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Página 1 de 25 EXCELENTÍSSIMOS(AS) SENHORES(AS) DESEMBARGADORES(AS) DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. CARLOS MOISÉS DA SILVA, brasileiro, casado, Governador do Estado de Santa Catarina e Coronel Bombeiro Militar RR, inscrito no CPF sob n. 625.280.849- 00 e portador do RG n. 1960809 – SSP/SC 1 , residente e domiciliado na Rua Rui Barbosa, n. 821, bairro Agronômica, Florianópolis/SC, CEP 88025-301, vem, respeitosamente, por intermédio de seus advogados constituídos com mandato específico 2 , à presença de Vossas Excelências, com fundamento nos artigos 30 e 41 do Código de Processo Penal, no art. 125, §1º da Constituição Federal, no art. 42, § 1º da Constituição do Estado de Santa Catarina, e, ainda, no art. 58, inciso I, alínea a do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, bem como no enunciado da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal, oferecer Q U E I X A – C R I M E em face de JESSÉ DE FARIA LOPES, brasileiro, casado, nascido em 14/05/1982, Deputado Estadual, inscrito no CPF sob n. 038.161.829-33 e portador do RG n. 3.909.851 – SSP/SC, com endereço funcional na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Palácio Barriga Verde, situada na Rua Doutor Jorge Luiz 1 Doc. 01 – CNH. 2 Doc. 02 – Procuração.

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EXCELENTÍSSIMOS(AS) SENHORES(AS) DESEMBARGADORES(AS) DO ÓRGÃO

ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA.

CARLOS MOISÉS DA SILVA, brasileiro, casado, Governador do Estado de

Santa Catarina e Coronel Bombeiro Militar RR, inscrito no CPF sob n. 625.280.849-

00 e portador do RG n. 1960809 – SSP/SC1, residente e domiciliado na Rua Rui

Barbosa, n. 821, bairro Agronômica, Florianópolis/SC, CEP 88025-301, vem,

respeitosamente, por intermédio de seus advogados constituídos com mandato

específico2, à presença de Vossas Excelências, com fundamento nos artigos 30 e 41

do Código de Processo Penal, no art. 125, §1º da Constituição Federal, no art. 42, §

1º da Constituição do Estado de Santa Catarina, e, ainda, no art. 58, inciso I, alínea a

do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, bem como

no enunciado da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal, oferecer

Q U E I X A – C R I M E

em face de JESSÉ DE FARIA LOPES, brasileiro, casado, nascido em

14/05/1982, Deputado Estadual, inscrito no CPF sob n. 038.161.829-33 e portador

do RG n. 3.909.851 – SSP/SC, com endereço funcional na Assembleia Legislativa do

Estado de Santa Catarina, Palácio Barriga Verde, situada na Rua Doutor Jorge Luiz

1 Doc. 01 – CNH. 2 Doc. 02 – Procuração.

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Fontes, n. 310, Centro, Florianópolis/SC, CEP 88020-900, gabinete 036 e endereço

eletrônico: [email protected], requerendo a deflagração de ação penal

privada, em decorrência da prática dos crimes previstos nos artigos 139 e 140 do

Código Penal, na forma de seu art. 70, c/c art. 141, incisos II e III, do mesmo diploma

legal, conforme as razões de fato e de direito a seguir expostas.

I. FATOS.

No dia 25 de maio de 2020, por volta das 10h, o Querelado, Deputado

Estadual Jessé Lopes (PSL-SC), em seu perfil pessoal na rede social Twitter, publicou

informações inverídicas acerca do Governador do Estado, no intuito único de

difamar e injuriar o Querelante, atingindo, propositadamente, tanto a sua honra

objetiva quanto subjetiva, com evidente reflexo também em sua família. Assim

declarou o Querelado:

O Deputado, que se refere ao próprio gabinete como sendo o “gabinete

do ódio”, afirmou, por meio de rede social de alto impacto e alcance, que, “Secretária

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da Casa Civil aparece grávida e Douglas Borba assume a paternidade. Douglas é

demitido e agora a secretária diz que o filho é do Governador Moisés e que o teste de

DNA deverá ser feito. Parece que o bombeiro andou apagando fogo fora da

Agronômica” (grifo nosso).

Em poucos minutos, a declaração chegou ao conhecimento do público em

geral, sendo reproduzida em diversas plataformas sociais digitais, como Facebook,

WhatsApp, Instagram dentre outras. Segundo dados da publicação, em apenas 23

minutos já havia cerca de onze comentários, cinco compartilhamentos e vinte e nove

“curtidas”, apenas na rede social Twitter. Inclusive, destaca-se que o Querelado fez

questão de publicar também em sua conta pessoal na rede social Instagram, a fim de

amplificar a divulgação de sua declaração. É o que demonstra a imagem a seguir3:

3 Disponível em: https://jbfoco.com.br/2020/05/deputado-estadual-afirma-que-douglas-borba-assumiu-gravidez-de-secretaria-mas-agora-ela-afirma-ser-o-governador-moises-o-pai-da-crianca. Acesso em 30/05/2020.

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Não bastasse isso, e justamente em virtude do cargo que ocupam tanto o

Querelante quanto o Querelado, que facilmente alcançam com suas manifestações

milhares, quiçá milhões, de pessoas em poucos minutos, a informação inverídica

também fora logo reproduzida nos meios de comunicação em massa, como jornais

eletrônicos.

A título ilustrativo, anexam-se4 algumas manchetes jornalísticas

comprobatórias da extensa repercussão da publicação do Querelado nas mais

variadas regiões do Estado de Santa Catarina, em importantes veículos de imprensa.

