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1 Professor: Leonardo Malgeri Expansão marítima portuguesa - O pioneirismo português no século 15 A descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, foi o resultado de uma persistente e bem sucedida política de expansão marítima colocada em prática ao longo de muitos anos pela monarquia portuguesa. A construção das grandes embarcações e a organização de expedições marítimas que passaram a explorar os oceanos nos séculos 14 e 15 dependeram do progresso da náutica, com o desenvolvimento de instrumentos e de técnicas de navegação. Isso tudo só pôde se concretizar à medida que eram destinados expressivas somas de riquezas, as quais somente o tesouro de um Estado organizado e forte poderia suportar. Dinastia de Avis - O pioneirismo português nas grandes navegações marítimas - que culminaram nas descobertas de novas terras, na expansão do comércio e na propagação da fé cristã - se iniciou em 1385, data da subida ao trono de dom João 1º, conhecido como Mestre de Avis. O reinado de dom João inaugurou em Portugal a dinastia de Avis. Ele obteve o apoio da nobreza e dos comerciantes do reino, setores sociais que naquele período eram mais influentes política e economicamente. Com isso, dom João 1º pôde promover uma acentuada e progressiva centralização do poder monárquico, o que fez Portugal surgir como um Estado independente e bem armado militarmente. O país alcançou a estabilidade política e a paz interna, fatores que propiciaram o florescimento e crescimento do comércio estimulando, desse modo, as riquezas do reino. Essas condições foram fundamentais para colocar em prática a política de expansão marítima destinando recursos para as grandes navegações. Posição geográfica de Portugal: de cara para o Atlântico - Em sua origem, a expansão marítima portuguesa esteve associada aos interesses mercantis da burguesia do reino, ávida na busca de lucros por meio do comércio marítimo com outras regiões, sobretudo com o Oriente. Essa era uma forma de superar as limitações do mercado europeu, que estava em crise pela carência de mão-de-obra, pela falta de produtos agrícolas e a escassez de metais preciosos para cunhagem de moeda. Interessava a essa burguesia apoiar o poder real no empreendimento da expansão marítima, por meio das navegações oceânicas e dela extrair seus benefícios. Portugal também gozava de uma localização geográfica privilegiada na península ibérica. Grande parte do seu território está voltada para o oceano Atlântico. Essa posição geográfica, juntamente com as condições sociais e políticas favoráveis, permitiram ao país se projetar como potência marítima. Coube ao infante D. Henrique - filho de D. João 1o - as iniciativas para fazer Portugal inaugurar as grandes navegações oceânicas. Escola de Sagres - D. Henrique era um amante das ciências e, sob sua iniciativa, foi fundada a Escola de Sagres, que reuniu diversos especialistas como cartógrafos, astrônomos e marinheiros que possuíam conhecimento do que de mais avançado se sabia na época sobre a arte de navegar. Foi na Escola de Sagres que foram realizados, em 1418, os primeiros estudos e projetos de viagens oceânicas. Foi nela que foram aprimoradas embarcações como a caravela e aperfeiçoados os instrumentos náuticos necessários a longas viagens, como a bússola e o astrolábio, que haviam sido inventados no Oriente.

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Professor: Leonardo Malgeri

Expansão marítima portuguesa - O pioneirismo português no século 15 A descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, foi o resultado de uma persistente e bem sucedida política de expansão marítima colocada em prática ao longo de muitos anos pela monarquia portuguesa. A construção das grandes embarcações e a organização de expedições marítimas que passaram a explorar os oceanos nos séculos 14 e 15 dependeram do progresso da náutica, com o desenvolvimento de instrumentos e de técnicas de navegação. Isso tudo só pôde se concretizar à medida que eram destinados expressivas somas de riquezas, as quais somente o tesouro de um Estado organizado e forte poderia suportar. Dinastia de Avis - O pioneirismo português nas grandes navegações marítimas - que culminaram nas descobertas de novas terras, na expansão do comércio e na propagação da fé cristã - se iniciou em 1385, data da subida ao trono de dom João 1º, conhecido como Mestre de Avis. O reinado de dom João inaugurou em Portugal a dinastia de Avis. Ele obteve o apoio da nobreza e dos comerciantes do reino, setores sociais que naquele período eram mais influentes política e economicamente. Com isso, dom João 1º pôde promover uma acentuada e progressiva centralização do poder monárquico, o que fez Portugal surgir como um Estado independente e bem armado militarmente. O país alcançou a estabilidade política e a paz interna, fatores que propiciaram o florescimento e crescimento do comércio estimulando, desse modo, as riquezas do reino. Essas condições foram fundamentais para colocar em prática a política de expansão marítima destinando recursos para as grandes navegações. Posição geográfica de Portugal: de cara para o Atlântico - Em sua origem, a expansão marítima portuguesa esteve associada aos interesses mercantis da burguesia do reino, ávida na busca de lucros por meio do comércio marítimo com outras regiões, sobretudo com o Oriente. Essa era uma forma de superar as limitações do mercado europeu, que estava em crise pela carência de mão-de-obra, pela falta de produtos agrícolas e a escassez de metais preciosos para cunhagem de moeda. Interessava a essa burguesia apoiar o poder real no empreendimento da expansão marítima, por meio das navegações oceânicas e dela extrair seus benefícios. Portugal também gozava de uma localização geográfica privilegiada na península ibérica. Grande parte do seu território está voltada para o oceano Atlântico. Essa posição geográfica, juntamente com as condições sociais e políticas favoráveis, permitiram ao país se projetar como potência marítima. Coube ao infante D. Henrique - filho de D. João 1o - as iniciativas para fazer Portugal inaugurar as grandes navegações oceânicas. Escola de Sagres - D. Henrique era um amante das ciências e, sob sua iniciativa, foi fundada a Escola de Sagres, que reuniu diversos especialistas como cartógrafos, astrônomos e marinheiros que possuíam conhecimento do que de mais avançado se sabia na época sobre a arte de navegar. Foi na Escola de Sagres que foram realizados, em 1418, os primeiros estudos e projetos de viagens oceânicas. Foi nela que foram aprimoradas embarcações como a caravela e aperfeiçoados os instrumentos náuticos necessários a longas viagens, como a bússola e o astrolábio, que haviam sido inventados no Oriente.

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Portugal passou a obter sucessivos êxitos no empreendimento ultramarino. O marco inicial foi a conquista de Ceuta, em 1415, localizada na costa do Marrocos. Em seguida, empreendeu esforços para chegar às Índias pelo mar, contornando a África. Primeiro os portugueses conquistaram as ilhas atlânticas dos arquipélagos dos Açores, Madeira e Cabo Verde (1425-1427) para em seguida explorar a costa africana. Em 1488, a esquadra comandada por Bartolomeu Dias conseguiu transpor o Cabo da Boa Esperança, localizado no extremo sul da África. Dez anos depois, a esquadra comandada por Vasco da Gama conseguiu ir adiante e navegar pelo oceano Índico, aportando em Calicute, extremo sul da Índia, em 20 de maio. Ambos os navegadores estavam a serviço de Portugal.

O “descobrimento” do Brasil O termo descoberta do Brasil se refere à chegada, em 22 de abril de 1500, da frota comandada por Pedro Álvares Cabral ao território onde hoje se encontra o Brasil. A palavra "descoberta" é usada nesse caso em uma perspectiva eurocêntrica, referindo-se estritamente à chegada de europeus às terras do atual Brasil, que já eram habitadas por vários povos indígenas. Embora quase exclusivamente utilizado em relação à viagem de Cabral, o termo "descoberta do Brasil" também pode referir-se à suposta chegada de outros navegantes europeus antes de Cabral. Esse é o caso das possíveis expedições do espanhol Vicente Yáñez Pinzón em 26 de janeiro de 1500 e de Duarte Pacheco Pereiraem 1498. Confirmando o sucesso da viagem de Vasco da Gama no âmbito de encontrar um novo caminho para as Índias - visto que o Mediterrâneo se encontrava sob posse dos mouros, o Rei D. Manuel I se apressou em mandar aparelhar uma nova frota para as Índias, frota esta ainda maior que a primeira, sendo composta por treze embarcações e mais de mil homens. Estima-se que a armada levasse mantimentos para cerca dezoito meses. Pouco antes da partida, el-Rei mandou rezar uma missa, no Mosteiro de Belém, presidida pelo bispo de Ceuta, D. Diogo de Ortiz, em pessoa, onde benzeu uma bandeira com as armas do Reino e entregou-a em mãos a Cabral, despedindo-se o rei do fidalgo e dos restantes capitães. A viagem - Conforme relatam os cronistas da época, zarpou a grande frota de treze navios do Restelo a 9 de Março de 1500, com o objetivo formal de novamente tentar atar relações comerciais com os portos índicos de Calicute, Cananor e Sofala, uma vez que Vasco da Gama havia sido, na primeira tentativa, absolutamente desastroso, chegando a ser ridicularizado pelos governantes locais dadas as péssimas condições em que os portugueses se encontravam no desembarque. Neste mesmo aspecto diplomático, a viagem de Cabral também mostrou-se um grande fracasso, sendo que Portugal ainda demoraria mais algumas décadas até conseguir uma relação comercial com esses portos. Pelo dia 14 do mesmo mês já encontravam-se nas Canárias e no dia 22 chegavam a Cabo Verde. No dia seguinte desapareceu misteriosamente o navio de Vasco de Ataíde. No dia 22 de Abril, de modo que não se sabe com certeza se foi acidental ou já premeditado - embora as recentes pesquisas historiográficas demonstrem que os portugueses tinham, no mínimo, alguns fortes indícios de haver terra no outro lado do Atlântico (graças à carta da viagem de Vasco da Gama) -, avistou-se terra chã, com grandes arvoredos: ao monte. Ao grande monte, Cabral batizou de Monte Pascoal e à terra deu o nome de Ilha de Vera Cruz — posto que não se pensava ser uma terra muito extensa -; depois, descobriu-se ser um continente, denominaram-na Terra de Santa Cruz (hoje Porto Seguro, no Estado brasileiro da Bahia).

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Aproveitando os alísios, a esquadra bordejou a costa baiana em direção ao norte, à procura de uma enseada, achada afinal pouco antes do pôr-do-sol do dia 24 de abril, em local que viria a ser chamado Baía Cabrália. Ali permaneceram até 2 de maio, quando rumaram para as Índias, cumprindo finalmente seu objetivo formal de viagem, deixando dois degredados e dois grumetes que desertaram. A chegada em Vera Cruz - No dia 24 de Abril, Cabral recebeu os nativos no seu navio. Então, acompanhado de Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia e Pero Vaz de Caminha, recebeu o grupo de índios que reconheceram de imediato o ouro e a prata que se fazia surgir no navio — nomeadamente um fio de ouro de D. Pedro e um castiçal de prata — o que fez com que os portugueses inicialmente acreditassem que havia muito ouro naquela terra. Entretanto, Caminha, em sua carta, confessa que não sabia dizer se os índios diziam mesmo que ali havia ouro ou se o desejo dos navegantes pelo metal era tão grande que eles não conseguiram entender diferentemente. Posteriormente, provou-se que a segunda alternativa era a verdadeira. O encontro entre portugueses e índios também está documentado na carta escrita por Caminha. O choque cultural foi evidente. Os indígenas não reconheceram os animais que traziam os navegadores, à exceção de um papagaio que o capitão trazia consigo; ofereceram-lhes comida e vinho, os quais os índios rejeitaram. A curiosidade tocou-lhes pelos objectos não reconhecidos - como umas contas de rosário, e a surpresa dos portugueses pelos objetos reconhecidos - os metais preciosos. Fez-se curioso e absurdo aos portugueses o fato de Cabral ter vestido-se com todas as vestimentas e adornos os quais tinha direito um capitão-mor frente aos índios e estes, por sua vez, terem passado por sua frente sem diferenciá-lo dos demais tripulantes. Os indígenas começaram a tomar conhecimento da fé dos portugueses ao assistirem a Primeira Missa, rezada por Frei Henrique de Coimbra, em um domingo, 26 de abril de 1500. Logo depois de realizada a missa, a frota de Cabral rumou para as Índias, seu objetivo final, mas enviou um dos navios de volta a Portugal com a carta de Caminha. No entanto, posteriormente, com a chegada de frotas lusitanas com o objetivo de permanecer no Brasil - e a tentativa de evangelizar os índios de fato -, os portugueses perceberam que a suposta facilidade na cristianização dos indígenas na verdade traduziu-se apenas pela curiosidade destes com os gestos e falas ritualísticos dos europeus, não havendo um real interesse na fé católica, o que forçou os missionários a repensarem seus métodos de conquista espiritual.

Os jesuítas no Brasil

Os jesuítas faziam parte de uma ordem religiosa católica chamada Companhia de Jesus. Criados com o objetivo de disseminar a fé católica pelo mundo, os padres jesuítas eram subordinados a um regime de privações que os preparavam para viverem em locais distantes e se adaptarem às mais adversas condições. No Brasil, eles chegaram em 1549 com o objetivo de cristianizar as populações indígenas do território colonial.

Incumbidos dessa missão, promoveram a criação das missões, onde organizavam as populações indígenas em torno de um regime que combinava trabalho e religiosidade. Ao submeterem as populações aos conjuntos de valor da Europa, minavam toda a diversidade cultural das populações nativas do território. Além disso, submetiam os mesmos a uma rotina de trabalho que despertava a cobiça dos bandeirantes, que praticavam a venda de escravos indígenas. Ao mesmo tempo em que atuavam junto aos nativos, os jesuítas foram responsáveis pela fundação das primeiras instituições de ensino do Brasil Colonial. Os principais centros de exploração colonial contavam com colégios administrados dentro da colônia. Dessa forma, todo acesso ao conhecimento

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laico da época era controlado pela Igreja. A ação da Igreja na educação foi de grande importância para compreensão dos traços da nossa cultura: o grande respaldo dado às escolas comandadas por denominações religiosas e a predominância da fé católica em nosso país. Além de contar com o apoio financeiro da Igreja, os jesuítas também utilizavam da mão-de-obra indígena no desenvolvimento de atividades agrícolas. Isso fez com que a Companhia de Jesus acumulasse um expressivo montante de bens no Brasil. Fazendas de gado, olarias e engenhos eram administradas pela ordem. Ao longo da colonização, os conflitos com os bandeirantes e a posterior redefinição das diretrizes coloniais portuguesas deram fim à presença dos jesuítas no Brasil.

