excreÇÃo de compostos nitrogenados nas … · esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato...

13
____________________________ *Seminário apresentado pela aluna RAQUEL MELCHIOR na disciplina BIOQUÍMICA DO TECIDO ANIMAL, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2013. Professor responsável pela disciplina: Félix H. D. González. EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS DIFERENTES ESPÉCIES * Introdução As proteínas compõem cerca de 18% do peso corporal dos animais e podem ter diferentes funções como: reguladoras do metabolismo (enzimas e hormônios), elementos estruturais (membranas, músculos e tecido conjuntivo), substâncias de transporte (O 2 pela hemoglobina e elétrons pelo citrocromo c) osmorreguladores (albumina), componentes de ácido nucleico (nucleoproteínas) e defensores do organismo (imunoglobulinas e os interferons). As proteínas vindas da dieta são hidrolisadas na luz intestinal pela ação das muitas enzimas proteases e peptidases, resultando na produção de aminoácidos livres, que em sua maioria são transportados para o fígado via sangue portal. Além da proteína da dieta outra fonte de aminoácidos é o catabolismo das proteínas tissulares que devem ser constantemente repostas. O reservatório sanguíneo de aminoácidos é essencial para a síntese proteica, e ainda para a formação de muitos outros compostos nitrogenados essenciais para a função tissular adequada como as purinas, pirimidinas, neurotransmissores e heme. O catabolismo dos aminoácidos envolve a remoção do grupo amino e utilização dos α-cetoácidos resultantes para a oxidação em CO 2 e formação de ATP e síntese de glicose e lipídios. Os aminoácidos podem sofrer degradação oxidativa com liberação de grupos amino, basicamente em três situações: durante o turnover proteico com uma parte dos aminoácidos liberados na quebra das proteínas não sendo utilizados; em dietas ricas em proteína onde os aminoácidos são ingeridos em excesso o excedente não pode ser armazenado e é catabolizado; e durante o jejum severo ou no diabetes melito quando os carboidratos não estão acessíveis ou não são utilizados adequadamente ocorre hidrolise das proteínas corporais para a produção de energia. A amônia liberada nesses processos precisa ser convertida em algum composto passível de ser excretado. O acúmulo de amônia no organismo leva a intoxicação caracterizada por vômitos, recusa de alimentos ricos em proteína, ataxia intermitente, irritabilidade, letargia e atraso mental. Sendo assim, a seguir veremos as principais formas de remoção dos grupos amino dos aminoácidos e a forma na qual são convertidos e excretados em cada espécie animal.

Upload: hanhi

Post on 01-Jul-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

____________________________ *Seminário apresentado pela aluna RAQUEL MELCHIOR na disciplina BIOQUÍMICA DO TECIDO ANIMAL, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2013. Professor responsável pela disciplina: Félix H. D. González.

EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS

NAS DIFERENTES ESPÉCIES*

Introdução

As proteínas compõem cerca de 18% do peso corporal dos animais e podem ter diferentes

funções como: reguladoras do metabolismo (enzimas e hormônios), elementos estruturais

(membranas, músculos e tecido conjuntivo), substâncias de transporte (O2 pela hemoglobina e

elétrons pelo citrocromo c) osmorreguladores (albumina), componentes de ácido nucleico

(nucleoproteínas) e defensores do organismo (imunoglobulinas e os interferons).

As proteínas vindas da dieta são hidrolisadas na luz intestinal pela ação das muitas enzimas

proteases e peptidases, resultando na produção de aminoácidos livres, que em sua maioria são

transportados para o fígado via sangue portal. Além da proteína da dieta outra fonte de

aminoácidos é o catabolismo das proteínas tissulares que devem ser constantemente repostas.

O reservatório sanguíneo de aminoácidos é essencial para a síntese proteica, e ainda para a

formação de muitos outros compostos nitrogenados essenciais para a função tissular adequada

como as purinas, pirimidinas, neurotransmissores e heme. O catabolismo dos aminoácidos

envolve a remoção do grupo amino e utilização dos α-cetoácidos resultantes para a oxidação em

CO2 e formação de ATP e síntese de glicose e lipídios.

Os aminoácidos podem sofrer degradação oxidativa com liberação de grupos amino,

basicamente em três situações: durante o turnover proteico com uma parte dos aminoácidos

liberados na quebra das proteínas não sendo utilizados; em dietas ricas em proteína onde os

aminoácidos são ingeridos em excesso o excedente não pode ser armazenado e é catabolizado; e

durante o jejum severo ou no diabetes melito quando os carboidratos não estão acessíveis ou

não são utilizados adequadamente ocorre hidrolise das proteínas corporais para a produção de

energia.

