exercício 5
TRANSCRIPT
PORTEFÓLIO REFLEXIVO DE APRENDIZAGEM
ESCOLA PROFISSIONAL DA RIBEIRA GRANDE Página 1
REDE VALORIZAR
PORTEFÓLIO REFLEXIVO DE APRENDIZAGEM Curso Programador de Informática
Vera Cymbron
08-01-2013
Curso realizado de 03-09-2012 a 07-2013
PORTEFÓLIO REFLEXIVO DE APRENDIZAGEM
Curso Programador de Informática
UFCD FALTAS PRESENÇAS CLASSIFICAÇÃO
PORTEFÓLIO REFLEXIVO DE APRENDIZAGEM
Curso Programador de Informática
Humor é a capacidade de rir e de fazer rir.
PORTEFÓLIO REFLEXIVO DE APRENDIZAGEM
ESCOLA PROFISSIONAL DA RIBEIRA GRANDE Página 4
«Pensava que isto fosse uma crónica mas não
é, agora vou escrever outra coisa que se
resume numa frase apenas e a frase consiste
no seguinte: tenho saudades de uma porção de
pessoas, algumas que já morreram e outras
acho que ainda não e digo acho porque não
sei delas há um ror de tempo. Se calhar
continuam por aí conforme continuo por aqui,
sabe Deus como e, se Deus não sabe, quem
sou eu para saber, a gente pensa que Deus
conhece tudo e se calhar não, com a idade que
tem não admira, há lembranças que escapam a
uma criatura nova, quanto mais. Gosto de
imaginar Deus parecido connosco, ensinaram-
me que fomos feitos à Sua imagem e
semelhança, os Livros Sagrados garantem
isso com firmeza e, se queremos ser bons
cristãos, devemos acreditar, eu por mim
custa-me um bocadinho mas acredito, só não
Lhe entendo a barba mas enfim, nem o
trabalhão que deve dar pentear aquilo e andar
com um triângulo atrás da cabeça, estou
mesmo parvo hoje. Estou parvo muitas vezes
mas hoje nem se fala, se calhar vou ao centro
comercial mais logo arejar as ideias, como
jura um amigo meu passar a vida em casa não
melhora a saúde, qualquer dia ficas todo
paralisado, nem consegues andar. Ele anda
que se desunha, uma hora todas as manhãs, de
maneira que não tem barriga. Puxou a
camisola para cima a fim de eu ver e
realmente barriga nicles, lisinho. E rapa os
pêlos do corpo por achar que as mulheres
preferem assim, a época dos gorilas já lá vai e
a gente tem de fazer o que as mulheres
gostam senão nem uma gorda desdentada cai
na rede, tão certo como eu me chamar Tal e
Tal, não vou meter aqui o nome, não desejo
irritar ninguém nem que ameacem bater-me
ou amuem comigo, fico sempre aflito quando
amuam comigo, começo logo desculpa lá,
desculpa lá, até que desculpam, está bem,
pronto, não chateies, e então deixo de ficar de
joelhos e levanto-me e tento beijá-los de
gratidão e eles não consentem, julgas que sou
algum maricas. A sério que pensava que isto
fosse uma crónica e é só eu a passar a mão no
piano das palavras, a ver, embora não veja por
aí além. Passar a mão no piano das palavras
quando aquilo que devia era estar a tocar mas,
para isso, tenho, primeiro, de aquecer os
dedos, não se toca uma coisa de jeito a frio.
Onde é que eu ia? Julgo que me desviei, não
há crise, vai-se juntando o que aparece e
depois arruma-se, o problema está em não
aparecer nada, volta atrás, recomeça, talvez
consigas, não acredito que aconteça mas
tenta, quem não arriscou não perdeu nem
ganhou, ninguém te vai matar por causa disso,
sucede aos melhores, não te preocupes, nem
sequer és mau rapaz e os outros
compreendem, só tu não compreendes nada,
saíste-me cá um saloio, evapora-te. Eu
mandei evapora-te, estás à espera de quê,
quem não te conhecer pensa que és surdo. O
azar que eu tive em enfiarem-me no teu, se
assim me posso exprimir, corpo, nesse saco
de batatas horrível com uma cabecinha idiota
em cima, mãos aselhas e quanto aos pés o
melhor é nem falar, imagem e semelhança de
Deus no teu caso uma ova, eu pensava que
isto fosse crónica mas não é, depois deste
texto ninguém torna a ler-te, o director da
revista, que é educado, chama-te a declarar
tenha paciência mas você secou e tem razão,
sequei, perdoe, e ele eu por mim perdoo quem
não vai perdoar é a administração, que
administração atura o que você nos entrega,
dantes dava-nos uns textos mais ou menos e
agora repare só nesta bodega e eu reparo, de
facto passei-lhe uma bodega, não sei como
me aguento sem o dinheiro que me punham
na conta mas haja saúde, os dólares não são
tudo na vida, e o director pois não, o amor são
os outros cinco por cento como explicava
Elisabeth Taylor que, infelizmente, a morte
roubou à nossa companhia. E estamos a falar
de um director simpático, o que faria outro
qualquer no lugar deste? E, no entanto,
palavra de honra que pensava que isto fosse
uma crónica mas olhe, entendo as suas razões,
quem fala assim não é gago, é a falar que a
gente resolve os assuntos, não é à porrada, à
porrada não se consegue seja o que for, e o
director ora aí está uma grande verdade, e eu
não há verdade que não seja grande, só a
mentira é pequena, e o director ora vê, quando
você se esforça até despeja frases verdadeiras,
que pena não se esforçar mais vezes, costumo
explicar aos meus jornalistas que se você se
PORTEFÓLIO REFLEXIVO DE APRENDIZAGEM
Curso Programador de Informática
esforça a gente, com um bocadinho de boa
vontade, quase o aceita, não aceitamos tudo,
claro, uma frase aqui e outra ali, você nem é
mau sujeito, só me dá pena que seja incapaz e
de intenções generosas está o inferno cheio, e
eu não é por muito madrugar que amanhece
mais cedo, e o director, naturalmente, grão a
grão enche a galinha o papo, e eu, a despedir-
me, ao menino e ao borracho pôs-lhe Deus a
mão por baixo e com este raciocínio nos
despedimos, comovidos, um do outro. De
porta já fechada ainda escuto de Espanha nem
bom vento nem bom casamento, que percebo
ser uma frase que encerra, com mágoa, uma
relação de anos. Se eu juntasse quem não quer
ser lobo não lhe veste a pele ou, mesmo, só se
lembram de Santa Bárbara quando troveja,
não fazia mais do que dar-lhe razão e talvez
devesse ter acrescentado, por consideração e
estima. À saída lembrei-me que o cão é o
melhor amigo do homem porém de que me
servia isso já? Nem vão-se os anéis fiquem os
dedos me auxiliaria. De qualquer das
maneiras, como declaram os Secretários de
Estado, juro que pensava que isto fosse uma
crónica conforme juro que tenho saudades de
uma porção de pessoas. De modo que ao
chegar a casa, benvindo seja quem vier por
bem, sento-me não numa cadeira, a um canto
da sala, de joelhos na boca, não acendo luz
nenhuma e fico assim, no escuro, muito
caladinho, até a minha mãe perguntar não te
esqueceste de lavar os dentes antes de te
deitares e eu me olhar no espelho da casa de
banho, besuntado de pasta, até a minha
imagem me sorrir. »
Crónica de Lobo Antunes na Visão