Índios no Brasil Por ocasião da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 22 de abril de 1500, estima-se que o território brasileiro fosse habitado por 5 milhões de índios. Em sua imensa maioria pertenciam às nações tupi - que predominavam no litoral, do Ceará a Cananéia (SP) - e guarani, que viviam no litoral sul e também no interior, em especial nas bacias dos rios Paraná e Paraguai. Havia ainda outras tribos menores e dispersas, que os próprios tupis chamavam genericamente de tapuias, que quer dizer falantes de outras línguas. O conhecimento do modo de vida do índio no século 16 chega a ser bastante detalhado, não só devido às pesquisas arqueológicas e antropológicas, mas aos relatos de viajantes que conviveram com eles. Entre esses relatos, destacam-se os do alemão Hans Staden e do francês Jean de Lery. Primeiros contatos - O contato inicial entre brancos e índios foi amistoso, como se pode ver, por exemplo, na carta de Pero Vaz de Caminha, onde o escrivão narra momentos de descontração e festa entre as duas raças. Na verdade, esse contato amigável se estendeu pelas três ou quatro primeiras décadas de colonização. De um lado, os brancos estavam em franca minoria e precisavam dos índios para conseguir seus objetivos: basicamente extrair pau-brasil. Os índios não só os ajudavam a localizar as árvores como a abatê-las e carregar os navios. Em troca, recebiam dos brancos não somente os colares de contas e espelhinhos que se tornaram um lugar-comum em muitos livros de história, mas também e principalmente ferramentas: facões, machados, enxadas. Estes sim eram os objetos que os índios queriam receber. Para isso - acredite se quiser - há relatos da época que dão conta de índios que, ao verem uma caravela, mergulhavam no mar e nadavam até ela para propor negócios. Essa situação mudou por completo, à medida que o comércio de pau-brasil cedeu lugar ao cultivo de cana-de-açúcar, como principal fonte de riqueza proveniente do território brasileiro para os portugueses, basicamente a partir da segunda metade do século 16. Posse da terra e conflitos - Nesse momento, os homens brancos passaram a vir em maior quantidade para o país e seu objetivo era tomar posse das terras. O índio passou, então, a ser visto de outra maneira: ele era, ao mesmo tempo, um obstáculo à posse e uma fonte de mão de obra escrava. A relação com os índios passou a ser conflituosa e, praticamente, em todos os locais de colonização se desencadearam guerras entre os índios e os brancos. Se os índios ganharam alguns combates, por outro lado, os portugueses ganharam a guerra. Primeiro, por contarem com o recurso de uma tecnologia bélica superior, não só no que se refere a escudos, espadas, armaduras e elmos, mas principalmente às armas de fogo. Para os indígenas, então, em vez de enfrentar os brancos, era mais prático refugiar-se no interior, onde o avanço do inimigo foi muito mais lento, estendendo-se ao longo dos séculos. No oeste paulista, por exemplo, os pioneiros plantadores de café disputaram terras com os índios caingangues ainda na segunda metade do

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século 19. Conflitos entre garimpeiros e índios continuam a existir em regiões específicas do Brasil no século 21. Doenças epidêmicas e escravidão - Voltando, porém, ao primeiro século de colonização, é importante lembrar que outra "arma" do homem branco em sua luta contra o índio foram as doenças epidêmicas as quais este desconhecia e, portanto, não dispunha de imunidade contra elas. Cartas do missionário José de Anchieta dão conta de epidemias de varíola que fulminaram 30 mil índios. Quanto à questão da escravidão indígena, é interessante notar que ela não conseguiu se firmar também por motivos culturais. O índio estava acostumado ao trabalho, mas não ao trabalho regrado e sistemático que a agricultura exige, por isso ele resistia a esse trabalho como não resistiu à extração de pau-brasil. A questão da escravização dos índios também levanta outro aspecto polêmico da relação entre o índio e o branco, ou melhor, da relação entre o índio e os missionários jesuítas que vinham aqui com a missão de cristianizá-los. Não há dúvida de que os jesuítas, ao catequisarem os índios, destruíam sua cultura original. Por outro lado, os jesuítas se ergueram contra a escravidão indígena e enfrentaram os colonizadores com os meios (religiosos) de que dispunham para isso. São célebres, por exemplo, alguns sermões do padre Antônio Vieira - um dos maiores escritores barrocos em língua portuguesa - contra a escravização dos índios no Maranhão. Julgamento da história - Nos dias de hoje, considera-se politicamente correto apresentar os colonizadores e os missionários como destruidores de uma civilização. A questão, porém, é muito mais complexa e fazer um julgamento moral dos acontecimentos históricos obrigaria o estudioso a tentar examinar os fatos por uma perspectiva mais ampla, considerando sobretudo que o conflito entre civilizações foi e ainda é uma constante da história universal. Mais ainda: considerando que é impossível que as circunstâncias históricas deixassem de ser como efetivamente foram. Não existe um passado alternativo nem existem alternativas para o passado. Isso não significa eximir ninguém de responsabilidades, mas uma coisa é julgar criminosos de guerra, como os oficiais que comandavam e administravam os campos de extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ou Pol Pot - o ditador comunista cambojano que exterminou cerca de 1,5 milhão de pessoas do seu próprio povo em 1975. Outra coisa é julgar as ações dos europeus do século 16 na América, no estágio civilizatório em que esses próprios europeus se encontravam. Convém lembrar que nessa época, por toda a Europa ocidental, eram vários os sangrentos conflitos entre católicos e protestantes. Brancos e índios hoje - Da mesma maneira, é completamente diferente julgar as relações atuais entre brancos e índios no Brasil. Nós, brasileiros, herdeiros de brancos, negros e índios, temos responsabilidades para com os índios - grande parte delas definidas por leis. Daí a existência de uma organização como a Funai - Fundação Nacional do Índio que tem o dever de demarcar, assegurar e proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas, estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos indígenas.

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A Funai tem, também, que defender as comunidades indígenas, de despertar o interesse da sociedade nacional pelos índios e suas causas, gerir o seu patrimônio e fiscalizar as suas terras, impedindo as ações predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de seus limites e que representem um risco à vida e à preservação desses povos. Segundo a Funai, existem atualmente no Brasil 345 mil índios, de cerca de 250 etnias, distribuídos por todo o território nacional, além de indícios da existência de 53 grupos jamais contatados pelo homem branco. A Fundação aponta também que há cerca de 190 mil índios vivendo em áreas urbanas.

Pau-brasil - Extrativismo foi a primeira atividade econômica da colônia Durante o retorno da Índia, em 1501, Cabral encontrou-se com uma pequena frota portuguesa, formada por três navios que se destinavam ao Brasil, sob o comando de Gonçalo Coelho. Tratava-se da primeira expedição enviada pelo rei de Portugal para fazer o reconhecimento do território, depois de o descobrimento ser comunicado à corte por Gaspar de Lemos. A bordo de um desses navios, encontrava-se o florentino Américo Vespúcio, que fez várias viagens ao continente americano e escreveu sobre ele, conseguindo batizá-lo com seu nome. A partir dessa expedição, várias outras - tanto portuguesas quanto espanholas - iriam reconhecendo aos poucos o litoral brasileiro e sul-americano, durante as primeiras décadas do século 16. Freqüentemente, deixaram aqui alguns tripulantes para permanecer entre os indígenas. Condenados ao exílio ou sobreviventes de naufrágios, esses homens constituíram um importante grupo de intermediários entre os índios e os navegadores europeus, atuando na exploração do que se transformou na principal mercadoria da terra. O pau-brasil - Rapidamente descoberto pelos primeiros navegantes, o pau-de-tinta ou pau-brasil era uma espécie de árvore abundante no território brasileiro, que servia como matéria-prima para o tingimento de tecidos. Apresentava particular importância para a indústria têxtil européia, que passava por um período de crescimento. O comércio dessa mercadoria tornou-se um empreendimento lucrativo, que deu início à atividade econômica dos europeus no Brasil, bem como à efetiva ocupação da terra. Além do pau-de-tinta, papagaios e macacos também obtiveram grande valor comercial, devido aos seus aspectos exóticos e ornamentais. Relacionamento amistoso entre o índio e o branco - Os portugueses realizavam trocas com os índios, dando-lhes principalmente ferramentas - como enxadas e machados - pelos produtos da terra. Ferramentas de metal representavam uma verdadeira revolução tecnológica para os nativos, que só conheciam os instrumentos de pedra e madeira. O relacionamento amistoso entre o índio e o branco, baseado na troca de mercadorias ou escambo, foi fundamental para os europeus nos seus primeiros momentos no Brasil. Além de fornecer as mercadorias de valor comercial, os índios ainda garantiam a alimentação e os braços para o trabalho de abate e transporte do pau-brasil. Em 1503, uma associação de comerciantes encabeçada por Fernão de Loronha (ou Fernando de Noronha) havia conseguido uma concessão do rei para explorar o comércio de pau-brasil. Em troca, deveria construir e manter um forte no território, pagando também impostos sobre os carregamentos de madeira.

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Para se ter uma idéia do volume de negócios, a nau Bretoa, armada por Loronha em 1511, levou para a Europa 150 toneladas de pau-de-tinta, que seriam revendidas por aproximadamente 2.500 ducados, ou 70 quilos de ouro. Ao longo dos primeiros trinta anos, atraídos pelos lucros, outros empreendedores investiram em viagens com a mesma finalidade, extraindo grandes quantidades de madeira em diversos pontos do litoral, entre os atuais estados de Pernambuco e São Paulo. À procura de ouro - Nos limites sul do território demarcado por Tordesilhas, que hoje corresponde ao litoral de Santa Catarina, o contato com os náufragos e degredados que aqui haviam se estabelecido tornou conhecida a existência de um caminho que conduzia a regiões supostamente ricas em metais preciosos, localizadas atualmente na Argentina, Paraguai e Peru. Algumas expedições foram organizadas para atingi-las, tornando-se as primeiras a explorar o interior do território sul-americano. Não foram, porém, bem sucedidas, como no caso da expedição espanhola de Juan Dias de Solis, cujos integrantes foram massacrados pelos índios na confluência dos rios Paraná e Uruguai. Além dos espanhóis, que disputaram o território com os portugueses por meio de expedições ou negociações diplomáticas, navegantes franceses também se tornaram uma presença constante no Brasil. Tratava-se de empreendedores particulares, com o incentivo de seu rei, Francisco 1º, que não reconhecia as disposições do tratado de Tordesilhas. Ironicamente, alegava não existir um testamento de Adão que dividisse a terra entre Portugal e Espanha. Expedições guarda-costas - Não se sabe exatamente quando os franceses começaram a agir no Brasil, mas há registros de sua presença na Bahia, em 1526, e em Pernambuco, em 1531. Para combater os invasores, a Coroa portuguesa enviou expedições chamadas de guarda-costas, sob o comando de Cristóvão Jacques, que esteve aqui em 1516 e 1527. Na segunda viagem, aprisionou diversos navios franceses e mais de 200 marinheiros, mortos com extrema crueldade. Porém, as dificuldades financeiras para organizar essas expedições militares e uma fase de decadência do comércio no Oriente levaram o novo rei de Portugal, D. João 3º, a pressentir a necessidade de povoar o território para garantir a sua soberania nele. Com essa finalidade, o fidalgo Martim Afonso de Souza, personagem destacado na Corte e membro do Conselho real, foi encarregado de seguir para o Brasil em 1531. Comandava uma frota de cinco navios, com 400 homens, e gozava de amplos poderes, entre os quais o de nomear funcionários para a administração da colônia e o de doar terras para a criação de fazendas. A expedição derrotou franceses no litoral do Nordeste e navegou para o Sudeste do Brasil No litoral paulista, fundou a vila de São Vicente, que se tornou o primeiro núcleo de colonização portuguesa. Realizou ainda explorações fluviais para descobrir minas de prata nos confins do Paraguai e do Peru.