A amônia liberada nesses processos precisa ser convertida em algum composto passível de

ser excretado. O acúmulo de amônia no organismo leva a intoxicação caracterizada por vômitos,

recusa de alimentos ricos em proteína, ataxia intermitente, irritabilidade, letargia e atraso

mental. Sendo assim, a seguir veremos as principais formas de remoção dos grupos amino dos

aminoácidos e a forma na qual são convertidos e excretados em cada espécie animal.

Page 2: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

2

Liberação de grupos amino

As proteínas consumidas na dieta podem servir de fonte de energia dependendo da espécie,

quase 90% da energia no caso dos carnívoros e uma pequena fração nos herbívoros, ou podem

ser oxidadas para a produção de energia em caso de dietas com excesso de proteína. A oxidação

dos aminoácidos derivados das proteínas dos alimentos é a fonte da maioria dos grupos amino e

a proteólise intracelular que ocorre normalmente em todos os tecidos contribui com uma

pequena parte dos grupos amino, em situações normais. A maior parte dos aminoácidos é

metabolizada no fígado, e a amônia gerada em excesso nos outros tecidos é transportada até ele

para ser convertida na forma apropriada de excreção.

A degradação oxidativa dos aminoácidos ocorre por rotas catabólicas diferentes para cada

um dos 20 aminoácidos proteicos embora todas terminem em um dos seguintes metabolitos:

piruvato, acetil-CoA, ou outros compostos intermediários do ciclo de Krebs. Com exceção dos

que terminam em acetil-CoA, todos os aminoácidos constituem substratos precursores da

gliconeogênese.

O catabolismo dos aminoácidos ocorre principalmente no fígado e uma pequena parte no

rim. A primeira etapa da degradação oxidativa dos aminoácidos é a remoção do grupo amino

que ocorre em duas rotas integradas: a transaminação e a desaminação oxidativa

Transaminação

Este é o método mais comum da remoção dos grupos amino dos aminoácidos. Quando os L-

aminoácidos chegam ao fígado, o primeiro passo no seu catabolismo é a remoção dos grupos α-

amino promovida por enzimas chamadas aminotransferases ou transaminases. Nessas reações

de transaminação, o grupo α-amino é transferido para o átomo de carbono α do α-cetoglutarato,

produzindo o respectivo α-cetoácido análogo do aminoácido e glutamato. Esta é uma reação

reversível e há ampla distribuição das transaminases pelos tecidos, algumas são mitocondriais

outras são citossólicas e outras estão em ambos os compartimentos celulares. O glutamato

conduz os grupos amino para serem utilizados por vias biossintéticas ou, então, para uma

sequencia final de reações pelas quais são formados produtos nitrogenados degradados que, a

seguir, são excretados.

As aminotransferases requerem como coenzima o piridoxal-fosfato (forma enzimática da

vitamina B6), o qual se encontra como grupo prostético das transaminases. Estas enzimas

catalisam as reações conhecidas como reações de “pig-pong”, nas quais um primeiro

aminoácido se liga ao sitio ativo da enzima e perde seu grupo amino, produzindo um α-

cetoácido. Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em

piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga ao sitio ativo da piridoxamina e

aceita seu grupo amino transformando-se em glutamato, como mostra a Figura 1.

Page 3: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

3

Figura 1. Reações de transaminação. Fonte: Lehningher, 2002.

Desaminação oxidativa É nesta rota que o glutamato que recolhe os grupos amino de vários aminoácidos nas

reações de transaminação é oxidado e desaminado por ação da glutamato desidrogenase nas

mitocôndrias das células hepáticas.

Figura 2. Reação de desaminação oxidativa. Fonte: Champe, 2006.

No caso de alguns tecidos a amônia livre é combinada ao glutamato para formar glutamina e

ser transportada até o fígado, pela ação da glutamina sintetase em uma reação que requer ATP

para ativar o glutamato. Quando chega a mitocôndria hepática a amônia é liberada da glutamina

por ação da glutaminase e retorna a glutamato. A glutamina é um importante transportador de

grupos amino no sangue, pois não possui cargas elétricas o que lhe confere capacidade de

Page 4: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

4

atravessar com facilidade as membranas. A formação de glutamina é essencial para o transporte

de grupos amino para muitos processos biológicos, além é claro, de conduzi-los até o ciclo da

ureia para excreção, quando estão em excesso.

