a alta do custo de vida,

87 “Multidão depreda casas comerciais”, Gazeta do povo, 9 de dezembro de 1959, p. 8. 88 “Comerciante aprisionado pela massa e conduzido como escudo pelas ruas.” Diário do Paraná, 10 de dezembro, 2º caderno, p.1. 89 “Tropas de guerra e baionetas silenciam o motim”, Correio do Paraná, 10 de dezembro de 1959, p. 1 e 8. 90 “DFDG e COAP apedrejadas.” Tribuna do Paraná, 9 de dezembro de 1959, p. 6. 91 SCHINIMANN, Fernando. Op. Cit., 1992.

25

mas acontece que movimentos de tal natureza nada adiantam, pois são movimentos, que somente mais vêm encarecer os preços dos gêneros. Movimentos como esses desmoralizam um país democrático e por esta razão, os estudantes universitários e secundários esperam que a população fique tranqüila e concentre suas esperanças nas eleições do próximo dia 3 de outubro, que será nova oportunidade para eleger um Presidente da República que trabalhe para solucionar o problema da alta do custo de vida.”92

Alguns pontos, especialmente, chamam a atenção: primeiro a referência a um

protesto sem “bandeira” de reivindicação; segundo, a caracterização deste protesto como

tendo sido formado por gente que procura tão somente perturbar a ordem; finalmente, a

lógica que busca justificar os acontecimentos leva à conclusão que liga os eventos com o

custo de vida do período.

A interpretação da revolta motivada pelo alto custo de vida foi feita também pelo

Presidente da Associação dos Inativos da RVPSC, Alfredo Puriatti, que ao mesmo tempo

buscava eximir os inativos de qualquer participação nos eventos, apesar de estes terem

motivos, segundo ele para tanto. Os acontecimentos teriam sido, em sua perspectiva

“ocasionados pela hipertensão em que se encontram as massas populares. Bastou um pequeno desentendimento – prosseguiu – para que o público desse vazão à suas insatisfação atual, provocada pela constante e insustentável alta do custo de vida e a instabilidade na organização política. [...] A classe dos inativos da Rede tinham maiores razões para iniciar um movimento de grande envergadura, pois permanecem há meses em um estado de exploração latente. Mas concluiu, graças a um elevado sentimento de ordem, até o momento não se manifestaram de forma a perturbar a tranqüilidade pública.”93

No Correio do Paraná, o deputado Oliveira Franco seguia esta linha de análises

que tratavam do momento crítico que teria, no seu ponto de vista, motivado a população a

reagir daquela maneira. Ao mesmo tempo em que o fazia, legitimava a atitude da

população: “não podemos ficar contra o povo, precisamente em época como a nossa de

amargura social [...] As formas de desespero não são poucas. Fome, miséria, crise

administrativa, corrupção...”94

Uma coluna da Gazeta do Povo remava no sentido contrário, procurando

criminalizar os participantes do levante. O jornal tinha um posicionamento pró-governo

92 “Movimento absurdo e sem bandeira”, Tribuna do Paraná, 9 de dezembro de 1959, p. ?. 93 “Descontentamento das massas originou o movimento”, Tribuna do Paraná, 10 de dezembro de 1959, p. ?. 94 FRANCO, Oliveira. Fome, desespero e exploração motivaram o levante do pacato povo curitibano, Correio do Paraná, 11 de dezembro de 1959, p. 2.

26

estadual:

“embora os sociólogos de ocasião digam que foram determinadas pela angústia coletiva, em face da inflação, o mais correto, o mais lógico que se tem a dizer deles é que foram provocados por saqueadores inveterados, desclassificados contumazes...”95

A matéria afirma que os incitadores dos acontecimentos eram os descontentes de 11

de novembro de 1955, se referindo ao contra-golpe preventivo de Lott, que permitiu a

chegada ao poder de Juscelino Kubitschek.

No jornal O Estado do Paraná encontramos informações sobre a ocupação de

alguns dos presos nos acontecimentos. Dos doze homens que depuseram: cinco eram

estudantes entre 18 e 21 anos; dois eram funcionários públicos entre 25 e 35 anos; dois

açougueiros; um comerciante; um radiotelegrafista; e um comerciário.96

Há também referências acerca da participação de mulheres nos eventos: “apesar da

hora tardia e das violências, grande foi o número de mulheres que participaram das

agitações. Nas delegacias é que se poude constatar os fatos, já que dentre os detidos grande

era o número de mulheres.” 97 Este fato indica certa fragilidade das conclusões dos jornais

atrelados ao grupo de situação, que buscavam associar os acontecimentos somente a

desocupados e arruaceiros.

A participação da polícia nos acontecimentos é outro elemento importante da

“Guerra do pente”. Os pontos de vistas dos jornais, a este respeito, são bastante distintos.

Segundo a Tribuna do Paraná, a confusão teria se ampliado “porque os responsáveis pela

ordem pública não quiseram sufocá-la em tempo, ou então são incapazes para a função.”98

O Correio do Paraná critica a participação policial e suas supostas atitudes violentas. Este

jornal publica uma foto com um guarda civil, que teria agredido um menor como uma

barra de ferro. A atitude teria causado a reação da população: “grande número de

manifestantes se dirigiu à Delegacia Central de Polícia e ali tentou vingar as violências

policiais.”99

A versão da Gazeta do Povo, ligada ao governo estadual, é completamente distinta.

As atitudes policiais são tratadas como eficazes e, sobretudo, não violentas. Há uma

95 “Malfeitores e inconformados”, Gazeta do Povo, 10 de dezembro de 1959, p. 5. 96 “Curitiba volta à normalidade.” O Estado do Paraná. 10 de dezembro de 1959, p. 9. 97 “Mulheres envolvidas nos distúrbios”, Tribuna do Paraná, 9 de dezembro de 1959, p. 6. 98 “Outro pulmão”, Tribuna do Paraná, 10 de dezembro de 1959, p. 8 99 “Fúria popular quebrou durante 6 horas. Lojas destruídas e milhões em prejuízo, Correio do Paraná, 9 de dezembro de 1959, p. 8.

