exame crítico às leis - eusougarcialeal.files.wordpress.com · no entanto, o direito romano já...

42

Upload: truongdung

Post on 07-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

ExamE CrítiCo às LEisdE EL-rEi d. afonso iii

José dominguesProfessor da Universidade Lusíada do Porto

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 187

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

“E tão grande justiça exerceu no reino que, tal como antes da sua chegada, em qualquer lugar do reino de Portugal vigorava o feito da guerra, a rapina e a devastação, assim sob o seu poder e pela sua acção mais amplamente prosperou e prevaleceu a paz, a segurança e a tranquilidade; qualquer um se podia sentar à sombra da sua figueira ou da sua videira, gozando com alegria os alimentos de sua mesa; qualquer um dormia descansado em sua casa; qualquer um tinha condições para transportar consigo tesouros de prata e ouro, quantidades grandes ou pequenas de qualquer substância preciosa, por todo o reino de Portugal. Mesmo por sítios intransitáveis e desertos, por bosques com sombras e esconderijos, por caminhos de cabras, pelas grutas de montes estendidos ou erguidos até às nuvens, o fedor dos corpos queimados em prol da justiça transformava-se, nas narinas de quem quer que fosse, em odor de incenso ou de qualquer substância aromática”.

Liber illlustrium personarum, de João Gil de Zamora (c. 1241-1318), apud Leontina Ventura, D. Afonso III, 2012.

rEsumo

A política legislativa de D. Afonso III tem sido aferida a partir do acervo coligido nos Portugaliae Monumenta Historica, uma obra de meados do século XIX, sem paralelo na iurishistoriografia portuguesa, que se mantém como um dos esteios mais seguros para se estudar e entender as estruturas normativas do reinado do Bolonhês. No entanto, o reconhecido contributo megalítico de Alexandre Herculano não obstará a que –suum quique tribuere– se dê a Afonso III o que é de Afonso III. Por isso, neste curto trabalho fica questionado se, como comummente se afirma, terá sido Afonso III o monarca mais legislador da Idade Média portuguesa, ao ponto de já se apelar a um “império da lei” ao longo do seu reinado (1248-1279).

188 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

PaLavras ChavEDireito Medieval Português; Leis de D. Afonso III; Ius Proprium.

abstraCt

Legislative policy of king Afonso III has been assessed from the collection Portugaliae Monumenta Historica, a work of mid-nineteenth century, unique in the Portuguese juris-history, that remains as one of the safest props to study and understand the normative structures of the Bolonhês reign. However, the recognized contribution megalithic of Alexandre Herculano shall not prevent that the –suum quique tribuere– Afonso III give up what is Afonso III. Therefore, in this brief work it is questioned whether, as commonly stated, Afonso III has been the most legislator monarch of the Portuguese Middle Ages to the point of already speaking in a Rule of law throughout his reign (1248-1279).

KEy-wordsMedieval Portuguese Law; Laws of Afonso III; Ius Proprium.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 189

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

Foram tais as mudanças produzidas no campo do Direito e da Justiça durante as mais de três décadas do reinado (1248-1279) de D. Afonso III (1210 †1279), cognominado o Bolonhês, que passou a ser usado como indicador para o início de um novo período da História do Direito Português1. Sem entrar na problemática da divisão ou periodificação, parece-me oportuno ter em mente que, nas palavras de Ruy e Martim de Albuquerque, «o ordenamento jurídico de uma época não nasce de um acto instantâneo. É constituído por normas herdadas das épocas anteriores e por outras que se vão acrescentando paulatinamente. Por isso, a ideia de sistema, com a sua pretensão de fazer correr entre as diferentes épocas uma parede separadora, dogmaticamente errada, torna-se historicamente inaceitável. A periodificação não pode ser tomada senão dentro da ideia de que se não quebra a continuidade histórica. Há factos jurídicos e sociais que transitam de uma época para a outra, e as inovações frequentemente só aceleram ou desenvolvem tendências já latentes ou que se fazem sentir muito depois da sua produção e à maneira que vão ocorrendo vários eventos cuja conjugação com elas se produz sob a forma de concausa de novos fenómenos»2.

