expansÃo urbana em Áreas de mananciais … · 2016-12-31 · formas de apropriação do espaço...

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2537 EXPANSÃO URBANA EM ÁREAS DE MANANCIAIS EM VIÇOSA-MG ANA CRISTINA DE SOUZA MARIA 1 ITALO ITAMAR CAIXEIRO STEPHAN 2 Resumo: Viçosa-MG possui o seu nome evidenciado pela antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária, que nela se inseriu na segunda década do século XX. Desde a sua federalização, em 1969, ocorreram mudanças significativas no espaço urbano da cidade que, hoje, encontra-se em um considerável processo de expansão. O presente artigo aborda uma análise a respeito das novas formas de apropriação do espaço urbano viçosense, uma vez que, há uma tendência de expansão urbana horizontal no município, por meio de parcelamentos irregulares de solo com a construção de loteamentos e condomínios fechados nas franjas urbanas, áreas rurais e áreas de mananciais. O trabalho consistiu na apresentação de um estudo de caso que teve como objetivo compreender as implicações da expansão urbana em direção às áreas de mananciais e explicitar os conflitos de interesse articulados ao processo de conversão da terra rural em urbana. Palavras-chave: Viçosa-MG; expansão urbana; conflitos socioambientais Abstract: Viçosa -MG has its name evidenced by former Superior of Agriculture and Veterinary School , which it was inserted in the second decade of the twentieth century. Since its federalization in 1969 , significant changes in the urban space of the city that today is in a considerable expansion process . This article discusses an analysis about the new forms of appropriation of Viçosa urban space , since there is a tendency of horizontal urban expansion in the city , through soil irregular installments with building closed subdivisions and condominiums in urban fringes , rural areas and watershed areas . The work consisted in presenting a case study aimed to understand the implications of urban expansion toward the watershed areas and explicit conflicts of interest articulated by rural land conversion process in urban . . Key-words: Viçosa-MG; expansão urbana; conflitos socioambientais 1 Introdução Especialistas em diversas áreas alertam para a importância dos recursos hídricos para o desenvolvimento urbano e para a manutenção da vida. A importância da água é cada vez mais difundida na sociedade. Sabe-se que aproximadamente 70% do planeta é constituído de água, em sua maioria salgada, e que somente 2,5% são de água doce. Apesar da abundância, sua distribuição espacial sobre a Terra é bastante irregular. Bacci (2008) afirma que na sociedade atual a água passou a ser vista como recurso hídrico e não mais como um bem natural, disponível para a existência 1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Viçosa. E-mail de contato: [email protected] 2 - Docente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2537

EXPANSÃO URBANA EM ÁREAS DE MANANCIAIS EM VIÇOSA-MG

ANA CRISTINA DE SOUZA MARIA1 ITALO ITAMAR CAIXEIRO STEPHAN2

Resumo: Viçosa-MG possui o seu nome evidenciado pela antiga Escola Superior de Agricultura e

Veterinária, que nela se inseriu na segunda década do século XX. Desde a sua federalização, em 1969, ocorreram mudanças significativas no espaço urbano da cidade que, hoje, encontra-se em um considerável processo de expansão. O presente artigo aborda uma análise a respeito das novas formas de apropriação do espaço urbano viçosense, uma vez que, há uma tendência de expansão urbana horizontal no município, por meio de parcelamentos irregulares de solo com a construção de loteamentos e condomínios fechados nas franjas urbanas, áreas rurais e áreas de mananciais. O trabalho consistiu na apresentação de um estudo de caso que teve como objetivo compreender as implicações da expansão urbana em direção às áreas de mananciais e explicitar os conflitos de interesse articulados ao processo de conversão da terra rural em urbana.