27

tentativa de legitimação, portanto, da ação das forças de segurança.100

A transmissão do quebra-quebra pelo rádio, teve papel preponderante no

incitamento popular nos arrebaldes da cidade.”101 Conforme pudemos observar, naqueles

anos eram grandes as insatisfações populares no país. De acordo com Zugueib, em Curitiba

o povo criticava entre outras coisas a Cia. Força e Luz pela venda dos antigos bondes da

cidade pelo preço irrisório de um cruzeiro.102

Em seu texto, o autor cita um radialista por ele entrevistado, que era estudante de

direito na época e também candidato a vereador pelo PTB. Este afirmava ter aproveitado

os momentos de confusão para se promover: “como nós da rádio tínhamos muita audiência

em dois programas, eu aproveitei a bola de neve e mobilizávamos o povo.” Segundo

Zugueib, os programas populares das rádios para as classes menos favorecidas tinham às

vezes papel único na informação e na formação da opinião pública naqueles anos. 103

Um artigo de O Dia confirma esta tentativa de utilização política dos

acontecimentos, ao mesmo tempo em que menciona outros movimentos violentos

ocorridos em outros cidades: “... chocou sobremaneira a alguns observadores o fato de se

haverem registrado ‘coincidentemente’ movimentos da mesma ordem, na mesma data, em

Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul...”104 Na matéria, contudo, não são

dados maiores detalhes, entretanto, acerca destes acontecimentos.

O Estado do Paraná foi único jornal a de fato repercutir os acontecimentos de

Porto Alegre que guardavam semelhança grande com os acontecimentos do centro de

Curitiba:

“uma multidão de aproximadamente três mil pessoas tentou linchar três comerciantes árabes, que algumas horas antes haviam surrado um rapaz de 18 anos, engraxate de profissão, que lhe prestara serviço pelo qual se recusava pagar. Enfurecidos populares que haviam presenciado e conhecido o fato, invadiram os estabelecimentos comerciais dos agressores, quebrando tudo o que viam pela frente e surrando impiedosamente os seus proprietários [...]”105

O ambiente conturbado generalizado era analisado também pelo professor da

100 “Malfeitores e inconformados.” Gazeta do povo, 10 de dezembro de 1959, p. 5. 101 ZUGUEIB, Jamil, Op. Cit., 2009, p. 53. 102 Ibidem, p. 53. 103 Ibidem, p. 53. 104 “Interferência do exército determina o encerramento da baderna predatória”, O Dia, 09 de dezembro de 1959, p.1. 105 “Repetem-se em Porto Alegre os sucessos de Curitiba”, O Estado do Paraná, 11 de dezembro de 1959, p. 1.

28

Universidade Federal, Napoleão Teixeira. A conclusão recaia, novamente, sobre as

dificuldades de caráter econômico:

“impressiona a freqüência com que se repetem no país, as grandes agitações populares seguidas de arruaças e agressões, com mortos e feridos... [E concluía]: o Brasil está doente. Gravemente enfermo. Desorganizado no interior, desmoralizado no exterior onde sua moeda [...] se situa entre as mais aviltadas do mundo.”106

É recorrente, portanto, como pudemos observar, esta relação das questões

econômicas com as revoltas, tanto nas análises daqueles que buscavam dar sentido aos

fatos no calor dos acontecimentos, quanto nos motins que aconteceram naquele período.

Mesmo levando em conta estas relações com preços de artigos e revolta e, portanto, um

contexto bastante conturbado, a pergunta permanece: primeiro, por que os revoltosos de

1959 se dirigiram a estabelecimentos que não vendiam produtos alimentícios como no caso

de 1952?

No jornal de 4 de julho de 1959 o comércio de tecidos à varejo era tratado como

uma mina de ouro que fugia à alçada das autoridades. Afirmava-se que “lucros fabulosos

proporcionava este ramo de comércio” e que tudo se tratava de um “assalto à bolsa do

povo”.107

Mais adiante a matéria afirmava que este tipo de comércio varejista, aquele com o

qual o povo está em contato diário era um espaço de exploração ilimitada, pois nele é “o

comerciante que faz a sua tabela de preço que varia a partir da livre concorrência.” Não só

nas lojas de tecido ocorria o tal assalto à população: “nas lojas de miudezas de nossa

capital, o comércio lucra de toda a forma porque de um modo geral nunca há troco para

importâncias inferiores a cinco cruzeiros”. A matéria concluía que o povo “estava sendo

assaltado em plena luz do dia”.

III.2. PATERNALISMO E ECONOMIA MORAL

Para a multidão, as autoridades têm o dever de aplicar medidas de defesa contra a

fome e as privações, decorrências necessárias da crise.108 Entretanto, quando ela entre em

cena a economia moral da multidão rompe decisivamente com a dos paternalistas, pois a

106

“Psico-dinamismo dos quebra-quebras populares”, O Estado do Paraná, 11 de dezembro de 1959, p. 5. 107 “Mina de ouro que foge da alçada das autoridades.” Gazeta do povo, 4 de julho de 1959, p. 4. 108 NEVES, Frederico da Costa, Op. Cit., 1998, p. 50.

29

ética popular passa a sancionar a ação direta da multidão, enquanto que os valores de

ordem que apontam o modelo paternalista se opõem a ela categoricamente.109

Nos momentos de crise, as normas e valores tradicionais são reforçados.110 A culpa,

então, pode recair sobre os comerciantes: “esta representação do papel desempenhado por

estes comerciantes, por sua vez, está profundamente enraizada na noção do preço justo e na

consciência de que os rumos do comércio devem ser governados pelo imperativo central da

manutenção da harmonia e do bem-estar da comunidade.”111 Os jornais tinham duas

posições bem definidas em relação aos protestos. Aqueles que se alinhavam com o poder

afirmavam que tudo não passava de atitudes de “desclassificados contumazes.”112 Os

meios ligados à oposição, por sua vez, repudiavam os acontecimentos, ao mesmo tempo

em que legitimavam as reações à carestia e às dificuldades econômicas do período

(existem, aliás, nestes jornais menção da participação de mulheres nos conflitos, além de

informações sobre a profissão de alguns dos participantes.) 113

De uma maneira ou de outra, ao darem ouvidos às suspeitas sobre os “culpados” da

escassez, sejam comerciantes ou pessoas de condutas desviantes, as autoridades reforçam

“as proposições tradicionais sobre uma economia permeada por sutilezas morais e

religiosas”: assim procedendo, transformam a própria Justiça num campo de batalha no

qual se confrontam continuamente múltiplas concepções acerca do que é “justo” no terreno

mesmo das relações econômicas, ao mesmo tempo em que fortalecem as concepções

tradicionais acerca da distribuição de alimentos114

Segundo Roberto da Matta, o protesto popular pode ser um modo de exigir

restituição moral, sobretudo num país como o Brasil onde o cidadão por tantas vezes

pareceu desprovido de cidadania e direitos. No caso da “Guerra do pente”, podemos

observar através da mídia, ecos de expectativas da população acerca das atitudes

reguladoras por parte do Estado.115

Esta faceta dos acontecimentos permite uma aproximação a um aspecto da

economia moral. Esta noção ligava-se, conforme mencionei acima, a uma participação

paternalista do Estado, que recorria nos momentos de crise para soluções reguladoras. No

