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Excelentíssimo Senhor Desembargador da 3ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Digníssimo Relator Ângelo Malanga Embargos Infringentes nº 9092747-45.2002.8.26.0000 Embargante: Fazenda do Estado de São Paulo Embargado: Ministério Público do Estado de São Paulo CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos, devidamente constituída na forma da lei como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, inscrita no CNPJ sob o nº. 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Barão de Itapetininga, 93, 5º andar, São Paulo/ SP, neste ato representada por sua diretora executiva e bastante representante nos termos de seu Estatuto Social, Sra. Lucia Nader, brasileira, solteira, cientista política, RG nº 29.570.625-5 SSP, inscrita no CPF/MF sob nº 276.635.148-58, residente e domiciliada na Alameda Franca, 853, apto 121, Cerqueira Cesar, São Paulo SP, 01422-001, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, manifestar-se como AMICUS CURIAE nos Embargos Infringentes nº 9092747-45.2002.8.26.0000, interpostos pela Fazenda do Estado de São Paulo em face da decisão que deu provimento ao recurso de Apelação nº. 0260454.5/7-00, reformando a sentença que julgava improcedente Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, nos termos a seguir:

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Excelentíssimo Senhor Desembargador da 3ª Câmara de Direito

Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Digníssimo Relator Ângelo Malanga

Embargos Infringentes nº 9092747-45.2002.8.26.0000

Embargante: Fazenda do Estado de São Paulo

Embargado: Ministério Público do Estado de São Paulo

CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos,

devidamente constituída na forma da lei como Organização da Sociedade Civil de Interesse

Público, inscrita no CNPJ sob o nº. 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Barão de

Itapetininga, 93, 5º andar, São Paulo/ SP, neste ato representada por sua diretora executiva

e bastante representante nos termos de seu Estatuto Social, Sra. Lucia Nader, brasileira,

solteira, cientista política, RG nº 29.570.625-5 SSP, inscrita no CPF/MF sob nº

276.635.148-58, residente e domiciliada na Alameda Franca, 853, apto 121, Cerqueira Cesar,

São Paulo – SP, 01422-001, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência,

manifestar-se como

AMICUS CURIAE

nos Embargos Infringentes nº 9092747-45.2002.8.26.0000, interpostos pela Fazenda do

Estado de São Paulo em face da decisão que deu provimento ao recurso de Apelação nº.

0260454.5/7-00, reformando a sentença que julgava improcedente Ação Civil Pública

ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, nos termos a seguir:

2

I) POSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO DA ENTIDADE COMO AMICUS CURIAE

A figura do “amicus curiae”, do latim “amigo da corte”, tem por objetivo a

pluralização do debate jurisdicional em casos de grande relevância pública. Trata-se de

manifestação de entidades, organizações e especialistas que não possuem interesse próprio

na demanda, mas sim especialidade e notoriedade em relação ao tema discutido, podendo

contribuir com argumentos de fato e de direito para a demanda a ser julgada.

No Brasil, a figura do amicus curiae foi regulamentada em 1999 por meio das Leis

9.868 e 9.882, que dispõem sobre a ação direta de inconstitucionalidade e a argüição de

descumprimento de preceito fundamental, respectivamente. Não obstante, mesmo antes da

edição de tais leis, há o registro da utilização da figura do amicus curiae em procedimentos

judiciais de distintas naturezas, tanto em âmbito constitucional como nas cortes estaduais.

Os critérios estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal na admissão de

manifestações como amici curiae são pautados, portanto, em dois fundamentos: na relevância

pública e jurídica do caso; e na representatividade adequada dos manifestantes.

No caso ora em debate neste Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, discute-se a

situação dos presos com condenação definitiva que se encontram em Cadeias Públicas dos

Distritos Policiais e Delegacias Especializadas da Capital, locais que deveriam receber

apenas presos provisórios. A demanda apresentada pelo Ministério Público estadual,

visando proibir o recolhimento e a custódia desses presos definitivamente condenados,

bem como a imediata remoção para estabelecimentos prisionais adequados dos que já se

encontram nessa situação, faz parte de um quadro mais amplo de superlotação carcerária.

Como será demonstrado adiante, nesse cenário, os presos sofrem as mais graves violações

de direitos humanos.

3

O caso, portanto, é da maior relevância, levando ao judiciário um pedido cujo

deslinde pode ser um importante meio de assegurar direitos básicos a pessoas que

enfrentam condições degradantes de sobrevivência.

Também são inegáveis a representatividade e a especialidade da organização que ora

propõe esta manifestação. A Conectas Direitos Humanos tem como objetivo estatutário

promover, apoiar, monitorar e avaliar projetos em direitos humanos em nível nacional e

internacional, em especial: I– promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos

humanos, da democracia e de outros valores universais; VI – promoção e defesa dos

direitos humanos em âmbito judicial (www.conectas.org).

Por meio de seu Programa de Justiça Artigo 1º, Conectas promove advocacia

estratégica em direitos humanos, em âmbito nacional e internacional, com o objetivo de

alterar as práticas institucionais e sociais que desencadeiam sistemáticas violações de

direitos humanos. É hoje a organização com maior número de amici curiae frente ao

Supremo Tribunal Federal1. Além disso, em seus dez anos de existência, a Conectas

desenvolveu uma expertise na utilização do sistema judicial para coibir práticas violadoras

de direitos humanos, conseguindo respostas positivas na imensa maioria dos casos.

É importante destacar que a manifestação como amicus curiae não é intervenção de

terceiros ou assistência às partes do processo, como é expressamente vedado pelo

Regimento Interno do Tribunal de Justiça e pela própria legislação federal que trata do

tema.

Ademais, não se pode olvidar, como já mencionado, que o Supremo Tribunal

Federal tem consolidado o entendimento de que a possibilidade de manifestação da

sociedade civil em tais processos tem o objetivo de democratizar o processo judicial,

1Pesquisa desenvolvida em dissertação de mestrado Sociedade civil e democracia: a participação da sociedade civil como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal, de Eloísa Machado de Almeida.

4

oferecendo novos elementos para os julgamentos. É o que se depreende da ementa de

julgamento da ADIn 2130-3/SC:

“(...) - A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae,

no processo objetivo de controle normativo abstrato,

qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da

Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois

viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura

do processo de fiscalização concentrada de

constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize,

sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a

possibilidade de participação formal de entidades e de

instituições que efetivamente representem os interesses

gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais

e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.

Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99

- que contém a base normativa legitimadora da intervenção

processual do amicus curiae - tem por precípua finalidade

pluralizar o debate constitucional”. (grifamos)

Com a possibilidade de manifestações da sociedade civil nas ações, busca-se a

representação da pluralidade e diversidade sociais nas razões e argumentos a serem

considerados por este Egrégio Tribunal de Justiça, conferindo, inegavelmente, maior

qualidade nas decisões. Restam, desde modo, devidamente demonstrados os requisitos

necessários para a admissão da presente manifestação na qualidade de amicus curiae, quais

sejam: relevância da matéria discutida e representatividade da postulante.

Este Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em outras oportunidades, quando do

julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 166.129.0/0-00 e 166.921.0/5-00, já

admitiu a entidade na qualidade de amicus curiae.

5

Requer-se, assim, aplicação por analogia das Leis 9.868/99 e 9.882/99, permitindo-

se a manifestação da organização requerente como amicus curiae nos autos dos embargos

infringentes em epígrafe.

II – BREVE HISTÓRICO DA AÇÃO E SUA RELEVÂNCIA

Do objeto da demanda e sua atualidade

A Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em

1998, em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, requereu a condenação do

Estado paulista a:

(i) não encarcerar e não manter encarcerados em Cadeias Públicas dos

Distritos Policiais e em Delegacias de Polícia Especializadas da Capital

presos com condenação definitiva (obrigação de não fazer);

(ii) remover todos os presos com condenações definitivas, transitadas

em julgado, atuais e futuros, que estejam em Cadeias Públicas dos

Distritos Policias e em Delegacias de Polícia Especializadas da Capital,

assim como quaisquer presos provisórios que venham a ser

definitivamente condenados, para Estabelecimentos Prisionais

adequados e pertencentes à Secretaria dos Estabelecimentos

Penitenciários do Estado (obrigação de fazer).

Isso porque, segundo consta na petição inicial do Ministério Público, “A

Administração Pública Estadual vem, reiteradamente, de forma continuada, há muitos

anos, mantendo, encarcerados, nas Cadeias Públicas dos Distritos Policiais e das Delegacias

de Polícia Especializadas, presos com condenações definitivas, para ali cumprirem as suas

penas”.

6

Uma série de dados alarmantes foi apresentada pelo proponente, incluindo um

resumo da situação caótica de cada um dos Distritos Policiais. No 7º Distrito Policial, por

exemplo, havia cinco celas, com capacidade total para cinqüenta presos. No entanto, o DP

abrigava cento e cinqüenta e cinco presos, sendo oitenta e dois condenados

definitivamente.

As atas de visitas realizadas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo

também são ilustrativas. Em alguns Distritos Policiais, constatou-se, entre outros

problemas: superlotação carcerária, presos com condenação definitiva dividindo cela com

presos provisórios, condições precárias e insalubres e inexistência de segurança.

A medida liminar requerida pelo Ministério Público foi parcialmente concedida e

posteriormente derrubada pela 1ª Câmara deste Tribunal. O pedido foi então julgado

improcedente em sentença proferida pelo Juiz de Direito Dr. Valentino Aparecido de

Andrade em 4 de setembro de 2001.

Inconformado com a decisão, o Ministério Público estadual apelou, requerendo o

conhecimento e provimento do recurso para reformar o julgado de primeira instância.

O pedido da apelação foi acolhido, restando a Fazenda do Estado condenada a

cumprir com as obrigações de fazer e não fazer acima delimitadas. A exemplar decisão

desta 3ª Câmara de Direito Público considerou preliminarmente a ação civil pública

instrumento de tutela coletiva cabível, posto que “tem o escopo de tutelar direitos difusos,

coletivos e individuais homogêneos, bem como direitos e garantias fundamentais e sociais”,

além de entender que a matéria de fundo seria questão de direito público.

No mérito, o acórdão revelou corretamente que o objeto da ação faria parte da

chamada “Meta Zero”, do Conselho Nacional de Justiça, cujo intuito seria justamente

reduzir a zero o número de presos em delegacias. Ainda, foi considerado não haver notícias

de que o cenário de excesso de presos e as condições precárias das cadeias tivesse se

alterado, em clara afronta à Constituição de 1988 e à Lei de Execuções Penais. O acórdão

7

apresentou também um panorama da jurisprudência do tribunal estadual autorizando a

remoção de presos, a limitação do número de encarcerados e a interdição de

estabelecimentos prisionais.

O seguinte trecho do acórdão demonstra a gravidade da situação objeto da

demanda:

“No mais, a apelada traz estatística sobre o crescimento da população

carcerária no Brasil e a dificuldade de se equacionar o elevado

contingente de presos. Esse argumento não justifica, de forma

alguma, a manutenção de seres humanos em condições subumanas e

degradantes. O Estado deve adiantar-se aos fatos para que o caos não

se instale no sistema penitenciário brasileiro” (p. 8 do acórdão).

Foi vencido o desembargador Leonel Costa, que votou pela extinção do processo

sem resolução de mérito devido à impossibilidade jurídica do pedido e à carência da ação,

gerando controvérsia acerca da adequabilidade da via processual utilizada e da competência

da Seção de Direito Público, questões essas que são objeto destes embargos infringentes.

Conectas Direitos Humanos vem oferecer razões a V. Exas. para que o

julgamento destes embargos avaliem com especial consideração o impacto da

decisão para a prevalência e garantia dos direitos humanos no cenário carcerário

mais amplo do estado de São Paulo.

A petição inicial da Ação Civil Pública apresenta a realidade dos presos definitivos e

provisórios em São Paulo no ano de 1998. Mesmo que algumas mudanças tenham

ocorrido nesse período de treze anos que se estende da propositura da ação até os

dias de hoje, a situação atual do sistema prisional estadual ainda constitui uma

afronta aos direitos humanos.

8

Nesse sentido, a organização requerente pretende trazer ao conhecimento deste

Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo conhecimentos específicos, que agregam aos

autos informações atualizadas sobre a realidade carcerária do Estado de São Paulo,

especialmente no que concerne a permanente violação de garantias constitucionalmente

asseguradas.

Como será demonstrado mais detalhadamente, as unidades prisionais: (i)

comportam muito mais presos do que sua capacidade permite; (ii) não têm estrutura para

garantir direitos básicos; (iii) são ambientes onde maus tratos e torturas tornaram-se

práticas recorrentes, dentre outros, o que propicia reiteradas violações de direitos humanos

no sistema.

II – FATOS: A REALIDADE DO SISTEMA CARCERÁRIO E AS VIOLAÇÕES DE

DIREITOS HUMANOS

As realidades dos sistemas carcerários nacional e estadual, marcadas pela

superlotação, pelo uso de violência por parte dos agentes do Estado e pela completa

ausência de infraestrutura, geram sistemáticas violações de direitos humanos. A

manutenção de presos com condenações definitivas junto a presos provisórios é apenas um

exemplo dessa situação, contrariando não somente previsões legais, mas também garantias

constitucionais.