Além disso, é fato notório que a declaração do Deputado tomou

proporção assustadora na rede social WhatsApp, um dos maiores meios de

encaminhamento de informações na atualidade. Em segundos, um número

incalculável de pessoas recebeu a postagem difamante e injuriosa do Querelado,

sendo impossível o reestabelecimento do status quo ante, com a verdade dos fatos,

característica intrínseca aos atuais meios eletrônicos de comunicação.

Aliás, em virtude da declaração do Deputado, centenas de perfis na rede

social Twitter passaram a comentar o caso5 de forma jocosa, exaurindo a intenção

primeira do Querelado: difamar e injuriar o Governador do Estado, ofendendo sua

reputação, dignidade e decoro.

Ante a proporção que o assunto tomou, o Deputado, ciente das

implicações cíveis e criminais decorrentes de sua declaração, resolveu apagar o

comentário de suas redes sociais, cerca de quatro horas após a ilegal publicação,

afirmando, por meio de “Nota de Esclarecimento”, que todas as milhares, ou milhões,

de pessoas que visualizaram ou receberam de terceiros a declaração teriam

formulado “interpretação equivocada” do comentário por ele lançado, eis que, na

verdade, tratava-se de mera “analogia” à situação diversa, que envolveria ações do

Estado de Santa Catarina no combate à pandemia da COVID-19:

4 Doc. 03 – Manchetes jornalísticas. 5 Doc. 04 – Comentários Twitter.

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A falaciosa informação, contudo, já havia se espalhado por todos os

cantos do país. A situação desonrosa trouxe tamanho constrangimento ao

Governador do Estado e seus familiares que fora necessária sua manifestação formal

acerca dos fatos, o que, por certo, alcançou parcela ínfima de pessoas em

comparação à declaração do Deputado6. Declarou-se, no mesmo dia7:

6 Artigo publicado pela revista Science, no ano de 2018, indica que notícias falsas – conhecidas no Brasil por fake news – têm chance 70% maior de serem compartilhadas do que as verdadeiras. Artigo disponível em: https://science.sciencemag.org/content/359/6380/1146. Acesso em 30/05/2020. 7 Disponível em http://rcnonline.com.br/pol%C3%ADtica/presid%C3%AAncia-da-alesc-se-manifesta-ap%C3%B3s-pol%C3%AAmica-com-jess%C3%A9-lopes-1.2229646. Acesso em 30/05/2020.

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Vê-se, portanto, que o ato ilícito praticado pelo Querelado rapidamente

propagou-se nas redes sociais e nos meios de imprensa, sendo imprescindível,

inclusive, que o Governador do Estado de Santa Catarina expedisse comunicado

institucional negando os fatos, justamente diante da gravidade das falsas acusações

e da repercussão causada pelas declarações feitas pelo Deputado Jessé Lopes.

Como se não bastasse, a manifestação do Querelado, igualmente, atingiu

a própria imagem da Assembleia Legislativa e dos demais Deputados Estaduais.

Tanto é verdade que a Presidência da Assembleia Legislativa do Estado de Santa

Catarina emitiu nota de forma veemente no sentido de não compactuar com

iniciativas que venham a ferir a honra das pessoas, em claro comunicado ao

Querelado. Retira-se da “Nota da Presidência” emitida na mesma data:

Além disso, Deputados integrantes dos mais variados partidos políticos

representaram o Querelado na Comissão de Ética e Decoro da ALESC8, a demonstrar

a alta reprovabilidade da manifestação.

Importante destacar que não é a primeira vez, já no exercício do mandato

de parlamentar, que o Querelado faz declarações irresponsáveis e desonrosas. Autor

8 Doc. 05 – Representação Deputados.

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de manifestações de ódio e discriminação, referenciando seu gabinete como o

“gabinete do ódio”, o Deputado ficou conhecido em âmbito nacional justamente por

uma de suas postagens na rede social Twitter, ao afirmar que, “-Após as mulheres já

terem conquistado todos os direitos necessários, inclusive tendo até, muitas vezes, mais

direitos que os homens, hoje as pautas feministas visam em seus atos mais extremistas

TIRAR direitos. Como, por exemplo, essa em questão, o direito da mulher poder ser

‘assediada’ (ser paquerada, procurada, elogiada...). Parece até inveja de mulheres

frustradas por não serem assediadas nem em frente a uma construção civil”9, em

desprezo ao movimento “Não é não!”, que à época visava combater o assédio

durante as festas de Carnaval. A declaração do Deputado reverberou em jornais

como Estadão, O Globo, ISTOÉ, entre outros.

Sobre este fato e o narrado nesta queixa-crime, bem pontuou Upiara

Boschi, um dos principais colunistas políticos do Estado de Santa Catarina, em seu

espaço no jornal NSC Total10:

O confronto de ideias é necessário e próprio de qualquer parlamento – o ódio, a galhofa e o uso de gangues do pensamento para constranger adversários, não é, não. Agora, Jessé soma a suas molecagens o compartilhamento de um boato que envolveria o governador Carlos Moisés. Não fosse o deputado estadual, o assunto teria permanecido no esgoto das redes sociais, mas a luz que deu ao tema fez com que o próprio governo do Estado emitisse nota oficial repudiando a atitude do parlamentar e anunciado a disposição de Moisés em processá-lo criminalmente.

Imediatamente, o valentão do gabinete do ódio apagou o que disse e tentou remendar a situação, dizendo que se tratava de mera analogia com o caso da desastrada compra de 200 respiradores pelo governo Moisés – objeto de investigação policial, CPI e pedido de impeachment em análise. Logo em seguida, uma nota da Presidência da Assembleia Legislativa, em tom de reprimenda, registrou que “não compartilha com iniciativas que, de alguma forma, venham ferir a honra das pessoas”. É importante, mas é pouco.