109 THOMPSON apud NEVES, Frederico da Costa, Op. Cit., 1998, p. 48. 110 NEVES, Frederico da Costa. Op. Cit., 1998, p. 46. 111 Ibidem, p. 47. 112 “Malfeitores e inconformados.” Gazeta do povo, 10 de dezembro de 1959, p. 5. 113 “Mulheres envolvidas nos distúrbios.” Tribuna do Paraná, 9 de dezembro de 1959, p. 6. 114 WALTER; WRIGHSTON apud NEVES, Frederico da Costa, 1998, p. 47. 115 DA MATTA Roberto. “Prefácio” NUNES, Edson, Op. Cit., 2000.

30

caso da revolta popular brasileira de meados do século XX, a expectativa popular, a partir

do que encontramos nas fontes, também se fundamentava num ideal de participação do

Estado de Bem-Estar Social provedor e interventor no âmbito econômico. Acaba por

ocorrer uma espécie de desmoralização deste tipo de comércio que não estava sendo

devidamente regulado, que se baseava na livre concorrência, daí a referência ao “assalto à

bolsa do povo” realizado por estes comerciantes.

31

IV. ETNICIDADE E NEGOCIAÇÃO

Um colorido étnico marca a “Guerra do pente”, complicando um quadro que

poderia em análises menos cuidadosas, ser “resolvido” apenas a partir de um olhar

economicista. Para tentar contemplá-lo, se faz necessário retornarmos à travessia dos

imigrantes e as negociações que marcam as relações sociais em seu entorno. Ao tratarmos

dessas negociações e tensões estamos, de fato observando o nível de pertinência das

configurações sociais, que são por definição, dinâmicas e fazem parte do quadro que

tentamos neste trabalho expor. Esta “conversação” que afeta tanto o imigrante quanto a

sociedade receptora, contudo, também é marcada por uma historicidade própria, que deve

ser levada em conta, antes que possa pretender interpretar o porquê da escolha deles como

alvos determinados da fúria da multidão.

Suzane Desan, em seu artigo sobre massas, comunidades e rituais na obra de

Thompson, afirma que suas análises não levam em conta tensões dentro dos grupos, e isto

pode representar um caminho a ser seguido por historiadores. Na opinião da autora, o

célebre conceito de economia moral deve ser complementado e corrigido por uma análise

mais matizada, contemplando essas “tensões existentes dentro da comunidade”116. O meu

interesse pela dinâmica das relações e pelas questões de identidade dentro da comunidade

curitibana está situado nesta perspectiva.

IV.1. A CONSTRUÇÃO DO “TURCO”

Uma das mais importantes descobertas das teorias da etnicidade é que a identidade

étnica nunca se define de maneira puramente endógena pela transmissão da essência e das

qualidades étnicas. Ela, de fato, se constrói a partir das relações entre grupos diferentes. De

acordo com Immanuel Wallerstein, “a pertença a um grupo étnico” é questão “de definição

social, de interação entre a auto-definição dos membros e a definição de outros grupos.”117

Esta relação é o que transforma a etnicidade num processo dinâmico sempre sujeito a

redefinições.

A imagem do “turco” tem raízes profundas na cultura popular brasileira, em grande

parte por causa dos mascates, protótipos da integração econômica dos árabes no Brasil.

116 DESAN, Susan. “Massas, comunidade e ritual na obra de E.P. Thompson e Natalie Davies.” In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. Tradução: Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 82 117 WALLERSTEIN apud POUTIGNAT, Philippe; STREIT-FENART, Jocelyne. Op. Cit., 1998, p. 142.

32

Estes pioneiros se tornaram símbolos em torno dos quais foi construída uma memória

histórica positiva dos médio-orientais.

“Era comum que esses caixeiros-viajantes árabes fornecessem artigos domésticos e mantimentos não-perecíveis aos trabalhadores das fazendas de café ou à população urbana das classes socioeconômicas mais baixas – um setor terciário do comércio varejista e de crédito ao consumidor praticamente não existia fora de umas poucas cidades.”118

Eram as relações pessoais que permitiam aos mascates sírios e libaneses obter

crédito, que por sua vez eles repassavam a seus clientes, uma inovação radical num país

que apenas recentemente havia trocado o trabalho escravo pelo assalariado.119 Na medida

em que os imigrantes mandavam buscar seus familiares para ajudar a expandir e consolidar

seus negócios, “a nova riqueza contribuiu para o surgimento de novas instituições e

organizações comunitárias.”120

A maioria esmagadora dos árabes que chegaram ao Brasil, ou seja, 91%, veio da

Síria e do Líbano.121 Contudo na documentação acerca da imigração até o ano de 1923,

aparecem como “turcos”, pois aqui chegavam com passaportes desta nacionalidade, devido

ao domínio desta nação em sua terra natal. Com o tempo a expressão sírio-libanês passou a

ser utilizada, a partir das negociações de identidade que envolviam este grupo, contudo, a

expressão “turco” para se referir a qualquer pessoa de procedência médio-oriental ainda se

mantém muito forte hoje em dia no país.

Antes da Segunda Guerra Mundial estima-se que 95% dos sírios e libaneses que

entraram no Brasil eram cristãos. A partir da década de 1940, ocorre, entretanto, um

aumento da imigração árabe muçulmana para o país.122 Diferentemente dos imigrantes

europeus que contavam com o apoio oficial e tiveram no campo seu destino, os imigrantes

muçulmanos de meados do século XX vieram para centros urbanos, num período de

industrialização sem precedentes na sociedade brasileira123 Sua vinda era marcada por

redes de sociabilidade e informação, construídas a partir das experiências dos que haviam

chegado anteriormente. Os árabes muçulmanos mantinham contato permanente com a

família ultramarina, o substituto da função propagandística exercida por agentes oficiais de

118 LESSER, Jeffrey. Op. Cit., 2000, p. 98. 119 Ibidem p. 99. 120 Ibidem, p. 103. 121 Ibidem, p. 96. 122 NASSER FILHO, Omar. O crescente e a estrela na terra dos pinheirais. Os árabes muçulmanos em

Curitiba, Dissertação (Mestrado em história), UFPR, 2006, p. 5. 123 Ibidem, p. 3.