(a) Superlotação

O Brasil está em 4º lugar em termos de total da população carcerária e em 31º em

termos de superlotação do mundo2. Um terço da população prisional do país encontra-se

no estado de São Paulo, o que corresponde a aproximadamente 170 mil presos.

2 International Centre for Prison Studies. Disponível em: http://www.prsonstudies.org. (última consulta em 5/10/2011.)

9

Isso porque tanto no sistema prisional brasileiro quanto no paulista, vê-se um

problema comum: a implementação de uma política de encarceramento em massa

resulta em um número muito maior de pessoas presas do que os estabelecimentos

podem comportar.

No Relatório Sobre Inspeção em Estabelecimentos Penais do Estado de São Paulo,

produzido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária a partir de

inspeções realizadas entre fevereiro e maio de 2011, vê-se a seguinte conclusão:

A primeira constatação é a da superlotação. Com algumas poucas exceções, quase

todas as unidades inspecionadas estão superlotadas, com população carcerária, em

alguns casos, em dobro ou até mais da capacidade permitida3.

Para se ter uma ideia da situação no Brasil, o número de presos cresceu 102% entre

2000 e 2009. Atualmente, há 496.251 presos no sistema penitenciário e na Secretaria de

Segurança Pública, enquanto o déficit de vagas é de 197.976, segundo dados do

Departamento Penitenciário Nacional do Ministério de Justiça (DEPEN). O gráfico abaixo,

elaborado com base nesses dados, ilustra bem o abismo entre a quantidade de presos e a

disponibilidade de vagas no sistema prisional brasileiro nos últimos anos4.

3 Relatório Sobre Inspeção em Estabelecimentos Penais do Estado de São Paulo - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, 2011, p.1. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRIE.htm. (último acesso em 15/09/2011). As uni-dades prisionais inspecionadas foram: Cadeia Pública de Batatais (Masculina); Centro de Detenção Provisória de Franca; Cadeia Pública de Franca (Feminina); Centro de Detenção Provisória de Ribeirão Preto, Penitenci-ária de Ribeirão Preto, Centros de Detenção Provisória de Pinheiros I e II, Penitenciária Feminina de Sant´Ana e Centros de Detenção Provisória de Belém I e II e Alas de Progressão I e II. 4 Gráfico elaborado com base em informações extraídas de: InfoPen Estatística. Brasília, dez/2008, dez/2009 e dez/2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm (último acesso em 16/09/2011)

10

A divisão por Estados da federação deixa evidente que se trata de um fenômeno

que atinge todas as regiões brasileiras, chegando a mais de 50% em algumas localidades5:

No Estado de São Paulo, como se vê na ilustração abaixo, a situação não é

diferente. De 2008 para 2010, o déficit aumentou em 20.000 vagas6:

5 Mapa elaborado com base em informações extraídas de: InfoPen Estatística. Brasília, 2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm (último acesso em 08/10/2011)

Déficit de vagas no Brasil (2010)

11

A superlotação carcerária tem diversas implicações negativas no que concerne aos

direitos dos presos. Os tópicos apresentados como conclusão da Comissão Parlamentar de

Inquérito do Sistema Carcerário, realizada em 2009 no âmbito da Câmara dos Deputados7,

são bem ilustrativos da situação dramática em que vivem os presos brasileiros:

1 – Falta de assistência material 2 – Acomodações: caso de polícia 3 – Higiene: não existe nas

cadeias

4 – Vestuário: nudez absoluta 5 – Alimentação: fome,

corrupção e comida no saco

6 – Assistência à saúde: dor e

doenças

7 – Assistência médica: falta

tudo

8 – Assistência farmacêutica:

um só remédio para todas as

doenças

9 – Assistência odontológica:

extrai dente bom no lugar do

estragado

6 Gráfico elaborado com base em informações extraídas de: InfoPen Estatística. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm (último acesso em 25/09/2011) 7 Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Série Ação Parlamentar, nº 384.

12

10 – Assistência psicológica:

fábrica de loucos

11 – Assistência jurídica: nó

cego a ser desatado

12 – Assistência educacional:

ignorância como princípio

13 – Assistência social:

abandono e desespero

14 – Assistência ao egresso: feras

soltas na rua

15 – Assistência religiosa: só

Deus não salva

16 – Superlotação: inferno em

carne viva

18 – Comércio: exploração da

miséria

19 – Contato com o mundo

exterior: isolamento

20 - Água e luz: uma esmola de

cada vez

21 – Sem sol, sem ventilação e

na escuridão

22 – Tortura e maus tratos:

agonia todo dia

Não é preciso muito esforço para notar que tais conclusões denunciam uma

situação de graves e inadmissíveis violações aos direitos humanos.

Nas celas superlotadas, a saúde dos presos fica altamente comprometida. A falta de

higiene e a ausência de ventilação e iluminação adequadas tornam o ambiente propício a

disseminação de doenças e epidemias. A CPI acima mencionada constatou em suas

diligências “situações de miséria humana”. Por exemplo, no Centro de Detenção Provisória

de Pinheiros, em São Paulo, “vários presos com tuberculose misturavam-se, em cela

superlotada, com outros presos aparentemente ‘saudáveis’”8. Além disso, a impossibilidade

de descanso gera doenças psiquiátricas graves.

Como agravante do problema tem-se ainda o fato de que o Estado não fornece o

número de médicos necessário para atender esta população de modo adequado. De acordo

com dados oficiais, o Brasil conta com 422 médicos clínicos gerais para todo o seu sistema

penitenciário e com 496 enfermeiros9. Contudo, a resolução nº 9 de 2006 do Conselho

Nacional de Política Criminal Penitenciária determina que é necessário ao menos um

8 Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Série Ação Parlamentar, nº 384, p. 203.

9 InfoPen Estatística. Brasília, 2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm. (Último acesso em 26/09/2011).

13

médico clínico e um enfermeiro para cada 500 presos10. Supondo que todos os médicos e

enfermeiros que estão na lista oficial dos profissionais lotados no sistema penitenciário

estivessem na ativa, o número já seria altamente insuficiente, pois seriam necessários

aproximadamente 992 médicos e 992 enfermeiros, ou seja, praticamente o dobro.

As redes de água e esgoto também são insuficientes para suprir as demandas dos

presos, que se apresentam em número bem maior do que as unidades prisionais foram

planejadas para abrigar.