9 Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2020/01/deputado-de-sc-diz-que-assedio-e-direito-das-mulheres-e-massageia-o-ego-ck5cftn9m03ge01odwooh8454.html. Acesso em 30/05/2020. 10 Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/upiara-boschi/jesse-lopes-precisa-responder-por-suas-molecagens-na-comissao-de-etica-e. Acesso em 30/05/2020.

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É certo, portanto, Excelências, que o Querelado há muito vem se

utilizando das prerrogativas de seu mandato parlamentar para formular

declarações irresponsáveis e atentatórias à honra dos mais variados indivíduos. No

presente caso, contudo, no qual feriu a honra do Governador do Estado, não lhe

socorre a imunidade parlamentar material, como se demonstrará em tópico

específico adiante.

Um dia após as imputações difamatórias e injuriantes destinadas ao

Querelante, o Deputado Jessé, por meio de vídeo compartilhado em sua conta

privada na rede social Facebook11, tentou justificar sua conduta, afirmando que não

teria sido sua intenção atacar a honra das pessoas mencionadas na publicação feita

no Twitter. Nesse vídeo, afirma que, “Eu sou assim, sou impulsivo. Eu penso nas coisas

e faço. As vezes dá certo, as vezes dá errado. Mas eu sou assim” [0’59’’]12.

A bem da verdade, a narrativa construída pelo Querelado, de suposta

analogia com caso diverso, sequer condiz com a publicação por ele realizada no

11 Disponível em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=135757058087400&id=100049593191860&__tn__=-R. Acesso em 30/05/2020. 12 Doc. 06 – Vídeo Facebook.

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Twitter, especialmente quando lá escreveu, “Parece que o bombeiro andou apagando

fogo fora da Agronômica”, em referência à função exercida por Carlos Moisés da Silva

ao longo de mais de trinta anos – alcançando a graduação de Coronel do Corpo de

Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina –, à residência oficial do Governador

do Estado e ao fato de que o Querelante, casado há mais de 27 anos13 e com família

constituída14, teria mantido relacionamento extraconjugal com servidora da

Secretaria da Casa Civil.

O ataque à honra do Querelante é inconteste, decorrente da atitude ilegal

do Deputado Jessé Lopes ao propagar fatos inverídicos nas redes sociais, com a

finalidade exclusiva de atingir a pessoa do Governador do Estado e sua família.

Após todo o ocorrido, com uma visão ampla dos acontecimentos, o

respeitado comentarista político Cláudio Prisco Paraíso, em matéria veiculada em

seu blog15, destacou:

Chega a ser patético, inaceitável, sobretudo neste momento de pandemia, de crise aguda com empresas quebrando e empregos sendo subtraídos, redução de salários e por aí vai, um deputado ganhando holofotes com essa postura de fanfarrão, irresponsável, inconsequente. Do alto de sua calhordice, o cidadão foi à rede social, seu habitat natural, para levantar gravíssimas ilações sobre a vida pessoal do governador e de uma secretária da Casa Civil.

Não vou citar o nome dele. Não vai ganhar mais esta publicidade gratuita, pois este tipo de mandatário da nova era, da nova política, capitaliza na rasosfera até mesmo quando é criticado, repreendido.

Evidentemente que este tipo de postura não cabe na Alesc. Em nenhum momento e muito menos agora, quando todas as energias do poder público devem estar voltadas ao enfrentamento da pandemia e suas consequências nefastas.

A narrativa fática deixa clara a conduta delituosa do Deputado Jessé

Lopes. As falsas acusações feitas pelo Querelado repercutiram em todo o território

catarinense e nacional, causando enorme mácula à imagem, honra e dignidade do

13 Doc. 07 – Certidão de casamento. 14 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Mois%C3%A9s#CITEREFMem%C3%B3ria_Pol%C3%ADtica_de_Santa_Catarina2019. Acesso em 30/05/2020. 15 Disponível em: https://www.blogdoprisco.com.br/fanfarronice-sem-limites-2/. Acesso em 30/05/2020.

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Governador do Estado e de seus familiares. Por certo, o ofendido teve atingidos sua

própria dignidade, o seu decoro, o conceito que tem de si próprio, assim como teve

sua imagem e integridade questionadas pela sociedade em geral.

II. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. AFASTAMENTO.

DECLARAÇÃO QUE NÃO GUARDA PERTINÊNCIA COM O EXERCÍCIO DAS

FUNÇÕES DO MANDATO PARLAMENTAR.

Como se sabe, a imunidade civil e penal dos parlamentares em

decorrência de suas opiniões, palavras e votos – imunidade material –, tem por

objetivo viabilizar o pleno exercício do mandato, a fim de que seu exercente possa

representar os anseios de seus representados sem qualquer tipo de censura. Tal

prerrogativa, na realidade, não serve para proteger o parlamentar em suas relações

privadas, mas sim em favor e para a garantia de independência do próprio Poder

Legislativo16. É justamente o que dispõe o art. 53, caput, da Constituição Federal, “Os

Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas

opiniões, palavras e votos”, determinação extensível aos Deputados Estaduais, por

força do art. 27, §1º, da CF17.

É certo, contudo, que a imunidade material dos parlamentares, ao menos

quando as declarações são manifestadas fora do Parlamento, não possui caráter

absoluto, mas “tem alcance limitado pela própria finalidade que a enseja. Cobra-se

que o ato, para ser tido como imune à censura penal e cível, tenha sido praticado pelo

congressista em conexão com o exercício do seu mandato” 18.

O Supremo Tribunal Federal há muito tempo sinaliza que a garantia

constitucional da imunidade material incide em qualquer que seja o

âmbito/localidade em que proferida a manifestação do parlamentar, desde que “as

16 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. Ed. 8. – São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1102. 17 Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas. 18 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. Ed. 13. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 1509.

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manifestações exaradas pelos Congressistas guardem alguma relação com o

desempenho de sua atribuição legislativa” (STF. Plenário. Inq. n 3.780/DF. Rel. Min.

