execuÇÃo fiscal das dÍvidas oriundas do crÉdito...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO MONOGRAFIA JURÍDICA PROJETO DE LEI 3.500/2008: A COBRANÇA POR EXECUÇÃO FISCAL DAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO CRÉDITO RURAL ORIENTANDA: LARA CARNEIRO COSTA ORIENTADORA: PROFª. TATIANA SANTANA CUNHA GOIÂNIA 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO

MONOGRAFIA JURÍDICA

PROJETO DE LEI 3.500/2008: A COBRANÇA POR

EXECUÇÃO FISCAL DAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO

CRÉDITO RURAL

ORIENTANDA: LARA CARNEIRO COSTA

ORIENTADORA: PROFª. TATIANA SANTANA CUNHA

GOIÂNIA

2013

ORIENTANDA: LARA CARNEIRO COSTA

PROJETO DE LEI 3.500/2008: A COBRANÇA POR

EXECUÇÃO FISCAL DAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO CRÉDITO

RURAL

Monografia Jurídica apresentada à disciplina de Trabalho de Curso II, do Departamento de Ciências Jurídicas, curso de bacharel em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC–GOIÁS Orientadora: Prof.ª Tatiana Santana Cunha

GOIÂNIA

2013

LARA CARNEIRO COSTA

PROJETO DE LEI 3.500/2008: A COBRANÇA POR EXECUÇÃO

FISCAL DAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO CRÉDITO RURAL

Data da Defesa: ___ de _____________ de 2013

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________

Orientadora: Prof.ª Tatiana Santana Cunha nota:

______________________________________________________________

Examinadora Convidada: Prof.ª Maria Cecília Gonçalves Kayal nota:

Aos meus pais, Carla Maria Santos Carneiro e João Domingos da

Costa Filho, e aos meus irmãos, Thaís Carneiro Costa e Leandro

Marmo Carneiro Costa, dedico este trabalho na esperança de poder

merecer o sentimento de orgulho pelo esforço alcançado.

5

À Deus, por permitir a jornada de estudos.

À Professora Tatiana Santana Cunha, pela experiência

paciência e dedicação, fatores essenciais que motivaram a

conclusão do trabalho e que sem eles, não conseguiria chegar

ao fim.

A todos aqueles que, de uma ou outra forma, caminharam

comigo, transmitindo-me serenidade e concedendo-me o apoio

da amizade, imprescindível no convívio acadêmico.

6

RESUMO

O presente estudo pretende fazer um apontamento crítico da cessão de crédito das dívidas rurais, das instituições financeiras para a União, autorizadas pela Medida Provisória n. 2.196-3, de 2001. A transferência é entendida por muitos, como fator de transformação da natureza do crédito, alterando seu prazo prescricional e sua forma de cobrança que se tornou mais rígida. Esta, por sua vez, é o foco da análise desta monografia, posto existir o Projeto de Lei n. 3.500/2008, que visa coibir esta prática, regulamentando sua cobrança exclusivamente por execução civil. Dentro dessa perspectiva de análise, este estudo procurou analisar os julgados pertinentes ao tema, mostrando as divergências, e o entendimento. Com essas informações, observou-se que apesar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter sedimentado o entendimento quanto à possibilidade de utilizar a execução fiscal, há perspectiva da alteração do cenário jurídico com a aprovação do Projeto de Lei. Palavras-chave: Crédito rural. Execução fiscal. Cessão de crédito.

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ABSTRACT

This study aims to make an appointment critic of credit assignment of debts rural financial institutions for the Union, authorized by Provisional. 2196-3, 2001. The transfer is seen by many as a factor in changing the nature of credit, changing its statute of limitations and its way of collecting that has become more rigid. This, in turn, is the focus of analysis in this thesis, since there is a Bill no. 3.500/2008, which aims to curb this practice, regulating its collection exclusively for civil enforcement. Within this framework of analysis, this study sought to observe the trial relevant to the topic, showing divergences of understanding that have been spoken and exposing the prevailing understanding current. With this information, it was observed that despite being the orientation of the Superior Court of Justice (STJ) and the possibility of using tax enforcement, no prospect of changing the legal scene with the adoption of the Draft Law. Keywords: Rural credit. Tax enforcement. Credit assignment.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................8

CAPÍTULO I - HISTÓRICO.....................................................................10

1.1 BREVE ANÁLISE DO CRÉDITO RURAL NO BRASIL...................................10

1.2 DA ORIGEM DO CRÉDITO EXIGIDO PELA UNIÃO NAS AÇÕES DE

EXECUÇÃO FISCAL.......................................................................................13

CAPÍTULO II – DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA

(CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL...................................................19

2.1 DA MEDIA PROVISÓRIA N. 2.196-3 – AUTORIZAÇÃO PARA CESSÃO DO

CRÉDITO...................................................................................................................19

2.2 DA ALTERAÇÃO DA NATUREZA DO CRÉDITO...............................................20

2.3 DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA)...............................21

2.4 DA ALTERAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL...............................................24

CAPÍTULO III – DA EXECUÇÃO FISCAL DA CERTIDÃO DE DÍVIDA

ATIVA (CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL E O PROJETO DE LEI

N. 3.200/2008: ASPECTOS POLÊMICOS.............................................27

3.1 DO EQUIVOCADO ENTENDIMENTO PACIFICADO PELOS TRIBUNAIS.........27

3.2 DO PROJETO DE LEI N. 3.200/2008..................................................................33

CONCLUSÃO.........................................................................................37

REFERÊNCIAS......................................................................................38

ANEXOS..............................................................................................

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar o posicionamento dos Tribunais e o

Projeto de Lei n. 3.500/2008, quanto à cobrança por via de execução fiscal, dos

créditos rurais oriundos da cessão de crédito dos bancos para a União.

O crédito rural foi implantado com o objetivo de apoiar as práticas

agrícolas, quer servem com base da economia brasileira. Como pioneira e principal

instituição, destaca-se o Banco do Brasil, que teve prioridade na permissão para

disponibilizar este crédito.

Esses financiamentos foram feitos por meio de cédulas de produtor

rural, título de crédito utilizado pelos bancos para liberar os valores aos

agropecuaristas, regida por leis especiais, e passíveis de cobrança por execução

cível.

Na década de 90, as crises financeiras e a quebra de safra,

aumentaram o inadimplemento entre os agropecuaristas, fazendo com que o

governo intervisse na economia. Para tanto, foi feita uma renegociação do crédito.

Esse processo que foi chamado de Securitização alongou as dívidas

em até 20 anos. Posteriormente, foi editada a Medida Provisória n. N. 2.196-3 que

autorizou a cessão de crédito dos bancos, para a União.

Desta forma, os bancos não teriam que arcar com o custo do não

pagamento das dívidas, e as mesmas foram inscritas como dívida ativa da União.

A partir desse momento, a relação que até então era entre particulares,

adotou status de uma dívida não tributária, em alguns casos com o prazo

prescricional alterado, e tendo agora, maior rigidez na sua forma de cobrança.

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Causando prejuízos e dificultando a resolução dos contratos por parte

dos devedores.

E assim, como uma possível solução para o caso, o projeto de Lei

3.500/2008, apresentado com o intuito de alterar a Lei 6.830, deixando claro, a

impossibilidade de se utilizar a execução fiscal, para o recebimento do crédito rural.

Com base na descrição do tema, pretende-se realizar uma abordagem

legal, doutrinária e jurisprudencial, apontando a problemática que envolve a

utilização da execução fiscal para a cobrança desses créditos.

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CAPÍTULO I – HISTÓRICO

1.1 – BREVE ANÁLISE DO CRÉDITO RURAL NO BRASIL

Desde os tempos mais remotos, a atividade agrária é utilizada como

meio de subsistência de muitas famílias. Aqueles que conseguem se desenvolver

tornam-se grandes produtores que, além de custearem a sobrevivência, aquecem a

economia. Ocorre que para iniciar este desenvolvimento foi necessário investimento

do governo, disponibilizando linhas especiais de crédito para alavancar a produção.

O crédito rural é um financiamento destinado a produtores,

cooperativas ou associações de produtores rurais. Seu objetivo é estimular os

investimentos e ajudar no custeio da produção e comercialização de produtos

agropecuários.

Antes da instituição da Reforma Agrária pelo Estatuto da Terra

(BRASIL, 1964), não existia previsão de títulos de crédito rurais, todas as operações

negociais e creditícias eram realizadas na forma do Código Civil de 1916 e o Código

Comercial de 1850.

O Estatuto da Terra cuidou em definir o que chamou de Política

Agrária, conforme consta no parágrafo 2º do art. 1º, com a seguinte redação:

Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do País (BRASIL, 1964).

A política agrária é caracterizada fundamentalmente por princípios,

planejados e executados pelo Poder Público tendo em vista o interesse social, como

afirma Benedito Ferreira Marques (Direito Agrário Brasileiro, 2001, p.153), sobre o

crédito rural:

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Tão importante é a sua função, que se pode dizer, sem receios da crítica especializada, que ele está para a política agrícola, como a Função Social está para o Direito Agrário. [...] (...) Isso significa que a política agrária é atribuição do Poder Público, ao qual compete planejar o futuro no setor agropecuário, propiciando ao produtor o crédito suficiente e oportuno.

O renomado doutrinador acima citado, Benedito Ferreira Marques,

aduz ainda que sem o crédito rural não se pode falar em assistência técnica ou

outras ferramentas para o produtor rural, já que “tudo gira em volta do crédito rural”.

Sendo assim, vê-se o caráter essencial desse instituto para o desenvolvimento das

atividades no campo (MARQUES, 2001).

O marco inicial do crédito rural se deu com a Lei n. 454 de 1937, que

autorizou o Poder Executivo a conceder ao Banco do Brasil a permissão para

prestar assistência financeira à agricultura, à criação e às indústrias.