A falta de profissionais nessas unidades compromete ainda a segurança dos

próprios presos. O corpo de funcionários foi pensado para lidar com certa quantidade de

presos, porém a superlotação faz com que eles não consigam exercer todas as atividades

que deveriam.

A assistência social aos encarcerados também deixa muito a desejar. A CPI do

Sistema Carcerário constatou que “nas cadeias públicas e nos centros de detenção

provisória profissionais dessa área inexistem”11. Trata-se de mais uma afronta à Lei de

Execuções Penais, que prevê, em seu artigo 22, que “a assistência social tem por finalidade

amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade”. Tal carência

certamente vai de encontro ao ideal de ressocialização do preso. Nesse sentido:

“A reabilitação na prisão requer, portanto, segurança, assistência

médica adequada, trabalho, envolvimento em atividades educacionais,

culturais e recreativas, contato com a família, com amigos e com o

mundo externo. Isso não é possível onde há superlotação, número de

presos desproporcional aos funcionários disponíveis, e todos os

outros problemas que acompanham a superlotação. Apenas por meio

da redução do número de prisões é possível, mesmo para países com 10 Resolução CNPCP nº 9, de 13 de novembro de 2009. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC7BBEEA7ITEMIDF250F7EFB32E4A798B4D8429FD19374DPTBRNN.htm (Última consulta em: 26/09/2011). 11 Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Série Ação Parlamentar, nº 384, p. 234.

14

muitos recursos, tornar as prisões instituições mais efetivas para

reabilitação e ressocialização” 12.

Nas condições descritas, o cumprimento da pena chega a ser cruel e degradante,

exatamente como a Constituição proíbe. Como se não bastasse, são comuns os casos de

maus tratos e tortura dentro dos estabelecimentos prisionais. A CPI do Sistema Carcerário

é precisa ao concluir que “o sistema carcerário nacional é, seguramente, um campo de

torturas psicológicas e físicas”, apontando ainda que o espancamento é “rotina nas cadeias

brasileiras” 13.

Este Egrégio Tribunal de Justiça, inclusive, tem jurisprudência que reconhece o

problema da superlotação carcerária, entendendo que o excesso de presos resulta em

condições insalubres, que ferem a dignidade da pessoa humana:

“Na hipótese dos autos, observa-se que a situação da Cadeia Pública

de Viradouro, à época da propositura desta ação civil pública, não era

adequada, em afronta a todos os dispositivos supracitados[…] Ade-

mais, é incontroverso, nos autos, que, em virtude da reforma empre-

endida na Cadeia Pública de Bebedouro, havia, de fato, superlotação

na Cadeia Pública de Viradouro. Muito embora o local tenha capaci-

dade para acomodar quarenta e oito detentos, abrigava, quando da

propositura da demanda, sessenta e nove presos, dentre os quais al-

guns já condenados (fls. 38). Ora, a situação já era péssima e, com o

excesso de encarcerados, evidentemente, tornou-se um cenário insa-

lubre, propício à promiscuidade, a rebeliões e fugas”. (Apelação nº

994.06.159805-6, 12ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Osvaldo de Oli-

veira, 12/05/2010)

12Making Law and Policy that Work: a handbook for law and policy-makers on reforming criminal justice and penal legislation, policy and practice, Penal Reform International, Londres, 2010, p. 64 (tradução livre). 13 Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Série Ação Parlamentar, nº 384, p. 270.

15

A superlotação enquanto feixe gerador de violações de direitos humanos está

presente também em medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de

Direitos Humanos. No caso relativo a pessoas privadas de liberdade na 76ª Delegacia de

Polícia na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, levou-se à Comissão a situação de permanente

perigo e más condições de detenção produto da superlotação (Petição 1113-06/2007).

Dentre as cautelares, foi determinado “reduzir substancialmente a superlotação nas celas da

76ª DP”.

Outro caso emblemático foi levado à CIDH por Conectas, Instituto Pro Bono, e

Conselho Comunitário Penitenciário de Guarujá e Vicente de Carvalho e outras

organizações, denunciando violações de direitos humanos na Cadeia Pública do Guarujá,

no Estado de São Paulo. Também nesse caso as medidas cautelares estabelecem uma

relação direta entre tais violações e a superlotação, visto que foi determinado que o Brasil

reduzisse a superpopulação na Cadeia Pública do Guarujá a um nível que permitisse garantir a vida e a

integridade pessoal dos internos (MC 63/2007).

b) Violação ao direito constitucional da individualização da pena

Apesar de alguns estados brasileiros estarem caminhando no sentido de reduzir o

número de presos sob custódia das Secretarias de Segurança Pública, há evidências de que

o problema não deixou de ser atual.

Por exemplo, uma das diretrizes resultantes da Conferência Nacional de Segurança

Pública, realizada em 2009, foi justamente: Desvincular totalmente a custódia de presos, tanto

provisórios como condenados, das secretarias de segurança pública conforme as recomendações internacionais.

Assim, não é raro que, nos estabelecimentos de responsabilidade da Secretaria de

Segurança Pública, sejam mantidos presos definitivos. A CPI do Sistema Carcerário

percebe que:

16

“Cadeia pública não é local de cumprimento de pena. No entanto, a

grande maioria dos Estados brasileiros se utiliza das velhas cadeias

públicas e delegacias de polícia para cumprimento de pena. O preso

responde seu processo na cadeia e nela continua cumprindo toda a sua

pena”14.

O Relator das Nações Unidas sobre Tortura (Nigel Rodley), em sua visita ao Brasil

em 2000, elaborou recomendações a serem cumpridas pelo país. As avaliações mais

recentes sobre a implementação dessas recomendações têm mostrado que não houve

avanços no que concerne à seguinte recomendação:

“A assustadora situação de superpopulação em alguns

estabelecimentos de prisão provisória e instituições prisionais precisa

acabar imediatamente, se necessário mediante ação do executivo,

exercendo clemência, por exemplo, com relação a certas categorias de

presos, tais como transgressores primários não violentos ou suspeitos

de transgressão. A lei que exige a separação entre categorias de presos deveria

ser implementada” 15.

No Estado de São Paulo, a situação é a mesma:

“Nesses casos, os estabelecimentos mais parecem depósitos de

presos, sem a mais mínima condição de qualquer ação no sentido de

humanização da pena. Até mesmo nesses estabelecimentos, foi

14 Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Série Ação Parlamentar, nº 384, p. 244. 15 Conselho de Direitos Humanos. Report of the Special Rapporteur on torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment, Manfred Nowak – Addendum – Follow-up to the recommendations made by the Special Rapporteur Visits to Azerbaijan, Brazil, Cameroon, China (People’s Republic of), Den-mark, Georgia, Indonesia, Jordan, Kenya, Mongolia, Nepal, Nigeria, Paraguay, the Republic of Moldova, Romania, Spain, Sri Lanka, Uzbekistan and Togo,26 fev. 2010, A/HRC/13/39/Add.6.Disponível em <http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/13session/A.HRC.13.39.Add%206_EFS.pdf>. (último acesso em 27/10/2011).