Figura 3. Transporte de grupos amino via glutamina. Fonte: Lehningher, 2002.

Os grupos amino liberados nos músculos se ligam ao glutamato e este pode ser convertido à

glutamina (receber amônia) ou transferir seu grupo α-amino para o piruvato pela ação da

alanina-aminotransferase formando alanina, para serem levados até o fígado. Essa reação pode

ser revertida em ambos os tecidos e a alanina também não possui cargas elétricas o que lhe

permite passar facilmente pelas membranas. A alanina também pode remover piruvato do

músculo e leva-lo até o fígado para servir de precursor da glicose na via de gliconeogênese e a

glicose produzida pode voltar para o músculo para servir de energia no ciclo conhecido como

Page 5: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

5

glicose-alanina. Ocorre que no citosol hepático a alanina aminotransferase transfere o grupo

amino da alanina para o α-cetoglutarato formando piruvato e glutamato. O glutamato entra na

mitocôndria para liberar a amônia e o piruvato será convertido em glicose.

Figura 4. Transporte de grupos amino via alanina. Fonte: Lehningher, 2002.

Excreção Uma parte da amônia oriunda da desaminação dos aminoácidos é usada para a formação de

compostos nitrogenados biologicamente úteis e o restante precisa ser convertido a uma forma

menos tóxica pra ser excretado.

Em geral a amônia é convertida em ureia ou acido úrico no fígado e só uma pequena parte

pode ser coletada pelos rins. Mas quando o organismo está em acidose metabólica, os rins

aumentam a capitação de glutamina que está transportando amônia dos tecidos para o fígado,

nestes casos a amônia liberada ai pela ação da glutaminase e glutamato desidrogenase não é

levada até o fígado ou convertido em ureia, e sim é diretamente excretada na urina.

Todos os animais excretam uma pequena porção dos compostos nitrogenados na forma de

amônia. No entanto, a excreção nesse caso se da na forma de amônio (NH4+), ou seja, a

molécula de amônia (NH3) precisa ganhar mais um hidrogênio e passar a amônio para poder ser

Page 6: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

6

excretada. Esse mecanismo, se utilizado para excretar toda a amônia produzida pelo organismo,

levaria a um processo de alcalose metabólica.

O destino da amônia produzida pelas diferentes reações de desaminação varia com o tipo de

animal e seu habitat. Como a amônia é altamente tóxica, os tecidos animais são equipados com

diferentes mecanismos para converter amônia em substâncias atóxicas ou para posterior

utilização no anabolismo pelo animal ou excreção. Os meios mais importantes para a excreção

do excesso de nitrogênio são: formação e excreção de ureia em vertebrados terrestres

(ureotélicos); síntese de acido úrico em aves e repteis que vivem no solo (uricotélicos) e

eliminação direta em animais aquáticos (amonotélicos).

Formação de ureia O ciclo da ureia foi descoberto em 1932 por Krebs e Henseleit, antes mesmo da descoberta

do ciclo do ácido cítrico. Este processo ocorre no fígado e é nele que a através de uma série de

reações dois grupos amino são incorporados a uma molécula de CO2 para formar uma molécula

de ureia.

A desaminação dos aminoácidos ocorre principalmente no fígado e os íons amônio

resultantes podem ser transformados em ureia no fígado na maioria dos vertebrados terrestres.

Os íons amônio e o dióxido de carbono (originário basicamente do ciclo de Krebs) interagem

com ATP, formando fosfato de carbamoil nas mitocôndrias. Os geradores primários de íons

amônio mitocondriais são a glutamato-desidrogenase e a glutaminase. O fosfato de carbamoil-

sintetase I requer N-acetilglutamato para sua atividade. O N-acetilglutamato é um composto

produzido a partir de acetil-CoA e glutamato e é sintetizado em quantidades maiores quando

estão presentes quantidades maiores de aminoácidos, fornecendo assim um sinal para aumentar

a síntese de ureia durante o excesso de aminoácidos.