O doutrinador Benedito Ferreira Marques assim prossegue dispondo

que:

A alvissareira “Lei institucionalizadora do Crédito Rural”, que se constitui num marco histórico para essa linha especializada de crédito. Não se pode abstrair o papel que desempenharam várias leis editadas ao longo do tempo, destacando- se a Lei. 492 de 30 de agosto de 1937, que deu nova regulamentação ao Penhor Rural, e o Decreto n. 22. 626 de 7 de abril de 1933 (Lei de Usura), que fixou a taxa de juros para 6% a.a, nos empréstimos de natureza agrícola. Também não se pode olvidar o papel conscientizador desempenhado pela MOVEC (Unidade de Crédito Móvel) concebida pelo Governo Jânio Quadros, (...) programa que atingiu as camadas mais distantes do País. O que causou imenso prejuízo, visto que os empréstimos eram feitos sem burocracia e levados os recursos a produtores que não dispunham de conhecimento (MARQUES, 2001,p. 44)

Logo após o Estatuto da Terra, surgiu o Sistema Nacional de Crédito

criado pela Lei n. 4.595, de 1964 e pela Lei n. 4.829, de 1965 (BRASIL, 1965) que

institucionalizou o crédito rural. Posteriormente, foram instituídas outras leis e

decretos regulamentando o financiamento de crédito rural. No dia14 de fevereiro de

1967, com o Decreto n. 167, foram criados e normatizados os títulos de crédito rural,

por meio dos quais seriam constituídos os créditos e as garantias inerentes a essa

modalidade de financiamento (BRASIL, 1967).

De acordo com art. 3º da Lei 4.829, de 1965:

Art. 3º São objetivos específicos do crédito rural: I - estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos

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agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural; II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários; III - possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; IV - incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo (BRASIL, 1965).

Sobre a disponibilização deste crédito, o Governo Federal assim

divulgou no site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:

Ano a ano, o governo Federal tem alocado cada vez mais recursos para o crédito rural. A maior parte do dinheiro destina-se a créditos de custeio para cobrir os gastos rotineiros com as atividades no campo. Esse dinheiro é tomado diretamente nos bancos ou por meio das cooperativas de crédito (BRASIL, 2012).

Toma–se conhecimento então, dos investimentos e da mobilização do

Estado na tentativa de estimular a produção rural, disponibilizando crédito para

produtores que, em sua grande maioria, não possuía discernimento econômico a

altura para lidar com tamanhas atividades financeiras e todo conhecimento que isso

requeria.

Nesse sentido, Gonçalves Neto (2002, p.40):

(...) de 1960 a 1966 o crescimento dos recursos destinados ao financiamento agrícola foi moderado. A partir de 1967, isto é, após a institucionalização do crédito e com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), o aumento é acelerado. De 1967 a 75 o aumento ocorre de maneira constante e em percentuais muito altos. Os dois anos seguintes assinalaram índices de crescimento bastante baixos em relação ao período anterior, entretanto, ainda resultam em saldos positivos. Já os três últimos anos da década diferem do restante, pois são afetados pela crise econômica vivenciada pelo país, culminando num crescimento negativo dos saldos reais.

Observa-se, assim, que o crédito rural foi fundamental no

desenvolvimento da atividade agropecuária, agrícola e no crescimento da economia

nacional. E isso só foi possível graças à elaboração de normas e à implementação

de políticas públicas que permitiam o livre desenvolvimento do instituto.

Isto posto, após tamanha liberação de valores vieram os declínios e as

irregularidades no processo. Os autores Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino

(Contratos de Crédito Bancário e de Crédito Rural, 2010, p.25), discorrem sobre o

assunto:

Porém, mesmo com todas as leis citadas, inspiradas em preceitos sociais e em

benefício dos produtores rurais tomadores dos empréstimos, a aplicação e a

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concessão dos recursos do crédito rural foram desvirtuadas ao longo dos anos em

benefício do Sistema Financeiro Nacional – o que ocorre novamente na atualidade,

com a cessão dos créditos para a União Federal. De fato, as ilegalidades praticadas

foram inúmeras e geraram consequências desastrosas para a agricultura nacional.

Conforme exposto, diante de toda a importância do crédito para o

produtor rural, assim como de todas as crises já enfrentadas por estes

trabalhadores, eis que surge uma situação relativamente nova e prejudicial aos

produtores rurais, além de tudo, tutelado pelo judiciário, que é a cessão à União das

dívidas rurais, de natureza eminentemente civil, transformando-se em dívidas fiscais,

e cobrados através de execuções fiscais, através de procedimentos administrativos

abusivos, escusos e ilegais.

Assim, aquele crédito originado de normas elaboradas para maior

beneficiamento do ruralista, teve seus objetivos desviados, causando-lhes, em

verdade, enormes prejuízos.

1.2 – DA ORIGEM DO CRÉDITO EXIGIDO PELA UNIÃO DAS AÇÕES DE

EXECUÇÃO FISCAL (DE DÍVIDAS AGRÍCOLAS)

Ao permitir o aumento do crédito rural ofertado, o Governo Federal e as

instituições bancárias não se preocuparam com a educação financeira dos

adquirentes, nem com a administração dos riscos como a perda de safras e outros

fatores que poderiam auxiliá-los na utilização do montante disponibilizado. Desta

forma, com sucessivas perdas das safras, ocorreu o aumento da inadimplência, com

elevado nível de endividamento e no estágio que o país se encontrava, no começo

da década de 90, requeria a ação governamental para sua estabilização.

O momento vivido àquela época é retratado por André Dressano

Silvestrini (2010, p.7), quando mostra a ausência de alternativas para os produtores

rurais e as primeiras soluções apontadas:

No começo da década de 90, produtores rurais estavam endividados e não conseguiriam pagar seus financiamentos se não tivesse havido a renegociação desses débitos, a denominada securitização de dívidas rurais. O Banco do Brasil tinha impactos negativos nos seus resultados ocasionados pela inadimplência dos produtores, principalmente por ser a instituição mais importante em termos de crédito rural. Após um longo processo de negociações, foi aprovada a Lei n. 9.138, de 1995, que deu início à denominada securitização das dívidas. A partir da interpretação das leis sobre a securitização e da análise dos dados contidos nos relatórios

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contábeis-financeiros do Banco do Brasil, fez-se uma análise detalhada sobre o comportamento econômico-financeiro dessa instituição e constatou-se que a securitização foi essencial para o banco reverter seus prejuízos em lucros.

O endividamento tornou-se então, assunto de preocupação para o

Governo, que começou então, a tomar algumas medidas. Sobre o assunto, Del

Grossi, Graziano da Silva e Del Potro (2008, p.2) relatam que:

A situação era de tal gravidade que motivou, em 1993, a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) “destinada a investigar as causas do endividamento do setor agrícola, o elevado custo dos seus financiamentos e as condições de importação de alimentos nos exercícios de 1990 a 1993”. Em seu relatório final a comissão destacava que: “A situação de endividamento é grave e toma contornos sociais tão sérios que passa a preocupar a sociedade pelos seus reflexos em futuro imediato. Não há como fechar os olhos para esta realidade expressa pelas legiões dos produtores que são compelidos a transferirem-se da agricultura para o meio urbano, acelerando o êxodo rural, registrado com menor intensidade em outros países adiantados”.

Assim, tornando-se fato público e notório, a “quebra das safras”, após a

criação da CPMI, foi aprovada a Lei 9.138, em 29 de novembro de 1995, durante o

governo Fernando Henrique Cardoso, que adotou duas medidas como forma de

solucionar o inadimplemento: a securitização das dívidas agrícolas e o Programa

Especial de Saneamento de Ativos (PESA).

A securitização é uma prática financeira que consiste em agrupar

passivos financeiros convertendo-os em títulos para o mercado de capitais, tendo a

vantagem do risco de perda ser transferido para o investidor e ter o portfólio ilíquido

transformando para líquido. Entretanto, a securitização em comento, diz respeito ao

alongamento de dívidas advindas do crédito rural.

Sobre o instituto da securitização, no sentido literal da palavra, aduz

Luiz Ferreira Xavier Borges (Securitização como parte da Segregação de Risco, 1999,

p.256):

A securitização é o termo utilizado para identificar aquelas operações em que o valor mobiliário emitido, de alguma forma, está lastreado ou vinculado a um direito de crédito, também denominado de direito creditório ou simplesmente recebível. Uma receita, que é uma expectativa de resultado, torna-se um recebível quando surge uma relação jurídica que lhe dê respaldo, originada de um contrato ou de um título de crédito.

Os produtores que outrora se viam com enormes possibilidades de

crescimento, pela quantidade de crédito disponibilizada e possíveis regalias,

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entraram em declínio de forma geral. Com o descumprimento de suas obrigações, já

que não conseguiam quitar os inúmeros débitos que aumentavam a cada dia devido

aos encargos financeiros exorbitantes, qualquer solução que lhes fosse

apresentada, teria grandes chances de ser aceita.

A necessidade de estabilidade e crescimento econômico foi justificativa

para o governo naquele momento, considerando também o imenso incômodo que se

instaurava nos bancos, por terem que executar cada um dos seus devedores.

As medidas propostas se davam com as seguintes condições: a

securitização para as dívidas de valores em contrato originalmente menores de

R$ 200.000,00 (Duzentos Mil Reais) por CPF e o PESA para dívidas de valores em

contrato originalmente maiores de R$ 200.000,00 (Duzentos Mil Reais).

Estas medidas não visavam a transformação do capital em títulos de

mercados capitais, logo, o que se percebe é que não houve uma real securitização,

tão pouco existiu uma verdadeira ajuda aos produtores, mas sim somente um

alongamento das dívidas. Desta forma, posiciona André Dressano Silvestrini (2010,

p. 96):

Mesmo prevendo alguma espécie de comercialização no mercado financeiro, esses títulos ficaram sob custódia do Tesouro Nacional, colocando essa securitização apenas como uma renegociação com três agentes: o Estado, as instituições financeiras e os produtores rurais. Após a conclusão do processo de securitização, as negociações ocorreram somente entre o Tesouro Nacional e as instituições financeiras, descartando qualquer possibilidade de negociabilidade dos títulos que deram garantia àquela renegociação. Infere-se que a securitização, assim como a extinta conta-movimento, foram dois artifícios que ajudaram o Banco do Brasil a atravessar diversos momentos de dificuldade financeira. Os índices utilizados mostraram o impacto que a securitização teve sobre os resultados trimestrais e anuais do Banco do Brasil, ressaltando o quanto ela foi importante para a sua recuperação econômica. No entanto, não se trata de uma solução definitiva nem para o banco nem para produtores rurais, tratando-se apenas de uma etapa da renegociação de dívidas.