Capitanias hereditárias A pedido do rei, Martim Afonso deixou o Brasil, em 1534, para cuidar de negócios na Índia. Aqui, porém, deixou os colonos providos dos meios necessários ao desenvolvimento da economia colonial. Foram eles que introduziram no país o gado e os animais de carga, bem como a cana-de-açúcar, plantada pioneiramente em São

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Vicente. A cana era um produto comercial de alto valor que os portugueses já cultivavam com sucesso em suas possessões nas ilhas do Atlântico. No ano da partida de Martim Afonso, o rei resolveu adotar para a administração do território o sistema de capitanias hereditárias, que já utilizara nas colônias da África e das ilhas do Atlântico. Quinze enormes porções de terra foram doadas a membros da pequena nobreza e comerciantes, em geral com experiência militar e serviços prestados na África ou na Índia. Resultados insatisfatórios - A divisão do território se estendeu de Belém do Pará até a ilha de Santa Catarina, tendo como limites o Oceano Atlântico a leste e a linha de Tordesilhas a oeste. Arcando com os custos do empreendimento, eles deveriam administrar a exploração das capitanias, contando com amplos poderes na distribuição de terras para colonos e na cobrança de impostos. O sistema não produziu os resultados esperados. Por um lado, os donatários não tinham interesse ou não dispunham dos recursos financeiros para a colonização. Por outro, o relacionamento com os índios foi se tornando conflituoso, à medida que grupos maiores de portugueses se estabeleciam em suas terras. Primeiro desastre ecológico - Diferentemente dos comerciantes de pau-brasil, os novos colonos vinham para ficar e submeter a terra aos seus padrões de trabalho e economia. A introdução da agricultura pelo branco - em moldes muito diferentes dos conhecidos pelas aldeias indígenas - significou o ponto máximo de tensão entre os interesses dos dois grupos. Para as grandes plantações, eram necessários os desmatamentos, a expulsão dos nativos e a apropriação das terras indígenas. Além disso, ao mesmo tempo em que os novos colonos davam início a uma economia agrícola em solo brasileiro, a exploração do pau-brasil começava a dar mostras de esgotamento. A devastação desenfreada das matas litorâneas tornava obrigatória a busca do produto em regiões cada vez mais longínquas. Um exemplo conhecido é o da floresta existente ao redor da vila de Olinda em Pernambuco, fundada por Duarte Coelho em 1534. Doze anos depois da chegada do donatário, a mata já se encontrava a 120 quilômetros de distância da vila. O avanço arriscado em direção às matas do interior representava um acréscimo de trabalho ao abate e transporte das árvores realizado pelos indígenas. Se no início do comércio com os brancos, os índios chegavam a nadar em busca de navios para oferecer pau-brasil, em meados do século passaram a exigir pagamentos maiores pela madeira e por seu trabalho. Além disso, uma vez que adquiriam em quantidade suficiente os utensílios que lhes interessavam, as tribos não tinham razão de continuar trabalhando. As guerras indígenas - Simultaneamente, para o desenvolvimento da lavoura, os portugueses experimentavam uma necessidade maior de mão-de-obra. Inviabilizada a relação pacífica do escambo, os portugueses recorreram à violência, capturando o índio e obrigando-o ao trabalho escravo. Isso gerou imediatos e freqüentes ataques de represália indígena às povoações portuguesas. As guerras indígenas constituíram o golpe de misericórdia ao sistema de capitanias hereditárias, que se tornou inviável quinze anos depois de implantado. Nas capitanias da Paraíba, Bahia, e Espírito Santo, os povoados foram massacrados cinco ou seis anos depois de estabelecidos. As únicas capitanias que efetivamente prosperaram foram as de São Vicente e Pernambuco. Nesta, Duarte Coelho obteve sucesso devido ao solo e ao clima adequados para o plantio da cana de açúcar, bem como por dispor de dinheiro e soldados para proteger-se dos ataques de índios. Em 1549, para contornar o fracasso do sistema de capitanias, a Corte portuguesa resolveu centralizar a administração do território Brasileiro. Nomeou-se um Governador geral, o que iniciou uma segunta etapa da política portuguesa de colonização do Brasil. De qualquer modo, as capitanias subsistiram como unidades administrativas das regiões brasileiras. Até o século 18, a Coroa portuguesa retomou-as todas de seus proprietários, por meio de compras e desapropriações.

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Governo geral Devido aos resultados insatisfatórios do sistema de capitanias hereditárias, a Coroa portuguesa decidiu estabelecer um Governo geral no território brasileiro. Com a missão de restabelecer o domínio português sobre toda a extensão da colônia e defender os estabelecimentos lusitanos, tanto dos corsários franceses quanto dos índios hostis, o primeiro governador-geral Tomé de Sousa chegou à Baía de Todos os Santos em 29 de março de 1549, com uma expedição formada por cerca de 1.000 homens. Além de colonos propriamente ditos, parte deles estava destinada a integrar as entidades administrativas a serem aqui implantadas. Ao longo do tempo, as vilas e cidades constituíram seus governos, as Câmaras municipais, formadas por quatro vereadores e um juiz, todos escolhidos entre os grandes proprietários de terras. As Câmaras desfrutaram de grande autonomia, chegando a mandar representantes próprios para a Corte, em Lisboa, ou ainda a opor-se ao governo geral. Com o fracasso do empreendimento do donatário Francisco Pereira Coutinho, a capitania da Bahia foi retomada pela Coroa portuguesa, mediante pagamento de indenização. Tornou-se a sede do governo geral ou, em outras palavras, a capital da colônia. A cidade do Salvador - Levando em conta necessidades defensivas, o Governador escolheu uma colina na enseada da Barra (onde hoje se localiza o bairro da Vitória) para fundar a cidade-fortaleza de Salvador. Ao longo de quatro meses, construiu-se uma muralha de taipa dotada de quatro torres com artilharia e, em seu interior, uma centena de casas que abrigariam os moradores e os órgãos governamentais e eclesiásticos. Para a empreitada da construção da cidade e da implantação de fazendas ao seu redor, Tomé de Sousa tratou de promover imediatamente acordos de paz com os indígenas, contando com o apoio de Diogo Álvares Correia, um náufrago que se estabelecera entre os índios do local, em 1510, exercendo sobre eles um papel de influência. Como garantia da convivência pacífica com o índio, Tomé de Sousa restabeleceu a prática do escambo e restringiu a escravidão, limitando-a às tribos que resistiam à colonização. Mais uma vez, por meio da troca de mercadorias, os portugueses conseguiram que os índios lhes fornecessem mão-de-obra e alimentação. Jesuítas - O trabalho de pacificação dos indígenas contou também com a participação decisiva de seis padres jesuítas que chegaram juntamente com o Governador-geral, sob a liderança de Manoel da Nóbrega. Ordem religiosa fundada em 1540, a Companhia de Jesus tinha entre seus objetivos principais a expansão do cristianismo nas colônias ultramarinas espanholas e portuguesas. No Brasil, seus missionários encarregaram-se da catequese dos índios, convertendo-os à religião cristã, ao mesmo tempo em que os adaptavam a um novo modo de vida, constituído de acordo com os critérios e padrões do colonizador europeu. Para isso, os jesuítas trataram de agrupar as tribos dispersas e semi-nômades em "reduções", isto é, aldeias organizadas para fixá-los em locais determinados, sob a supervisão dos padres e a autoridade do governo geral. Assim, os portugueses conseguiram se impor na região da Bahia e, ao longo dos cinco anos seguintes, estender seu domínio sobre o litoral nordestino como um todo. Progressivamente, a cultura da cana-de-açúcar substituiu a extração do pau-brasil, tornando-se a principal atividade econômica da região. Fazendas e engenhos foram se espalhando ao longo da costa do Nordeste, do sul da Bahia ao norte de Pernambuco. Extermínio indígena - O desenvolvimento do Brasil português teve como contrapartida a derrocada do Brasil indígena. Nas reduções, embora de modo pacífico, os índios perdiam não somente sua liberdade como

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também sua identidade cultural: desde as terras, originalmente suas, até seus hábitos e costumes lhes foram sendo subtraídos no processo de aculturação, isto é, no intercâmbio de sua cultura com a do colonizador. Doenças que eram desconhecidas aqui e para as quais os índios não apresentavam resistência natural foram disseminadas nas aldeias, juntamente com o Evangelho e os novos ordenamentos administrativos. Epidemias de tifo e a varíola, por exemplo, foram responsáveis pela morte de dezenas de milhares de indígenas, entre as décadas de 1550 e 1570. Inspeção do território - Concluído com êxito seu trabalho na região nordestina, em 1552, Tomé de Sousa iniciou uma viagem de inspeção às capitanias ao Sul da Bahia. No decurso dessa missão, dirigiu a fortificação das vilas e povoações que visitou, organizando também nelas as instituições governamentais. A viagem estendeu-se até a capitania de S. Vicente e as regiões do extremo sul dos domínios de Portugal vagamente demarcados pelo Tratado de Tordesilhas, onde a presença espanhola era grande. Assim, o governador cuidou de implantar ali os marcos ou padrões da posse portuguesa, bem como de restringir as relações comerciais estabelecidas entre portugueses e espanhóis. Duarte da Costa - Em 1553, Tomé de Sousa retornou a Portugal, sendo substituído no governo da colônia por Duarte da Costa, que ocupou o cargo durante os quatro anos seguintes. A administração do segundo governador geral, entretanto, foi desastrosa, chegando a comprometer o trabalho de seu antecessor e colocando em risco o domínio português no território brasileiro. Por um lado, seu fracasso se deveu à postura adotada diante dos índios, que colocava por terra a política de pacificação desenvolvida por Tomé de Sousa. Sob Duarte da Costa, o sistema do escambo cedeu novamente lugar à escravização do índio como forma de obter mão de obra para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar. Os colonos voltaram a escravizar os indígenas, realizando incursões para a captura de escravos não somente nas selvas e entre os índios hostis, mas também nas próprias reduções jesuítas. Desse modo, as guerras indígenas contra os brancos ganharam um novo impulso, da mesma maneira que a fuga de grandes contingentes nativos para as regiões interioranas. Simultaneamente, os jesuítas entraram em confronto com o governo e com os colonos, numa atitude de defesa dos índios convertidos.

União Ibérica - Sob domínio espanhol, colônia sofreu invasões estrangeiras A passagem do século 16 ao 17, foi marcada por uma crescente dificuldade dos portugueses em expandir ou manter sua empreitada colonial na América. A morte do rei dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, abriu uma crise dinástica sem precedentes em Portugal, uma vez que não havia deixado herdeiros. Seu tio-avô, o cardeal dom Henrique assumiu o trono, como regente, mas apenas até 1580, quando sua morte pôs fim à dinastia de Avis, estabelecida em 1385. Com o trono português vazio e a urgência em se restabelecer o comando de um reino detentor de vastas possessões em diversos continentes, alguns candidatos entraram em cena na política sucessória. Entre eles, os mais fortes eram dona Catarina, duquesa de Bragança, e Felipe 2º, rei da Espanha, que por ser neto de D. Manuel, o venturoso, requeria o direito à sucessão portuguesa. Diante de um impasse nas negociações diplomáticas, Felipe 2º recorreu à solução militar, promovendo a invasão de Portugal por suas tropas. Um rei com duas coroas - Em 1581, Felipe 2º tornou-se rei de duas coroas, delegando o governo de Portugal a um vice-rei espanhol. No entanto, os portugueses procuraram resguardar certas prerrogativas em relação às suas colônias, apresentando uma lista de exigências ao novo rei, o que deu origem, em 1581, ao Juramento de Tomar. Por meio deste documento, Felipe 2º assumia uma série de compromissos com o povo português, entre os quais a manutenção da exclusividade de navios portugueses no comércio colonial, a permanência de funcionários portugueses no plano administrativo; o respeito às leis e aos costumes, bem como o compromisso da preservação da língua portuguesa.

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Além disso, a principal cláusula de compromisso reportava-se à colônia, vetando aos espanhóis a possibilidade de intromissão nos negócios portugueses com suas possessões de além-mar. Dessa forma, estabeleceu-se uma incorporação de Portugal aos quadros da coroa espanhola, mas procurou-se preservar sua independência legal e administrativa. Esta anexação no campo formal resguardou a relação de Portugal com o Brasil, buscando manter a política do exclusivo colonial. Os inimigos da Espanha - No entanto, no plano da política internacional, a posição de Portugal modificava-se bastante. Para os inimigos da coroa espanhola, os ataques às possessões portuguesas passaram a configurar ataques à política expansionista de Felipe 2º. No Brasil, portanto, os reflexos da União Ibérica foram rapidamente sentidos, sobretudo pelos sucessivos ataques sofridos ao longo de sua vasta costa litorânea, promovidos pelos países inimigos da Espanha: Holanda, Inglaterra e França. Em 1583, os franceses atacaram Santos e Rio de Janeiro, incitando os colonos a lutar contra o domínio espanhol. A partir de 1594, passaram a investir contra o nordeste brasileiro; em 1597, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, e, em 1612, iniciaram, com o apoio da Coroa francesa, a fundação da França Equinocial, uma tentativa de estabelecer uma empresa colonial no Maranhão. Os ingleses, por sua vez, atacaram Salvador em 1587 e saquearam Santos em 1591. Nova Holanda - Mas sem dúvida, foram os holandeses aqueles que tiveram maiores êxitos na tentativa de impor uma ruptura no império colonial ibérico. Em 1630, estabelecem a ocupação de Pernambuco e de vasto território do nordeste brasileiro, numa extensão que iam do atual estado de Alagoas até o Maranhão, a que deram o nome de Nova Holanda. A União Ibérica teve fim em 1640, quando D. João 4º ascendeu ao trono português, dando início à dinastia de Bragança, que perduraria até 1910.

França Antártica - Para expulsar franceses, portugueses fundaram o Rio Entre 1555 e 1624, o Brasil foi alvo de invasões estrangeiras promovidas por franceses e holandeses que tentaram, em várias ocasiões, se estabelecer em partes do território colonial brasileiro. As invasões e a reação de Portugal para retomar o controle de sua posse provocaram importantes mudanças na vida econômica e na organização política e territorial do Brasil colonial. Mas é importante enfatizar que franceses e holandeses tiveram diferentes motivações para organizar expedições marítimas e aportar no território brasileiro. Os motivos da invasão francesa - Navegadores franceses conheciam o litoral brasileiro e aqui já haviam criado várias feitorias para contrabandear o pau-brasil. Em 1555, no entanto, a França estava atravessando um período de conflito religioso envolvendo católicos e protestantes. Os protestantes franceses, conhecidos como huguenotes, passaram a ser perseguidos pelos católicos do reino. Liderados por Nicolau Durand Villegaignon e com o apoio do Almirante Gaspar Coligny, os huguenotes buscaram refúgio no Brasil. Em 1555, os franceses planejaram, então, se fixar permanentemente na Baía da Guanabara, um ponto do litoral brasileiro que os portugueses ainda não tinham povoado. Os franceses se instalaram nas ilhas de Serigipe (hoje Villegaignon) e Paranapuã (hoje ilha do Governador), Uruçu-mirim (hoje Flamengo) e em Laje, e denominaram toda essa região de França Antártica. Confrontos entre franceses e portugueses - Quando os franceses invadiram o Brasil, os portugueses já tinham iniciado o processo de colonização. Desde de 1549 o Brasil possuía um governo-geral. Assim, Portugal reagiu, determinando ao governador-geral, Duarte da Costa que organizasse uma campanha para pôr um fim à França Antártica. Duarte da Costa, no entanto, não obteve êxito em nenhuma de suas tentativas. Em 1558, foi substituído no cargo por Mem de Sá. Este, em 1560, deu início a outra campanha para expulsar os franceses.