17

constatada a perniciosa convivência de presos condenados (que já deveriam estar

em estabelecimentos adequados) com provisórios”16.

A manutenção de presos com condenação definitiva sob tutela da Secretaria de

Segurança Pública - e não do sistema penitenciário – afronta a Constituição Federal, que

elege a individualização da pena como uma das garantias fundamentais que devem

ser asseguradas a todos (artigo 5º, XLVI).

A previsão da Lei de Execução Penal, com o objetivo de cumprir tal preceito

constitucional é clara: O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em

julgado (art. 84, caput).

Ainda, a Lei 12.403/2011, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, alterou

o Código de Processo Penal ao estabelecer que as pessoas presas provisoriamente ficarão separadas

das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal (art. 300 do CPP).

Em âmbito internacional, não é diferente. As Regras Mínimas para Tratamento de

Prisioneiros, da Organização das Nações Unidas, inclui: As pessoas presas preventivamente

deverão ser mantidas separadas dos presos condenados (artigo 8.b).

A Resolução nº 14/1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

(CNPCP), por sua vez, estabelece regras mínimas para o tratamento de presos no Brasil,

determinando que presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabeleci-

mentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação

judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o trata-

mento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena (artigo 7º).

Não é à toa que o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência que considera

inadequada e ilegal a manutenção do preso que já tem condenação definitiva em 16 Relatório Sobre Inspeção em Estabelecimentos Penais do Estado de São Paulo - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, 2011, p.1. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRIE.htm. (último acesso em 17/10/2011).

18

estabelecimento próprio aos presos provisórios. No caso, trata-se de preso condenado a

dezessete anos e seis meses de reclusão que demanda remoção para Cadeia Pública:

“Todavia, não há falar de participação familiar sem antes idealizar o

estabelecimento prisional adequado à situação do comando do título

executivo, porquanto o cumprimento da pena em estabelecimento

destinado à conservação dos presos provisórios esvaziaria o esforço

do sistema na recondução futura do convívio social, além,

naturalmente, de conspirar contra as disposições legais. Ordem

denegada”. (HC 30.106/GO, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca,

Quinta Turma, julgado em 23/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 326)

É verdade que o contingente de presos nas Secretarias de Segurança Pública

paulista tem diminuído ao longo dos anos. Dados oficiais mostram essa melhora no

cenário, indicando que uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo seria

capaz de concluir uma reforma que já se iniciou17:

17 Elaborado com base em informações extraídas de: Sistema Penitenciário no Brasil. Dados consolidados. Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça, 2008, pp. 37-39.

19

Em outras palavras, trata-se de uma demanda viável para a qual já existe uma

tendência evidente.

c) A manutenção de presos sob custódia das Secretarias de Segurança Pública

e a facilitação de violações a direitos humanos

A realidade confere-nos elementos suficientes para compreender a razão pela qual

não é aceitável que os presos, principalmente definitivos, sejam mantidos sob a

responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública.

Em primeiro lugar, é temerário que as autoridades investigativas exerçam funções

que caberiam aos agentes penitenciários. De um lado, essa situação é ilegal, visto que às

polícias civis compete apenas exercer as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,

exceto as militares (Constituição Federal, art. 144, § 4º). De outro, as autoridades investigativas

podem abusar de seu poder de custódia para pressionar suspeitos. Pesquisas mostram que,

de fato, isso tem acontecido – e da maneira mais grave: sob tortura18.

18 O gráfico foi elaborado com base nos dados apresentados na publicação da Pastoral Carcerária: Relatório sobre tortura: uma experiência de monitoramento dos locais de detenção para prevenção da tortura. São Paulo, 2010, p. 48. Disponível em: http://www.carceraria.org.br/default2.asp (último acesso em 25/09/2011). A pesquisa traba-lhou com questionários preenchidos por agentes pastorais de catorze estados diferentes.

20

Ainda, a despeito da previsão, o que se vê é que a polícia civil tem acumulado suas

funções designadas constitucionalmente com as funções que deveriam caber apenas às

autoridades prisionais. O Relatório Sobre Inspeção em Estabelecimentos Penais do Estado

de São Paulo, produzido pelo CNPCP em 2011 identifica que:

“Algumas unidades prisionais (as cadeias públicas) são administradas

pela polícia civil, sob comando de delegados de polícia e policiais

incumbidos da guarda dos presos. Nestes casos, a precariedade é

visível, sob todos os aspectos. As estruturas físicas e funcionais

deixam muito a desejar. Cadeias públicas em prédios velhos e

condições de acautelamento muito precárias, o que importa, de modo

geral, em comprometimento do tratamento do preso”19.

Vê-se que os estabelecimentos da Secretaria de Segurança Pública não têm sequer a

estrutura necessária para a boa realização do trabalho policial e muito menos para que

sejam efetivados os direitos básicos dos presos ao lazer, a educação, a visitas, entre outros.

Esses lugares não oferecem serviços laborais e educacionais, tampouco garantem condições

mínimas de segurança, como bem diagnosticou a CPI do Sistema Carcerário: “Salas de

aula, ambulatórios, oficinas de trabalho e demais instalações que visem garantir a assistência

prevista na LEP são lendas em tais estabelecimentos”20.

No mais, a própria estrutura física de estabelecimentos destinados a receber presos

provisórios não é projetada para manter pessoas encarceradas por um longo período de

tempo. Veja-se o exemplo da Cadeia Pública do Guarujá:

19 Relatório Sobre Inspeção em Estabelecimentos Penais do Estado de São Paulo - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, 2011, p.1. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRIE.htm. (último acesso em 17/10/2011). 20 Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Série Ação Parlamentar, nº 384, p. 244.

21

Nos Centros de Detenção Provisória, que ainda não existiam quando a ação foi

proposta, sabe-se que também há presos com condenação definitiva. O CDP da Vila

Independência é um exemplo dessa situação. No dia 7 de junho de 2011, o Conselho da

Comunidade de São Paulo constatou que havia 2.200 presos nesse CDP, sendo 508 deles

com condenação definitiva.

As informações aqui apresentadas mostram que não é viável que presos continuem

sob custódia da Secretaria de Segurança Pública. Frise-se que a mudança não é uma

pretensão distante, senão um processo que já se iniciou e falta pouco (apenas 9.400 presos)

para ser concluído no Estado de São Paulo.