Em sua tese de mestrado, André Dressano Silvestrini (2010, p.96),

demonstrou a evolução da securitização, mostrando o desvio de finalidade ocorrido:

Em síntese, esta operação corresponde a uma compra de títulos do Tesouro Nacional por parte dos mutuários do crédito agrícola, ativos estes próprios a satisfazerem o principal dessa dívida junto à instituição financeira, ficando o mutuário com a obrigação de pagamento dos juros acessórios durante a vigência da renegociação (20 anos). [...]

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Apesar de ter envolvido a compra de títulos, essa securitização foi apenas um alongamento das dívidas rurais. Para ter acontecido em sua forma completa, deveria ter ocorrido a comercialização dos títulos no mercado financeiro, fato que não se concretizou, até porque não haveria interesse comercial em adquirir títulos com poucas garantias de recebimento.

Ocorre que através de medidas emergenciais de solução, resolveram-

se os problemas das instituições financeiras sem, contudo, atingir seu objetivo final,

que era a ajuda aos produtores.

As renegociações/securitização em que se dará ênfase são aquelas

transmitidas do Banco do Brasil para União, que atualmente são cobradas por meio

de execuções fiscais, consoante explicam os autores Del Grossi, Graziano da Silva

e Del Potro (2008, p. 176):

Cabe destacar que, nas últimas renegociações da Securitização (2001e 2002), o risco das dívidas agrícolas passou para o Tesouro Nacional, sendo doravante tratadas como dívidas públicas e, portanto, não obedecendo às normas do Manual de Crédito Rural. Dessa forma, os inadimplentes passaram a obedecer aos trâmites normais de cobrança de dívidas públicas, por meio da atuação da PGFN, o que possibilita a inclusão do débito junto à Dívida Ativa da União e até ao Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (CADIN). Esse procedimento deu-se a partir de Medida Provisória nº 2.196/2001, a qual desonerou o Banco do Brasil do risco operacional das operações securitizadas e cedeu à União as operações contratadas na forma da Lei nº 9.138/1995.

Os autores Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino (2010, p.27)

também demonstram a realidade das renegociações com o acúmulo de taxas e

outras condições que a tornaram extremamente onerosas:

É importante notar que, conforme a disposição anterior, os devedores cujos débitos excederam o teto fixado foram obrigados a renegociar toda a dívida, sob pena de não poderem fazer sequer o alongamento do quantum inferior ao limite (R$ 220.000,00). Ora, a (re) negociação, portanto, tornou-se compulsória. O mais desastroso, porém, é que, os termos do alongamento do valor excedente eram livres, vale dizer, não havia previsão específica das taxas, prazos, índices e fórmulas de cálculos utilizados. Com isso, ficou fácil para os agentes financeiros exigir e cobrar encargos acessórios e taxas que “compensassem” eventuais perdas que seriam sofridas com o alongamento dos débitos inferiores ao teto da resolução.

O maior gravame, se assim pode ser chamado, neste processo, se deu

com a finalização, momento pelo qual o banco, conforme o art. 1º da Resolução n,

2.433, de 1997, deveria apresentar, imediatamente após a solicitação do produtor,

todos os contratos desde as operações originais.

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Os juristas Ezequiel de Morais e Diogo Bernardino (2010, p.26)

pontuam que havia a necessidade da clareza das informações, como a

apresentação do saldo devedor, que seriam essenciais para a licitude das

operações realizadas, todavia, mesmo sendo exigidas por lei, não ocorreram:

Vale ressaltar que, para garantir a lisura dos cálculos, exigiu-se que a dívida fosse apurada desde a operação original. Afinal, muitas vezes o débito apontado pelas instituições financeiras já estava “inchado” desde o primeiro contrato; e o que é pior: pretensamente ratificado, legitimado por meio de instrumentos unilateralmente confeccionados pelas instituições financeiras nos quais o produtor era obrigado a “confessar a dívida” (mediante a emissão de escrituras públicas) ou “aditar” as cédulas ou pactos originais sem possibilidade de discussão do valor devido.

Essas operações são conhecidas como “mata-mata” ou composições

de cálculo e tratam da simulação de um financiamento que não liberava o dinheiro

ao produtor, apenas utilizava os recursos para quitar débitos anteriores.

Os autores Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino (2010, p.28)

pontuam a necessidade da clareza de informação, como a apresentação do saldo

devedor, essencial para a licitude das operações realizadas que, mesmo sendo

exigidas por lei, não ocorreram:

Recorda-se que, tanto no que tange às dívidas alongadas na “Seção I” quanto na renegociação da “Seção II” (PESA), a apuração do saldo devedor deveria (frisamos: deveria!) ser realizada de forma transparente e de maneira a possibilitar ao devedor a exata compreensão e a prévia impugnação dos valores debitados a títulos de juros, taxas exigidas, acessórios cobrados.

Ocorre que a apresentação do saldo devedor nunca foi efetivada pelas

instituições financeiras, fazendo com que os produtores, no caso, devedores, não

tivessem sequer conhecimento da descrição da dívida que teriam que pagar. Em

resumo, Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino (2010, p.29) dizem:

Em suma, a Lei de Securitização e o PESA foram meros paliativos. As dívidas do crédito rural não diminuíram; pelo contrário, aumentaram. Aumentaram muito! As estatísticas mostram que os bancos aproveitaram a necessidade premente do ruralista para inserir nas prorrogações valores indevidos e abusivos. Com isso, legitimaram créditos que, muitas vezes, não possuem respaldo legal. Contudo, não se pode negar que a produção também teve o seu crescimento e o governo federal, aproveitando tal fato, divulga, todos os anos, que as safras são recordes; porém “esquece” de dizer a qual custo.

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Destarte, o alongamento das dívidas que obtinha a função principal em

ajudar os produtores endividados, foi ponto de colaboração somente para o Banco

que teve o seu crédito ressarcido pela União.

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CAPÍTULO II – DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA

(CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL

2. 1 – DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.196-3 – AUTORIZAÇÃO PARA CESSÃO

DO CRÉDITO

A Medida Provisória é um ato pessoal do Presidente da República que,

conforme o art. 62 da Carta Magna deverá ser utilizada em casos de relevância e

urgência, terá força de lei e será apresentada de imediato ao Congresso Nacional.

A Medida Provisória n. 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, tratando do

“Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais”, autorizou a

cessão dos créditos das instituições financeiras para a União. Ocorre que esta

matéria – sistema financeiro nacional – é matéria específica de Lei complementar,

como aduz o art. 192 da CF, não podendo ser alvo de Medida Provisória:

Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

As irregularidades existentes começam então pela violação do princípio

constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88), por ter havido

indiscutível ilegalidade de iniciativa do Poder Executivo em matéria que só competia

ao Congresso Nacional. Havendo neste caso patente inconstitucionalidade de forma.

Outro princípio confrontado foi o princípio da ilegibilidade de

atribuições, já que a matéria em comenta não é passível de regulamentação por

Medida Provisória.

Da mesma forma também o art. 48, IV, XIII da CF/88 diz que:

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Art. 48 - Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

Não sendo compatível, portanto, a edição desta Medida Provisória para

tratar assuntos de Lei Complementar.

Em um segundo momento, nota-se que não estavam presentes os dois

requisitos essenciais para a sua formação, quais sejam, a relevância e urgência.

Destacando-se ai uma das irregularidades neste ato. Posto que existiam outras

formas de se resolver a situação que não infringissem normas e princípios.

2.2 – DA ALTERAÇÃO DA NATUREZA DO CRÉDITO

A cédula de crédito rural é um título de crédito destinado a

instrumentalizar o financiamento de atividades agrícolas e pecuárias. Constitui-se

em uma promessa de pagamento em dinheiro, com garantia por hipoteca, penhor ou

alienação fiduciária e são firmadas por pessoas de direito privado e regidas por

normas especiais, como o Decreto-Lei n. 167/67, de 14 de fevereiro de 1967 e a Lei

Uniforme de Genebra. Este foi o título de crédito utilizado para o financiamento dos

produtores rurais com os bancos. Esses títulos posteriormente foram cedidos para a

União, a qual por sua vez os inscreveu na dívida ativa, em Certidões de Dívida Ativa

submetidas a Lei 9.830.

Assim, com a aquisição do crédito pela União, a mudança de sua

titularidade alterou de forma considerável as bases do contrato de cédula de crédito

rural contida na Lei nº 4.829/65.

A Certidão de Dívida Ativa (CDA) não possui e nem leva em

consideração os requisitos inerentes ao título de crédito rural, apenas visa proceder

a execução, tendo limitado alguns direitos dos produtores, e imposto novos

encargos. Ignorando assim, o art. 5. XXXVI da Constituição Federal, onde diz que “a

lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Entretanto, mesmo com a cessão de crédito, a obrigação deveria ser a

mesma, estando presentes os mesmos acessórios que haviam sido pactuados.

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O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves assim explica sobre a cessão

de crédito (2012, p.218):

Cessão de crédito é negócio jurídico bilateral, pela qual o credor transfere a outrem seus direitos na relação obrigacional. [...] A cessão de crédito distingue-se, também, da novação subjetiva ativa, porque nesta, além da substituição do credor, ocorre a extinção da obrigação anterior, substituída por novo crédito. Naquela, porém subsiste o crédito primitivo, que é transmitido ao cessionário, com todos os seus acessórios (CC, art. 287), inexistindo o animus novandi.

Desta forma, o contrato firmado inicialmente entre particulares se

transformou, adquirindo novo formato, com nova forma de cobrança e diferentes

peculiaridades. Foi enquadrada, como dívida não tributária.