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A campanha de Mem de Sá - Mem de Sá seguiu de Salvador para a vila de São Vicente, onde obteve o apoio dos colonos e dos jesuítas, reunindo esforços para lutar contra os franceses. Os portugueses, então, obtiveram uma vitória parcial contra os franceses ao atacar o forte Coligny, na ilha de Serigipe, e conseguiram fazê-los fugir. Mas ficaram impossibilitados de persegui-los devido a avarias provocadas pelos combates em inúmeras embarcações. Por isso, acabaram por abandonar a região. Com a retirada dos portugueses, os franceses retornaram e ocuparam novamente o forte Coligny, tomando ainda posições em Uruçu-mirim e Paranapuã. Com o objetivo de resistir e defender a França Antártica, os franceses conquistaram o apoio dos índios que habitavam a região. Desde que se estabeleceram em terras brasileiras, haviam firmado boas relações com os índios, fazendo-os seus aliados contra os próprios colonizadores portugueses, considerados por ambos - franceses e índios - como o "inimigo comum". A Confederação dos Tamoios - Incentivados pelos franceses, os índios das tribos tamoios conseguiram se unir a outras tribos e criaram a Confederação dos Tamoios, com objetivo de guerrear contra os portugueses. Embora ficasse iminente, a guerra entre os portugueses e os índios não chegou a ocorrer. Antes disso, os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta realizaram um valioso trabalho de negociação com os tamoios, firmando o chamado Armistício de Iperoig. Na prática, isso resultou no fim da aliança dos índios com os franceses. Ainda assim, os invasores permaneciam na Guanabara. Por esse motivo, Mem de Sá solicitou reforços a Portugal. D. Catarina, regente do trono português, enviou, em 1563, de uma frota comandada por Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá. Além dos reforços recebidos, Mem de Sá obteve o apoio do nativo Araribóia, chefe das tribos termiminós. Com a reunião dessas forças, os portugueses iniciaram uma nova campanha. Após travarem vários combates, conseguiram expulsar os invasores acabar com a França Antártica. Estácio de Sá, porém, morreu em decorrência dos combates. De qualquer modo, de sua expedição resultou na fundação da cidade do Rio de Janeiro. O índio Araribóia foi recompensado por Mem de Sá com uma sesmaria próxima à Baía da Guanabara, que futuramente daria origem à cidade de Niterói. Invasão francesa em São Luís do Maranhão - Mas o fim da França Antártica não significou a expulsão definitiva dos franceses do território brasileiro, pois eles iniciaram várias novas investidas no litoral das regiões Norte e Nordeste. Em 1612, invadiram o Maranhão e estabeleceram uma colônia batizada de França Equinocial. Nessa nova tentativa, eram chefiados por Daniel de La Touche, que fundou a cidade de São Luís (atual capital do Maranhão), nome escolhido por ele para homenagear o então rei francês, Luís 13. Dessa vez, contudo, os portugueses estavam mais preparados para repelir os invasores. Sob a liderança de Jerônimo de Albuquerque, conseguiram expulsar definitivamente os franceses, tanto do Maranhão quanto do Brasil, em 1615. Foi no decorrer dessas lutas que os portugueses ocuparam e povoaram a região do território brasileiro que hoje abrange os Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará e Maranhão.

Invasão holandesa - Portugal perde Pernambuco para Holanda Nove anos após a expulsão dos franceses, o território colonial brasileiro sofreu uma invasão holandesa, em 1624. Os motivos que traziam os holandeses ao Brasil eram muito diferentes. Para compreendê-los, é necessário fazer algumas considerações sobre o período em que Portugal (União Ibérica) esteve sob o domínio espanhol, bem como sobre as relações internacionais da Espanha. Após ter emergido como potência européia, a Espanha perseguiu o objetivo de unificar toda a península ibérica, incorporando Portugal ao seu território. Os portugueses resistiram enquanto puderam. Mas, no século

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16, alguns acontecimentos contribuíram para a Espanha concretizar seus objetivos. Em 1578, o rei dom Sebastião, último monarca da dinastia de Avis, morreu e não deixou herdeiros. Então, o cardeal dom Henrique, único sobrevivente masculino da linhagem de Avis, assumiu a regência. Com sua morte, em 1580, o rei da Espanha, Felipe 2º; da mesma linhagem familiar, achou-se no direito de ocupar o trono português e invadiu Portugal. O domínio espanhol sobre Portugal duraria 60 anos, até 1640. Espanha e Holanda - Contudo, antes disso, Portugal já havia estabelecido relações comerciais com os ricos negociantes holandeses, que passaram a financiar a produção açucareira no Brasil e a controlar toda a sua comercialização no mercado europeu. Por outro lado, no mesmo período, a Espanha pretendia dominar todo o território dos Países Baixos, na qual a Holanda estava situada, pois a circulação de mercadorias naquela região contribuía significativamente para abastecer os cofres do tesouro espanhol. Não obstante, em 1581, sete províncias do Norte dos Países Baixos, incluindo a Holanda, criaram a República das Províncias Unidas e passaram a lutar por sua autonomia em relação aos espanhóis. Ao incorporar Portugal, aproveitando-se do seu controle sobre o Brasil, a Espanha planejou impedir que os holandeses continuassem a comercializar o açúcar brasileiro. Era uma tentativa de sufocar economicamente a Holanda e impedir sua independência. As invasões holandesas - Os holandeses reagiram rapidamente, concentrando seus esforços no controle das fontes dos produtos que negociavam. Surgiu assim, em 1602, a Companhia das Índias Orientais. Essa empresa, de porte enorme, se apossou dos domínios coloniais portugueses no Oriente. Em decorrência dos êxitos desse empreendimento, os holandeses criaram, em 1621, a Companhia das Índias Ocidentais. Esta ficou encarregada de recuperar o controle do açúcar brasileiro e monopolizar o seu comércio nos mercados europeus. Para controlar a produção e comercialização do açúcar era necessário ocupar e se apoderar de partes do território colonial brasileiro onde ele era produzido. Desse modo, contando com uma frota composta de 26 navios e 500 canhões, os holandeses iniciaram sua primeira invasão do Brasil em 1624. Atacaram a cidade de Salvador, na época o centro administrativo da colônia. Mas, um ano após terem chegado, foram expulsos, sem grandes dificuldades. Uma segunda tentativa de invasão se deu em 1630, dessa vez em Pernambuco. Os holandeses conseguiram conquistar as vilas de Olinda e Recife. Houve combates, mas os invasores holandeses resistiram e estabeleceram o controle de uma extensa parte do litoral brasileiro que ia do Sergipe ao Maranhão. A Companhia das Índias Ocidentais nomeou um governador para administrar o domínio recém conquistado, que ficou conhecido como o Brasil-holandês. Maurício de Nassau - Para o cargo de governador, foi nomeado o conde João Maurício de Nassau, que chegou ao Recife em janeiro de 1637. No período em que governou o Brasil-holandês, entre 1637 a 1644, Nassau procurou estabelecer uma administração eficiente e um bom relacionamento com os senhores de engenho da região. Desse modo, foram colocados a disposição dos proprietários de engenho recursos financeiros, para serem utilizados na compra de escravos e de maquinário para o fabrico do açúcar. Nassau também criou as Câmaras dos Escabinos, que eram órgãos de representação municipal, a fim de estimular a participação política da população nas decisões de interesse local. Durante o governo de Nassau, as vilas de Recife e Olinda passaram por um intenso processo de urbanização e melhoramentos que mudaram completamente a paisagem local. Com o fim do domínio espanhol sob Portugal, em 1640; o novo rei português, D. João 4º, decidiu recuperar o Nordeste brasileiro retirando-o do domínio holandês. Esse período coincidiu com o descontentamento dos senhores de engenho do Nordeste brasileiro diante dos holandeses. Nassau já havia partido e, para explorar ao máximo a produção do açúcar brasileiro, a Holanda adotou inúmeras medidas impopulares, em especial o aumento dos impostos, o que contrariava os interesses dos proprietários de engenho.

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Batalhas contra os holandeses - A luta contra os holandeses no Nordeste brasileiro foi iniciada pelos próprios senhores de engenho da região e durou cerca de dez anos. Sob iniciativa dos senhores, os colonos da região foram mobilizados e travaram várias batalhas contra os holandeses. As mais importantes foram a de Guararapes e Campina de Taborda. Mas a expulsão definitiva dos holandeses teve início em junho de 1645, em Pernambuco, através da eclosão de uma insurreição popular liderada pelo paraibano André Vidal de Negreiros, pelo senhor de engenho João Fernandes Vieira, pelo índio Felipe Camarão e pelo negro Henrique Dias. A chamada Insurreição Pernambucana, chegou ao fim em 1654, tendo libertado o Nordeste brasileiro do domínio holandês. Porém, a expulsão dos holandeses do território brasileiro teria um impacto negativo sobre a economia colonial. Durante o período em que estiveram no Nordeste, os holandeses tomaram conhecimento de todo o ciclo da produção do açúcar e conseguiram aprimorar os aspectos técnicos e organizacionais do empreendimento. Quando foram expulsos do Brasil, dirigiram-se para as Antilhas, ilhas localizadas na região da América Central. O fim de um ciclo açucareiro - Lá montaram uma grande produção açucareira que, em pouco tempo, passou a concorrer com o açúcar do Brasil e logo se impôs no mercado europeu. Conseqüentemente, provocou a queda das exportações brasileiras. Já na segunda metade do século 17, os engenhos brasileiros estavam em decadência. Era o fim do chamado ciclo da cana-de-açúcar na história econômica do Brasil. Restava a Portugal encontrar outros meios para explorar economicamente a Colônia. Um novo ciclo de exploração colonial teria início com a descoberta de riquezas minerais como o ouro, a prata e os diamantes, na região que ficaria conhecida como a das Minas Gerais.

Economia colonial - Cana e trabalho escravo sustentaram o Brasil colônia Na segunda metade do século 16, começaram a ficar evidentes os interesses e os objetivos de Portugal nas terras brasileiras. As relações econômicas que vigoravam entre as nações européias baseavam-se no mercantilismo, cuja base eram o comércio internacional e a adoção de políticas econômicas protecionistas. Cada nação procurava produzir e vender para o mercado consumidor internacional uma maior quantidade de produtos manufaturados, impondo pesadas taxas de impostos aos produtos importados. Asseguravam, desse modo, a manutenção de uma balança comercial favorável. As nações que possuíam colônias de exploração levavam maiores vantagens no comércio internacional. A principal função dessas colônias era fornecer matérias-primas e riquezas minerais para as nações colonizadoras - ou seja, para as metrópoles. Ao mesmo tempo, serviam de mercado consumidor para seus produtos manufaturados. Havia uma imposição de exclusividade, ou monopólio, do comércio da colônia para com a metrópole, que foi chamada de pacto colonial. Pacto colonial - O pacto colonial pode ser entendido como uma relação de dependência econômica que beneficiava as metrópoles. Ao participarem do comércio como fornecedoras de produtos primários (baratos) e consumidoras dos produtos manufaturados (caros), as colônias dinamizavam as economias das metrópoles propiciando-lhes acúmulo de riquezas.

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Portugal procurou criar as condições para o Brasil se enquadrar no pacto colonial. Os portugueses concentraram seus esforços para a colônia se transformar num grande produtor de açúcar de modo a abastecer a demanda do mercado internacional e beneficiar-se dos lucros de sua comercialização. Além da crescente demanda consumidora por esse produto, havia mais dois fatores importantes que estimularam o investimento na produção açucareira. Primeiro, os portugueses possuíam experiência e tinham sido bem-sucedidos no cultivo da cana-de-açúcar em suas possessões no Atlântico: nas ilhas Madeira, Açores e Cabo Verde. Segundo, as condições do clima e do solo do nosso litoral nordestino eram propícias a esse plantio. Em 1542, o donatário da próspera capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, já havia introduzido a cana-de-açúcar em suas terras. Plantation - O plantio da cana-de-açúcar foi realizado em grandes propriedades rurais denominadas de latifúndio monocultor ou plantation. Essas propriedades também ficaram conhecidas como engenhos, porque, além das plantações, abrigavam as instalações apropriadas e os equipamentos necessários para o refino do açúcar: a moenda, a caldeira e a casa de purgar. Para o processo de produção e comercialização do açúcar ser lucrativo ao empreendimento colonial, os engenhos introduziram a forma mais aviltante de exploração do trabalho humano: a escravidão. A introdução do trabalho escravo nas grandes lavouras baixava os custos da produção. Toda a riqueza da colônia foi produzida pelo trabalho escravo, baseado na importação de negros capturados à força na África. O contexto social da colonização e da superexploração da mão-de-obra pela lavoura canavieira tornava inviável contar com o trabalho dos homens livres. Com terras abundantes, os homens livres poderiam facilmente se apropriar de uma gleba e desenvolver atividades de subsistência. Ou seja, não havia nem incentivo nem necessidade de que a população livre trabalhasse no engenho. Completando o quadro, os portugueses também exploravam o lucrativo de tráfico de escravos negros africanos. E a simples existência do tráfico já constituía um estímulo à utilização desta mão-de-obra nas colônias pertencentes a Portugal. Engenhos - Os engenhos eram as unidades básicas de produção das riquezas da colônia. Mais do qualquer outro local, o engenho caracterizava a sociedade escravista do Brasil colonial. No engenho, havia a senzala, que era a construção rústica destinada ao abrigo dos escravos; e havia a casa grande, a construção luxuosa na qual habitavam o senhor, que era o proprietário do engenho e dos escravos; juntamente com seus familiares e parentes. Consta que por volta de 1560, o Brasil já possuía cerca de 60 engenhos que estavam em pleno funcionamento, produzindo o açúcar que abastecia o mercado mundial. Nos moldes como foi planejada pela Coroa portuguesa, a colonização do Brasil exigia enormes recursos econômicos que seriam empregados na montagem dos engenhos, na compra de escravos, de ferramentas e de mudas de cana-de-açúcar para iniciar a produção. Havia ainda a necessidade de transporte do produto e, por fim, sua distribuição no mercado internacional. Para solucionar o problema do financiamento da montagem da produção açucareira, Portugal recorreu aos mercadores e banqueiros holandeses. Por meio de inúmeros mecanismos de cobrança de impostos, os lucros obtidos com a comercialização do açúcar eram rateados. A maior parcela dos lucros obtidos ficava com os negociantes holandeses que haviam investido na produção e distribuição do produto. Portugal ficava com a menor parcela dos lucros, mas em contrapartida assegurava a posse e a colonização do Brasil, além da imposição do pacto colonial. O ciclo do açúcar no Brasil colonial se estendeu até a segunda metade do século 17. A partir de então, a exportação do produto declinou devido à concorrência do açúcar produzido nas Antilhas. Ironicamente, eram negociantes holandeses que também financiavam e comercializavam a produção antilhana. Restava a

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Portugal encontrar outras formas de exploração das riquezas coloniais. No século 18, a exploração de ouro e diamantes daria início a um novo ciclo econômico.