O grupo carbamoil é transferido do fosfato de carbamoil para a ornitina formando citrulina,

uma reação catalisada pela ornitina-transcarbamoilase das mitocôndrias. Após o transporte da

citrulina ao citossol, a arginino-succinato-sintetase catalisa então a condensação de aspartato

com citrulina para produzir arginino-succinato. Esta síntese é regida por clivagem do ATP em

AMP e pirofosfato inorgânico (PPi) e pela subsequente hidrolise de PPi em dois Pi. A arginino-

succinase rompe então o arginino-succinato em fumarato e arginina. Esta ultima é rompida

hidroliticamente pela arginase para formar ureia e ornitina, completando assim o ciclo. A

arginase é encontrada em grandes quantidades apenas no fígado em animais que excretam ureia.

O fumarato gerado na reação de arginino-succinase é prontamente hidratado em malato e

reoxidado em oxalacetato para aceitar um grupo amino, em geral proveniente do glutamato, a

fim de regenerar aspartato.

Page 7: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

7

Figura 5. Ciclo da ureia. Fonte: Schmidt-Nielsen, 1996.

Em resumo o ciclo da ureia ocorre em 5 passos: 1. Grupo amino + CO2 → carbamil fosfato (catalisada pela carbamil fosfato sintetase I e

consome 2 moléculas de ATP).

2. Ornitina + grupo carbamil → citrulina + Pi (catalisada pela ornitina transcarbamilase).

3. Aspartato + citrulina → argininossuccinato (catalisada pela argininossuccinato com

consumo de 1 molécula de ATP).

4. Argininossuccinato → arginina + fumarato (hidrolise pela argininossuccinato liase).

5. Arginina → ornitina + ureia (hidrolise pela arginase).

O fumarato produzido é um intermediário do ciclo do acido cítrico, então os ciclos são

interconectados em um processo dito “bicicleta de Krebs”. Cada ciclo pode funcionar de

maneira independente dependendo do transporte de intermediários entre a mitocôndria e o

citosol para estabelecer comunicação.

O fumarato pode ser convertido em malato e este, em oxalacetato no citosol, esses

intermediários podem sofrer metabolização no próprio citosol ou ser transportado para o interior

da mitocôndria para uso no ciclo de Krebs. Também o aspartato formado na mitocôndria pode

ser transportado no citosol e servir como doador de nitrogênio na reação do ciclo da ureia.

Nos animais ruminantes os níveis de ureia são mais elevados (15-40 mg/dL) devido a

absorção de amônia pelo rúmen. Além disso, nos ruminantes a amônia é metabolizada no fígado

a ureia e esta deve voltar ao rúmen via sangue ou via saliva. Isto significa uma poupança de

energia para a produção de ureia e água. Quando a amônia alcança o rúmen ela é rapidamente

desdobrada em amônia e CO2 pela enzima uréase, produzida pelas bactérias. Os micro-

Page 8: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

8

organismos ureolíticos e proteolíticos utilizam esta amônia para a síntese da sua própria

proteína. À medida que o bolo alimentar avança no processo de digestão estes micro-

organismos são arrastados junto. Quando chegam ao abomaso (estômago químico) em função

do baixo pH e ação das enzimas as proteínas inclusive a dos micro-organismos é degradada e os

aminoácidos vão para a corrente sanguínea via sistema portal para serem usados na síntese

proteica.

É raro, mas podem ocorrer distúrbios metabólicos da síntese da ureia se qualquer uma das

cinco enzimas do ciclo for deficiente. A toxicidade da amônia faz com que as primeiras reações

do ciclo ocorram dentro da mitocôndria para que os íons amônia não caiam na corrente

sanguínea. A toxicidade da amônia se deve ao fato de sua capacidade de ligação com o α-

cetoglutarato que é um composto intermediário do ciclo de Krebs. Em caso de excesso de

amônia pode ocorrer uma grande utilização do α-cetoglutarato, diminuindo sua disponibilidade

para o ciclo de Krebs e eventualmente este e a cadeia de transporte de elétrons podem parar.

Além disso, a ureia é uma base forte e pode provocar alcalose. A sintomatologia clinica da

intoxicação por amônia são: vômitos, irritabilidade, letargia, ataxia intermitente e retardamento

mental. As dietas pobres em proteínas e pequenas refeições frequentes resultam em

concentrações mais baixas de amônia sanguínea, e, portanto, em menos sintomas.

Formação e excreção do acido úrico A excreção de ureia obriga a excreção conjunta de água. No caso dos repteis que vivem em

solo e as aves que possuem seu desenvolvimento embrionário em ovos com cascas

impermeáveis a água não é possível à excreção de ureia, pois não há excreção de água. Além

disso, a reserva de água no interior desse ovo é limitada e a excreção precisou ser adaptada para

ocorrer na forma de produtos insolúveis (acido úrico precipitado).