Mesmo restringido a um cariz jurídico-político, está muito longe dos modestos propósitos deste trabalho traçar sequer um arco completo ao labor legiferante afonsino e em proveito da Justiça. Neste âmbito, não será de somenos deixar referenciado para o seu reinado, v. g., o momento de aceitação e inclusão da jusrisromanística na legislação portuguesa3; a instituição da magistratura dos

1 V. g., Marcello CAETANO, História do Direito (Séc. XII-XVI), seguida de Subsídios para a História das Fontes do Direito em Portugal no Séc. XVI, textos introdutórios e notas de Nuno Espinosa Gomes da Silva, Editorial Verbo, 4.ª Edição, Lisboa / São Paulo, 2000: «Consolidação do Estado (1248-1495)»; Nuno Espinosa Gomes da SILVA, História do Direito Português – Fontes de Direito, 5.ª edição revista e actualizada, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2011: «Época de Recepção do Direito Comum (1248-c. 1446)»; Mário Júlio de Almeida e COSTA, História do Direito Português, 5.ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2011: «Período do Direito Português de Inspiração Romano-Canónica».

2 Ruy de ALBUQUERQUE e Martim de ALBUQUERQUE, História do Direito Português, vol. 1, Sintra, 2005, p. 13.

3 José DOMINGUES, “Recepção do Ius commune medieval em Portugal, até às Ordenações Afonsinas”, em Initium 17, 2012, p. 143; Fátima Regina FERNANDES, “A Recepção do Direito Romano no Ocidente Europeu Medieval: Portugal, um caso de afirmação régia”, em História: Questões & Debates 41, Curitiba, 2004, pp. 73-83. Albuquerque e Albuquerque, História do Direito Português, pp. 339-341. No entanto, o Direito romano já é utilizado em Portugal desde, pelo menos, o reinado anterior de D. Sancho II, conforme atilou André VITÓRIA, Legal Culture in Portugal from the Twelfth

190 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

meirinhos-mores, que preparou e antecedeu a dos corregedores de comarca4; a outorga de cerca de noventa e dois (92) forais5, etc… Mas o cerne deste estudo irá gravitar –conforme dita o próprio título geral acolhido– em torno das leis régias concedidas pelo terceiro Afonso, o quinto monarca da dinastia fundacional no reino de Portugal e dos Algarves.

Os Portugaliae Monumenta Historica de Alexandre Herculano, com mais de cento e cinquenta anos, sublevaram o número de actos legislativos que lhe são imputáveis –do trabalho árduo e paciência beneditina do Solitário de Vale de Lobos resultou um cômputo final de duzentas e trinta e três (233) diplomas legais6–, que tem sido servilmente admitido pela jurishistoriografia hodierna7.

to the Fourteenth Centuries, Doctoral dissertation in Medieval History submitted at the Universidade do Porto, Porto, 2012.

4 José DOMINGUES, “Os Primórdios do Ius Corrigendi em Portugal: Os Meirinhos-mores de D. Afonso III”, em Revista Direito – Lusíada Porto, n.º 1 e 2, Porto, 2011, pp. 171-205, em http://www.academia.edu/3099263/_Os_primordios_do_Ius_corrigendi_em_Portugal_Os_meirinhos-mores_de_D._Afonso_III_ (consultado no dia 7 de Agosto de 2013).

5 José MARQUES, “O foral da Póvoa de Varzim de 1308, no contexto da política dionisina de organização e defesa do território nacional”, em Boletim Cultural de Póvoa de Varzim, vol. 42, 2008, p. 307.

6 Alexandre HERCULANO, Portugalliae Monumenta Historica: A saeculo octavo post christum usque ad quintumdecimum – Leges et Consuetudines, vol. 1 fasc. 2, Academia das Ciências, Lisboa, 1858, em http://www.quinto.com.br/pmhVIII.htm (consultado no dia 6 de Agosto de 2013) [= PMH Leges]; cf. também Manuel BENTO, Subsídios para a História do Direito Português (Notas dos «Portugaliae Monumenta Historica»), União Gráfica, Lisboa, 1941, pp. 37-68.