Contudo, para que fosse englobada neste conceito, seria necessário

que a obrigação fosse referente ao Direito Público, o que não é o caso.

Neste contexto, Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino:

As dívidas não – tributárias devem ser entendidas como aquelas que decorrem de relações jurídicas referentes ao Direito Público, assim entendidos apenas os débitos oriundos de contratos administrativos firmados pela administração ou das penalidades aplicadas em razão do exercício do poder de polícia que lhe é conferido. O uso dos privilégios inerentes ao Direito Público, pela Fazenda Pública, somente deve ser autorizado quando ela atua a favor do interesse da coletividade, e não quando a natureza da relação é estritamente particular. Por fim, é evidente a inadequação da via eleita pela União ao cobrar crédito oriundo de dívida rural por meio de execução fiscal (MORAES; BERNADINO, 2010,p.44).

Sendo assim, mesmo havendo alteração da titularidade do crédito, não

poderia para tanto, alterar sua natureza civil, muito menos sendo considerada dívida

não tributária, já que não provém de relação jurídica entre particular e o poder

público.

2.3 – DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA (CDA)

De acordo com a Lei de Execuções Fiscais, a Certidão de Dívida Ativa

(CDA) abrange todas as receitas da Fazenda Pública, sendo elas de natureza

tributária ou não.

23

A certeza da existência da liquidez e do objeto da obrigação são

elementos que acompanham a CDA. Entretanto, a mesma encontra-se eivada de

vícios, como o erro, ignorância em relação ao desconhecimento dos procedimentos

tomados e coação, já que grande parte dos devedores não possuía outra opção que

não fosse a renegociação e, portanto, foram obrigados. De modo que os cálculos

que serviram de base a inscrição na dívida ativa já estavam portanto “inchados”,

sem que os produtores tivessem a oportunidade de discutir de revisionar o valor total

da dívida que estava sendo peremptoriamente inserido na CDA como líquido e certo.

Quanto à liquidez, temerário é dizer que a mesma contém seus

cálculos corretos, posto que conforme já demonstrado, antes mesmo da cessão,

houve abuso nos encargos financeiros por parte das instituições bancárias e

alteração dos juros sem conhecimento do devedor.

E de encontro com a legislação tributária em vigor, é nula a CDA que

não possui todos os requisitos essenciais previstos em lei, quais sejam:

Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente: I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível o domicílio ou a residência de um e de outros; II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado; IV - a data em que foi inscrita; V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito

Nota-se então, que o exposto no inciso II do referido artigo, está

ausente, a que, conforme dito, os cálculos iniciais não foram apresentados pelos

bancos.

Não há como identificar também o objeto da obrigação, já que é

apenas contrato entre particulares, não se encaixando no contexto de dívida não

tributária.

Ocorre que há tempos nota-se um excesso de tolerância na formação

da CDA, inobstante seja esse um título formado unilateralmente pelo credor.

Em decisões proferidas pelo STJ, é demonstrada preocupação,

considerando inadmissível o excesso de tolerância com relação à ilegalidade do

título executivo, eis que o exequente já goza de tantos privilégios para a execução

de seus créditos que não pode descumprir os requisitos legais para a sua cobrança.

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Como visto anteriormente, as dívidas cedidas para União já se

encontravam com vícios, cálculos unilaterais, sem a concordância do devedor. Após

a cessão, esses vícios ainda persistirão. Neste contexto, o advogado Nairon Bastos

Pereira (2011, p.2), escreve:

Neste ponto, já nasce a ilegalidade das inscrições em dívida ativa dos créditos em execução. Isso porque o procedimento da credora União tem por finalidade adaptar o rito executivo fiscal à cobrança do crédito contratual que lhe foi acometido, desviando-se com isso das normas processuais aplicáveis. O correto seria, isso sim, a simples execução do contrato original, nos seus exatos limites, sem qualquer inovação unilateral como a ora comentada. Outrossim, os valores que embasaram a inscrição em dívida ativa foram aqueles fornecidos pela Instituição Financeira, sendo que não passaram pelo crivo do contraditório do processo administrativo fiscal que embasa a cobrança de dívidas tributárias ou não tributárias, e no qual se apura, para efeito de tê-las como dívida ativa, os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade (PEREIRA, 2011, p.2). [...] Não se deve olvidar que CDA é extraída a partir das informações unilaterais transmitidas pelas instituições bancárias à Procuradoria da Fazenda Nacional. Essa procede à inscrição em dívida ativa e move a execução fiscal, tudo sem qualquer possibilidade de defesa. Esse título executivo – CDA – tem presunção de legitimidade, certeza e liquidez, ou seja, toda e qualquer nulidade anterior ao ato de inscrição está albergado pela presunção de legitimidade (PEREIRA, 2011, p.5).

Outro ponto a ser suscitado é a ausência de defesa no processo

administrativo, visto que não foi possibilitado ao devedor, defender-se

administrativamente, como ocorre no procedimento da formação da CDA. A Portaria

n. 202/2004 admite a inscrição em Dívida Ativa do valor unilateralmente apresentado

pelas instituições financeiras – que cederam créditos à União – sem que fosse

possibilitada qualquer discussão prévia pelos devedores.

Atentamos para o fato de que, em regra, quando ocorre a cessão civil

de uma dívida, o cessionário utilizado o título original para promover a cobrança

daquela dívida, no presente caso, todavia, a União, alterou o título, recebeu das

instituições financeiras as dívidas instrumentalizadas em cédulas de crédito rural, e

lançaram as informações nas CDA’s como bem lhe conviera.

Sendo assim, as irregularidades na CDA são motivos que por si

mostram-se suficientes para a extinção da execução fiscal.

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2.4 – DA ALTERAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL

A Lei Uniforme de Genebra, em seu art. 70 determina que o prazo

prescricional de todas as ações em relação ao aceitante, no que concerne às letras

de câmbio, prescreve em três anos, Tendo em vista que as cédulas de crédito rural,

origem das dívidas cedidas a União, são regidas por esta lei, este também é o seu

prazo prescricional.

Forçoso reconhecer que a cédula de crédito rural representativa da

dívida securitizada, cujos créditos foram adquiridos pela União, são títulos

executivos extrajudiciais, passíveis de ação de execução. Inexiste, então, explicação

para transformar a natureza jurídica do crédito rural, ainda que mediante processo

administrativo, através de Certidões de Dívida Ativa (CDA), apenas porque sua

titularidade foi transferida para a União.

Ressalta-se que a União poderia exercer seu direito de ação através da

execução civil, conforme o contrato realizado entre as partes, sem ser necessário a

mudança do foro e das cláusulas contratuais, contrariando o direito adquirido.

A Lei 6.830/1980 que rege as execuções fiscais parâmetros a serem

observados. Entre eles, um se destaca por afrontar os direitos do devedor, qual seja,

o prazo prescricional.

Já as execuções fiscais possuem um prazo de cinco anos, ou seja,

com a alteração da natureza do título de crédito, torna-se passível a cobrança da

cédula de crédito rural em sede de execução, em até cinco anos e não apenas três

como anteriormente.

Relevante pontuar então que no momento da aquisição do empréstimo

bancário realizado pelo produtor, o prazo prescricional era inferior ao que está

atualmente sendo considerado.

Neste sentido seguem decisões que apontam a necessidade de se

manter o prazo prescricional, do título originário:

COMERCIAL. AGRAVO REGIMENTAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. CESSÃO À UNIÃO FEDERAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DISCIPLINADA PELA LEI UNIFORME DE GENEBRA. I. A prescrição da cédula de crédito rural, mesmo que cedida à União

Federal pelo Banco do Brasil S/A, permanece regida pela Lei Uniforme.

II. Agravo regimental improvido.

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(AgRg no REsp 1096987/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 28/03/2011) [...] Ressalto, por oportuno, conforme reconhecido pela agravante, na petição dos aclaratórios opostos na origem, "o que se tem são créditos de natureza não-tributária (origem relacionada a financiamentos rurais) e, portanto, a eles se aplicam os prazos gerais de prescrição do Direito Civil (ou Comercial)." (fl. 125) Assim, a União Federal, a despeito de reconhecer não tratar-se de crédito tributário, quer em verdade, obter todas as benesses da Lei n. 6.830/80 e afastar, ainda, o prazo prescricional não só da legislação tributária, mas também da Lei Uniforme de Genebra Ocorre que, o fato da cessão de créditos do Banco do Brasil S/A à União Federal, pela Medida Provisória n. 2.196-3/2001, não criou uma nova modalidade de créditos, que poderiam ser executados como fiscais, porém, com a prescrição regulada pelo art. 177 do antigo Código Civil, ou seja, 20 (vinte) anos. Ora, a cessão do crédito à União não afasta a origem do mesmo, a saber, crédito rural, como reconhecido pela própria agravante. Desse modo, à despeito de poderem ser exigidos via execução fiscal, no que concerne especificamente ao lapso prescricional, não há motivo para afastar a aplicação da Lei Uniforme de Genebra