33

imigração.

Este é o caso de Ahmad Najjar, dono do estabelecimento contra qual a população se

voltou. Em sua terra natal, o Líbano, o período foi marcado por disputas e acirramento de

nacionalismos árabes e judaicos, criação do estado de Israel, crescimento populacional,

lutas pelo controle do estado, desemprego. Segundo Lesser, “pressões familiares e a presença

de agentes e corretores de emigração (simsars), que viajavam por toda a região, incentivavam

muitos jovens do sexo masculino a partirem.” Eles formavam em 1915 ¼ da população do

Líbano.124

Assim como Ahmad Najjar, os comerciantes árabes se instalaram em Curitiba com

suas casas de comércio, vendendo roupas, sapatos, tecidos, armarinhos etc. Segundo

Freitas, “o comércio é sem dúvida, a atitude mais marcante para este grupo étnico.”125 Vale

lembrar que mais do que um espaço de trabalho, as lojas são espaços de sociabilidade.

De acordo com Freitas, nessas casas comerciais “quem fica no caixa é o

proprietário, que ao final da compra agradece a preferência e pede ao cliente que volte

sempre. Tudo, é claro, com seu inconfundível sotaque. Às vezes a expressão ‘primo’ é

usada para o freguês, remetendo a uma linguagem do parentesco, que é um elemento

importante para estes imigrantes ou descendentes, à medida que é graças às relações de

parentesco que muitas vezes sua atividade comercial se estabelece neste espaço.”126

É através de denominações como loja de turco, loja de patrícios que estes atores

ganham visibilidade no cenário da cidade.127 As categorizações étnicas e as inferências

autorizadas por elas são situacionalmente realizadas, são parte integrante de atividade

sociais nas quais sua validade é reconhecida e sancionada.128

Segundo Jungla Daniel:

“eles não constituíam um grupo fechado, isto é, de difícil relacionamento. Segundo o seu modo de entender o comércio, eles precisavam se relacionar, para fazer uma freguesia... A loja era a sala de visitas, o lugar onde passavam o dia, onde podiam ser encontrados. Muitas vezes faziam parte da casa em que moravam.”129

124 LESSER, Jeffrey. Op. Cit., 2000, p. 97. 125 FREITAS, Fátima. Lojinha do patrício: um estudo do comércio praticado por sírio-libaneses no centro de

Curitiba. Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba, 1995, p. 12. 126 Ibidem, p. 7. 127 Ibidem, p. 11. 128 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne, Op. Cit., 1998, p. 172. 129 DANIEL apud FREITAS, Op. Cit., 1995, p. 17.

34

IV.2. A TURQUIA CURITIBANA

Cabe considerar que em fins do século XIX e início do século XX, na atual Praça

Generoso Marques situava-se o mercado público onde mais tarde (1916) seria construída a

sede da Prefeitura Municipal. Vale salientar que este espaço quando abrigava o Mercado

Público, era palco de variadas atividades comerciais. Também existia uma forte

concentração de imigrantes sírios e libaneses, o que tornou essa região conhecida como

“Turquia”.130 Os caixeiros, assim denominados porque expunham suas mercadorias sobre

caixas de madeiras, vão estabelecendo suas lojas neste local, sendo que alguns passaram

antes pela atividade de mascate, “o vendedor viajante que sai pelo interior carregando

pesadas malas repletas de tecidos, roupas e outros objetos.”131

Na década de 40, a população de Curitiba cresce 81%. Na década seguinte,

100%.132 A cidade era um ambiente multiétnico marcado pela pluralidade de etnias,

crenças, a partir da presença de imigrantes alemães, italianos, poloneses, ucranianos e

também sírio-libaneses. Diferentemente de imigrantes de outras nacionalidades, os

comerciantes árabes tinham como característica a instalação de seus pontos de comércio e

moradias na região central da cidade.133 Apesar de corresponderem a uma colônia pequena

em relação à polonesa ou italiana, eles se encontravam, portanto, concentrados

espacialmente.

Como a Rua 25 de março em São Paulo, ou a região conhecida como Saara no Rio

de Janeiro, o entorno da Praça Tiradentes em Curitiba passou a ser ocupada por

comerciantes de origem árabe. “A presença crescente deste grupo étnico no comércio da

região fez com que ela passasse a ser conhecida como ‘Turquia Curitibana’...” 134 pelos

habitantes locais. Este espaço era, segundo Fátima Freitas, por onde circulavam e

consumiam aqueles que vinham da periferia.135 Tratava-se, portanto, de um comércio de

caráter popular. “Se o objetivo, por exemplo, fosse o de ir às compras, a área de

concentração de lojas próximas à Praça Tiradentes e à antiga sede da Prefeitura Municipal

– conhecida como ‘Turquia’ era considerada como focal.”136

130 FREITAS, Fátima, Op. Cit., 1995, p. 2. 131 Ibidem, p. 3. 132 NASSER FILHO, Omar. Op. Cit., p. 74. 133 Ibidem, p. 76. 134 FREITAS, Fátima. Op. Cit., 1995, p. 20. 135 Ibidem, p. 8 136 COSTA; DIGIOVANI apud FREITAS, Fátima. Op. Cit., 1995, p. 5.

35

Os alvarás dos estabelecimentos da região da Praça Tiradentes demonstram já

donos de estabelecimentos com sobrenomes árabes na região, que datam da década de

1900. Ocorre, contudo, nas décadas seguintes, um aumento progressivo em sua presença

com o passar das primeiras quatro décadas do século XX.137

De acordo com Roseli Boschilia, a partir de 1950, também na região da Rua

Riachuelo e no entorno da Praça Generoso Marques, próximas à Praça Tiradentes, as lojas

passaram, na maior parte, a ser ocupadas por “sírio-libaneses, que desde o final do século

faziam comércio nas imediações, e ainda hoje atuam, preferencialmente no ramo de

tecidos, roupas e armarinhos.”138

IV.3. O OLHAR MICROSCÓPICO

A partir de 1945, inaugura-se uma nova fase da política imigratória brasileira e

como não encontramos nos alvarás da região da Praça Tiradentes referência a seu nome até

o mesmo ano, podemos concluir que Ahmad tenha chegado ao país justamente dentre este

fluxo imigratório.139 Dados coletados por Omar Nasser, no arquivo público do Paraná

indicam a partir de pedidos de naturalização que a maioria dos imigrantes árabes em

Curitiba eram de origem libanesa,140 como Ahmad.