7 Entre os mais recentes, v. g., VITÓRIA, Legal Culture in Portugal from the Twelfth to the Fourteenth Centuries, p. 119 –“Over 230 decrees can be ascribed to Afonso III”–; Leontina VENTURA e António Resende de OLIVEIRA, “Os Livros do Rei: Administração e cultura no tempo de D. Afonso III”, em Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, vol. 25, Imprensa da Universidade, Coimbra, 2012, p. 188, em http://iduc.uc.pt/index.php/boletimauc/article/view/455/368 (consultado no dia 31 de Agosto de 2013) –“no governo de D. Afonso III impôs-se (…) o «império da lei». Alexandre Herculano ao organizar os Portugaliae Monumenta Historica, pôde, assim, recolher 233 leis atribuídas a este monarca”–; Leontina Domingos VENTURA, D. Afonso III, 7.ª edição, Círculo de Leitores, 2012, p. 129 –“Em suma: tendo como especial desígnio a estabilidade do reino e o bem comum, as suas 233 leis incidiram sobremaneira…”–; Judite A. Gonçalves de FREITAS, O Estado em Portugal (Séculos XII-XVI): Modernidades Medievais, Alêtheia Editores, 2012 –«Afonso III (1248-1279) promulga duzentas e trinta e três (233) leis»–; COSTA, História do Direito Português, p. 288, nota 1 –“Encontram-se identificados, até finais do século XIII, cerca de 250 textos que podem incluir-se num sentido amplo de «lei» (posturas, degredos, estabelecimentos, ordenação e constituições). Conjectura-se que 220, aproximadamente, se situem entre 1248/1279”– ; SILVA, História do Direito Português, p. 283 –“Afonso III promulgará duzentas e trinta e três leis”–; CAETANO, História do Direito, p. 344 –“a partir de D. Afonso III multiplicam-se as leis régias. (…) De D. Afonso III conhecem-se mais de 200 leis”–; José DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas – Três Séculos de Direito medieval (1211-1512), Zéfiro Editora, Sintra, 2008, pp. 474-506, em http://www.academia.edu/3123263/As_Ordenacoes_Afonsinas_-_Tres_Seculos_de_Direito_Medieval_1211-1512_ (consultado no dia 6 de Agosto de 2013); Maria Teresa da Silva MORAIS, “Leis gerais desde o início da monarquia até ao fim do reinado de D. Afonso III. Levantamento comparativo entre os Portugaliae Monumenta Historica, o Livro das Leis e Posturas e as Ordenações de D. Duarte”, relatório de Mestrado da cadeira de História do Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1984/85, publicado em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, Lisboa, 2004, pp. 807-882; Fátima Regina FERNANDES, Comentários à Legislação Medieval Portuguesa de Afonso III, Curitiba: Juruá, 2000; Armando Luís de Carvalho HOMEM, “Dionisius et Alfonsus, Dei Gratia Reges et Communis Utilitatis Gratia Legiferi”, em Revista da Faculdade de Letras – História, II série, vol. IX, Porto, 1994, p. 15 –“«corpus» de 233 leis”–,

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 191

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

A inclusão desta verba da legislação medieval portuguesa –D. Afonso III (1248-1279)– no Corpus Legislativo da Idade Média Anotado (CLIMA)8 tornou inescusável uma revisão prévia à formalidade dos actos em causa, acompanhada de um juízo crítico e ponderado. O resultado segue nas próximas laudas. Repito: não se trata de uma análise monográfica, crítica e profunda à legislação de D. Afonso III, apenas uma singela emenda à tipologia dos actos promanados –sobretudo, diferenciando as leis do rei de outros monumentos com valor de lei desse reinado–, matizada com uma parca actualização de alguns registos manuscritos da época medieval que entretanto vieram à liça, não só para as leis novas como também para as já conhecidas; e muito menos de um trabalho conclusivo que esgote esforços e soluções; antes pelo contrário, as reiteradas dúvidas e incertezas e as assíduas questões sem resposta, disseminadas ao longo do texto, deixam caminho aberto a mais e melhores contributos científicos9.