Por outro lado, o STJ, em decisão no Recurso Repetitivo REsp

1123539/RS, entendeu que a prescrição em comento, deverá ser a mesma utilizada

nas Certidões de Dívida Ativa, qual seja, cinco anos. Senão, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. CRÉDITO RURAL. PRESCRIÇÃO. LEI UNIFORME DE GENEBRA. CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. 1. Esta Turma, ao julgar o REsp 1.175.059/SC, sob a relatoria do Ministro Herman Benjamin, enfrentou situação semelhante à dos presentes autos, ocasião em que determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que examinasse a causa com base nas seguintes premissas: a) o art. 70 da Lei Uniforme de Genebra, aprovada pelo Decreto 57.663, de 1966, fixa em três anos a prescrição do título cambial, mas a prescrição da ação cambiariforme não fulmina o próprio crédito, que poderá ser perseguido por outros meios; b) a União, cessionária do crédito rural, não está a executar a Cédula de Crédito Rural (de natureza cambiária), mas, sim, a dívida ativa não-tributária oriunda de contrato, razão pela qual pode se valer do disposto no art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964 e, após efetuar a inscrição na sua dívida ativa, buscar sua satisfação por meio de execução fiscal, nos termos da Lei 6.830, de 1980; c) no sentido da viabilidade da execução fiscal para a cobrança do crédito rural posicionou-se a Seção de Direito Público do STJ, ao julgar, como recurso repetitivo, o REsp 1.123.539/RS; d) a transferência de titularidade do crédito não teria o condão de alterar o regime jurídico da prescrição, porquanto na sub-rogação operada viriam em conjunto os mesmos direitos, ações, privilégios e garantias que o primitivo credor possuía em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores (art. 384 do Novo Código Civil); e) não há, contudo, previsão legal a respeito da prescrição para cobrança de créditos de natureza privada posteriormente adquiridos pela Fazenda Pública e por ela submetidos ao regime jurídico administrativo; f) não se trata de mera alteração do titular do crédito (sujeito de Direito privado para sujeito de Direito público), mas sim de alteração no próprio regime jurídico de cobrança do mencionado crédito; g) se a cobrança do crédito teve alterado o regime jurídico, contra o qual não há direito adquirido, deve-se preservar a harmonia do sistema; h) haveria

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quebra de unidade – e inclusive a atuação do Poder Judiciário seria equiparável à do legislador positivo – se, na cobrança de crédito submetido a regime jurídico de direito publicista, fosse adotada a norma concernente à prescrição conforme disciplina do Código Civil; i) por não se tratar de execução de título cambial, mas, sim, de dívida ativa da Fazenda Pública, de natureza não-tributária, deve incidir o prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932; j) a inadimplência de parcela do contrato não antecipa o prazo prescricional, prevalecendo a data de vencimento contratualmente estabelecida (DJe de 1º.12.2010). 2. Recurso especial provido, pelas mesmas razões de decidir, para que o Tribunal de origem examine a ocorrência da prescrição com base nas premissas acima fixadas. (REsp 1312506/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 03/05/2012)

Sendo assim, vê-se que até mesmo no STJ há divergências sobre o

tema. Todavia, é patente a necessidade de se considerar o prazo prescricional do

título de crédito que é a cédula de crédito rural, o qual era aplicável quando da

emissão da cédula pelo produtor.

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CAPÍTULO III – DA EXECUÇÃO FISCAL DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL E O PROJETO DE LEI 3.200/2008: ASPECTOS POLÊMICOS

3.1 – DO EQUIVOCADO ENTENDIMENTO PACIFICADO PELOS TRIBUNAIS

Sobre o tema ora discutido, o STJ na Primeira Turma, firmou o

entendimento em processo julgado pelo rito dos Recursos Repetitivos, de que os

créditos rurais originários de operações financeiras, alongadas ou renegociadas,

cedidos à União por força da Medida Provisória nº 2.196-3/2001, estão abarcados no

conceito de Dívida Ativa da União para efeitos de execução fiscal, não importando a

natureza pública ou privada dos créditos em si, conforme dispõem o art. 2º e § 1º da

Lei 6.830/90.

Ao longo do voto, o MM. Julgador deixou claro que pelo fato de não

haver legislação contrária proibindo tal prática, ela torna-se então, possível. O voto

se deu nos seguintes termos:

Não desconheço a linha doutrinária que pretende excluir do alcance da execução fiscal os créditos não decorrentes do exercício do poder de império da administração ou oriundos de atos típicos da pessoa política (PAUSEN, ÁVILA E SLIWKA. Direito Processual Tributário. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.165), mas onde a lei não restringe não cumpre ao intérprete restringi-la, e esta fala em qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei, o que me leva a defender que é a titularidade do crédito que autoriza a cobrança via execução fiscal. Se o crédito é titularizado pela União (Fazenda Pública Nacional) não vejo como não atribuir à Fazenda Nacional sua cobrança. Por certo não é o cedente quem poderá promover-lhe a cobrança. Embora o art. 12, V, da Lei Complementar n. 73/93 não seja claro, insta interpretá-lo extensivamente, sob pena de declarar-se lacuna inexistente, de forma que esta Corte entende perfeitamente possível a representação judicial da dívida ativa não-tributária da União pela Fazenda Nacional.

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Mesmo sem observar a inconstitucionalidade do crédito, analisando

somente a forma de cobrança, o STJ entendeu que esta forma pode ser utilizada,

ignorando os encargos anteriormente pactuados e os termos pactuados pelas

partes, como agregando aos débitos maiores garantias que as pactuadas, além de

incidir juros de mora não pactuados, como a Taxa SELIC.

Assim, segue a ementa do acórdão:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. MP Nº 2.196-3/01. CRÉDITOS ORIGINÁRIOS DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS CEDIDOS À UNIÃO. MP 2.196-3/2001. DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO ART. 739-A DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO C. STF. 1. Os créditos rurais originários de operações financeiras, alongadas ou renegociadas (cf. Lei n. 9.138/95), cedidos à União por força da Medida Provisória 2.196-3/2001, estão abarcados no conceito de Dívida Ativa da União para efeitos de execução fiscal - não importando a natureza pública ou privada dos créditos em si -, conforme dispõe o art. 2º e § 1º da Lei 6.830/90, verbis: “Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. §1º. Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda. 2. Precedentes: REsp 1103176/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2009, DJ 08/06/2009; REsp 1086169/SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJ 15/04/2009; AgRg no REsp 1082039/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2009, DJ 13/05/2009; REsp 1086848/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJ 18/02/2009; REsp 991.987/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 19/12/2008. [...] 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1123539/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010)

No julgamento foi destacado o disposto na da Lei 6.830/80, reiterando

que não fora observada qualquer mácula na cobrança dos créditos por intermédio da

execução fiscal. A execução fiscal, como afirma o julgador, é instrumento de

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cobrança das entidades referidas no parágrafo 2 do art. 1º da Lei 6.830/80, não

importando a natureza pública ou privada dos créditos em si.

Art. 2º. Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 1º. Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

Portanto, em diversos outros julgamentos, bem como neste

apresentado de recurso repetitivo, o STJ se posicionou no sentido da possibilidade

da cobrança do crédito rural oriunda de contratos firmados com os bancos e

posteriormente cedidos à União, por execução fiscal.

Por outro lado e podendo assim dizer, com um melhor entendimento,

outros julgamentos tiveram uma conclusão diversa dos anteriores, ressaltando que a

grande maioria não se discutiu o crédito, mas somente sobre sua forma de

cobrança.

Não é necessário entrar no debate da questionável constitucionalidade

da Medida Provisória n. 2.966-3/2001 (embora a tarefa seja tentadora – é difícil

compreender qual a relevância e urgência de se sumarizar a cobrança da dívida de

agricultores, em época de crise do agronegócio, pelo lado do devedor, e superávit

primário recorde, por parte do credor).

O fato de ter sido renegociada no processo denominado securitização

não descaracteriza isso, haja vista que o alongamento da dívida importou em

aumento de encargo, como em qualquer relação de tomada de crédito.

Neste sentido:

EXECUÇÃO FISCAL FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. OPERAÇÃO BANCÁRIA DE CARÁTER PRIVADO. IMPROPRIEDADE DO EXECUTIVO FISCAL. PRETENDIDA CONVERSÃO EM EXECUÇÃO COMUM. IMPOSSIBILIDADE. INICIAL NÃO APARELHADA COM TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. O executivo fiscal aparelhado apenas com certidão de inscrição em dívida ativa e que foi julgado inviável nas circunstâncias não é conversível em execução comum diante da ausência de título executivo enquadrável no artigo 585 do Código de Processo Civil. Recurso especial não conhecido. (REsp 106.120/PR, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 16.12.1999, DJ 27.03.2000 p.106)

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Partindo-se disso, não há como deixar de fora da presente análise o

entendimento unânime do STJ quanto à impossibilidade da utilização do

procedimento executivo fiscal para a cobrança de créditos de natureza privada,

mesmo que pertencentes a entes públicos:

PROCESSO CIVIL - CIVIL - CESSÃO DE CRÉDITO RURAL - MP 2.196-3/2000 - PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE - CDA - REQUISITOS - ART. 349 DOCC/2002 - INOVAÇÃO OBJETIVA DA DÍVIDA - EXECUÇÃO FISCAL - TITULARIDADE DO CRÉDITO - VALIDADE - DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA - INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA - INCIDÊNCIA DE ENCARGOS DECORRENTES - VALIDADE - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE COTEJO - TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. 2.1963491. Embora o STJ como Corte de Justiça possa declarar a inconstitucionalidade de ato normativo através de seu órgão competente, presume-se constitucional medida provisória validada pela EC 32/2001.2. Cabível a cobrança via execução fiscal de quaisquer créditos titularizados pela Fazenda Pública. Precedentes do STJ. 3. Inexistência de inovação objetiva do crédito cedido pela inscrição em dívida ativa, fato gerador que autoriza a incidência de novos encargos dela decorrentes. 4. É requisito formal da comprovação do dissídio jurisprudencial o confronto analítico entre os julgados em testilha para evidenciar a semelhança fática e a conclusão jurídica diversa. A transcrição de ementas, neste contexto, equivale à deficiência do recurso, nos termos da súmula 284/STF. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. (1121743 RS 2009/0021514-4, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 18/02/2010, T2 - SEGUNDA TURMA. Data de Publicação: DJe 26/02/2010)

No mesmo sentido, segue o entendimento:

PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATERIA CONSTITUCIONAL - DIVIDA NÃO TRIBUTARIA - INCABIVEL O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL. I - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL NÃO SE MOSTRA APTO A REEXAME EM SEDE DE ESPECIAL. II - SE O CONTRATO DE MÚTUO (EMPRÉSTIMO BANCÁRIO), OBJETO DE EXECUÇÃO POR TITULO CAMBIARIFORME, VERSA RELAÇÃO JURIDICO-MATERIAL DE NATUREZA PRIVADA, A CONTROVÉRSIA A RESPEITO DE TAL NÃO PODE SER APRECIADA, QUANDO VEICULADA ATRAVES DA EXECUÇÃO FISCAL, NEM, PARA O CASO, EM HOMENAGEM AO PRINCIPIO DA INSTRUMENTALIDADE, OS ATOS PROCESSUAIS JA PRATICADOS PODEM SER APROVEITADOS, POSTO QUE A CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO FOI EFETIVADA SEM O PROCEDIMENTO REGULAR DA DIVIDA ATIVA, MORMENTE QUANDO ESSE ASPECTO EMBASA O "DECISUM" E O INSTRUMENTO ORIGINAL DA DIVIDA NÃO CONSTA DOS AUTOS. III - REGIMENTAL IMPROVIDO.