Escravidão no Brasil - Escravos eram base da economia colonial e imperial Desenvolvendo-se no apogeu do mercantilismo, a economia do Brasil colonial se assentou sobre três pilares: a grande propriedade territorial, na qual se desenvolvia um empreendimento comercial destinado a fornecer a metrópole gêneros alimentícios (em particular a cana-de-açúcar) e os metais preciosos, onde se utilizava essencialmente a mão-de-obra escrava. A opção pelo trabalho escravo - no início da Idade Moderna - explica-se basicamente pela dificuldade de encontrar trabalhadores assalariados dispostos à imigração. Além disso, seria difícil manter assalariados os semi-assalariados nas grandes propriedades: dada a disponibilidade de terras, eles poderiam tentar outras formas de vida - tornando-se artesãos, posseiros e pequenos agricultores, por exemplo - o que complicaria o fluxo de mão de obra para a empresa mercantil, na qual o grandes comerciantes e proprietários estavam associados à Coroa portuguesa e seus afilhados. Escravização indígena - Em meados do século 16, quando a cana-de-açúcar começou a substituir o pau-brasil como o principal produto da Colônia, desenvolveram-se primeiramente tentativas de escravizar os índios. Entretanto, diversos fatores concorreram para o fracasso desse empreendimento: em primeiro lugar, o trabalho intensivo, regular e compulsório não fazia parte da cultura indígena, acostumado a fazer somente o necessário para garantir a sua sobrevivência, através da coleta, da caça e da pesca. Em segundo lugar, ocorria uma contradição de interesses entre os colonizadores e os missionários cristãos, que visavam catequizar os índios e se opunham à sua escravização. Por sua vez, os índios também reagiam à escravização seja enfrentando os colonizadores através da guerra, seja fugindo para lugares longínquos no interior da selva onde era quase impossível capturá-los. Finalmente, há que se considerar que o contato entre brancos e índios foi desastroso para estes últimos no tocante à saúde. Os índios não conheciam - e portanto não tinham defesas biológicas - contra doenças como a gripe, o sarampo e a varíola, que os vitimaram às dezenas de milhares, provocando uma verdadeira catástrofe demográfica. Negros africanos - Entretanto, os portugueses já contavam com uma outra alternativa em matéria de trabalho escravo. Desde a colonização da costa africana, no século 15, os portugueses já haviam redescoberto o trabalho escravo que desaparecera da Europa na Idade Média, mas que continuava a existir nas sociedades existentes na África. Desse modo, os portugueses já haviam montado uma rede de comércio negreiro, utilizando-se de escravos negros nas plantações de cana-de-açúcar em suas ilhas do Atlântico (Açores, Madeira). Nem da parte da Coroa, nem da Igreja houve qualquer objeção quanto à escravização do negro. Justificava-se a escravidão africana utilizando-se vários argumentos. Em primeiro lugar, dizia-se que essa era uma instituição já existente na África, de modo que os cativos "apenas" seriam transferidos para o mundo cristão, "onde seriam civilizados e teriam o conhecimento da verdadeira religião". Além disso, o negro era efetivamente considerado um ser racialmente inferior, embora teorias supostamente científicas para sustentar essa tese só viessem a ser levantadas no século 19. Enfim, a partir de 1570 a importação de africanos para o Brasil passou a ser incentivada. O fluxo de escravos, entretanto, tinha uma intensidade variável. Segundo Boris Fausto, em sua "História do Brasil", "estima-se que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros 4 milhões de escravos, na sua grande maioria jovens do sexo masculino". Outros historiadores mais antigos como Pedro Calmon e Pandiá Calógeras falam em quantias que variam entre 8 e 13 milhões. Caio Prado Jr. cita 7 milhões.

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Salvador e Rio de Janeiro - Os grandes centros importadores de escravos foram Salvador e depois o Rio de Janeiro. Cada um deles tinha sua organização própria e os dois concorriam entre si. O fumo produzido no Recôncavo baiano era uma valiosa moeda de troca, o que garantiu sua supremacia durante os primeiros séculos de colonização. À medida em o eixo econômico desviou-se para o sudeste com a descoberta de ouro em Minas Gerais, o Rio de Janeiro suplantou a Bahia e se firmou com o crescimento urbano da cidade no século 19. Ainda de acordo com Boris Fausto, na obra citada, "costuma-se dividir os povos africanos em dois grandes ramos étnicos: os sudaneses, predominantes na África ocidental, Sudão egípcio e na costa do golfo da Guiné, e os bantos, da África Equatorial e tropical, de parte do golfo da Guiné, do Congo, Angola e Moçambique. Essa grande divisão não nos deve levar a esquecer que os negros escravizados no Brasil provinham de muitas tribos ou reinos, com suas culturas próprias. Por exemplo: os iorubas, jejes, tapas, hauças, entre os sudaneses; e os angolas, bengalas, monjolos e moçambiques entre os bantos". Essas diferenças não devem deixar de ser mencionadas, principalmente, quando se pensa na diferença de influências culturais exercidas por esses diversos povos negros na vida e na cultura brasileira. O estudo dessas influências e a aculturação afro-brasileira, porém, são áreas que, na verdade, nossa história está começando a desbravar. Resistência e quilombos - Não se deve pensar que os negros aceitaram docilmente a sua condição de escravos e que nada fizeram para resistir ao trabalho compulsório. Naturalmente, houve fugas individuais e em massa e a desobediência ou resistência se evidencia no uso das punições e castigos corporais muitas vezes cruéis, que vinha a se somar aos maus tratos naturalmente dispensados a seres que eram considerados pouco superiores aos animais. Depois de comprado no mercado, o escravo podia ter três destinos principais: ser escravo doméstico, isto, é fazer os serviços na casa do senhor; escravo do eito, que trabalhava nas plantações ou nas minas; e escravo de ganho, que prestava serviços de transporte, vendia alimentos nas ruas, fazia trabalhos especializados como os de pedreiro, marceneiro, alfaitate, etc., entregando a seu senhor o dinheiro que ganhava. Poucos anos de vida - Nas fazendas, principalmente, o escravo trabalhava de 12 a 16 horas por dia e dormiam em acomodações coletivas chamadas senzalas ou mesmo em palhoças. Sua alimentação consistia basicamente de farinha de mandioca, aipim, feijão e banana. O tempo de vida média útil de um escravo era de 10 a 15 anos, segundo muitos estudiosos. De qualquer modo, apesar das fugas e da formação dos quilombos, dos quais se destacou Palmares no século 17, os escravos africanos ou afro-brasileiros como um todo não tiveram condições de abolir por conta própria o sistema escravocrata. Com a Independência, embora a questão da abolição tenha sido levantada, a escravidão continuou a vigorar no país até a promulgação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888 - como coroação de uma ampla campanha abolicionista. Contudo, a abolição não significou o fim da exploração do negro no Brasil, nem a sua integração - em pé de igualdade - na sociedade brasileira, que ainda tem uma enorme dívida para com os descendentes dos escravos. Mas o que é pior: apesar das leis e da consciência da maior parte da população mundial, ainda se encontram pessoas em várias partes do Brasil e do mundo que trabalham sem receber pagamento, ou seja, continua a existir escravidão hoje. De qualquer forma, atualmente isso é considerado um crime e quem o pratica, se for pego, recebe a punição que merece.

Expansão territorial - Riquezas minerais ampliam limites do Brasil Diversos fatores contribuíram para o modo como o território brasileiro do período colonial foi sendo ocupado, povoado e, posteriormente, ampliado. Até o fim do século 16, os portugueses pouco conheciam as

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características das terras do interior da colônia. Mesmo depois do início do processo de colonização, com a criação das capitanias hereditárias, entre 1534 e 1536, e com o estabelecimento do Governo Geral, em 1549; as terras do interior ainda tinham sido pouco exploradas. A colonização do território brasileiro seguiu inicialmente um padrão típico de ocupação e povoamento das regiões litorâneas. Ocupar e povoar o litoral era um fator estratégico para a consolidação da posse de Portugal sobre as novas terras, afastando-se assim o risco de incursões e invasões estrangeiras por mar. Fixação litorânea - Não foi por acaso que o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, instalou a sede do governo na Bahia, fundando a cidade de Salvador. Trata-se de uma localização litorânea estratégica que, além de ser o ponto geográfico mais próximo de Portugal, fica a igual distância das regiões norte e sul do Brasil. Isso permitia que se atingisse os dois extremos do território da forma mais rápida, navegando pelo Atlântico. A longa travessia do oceano para se chegar ao Brasil impôs enormes limitações e entraves para a ocupação e povoamento do interior. A existência de densas florestas e as características geográficas tornavam difíceis o transporte por terra e, por conseguinte, a exploração rotineira do interior brasileiro. Quando foi iniciada a montagem da produção açucareira, a partir da segunda metade do século 16, os engenhos também se fixaram ao longo das regiões litorâneas, onde havia terras férteis, propícias ao cultivo da cana-de-açúcar, mas também pelas facilidades do carregamento do produto até as embarcações que aportavam e transportavam o açúcar para os mercados consumidores europeus.

Entradas e Bandeiras - Bandeirantes expandiram limites do Brasil Foi a partir do século 17 que as terras do interior do Brasil passaram a ser rotineiramente exploradas. O desbravamento e povoação dessas terras foram iniciados por expedições pioneiras chamadas de Entradas e Bandeiras. As Entradas geralmente eram expedições oficiais, ou seja, foram organizadas pelo governo da autoridade colonial. Já as Bandeiras tinham motivação particular, isto é, eram organizadas por colonos que se estabeleceram nos povoados. Os historiadores ainda hoje debatem sobre a caracterização dos dois tipos de expedições, mas ainda assim aceitam a diferenciação mencionada acima. O mais importante é entender os fatores que ocasionaram a criação das Entradas e das Bandeiras e as mudanças que essas expedições provocaram no processo de colonização do Brasil. Riquezas e escravos - As Entradas e Bandeiras foram expedições organizadas para explorar o interior com o propósito de procurar riquezas minerais, tais como ouro, prata e pedras preciosas. Objetivavam também caçar e apresar índios para escravizá-los. Não era uma tarefa fácil organizá-las, e muito menos explorar o interior do território colonial. Havia a necessidade do preparo de muitas provisões, como alimentos, armas e instrumentos, que deviam ser transportados por animais e pelos próprios exploradores. Outra tarefa difícil era reunir homens que estivessem dispostos a penetrar mata adentro e permanecer muitos meses no interior, sem a certeza de que retornariam com vida para seus povoados e do êxito que teriam na descoberta de riquezas ou no enfrentamento e apresamento dos índios. As Entradas tiveram início logo após a descoberta do Brasil. Em 1504, Américo Vespúcio organizou uma Entrada composta por trinta homens que partiu de Cabo Frio e penetrou no sertão. Martim Afonso de Souza organizou duas Entradas. A primeira foi composta por quatro homens, saiu da Guanabara e permaneceu no interior por cerca de dois meses. A segunda foi composta por cerca de 80 homens e chefiada por Pedro Lobo. Saiu da ilha de Cananéia (no atual estado de São Paulo) e jamais retornou. Após o estabelecimento do Governo-Geral, as Entradas passaram a ser organizadas com maior freqüência, mas restringiram-se a explorar o interior da Bahia e de Minas Gerais.