Não seria aconselhável passar a uma explanação dos propósitos enunciados sem tecer breves considerações à problemática subjacente, que nasce e se desenvolve à sombra do conceito de lei a adoptar para os tempos medievais. A grande maioria dos preceitos normativos dos primeiros monarcas portugueses –nomeadamente, os de Afonso II e Afonso III– chegam-nos através das colectâneas oficiais dos finais do século XIV e século XV –Livro de Leis e Posturas10, Ordenações de D. Duarte11 e Ordenações Afonsinas12– e traslados nos

em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2119.pdf (consultado no dia 20 de Abril de 2013); A voz mais crítica que se fez sentir foi a de António Manuel HESPANHA, “Nota do Tradutor”, em John GILISSEN, Introdução Histórica ao Direito, 4.ª edição, Lisboa, 2003, p. 319 –“Em Portugal, até aos finais do século XIII estão identificadas cerca de 250 «leis» (posturas, degredos, estabelecimentos, ordenações, mais raramente, constituições). Cerca de 220 situam-se entre 1248 e 1279 (…) Nas leis contidas nos P.M.H., 2/3 são normas de julgamento do tribunal da corte; apenas em cerca de [1/7] um terço se distingue claramente a intenção real de estabelecer direito novo”– reproduzido em António Manuel HESPANHA, Cultura Jurídica Europeia: síntese de um milénio, Almedina, Coimbra, 20012, pp. 184-185.

8 Trata-se de uma ferramenta digital que, prima facie, pretende retomar e revisar o inventário das fontes jurídicas medievais portuguesas, a começar pelas leis gerais dos monarcas, desde D. Afonso Henriques (1139-1185) até ao final do reinado de D. Manuel I (1521). Disponível em http://www.ulusiada.pt/clima/ . Advirta-se que, sobretudo pelo facto de o sítio ainda estar em fase embrionária e de se pretender a sua constante dinâmica e actualização, a identificação e localização das estruturas normativas que aqui se disponibilizarem podem sofrer ulteriores mudanças.

9 Atente-se no aviso clarividente de José MATTOSO, “1250-1264: o triunfo da monarquia portuguesa. Ensaio de história política”, in Obras Completas 1: Naquele Tempo, Ensaio de História Medieval, Círculo de Leitores, 2000, pp. 529-560 (549): “Al leis «gerais» que lhe são atribuídas pelo editor das Leges –nada menos do que 233!–, a maioria das quais não datadas, podem ser apenas regulamentos processuais adoptados pela chancelaria ou pelo tribunal régio, e podem não pertencer às datas que lhe são dubitativamente atribuídas (em concreto as 32 leis classificadas pelas Leg., pp. 233-254 como de 1254 ou 1261), mas constituem, mesmo assim, o testemunho de um activo exercício de uma das mais importantes prerrogativas régias recentemente posta em prática. Seria importante distinguir entre elas as que devem realmente ser consideradas leis gerais e em que circunstâncias foram promulgadas”.

10 Livro das Leis e Posturas, Prefácio de Nuno Espinosa Gomes da SILVA e leitura paleográfica e transcrição de Maria Teresa Campos RODRIGUES, Lisboa, 1971. [= LLP]

11 Ordenações Del-Rei Dom Duarte, Edição preparada por Martim de Albuquerque e Eduardo Borges NUNES, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1988. [= ODD]

12 Ordenaçoens do Senhor Rey D. Affonso V, Real Imprensa da Universidade, Coimbra, 1792 (fac-simile da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984/1998). [= OA]

192 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

foros extensos locais –Foros de Santarém, Torres Novas, Guarda, Beja, Garvão, etc.13– vertidos para romance, truncados, resumidos, repetidos, seccionados, sob múltiplas designações –lei, postura, encouto, conselho, decreto ou degredo, estabelecimento, ordenação, constituição, capítulo– e, não raro, inçados de gralhas de datação e adjudicação duvidosa quanto ao monarca promanante. Em autógrafo ou mesmo em apógrafo, são escassos os monumentos legislativos avulsos e isolados das compilações, que permitam juízos de valor mais seguros, perspicazes e equitativos.

Neste panorama caótico de difícil saída, a pena dos Portugaliae Monumenta Historica acabou por incluir no reinado de Afonso III, indiscriminadamente, todo o tipo de acto normativo em que tropeçou –lei, costume, doutrina, jurisprudência e acordos– de 1248 a 1279, a que também somou aqueles que considerou de “data duvidosa quanto ao reinado”14. Assim chegando muito rapidamente ao referido número astronómico de duzentas e trinta e três (233) leis de Afonso III15.