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(AgRg no Ag 24958/RS, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 31/08/1993, DJ 18/10/1993, p. 21872)

Nota-se, portanto, que em casos similares, onde o crédito advém de

relação jurídica entre particulares, o STJ entendeu que é incabível, a inscrição na

dívida ativa, justamente por não seguir o procedimento regular para a constituição

da mesma. Desta forma:

PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATERIA CONSTITUCIONAL - DIVIDA NÃO TRIBUTÁRIA - INCABIVEL O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL. I - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATERIA CONSTITUCIONAL NÃO SE MOSTRA APTO A REEXAME EM SEDE DE ESPECIAL. II - SE O CONTRATO DE MUTUO (EMPRESTIMO BANCARIO), OBJETO DE EXECUÇÃO POR TITULO CAMBIARIFORME, VERSA RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL DE NATUREZA PRIVADA, A CONTROVERSIA A RESPEITO DE TAL NÃO PODE SER APRECIADA, QUANDO VEICULADA ATRAVES DA EXECUÇÃO FISCAL, NEM, PARA O CASO, EM HOMENAGEM AO PRINCIPIO DA INSTRUMENTALIDADE, OS ATOS PROCESSUAIS JA PRATICADOS PODEM SER APROVEITADOS, POSTO QUE A CONSTITUIÇÃO DO TITULO EXECUTIVO FOI EFETIVADA SEM O PROCEDIMENTO REGULAR DA DIVIDA ATIVA, MORMENTE QUANDO ESSE ASPECTO EMBASA O "DECISUM" E O INSTRUMENTO ORIGINAL DA DIVIDA NÃO CONSTA DOS AUTOS.CONSTITUIÇÃOIII - REGIMENTAL IMPROVIDO. (24958 RS 1992/0017119-2, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 31/08/1993, T3 - TERCEIRA TURMA. Data de Publicação: DJ 18.10.1993 p. 21872RSTJ vol. 55 p. 391)

Os Tribunais caminhavam no sentido de não admitir:

ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. EMENDA DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CÉDULAS RURAIS PIGNORATÍCIAS. CRÉDITO DE NATUREZA PRIVADA. NÃO APLICAÇÃO DA LEI N. 6.830/80. 1..... 2. O crédito em questão - cédulas rurais pignoratícias - não podem, e nem mesmo estão inscritos em dívida ativa, o procedimento de sua cobrança não pode ser aquele da Lei de Execuções Fiscais. 3. Versando o feito acerca de créditos de natureza privada cedidos à União Federal, não pode ser utilizado o procedimento da Lei n. 6.830/80 para sua cobrança. O procedimento não corresponde à natureza da causa, embora estejam na titularidade de ente público. Precedentes do STJ. (A.C. 2006.70.06.001983-2/TJ PR)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. EXECUÇÃO FISCAL. DNER. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. DANO CAUSADO AO PATRIMÔNIO DA AUTARQUIA. INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA. LEI Nº 6.830/1980. [...] 5. Os privilégios da Lei nº 6.830/80 só cabem nos casos em que a dívida ativa tiver natureza tributária (crédito que goza de proteção

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especial - arts. 183 a 193 do CTN) ou decorra de um ato ou de um contrato administrativo típico. 6. A dívida exeqüenda decorrente de dano causado ao patrimônio do DNER por acidente automobilístico não constitui dívida ativa a ensejar a aplicação do rito da Lei nº 6.830/80, visto que não se trata de débito tributário (art. 201, do CTN) ou não tributário (previsto em lei, regulamento ou contrato). 7. Recurso não provido. (REsp 362.160/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05.02.2002, DJ 18.03.2002 p. 186)

Outra decisão importante, igualmente favorável ao produtor rural, foi

adotada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2006.04.00.019614-0/RS. Em

11 de julho de 2006, o relator da matéria, Desembargador Federal Edgard Lippmann

Jr., deferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao referido agravo de

instrumento. Em 12 de junho de 2007, decidiu a Egrégia 4ª Turma do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de

declaração, nos termos do relatório.

A seguir, trechos relevantes do voto do Relator:

Não é necessário entrar no debate da questionável constitucionalidade da Medida Provisória 2.196-3/2001 (embora a tarefa seja tentadora - é difícil compreender qual a relevância e urgência de se sumarizar a cobrança da dívida de agricultores, em época de crise do agronegócio, pelo lado do devedor, e superávit primário recorde, por parte do credor). Isso pode ser feito com mais autoridade pelo E. STF, caso provocado pela entidade de classe dos ora agravantes. Ocorre que a citada medida provisória, embora autorize a União a adquirir créditos dos bancos públicos federais, não tem o condão de alterar a natureza da relação jurídica em comento, decorrente de ato particular entre os tomadores do crédito e o Banco do Brasil. Ora, trata-se de dívida egressa de um contrato de financiamento bancário em tudo igual aos demais, e não de previsão legal ou contrato administrativo típico. O fato de ter sido renegociada no processo denominado securitização não descaracteriza isso, haja vista que o alongamento da dívida importou em aumento de encargo, como em qualquer relação de tomada de crédito.

[...] Contrariando o dito do imortal Nélson Rodrigues, temos aqui uma unanimidade sábia. Com efeito, milita em relação à dívida ativa regularmente inscrita presunção de liquidez e certeza, nos termos do art. 3o da Lei 6.830/80. Tal privilégio, entre vários próprios do executivo fiscal, é legitimado pelo fato de que a dívida necessariamente deve passar pela fase de lançamento, onde conferidos os requisitos de procedência do crédito fiscal, bem como oferecida a ampla defesa ao devedor. Não é o caso da presente dívida, onde o processo administrativo tão-somente pretende realizar a alquimia de transformar o privado em público, partindo de informações unilaterais da instituição financeira. Temos aí violação clara do prescrito pelo art. 39, §1o, da Lei 4.320/64. Dessa forma, seja por pretender a cobrança de crédito privado, seja por violar os requisitos de exigibilidade, liquidez e certeza, padece de nulidade a CDA apresentada pela Fazenda Nacional. Legítima, por corolário direto, a oposição de exceção de pré-executividade, nos termos do art. 618, I, do

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CPC, decorrendo isso na extinção da execução fiscal. Quando a defesa, em sede de execução fiscal, for exercida por exceção de pré-executividade, e essa acolhida, é cabível a condenação da parte exeqüente em honorários advocatícios. Assim, pela sucumbência, deve a União arcar com honorários patronais, desde já arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Os próprios fundamentos desta decisão, bem como a análise da legislação pertinente à espécie, já são suficientes para o pré-questionamento da matéria junto às Instâncias Superiores, evitando-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para este fim, o que nitidamente evidenciaria a finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa, nos moldes do contido no parágrafo único do art. 538 do CPC. Em face de todo o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, na forma da fundamentação supra.

Desta forma, torna-se claro que apesar de atualmente ser utilizada a

via inadequada para a cobrança desses créditos, o STJ e alguns Tribunais

Regionais Federais encontram-se em divergência, esboçando em suas decisões

motivos suficientes para que não se autorize a execução fiscal.

3.2 – DO PROJETO DE LEI N. 3200/2008

Diante da controvérsia apresentada, o legislativo, por meio do

Deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT) apresentou um Projeto de Lei que visa

regularizar a cobrança dos créditos que foram secionados para a União.

O legislador, reconhecendo as irregularidades existentes, propõe uma

alteração na Lei 6.830, de 1980, que dispõe sobre a Execução Fiscal, com o

propósito de não ser possível a cobrança da dívida rural em execução fiscal.

Com a seguinte justificação, o deputado esclarece a necessidade desta

alteração:

Para espanto do produtor rural, o credor de seu débito deixou de ser a instituição financeira e passou a ser a União. Seguiram-se a inscrição na Dívida Ativa da União, com todas as penalidades peculiares a tais casos, passando a Procuradoria da Fazenda Nacional a cobrar a dívida, ajuizada segundo o rito da execução fiscal. Trata-se de uma situação absurda, que tem levado centenas de produtores rurais, assim prejudicados, a argüir em juízo a legalidade de utilização do rito da execução fiscal para a cobrança de dívida privada bancária e de crédito rural. Muitas dessas ações têm originado decisões favoráveis aos impetrantes, em diversas instâncias, tendo em vista a jurisprudência existente.

O projeto de Lei aponta a seguinte solução:

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O presente projeto de lei elide, de forma definitiva, qualquer dificuldade de interpretação acerca da forma de execução de dívidas originárias de operações de crédito rural. Desta forma, o produtor rural não mais precisará recorrer ao Poder Judiciário para fazer prevalecer seu direito, eis que restará claro que essas dívidas, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida – inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 2001 –, somente poderão ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal. Altera-se, ainda, a Lei nº 6.830, de 1980, consolidando no texto legal a jurisprudência firmada pelo STJ.

O Projeto de Lei já tramitou pela Comissão de Finanças e Tributação

(CFT) e os pareceres ali emitidos são no sentido da incompatibilidade e

inadequação financeira e orçamentária do Projeto de Lei. Informando que a

proposição em questão beneficia os produtores rurais, cujos financiamentos foram

adquiridos pela União aos bancos oficiais, por força da Medida Provisória nº 2.196-3,

de 2001, bem como os que obtiveram financiamentos diretos da União, por

intermédio de bancos oficiais, ou que detêm operações cujo risco corre por conta do

Tesouro Nacional.