Teori Zavascki. DJe, 30/10/2014 – grifo nosso), entendimento também

compartilhado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC. Órgão Especial.

Queixa-Crime n. 2014.032054-1, da Capital. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. j.

21/10/2015). A garantia é reforçada, todavia, quando verbalizadas opiniões,

palavras ou votos nos limites físicos do Parlamento, ainda que divulgados pela

imprensa19, manifestando-se o Supremo, salvo poucas exceções, pela incidência da

imunidade material de forma absoluta, mesmo quando as declarações não guardem

conexão com a função. Colhe-se de decisão da Corte Suprema:

(b) O âmbito de abrangência da cláusula constitucional de imunidade parlamentar material, prevista no art. 53 da Constituição, tem sido construído por esta Corte à luz de dois parâmetros: i) quando em causa opiniões, ainda que consideradas ofensivas, manifestadas no recinto do Parlamento, referida imunidade assume, em regra, contornos absolutos, revelando intangibilidade para fins de responsabilização civil ou penal; e ii) quando em causa opiniões consideradas ofensivas, manifestadas fora do Parlamento, o reconhecimento da imunidade submete-se a uma condicionante, qual seja: a presença de nexo de causalidade entre o ato e o exercício da função parlamentar [...] (STF. Primeira Turma. Ag.Rg. na Pet. n. 8.630/DF. Rel. Min. Luiz Fux. DJe, 26/02/2020 – grifo nosso).

Resta definir, portanto, se a declaração do Querelado apresenta nexo de

causalidade com o exercício de sua função de parlamentar estadual, eis que, por

óbvio, não fora proferida nos limites da Assembleia Legislativa, mas por meio de sua

conta privada na rede social Twitter, portanto, fora do recinto do Parlamento, como

já decidiu o Supremo Tribunal Federal20. É necessário indagar, assim, se a

manifestação do Deputado se consubstancia em crítica política, referente a debate

público de interesse dos setores da sociedade.

E a resposta não pode ser outra, senão negativa, Excelências.

19 STF. Plenário. RE n. 210.917/RJ. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ, 18/06/2001. 20 STF. Primeira Turma. Ag.Rg. na Pet. n. 8.630/DF. Rel. Min. Luiz Fux. DJe, 26/02/2020.

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O teor das declarações é bastante elucidativo. Segundo o Querelado,

“Secretária da Casa Civil aparece grávida e Douglas Borba assume a paternidade.

Douglas é demitido e agora a secretária diz que o filho é do Governador Moisés e que

o teste de DNA deverá ser feito. Parece que o bombeiro andou apagando fogo fora da

Agronômica” (grifo nosso). Não restam dúvidas de que a manifestação do Deputado

não guarda qualquer relação com as funções do cargo que ocupa, exatamente

porque objetivou, única e exclusivamente, atingir a imagem do Querelante perante

a sociedade, sua própria família, e o conceito que tem de si.

Ora, por mais que tenha afirmado posteriormente se tratar de uma

“analogia” com questão diversa, com referência ao enfrentamento da pandemia da

COVID-19, em flagrante tentativa de esquivar-se de eventual responsabilização, fica

claro o desejo do Querelado de difamar e injuriar o Governador do Estado, de

maneira absolutamente dissociada de qualquer debate público de interesse da

sociedade, eis que a publicação no Twitter se traduz em mero ataque intencional e

premeditado à honra do Querelante, tanto em seu viés objetivo quanto subjetivo,

especialmente quando afirmou “Parece que o bombeiro andou apagando fogo fora da

Agronômica”, frase que, a despeito das esdrúxulas explicações em relação às demais

afirmações, não apresentou qualquer justificativa, ainda que, de antemão,

sabidamente não comportaria qualquer verossimilhança. A imunidade material

de que se socorreu o “gabinete do ódio” em outras oportunidades, não se

mantém no presente caso.

É importante que se diga, Excelências, que o Querelante, Governador do

Estado de Santa Catarina, respeita e prestigia a garantia constitucional da liberdade

de expressão. Da mesma forma, o Governador do Estado tem absoluto respeito

à Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina e a todos os seus

integrantes. A atividade parlamentar é um dos pilares do Estado Democrático de

Direito, e por isso revestida de prerrogativas constitucionais. Críticas políticas (até

as mais contundentes) fazem parte da vida democrática de nosso país, e é bom que

assim o continue sendo.

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Infelizmente, o caso concreto releva-se diferente. Está-se diante de

prática vil, rasa, marcada pela ofensa pessoal, pela mentira, pelo ódio

despropositado, que tem como fim único macular a imagem de terceiro e

angariar simpatizantes nas redes sociais. É contra essa prática que se está a

rebelar na presente ação, merecendo a conduta repreensão sob todas as formas,

especialmente porque, advinda de parlamentar estadual – que deveria zelar pelos

valores assegurados pelas Constituições Federal e do Estado de Santa Catarina –,

espera-se uma atuação pautada na responsabilidade, com dignidade e decoro.

Jamais a liberdade de expressão e as prerrogativas constitucionais

asseguradas aos parlamentares podem ser confundidas com a atitude sórdida

praticada pelo Deputado Estadual Jessé Lopes, que teve como especial finalidade

atentar contra a honra do Governador do Estado, por meio de fatos inverídicos e

desconectados da atuação parlamentar.

Portanto, neste cenário, não guardando nexo de causalidade entre a

manifestação proferida e o desempenho das funções do mandato eletivo21, não há

que se falar em inviolabilidade do Deputado Estadual por sua conduta, tendo em

vista ter ultrapassado os limites da garantia constitucional de imunidade material

parlamentar (artigos 27, §1º, e 53, caput, da CF), sendo plenamente responsável,

civil e penalmente, em virtude de sua atuação consciente e intencional de

humilhação pública do Querelante.