A via do ácido úrico é uma importante rota para a eliminação dos compostos nitrogenados

em aves e repteis. Nesses animais a via biossintética das purinas foi adaptada para fazer a

excreção de N na forma de ácido úrico. Uma vez que o acido úrico também é o principal

subproduto da degradação das purinas (adenina e guanina) nos primatas, pássaros e repteis.

O acido úrico nas aves é formado no fígado a partir da amônia. A hepatotectomia provoca

acumulo de amônia e aminoácidos no sangue das aves, exatamente como ocorre nos mamíferos.

Acredita-se também que o rim, assim como o fígado, possa ser um local de síntese de acido

úrico nas aves.

Para a formação de acido úrico há considerável gasto energético uma vez que inicialmente

são formadas adenina e guanina a partir do nitrogênio de alguns aminoácidos e carbono oriundo

de moléculas doadoras. Posteriormente adenina e guanina são transformadas em acido úrico por

uma via em que o grupo fosfato é perdido pela ação da 5’-nucleotidase. O adenilato libera a

Page 9: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

9

adenosina, que é então desaminada para inosina pela adenosina desaminase. A inosina é

hidrolisada para liberar a D-ribose e a base purínica hipoxantina. A hipoxantina é oxidada

sucessivamente para xantina e para ácido úrico pela xantina oxidase, uma flavoenzima que

contém um átomo de molibdênio e quatro centros ferro-enxofre em seu grupo prostético, como

se pode ver na Figura 6. O mesmo ocorre com a guanina, esta sofre remoção hidrolítica do seu

grupo amino para liberar xantina que também é convertida em ácido úrico pela xantina oxidase.

Figura 6. Síntese de ácido úrico (principais reações). Enzimas: (1) ribose 5-fosfato pyrophosphokinase,

(2) glutamina fosforribosil pirofosfato amidotransferase, (3) fosforribosil sintetase glicinamida, (4) amido-ligase, (5) sintetase específica, (6) xantina oxidase. Fonte: D’Mello, 2003.

O acido úrico é filtrado livremente no glomérulo e é também secretado pelos túbulos. A

secreção tubular é o processo dominante e é responsável por 90% da excreção total. A presença

do sistema porta renal fornece uma grande fonte de sangue para os túbulos para ser depurado em

vez de serem fornecidas pelas arteríolas eferentes, e assim maiores quantidades podem ser

secretadas para os túbulos. As grandes quantidades de acido úrico nos túbulos superam a sua

Page 10: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

10

solubilidade, e a precipitação ocorre. O acido úrico continua através dos túbulos na forma

precipitada e aparece na urina como um coágulo esbranquiçado. Como o acido úrico não

permanece na solução, ele não contribui para a pressão osmótica efetiva do fluido tubular, e a

perda obrigatória de água é evitada.

Segundo Sonne et al. (1946), citados por Waldroup et al. (2005), o aumento do requerimento

da glicina em aves jovens ocorre em função da maior excreção de nitrogênio, pois cada

molécula de ácido úrico excretada representa a perda de uma molécula de glicina pelas aves.

O metabolismo das purinas e purimidinas, bases nitrogenadas, possuem uma independência

celular. Isto é, já no intestino delgado aquelas que não foram utilizadas no metabolismo normal

são convertidas em ácido úrico que é excretado ou quando em excesso pode acumular-se nas

articulações no processo conhecido como Gota. No entanto, esta não é a principal via de

excreção, uma vez que grande parte das purinas é absorvida para o fígado e, este sim, encarrega-

se de convertê-las em ácido úrico e excretá-lo por via urinária.

A doença conhecida como gota, que nada mais é do que um processo inflamatório doloroso

resultante do acúmulo de ácido úrico nas articulações, pode ser resultado de uma hiperatividade

da enzima PRPP-sintetase ou por redução da atividade da enzima HGPRTase. Mas ambos são

problemas hereditários, reversíveis mediante a diminuição de alimentação rica em material

celular (carnes vermelhas, principalmente) e uso de medicamentos bloqueadores da síntese de

ácido úrico, como por exemplo, a droga conhecida como alopurinol um inibidor da xantina

oxidase responsável pela conversão das purinas em ácido úrico.

Figura 7. Formação de ácido úrico no intestino e no fígado. Fonte:Vieira, 2003.