No parecer do relator, o Dep. Arnaldo Jardim (PPS-SP) assim

expressou:

Nesses casos, por se tratarem de créditos da Fazenda Nacional, e não das instituições financeiras, esses valores sujeitam-se à inscrição na Dívida Ativa da União e ao rito da execução fiscal e submetem-se às regras, definidas na Lei nº 6.830, de 1980, estabelecidas para a cobrança de débitos fiscais em atraso. [...] É razoável considerar que, ao dispor que as dívidas originárias de crédito rural, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2196-3, de 2001, somente poderão ser executadas por meio de ações ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, a proposição cria obstáculo, ou ao menos posterga, as possibilidades de recebimento dessas dívidas pela Fazenda Pública. Isto porque intenta aplicar regras menos rigorosas às dívidas originárias de crédito rural do que as estabelecidas para a cobrança de débitos fiscais em atraso, cuja execução se dá mediante inscrição na Dívida Ativa e pelo rito da execução fiscal. Suprime-se a fé pública ínsita à presunção de certeza e liquidez expressa na Certidão da Dívida Ativa, ainda que relativa, mas que propicia objetividade e celeridade à execução fiscal regida pela Lei nº 6830, de 1980. A aprovação do Projeto de Lei poderia, portanto, resultar, se não em frustração, pelo menos, na postergação de receitas financeiras para a união, com impactos sobre o equilíbrio orçamentário e financeiro da União no exercício corrente e nos subseqüentes. [...]

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Verifica-se que o projeto em tela não traz estimativa do impacto orçamentário e financeiro decorrente da sua aprovação e da conseqüente postergação do ingresso de receitas. Não estão apresentadas, também, medidas que compensem a redução de receitas que seria imputada à União nos exercícios em que se verificasse a referida postergação. Diante do exposto, verifica-se que a proposição em questão não pode ser considerada adequada ou compatível, sob o aspecto orçamentário e financeiro, malgrado os nobres propósitos que orientaram a sua elaboração. Dessa forma, fica prejudicado o exame quanto ao mérito, na Comissão de Finanças e Tributação, em função do disposto no art. 10 da Norma Interna – CFT.

Já a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e

Desenvolvimento Rural (CAPADR) deu total apoio, optando pela aprovação deste.

O parecer do relator Dep. Valdir Colatto (PMDB-SC) teve a seguinte

redação:

Garantir processo adequado para a cobrança de débitos rurais é medida há muito esperada por inúmeros produtores cujas dívidas em atraso passaram a sujeitar-se à inscrição na Dívida Ativa da União e, consequentemente, à sua cobrança pelo rito fiscal.

Uma proposta de emenda ao projeto foi apresentada pelo Dep. Beto

Faro (PT/PA) dispõe sobre a execução de dívidas originárias de operações de

crédito rural, altera a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, e dá outras

providências. Com o seguinte teor:

Dê-se a seguinte redação ao art. 2º, do Projeto de Lei nº 3.500, de 2008: “Art. 2º As dívidas originárias de crédito rural oriundas de fontes de recursos não controlados, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, somente poderão ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal.”

Para justificar a alteração no Projeto de Lei, o Deputado apresenta as

razões a seguir:

O dispositivo objeto desta Emenda constitui um estímulo ao calote ainda maior nas dívidas decorrentes de operações de crédito rural. Não parece razoável a pretensão do projeto de impedir, por exemplo, a inscrição na Dívida Ativa da União de operações inadimplidas financiadas com recursos controlados do crédito rural que são equalizados pelo Tesouro Nacional, tratando-se, pois, de recursos da União, portanto da sociedade. Nestes termos, julgamos meritória a proposição desde que extensiva apenas às dívidas originárias de fontes que não se enquadrem no conjunto das fontes com recursos controlados.

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Entretanto, a CAPADR emitiu parecer rejeitando a emenda,

acompanhando o voto do relator Deputado Valdir Colatto, por entender que a

mesma significaria a manutenção da atual sistemática injusta de conferir rito fiscal à

cobrança das dívidas rurais de que se trata, quando em atraso.

Em especial, seriam prejudicados os agricultores do Grupo “A” e Grupo

“B” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) que,

em sua maioria, encontra nos recursos controlados pelo Governo Federal a única

forma de acesso ao crédito rural.

Desta forma, caso seja acatado o Projeto de Lei 3.500/2008, as

injustiças e irregularidades referentes a este tema, serão pelo menos, parcialmente

sanadas. Tendo, ao menos o rito de cobrança regularizado.

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CONCLUSÃO

O presente estudo partiu de uma análise da cessão do crédito rural das

instituições bancárias para a União, autorizadas pela Medida Provisória n. 2.196-

3/2001, a qual alterou entre outros, a sua forma de cobrança, sendo exigidas,

quando não pagas, por execução fiscal.

Nota-se que as medidas tomadas pelo governo foram meramente

paliativas, sem contudo apontar um solução para as crises entre bancos e

produtores rurais, que permanecem até os dias de hoje.

É notável as divergências jurisprudenciais e doutrinárias a respeito da

formação da Certidão de Dívida da Ativa (CDA), que tem como base o crédito rural,

a alteração da natureza do título e do seu prazo prescricional e, principalmente,

sobre a impossibilidade da utilização da execução fiscal.

Sabe-se, por exemplo, que alguns Tribunais decidem a favor do prazo

trienal de prescrição, enquanto outros votam pelo prazo quinquenal, bem como as

irregularidades contidas na CDA vêm há tempos incomodado os julgadores, posto

estar em desconformidade com a lei e favorecendo tão somente o ente público

exequente.

As premissas lançadas ao longo deste trabalho autorizam afirmar que

esta questão, apesar do julgado de Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de

Justiça, ainda hoje é objeto de controvérsia e discussão entre os vários autores.

E partindo destes pressupostos, foi apresentado o Projeto de Lei

3.500/2008, pelo Deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT), o qual, reconhecendo as

irregularidades existentes, propõe uma alteração na Lei 6.830, de 1980, que dispõe

sobre a Execução Fiscal, com o propósito de não ser possível o enquadramento da

dívida em execução fiscal.

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de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais e autoriza a criação da Empresa Gestora de Ativos – EMGEA. Brasília, 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2196-3.htm>. BRASIL. Banco Central. Resolução n. 2.433, de 16 de outubro de 1997. Dispõe sobre condições e procedimentos a serem observados com relação ao processo de alongamento de dívidas originárias de crédito rural, de que tratam a Lei nº 9.138, de 29.11.95, e normativos complementares. Brasília, 1997. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/htm>. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 9.138, de 29 de novembro de 1995. Dispõe sobre o crédito rural, e dá outras providências. Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /leis/L9138.htm>. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Brasília, 1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-Lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre títulos de crédito rural e dá outras providências. Brasília, 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0167.htm>. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 4.829, de 5 de novembro de 1965. Institui o crédito rural. Brasília, 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4829.htm>. BRASIL. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Brasília, 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm>. BRASIL. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 4504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, 1964. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/.../lei-4504-30-novembro-1964-377628-norma-pl/html>. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias. Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Brasília, 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4595.htm>. BRASIL. Senado Federal. Lei n. 454, de 9 de julho de 1937. Autoriza o Tesouro Nacional a subscrever novas ações do Banco do Brasil, até a importância de

41

100.000:000$000, e a emitir "bonus" para financiamento da agricultura, creação e outras indústrias. Rio de Janeiro, 1937. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L0454.htm> DEL GROSSI, M. E.; GRAZIANO DA SILVA, J.; DEL PORTO, E. B. As (re) Negociações das dívidas agrícolas. Revista Sociedade e Desenvolvimento Rural, Brasília, v.2, p.171-88, 2008. GENEBRA, Lei Uniforme; BRASIL. Decreto n. 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Convenção para a adoção de uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias. Brasília, 1966. Disponível em: <http://www.ribeirodasilva.pro.br/.../Lei-Uniforme-de-Genebra-Dec-57663-htm>. LACKI, Polan. Crédito Rural: o que seria uma grande solução transformou-se numa grande decepção. Notícias Agrícolas, 2009. Disponível em <http://www.ifc-riodosul. Edu.br/secao/eventos/semana/download/credito%20rural.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2013. PEREIRA, Nairon Bastos. Dívidas rurais – controle de legalidade nas execuções fiscais – a cessão civil ou dação em pagamento realizadas pelas instituições financeira bancárias em favor da União. A inconstitucionalidade da MP n. 2.196-3/01 – a previsão legal de exclusão do avalista em inscrição de dívida ativa. Folha de São Borja, São Borja, abr. 2011. Disponível em: <http://www.folhadesaoborja.com. br/files/20-08/Dividas%20Rurais%20-%20Controle%20de%20legalidade%20nas% execuções%20e%20ª%20dupla%20inconstitucionalidade%20da%20MP%202_196- 3.pdf>. SILVESTRINI, André Dressano. Securitização da dívida rural brasileira: o caso do Banco do Brasil. 2010. Dissertação (Mestrado em Economia Aplicada) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11132/tde-02082010-153630/>. Acesso em: 14 fev. 2013.

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ANEXOS

ANEXO 1 – Projeto de Lei n. 3.200, de 2008 (do Sr. Carlos Bezerra)

PROJETO DE LEI N. 3.200, DE 2008 (Sr. Carlos Bezerra). Dispõe sobre a execução de dívidas originárias de operações de crédito rural, altera a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º Esta Lei estabelece a forma de execução de dívidas originárias de operações de crédito rural, em caso de inadimplência. Art. 2º As dívidas originárias de crédito rural, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, somente poderão ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal. Art. 3º O art. 4º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5º: Art. 4º .................................................................................. § 5º O procedimento executivo fiscal não se aplica à cobrança de créditos de natureza privada, mesmo que pertencentes a entes públicos ou que tenham sido adquiridos pela União. (NR) Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O endividamento do setor agropecuário é um problema antigo, para o

qual muitas soluções têm sido tentadas nas últimas décadas. Há mais de doze anos,

o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, que

“dispõe sobre o crédito rural, e dá outras providências”.