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São Vicente e São Paulo - As Entradas declinaram no início do século 17. As Bandeiras surgiram no início do desse mesmo século e se estenderam por todo o século seguinte. Foi na vila de São Vicente que surgiram as primeiras Bandeiras. O solo dessa região, impróprio para o plantio da cana-de-açúcar, ocasionou o rápido declínio da produção açucareira levando a estagnação econômica dos povoados. Os habitantes da região tiveram que encontrar outra atividade econômica para sobreviver. A alternativa foi a organização das expedições desbravadoras. A vila de São Paulo também ficou famosa pela organização de expedições bandeirantes. As Bandeiras organizadas pelos habitantes de ambas as vilas dedicaram-se, inicialmente, à caça e apresamento de índios para vendê-los como mão-de-obra escrava aos engenhos produtores de açúcar, situados nos ricos solos do Nordeste brasileiro. Seus alvos principais eram as missões jesuíticas que concentravam grande número de índios em fazendas, para serem pacificados e depois catequizados pelos religiosos da Companhia de Jesus. O colégio de Piratininga - Foram os jesuítas, liderados pelo padre Nóbrega, que se estabeleceram na região de Piratininga, fundando um pequeno povoado que cresceu e deu origem a vila de São Paulo. Tudo começou com a construção de um colégio e uma casa, que eram locais para catequese dos índios. Com o surgimento das Bandeiras e das atividades de caça e apresamento dos índios, os jesuítas entraram em conflito com os bandeirantes. Na década de 1640, os bandeirantes expulsaram os jesuítas de São Paulo. Muitas missões jesuíticas, além das que se fixaram em Piratininga, foram destruídas pelos bandeirantes. Com a substituição do índio pelo negro africano no trabalho escravo da grande lavoura, o ciclo do bandeirismo de caça e apresamento dos nativos declinou. Os bandeirantes passaram, então, a se concentrar na exploração de riquezas minerais. As Bandeiras organizadas pelos habitantes da vila de São Vicente começaram a procura de ouro nos leitos dos rios da região e foram percorrendo a zona litorânea. As Bandeiras organizadas pelos habitantes de São Paulo, com o mesmo propósito, foram motivadas a penetrar no sertão brasileiro, favorecidas pela situação geográfica da vila e pelo curso dos rios da região, que facilitavam a exploração do interior. Mas é importante assinalar que a caça e apresamento de índios não parou por completo, os próprios bandeirantes passaram a utilizar a mão-de-obra indígena para trabalharem nas pequenas lavouras de subsistência e até nas próprias expedições de exploração. Povoamento e expansão territorial - As expedições bandeirantes tiveram importância crucial para o povoamento, diversificação das atividades econômicas e expansão territorial do Brasil colonial. Ao longo das trilhas percorridas e dos caminhos abertos pelos bandeirantes foram surgindo diversos povoados. As Bandeiras que percorreram o litoral à procura de ouro, partindo de São Vicente, deram origem às vilas de Itanhaém, Iguape, Paranaguá, Laguna e Desterro, entre outras. A penetração no sertão deu origem a vilas e arraiais como Cuiabá, Vila Rica, Diamantina, Sabará e Mariana, entre outras. As expedições bandeirantes também possibilitaram a descoberta de riquezas minerais como ouro, prata e diamante, metais preciosos que deram origem a um novo ciclo econômico de exploração colonial. O êxito dos bandeirantes, principalmente na descoberta de metais preciosos, fez com que a Coroa portuguesa passasse a financiar muitas expedições com o objetivo de encontrar essas riquezas minerais e explorá-la como alternativa a crise econômica provocada pelo declínio da produção do açúcar. Enquanto as Entradas respeitavam os limites territoriais fixado pelo Tratado das Tordesilhas, que dividia as terras do continente americano entre Portugal e Espanha, as Bandeiras geralmente ultrapassavam essa fronteira, em direção às regiões Sul, Norte e Centro Oeste. Entre 1580 e 1640, Portugal ficou sob domínio Espanhol. Durante esse período, também conhecido como a união das Coroas ibéricas, a Espanha governou Portugal e todos os seus domínios. Nessa época, os bandeirantes não encontraram resistências quanto a ultrapassar Tordesilhas. Quando Portugal se libertou do jugo espanhol o território colonial brasileiro havia se ampliado significativamente. Mitos e monumentos - As Bandeiras deram origem a narrativas épicas, mitos e lendas sobre o desbravamento e conquista do sertão brasileiro, que hoje fazem parte do simbolismo regional. Embora

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tenham sido responsáveis pela escravização e dizimação de inúmeras etnias indígenas e pela destruição de muitas missões jesuíticas, os bandeirantes são retratados como homens heróicos, portadores de coragem, bravura e espírito aventureiro, que penetraram na mata e desbravaram a vastidão do interior até então desconhecido, enfrentaram e dominaram índios, descobriram e exploraram riquezas minerais e fundaram povoados. Na capital paulista, outrora vila e centro irradiador das expedições bandeirantes, ergueu-se o Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, um dos mais importantes escultores brasileiros. E bandeirantes famosos como Bartolomeu Bueno da Silva (conhecido como Anhangüera), Antônio Raposo Tavares e Fernão Dias Pais, foram homenageados tendo seus nomes dados a importantes rodovias que percorrem o interior do Estado de São Paulo.

Bandeirantes - Heróis ou vilões? A construção do mito Durante muito tempo, os bandeirantes foram encarados como "heróis". Eles teriam sido os desbravadores

que contribuíram para a construção de nosso país, expandindo nossas fronteiras. Essa imagem heróica acabou dando lugar a outra, oposta: os bandeirantes teriam sido bandidos cruéis e sanguinários, que saqueavam aldeias indígenas, matando crianças, violentando mulheres e escravizando os índios. Em nossos livros didáticos o bandeirante foi retratado dessas duas formas: ora herói, ora vilão. Ambas as imagens exageram aspectos verdadeiros da vida dos bandeirantes e ignoram outros. Figuras polêmicas - Os bandeirantes estão entre as figuras mais polêmicas da história do Brasil. A confusão se dá entre a história dos bandeirantes propriamente dita e a construção da memória em torno deles.

A imagem que bandeirantes que há os traz calçados com botas de montar, vestidos com calções de veludo e casacas de couro almofadado. É desse modo que eles aparecem em pinturas, ilustrações de livros e até em estátuas. A pesquisa histórica revela uma realidade bastante diferente: a maioria dos bandeirantes andava descalça e com roupas muito simples. Na verdade, todas as imagens que vemos dos bandeirantes foram feitas muito tempo depois da época em que eles viveram. Expedições que geralmente partiam de São Paulo e eram organizadas com o fim de capturar índios e encontrar ouro e pedras preciosas, as bandeiras existiram do século 16 ao 18, enquanto as pinturas mais antigas sobre o tema foram feitas a partir do século 19, sob a ótica idealizadora do Romantismo. A construção do mito - Outro fator que contribuiu para o mito do herói bandeirante foi a própria transformação de São Paulo em uma metrópole, que ocorreu muito tempo depois da época dos bandeirantes. No período colonial, São Paulo não passava de um povoado isolado com pouco mais de mil habitantes. O crescimento da economia cafeeira contribuiu para que São Paulo crescesse. A região ganhou a fama de "terra do trabalho", de lugar em progresso. As elites paulistas resolveram difundir uma história idealizada, segundo a qual, as raízes desse progresso já existiam na época dos bandeirantes. Os membros da aristocracia do café seriam os descendentes diretos dos "heróicos bandeirantes". Os paulistas, especialmente os membros da elite, traziam "no sangue" a herança dos bandeirantes, homens valentes que não tinham medo de desafios, o que explicaria porque os paulistas eram trabalhadores dedicados e incansáveis.

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Repare que esse regionalismo está carregado de preconceito em relação aos habitantes de outras partes do Brasil: São Paulo seria uma exceção, terra de riqueza e progresso num país de miséria e atraso; o paulista leva o trabalho a sério enquanto os brasileiros de outros lugares seriam "preguiçosos".

Ciclo do ouro - Impostos sobre a mineração levaram à Inconfidência Nos séculos 17 e 18, o Brasil presenciou a eclosão de inúmeras revoltas, rebeliões e motins, que podem ser interpretados como manifestações de conflitos de interesses entre a população colonial e a Coroa portuguesa. Entretanto, a Inconfidência mineira (ou Conjuração), de 1789; foi o primeiro movimento conspiratório motivado por um desejo de separação política de Portugal. A revolta não chegou a ocorrer, pois a Coroa portuguesa tomou conhecimento do movimento ainda em sua fase preparatória e o reprimiu com violência. Mas a Inconfidência mineira entraria para a história como a primeira tentativa de romper os laços de dependência entre a Colônia e a metrópole. O principal fator que desencadeou a Inconfidência mineira foi o aumento da exploração colonial, através da imposição de taxas excessivas sobre a mineração do ouro na região de Minas Gerais. Com o declínio da produção açucareira, na segunda metade do século 17, Portugal havia encontrado nas riquezas minerais uma nova forma de explorar a colônia - o período ficaria conhecido como o ciclo do ouro. Impostos e controle - A descoberta de ouro em Minas Gerais foi obra dos bandeirantes paulistas, mas, logo que tomou conhecimento da existência do metal precioso, a Coroa portuguesa expulsou os paulistas da região e procurou adotar medidas para assumir o controle absoluto sobre a mineração. As vilas mineiras de Sabará, Vila Rica e São João del Rei tornaram-se a região mais próspera da mineração. Foi criado o regimento dos superintendentes, composto por guardas-mores e oficiais-deputados, que se encarregavam de estabelecer o controle régio sobre a exploração do ouro. Inicialmente a extração do metal foi realizada de forma rudimentar, por meio de um processo chamado de faiscação ou garimpagem, que empregava a mão-de-obra dos homens livres. Nas grandes minas, a extração era denominada de lavra e o trabalho, realizado por escravos. A descoberta de alguma jazida deveria ser imediatamente comunicada ao superintendente das minas, que tratava de organizar a exploração através da distribuição de lotes. Qualquer homem livre podia explorar uma jazida, desde que se comprometesse a pagar o quinto, nome dado ao imposto de 20 % (1/5) sobre o ouro encontrado. O contrabando e a derrama - Embora a Coroa portuguesa tenha estabelecido um rígido controle sobre a mineração aurífera de Minas Gerais, o contrabando sempre existiu. Foram adotadas sucessivas medidas para contê-lo. Criaram-se as casas de fundição, por onde todo o ouro extraído deveria passar para se transformar em barras. Em seguida, seria cobrado o quinto real. Com o objetivo de dificultar ainda mais o contrabando, em 1725, as autoridades coloniais proibiram definitivamente a circulação de ouro em pó.

Em 1750, o ministro português Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, adotou uma medida mais drástica, fixando o quinto real em 100 arrobas anuais (1.500 kg). Mas essa quantia dificilmente era obtida, devido principalmente à escassez do ouro, em função do esgotamento natural das minas e aluviões. A Coroa portuguesa, porém, acreditava que a escassez se devia ao contrabando e, em 1765, criou a derrama. Tratava-se de um imposto que permitia às autoridades coloniais cobrarem a quantia faltante do quinto real confiscando todo o ouro que circulava na região mineradora e expropriando a população local de seus pertences. A derrama era uma medida violenta, opressora e extremamente impopular, que gerou protesto e manifestações. Para colocá-la em prática, as autoridades coloniais mobilizavam soldados que invadiam e saqueavam os domicílios, prendiam e torturavam

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quem protestasse.

Guerra dos emboabas (1708-1709) Nos primeiros anos do século XVIII, a descoberta de ouro no Brasil proporcionou um interessante conjunto de mudanças dentro e fora dos limites do território colonial. Em geral, a oportunidade de se enriquecer por meio da mineração atraiu o interesse de populações de outras províncias e dos próprios portugueses que souberam da notícia na metrópole. Dessa forma, em pouco tempo as jazidas encontradas seriam alvo de uma violenta disputa. Os bandeirantes paulistas, responsáveis pelas primeiras descobertas, acreditavam que a exploração das minas deveria ser reservada aos pioneiros da região. Em contrapartida, a Coroa Portuguesa enxergava o feito como mais uma excelente oportunidade de negócio capaz de sanar a vida do Estado Lusitano. Dessa forma, a região de Minas Gerais, entre 1708 e 1709, acabou se transformando em palco de um conflito que acabou conhecido como a Guerra dos Emboabas. A utilização do termo “emboaba” era pejorativamente dirigida aos estrangeiros que tentaram controlar a região tardiamente. Na língua tupi, essa expressão era originalmente utilizada pelos indígenas para fazer menção a todo tipo de ave que tinha sua perna coberta de penas até os pés. Com o passar do tempo, os bandeirantes paulistas a reinterpretaram para se referir aos forasteiros que, calçados de botas, alcançavam a região interiorana atrás dos metais preciosos. Sob a liderança de Manuel Nunes Viana, os emboabas organizaram diversas expedições em que buscavam enfraquecer a hegemonia dos paulistas nas regiões mineradoras. Entre as lutas mais intensas, o combate desenvolvido no Capão da Traição ficou conhecido pela morte de 300 paulistas pela mão dos emboabas. Tendo em vista a situação de confronto, os colonizadores portugueses buscaram formas para reafirmar sua autoridade no local. No ano de 1709, a Coroa Portuguesa determinou a imediata separação territorial das capitanias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao fim da guerra, os bandeirantes buscaram outras jazidas nas regiões de Mato Grosso e Goiás. Alguns destes bandeirantes, beneficiados com o ganho da atividade mineradora, aproveitaram para formar unidades agrícolas que abasteceriam os núcleos urbanos que surgiram naquela mesma época.

Período pombalino - Administração de Pombal deixou marcas Quando em 1750 o rei de Portugal, D. José 1o, escolheu Sebastião José de Carvalho e Melo - conde de Oeiras e futuro marquês de Pombal - para ocupar o cargo de primeiro-ministro, começava ali uma nova fase da história do Brasil. Pombal ficou conhecido pelo conjunto de reformas realizadas tanto na metrópole como nas colônias portuguesas. Sua posse como secretário de Estado do Reino de Portugal ocorreu em meio à crise do Antigo Regime e à emergência do Iluminismo. Na Europa, vários países - entre eles, Portugal - passaram a combinar elementos do período absolutista, como o fortalecimento do poder real, por exemplo, com reformas que buscavam diminuir as diferenças sócio-econômicas em relação a outros Estados, como França e Inglaterra, principalmente. Foi o chamado "despotismo esclarecido" ou "absolutismo iluminado". Apesar da sua importância, o marquês de Pombal nem sempre foi bem visto pela Coroa portuguesa. Nascido em Lisboa, no dia 13 de maio de 1699, Pombal foi nomeado para seu primeiro cargo público aos 39 anos: seria embaixador de Portugal em Londres. Pouco depois da morte da sua primeira mulher, em 1737, Pombal casou-se novamente. Dessa vez, com a condessa Maria Leonor Ernestina Daun, filha do marechal austríaco Leopold von Daun - comandante militar da Áustria na Guerra dos Sete Anos. O casamento fora arranjado pela rainha de Portugal, a também austríaca D. Maria Ana Josefa de Áustria, amiga íntima da condessa. Assim, com a morte do rei D. João 5o, a rainha-mãe inteveio a favor de Pombal

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junto a seu filho, D. José 1o, sucessor do trono. Com a coroação de D. José, em 1750, o marquês de Pombal foi nomeado secretário de Estado do Reino de Portugal. Pombal e o Brasil - Ao tomar posse no cargo de primeiro-ministro, Pombal assumiu não apenas a administração do Estado português, mas também das suas colônias, incluindo o Brasil. Daí porque a era pombalina, como ficaram conhecidos os quase 30 anos em que esteve à frente da Secretaria de Estado do Reino, repercutiu de maneira decisiva sobre o destino brasileiro. Àquela altura, já havia ficado evidente para a Coroa portuguesa a importância da sua colônia na América. Afinal, em meados do século 18 o Brasil já tinha mais peso econômico e demográfico que a própria metrópole. Por isso, as reformas de Pombal, que na Europa tiveram o objetivo de equiparar Portugal às demais potências do Velho Continente, no Brasil visaram a racionalizar o processo de produção e envio de riquezas para a metrópole. As reformas, portanto, não apenas mantiveram o monopólio comercial entre Portugal e Brasil como também aprofundaram a dominação metropolitana. Sob o ponto de vista administrativo, as mudanças começaram com a extinção do antigo sistema de capitanias hereditárias. Quatro anos depois, a própria capital foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro - deixando clara a preponderância econômica da região centro-sul sobre o Norte e o Nordeste. Para aumentar a exploração de riquezas, foram criadas duas companhias de comércio, na tentativa de incrementar a produção naquelas regiões: a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba. Ao mesmo tempo, Pombal intensificou a fiscalização sobre a exploração do ouro em Minas Gerais, numa conjuntura de crise no setor aurífero.