Esta contagem exagerada de mais de duas centenas de diplomas suscitou vincada posição crítica por parte de António Manuel Hespanha. No seu pensar deixou bem claro que Herculano terá abordado o conceito de lei “em termos historicamente errados, projectando sobre o passado os elementos do conceito oitocentista generalidade, origem parlamentar, permanência, «dignidade» das matérias (emanação da soberania)”. Recorrendo à doutrina jurídica medial e exemplificando com o conceito alargado das Partidas de Afonso X de Castela16, alvitra que “se o interesse do historiador é o de detetar a medida de intervenção

13 Publicados em Collecção de Livros Ineditos de Historia Portugueza, dos reinados de D. João I, D. Duarte, D. Affonso V e D. João II, publicados de ordem da Academia Real das Ciências de Lisboa, tomo IV (foros de Santarém, S. Martinho de Mouros e Torres Novas) Lisboa, 1816, em http://archive.org/details/collecadeliv04corruoft (consultado no dia 8 de Agosto de 2013); e tomo V (foros de Garvão, Guarda e Beja), Lisboa, 1824, em http://archive.org/details/collecadeliv05corruoft (consultado no dia 8 de Agosto de 2013).

14 PMH Leges, pp. 326-330_CCXVII-CCXXXIII.15 Embora em muito menor escala, esta dificuldade também se fez sentir para os reinados subsequentes.

V. g., Carvalho Homem ao enredar-se na legislação de D. Dinis e D. Afonso IV sentiu necessidade de se escudar no conceito aventado por dois conceituados autores estrangeiros –Léopold Génicot e Albert Rigaudière–, o que não o eximiu de confundir diplomas gerais e abstractos –verdadeiras leis régias, dissimuladas sob a forma de carta régia– com diplomas particulares e vice-versa. Cf. Armando Luís de Carvalho HOMEM, “Dionisius et Alfonsus, Dei Gratia Reges et Communis Utilitatis Gratia Legiferi”, em Revista da Faculdade de Letras – História, II série, vol. IX, Porto, 1994, pp. 11-110, em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2119.pdf (consultado no dia 9 de Agosto de 2013). A apreciação crítica em DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 49-51.

16 A este propósito cf. Faustino MARTÍNEZ MARTÍNEZ, “San Isidoro, Santo Tomás y Alfonso X: tres aproximaciones paralelas al concepto de Ley”, em Revista Internacional de Direito da UNICAP, em http://www.unicap.br/rid/html/artigos.html (consultado no dia 9 de Agosto de 2013). O autor, ao conceito das Partidas de Afonso X acrescenta o conceito vertido para outro texto jurídico da sua lavra, o Foro Real: “La ley ama e enseña las cosas que son de Dios, e es fuente de enseñamiento, e maestra de derecho, e de justicia, e ordenamiento de buenas costumbres, e guiamiento del pueblo e de su vida, e es tan bien para las mugeres como para los varones, tambien para los mancebos como para los viejos, tan bien para los sabios como para los non sabios, asi para los de la cibdat como para los de fuera, e es guarda del rey e de los pueblos” (FR 1.6.1); cf. também o conceito de lei em Fernão Lopes, apud SILVA, História do Direito Português, pp. 285-286.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 193

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

do poder eminente (imperial, real, condal, etc.) na constituição da ordem jurídica, então parece de adotar um conceito que realce (i) o papel determinante, unilateral e constitutivo da vontade do titular desse poder e (ii) a intenção genérica de regulamentar ex novo as relações sociais. Isto permitirá distinguir a “lei” do “costume”, do direito “pactado” local (em Portugal, “acordos”, pouco frequentes), mas também da “jurisprudência” do tribunal da corte (que pode não instituir “direito novo”, nem decorrer da vontade, mas de “estilos”, de normas doutrinais ou de autoridades jurídicas)”. Deixando proposto que “só um estudo detalhado da tradição textual, da cronologia e das fontes inspiradoras, tudo em ligação com a conjuntura política permitirá avançar num diagnóstico claro da função legislativa dos reis portugueses na Idade Média”17.