No ano de 1923 nasceu Ahmad no Líbano. Na dificuldade de encontrar informações

específicas acerca da idade do comerciante, já que os jornais não informam nada a respeito

deste aspecto, tive a idéia de me dirigir ao Cemitério Jardim de Allah em Curitiba,

mencionado por Nasser em sua dissertação, a busca de um homem que parecia, talvez

como o que a situação em que foi envolvido, querer ficar quieto.

Encontrei além de suas datas de nascimento e morte, a grafia de seu nome que

utilizo aqui e que também aparece sob formas diferentes nas diversas publicações a

respeito do acontecimento. Segundo Zugueib, Ahmad “aportou jovem e solteiro na cidade

e logo construiu uma pequena loja. Chega mais tarde sua noiva, casam-se e juntos cuidam

do comércio de roupas. Juntam um capital e se transferem para um estabelecimento

137 Volumes alvarás de licença comércio – PMC. Acervo da Casa da memória. Curitiba, PR. Informação sobre a nacionalidade dos donos de estabelecimento na região da Turquia e seus arredores. (período pré-1945) Casa da Memória. 138 BOSCHILIA, Roseli. Cores da cidade. Riachuelo e Generoso Marques. Curitiba: Fundação Cultural de

Curitiba, v.23, n. 110, mar. 1996. p. 61. 139 NASSER FILHO, Omar. Op. Cit., p. 41. 140 Ibidem, p. 47.

36

maior.”141

Havia, no Brasil à época, uma necessidade de mão-de-obra que suprisse uma

economia que se tornava mais urbana do que rural. A partir dos anos 40 a economia

brasileira deixou de apresentar um caráter agro-exportador e passou a se tornar uma

economia industrial moderna.142 Por outro, o processo de industrialização e urbanização foi

marcado, evidentemente por momentos de crise, inflação, portanto, de influência, na vida

prática das pessoas envolvidas neste processo de alterações econômicas profundas. Por

outro, estas pessoas reagiram, contribuíram e, portanto fizeram parte deste processo de

mudança.

A forma como é representado o comerciante é uma chave importante para a

compreensão desta negociação de identidade dos imigrantes, numa das matérias se afirma

que tudo se iniciou porque “um subtenente da polícia foi brutalmente agredido pelos

proprietários...”143 No jornal O Dia a representação negativa do comerciante é bastante

acentuada. Tudo teria se iniciado a partir do “espetáculo de selvageria de comerciantes

desonestos contra um comprador que reclamava sua nota de compra”144 Na Tribuna do

Paraná do dia 9, o título de uma matéria era o seguinte: “Comerciante analfabeto, oficial

demente.”145

O jornal Tribuna do Paraná em sua seção humorística, apresentava reproduções

interessantes da figura do “turco”. A piada para ser engraçada precisa, apesar de seu caráter

exagerado (e normalmente, grosseiro), fundamentalmente, ser compreendida pelos

interlocutores. Nesta perspectiva ela pode ser também uma fonte interessante para a análise

do social e de representações de grupos ou pessoas.

Reproduzo aqui um trecho que trata acerca do estabelecimento do libanês:

“Aproveitem! Começou a grande liquidação no Bazar Centenário! Tudo a preço de

pedra.”146 Se faz presente nestas frases uma idéia interessante: o que poderíamos chamar de

um incontrolável oportunismo dos comerciantes árabes. Mesmo, em meio à confusão e a

revolta popular da qual são vítimas os árabes, resiste a noção de que estes conseguiriam

beneficiar-se de alguma forma dos acontecimentos.

Logo abaixo, na mesma seção, outra piada intitulada “Diálogo na Síria” é

141 ZUGUEIB, Jamil, Op. Cit., 2009, p. 58. 142 OLIVEIRA apud NASSER FILHO, Omar. Op. Cit., p. 54. 143 “Multidão depreda casas comerciais”, Gazeta do povo, 9 de dezembro, p. 8. 144 “O caminho do povo”, O Dia. 10 de dezembro de 1959, p. 2. 145 “Comerciante analfabeto, oficial demente”, Tribuna do Paraná, 9 dezembro de 1959, p. 16. 146 “Triboladas”. Tribuna do Paraná, 11 de dezembro de 1959.

37

publicada:

“Um sírio, há muito tempo no Brasil, foi visitar sua terra natal. Lá conversando com um patrício, este perguntou: - Lee, Nagib, como vai ocê? Como vai o Abdulla lá no Brasil? - Abdulla? Abdulla é vereador... - Lee, e o Hamoff? - Hamoff, Hamoff é deputado estadual. - E Salim? - Salim é deputado federal. - E Rachid? - É senador. - Lee, e canié presidente da república? - É o Juscelino Kubitschek de Oliveira - Alê, como ocês dexam um estrangeiro ser presidente?”147

Um elemento, sobretudo, salta aos olhos nesta piada: a visão de que estes

imigrantes árabes buscavam poder e ascensão social na nação onde teriam chegado como

imigrantes. Eles teriam conseguido alcançar postos importantes em todas as instâncias de

poder, seja em âmbito estadual, seja em âmbito nacional. Lembro aqui que, durante aqueles

dias, de dezembro em Curitiba, a população atacara o Bazar Centenário sob os gritos

nacionalistas de “Viva o Brasil”, como apontava o Correio do Paraná.148

Cerca de vinte anos antes, em meados da década de 1930, a imprensa e a Ordem

dos Advogados do Paraná iniciaram uma campanha contra a vinda de assírios para o

Paraná. As discussões não envolviam, contudo, apenas os assírios, atingindo também os

árabes em geral que negociavam sua identidade no país a partir da mitologia do mascate,

“protótipos da integração do imigrante árabe no Brasil.”149. Um exemplo disso está contido

nos discursos veementes, do médico Dr. Souza Araújo contra esta corrente imigratória:

“bastam-nos os syrios que de extremo a extremo do país assenhoram-se de todo o comércio

e sugam toda a nossa fortuna.”150

Em resposta aos ataques do Dr. Souza Araújo, representantes da colônia síria

buscavam se defender:

“[...] vem o professor Souza Araújo a cobrir com a virulência das expressões de engraxate os filhos da Syria...o sírio vem ao Brasil a suas

147 “Triboladas”. Tribuna do Paraná, 11 de dezembro de 1959. 148 “Fúria popular quebrou durante 6 horas. Lojas destruídas e milhões em prejuízos.” Correio do Paraná, 9 dezembro de 1959, p. 8. 149 LESSER, Jeffrey. Op. Cit., 2000, p. 98. 150 TACLA, Paulo. “Sírios e Assírios. Carta ao ilustre sábio brasileiro Dr. Souza Araújo.” Gazeta do povo, Curitiba, 31 de janeiro de 1934, p. 2.