Inconfidência Mineira A Inconfidência Mineira, também chamada de Conjuração Mineira, foi a conspiração de uma pequena elite de Vila Rica - atual Ouro Preto (MG) -, ocorrida em 1789, contra o domínio português. Desse grupo, fizeram parte intelectuais, religiosos, militares e fazendeiros, dentre os quais estava o alferes Joaquim José da Silva Xavier, sempre lembrado como principal líder do movimento. O motivo principal da Inconfidência foi a questão da derrama. Tratava-se de uma operação fiscal realizada pela Coroa portuguesa para cobrar os impostos atrasados. O chamado quinto, como o próprio nome já indica, correspondia à cobrança de 20% (1/5) sobre a quantidade de ouro extraído anualmente. Quando o quinto não era pago, os valores atrasados iam se acumulando. Então, a Metrópole podia lançar mão da "derrama" para cobrar esses impostos, utilizando-se até mesmo do confisco dos bens dos devedores. Todos os líderes da Inconfidência estavam endividados com o Real Erário Português, motivo pelo qual, segundo especialistas, teriam sido motivados a se envolver na revolta contra a Metrópole. Emblemático, nesse sentido, foi o fato de a eclosão do movimento ter sido agendada justamente para o dia em que se esperava que o governador da Capitania de Minas Gerais, visconde de Barbacena, ordenasse a cobrança da derrama. Esperavam, com isso, ganhar o apoio da população à sua luta anticolonial. Ideias republicanas - Em geral, a Inconfidência Mineira sempre é apresentada como um movimento que, combatendo o domínio português e inspirada nas experiências revolucionárias da França e dos Estados Unidos, defendia a transformação do Brasil numa república. Não raro, associada a essa ideia, está a questão da igualdade social - o que seria uma influência direta dos exemplos das revoluções francesa e norte-americana. Embora os inconfidentes falassem de república, é preciso ter em vista que o significado do termo naquele momento estava associado à sua viabilidade num pequeno território, como Minas Gerais, por exemplo - ou, quando muito, incluindo o Rio de Janeiro e São Paulo.

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A ideia segundo a qual um movimento surgido em Vila Rica propunha a transformação do Brasil numa república é problemática, até mesmo quando pensamos sob o prisma da nacionalidade. A proposta de criação de vários parlamentos - tida por alguns como prova incontestável de que se tratava de uma revolução republicana nacional - também pode ser questionada pela evidência de que o termo "parlamento", tal como "república", não tinha o mesmo significado que hoje. Isto é, não remetia à ideia das nossas atuais assembleias estaduais (o que poderia sugerir que a Inconfidência propunha parlamentos em diferentes regiões da república nacional que supostamente defendia), mas, sim, à das câmaras municipais. Quando falavam de república, portanto, referiam-se basicamente a Minas Gerais. De outro lado, muito se fala da grande recepção que a conhecida obra de Montesquieu sobre revolução norte-americana teria tido entre os inconfidentes. Alguns, inclusive, possuíam o livro entre as obras de sua biblioteca particular. Mas, ao que tudo indica, o exemplo revolucionário dos Estados Unidos foi tomado em sua dimensão anticolonial, e não igualitarista. Vários líderes inconfidentes eram donos de escravos. E se a república fazia parte de suas propostas, o abolicionismo não. Tiradentes, o mártir - Tão controversa quanto o ideal republicano é a transformação de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, em mártir da Inconfidência Mineira. É versão comum na historiografia a ideia segundo a qual Tiradentes teria sido o principal líder do movimento, o que explicaria a decisão da rainha de Portugal, d. Maria 1ª, de manter a pena de morte para Joaquim José da Silva Xavier ao invés de alterá-la, como fez em relação aos demais, para o banimento nas colônias portuguesas na África. De fato, Tiradentes foi o único dentre os inconfidentes a assumir a participação na conspiração. Ato de coragem, sem dúvida, isso acabou encobrindo vários aspectos importantes, que afastam Joaquim José da Silva Xavier da figura de mártir construída no século 19, a partir da recuperação de seu exemplo pelos que defendiam a proclamação da República. Há fortes indícios de que Tiradentes não ocupava senão um lugar marginal, secundário, nas articulações do movimento. Não era, portanto, seu principal líder, o cabeça do grupo. O inventário de seu patrimônio também revela que Tiradentes possuía vestuário e mobílias semelhantes aos utilizados pela aristocracia da época. Sabendo-se que isso era fator importante de distinção social, trata-se de mais um indício que aponta para o fato de que a Inconfidência Mineira, apesar de seu caráter anticolonial, visava construir um Estado independente, que garantisse o controle do espaço político e social aos grupos sociais representados em sua liderança.

Conjuração baiana - Revolta dos alfaiates teve grande participação popular De todos os movimentos de revolta que eclodiram no Brasil colonial, a Conjuração baiana de 1798 foi o mais abrangente em termos dos objetivos políticos, da abertura à participação das camadas populares e dos ideais de mudanças sociais propostos. Assim como os inconfidentes mineiros, os conjurados baianos defendiam a emancipação política do Brasil através do rompimento do pacto colonial. Mas foram mais além, ao propor profundas mudanças sociais como a abolição dos privilégios vigentes que garantissem a igualdade entre os homens, de diferentes raças e cor, e o fim da escravidão. O principal fator que fez irromper a conjuração baiana como um movimento de revolta popular radical está relacionado às condições sociais e econômicas da região do Recôncavo baiano. No fim do século 17, a região recuperou a prosperidade econômica com o renascimento agrícola. Tinha início a um novo ciclo da produção do açúcar.

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Porém, o avanço da grande lavoura canavieira se fez em detrimento das pequenas propriedades agrícolas voltadas para a produção de subsistência. A diminuição da área ocupada pela lavoura de subsistência fez piorar as condições de vida das camadas populares. Enquanto os proprietários de engenho e os grandes comerciantes se beneficiavam com essa situação, os pequenos comerciantes e agricultores e os pobres e humildes sofriam com a alta dos preços e a escassez de alimentos. Motins e rebeliões - O agravamento da situação social e econômica gerou inúmeros motins e rebeliões populares. Entre 1797 e 1798, presenciaram-se freqüentes invasões de armazéns de alimentos por populares que os saqueavam. Foi nesse contexto de revolta e descontentamento popular, que a Conjuração baiana, gradativamente, tomou forma como movimento organizado na luta por mudanças políticas e sociais. Mas não se pode perder de vista, também, que os ideais de mudança política e social defendidos pelos conjurados baianos, foram influenciados por outros movimentos sociais que eclodiram no mundo nesse mesmo período. A Europa, por exemplo, desde 1789, atravessava um momento de profundas transformações sociais e políticas geradas pela Revolução Francesa. O Haiti, colônia francesa situada nas Antilhas, foi palco de convulsões sociais devido às freqüentes e violentas rebeliões e levantes de escravos negros. Em seu conjunto, as notícias desses acontecimentos tiveram ampla repercussão no Brasil e serviram para dar sustentação aos ideais de liberdade, igualdade e soberania popular propugnados pelos conjurados baianos. Em seu estágio inicial, o movimento congregou membros da elite, ligados à grande propriedade agrícola e ao domínio escravista, que defendiam apenas a autonomia política do Brasil em relação a Portugal. Eles se reuniram e fundaram a sociedade secreta Cavaleiros da Luz. Não obstante, alguns dos membros da sociedade secreta romperam com os limites de sua classe social de origem, aderindo a perspectivas revolucionárias mais amplas. Cipriano Barata e os alfaiates - Passaram a difundir propostas e ideais radicais entre os regimentos de soldados e a população em geral. O médico Cipriano Barata, por exemplo, foi um ativo propagandista do movimento, atuando principalmente entre a população mais humilde e junto aos escravos. Desse modo, a base social da Conjuração baiana foi se ampliando para a participação e mobilização popular. Com isso foi assumindo feições revolucionárias, tendo em vista a defesa dos interesses das camadas sociais mais pobres, dos humildes e dos escravos. Aderiram e participaram do movimento, homens brancos mulatos, negros livres e escravos. Mas a presença de um contingente expressivo de alfaiates fez com que a Conjuração baiana ficasse conhecida também como a "revolta dos Alfaiates". Entre as principais lideranças do movimento destacam-se: João de Deus Nascimento e Manuel Faustino dos Santos, ambos mulatos e alfaiates; Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas Amorim Torres, também mulatos. A chefia militar do movimento estava sob comando do tenente Aguilar Pantoja. Em agosto de 1798, o movimento dos conjurados baianos se encontrava organizado. Ele foi desencadeado pela difusão de panfletos e boletins que transmitiam mensagens contestatórias contra as autoridades metropolitanas. Frases foram escritas em locais públicos de grande circulação, como por exemplo: "Animai-vos povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que seremos todos iguais". Execuções, prisão e desterro - Além do apoio popular, as lideranças do movimento buscaram também obter a adesão das autoridades coloniais, como a do governador dom Fernando José Portugal. Mas fracassaram nessa tentativa. As autoridades coloniais da região reagiram, desencadeando violenta repressão contra o movimento. Neste momento, ocorreu uma divergência entre as lideranças dos conjurados com relação ao rumo que o movimento deveria tomar, o que serviu para enfraquecê-lo. As autoridades coloniais conseguiram infiltrar espiões no movimento, que ajudaram a perseguir e prender as suas principais lideranças. Em pouco tempo, o movimento de revolta dos conjurados baianos foi desarticulado. Os cárceres ficaram abarrotados de rebeldes provenientes das camadas populares que

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aderiram ao movimento. Membros importantes da elite pertencentes à sociedade Cavaleiros da Luz também foram presos, como Cipriano Barata, Aguilar Pantoja e Oliveira Borges. Assim como ocorreu com os conjurados mineiros, o julgamento dos conjurados baianos resultou em penas de execuções, prisão e desterro. Devido à ampla adesão e participação popular, e em razão das propostas radicais defendidas, o movimento dos conjurados baianos representou o ápice das contradições sociais do período do Brasil colonial. Além da luta pela emancipação política do Brasil, a Conjuração baiana buscou romper com o sistema de dominação tradicional escravista vigente que estava assegurado pela elite colonial.

Família real no Brasil (1808) O bloqueio continental, imposto por Napoleão Bonaparte à Europa, fez a corte portuguesa mudar-se ao Brasil no início do século 19. Dependente do comércio britânico, Portugal se viu num enorme impasse: atender à França significava perder sua principal colônia na época, o Brasil, pois a marinha inglesa dominava os mares e poderia invadi-lo. Não atender às exigências napoleônicas significava ter seu próprio território invadido pelas tropas francesas. Portugal mudou-se - Sabiamente, o príncipe regente dom João - que governava no lugar da mãe, dona Maria 1a, que enlouquecera - decidiu ficar do lado dos ingleses e a solução encontrada para não se submeter a Napoleão foi transferir a Corte portuguesa para o Brasil. Embora o território português fosse invadido, o Reino de Portugal sobreviveu do outro lado do Atlântico. Entre 25 e 27 de novembro de 1807, cerca de 10 a 15 mil pessoas embarcaram em 14 navios: a família real, a nobreza e o alto funcionalismo civil e militar da Corte. Traziam consigo todas as suas riquezas. Os soldados franceses, quando chegaram a Lisboa, encontraram um reino pobre e abandonado. A Corte na Guanabara - A viagem da elite portuguesa não foi nada fácil, em especial devido a uma tempestade que dispersou os navios. Enquanto parte deles veio dar no sudeste, o que conduzia dom João aportou na Bahia, em janeiro de 1808. Em março, o príncipe regente preferiu transferir-se para o Rio de Janeiro, então pouco mais que uma vila. De uma hora para outra, o Rio se viu obrigado a alojar uma multidão de nobres autoridades. Para os donos do poder, porém, não havia problemas. Dom João requisitou as melhores residências, simplesmente despejando seus moradores. Dali, agora, o Império português seria governado. Apesar dos transtornos, as conseqüências da vinda da família real portuguesa para o Brasil foram positivas e culminaram com o processo de Independência do país. Para começar, ainda na Bahia, dom João pôs fim ao monopólio comercial da colônia, decretando a abertura dos portos às nações amigas . Todas as atividades no país se dinamizaram com a fixação da Corte no Rio de Janeiro. A necessidade de melhoramentos resultou em medidas que trouxeram rápido progresso. Por exemplo, revogou-se a lei que proibia as indústrias em nosso território e promoveu-se a melhoria de portos e a construção de estradas. Tratado de Comércio e Navegação - Em 1810, D.João VI assinou vários tratados com a Inglaterra, sendo o mais importante deles o Tratado de Comércio e Navegação, que estabelecia uma taxa de apenas 15% sobre a importação de produtos ingleses. Para avaliar o significado dessa medida, basta lembrar que a taxa de importação de produtos portugueses era de 16% e a de produtos de outras nações de 24%. Com esse tratado os ingleses praticamente eliminavam a concorrência no mercado brasileiro, dominando-o por completo. Navios de guerra ingleses podiam atracar em portos brasileiros. Súditos ingleses tinham direito a tribunais especiais.