Palavras-chave: Viçosa-MG; expansão urbana; conflitos socioambientais

Abstract: Viçosa -MG has its name evidenced by former Superior of Agriculture and Veterinary School , which it was inserted in the second decade of the twentieth century. Since its federalization in 1969 , significant changes in the urban space of the city that today is in a considerable expansion process . This article discusses an analysis about the new forms of appropriation of Viçosa urban space , since there is a tendency of horizontal urban expansion in the city , through soil irregular installments with building closed subdivisions and condominiums in urban fringes , rural areas and watershed areas . The work consisted in presenting a case study aimed to understand the implications of urban expansion toward the watershed areas and explicit conflicts of interest articulated by rural land conversion process in urban . .

Key-words: Viçosa-MG; expansão urbana; conflitos socioambientais

1 – Introdução

Especialistas em diversas áreas alertam para a importância dos recursos

hídricos para o desenvolvimento urbano e para a manutenção da vida. A importância

da água é cada vez mais difundida na sociedade. Sabe-se que aproximadamente

70% do planeta é constituído de água, em sua maioria salgada, e que somente 2,5%

são de água doce. Apesar da abundância, sua distribuição espacial sobre a Terra é

bastante irregular.

Bacci (2008) afirma que na sociedade atual a água passou a ser vista como

recurso hídrico e não mais como um bem natural, disponível para a existência

1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da

Viçosa. E-mail de contato: [email protected] 2 - Docente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa.

E-mail de contato: [email protected]

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humana e das demais espécies. Segundo a autora, a exploração dos recursos

naturais, dentre eles a água, de forma bastante agressiva e descontrolada, levou a

uma crise socioambiental bastante profunda. Hoje deparamos com uma situação na

qual estamos ameaçados por essa crise, que pode se tornar um dos mais graves

problemas a serem enfrentados neste século.

A relação rural-urbano é um tema recorrente na Geografia e no Planejamento

Urbano, uma vez que a diferenciação e a demarcação dos limites de áreas rurais e

urbanas torna-se cada vez mais complexa a partir da acentuação de relações entre

esses espaços.

O município de Viçosa-MG, com aproximadamente 77.502 habitantes (IBGE,

2014), está localizado a 230 km da capital Belo Horizonte. Viçosa é conhecida por

sediar um fixo de importância nacional, a Universidade Federal de Viçosa. A

presença da UFV no município por sua vez, atrai um constante fluxo de migrantes

que demandam diversos tipos de serviços da cidade, tais como: habitação,

transporte, comércio, lazer etc.

Em 2014 o município enfrentou sérios problemas com relação ao

abastecimento de água. Em virtude da forte estiagem e altas temperaturas, ocorreu

a diminuição do volume dos ribeirões e córregos que abastecem os reservatórios do

município.

Historicamente Viçosa passou por transformações em sua área territorial,

sobretudo a partir da chegada da estrada de ferro e da instalação da antiga Escola

Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV3), esta última ação condicionou o

município a se tornar um pólo educacional de destaque em Minas Gerais, no Brasil e

no mundo.

Viçosa encontra-se, na segunda década do século XXI, em um considerável

processo de expansão, intensificado pelo crescimento da UFV. Esse crescimento é

reflexo da federalização da universidade que ocorreu em 1969.

Com a expansão das atividades da universidade, a cidade atraiu um número

significativo de pessoas. Estes, somados ao contingente de mão-de-obra em busca

de oportunidades de trabalho em obras na cidade e na própria Universidade,

3 Criada pelo Decreto Nº 6.053 de 30 de março de 1922 e inaugurada em 1926.

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influenciaram na constituição de um espaço urbano desordenado. O processo de

urbanização gerou um crescimento econômico significativo, mas acompanhado de

uma dependência econômica quase exclusiva da universidade, das desigualdades

sociais, da exclusão e segregação (RIBEIRO FILHO, 1997).

Segundo Villaça (2012, p. 69) as direções preferenciais da expansão urbana

são um assunto comum a geógrafos, urbanistas e empreendedores imobiliários. É

comum, por exemplo, a ideia de que os planos diretores devem prever as direções

para onde a cidade deve crescer e em função disso devem ser criadas propostas de

ordenamento territorial.