III. DEPUTADO ESTADUAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.

COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Assim como a imunidade material parlamentar, o foro por prerrogativa

de função – ratione personae – constitui garantia constitucional “do exercício da

função pelo agente público, tendo em vista a peculiaridade e importância de suas

atividades no sistema democrático. (...) É preciso enfatizar que a garantia

21 STF. Plenário. Inq. n. 3.932/DF e Pet n. 5.243/DF. Rel. Min. Luiz Fux. DJe, 09/09/2016.

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constitucional da prerrogativa de foro passa a ser tanto mais importante se se

considera que vivemos hoje numa sociedade extremamente complexa e pluralista, na

qual a possibilidade de contestação às escolhas públicas é amplíssima”22. E assim

dispõe a Constituição Federal, por exemplo, ao prever que compete ao Supremo

Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, processar e julgar, originariamente,

o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional,

seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República (art. 102, inciso I, alínea

b).

No que se refere aos deputados estaduais, cargo eletivo exercido pelo

Querelado, a Constituição Federal relegou às Constituições Estaduais a disciplina da

matéria, eis que dispôs em seu art. 125, § 1º, que a competência dos Tribunais

estaduais será definida pela Constituição do Estado respectivo, desde que

observado, com relação ao foro por prerrogativa de função, as limitações e alcance

impostos pela Carta Federal23.

Previu a Constituição do Estado de Santa Catarina, portanto, em seu art.

42, § 1º, que “Os Deputados, desde a expedição do diploma, serão submetidos a

julgamentos perante o Tribunal de Justiça do Estado”. Em atenção à determinação, o

Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, ao dispor

sobre as competências de seu Órgão Especial (art. 58, inciso I, alínea a), definiu que

incumbe ao órgão fracionário o processo e julgamento, originariamente, nos crimes

comuns, do vice-Governador do Estado, dos Deputados Estaduais e do Procurador-

Geral de Justiça. O Código de Processo Penal24, aliás, é também bastante claro ao

afirmar que a competência jurisdicional será determinada, dentre outras hipóteses,

pela prerrogativa de função.

A garantia, contudo, assim como a imunidade material parlamentar, não

constitui salvaguarda às relações privadas do ocupante do cargo, sendo necessário

22 CANOTILHO, J. J. Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz; MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. Ed. 2.– São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 2606. 23 STF. Plenário. ADI 2.553/MA. Red. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes. j, 15/05/2019. 24 Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: VII – a prerrogativa de função.

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o nexo de causalidade entre a conduta praticada e o exercício da função. Assim que,

no ano de 2018, revendo posição anteriormente consolidada, o STF definiu:

[...] (i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.25

Como já ressaltado em tópico anterior, muito embora o Querelado ocupe

atualmente o cargo eletivo de Deputado Estadual (2019-2022), é fato que o ato

praticado, e analisado nesta queixa-crime, não diz respeito às atribuições funcionais

do mandato parlamentar, o que conduziria ao afastamento da prerrogativa de foro

no Órgão Especial do TJSC.

Assim, entre a ausência de imunidade material parlamentar e o foro por

prerrogativa de função, haveria uma aparente incompatibilidade: (i) se há nexo de

causalidade com o exercício da função, mantém-se o foro por prerrogativa, mas se

afasta a possibilidade de configuração dos crimes contra a honra, em virtude da

imunidade material; ou (ii) se não há o nexo de causalidade, impõe-se o afastamento

da prerrogativa de foro, com a possibilidade de atribuição dos crimes contra a honra,

por inexistência da imunidade material.

A complexa e controvertida questão, contudo, Excelências, passa pela

necessária análise do órgão competente para decidir se o ato praticado se vincula

ou não às atribuições do cargo eletivo do sujeito ativo, eis que, uma vez existente o

nexo de causalidade – com o que não se concorda no presente caso –, impossibilitada

a configuração dos delitos contra a honra, em virtude da imunidade material

parlamentar.

Cabe ao órgão fracionário decidir, portanto, se a conduta do Querelado

ultrapassou os limites de proteção da imunidade material parlamentar, tese

25 STF. Plenário. QO na APn 937/RJ. Rel. Min. Luís Roberto Barroso. DJe, 11/12/2018 – grifo nosso.

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defendida pelo Querelante, haja vista a declaração instrumentalizada, por meio de

rede social de altíssimo alcance e impacto, não tratar de crítica política, mas de

ataque à honra do Governador do Estado.

Aliás, o STF tem afirmado, com fundamento no princípio Kompetenz-

Kompetenz26, que cabe à própria Corte a definição, caso a caso, acerca da incidência

ou não da sua competência originária. A situação é idêntica à retratada nesta queixa-

crime: cabe ao Órgão Especial do TJSC decidir se é ou não competente para o

processo e julgamento. Nesse sentido:

Deveras, o Reclamante foi diplomado no cargo de Senador da República, o qual lhe confere prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, b, da Constituição da República.

À luz do precedente firmado na AP 937-QO, compete ao Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento dos parlamentares por atos praticados durante o exercício do mandato e a ele relacionados.

[...]

Simultaneamente, o princípio da Kompetenz-Kompetenz incumbe ao Supremo Tribunal Federal a decisão, caso a caso, acerca da incidência ou não da sua competência originária, nos termos previstos no art. 102, I, b, da Constituição.27

É também o que ocorre, por exemplo, nos casos de competência da

Justiça Eleitoral, reafirmada no julgamento do Agravo Regimental no Inquérito n.

4.435/DF28. Cabe tão somente à Justiça especializada afirmar se é ou não

competente em cada caso concreto, atribuição que não pode ser exercida por

qualquer outro Juízo.