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A administração foi reorganizada pelo príncipe regente, com a criação de três ministérios (Guerra e Estrangeiros; Marinha; Fazenda e Interior), a fundação do Banco do Brasil, a instalação da Junta Geral do Comércio e da Casa de Suplicação, esta última o Supremo Tribunal da época. Em 1815, o Brasil foi elevado à categoria de reino, de modo que todas as terras portuguesas passaram a chamar-se Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves. Com isso, o país deixava de ser colônia e ganhava um novo status político.

Nos três anos seguintes, com a morte da rainha dona Maria 1a (1816), o príncipe regente seria aclamado e coroado rei, como dom João 6o (1818). A partir de 1821, as capitanias passaram a ser chamadas de províncias e a divisão territorial do Brasil se aproximou da atual. A administração ficou centralizada nas mãos do rei e dos governadores das províncias a ele subordinados. Noblesse oblige... - Culturalmente, o desenvolvimento no período também foi enorme: abriram-se teatros, bibliotecas, academias literárias e científicas,

para atender não só à própria Corte, mas a uma população urbana em rápida expansão. Durante a estada de dom João, a população da capital dobrou: de 50 mil para 100 mil habitantes. Além disso, chegaram ao Brasil cientistas e viajantes estrangeiros como o naturalista inglês John Mawe e o francês Saint-Hilaire, o zoólogo Johann von Spix e o botânico von Martius (ambos alemães). Todos eles escreveram textos que se tornaram uma fonte básica de conhecimento da época. Além disso, em março de 1816, chegou ao Rio de Janeiro a Missão Artística Francesa que incluía, entre outros, Grandjean de Montigny, arquiteto e primeiro professor de arquitetura no Brasil. Aqui ele introduziu o estilo neoclássico e sua casa, o atual Solar Grandjean de Montigny, preservada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), pode ser vista ainda hoje no bairro da Gávea, no Rio. Também vieram com a missão os pintores Félix Émile Taunay e Jean Baptiste Debret que deixaram fascinantes retratos das paisagens e dos costumes do Rio nas primeiras décadas do século 19. Avanço em termos - Não se pode, porém, exagerar os resultados das transformações que o país sofreu. Apesar das medidas liberalizantes, por exemplo, a indústria não se desenvolveu, pois não poderia competir com a inglesa. A Inglaterra aproveitou-se de sua posição para impor a importação de seus produtos e o comércio exterior brasileiro logo se tornou deficitário. O caráter agrário do país só se modificaria definitivamente no século 20. A administração portuguesa mantinha os traços do absolutismo, do que dá testemunho a imprensa: o principal jornal brasileiro de então, "Gazeta do Rio de Janeiro", era uma espécie de diário oficial e ainda assim estava submetido à censura. O único jornal brasileiro independente, que criticava a administração lusitana, era o "Corrio Brasiliense", de Hipólito José da Costa. Contudo, editado em... Londres, entre 1808 e 1822. Privilégios e revoluções - Da mesma maneira, de um modo geral, os cidadãos portugueses eram privilegiados em relação aos naturais da terra. A manutenção da Corte exigiu um aumento de impostos. O Nordeste se viu prejudicado com a concentração de poder no Rio de Janeiro (o que foi uma das causas da Revolução Pernambucana de 1817). Frustrações e insatisfações começaram a alimentar o processo de Independência, que foi beneficiado pelas grandes mudanças que também ocorriam no continente europeu e em Portugal. Em 1815, Napoleão sofreu sua derrota definitiva em Waterloo e foi feito prisioneiro na longínqua ilha de Santa Helena, onde morreria cerca de seis anos depois. Em 1811, os exércitos napoleônicos já haviam se retirado de Portugal, que, entretanto, continuou a ser governado desde o Brasil. Em 1820, eclodiu no país a Revolução Liberal, que visava enfrentar a enorme as crises que tomaram conta no país durante os últimos nove anos: a) crise política provocada pela ausência do rei e dos órgãos de

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governo, b) crise econômica, pois o fim do monopólio comercial beneficiou o Brasil e a Inglaterra, c) crise militar, pois o comando do exército português estava na mão dos ingleses. A Revolução Liberal teve um significado ambíguo para o Brasil, ao qual os revolucionários portugueses pretendiam fazer voltar a uma posição subordinada. No fim de 1820, uma junta provisória, governando em nome do rei enquanto exigia sua volta a Lisboa, resolveu convocar as Cortes (órgãos parlamentares) a serem eleitas em todo o mundo português e aprovar uma nova Constituição para o Império. Em mais de 200 deputados, o Brasil teria direito a cerca de 70. O processo revolucionário pôs dom João 6o em xeque. Sua permanência no Brasil podia significar a perda do trono. Assim, em abril de 1821, ele embarcou para Lisboa com seu séquito. Em seu lugar deixou o filho Pedro, como príncipe regente. Da tensão entre a regência do príncipe e as pretensões recolonizadoras das Cortes de Lisboa resultaria a Independência do Brasil.

Revolução pernambucana - República em Pernambuco durou 75 dias A Revolução pernambucana de 1817 foi o último movimento de revolta anterior à Independência do Brasil. Mas, diferentemente de todos os outros movimentos sediciosos que eclodiram no período colonial, a Revolução pernambucana conseguiu ultrapassar a fase conspiratória e atingir a etapa do processo revolucionário de tomada do poder. As causas da Revolução pernambucana estão intimamente relacionadas ao estabelecimento e permanência do governo português no Brasil (1808-1821). Quando a Corte portuguesa abandonou Portugal e estabeleceu-se no Brasil, fugindo da invasão napoleônica, adotou uma série de medidas econômicas e comerciais que geraram crescente insatisfação da população colonial. A implantação dos novos órgãos administrativos governamentais e a transmigração da Corte e da família real portuguesa exigiram vultosas somas de recursos financeiros. Para obtê-las, a Coroa lusitana rompeu com o pacto colonial, concedendo inúmeros privilégios à burguesia comercial inglesa, e criou novos impostos e tributos que oneraram as camadas populares e os proprietários rurais brasileiros. Ideais liberais em Pernambuco - Em nenhuma outra região, a impopularidade da Corte portuguesa foi tão intensa quanto em Pernambuco. Outrora um dos mais importantes e prósperos centros da produção açucareira do Nordeste brasileiro, Pernambuco estava atravessando uma grave crise econômica em razão do declínio das exportações do açúcar e do algodão. Além disso, a grande seca de 1816 devastou a agricultura, provocou fome e espalhou a miséria pela região. A insatisfação popular, que já era grande, generalizou-se diante dos pesados tributos e impostos, cobrados pelo governo de dom João. Foi também em Pernambuco, que os princípios de "liberdade, igualdade e fraternidade", que compunham os ideais da Revolução Francesa de 1789, encontraram "solo fértil" para circular e se propagar. Coube as sociedades secretas e ao maçons, a organização de permanentes e acirrados debates sobre as novas doutrinas revolucionárias, com o propósito de avaliar a adequação dessas idéias à situação de crescente insatisfação da população colonial da região do Nordeste brasileiro. Destacaram-se neste trabalho, os padres João Ribeiro e Miguelinho, e os líderes maçons Domingos José Martins e Antônio Cruz. Governo provisório - O movimento de revolta ainda estava em sua fase preparatória, quando o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro tomou conhecimento da conspiração, ordenando, em seguida, a prisão imediata dos envolvidos. Porém, os pernambucanos rebeldes conseguiram resistir ao cerco das tropas militares oficiais. Esse fato é considerado como o estopim da rebelião, que rapidamente ganhou força. Diante disso, o governador fugiu do palácio, mas foi preso pelos rebeldes. Os rebeldes tomaram o palácio e em pouco tempo dominaram Recife. Os líderes da rebelião chegaram a constituir um governo provisório, composto por representantes de várias classes sociais. A partir de então, para consolidar o movimento revolucionário, os rebeldes adotaram uma série de medidas de caráter político e econômico com objetivo de obter o apoio da população e das elites locais. De imediato, o governo provisório ordenou a libertação dos presos políticos, aumentou o soldo dos soldados, aboliu os títulos de nobreza e extinguiu alguns impostos.

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Falta de apoio e repressão - O governo provisório também organizou grupos de emissários, que ficaram encarregados de se dirigirem para as províncias do Norte e Nordeste para desencadear um movimento revolucionário mais amplo. Na Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte, porém, as tentativas malograram diante da repressão desencadeada por forças militares oficiais, e também pela falta de apoio popular. Em Pernambuco, dom João ordenou uma violentíssima repressão militar contra os revolucionários. As tropas oficiais atacaram por terra e mar, cercando o porto de Recife com uma grande esquadra. O governo provisório durou 75 dias, os revolucionários pernambucanos foram derrotados. Os que não morreram em combate foram rapidamente presos. Todos os líderes revolucionários presos acabaram sendo sumariamente condenados à morte, entre eles: Teotônio Jorge, padre Pedro de Souza Tenório, Antônio Henriques e José de Barros Lima. República e revolução - As lideranças do movimento revolucionário tinham como projeto político o estabelecimento de uma República e a elaboração de uma Constituição, norteadas pelos princípios e ideais franceses de igualdade e liberdade para todos. Mas, o ideário republicano dos rebeldes encontrou alguns limites de classe diante da questão do trabalho cativo. Para não perder o apoio dos proprietários de engenho locais, as lideranças do movimento revolucionário não chegaram a propor uma ruptura radical com a escravidão negra. Não obstante, a Revolução pernambucana, apesar do seu fracasso, entrou para a história como o maior movimento revolucionário do período colonial.

Independência do Brasil No dia 7 de setembro de 1822, o príncipe regente dom Pedro, irritado com as exigências da corte, declarou oficialmente a separação política entre a colônia que governava e Portugal. Em outras palavras, ele proclamou a independência do Brasil. Um mês depois, mais precisamente em 12 de outubro de 1822, dom Pedro foi aclamado imperador e, em 1º de dezembro, coroado pelo bispo do Rio de Janeiro, recebendo o título de dom Pedro 1º. Resumidamente, a conquista da independência do nosso país poderia ser contada dessa forma, mas a história não é tão simples assim. Começa realmente com o enfraquecimento do sistema colonial e a chegada da corte portuguesa ao Brasil (1808) e só termina em 1824, com a adoção da primeira Constituição brasileira. Os motivos da separação - Entre os séculos 18 e 19, cresceram no Brasil as pressões externas e internas contra o monopólio comercial português e a cobrança de altos impostos numa época de livre comércio. Diversas revoltas - a exemplo da Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e a Revolta Pernambucana de 1817 -, aliadas à Revolução Francesa e à independência dos Estados Unidos, provocaram o enfraquecimento do colonialismo e reforçaram o liberalismo comercial no Brasil. Em 1808, com a abertura dos portos, o Brasil passou a ter mais liberdade econômica e, com sua elevação à categoria de Reino Unido, deixou de ser, formalmente, uma colônia. Em 1820, a burguesia portuguesa tentou resgatar sua supremacia comercial, promovendo a Revolução Liberal do Porto. No ano seguinte, o parlamento português obrigou dom João 6º a jurar lealdade à Constituição e a voltar para Portugal. Seu filho dom Pedro foi deixado no Brasil, na condição de príncipe regente, para conduzir uma eventual a separação política. O rompimento - As pressões contra o controle de portugal cresceram na colônia, e a metrópole passou a exigir a volta de dom Pedro. O príncipe deu sua resposta a Portugal no dia 9 de janeiro de 1822 (dia do Fico), com a célebre frase "Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, diga ao povo que fico". Iniciou-se um esforço político por parte dos ministros e conselheiros de dom Pedro, pela permanência dos vínculos com Portugal, mantendo um pouco de autonomia para o Brasil. Queriam uma independência sem

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traumas, mas as críticas ao colonialismo ficaram insustentáveis. Dom Pedro, então, se viu pressionado a oficializar o rompimento. Foi assim que, em 3 de junho de 1822, dom Pedro convocou a primeira Assembléia Constituinte brasileira. Em 1º de agosto, declarou inimigas as tropas portuguesas que desembarcassem no Brasil e, dias depois, assinou o Manifesto às Nações Amigas, justificando o rompimento com as cortes de Lisboa e garantindo a independência do país, como reino irmão de Portugal. Em represália, os portugueses anularam a convocação da Assembléia Constituinte brasileira, enviaram tropas à colônia e exigiram o retorno imediato do príncipe regente a Portugal. No dia 7 de setembro de 1822, durante uma visita a São Paulo, nas proximidades do rio Ipiranga, dom Pedro recebeu uma carta com as exigências das cortes e reagiu proclamando a independência do Brasil. Bahia, Maranhão e Pará, que tinham juntas governantes de maioria portuguesa, só reconheceram a independência em meados do ano seguinte, depois de muitos conflitos entre a população e os soldados portugueses. No início de 1823, houve eleições para a Assembléia Constituinte que elaboraria e aprovaria a Carta constitucional do império brasileiro, mas, em virtude de divergências com dom Pedro, a Assembléia logo foi fechada. A 1ª Constituição brasileira foi, então, elaborada pelo Conselho de Estado e outorgada pelo imperador em 25 de março de 1824. Com a Constituição em vigor, a separação entre a colônia e a metrópole foi finalmente concretizada. Mesmo assim, a independência só é reconhecida por Portugal em 1825, com a assinatura do Tratado de Paz e Aliança entre Portugal e Brasil, por dom João 6º. Reconhecimento da independência do Brasil - Dom Pedro 1º negociou com as nações estrangeiras o reconhecimento da independência do Brasil. Os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecê-la oficialmente. Não obstante, a adoção da forma de governo monárquico e as tendências absolutistas do imperador brasileiro gerou resistência ao reconhecimento da independência do Brasil por outros países americanos recém libertos do jugo colonial. Na Europa, por outro lado, as nações conservadoras se opunham ao reconhecimento da independência de qualquer ex-colônia. A Inglaterra, porém, desempenhou um papel de mediadora, nas negociações para o reconhecimento internacional da independência do Brasil. Obteve deste modo, inúmeras vantagens comerciais. Foi por intermédio da Inglaterra que, em 1825, Portugal reconheceu a independência brasileira em troca de uma indenização de dois milhões de libras.