Em Viçosa há um processo, liderado pelo setor da construção civil, de

verticalização na área central e de expansão urbana em áreas não permitidas,

sobretudo nas margens dos cursos d’água, nas regiões das nascentes dos córregos

que alimentam os ribeirões e que, por sua vez, forcem água para a cidade e em

áreas não incorporadas ao tecido urbano, como é o caso do projeto de expansão em

direção as áreas da bacia do ribeirão São Bartolomeu e da construção de

loteamentos e condomínios fechados próximos ao Rio Turvo Sujo. Estas expansões

poderão comprometer o potencial hídrico das bacias.

O aumento populacional e a conseqüente influência para a urbanização de

novas áreas são fenômenos sociais de difícil controle, todavia, a sociedade deve

estar consciente de que estas expansões não podem afetar as fontes de oferta de

água, pois sem elas não existirá futuro para novas ocupações.

Este artigo se propõe a estudar os conflitos de interesse que se articulam no

processo de expansão urbana nas áreas de mananciais de Viçosa, que opõem

atores distintos como grupos sociais, mercado, proprietários imobiliários e fundiários.

Desde o primeiro Plano Diretor, de 2000, já se previa através do Código de

Meio Ambiente, Lei Municipal nº 1.523/2002, em seu Art. 21 inciso V, que áreas de

nascentes e bacias de captação de mananciais de abastecimento de água, bem

como os corpos de água superficiais ou subterrâneos, reconhecidos e

regulamentados por ato do Poder Público Municipal, são Espaços Territoriais

Especialmente Protegidos, assim, não devem receber adensamento populacional.

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2 – Caracterização do espaço urbano viçosense

O Censo de 2010 apontou que 72.220 residiam no município. Segundo dados

divulgados pelo IBGE em agosto de 2013, Viçosa possuía população estimada em

76.747 pessoas. A diferença representou um acréscimo de 5,8% com 4.527 novos

moradores. Este número não inclui a população flutuante do município, formada

basicamente por estudantes universitários, com número estimado em cerca de 20

mil pessoas (CENSUS, 2014). A cidade é a 5ª mais populosa da Zona da Mata,

atrás apenas de Juiz de Fora, Ubá, Muriaé e Manhuaçu.

Os dados da tabela 1 mostram que, desde a década de 1970, existe um

aumento significativo da população urbana de Viçosa ao mesmo tempo em que

evidenciam o declínio do número de habitantes da área rural.

O instituto Census4 (2014) destaca a passagem da população antes

predominantemente rural para urbana. A população viçosense triplicou nos últimos

quarenta e quatro anos, passando de 25.784 habitantes em 1970 para 77.502 em

2014. Esse crescimento populacional foi acompanhado por um significativo processo

de urbanização que, em Viçosa, fez com que a população urbana passasse de

65,9% do total em 1970, para 93,2% em 2010 e resultou na redução da participação

da população rural de 34,07 % em 1970, para 6,80% em 2014 (Tabela 1).

Tabela 1 - Evolução da População Urbana e Rural – Período 1970 a 2014 –

Viçosa, MG.

ANOS

POPULAÇÃO

URBANA RURAL TOTAL

ABSOLUTA % ABSOLUTA % ABSOLUTA %

1970 17.000 65,93 8.784 34,07 25.784 100,00

1980 31.179 80,60 7.507 19,40 38.686 100,00

1991 46.456 89,93 5.202 10,07 51.658 100,00

2000 59.792 92,19 5.062 7,81 64.854 100,00

2010 67.305 93,19 4.915 6,81 72.220 100,00

2014 72.231 93,20 5.271 6,80 77.502 100,00 Fonte: Adaptado de CENSUS (2014) – Retrato Social de Viçosa V.

O município vive em função da universidade. A economia local, baseada no

setor de serviços, é dependente da população flutuante. São vários os

4 Centro de Promoção do Desenvolvimento Sustentável, fundado em 2000. Organização não

Governamental dedicada a estudos, formação e assessoria nas áreas social, urbanística, ambiental e de gestão pública.