26 “A competência é um pressuposto processual subjetivo relativo ao juiz. O juiz é o primeiro a julgar sua própria competência. Todo órgão judiciário é juiz da própria competência (kompetenz-kompetenz)”. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal, 4 ed. – São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2018). 27 STF. Primeira Turma. MC na Rcl. 32.989/RJ. Rel. Min. Marco Aurélio. Decisão do Vice-Presidente da Corte, 16/01/2019 – grifo nosso. No mesmo sentido: STF. Segunda Turma. Rcl. 33.036/SE. Rel. Min. Celso de Mello. DJe, 06/02/2019. 28 COMPETÊNCIA – JUSTIÇA ELEITORAL – CRIMES CONEXOS. Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos – inteligência dos artigos 109, inciso IV, e 121 da Constituição Federal, 35, inciso II, do Código Eleitoral e 78, inciso IV, do Código de Processo Penal. (STF. Plenário. Ag. Reg. no Inq. 4.435/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJe, 21/08/2019).

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Assim, Excelências, defende-se que a competência originária para análise

da presente queixa-crime é dada, ao menos até seu eventual recebimento ou não

(art. 6º da Lei n. 8.038/90 c/c art. 1º da Lei n. 8.658/93), ao Órgão Especial do

Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

IV. FUNDAMENTOS JURÍDICOS.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o Querelado, muito embora tenha

tentado eximir-se de sua responsabilidade, formulando manifestações posteriores

no sentido de atribuir a outrem sua declaração, ou mesmo de afirmar que houve

“interpretação equivocada” dos leitores, acabou por confessar integralmente as

condutas delitivas praticadas em face do Querelante. A absurda tentativa de

justificar a publicação ofensiva, afirmando que [0’59’’], “Eu sou assim, sou impulsivo.

Eu penso nas coisas e faço. As vezes dá certo, as vezes dá errado. Mas eu sou assim”,

prestou-se apenas a ratificar a consciência do Deputado quanto aos seus próprios

atos e possíveis consequências deles decorrentes.

Aliás, ao se intitular liberal, conforme se depreende de suas

manifestações nas redes sociais29 e demais meios de comunicação, tem consciência

de que liberdade e responsabilidade são indissociáveis. Segundo Friedrich A.

Hayek30, – Liberdade não apenas significa que o indivíduo tem a oportunidade e, ao

mesmo tempo, a responsabilidade de escolher; também significa que deve arcar com

as consequências de suas ações, pelas quais será louvado ou criticado. Liberdade e

responsabilidade são inseparáveis. As lições de Friedrich A. Hayek mostram-se atuais

e necessárias, justamente quando do uso das redes sociais, lugares em que as

liberdades (incluindo a liberdade de expressão) não podem se confundir com

impunidade (ausência de responsabilidade).

29 Disponível em: https://twitter.com/depjesse/status/1125859204890279937. Acesso em 30/05/2020. 30 Os Fundamentos da Liberdade. – Trad. de Anna Maria Capovilla e José Ítalo Stelle. – Editora Visão, 1983. p. 90.

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Oportuna a ressalva feita pelo Ministro Luís Roberto Barroso, em seu

recente discurso de posse na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral:

Uma das grandes preocupações da Justiça Eleitoral são as chamadas fake news ou, mais apropriadamente, as campanhas de desinformação, difamação e de ódio. Refiro-me às informações intencionalmente falsas e deliberadamente propagadas. A internet permitiu a conexão de bilhões de pessoas pelo mundo afora em tempo real, dando lugar a fontes de informação independentes e aumentando o pluralismo de ideias em circulação. Porém, na medida em que as redes sociais adquiriram protagonismo no processo eleitoral, passaram a sofrer a atuação pervertida de milícias digitais, que disseminam o ódio e a radicalização. São terroristas virtuais que utilizam como tática a violência moral, em lugar de participarem do debate de ideias de maneira limpa e construtiva.31

A conduta delituosa praticada por Jessé Lopes não ataca tão

somente a honra de Moisés, Governador do Estado de Santa Catarina.

Vilipendia o valor da família; ataca e menospreza, de forma repugnante, a

importância da mulher na sociedade; incita o ódio e propaga a discórdia. Daí a

necessidade de o Poder Judiciário (e de a sociedade como um todo) repudiar tais

atos ilícitos.

A presente queixa-crime, portanto, tem como fundamento a existência de

crimes contra a honra do Querelante, nas modalidades difamação e injúria,

previstas, respectivamente, nos artigos 139 e 140 do Código Penal, em concurso

formal (art. 70 do CP). A autoria e materialidade, aliás, encontram-se devidamente

comprovadas por meio dos documentos anexos, constantes também no corpo desta

peça, destacando-se a postagem na rede social (datada de 25/05/2020) e o próprio

vídeo produzido pelo Querelado (datado de 26/05/2020).

Resta demonstrar, assim, em que medida estão configurados os crimes

de difamação e injúria. No intuito de melhor delineá-los, serão divididas as

imputações, conforme segue.

31 Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/discurso-de-posse-ministro-luis-roberto-barroso-25-05-2020/rybena_pdf?file=http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/discurso-de-posse-ministro-luis-roberto-barroso-25-05-2020/at_download/file. Acesso em 30/05/2020.

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IV.1. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DIFAMAÇÃO.

O art. 139 do Código Penal descreve como conduta delituosa “Difamar

alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”; é o conhecido crime de

difamação. Na lição de Nelson Hungria, a difamação “consiste na imputação de fato

que, embora sem revestir caráter criminoso, incide na reprovação ético-social e é,

portanto, ofensivo à reputação da pessoa a quem se atribui”32. A figura, aliás, possui

estreita relação com o crime de calúnia, com a ressalva quanto à imputação, pelo

sujeito ativo, de fato criminoso. O que se quer proteger é justamente a honra do

sujeito, sua reputação, boa fama, o conceito que a sociedade lhe atribui – honra

objetiva.