Cadeia Pública do Guarujá 1: Celas úmidas, apertadas e escuras Cadeia Pública do Guarujá 2: Inexistência de colchões

Cadeia Pública do Guarujá 3: Enfermaria em condições precárias

Cadeia Pública do Guarujá 4: Ventilador improvisado devido à falta de ventilação

Cadeia Pública do Guarujá 5: Garrafas com urina, pois os presos têm direito de ir ao banheiro apenas uma vez por dia.

22

Lembrando que o déficit de vagas no sistema prisional de São Paulo foi de 44.917

vagas em 2008 para 64.681 em 2010, vê-se que a política de encarceramento atingiu um

ponto inviável frente ao qual o aumento do número de vagas não é uma solução

praticamente possível, tampouco desejável.

Por tudo isso, vê-se que o passar do tempo não solucionou problemas

fundamentais do sistema carcerário, mantendo-se a relevância da inicial apresentada pelo

Ministério Público do Estado de São Paulo.

III – Fatores que levam à superlotação

A superlotação carcerária brasileira não é um problema de falta de vagas, mas sim

de uso abusivo de prisões provisórias e de excesso de prazo nessas prisões, que mantêm

encarceradas pessoas que deveriam estar em liberdade. Em geral, são essas mesmas pessoas

as que mais sofrem com as dificuldades de acesso à justiça e com a lentidão nos

julgamentos.

a) Uso indiscriminado da prisão provisória

A superlotação do sistema carcerário resulta, em grande parte, do uso

indiscriminado da prisão provisória pelos juízes. Tanto é que, em seus mutirões, o Conselho

Nacional de Justiça constatou que o uso da prisão provisória é feito, por vezes, de maneira

irregular e até em afronta ao texto constitucional. De 2008 a 2010, o CNJ revisou 156.708

processos, beneficiando 41.404 presos, dos quais 23.915 obtiveram a liberdade21. Nesse

sentido, o relatório produzido a partir dos mutirões é ilustrativo:

“Em relação ao preso provisório, à guisa de ilustração, o mutirão já

identificou processos com quatorze anos sem julgamento em

21 Informação disponível em: Em dois anos, mais de 41 mil pessoas foram beneficiadas pelos mutirões carcerários. Cf. http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9668&Itemid=675 (último acesso em 02/10/2011)

23

primeiro grau de jurisdição e outros com três anos sem denúncia do

Ministério Público”22.

Em uma dessas iniciativas do Conselho, foi feita uma sobreposição dos números

relativos aos presos provisórios e aos presos condenados. Em alguns anos, as quantidades

são realmente próximas23:

Segundo o mesmo levantamento, os presos provisórios compõem nada menos que

44% da população carcerária do país e 36% dos encarcerados do Estado de São Paulo. Nos

Centros de Detenção Provisória (CDPs), diversos presos aguardam julgamento por um

tempo muito maior do que os três meses previstos em lei, em contradição com o direito

constitucional da razoável duração do processo.

Os dados abaixo deixam evidente, unidade por unidade, a discrepância entre o

número de presos provisórios e as vagas oferecidas nos CDPs de São Paulo24. O déficit

total é de 27.863 vagas!

22 Cf. Relatório Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas - DMF. Brasília, novembro de 2010, p.7. 23 Levantamento de dados disponível em: http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/eventos/encontros-nacionais/2-encontro-nacional-do-judiciario/96-noticias/6105 (último acesso em 03/10/2011)

24

CDP Capacidade População Americana 576 1149 Bauru 768 1402 "Tácio Aparecido Santana" de Caiuá 768 941 Campinas 768 1399 CDP "Dr. José Eduardo Mariz de Oliveira" de Caraguatatuba 768 1014 Diadema 576 1137 Franca 768 806 Feminino de Franco da Rocha 864 1431 "ASP Giovani Martins Rodrigues" de Guarulhos 768 1343 II de Guarulhos 768 2044 Hortolândia 768 1796 "ASP Nilton Celestino" de Itapecerica da Serra + APP 768 2066 Jundiaí 768 1289 Mauá 576 1190 Mogi das Cruzes 768 1351 "Ederson Vieira de Jesus" de Osasco 768 2082 "ASP Vanda Rita Brito do Rego" de Osasco 768 2129 "Nelson Furlan" de Piracicaba 512 1444 Praia Grande 512 1192 Ribeirão Preto 556 740 Santo André 512 1633 "Dr. Calixto Antonio" de São Bernardo do Campo 768 2168 São José do Rio Preto 768 1477 São José dos Campos 512 1209 ASP Vicente Luzan da Silva" de Pinheiros 520 1354 "ASP Willians Nogueira Benjamin" de Pinheiros 512 1218 III de Pinheiros 512 1152 IV de Pinheiros 512 1639 Vila Independência 768 2066 Chácara Belém I +APP 768 1894 "ASP Paulo Gilberto de Araújo" de Chácara Belém +APP 768 1126 "Luis César Lacerda" de São Vicente 768 1702 Serra Azul 768 1210 Sorocaba 576 1447 Suzano 768 1702 "Dr. Félix Nobre de Campos" de Taubaté 768 1645 Total 24724 52587 Déficit 27863

24 Tabela elaborada com base em dados da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.sap.sp.gov.br/ (último acesso em 12/09/2011)

25

O poder judiciário tem reconhecido a gravidade dessa situação, a exemplo da

decisão do Juiz de Direito Titular da 1ª Vara das Execuções Criminais e Corregedor dos

Presídios, Cláudio do Prado Amaral. A sentença, ao invés de fechar os olhos à realidade,

tem como ponto de partida as condições concretas de um dos CDPs da capital:

Conforme consta dos autos, a unidade prisional em referência possui capacidade

para 512 presos. Por ocasião da última visita correcional, em 29/11/2007,

contava com 1599 presos, ou seja, mais de 03 vezes a sua capacidade. É

tranqüilo concluir que a situação é absurda e intolerável. As celas inspecionadas

na última visita correcional têm área bruta de 28,71 metros quadrados.

Subtraídos os espaços ocupados pelas cinco fileiras de “camas” fixadas às paredes

e a área do “banheiro”, resta uma área útil (chão de cela) de 21,45 metros

quadrados. Nestas condições acomodam-se até 40 presos, alguns dormindo

suspensos (sobre os demais presos), em tecidos presos às paredes de modo a imitar

uma “rede” de descanso.

As modalidades de prisão provisória têm perdido seu caráter de excepcionalidade.