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empreendimentos na área de prestação de serviços criados para atender a

demanda proveniente dos estudantes, servidores e professores da UFV. Com

destaque para a indústria da construção civil, cujo crescimento impulsionado pela

expansão da universidade, produz impacto em todos os setores da economia

(CENSUS, 2014).

Viçosa também se destaca entre as demais cidades da microrregião,

atendendo uma demanda de quase 200 mil habitantes que utilizam serviços de

saúde, educação e comércio (CENSUS, 2014). As cidades da microrregião são, em

grande maioria, pequenas. Viçosa conta com uma significativa diversidade de

estabelecimentos comerciais. Entre 2013 e 2015 franquias renomadas5 se

instalaram na cidade. Em virtude desta diversidade de papéis desempenhados a

cidade caminha para o limiar de uma cidade média, influenciando não apenas em

âmbito local, mas a nível regional.

Nos últimos anos Viçosa experimentou um acentuado crescimento

proporcionado por ações de expansão e criação de novos cursos na UFV,

empreendidas através da política expansionista do REUNI6. O programa, que tem

como objetivos ampliar as condições de acesso e permanência na educação

superior foi implantado na universidade a partir do ano 2007 e atendendo a uma de

suas ações de suas ações, nove cursos de graduação7 e vários novos cursos de

pós-graduação, mestrado e doutorado foram criados. Desde então, proprietários

fundiários e imobiliários reforçaram o domínio econômico no município, especulando

sobre a terra existente e investindo em terrenos para demandas futuras. Neste

período, intensificou-se a construção de novos edifícios no centro para atender à

demanda da UFV.

Em abril de 2011 foi inaugurado o Parque Tecnológico de Viçosa - TecnoParq

– uma das unidades do CenTev8, uma parceria entre UFV, Governo de Minas e

Prefeitura Municipal. O Parque Tecnológico de Viçosa foi o primeiro parque

5 Franquias como: Eletrozema, Magazine Luíza, Lojas Americanas, Cacau Show, Carmen Stefens,

Contém 1g, Chili Beans, Subway. 6 Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Criado

pelo Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007. 7 Engenharias: Mecânica e Química (2007), Licenciaturas noturnas em Matemática, Física, Química,

Ciências Biológicas e Ciências Sociais (2009), Enfermagem (2009) e Medicina (2010). 8 Centro Tecnológico do Desenvolvimento Regional de Viçosa.

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tecnológico de Minas Gerais a entrar em operação e está localizado junto à BR 120,

nas instalações revitalizadas e ampliadas do antigo Patronato Agrícola Arthur

Bernardes.

3- As direções da expansão urbana em Viçosa

Parte-se do principio de que, em Viçosa, existem parcelamentos irregulares

de solo para construção de condomínios fechados próximos as áreas de

mananciais. Considerando-se a importância da água para a existência da vida,

tendo em vista o longo período de estiagem e os problemas com relação ao

abastecimento de água enfrentado pelo município, o aumento populacional, a

necessidade de melhoria das redes de captação e tratamento de água; é necessário

refletir a respeito das implicações da expansão urbana nas áreas de mananciais.

Melazzo (2001) afirma que “o processo de produção de novos terrenos

urbanos passa cada vez mais pelas mãos de segmentos capitalistas que buscam a

transformação do uso do solo como instrumento de valorização de seus capitais”.

O processo de produção do espaço está centrado na reprodução das

relações sociais e se produz com lutas na sociedade. Assim, a cidade não deve ser

vista apenas como forma, mas sim como produto da dinâmica humana que surge a

partir de uma relação homem-natureza. Portanto, esses dois elementos não podem

ser vistos desvinculadamente, pois, a cada estágio de desenvolvimento da

sociedade tem-se um estágio de desenvolvimento da reprodução do espaço

(CARLOS 1997; ROLNIK, 1995).