No que toca ao tipo objetivo, portanto, necessário perquirir se a

declaração do Querelado – Secretária da Casa Civil aparece grávida e Douglas Borba

assume a paternidade. Douglas é demitido e agora a secretária diz que o filho é do

Governador Moisés e que o teste de DNA deverá ser feito. Parece que o bombeiro andou

apagando fogo fora da Agronômica – constitui fato determinado ofensivo à

reputação do Governador do Estado e se chegou ao conhecimento de terceiras

pessoas.33

Pois bem. Como já se demonstrou, o Querelante contraiu matrimônio

com Késia Martins da Silva há mais de 27 anos. Da relação, nasceram duas filhas,

Raíssa e Sarah. A relação conjugal, construída e mantida com dedicação e afeto,

jamais fora questionada no que se refere à fidelidade do casal. O constrangimento e

a humilhação públicos decorrentes da afirmação do Querelado trouxeram danos

incalculáveis à honra e imagem do Querelante, exercente do cargo de Chefe do Poder

Executivo estadual, que exige boa reputação daquele que o ocupa, sob pena de total

descrédito da população. Inclusive, é certo que o fato gerou reprovação e desestima

do próprio círculo social em que vive o Querelante, manchando a sua imagem,

cultivada ao longo de anos.

32 Comentários ao Código Penal, volume. VI: arts. 137 ao 154. Ed. 5. – Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 84. 33 BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte especial : crimes contra a pessoa. Coleção Tratado de direito penal, volume 2. Ed. 20. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 1081-1082.

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Aliás, o material ora encartado e a notoriedade do fato propriamente não

deixam dúvidas de que a declaração do Querelado chegou ao conhecimento de

terceiros. Além disso, fica claro que a declaração imputa fato determinado, que se

consubstancia na impressão de um acontecimento concreto, bastando que a

“imputação seja clara o suficiente para que se individualize o fato desonroso que se

atribui”34, justamente o que ocorre no presente caso, quando afirmou o Querelado:

“Secretária da Casa Civil aparece grávida e Douglas Borba assume a paternidade.

Douglas é demitido e agora a secretária diz que o filho é do Governador Moisés e que

o teste de DNA deverá ser feito”. Resta, assim, no que toca ao tipo objetivo do delito,

devidamente comprovada a adequação típica da conduta do Querelado.

Já no que se refere ao elemento subjetivo do injusto – tipo subjetivo –,

importante destacar que a declaração do Deputado não tem mero ânimo de criticar,

o que é constitucionalmente garantido a todos os cidadãos, mas de efetivo animus

diffamandi. Destaca-se que o Querelado afirmou ter agido com pleno conhecimento

de sua conduta, “Eu sou assim, sou impulsivo. Eu penso nas coisas e faço. As vezes dá

certo, as vezes dá errado. Mas eu sou assim”35 (grifo nosso).

Não bastasse isso, depreende-se da declaração do Deputado a intenção

especial de difamar o agente público, ciente do alcance que sua falsa declaração

tomaria, sobretudo quando afirmou, “secretária diz que o filho é do Governador

Moisés”, tudo no intuito de desonrar o Querelado e trazer-lhe descrédito perante

terceiros. Aí o elemento subjetivo especial necessário à configuração do delito.

Também comprovada, portanto, a adequação típica da conduta do Querelado no que

se refere ao tipo subjetivo.

Ora, Excelências, não restam dúvidas de que a honra objetiva do

Querelante – homem honrado, com reputação ilibada e vida pública

irretocável, bem como relação conjugal constituída há mais de 27 anos – fora

atingida, de modo consciente e com animus diffamandi, pela declaração do

34 PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal: parte especial – arts. 121 a 249 do CP, volume 2. Ed. 3. – Rio de Janeiro:Forense, 2019. p. 321. 35 Doc. 06 – Vídeo Facebook, [0’59’’].

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Querelado, que imputou fato determinado e fora instrumentalizada por meio de

rede social de amplo acesso e alcance, dando conhecimento a terceiros.

Não havendo que se falar em excludentes de ilicitude e culpabilidade na

presente hipótese, a condenação do Querelado à pena prevista para o crime de

difamação é medida impositiva.

IV.2. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA.

Além do crime de difamação, é certo que a conduta do Querelado também

configurou o delito de injúria, assim previsto no art. 140 do Código Penal: “Injuriar

alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”.

Diferentemente da difamação, a injúria tem por escopo proteger a honra

do indivíduo em sua face subjetiva, ou seja, o conceito que o ofendido faz de si

próprio. Trata-se de ofensa à dignidade ou ao decoro, “que representam atributos

morais e atributos físicos e intelectuais, respectivamente”36, não sendo essencial que

o seu conteúdo seja comunicado a terceiros, pois suficiente que seja ouvido, lido ou

percebido apenas pelo ofendido. Segundo Nelson Hungria37, “dignidade é o

sentimento da nossa própria honorabilidade ou valor moral; decoro é o sentimento, a

consciência de nossa respeitabilidade pessoal”.

Quanto ao tipo objetivo, necessário avaliar se a conduta do Deputado

atribuiu qualidades negativas ao Querelante, se este tomou conhecimento da

declaração e se efetivamente sentiu-se humilhado. E a resposta, Excelências, não

pode ser outra, senão afirmativa, no sentido de que a conduta se adequa ao tipo.

Mais uma vez, reprisa-se a parte final da manifestação do Deputado:

“Parece que o bombeiro andou apagando fogo fora da Agronômica”. É notório que a

declaração do Querelado se traduz em ato de desprezo e desrespeito, com o intuito

de ofender a honra do Governador do Estado em seu aspecto interno. Verifica-se na

36 BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte especial : crimes contra a pessoa. Coleção Tratado de direito penal, volume 2. Ed. 20. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 1100. 37 Comentários ao Código Penal, volume. VI: arts. 137 ao 154. Ed. 5. – Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 91.