Esse estudo detalhado, para o reinado de Afonso II, já está feito por Duarte Nogueira. Embora o reinado de Afonso III ainda careça de um estudo jurishistoriográfico análogo, aproveita sobremaneira a argumentação tecida em torno do conceito de lei aplicado por Duarte Nogueira aos diplomas de Afonso II. Este autor acaba por matizar as características principais de generalidade, abstracção e novidade, que de alguma forma “constituirão indícios que revelarão com muita probabilidade actos normativos com tal natureza. Todavia, tal como hoje, a sua ausência não será demonstrativa de que os factos considerados não possam merecer essa qualificação”. Por outro lado –tal como pretendia Herculano e Hespanha deixou bem claro– a participação do detentor do poder político (o rei) é condição sine qua non, e “não existirá lei sem a intervenção directa ou indirecta do rei. Só ele empresta natureza legal à decisão de que falamos”. Mas em definitivo, para essa vontade régia ser terminante e conclusiva terá que aliar em si (i) “a intenção de definir padrões de comportamento protegidos pelo próprio poder superior de que é expressão, potencialmente vinculantes de uma pluralidade de pessoas não formalmente identificadas” e em simultâneo (ii) “a intenção de que o seu conhecimento chegue em geral à sociedade”18.

Em suma, a parametricidade dentro da qual se deve mover a investigação actual no conceito medieval de lei, para um inventário da produção legislativa de cada monarca, fica delimitada pelas principais características, mas não cumulativas ou de todo imprescindíveis, de: (i) generalidade, (ii) abstracção, (iii) novidade, (iv) intervenção do poder régio, (v) propósito normativista dessa intervenção e (vi) desígnio de publicitação. A publicação da lei assume-se como corolário da segurança jurídica, tornando-se indispensável para que legitimamente se possa exigir o cumprimento e respeito pela lei. Desde sempre –com realce para os mais arcaicos monólitos jurídicos da humanidade que remontam a 4000 anos atrás,

17 António Manuel Hespanha, Cultura Jurídica Europeia: síntese de um milénio, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 183-185. Cf. também as observações aos Portugaliae Monumenta Historica feitas por Teresa Morais, em Morais, “Leis gerais desde o início da monarquia até ao fim do reinado de D. Afonso III”, pp. 806-813.

18 José Artur Duarte Nogueira, Lei e Poder Régio I. As Leis de Afonso II, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2006, pp. 143-168 (163-164).

194 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

v. g., o Código de Ur-Nammu (2040 a.C.), o Código de Lipit-Ishtar (1934-1924 a.C.) e o Código de Hamurabi (1792-1750 a.C.)– que a lei se assume totalmente incompatível com actos de secretismo. O princípio basilar de que a ignorância da lei não escusa o seu cumprimento –ignorantia iuris neminem excusat–19 tem raízes mediévicas e já aparece expressamente formulado no Fuero Real (c. 1255) de Afonso X de Castela –“que ninguno no piense de mal facer, porque diga que no sabe las leys, ni el derecho; ca si ficiere contra la ley, no se puede escusar de la culpa que ficiere, por decir que no sabe la ley”20–. Advirta-se, de qualquer forma, que a publicitação e divulgação das leis medievais obedecem a peculiares critérios restritivos, muito distantes dos hodiernos, que não é possível estar aqui e agora a tratar.

A inclusão de toda tipologia de normas nas compilações do século XIV-XV acaba por surtir dois efeitos colaterais: por um lado, torna-se indiciária de um certo conhecimento generalizado (anterior e posterior) e, por outro lado, assume-se como um processo sui generis de «legalização» de diversas fontes oriundas dos cantos mais recônditos do Direito –costumes, estilos da corte, capítulos gerais, formulários, pactos, posturas locais, excertos doutrinários, fragmentos do Direito romano e canónico, leis das Partidas, etc…– conferindo-lhe natureza legal através do filtro intervencionista do sumo detentor do poder político. A partir do momento em que são compiladas, estas fontes convertem-se em verdadeiras fontes de Ius proprium, ou seja, verdadeiras leis/ordenações do rei. Muitas delas irão passar, assim metamorfoseadas, para as Ordenações sucessivas (Manuelinas e Filipinas), perseverando no ordenamento jurídico português até ao movimento codificador do século XIX. Neste sentido –e noutros que seria demasiado ocioso estar aqui a explanar– estou convicto que as colecções medievais de leis conhecidas (Livro das Leis e Posturas, Ordenações de D. Duarte e Ordenações Afonsinas) e outras perdidas “se inserem numa política real de consolidar a legislação real, como ius proprium do reino, frente ao direito prudencial dos juristas do ius commune”21 –ao que parece, em contradição com a ideia patrocinada por Manuel Hespanha–.