A cidade é produzida por diferentes agentes sociais: os proprietários dos

meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado

e, completando o grupo, os elos mais vulneráveis representados pelos grupos

sociais excluídos. O desequilíbrio de forças entre esses atores causa distorções

perceptíveis no espaço urbano. O advento do Estatuto da Cidade, Lei nº

10.257/2001, determinou o Plano Diretor como instrumento básico de ordenamento

do território municipal. Mesmo após uma série de avanços na cultura do

planejamento, o maior desafio ainda é reverter a forma excludente com que as

cidades são produzidas (CORREA, 2000; MOURA FILHO, 2010).

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O mercado imobiliário configura-se como um agente social central na

modificação do espaço urbano. Os diferentes setores capitalistas que necessitam da

terra para o desenvolvimento de suas atividades e que valorizam seus capitais pela

utilização e transformação do solo são os principais responsáveis pela configuração

socioespacial da cidade, bem como pela formação dos preços fundiários. “O

controle e regulação da terra urbana é exercido de forma bastante precária em

relação ao dinamismo que caracteriza o crescimento das cidades brasileiras,

priorizando a elevação de seu preço e a configuração de estoques especulativos”.

Em suma, a valorização da terra é condicionada pela sua localização e, à medida

que a terra torna-se uma raridade, a transformação de área rural em perímetro

urbano implica em imediata valorização do espaço urbano. (CORRÊA, 2000;

CASTRIOTA, 2003).

Com relação às estratégias do mercado, este busca distinção socioespacial,

por meio do isolamento em loteamentos distantes, muitas vezes condomínios

fechados. Nestas áreas, geralmente existe pouca ou nenhuma resistência à

mudança de uso rural para urbano, face à alta rentabilidade da implantação de

preços urbanos quando concorre com os rurais; e expectativa de grande

rentabilidade, o que aponta para a facilidade de opção pela mudança de uso

(Santoro & Bonduki, 2009).

Santoro (2014, p.178) chama atenção para a forma como a dinâmica

imobiliária se expressa na cidade:

A produção de loteamentos periféricos freqüentemente configura o crescimento urbano, e ampliar este mercado imobiliário envolve, portanto: disponibilizar terras através de ações públicas como aumento do perímetro urbanizável; manter as políticas e planos que, por muito tempo, evitaram tratar do tema da expansão urbana ou regular o crescimento urbano horizontal; liberar áreas que eram objeto de restrições à ocupação ou ao adensamento, como é o caso de áreas com restrições ambientais.

Para as prefeituras, a expansão do perímetro urbano representa a

possibilidade de cobrar o IPTU, a necessidade de extensão de serviços urbanos e a

construção e manutenção de novos equipamentos (SANTORO, 2010). Como bem

aponta a autora, as dinâmicas de produção de novos parcelamentos seguem a

lógica do mercado fundiário e imobiliário, fortemente especulativo, uma vez que,

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quase nunca novos parcelamentos periféricos estão vinculados à escassez de

imóveis urbanos, sendo comum verificar municípios onde há milhares de lotes

vazios ao mesmo tempo em que a implantação de novos loteamentos é intensa.

A cidade de Viçosa reflete a atuação do capital, que mantém à distância as

pessoas e as coisas indesejáveis: bairros afastados para habitação de baixa renda,

ao mesmo tempo em que se aproxima de pessoas e coisas desejáveis: estudantes,

professores e o campus da Universidade Federal de Viçosa, cujo entorno é marcado

pela existência de condomínios residenciais fechados. São os enclaves fortificados

que, na ótica de Caldeira (2000), representam o novo padrão de segregação

espacial, onde os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão

separados por muros e tecnologias de segurança e tendem a não interagir em áreas

comuns.