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conduta menosprezo quanto à qualidade moral que o Querelado atribui a si mesmo,

de fidelidade matrimonial, e, do mesmo modo, com a função exercida por Carlos

Moisés ao longo de 30 anos, de Bombeiro Militar, da qual muito se orgulha.

Salienta-se, Excelências, que a declaração injuriosa não decorre

necessariamente do sentido literal do texto ou da expressão manifestados, mas sim

do contexto em que empregada, a fim de definir seu verdadeiro sentido38. Não há

dúvidas, portanto, de que a conduta de Jessé Lopes preenche o tipo objetivo do crime

de injúria.

Além disso, com relação ao tipo subjetivo, caracteriza-se evidente a

efetiva consciência do Querelado acerca do ato que praticou, bem como a especial

intenção de ofender a honra do Governador do Estado Carlos Moisés. Como já

comprovado, o animus injuriandi é inconteste, atribuindo ao Querelado um juízo

depreciativo de sua qualidade moral, a fim de macular a sua honra.

Assim, novamente não havendo que se falar em excludentes de ilicitude

e culpabilidade na presente hipótese, a condenação do Querelado à pena prevista

para o crime de injúria é medida impositiva.

V. INCIDÊNCIA DAS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA PREVISTAS NO

ART. 141, INCISOS II e III, DO CÓDIGO PENAL.

Por fim, cumpre destacar que incide na espécie as causas de aumento de

pena previstas no art. 141, incisos II e III, do Código Penal, eis que os crimes de

difamação e injúria se deram em face de agente público, em razão de suas funções,

por meio que facilitou a divulgação das ofensas, fato causador de especial dano à

honra do Governador do Estado.

Com relação à primeira delas, que diz respeito à qualidade de funcionário

público, o Querelado, mencionando expressamente o cargo ocupado por Moisés, de

38 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal : parte especial – arts. 121 a 212 do Código Penal. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 216-217.

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Governador do Estado, busca relacionar a hierarquia do Chefe do Poder Executivo

estadual com uma inverídica relação extraconjugal, mencionando inclusive a

residência oficial do Governo do Estado. Dá a entender o Deputado que Moisés

estaria se utilizando do cargo para a realização de atos de infidelidade matrimonial,

fato sabidamente falacioso. É clara, portanto, a incidência da causa de aumento de

pena do art. 141, inciso II, do CP.

Além disso, como já comprovado, a declaração do Querelado se deu por

meio da rede social Twitter, com largo alcance e amplo acesso de terceiros, inclusive

com intensa circulação das ofensas pelo WhatsApp. Nesse sentido, “[...] verifica-se

que as injúrias (e difamação) ocorreram publicamente nas redes sociais, onde

centenas de pessoas puderam ter conhecimento das ofensas proferidas pelo réu em

desfavor da vítima [...]”39, autorizando, assim, também a causa de aumento de pena

prevista no art. 141, inciso III, do CP.

Restam plenamente configurados, portanto, os crimes de difamação e

injúria, em concurso formal, bem como as causas de aumento de pena decorrentes

da função exercida pelo Querelante e o meio em que se deu a declaração.

VI. REQUERIMENTOS

Ante o exposto, presentes as condições da ação, pugna o Querelante seja

processada a presente queixa-crime, determinando-se a notificação do Querelado

para apresentar resposta, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme determina o art.

4º da Lei n. 8.038/90. Após, se apresentados novos documentos, seja oportunizado

ao Querelante sobre eles se manifestar ou, acaso não apresentados, seja dado vista

dos autos ao Ministério Público para manifestação, por meio de sua Procuradoria-

Geral de Justiça (art. 5º, caput e §1º, da Lei n. 8.038/90). Recebida a queixa-crime e

instruída a ação penal, requer-se, ao final, a condenação de JESSÉ DE FARIA LOPES

39 TJSC. Quinta Câmara Criminal. Apelação Criminal n. 0301101-08.2014.8.24.0020, de Criciúma. Rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza. j, 20/02/2020

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às penas cominadas nos artigos 139 e 140 do Código Penal, na forma de seu art. 70,

c/c art. 141, incisos II e III, do mesmo diploma legal.

Como prova do alegado, além dos documentos ora juntados,

comprobatórios da autoria e materialidade dos delitos, crimes estes devidamente

configurados no presente caso, pugna-se pela produção de prova testemunhal, a

qual consta em rol anexo.

Ademais, em se tratando do sistema eletrônico eproc-TJSC, e em atenção

ao art. 806 do CPP, informa-se que as custas processuais40, inerentes ao exercício de

ação penal privada, serão recolhidas após o peticionamento da presente queixa-

crime, quando será disponibilizada a sua guia.

Ainda, requer-se a condenação do Querelado ao pagamento das custas

processuais e de honorários advocatícios41.

Nestes termos, requer deferimento.

Florianópolis/SC, 3 de junho de 2020.

Marcos Fey Probst OAB/SC n. 20.781

Edinando Luiz Brustolin OAB/SC 21.087

Luis Irapuan Campelo Bessa Neto

OAB/SC n. 41.393

Carlos Moisés da Silva

Governador do Estado de Santa Catarina

40 Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). 41 Acerca da possibilidade: STJ. Quinta Turma. Ag.Rg. no REsp. 1.417.694/SP. Rel. Min. Ribeiro Dantas. DJe 25/04/2018.

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ROL DE TESTEMUNHAS

1) GONZALO PEREIRA, brasileiro, casado, Secretário da Comunicação do Estado de

Santa Catarina, com endereço funcional na Rodovia SC-401 km 05, n. 4600, bairro

Saco Grande 2, Florianópolis/SC, CEP 88032-000, endereço eletrônico:

[email protected].