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custas. Começa a ver no Brasil não uma nacionalidade de trânsito, mas a sua própria nação[...] seus filhos vão surgindo brasileiros, fanaticamente brasileiros.”151

A negociação da identidade se desenvolve como podemos observar no exemplo

acima das décadas de 1930 e 1950, tanto através de discursos de legitimação, quanto de

estigmatização de grupos de imigrantes. Lembro que a etnicidade é um elemento de um

saber cultural compartilhado, “ativado pelos atores em ocorrências situadas e com

objetivos interacionais específicos.”152

John Tofik Karam tratou em “Um outro arabesco” a respeito da respeitabilidade

ambivalente conquistada pelos “turcos” no país em meados do século XX. Referindo-se

aos sírios e libaneses de São Paulo, ele afirma que, por um lado as elites da mídia lhes

dedicavam elogios por transformar a 25 de Março numa via pública de destacada função

comercial. Por outro, a região começou a ocupar o noticiário como lugar propício para

atividades irregulares do ponto de vista fiscal. Ele cita uma matéria que informava que uma

equipe de quarenta fiscais da receita conferiu

“milhares de notas fiscais, centenas de volumes abertos e regular quantidade de mercadorias sem nota apreendida, numa operação que os chefes do serviço de fiscalização qualificaram de ‘tomada de pulso do comércio.”153

No caso curitibano, uma matéria de 27 de agosto de 1959 já advertia, por sua vez,

que os pequenos comerciantes se apresentavam contra o concurso “Seu talão vale um

milhão”.154

É preciso mencionar o processo que esteve intimamente relacionado à ascensão

social da colônia sírio-libanesa no Brasil: Vargas, na década de 1930, instituiu uma política

protecionista, com impostos elevados sobre as importações. Protegidos por tarifas

extremamente elevadas nos têxteis importados, que ainda nos anos 1960 chegavam a quase

280%, os industriais e atacadistas do setor e os empresários do ramo de confecções

cresceram em número e organização.155

151 Ibidem, p. 2. 152 POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne, 1998, p. 172. 153 “Comandos fiscais em ação na 25 de março”, O estado de São Paulo, 28 jun, 1960 apud KARAM, John Tofik. Um outro arabesco: etnicidade sírio-libanesa no Brasil neoliberal. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Martins, 2009. p. 54. 154 Gazeta do Povo, 27 de agosto de 1959, p. 1. 155 KARAM, John Tofik, Op. Cit., 2009, p. 53.

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Conforme aponta Karam, “em toda a América Latina, as políticas protecionistas

desenvolveram-se juntos com ideologias nacionalistas.”156 O interessante no caso da

revolta sobre a qual estamos tratando, portanto, é que o antagonismo que se cria em relação

aos sírios e libaneses, sua ascensão social e econômica, deve muito à própria participação

intervencionista do Estado que anteriormente (década de 1930), proibira as importações

contribuindo para o sucesso destes estabelecimentos e destes grupos. O olhar microscópico

nos permite compor um quadro mais completo dos acontecimentos.

Afirmei anteriormente que a história é um campo de possibilidades e não

necessidades. A incerteza passa a ser um elemento, nesta perspectiva, que deve ser

contemplado quando tratamos da experiência dos sujeitos. Lênin, por exemplo, quando a

Revolução Russa ultrapassou em duração a Comuna de Paris, comemorou

entusiasticamente o acontecimento como um marco. Costumamos olhar para o passado

imaginando planos prontos ou de longo prazo, e esquecemo-nos do peso das pequenas ou

das decisões não planejadas nos quadros gerais.

O jornal O Estado do Paraná foi o único a divulgar a versão do comerciante a

respeito dos acontecimentos. De acordo com Ahmad, o cliente teria solicitado que ele

preenchesse a nota do produto. O comerciante teria dito que não sabia escrever bem em

português, o que levou o subtenente a xingá-lo, chamando-o de “turco burro, o que ele

julgou fosse uma brincadeira, mas com o freguês continuando a insultá-lo, entraram em

luta corporal e foram, engalfinhados até a porta do estabelecimento.”157

Mas informações foram dadas por outro envolvido nos acontecimentos, o árabe

Abdo Fayard. Segundo ele, um policial que compareceu ao local a fim de averiguar as

ocorrências, teria começado a incitar as pessoas que se aglomeravam, “dizendo que o

comerciante havia matado o subtenente e fazendo comentários sediciosos acerca do

acontecimento, que ocasionaram por fim a revolta popular...”158

Esta cena mostra bem de que maneira a etnicidade, enquanto repertório de rótulos e

estereótipos, é ativada pelos atores em ocorrências determinadas e com objetivos

decorrentes de interações específicas. Podemos observar a utilização da noção do realce ou

saliência da etnicidade: esta exprime a idéia de que a etnicidade é um modo de

identificação em meio a possíveis outros e não remete a uma essência que se possua, mas

156 Ibidem, p. 18 157 “A visão do proprietário do Bazar Centenário”, O Estado do Paraná, 10 de dezembro de 1959, p. 9. 158 “A outra visão do fato”, O Estado do Paraná, 10 de dezembro de 1959, p. 9.

40

como um conjunto de recursos disponíveis para a ação social.159 Nesta concepção, os

traços étnicos nunca são evocados, atribuídos ou exibidos por acaso,

“mas manipulados estrategicamente pelos atores, como elementos de estratagema , no decurso das interações sociais, por exemplo, para exprimir solidariedade ou a distância social, ou para as vantagens imediatas que o ator espera obter pela apresentação de uma identidade étnica particular.”160

O que teria acontecido se Ahmad Najjar não tivesse se envolvido na briga com o

militar? O que teria sido evitado se aquele cliente tivesse entrado em outra loja naquele dia

8 de novembro de 1959? A respeito destes assuntos só podemos conjecturar. Contanto, não

podemos deixar de lado o cotidiano, o fugaz, considerando menos importante, justamente

pois foi ele o espaço do vivido, da experiência, das estratégias, das lógicas, bem como das

irracionalidades, do estranho, do inesperado. Eduardo Grendi tratava em seus textos do

“excepcional normal”, casos atípicos que abrem caminhos para situações ocultas pela

norma geral e que por vezes podem se mostrar reveladoras.161

159 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Op. Cit., 1998, p. 166. 160 Ibidem, p. 168. 161 GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro, “Recriando a história regional pela micro-história”, In: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. História, região e globalização. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009 p. 57.