Page 11: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

11

Excreção direta O amônio urinário origina-se nos túbulos distais dos rins de mamíferos, em grande parte da

hidrolise de glutamina por glutaminase e em segundo lugar da desaminação de outros

aminoácidos. Os cetoácidos resultantes são usados principalmente para gliconeogênese. A

amônia formada em células tubulares renais reage com íons hidrogênio, produzindo íons

amônio durante a acidose metabólica. A excreção de íons amônio é negligível durante a

alcalose. A excreção de íons amônio ajuda a conservar íons sódio, que são os principais cátions

na regulação da concentração eletrolítica e do equilíbrio acidobásico no sangue. Tal reposição

de íons sódio com íons amônio verifica-se em maior proporção durante a cetose, quando estão

sendo eliminados corpos cetônicos pela urina. Os animais aquáticos que excretam excesso de

nitrogênio como íons amônio produzem a maior parte da amônia excretora pela ação da

glutaminase sobre a glutamina.

Nos animais amoniotélicos (excretores de amônia) o catabolismo dos aminoácidos inicia

com uma transaminação envolvendo o α-cetoglutarato formando-se glutamato. Glutamato

igualmente pode ser formado pela desidrogenase glutâmica utilizando-se de amônia livre. No

entanto, o glutamato não pode atravessar as membranas celulares devido as suas cargas

negativas em pH fisiológico sendo necessário a ligação com mais amônia, processo catalisado

pela glutamina sintetase. A molécula de glutamina formada é neutra, não toxica e capaz de se

translocar e transportar N na forma amídica para o fígado ou para as guelras no caso dos peixes.

Nas guelras a glutamina sofre ação da glutaminase aí presente e libera o N na forma de amônia

que é excretada para o meio exterior.

Existem 4 mecanismos conhecidos para a excreção da amônia via epitélio branquial, que

podem ser observados na Figura 8.

Page 12: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

12

Figura 8. Mecanismos de excreção de amônia do sangue para a água através da superfície mucosa do

epitélio branquial. Fonte: Bombardelli, 2004.

Considerações finais De maneira geral o metabolismo proteico dos animais consiste na ingestão, digestão e

absorção e os aminoácidos absorvidos são direcionados para a síntese proteica ou para a síntese

de compostos não proteicos, ou ainda podem ser desviados para vias de degradação para a

geração de energia. Os grupos amino liberados dos processos de degradação sejam oriundos da

proteína da dieta ou degradação tissular precisam ser convertidos em compostos menos tóxicos

para serem excretados, exceto os peixes que conseguem excretar amônia junto a grande volume

de água. A amônia é um composto tóxico para o organismo por se liga aos intermediários do

ciclo de Krebs promovendo a depleção de ATP ou por precisar de íons H+ o que pode

desencadear quadros de alcalose metabólica.

Referências bibliográficas

BOMBARDELLI, R. A.; MEURER, F.; SYPERRECK, M. A. Metabolismo proteico em peixes. Arquivos de Ciência Veterinária e Zoologia Unipar, v. 7, p. 69-79, 2004.

CHAMPE, P. C.; HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R.; Tradução: DALMAZ, C.; et al. Bioquímica Ilustrada. 3º ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, 544p.

REECE, W.O. Dukes – Fisiologia dos animais domésticos. 12º Ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2006, 926p.

GONZALEZ, F. H. D., SILVA, S. C. Introdução à bioquímica clinica veterinária. 2º Ed. Porto Alegre, 2006, 360p.

Page 13: EXCREÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NAS … · Esse grupo amino se incorpora a piridoxal-fosfato que se transforma em piridoxamina-fosfato. Em seguida o α-cetoglutarato se liga

13

GOULART, C. C. Utilização de aminoácidos industriais e relação aminoácidos essenciais: não essenciais em dietas para frangos de corte. (Tese) Programa de Doutorado Integrado em Zootecnia, da Universidade Federal da Paraíba. Areia, Paraíba, 2010, 115p.

NELSON, D. L.; MICHAEL M. COX: Lehninger Princípios de Bioquímica. 3º ed. New York : W. H. Freeman and Company, 2002, 907p.

SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptacao e meio ambiente. Editora Santos. 1996, 600p.

VIEIRA, R. Fundamentos de Bioquímica. Textos didáticos. Belém do Pará. 2003, 159p.

WALDROUP, P.W.; JIANG, Q.; FRITTS, C. A. Effects of glycine and threonine supplementation on performance of broiler chicks fed diets low in crude protein. International Journal of Poultry Science, v.4, n.5, p.250-257, 2005.