Pior do que isso, não são poucos os casos de pessoas que ficam presas por meses e, quando

julgadas, são condenadas a pena restritiva de direitos - e não privativa de liberdade. Há

pesquisas que mostram que, nos casos de furto, o tempo médio de permanência de uma

pessoa primeiro presa processualmente e depois condenada à pena restritiva de direitos é

de 71,59 dias, ou seja, mais de dois meses25.

Existe vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal comprovando que os

excessos e ilegalidades na prisão provisória são uma realidade:

“Excesso de prazo da prisão. Demora na solução de conflito de

competência: paciente preso há um ano e dois meses. (...). O excesso

de prazo da prisão em razão da demora na fixação do foro competente

configura constrangimento ilegal à liberdade de locomoção” (HC

25 Barreto, Fabiana Costa Oliveira. Flagrante e prisão provisória em casos de furto: da presunção de inocência à antecipação de pena. São Paulo: IBCCRIM, 2007.

26

94.247, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-6-2008, Primeira Turma,

DJE de 9-5-2008.)

“Paciente mantido preso por prazo excessivo unicamente em

decorrência da prisão em flagrante. Ausência de situação fática

vinculada a qualquer das hipóteses listadas no artigo 312 do Código de

Processo Penal. (...) Constrangimento ilegal caracterizado.” (HC 96.415,

Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-11-2008, Segunda Turma, DJE de 24-

4-2009.)

“(...) Constitui situação de injusto constrangimento ao status libertatis

do indiciado ou do réu a decisão judicial que, sem indicar fatos

concretos que demonstrem, objetivamente, a imprescindibilidade da

manutenção da prisão em flagrante, denega ao paciente a liberdade

provisória que lhe assegura o parágrafo único do art. 310 do CPP.” (HC

94.157, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-6-2008, Segunda Turma,

DJE de 28-3-2011.)

“A apresentação espontânea do réu demonstra que não existia a

intenção de fuga, não havendo nos autos motivo para a decretação

de sua prisão preventiva.” (HC 104.635, Rel. Min. Cármen Lúcia,

julgamento em 15-2-2011, Primeira Turma, DJE de 3-5-2011.)

“Mostra-se desproporcional a custódia cautelar do paciente,

considerados o tempo em que ele permaneceu preso (cinco meses) e a

pena aplicada em primeira instância (um ano de detenção). [...] Ordem

concedida para, confirmando a liminar, revogar em definitivo o decreto

de prisão preventiva e permitir que o paciente aguarde em liberdade o

julgamento do recurso.” (HC 101.146, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,

julgamento em 29-6-2010, Primeira Turma, DJE de 20-8-2010.)

27

Vê-se, portanto, que há motivos consistentes para se afirmar que o problema da

superlotação carcerária está fortemente relacionado ao fato de haver pessoas presas que

deveriam estar em liberdade.

(b) Falta de acesso à justiça

No Estado de São Paulo, assim como em outros estados da federação, não há

defensores públicos em número suficiente para assistir a todos que têm necessidade de

auxílio do Estado. A imensa maioria da população carcerária sabidamente tem necessidade

dos serviços da Defensoria Pública.

Informações relativas ao perfil dos presos mostram que eles fazem parte de um

grupo socialmente marginalizado. No que concerne ao grau de instrução, o gráfico a seguir

é ilustrativo, mostrando que, no Estado de São Paulo, mais da metade dos presos não chega

a completar o Ensino Fundamental26:

26 InfoPen Estatística. Brasília, 2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm (último acesso em 30/09/2011)

28

A falta de acesso dessa população a defensores é um problema freqüente. Trata-se

de uma situação grave visto que, no processo penal brasileiro, a Defensoria exerce papel

fundamental na defesa técnica, a qual constitui elemento imprescindível da ampla defesa.

Essa deficiência, por vezes, compromete o próprio resultado do processo, abrindo caminho

para condenações e penas injustas. Os mutirões do CNJ que revisaram vários processos e

resultaram em benefícios a 41.404 presos, sendo que quase 24.000 obtiveram a liberdade,

configuram prova cabal de que há situações irregulares.

Dados do 4º Relatório Nacional sobre Direitos Humanos no Brasil mostram que,

em 2007, o Brasil possuía 1,9 defensor público para cada 100 mil habitantes. Nesse

cenário, o Estado de São Paulo apresentava a menor relação de defensores por 100

mil habitantes, sendo esse número de apenas 0,227.

No III Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, publicado pelo Ministério da

Justiça em 2009, constata-se que, na relação entre população alvo (maiores de 10 anos com

renda até 3 salários mínimos) e defensores públicos, São Paulo ficou entre os piores, junto

com Alagoas e Maranhão. Veja-se a comparação entre os estados da Região Sudeste28:

27 4° Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil. Núcleo de Estudos da Violência – Universidade de São Paulo, 2010, p.17. 28 III Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Ministério da Justiça, 2009, pp. 106-107.

29

Ainda, sabe-se que, por diversas razões estruturais, o Judiciário enfrenta

dificuldades para dar respostas céleres às demandas. O Conselho Nacional de Justiça

divulgou a carga de trabalho de cada justiça estadual, a qual é composta pela soma dos

casos novos, dos casos pendentes, dos recursos internos e dos recursos internos pendentes.

São Paulo tem a quarta maior carga de trabalho, como se vê abaixo29.

Nesse cenário, são quase 3 mil processos por magistrado no estado de São Paulo30.

O Judiciário demora a dar respostas porque está sobrecarregado, além de contar com

poucos recursos de modernização.

Conjugando-se os dois fatores - morosidade da justiça e falta de acesso à defensoria

-, conclui-se que o réu que não tem como pagar um advogado pode sofrer ainda mais com

29 Gráfico elaborado com base nos dados do estudo do Conselho Nacional de Justiça, Justiça em números 2009. Brasília, 2010, p. 149. O documento original apresenta todos os estados da federação. Para este gráfico, foram selecionados cinco de cada grupo (pequeno, médio e grande porte). 30 Justiça em números 2009. Conselho Nacional de Justiça. Brasília, 2010, p. 149

30

a lentidão da tramitação dos processos, além de ver comprometido o seu direito a ampla

defesa e ao contraditório.

Em síntese, as prisões provisórias em desacordo com a lei, constatadas pelo CNJ,

poderiam ser evitadas caso esses presos tivessem acesso a uma defesa técnica. Tanto nos

casos em que essas prisões não se enquadram em nenhuma das hipóteses legais, quanto nas

vezes em que duram mais tempo do que o permitido, a atuação de um advogado faria uma

diferença substancial.