Essa lei autoriza a renegociação de dívidas originárias de crédito rural e a

emissão de títulos, pelo Governo, para garantir essas operações: a chamada

“securitização”.

Todavia, apenas uma parte das dívidas foi abrangida pela securitização.

Outras leis foram aprovadas nos anos que se seguiram, ampliando o rol de

beneficiários, dilatando prazos e estabelecendo outras condições. Destacam-se,

entre elas, as Leis nº 9.866, de 1999; nº 10.177, de 2001; nº 10.437, de 2002; nº

10.696, de 2003; nº 11.322, de 2006; e nº 11.524, de 2007.

Entre as Medidas Provisórias editadas em data anterior à publicação da

Emenda Constitucional nº 32, de 2001 que, nos termos do respectivo art. 2º,

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continuam em vigor, encontra-se a de nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, que

"estabelece o Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais e

autoriza a criação da Empresa Gestora de Ativos - EMGEA". Entre outras

providências, essa Medida Provisória autoriza a União, nas operações originárias de

crédito rural, alongadas ou renegociadas com base na Lei nº 9.138, de 1995, a

adquirir ou receber créditos de que são credoras instituições financeiras.

Um antigo e consagrado princípio do Direito consiste em que o contrato

constitui a “lei entre as partes”. No caso das operações de crédito rural, situam-se,

de um lado, a instituição financeira e, de outro, o produtor rural. Inexistindo qualquer

vício no contrato, este não pode ser unilateralmente alterado, sem a expressa

concordância da outra parte, nem pode uma norma legal modificá-lo à revelia das

partes, eis que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, inciso XXXVI: “a lei

não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Todavia, à revelia da Constituição e do Direito, e em exclusivo benefício

de uma das partes – a instituição financeira credora –, com base na Medida

Provisória nº 2.196-3, de 2001, a União assumiu a titularidade daqueles créditos. O

produtor rural – parte não consultada – tomou conhecimento do prejuízo decorrente

dessa imposição quando, por motivo alheio à sua vontade, mas em consequência de

dificuldades inerentes à atividade agropecuária – tais como adversidades climáticas,

pragas da lavoura, conjuntura desfavorável de mercado, entre tantos outros

problemas –, não teve condições financeiras para pagar em dia as parcelas da

dívida renegociada, incorrendo em inadimplemento.

Para espanto do produtor rural, o credor de seu débito deixou de ser a

instituição financeira e passou a ser a União. Seguiram-se a inscrição na Dívida

Ativa da União, com todas as penalidades peculiares a tais casos, passando a

Procuradoria da Fazenda Nacional a cobrar a dívida, ajuizada segundo o rito da

execução fiscal.

Trata-se de uma situação absurda que tem levado centenas de

produtores rurais, assim prejudicados, a arguir em juízo a legalidade de utilização do

rito da execução fiscal para a cobrança de dívida privada bancária e de crédito rural.

Muitas dessas ações têm originado decisões favoráveis aos impetrantes, em

diversas instâncias, tendo em vista a jurisprudência existente. Vale lembrar que, em

1993, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidira quanto à impossibilidade de

utilização do procedimento executivo fiscal para a cobrança de créditos de natureza

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privada, mesmo que pertencentes a entes públicos (Agravo Regimental nº

24.958/RS, Relator Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 31 de

agosto de 1993, publicado no Diário da Justiça de 18/10/1993, p.21872).

Outra decisão importante, igualmente favorável ao produtor rural, foi

adotada quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2006.04.00.019614-

0/RS. Em 11 de julho de 2006, o Relator da matéria, Desembargador Federal

Edgard Lippmann Jr., deferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao referido

agravo de instrumento. Em 12 de junho de 2007, decidiu a Egrégia 4ª Turma do

Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de

declaração, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que fazem parte

integrante do julgado.

Transcrevemos, a seguir, trechos relevantes do voto do Relator:

(...) “Não cabe analisar nessa via estreita a legalidade da cessão do crédito, o que deverá ser feito no julgamento definitivo do recurso. Até lá, todavia, cabe a atribuição do efeito suspensivo, uma vez que, além da plausibilidade do direito alegado, há periculum in mora pelo impedimento da agravante de realizar operações no âmbito do crédito rural, ter acesso a mecanismos de garantia de preços mínimos, bem como obter certidões negativas de débito junto à Receita Federal.” (...) “Ocorre que a citada medida provisória, embora autorize a União a adquirir créditos dos bancos públicos federais, não tem o condão de alterar a natureza da relação jurídica em comento, decorrente de ato particular entre os tomadores do crédito e o Banco do Brasil. Ora, trata-se de dívida egressa de um contrato de financiamento bancário em tudo igual aos demais, e não de previsão legal ou contrato administrativo típico. O fato de ter sido renegociada no processo denominado securitização não descaracteriza isso, haja vista que o alongamento da dívida importou em aumento de encargo, como em qualquer relação de tomada de crédito.”

O presente projeto de lei elide, de forma definitiva, qualquer dificuldade de

interpretação acerca da forma de execução de dívidas originárias de operações de

crédito rural. Desta forma, o produtor rural não mais precisará recorrer ao Poder

Judiciário para fazer prevalecer seu direito, eis que restará claro que essas dívidas,

ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em

vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida – inclusive para a

União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 2001 – somente poderão ser

executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder

Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa

da União e sua execução pelo rito da execução fiscal. Altera-se, ainda, a Lei nº

6.830, de 1980, consolidando no texto legal a jurisprudência firmada pelo STJ.

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Esperamos contar com o indispensável apoio de nossos Pares, no

sentido de se aprovar o presente projeto de lei, com a urgência que a situação da

agricultura nacional está a exigir.

Sala das Sessões, em ___ de _________ de 2008.

Deputado CARLOS BEZERRA

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ANEXO 2 – Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento

Rural – Projeto de Lei n. 3.500, de 2008.

Projeto de Lei n. 3.500, de 2008. Dispõe sobre a execução de dívidas originárias de

operações de crédito rural, altera a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, e dá

outras providências.

Autor: Deputado CARLOS BEZERRA

Relator: Deputado VALDIR COLATTO

I – RELATÓRIO

Por meio do Projeto de Lei nº 3.500, de 2008, o Deputado Carlos Bezerra

propõe que as dívidas originárias de crédito rural, ainda que tenham sido

renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos

tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida

Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, somente possam ser executadas

por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que

seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e

sua execução pelo rito da execução fiscal.

Para evitar incongruência com a legislação vigente, o projeto de lei de que

se trata inclui §5º ao artigo 4º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que

dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública. O dispositivo

incluído proíbe o procedimento executivo fiscal para a cobrança de créditos de

natureza privada, ainda que pertencentes a entes públicos ou que tenham sido

adquiridos pela União.

Em sua justificação, o parlamentar ressalta que a proposição procura

solucionar em definitivo qualquer dificuldade de interpretação acerca da forma de

execução de dívidas originárias de operações de crédito rural, de forma a que o

produtor não mais precise recorrer ao Poder Judiciário para fazer prevalecer seu

direito.

Nos termos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o Projeto

de Lei nº 3.500, de 2008, foi distribuído para apreciação conclusiva das comissões,

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com tramitação inicial nesta Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e

Desenvolvimento Rural (mérito) e posterior manifestação das Comissões de

Finanças e Tributação (mérito e art. 54) e de Constituição e Justiça e de Cidadania

(mérito e art. 54 RICD).

Decorrido o prazo regimental, foi apresentada uma emenda à proposição,

nesta Comissão. Referida emenda restringe os benefícios do Projeto de Lei nº

3.500, de 2008, a dívidas oriundas de fontes de recursos não controladas do crédito

rural.

É o relatório.

II – VOTO DO RELATOR

Garantir processo adequado para a cobrança de débitos rurais é medida

há muito esperada por inúmeros produtores cujas dívidas em atraso passaram a

sujeitar-se à inscrição na Dívida Ativa da União e, consequentemente, à sua

cobrança pelo rito fiscal.

Em especial, dois grupos de produtores beneficiam-se da proposição em

análise: aqueles cujos financiamentos foram adquiridos pela União aos bancos

oficiais, por força da Medida Provisória nº 2.196, de 2001; e os que obtiveram

financiamentos diretos da União, por intermédio de bancos oficiais; ou que detêm

operações cujo risco corre por conta do Tesouro Nacional.

No primeiro caso, a aquisição das dívidas pela União alterou, de forma

unilateral, o rito de cobrança das parcelas em atraso. Por se tratar, agora, de

créditos da Fazenda Nacional, e não mais das instituições financeiras, esses valores

passaram a sujeitar-se à inscrição na Dívida Ativa da União. Uma vez inscrito em

Dívida Ativa, o débito do agricultor é descaracterizado como de crédito rural e passa

a submeter-se a regras muito mais rigorosas, definidas em lei e desenhadas para a

cobrança de débitos fiscais em atraso.

Situação semelhante é enfrentada por produtores familiares que

obtiveram financiamentos diretos da União, por intermédio de bancos oficiais, ou que

detêm operações cujo risco corre por conta do Tesouro Nacional. Integram esse

caso agricultores familiares que obtiveram financiamentos no âmbito dos Grupos “A”

e “B” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),

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constituídos, respectivamente, por egressos da reforma agrária e por indivíduos que

se encontram próximos à linha da pobreza.

Quanto à emenda oferecida pelo Deputado Beto Faro, entendo-a

equivocada. Sua aprovação significaria a manutenção da atual sistemática injusta de

conferir rito fiscal à cobrança das dívidas rurais de que se trata, quando em atraso.

Em especial, seriam prejudicados os agricultores familiares dos Grupos “A” e “B” do

PRONAF que, em sua maioria, encontram nos recursos controlados pelo Governo

Federal a única forma de acesso ao crédito rural.

Pelas razões expostas, voto pela aprovação do Projeto de Lei nº 3.500,

de 2008, e pela rejeição da emenda oferecida pelo Deputado Beto Faro.

Sala da Comissão, em ___ de ___________ 2008.

Deputado Valdir Colatto

Relator