41

V. UMA LEITURA SIMBÓLICA

Segundo E.P. Thompson, num artigo no qual faz a apologia da utilização da

antropologia pela história social:

“geralmente, um modo de descobrir normas surdas é examinar um episódio ou uma situação atípicos. Um motim ilumina as normas dos anos de tranqüilidade, e uma repentina quebra de deferência nos permite entender melhor os hábitos de consideração que foram quebrados.” 162

Este enfoque permite a visualização de velhos problemas em novas formas, em

nosso caso “atentando para as expressivas funções das formas de amotinação e

agitação.”163

A utilização da Antropologia pela História, na análise da violência tem sido

recorrente. Em seu artigo “Ritos de violência”, Natalie Zemon Davis analisou revoltas

envolvendo católicos e protestantes na França do século XVI, levando em conta esta ênfase

ritual que movia, segundo ela, mesmo que inconscientemente, os participantes nas suas

atitudes contra seus adversários. Esta autora se utiliza de uma perspectiva que enfatiza,

portanto, o aspecto simbólico das atitudes, a partir de uma idéia de repertório cultural dos

populares.

Convêm, entretanto, considerar os enunciados e os atos não como projeções de

modelos atemporais e incontroláveis, mas como soluções para problemas de comunicação

que surgem no interior de interações precisamente situadas. A semelhança das produções

simbólicas de diversas sociedades não poderia ser deduzida de uma lógica abstrata e

universal das formas: ela resulta da homologia dos processos acionados em situações

concretas homólogas.164 As referências à mente humana ou às 'mentalidade', em sua

generalidade, “impedem de ver o verdadeiro nível de pertinência: o das configurações

sociais 165 e lógicas necessárias que produzem expressões semelhantes no interior de

culturas muito diferentes.” É, no meu ver, papel da história perceber estas configurações ou

relações, e isto é o que busquei realizar nos dois capítulos anteriores. Depois de tê-lo feito,

podemos contemplar o aspecto simbólico, que se faz presente de forma importante nas

relações sociais e econômicas.

162 THOMPSON. E.P. Op. Cit., 2001, p. 235. 163 Ibidem, p. 229. 164 BENSA, Alban. Op. Cit.,1998, p. 76. 165 Ibidem, p. 76.

42

Um momento de crise como este final dos anos 50, pode ser encarado como “sendo

potencialmente um período de exames dos valores e axiomas centrais da cultura em que

ocorrem.”166 O caráter da inversão, presente nos mais diversos rituais analisados pelo

antropólogo Victor Turner, se faz presente tanto no carnaval como na revolta popular,

conforme apontou Roberto da Matta. 167 Nestes momentos de fantasia de superioridade: “os

mais fortes tornam-se mais fracos; os fracos agem como se fossem fortes.”168

Segundo Turner, reações de cariz ritualístico como a revolta que pretendi

compreender podem ser provocadas por graves pecados sociais, - no caso aqui a atitude

violenta do comerciante Ahmed nos olhos da população. Estes momentos de inversão

podem ser vistos nas mais diversas sociedades “como reestabelecedores da estrutura

social.”169

Foto publicada em O Cruzeiro, 26 de dezembro de 1959.

166 TURNER, Victor, O processo ritual. Estrutura e antiestrutura. Tradução: Nancy Campi de Castro. Petrópolis, Vozes, 1974. p. 202. 167 DA MATTA, ROBERTO. Carnaval, malandros e heróis. 6ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 51. 168 TURNER, Victor. Op. Cit., 1974, p. 203. 169 Ibidem, p. 215.

43

Esta foto publicada na revista O Cruzeiro, numa matéria sobre a revolta, mostrava

um homem atravessando a rua com um cartaz no qual estava escrito: “este é turco, pode

dar nêle”170 Por um lado, temos neste acontecimento uma indicação da busca determinada

por alvos específicos da fúria popular iniciada no Bazar Centenário. Por outro, e sem

esquecer evidentemente a violência que engendra, temos o caráter jocoso do ato, uma

espécie de brincadeira perversa, um acerto de contas com os eleitos culpados daqueles

dias.

Segundo matéria do Correio do Paraná, a multidão em dado momento, ao chegar

próxima da Biblioteca Pública do Paraná “promoveu uma manifestação, carregando um

guarda civil às costas, pois êle os havia tratado bem, pedindo-lhes que não quebrassem a

biblioteca.”171 O caráter festivo que em momentos pôde ser observado naqueles dias pode

ser compreendido através da figura do bobo da corte, analisado por Max Gluckman.172 Este

sujeito que operava nas cortes e que tinha a permissão para zombar dos reis e cortesãos

vinha comumente de homens de classe baixa. No caso daqueles dias de dezembro de 1959

em Curitiba, o povo reagiu e zombou, pretendendo reestabelecer o equilíbrio ético nas

relações econômicas, sociais e simbólicas.

A forma carnavalesca na revolta popular, aliás, permite a um grupo destruir e reagir

violentamente, sem que seja necessário que se assuma plenamente as consequências e as

implicações políticas destas ações. A especificidade de um quebra-quebra jaz, justamente

em seu caráter moralizador. Durante a duração de uma ação concreta desta natureza, tanto

o âmbito político, quanto o econômico passam a ficar subordinados ao plano da moralidade

e do que pode ser chamado de “justo”. Na visão de Roberto da Matta, a massa, a partir

desta perspectiva, não somente reage contra alvos específicos, num plano de percepção

abstrato ou “político”, no sentido de estratégias ou alvos racionalmente selecionados, mas

contra os intermediários que provocam sua espoliação como pessoa moral. Daí resulta a

ação da multidão contra os comerciantes sírios e libaneses, no caso da “Guerra do

pente”.173

Em outro momento da narrativa dos jornais vemos que ao chegar a Praça Tiradentes

170 “Curitiba perde a cabeça”. O Cruzeiro, 26 de dezembro de 1959. 171 “Fúria popular quebrou durante seis horas. Lojas destruídas e milhões em prejuízos”. Correio do Paraná, 9 de dezembro de 1959, p. 1. 172 TURNER, Victor. Op. Cit., 1974, p. 134. 173 DA MATTA, Roberto. Op. Cit., p. 51.