A expansão dos condomínios fechados nas cidades brasileiras está inserida

em um processo de forte valorização fundiária e promoção imobiliária, envolvendo

maior escala de investimentos, espaços e grupos sociais de alta renda. A atuação

do mercado imobiliário se faz de modo desigual e combinado, reforçando a

segregação, característica da sociedade capitalista. Corrêa (2011, p.26) aborda a

questão da segregação residencial e sua exacerbação através dos condomínios

fechados:

Estes se tornaram um dos meios pelos quais diversos capitais se reproduzem amplamente. Por outro lado, significam a mobilização de outros capitais envolvidos em operações necessárias para o sucesso de empreendimentos para grupos sociais dotados de prestigio e poder envolvendo outros agentes, da produção do espaço, como empreiteiras e o próprio Estado. Os condomínios estão localizados ao longo de setores privilegiados, do ponto de vista da natureza e das amenidades socialmente construídas.

Um dos objetivos fundamentais do planejamento estabelecidos pelo Estatuto

da Cidade, no que tange à ocupação de vazios urbanos, é que a cidade cresça para

dentro, ou seja, que se aperfeiçoe o uso dos equipamentos que compõem a infra-

estrutura urbana, evitando-se assim, a supressão de vegetação para uso do solo

(MOURA FILHO, 2010).

Entretanto, na ótica de Santoro e Bonduki (2009), com causas mais

complexas e diferenciadas, os processos de expansão urbana continuam intensos,

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com freqüentes processos de espraiamento, sinalizando um processo de expansão

física contínua das áreas urbanas que se dá sobre o que aqui está se chamando de

“periurbano” também denominado por outros autores transição rural-urbano.

Na visão de Marques (2002 p. 97), “o rural, assim como o urbano, é definido

pelo arbítrio dos poderes municipais, o que, muitas vezes, é influenciado por seus

interesses fiscais”. Existe a noção equivocada de que o município não tem

competência para atuar dentro de suas áreas rurais. De acordo com Santoro (2004),

o município tem competência para legislar sobre uso, ocupação e parcelamento do

solo de todo o seu território, com base no artigo 30 inciso VIII da Constituição

Federal.

Art. 30. Compete aos Municípios: VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (BRASIL, 1988).

Através do Plano Diretor, o município deve disciplinar o parcelamento do solo,

de modo a definir os critérios para a implantação de empreendimentos imobiliários.

O Estatuto da Cidade, de acordo com o § 2º do art. 40, o Plano Diretor deverá

englobar o território do município em sua totalidade. De acordo com essa norma, o

Plano Diretor deve abranger tanto a zona urbana como a zona rural do município

para promover seu ordenamento (SANTORO et al, 2004). Nakano (2004, p.34)

comenta a respeito da obrigatoriedade dos municípios em disciplinar as formas de

uso ocupação do solo como um todo:

O município tem a responsabilidade constitucional de legislar sobre assuntos de interesse local. A regulação das formas de uso, ocupação e parcelamento do solo no território municipal é, inegavelmente, de interesse local. Portanto o município deve tomar para si a responsabilidade de exercer essa regulação.

Ademais, segundo o autor, a regulação das ocupações na zona rural podem

se ocorrer independentemente do Plano Diretor. A regulação deve ser bem criteriosa

e impedir o surgimento de novas ocupações.

[...] é importante que o poder público use o seu poder de polícia, para fiscalizar e controlar os loteamentos e condomínios clandestinos e irregulares localizados nas zonas rurais, interditando, embargando e até demolindo novos núcleos. Entretanto, o exercício do poder de polícia da administração não pode ser uma ação isolada, deve ser articulado, num conjunto de estratégias para democratizar e ampliar o

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acesso a terra urbana, em áreas adequadas. Este exercício não deve visar simplesmente a proteger a propriedade: o principal objetivo é garantir que a propriedade cumpra sua função social (NAKANO, 2004 p.34).