IV - IMPORTÂNCIA DE UMA DECISÃO QUE AFIRME UM SISTEMA CARCERÁRIO DE

ACORDO COM DIREITOS HUMANOS

Os dados apresentados até aqui sugerem que se tem hoje, no estado de São Paulo,

uma política de encarceramento exatamente oposta ao que seria uma política respeitosa aos

direitos humanos.

É preciso, contudo, evitar distorções. O problema não deriva da falta de vagas,

mas sim do fato das unidades já existentes estarem ocupadas por quem não deveria

ocupá-las.

É comum que o poder público apresente a construção de novas unidades prisionais

como solução ao problema da superpopulação carcerária. Essa resposta, além de não

solucionar tal problema, pode até chegar a agravá-lo. A expectativa de construção de mais

estabelecimentos prisionais acaba por mascarar os problemas centrais, que até hoje não

foram solucionados: a superlotação carcerária resultante de uma política desenfreada de

encarceramento em massa.

Em segundo lugar, mesmo que o aumento da quantidade de estabelecimentos fosse

uma boa ideia em tese – o que já se viu que não é – a população carcerária do Estado de

São Paulo cresce em ritmo acelerado. Ou seja, trata-se de uma solução inviável a curto e

a longo prazos.

31

Atualmente, o Brasil é o 31º país em superlotação carcerária do mundo, tendo um

déficit de 197.976 vagas. Para suprir essa demanda, seriam necessários 396 novos

estabelecimentos penais, com capacidade para 500 presos cada um. Porém, como o número

de presos que ingressam no sistema por mês é maior do que a quantidade que o deixa31, a

construção de mais vagas é uma estratégia insuficiente para a solução do problema da

superlotação.

Veja-se o crescimento desenfreado da população carcerária brasileira no breve

período de cinco anos32:

E em São Paulo, em apenas sete anos, o número de presos no sistema penitenciário

foi de 99.026 para 163.676. Isso quer dizer que, em 2010, já havia 64.650 presos a mais do

que em 200333:

31 Cf. O Estado de São Paulo, Número de presos cresce 13,4% em um ano no Brasil. 12/05/2008. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,numero-de-presos-cresce-134-em-um-ano-no-brasil,171219,0.htm (último acesso em 12/10/2011).

32 InfoPen Estatística. Brasília, 2006 a 2010 (quadros gerais). Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm. (último acesso em 26/09/2011).

33 InfoPen Estatística. Brasília, 2003 a 2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm. (último acesso em 10/10/2011).

32

Nenhuma política focada na construção de novos estabelecimentos é capaz de

incluir toda essa população carcerária. O diretor do Departamento Penitenciário do Estado

do Paraná, Maurício Kuehne, considera que, com a ampliação de unidades, “estamos

enxugando gelo”, sendo necessária uma mudança radical no modelo de segurança pública,

pois “não adianta só reprimir e fazer mais cadeias, não há dinheiro que chegue”34.

No mais, a política de aumento de vagas não resolve os problemas mais graves

apresentados, a exemplo da violência institucional e da deficiência na prestação de

atendimento médico aos presos, ao que se soma a falta de atividades de educação e trabalho

– em 2010, menos de 10% dos presos no sistema penitenciário paulista estavam em

atividade educacional e apenas um quarto deles estavam em programas de laborterapia35.

Sequer o problema da violência pode ser solucionado por essa política, o que se comprova

pelo fato de que, a despeito de haver cada vez mais pessoas presas, a taxa de reincidência,

segundo dados do CNJ, chega a 70%36.

34 Cf. O Estado de São Paulo, Número de presos cresce 13,4% em um ano no Brasil. 12/05/2008. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,numero-de-presos-cresce-134-em-um-ano-no-brasil,171219,0.htm (último acesso em 12/10/2011). 35 InfoPen Estatística. Brasília, dez/2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm (último acesso em 20/10/2011). 36 Cf. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça, 2010, p. 126.

33

Um sistema carcerário de acordo com direitos humanos só pode ser aquele em que

os direitos à saúde, à integridade física, ao devido processo legal, entre tantos outros, são

levados a sério, ao contrário do que ocorre atualmente. Isso só será possível quando

medidas judiciais caminharem no sentido de reestruturar o sistema prisional, o que pode

ser feito nos presentes embargos infringentes.

Esta é a posição corroborada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos,

um dos principais órgãos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA).

Conectas, Instituto Pro Bono, e Conselho Comunitário Penitenciário de Guarujá e Vicente

de Carvalho impugnaram as condições desumanas de encarceramento da superlotada

Cadeia Pública do Guarujá, onde adolescentes e adultos ficavam presos juntos.

As organizações obtiveram como resposta a concessão de medidas cautelares

determinando a retirada dos adolescentes e a realização de diligências necessárias para

garantia da integridade dos adultos (MC 63/2007).

Esta resposta da Comissão está afinada com sua jurisprudência, que vem

ordenando ao Brasil e a outros países com problemas semelhantes que protejam a vida e a

integridade das pessoas privadas da liberdade.

V- CONCLUSÃO

Em síntese, o presente pedido de ingresso como amicus curiae apresenta a este

Egrégio Tribunal evidências de que o sistema carcerário estadual ainda enfrenta sérios

problemas de desrespeito aos direitos humanos.

O excesso de penas de prisão impostas resulta em um cenário de superlotação no

qual garantias básicas tornam-se absolutamente inviáveis. A violação ao direito

constitucional da individualização da pena, por meio da manutenção de presos com

condenação definitiva em unidades destinadas a abrigar presos provisórios, é um exemplo

de irregularidade que pode ser sanada por este tribunal.

34

Os presos sob custódia da Secretaria de Segurança Pública sofrem ainda mais com a

falta de acesso a serviços de saúde, educação, segurança e trabalho – além da ocorrência de

maus tratos e tortura. Já foi iniciado o processo de remoção de presos desses

estabelecimentos e a redução que se conseguiu nos últimos anos mostra que a chamada

“meta zero” do Conselho Nacional de Justiça é viável, sendo a presente decisão uma

oportunidade para que o judiciário colabore com tal meta.

VI- PEDIDO

Diante de todo o exposto, requer a organização:

a) que seja admitida a presente manifestação na qualidade de amicus curiae nos autos dos

Embargos Infringentes nº 9092747-45.2002.8.26.0000;

b) que seja permitida a sustentação oral dos argumentos quando do julgamento dos

embargos;

c) que, caso não acolhidos os pedidos anteriores, seja a presente petição e documentos

recebidos como memoriais.

Nestes termos,

Pede deferimento.

São Paulo, 03 de novembro de 2011.

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Flávia Xavier Annenberg Marcos Roberto Fuchs

OAB/SP nº 310.355 OAB/SP sob nº 101.663