44

a população quebrou o relógio deste logradouro. Tal atitude parece simbolizar, mesmo que

irracionalmente para seus participantes, o início de um tempo diferente e o congelamento

do tempo lógico e racional, dando vazão a uma nova temporalidade, como o carnaval que

irrompe em fevereiro, suspendendo momentaneamente o ano do trabalho, dos negócios e

do cotidiano.

45

VI. CONCLUSÕES

A aposta da análise micro-social – e sua opção experimental – é que a experiência

mais elementar, a do grupo restrito, e até mesmo do indivíduo, é a mais esclarecedora

porque é a mais complexa e porque se inscreve no maior número de contextos

diferentes.174 A aposta desta análise não se baseou em uma só perspectiva ou escala. Não

bastaria apenas explicar a revolta pelo contexto de crise macrossocial, ou como mais uma

revolta contra a carestia. Este é um lado da problemática, mas ele não resolve tudo.

Quando olhamos para nosso objeto de perto, nos tornamos capazes de compor um

quadro mais rico. Olhamos para uma região da cidade, o entorno de uma praça,

reconstruindo-a historicamente e retomando a trajetória dos imigrantes e das pessoas

comuns envolvidas num evento marginal, menos importante dentro dos grandes temas

eleitos pela historiografia. Mas é justamente a estranheza e peculiaridade dos fatos que

encerram sua riqueza analítica e que nos permitem acessar os cantos escuros da história.

A partir de diferentes escalas e possibilidades interpretativas, somos capazes de

compor um quadro complexo que, como a revolta que analisamos, envolve além das

relações econômicas, políticas ou sociais, também, expectativas, antagonismos, escolhas,

incertezas e símbolos. Segundo Martins, a modernidade se instaura quando o conflito se

torna cotidiano e se dissemina, sobretudo sob a forma de conflito cultural, de disputa entre

valores sociais, de permanente proposição da necessidade de “optar entre isto e aquilo,

entre o novo e fugaz, de um lado, e o costumeiro e tradicional, de outro.”175

Procurei demonstrar também que toda ação social é o resultado de uma negociação

e que o simbólico - que nada mais é do que um meio de comunicação, deve ser sempre

situado num jogo de enunciações, dentro de um contexto histórico. Neste ponto entra em

pauta a contribuição da História para a análise do social. Trata-se de uma reação à atitude

da antropologia estrutural de reduzir o símbolo a um signo impermeável à duração.176

Uma das propostas deste trabalho era colocar a questão da possibilidade ou não do

uso do conceito de economia moral forjado por Thompson para o contexto do período

entre-ditaduras no Brasil. Levando em conta as diferenças que marcam distintos períodos

históricos, evidentemente, pudemos observar uma expectativa popular em relação à

174 REVEL, Jacques. “Microanálise e construção do social” in: In: REVEL, Jacques (org.) Jogos de escala: a

experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, p. 32. 175 MARTINS, José de Souza. Op. cit., 2000, p. 22. 176 BENSA, Alban. Op. Cit., 1998.

46

participação intervencionista, e voltada para o bem da comunidade, do Estado nas questões

econômicas. Este paternalismo ou participação regulatória era uma das características do

Estado de Bem-Estar Social no âmbito mundial, assim como o era no país ou mesmo no

âmbito estadual como procurei demonstrar.

Lembro também que a Comissão de Abastecimentos e Preços, um órgão regulador

do Estado também foi alvo dos ataques. Portanto, a partir destas observações concluo que

podemos tratar sim de um conceito de economia moral atualizado, adequado a esta

conjuntura (1945-1964). No caso da “Guerra do pente”, a revolta popular tinha como alvo

um tipo de comércio que, como pudemos observar nos jornais, tinha por característica a

livre-concorrência, o comércio de tecidos, assim como o de miudezas. Este comércio, por

sua vez, tinha a marca de ser comandado, sobretudo, por imigrantes árabes.

A fim de melhor compreender as atitudes em relação aos imigrantes árabes nos

acontecimentos, percorri o trajeto histórico da negociação da identidade destes grupos no

país, relacionando-o com as configurações e relações no âmbito local. Curitiba é um

exemplo localizado de uma grande contradição existente em todo o país. A imigração que

visava o embranquecimento do Brasil acabou transformando-o num ambiente multi-étnico.

A então pequena cidade formada por imigrantes alemães, italianos, poloneses, ucranianos

foi também o destino muitos árabes cristãos e muçulmanos. Estes foram também, com sua

cultura, partícipes deste complexo processo de crescimento do mundo urbano.

A etnicidade e o realce de recursos étnicos são, conforme procurei demonstrar,

elementos utilizados pelos atores nas negociações e ações do cotidiano. Mostramos como

neste caso, tanto os populares, como a mídia buscavam manipular ou utilizar como

referência a questão étnica, de forma com que esta atendesse seus interesses. Obviamente,

o mesmo é feito pelo imigrante, que também busca criar uma mitologia própria integrada

às questões nacionais.

Sobretudo, observamos uma participação ativa da população nesta conjuntura e não

só no caso da revolta que analisei, mas como a outras que ocorriam pelo país afora. O povo

que, através de atitudes de protesto, barganhava com o Estado, também “dialogava”

maneira com comerciantes e imigrantes. O quadro não ficaria completo se o processo local

e microscópico das relações e configurações sociais não fosse levado em conta, assim

como o aspecto simbólico dos acontecimentos. O jornal aparece nesta perspectiva como

um riquíssimo arcabouço de experiências, pontos de vistas e negociações da época em

torno de sua produção.

47

Muito há ainda a ser pesquisado acerca da revolta popular nesta conjuntura, num

quadro mais comparativo e uma monografia só não conseguiria dar conta desta

problemática. A lição a ser seguida deve ser a da utilização de diferentes escalas nas

análises, sejam elas locais, regionais, estaduais e nacionais. Não há preponderância ou

maior importância deste ou daquele olhar ou ótica, apenas uma noção clara de

complementariedade que pode ser atingida como um ideal da pesquisa social. A micro-

história, neste sentido, surge como um sintoma de que não devemos deixar de lado o

cotidiano, o espaço do vivido. A micro-história se baseia num projeto de reconstrução de

cadeias causais. Não se trata tanto de buscar “o que realmente aconteceu”, e sim “tudo o

que produziu o que aconteceu.”

48

VII. LISTA DE FONTES

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