Pelo exposto, e considerando-se o município de Viçosa hoje, o principal

desafio é disciplinar o uso, a ocupação e o parcelamento de seus territórios

periurbanos e rurais, o que ocorre sem qualquer controle e intervenção dos órgãos

competentes. Torna-se necessário repensar o papel da atuação da gestão pública

sobre a expansão urbana da cidade. Segundo Saule Jr. (2004, p.52), o município,

tendo como base o Plano Diretor, deve disciplinar o território rural:

[...] o município vai tratar de assuntos daquela comunidade, isso reforça a legitimidade que os habitantes da cidade têm para determinar e definir quais os rumos do desenvolvimento do seu território, quais são as atividades que têm que ser predominantes. Isso faz parte dos princípios constitucionais que são o exercício dos direitos, civis, da cidadania e da soberania popular.

4. Considerações Finais

O município de Viçosa não é diferente de outros municípios que sofrem com

problemas referentes à expansão urbana sobre áreas ambientalmente fragilizadas.

A preocupação em ocupar os vazios urbanos da cidade deveria ser colocada em

discussão, por meio da utilização dos instrumentos do Estatuto da Cidade: tais como

Construção, parcelamento e Utilização compulsórios, IPTU Progressivo no tempo,

Direito de Preempção, Estudo de Impacto de Vizinhança / Estudo de Impacto

Ambiental, Zonas de Especial Interesse Social, Regularização fundiária; antes de se

estender o perímetro urbano sobre as áreas rurais.

A administração do Município, com o apoio da União e Estado e a

participação organizada da sociedade civil, é responsável pelos destinos da cidade.

Observa-se em Viçosa uma falta de vontade política do município em formular sua

própria política para a zona rural, a defasagem do plano diretor constata isso. No

âmbito do planejamento, os problemas e interesses de todos devem ser

considerados por meio de uma gestão mais participativa.

É necessário que o município possua um sistema de planejamento urbano

efetivo, composto de um órgão municipal destinado a esse fim, aliado à aplicação do

plano diretor e necessariamente dotado de capacidade de fiscalização e aplicação

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das sanções cabíveis. Os resultados apontam que é necessário considerar o

impacto que estes novos empreendimentos imobiliários trarão ao município,

sobretudo no que tange a expansão em direção às áreas de mananciais,.

A situação exposta neste trabalho deixa um alerta para os que se interessam

pela cidade. Os constantes parcelamentos de solo não podem continuar sendo

realizados sem qualquer controle, como exposto neste artigo. Faz-se necessário a

intervenção do Estado, na figura do Instituto Estadual de Florestas, Ministério

Público, Prefeitura Municipal.

A expansão urbana sobre uma área de mananciais pode contribuir para

agravar os problemas referentes ao abastecimento de água da cidade, como um

todo. É válido pensar no impacto dessa expansão em direção às áreas rurais. A

cidade se expande horizontalmente e os vazios urbanos existentes na cidade são

deixados para trás, para fins especulativos, caracterizando um crescimento

insustentável.

5. Referências Bibliográficas BACCI, de L. C. PATACA, E. M. Educação para a água. Dossiê água. Estudos avançados. Vol. 22 nº 63. São Paulo, 2008. ISSN 1806-9592 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. BRASIL. Lei n.10.257, de 2001. Estatuto da Cidade. Diário Oficial da União, Brasília, 10.07.2001. CALDEIRA, T. P. do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34; Edusp, 2000. CARLOS, A. F. A. A Cidade. 3ª. Ed. São Paulo: Contexto, 1997. CASTRIOTA, L. B. Urbanização Brasileira: Redescobertas. Belo Horizonte. Ed: Arte. 2003. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 4ª. Edição. São Paulo: Ática, 2000. CORRÊA, R. L. Perspectivas da urbanização brasileira – uma visão geográfica para o futuro próximo. In PEREIRA, E. M. DIAS, L. C. D. (Org.). As cidades e a urbanização no Brasil. Florianópolis. Ed: Insular. 2011. LEI N° 1.523/2002 Institui o Código de Meio Ambiente para o Município de Viçosa e dá outras providências. Viçosa, 2002.

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