Mas a contradição alavancada por Hespanha parece-me mais aparente do que manifesta e só fará algum sentido ligada à actual perspectiva político-constitucional do conceito de lei –face ao ordenamento constitucional português, consideram-se leis todos os actos que, independentemente do seu conteúdo, são emanados pela Assembleia da República, pelo Governo e pelas Assembleias Legislativa das Regiões Autónomas, no exercício das suas competências legislativas jurídico-constitucionalmente estabelecidas e de acordo com os procedimentos

19 Consagrado no actual art. 6º do Código Civil: “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.

20 El Fuero Real de España, diligentemente hecho por el noble Rey Don Alonso IX: Glosado por el egregio Doctor Alonso Dias de Montalvo, Tomo I, Madrid, 1781, Livro I, Título 5, Lei 4, p. 73.

21 Hespanha, Cultura Jurídica Europeia, p. 184 nota 293. A obra a que se reporta este autor foi submetida a um concurso da FCT, mas acabou por não ser publicada por não ter sido selecionada para financiamento.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 195

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

estabelecidos– e da consequente rígida hierarquização das estruturas normativas. Muito longe deste entendimento hodierno, a mente jurídica medieval assume a existência de uma multiplicidade de ordenamentos jurídicos no mesmo espaço geográfico do reino, conformes entre si num parâmetro único de legalidade.

A definição supra de lei espelha bem a supremacia do argumento do procedimento no pensamento jurídico moderno, feito tábua rasa pelos juristas do Ius commune. No pensamento dos juristas medievos “la ley no se define por quien la dicta” e nem sequer é exigível que seja escrita –Scriptura non est de substancia legis–. Por isso, assevera Jesús Vallejo, “el concepto es tan amplio, tan centrado en aspectos sustanciales, tan ajeno a elementos formales, que realmente cuando se habla de ley se está hablando de norma, sin más”22. O primado do critério do substancialismo e a depreciação do formalismo legalista acaba por justificar a multiplicidade e mescla de designações que nos surgem –lei, postura, encouto, conselho, decreto ou degredo, estabelecimento, ordenação, constituição, capítulo–, minguando a preocupação de uma delimitação conceptual ou de uma rígida hierarquização normativa.

Posto isto, apesar de um incontestado intuito de “consolidar a legislação real [mas não só], como ius proprium do reino”, seria exagerado falar-se em sobreposição ou conflitos, travados no seio da sistemática compilatória das Ordenações do reino: (i) entre Ius proprium vs. Ius commune, com ressalva da investida contra as colectâneas do reino vizinho de Castela –e mesmo esta deve ser matizada23–; ou mesmo (ii) entre legislação real e outras fontes de Direito, nomeadamente as prudenciais e costumeiras. Não raro, as fontes externas do Ius commune foram usadas como matéria prima imediata na forja dos compiladores das Ordenações e, esporadicamente, prevalecendo sobre a lei e o costume24. Mesmo o título reservado às fontes de Direito (OA 2.9) –e, por maioria de razão, outras tentativas mais rudimentares de harmonização das fontes vigentes25–

22 Jesús Vallejo, “El Cáliz de Plata. Articulación de órdenes jurídicos en la jurisprudencia del ius commune”, em Revista de Historia del Derecho, 38, Buenos Aires, 2009, pp. 6-7, em http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1853-17842009000200002 (consultado no dia 5 de Agosto de 2013).

23 José DOMINGUES, “As Partidas de Castela e o Processo Medieval Português”, em Initium 18, Barcelona, 2013, pp. 127-178. José DOMINGUES, “As Partidas de Castela na Sistemática Compilatória do Livro IV da Reforma das Ordenações”, em Initium 19, Barcelona, 2014 (a publicar).

24 José DOMINGUES, “Direito Romano na sistemática compilatória das Ordenações Afonsinas”, em Actas do XV Congresso Internacional e XVIII Congresso Ibero-Americano de Direito Romano, Lisboa, 2013 (a editar).

25 Ocorre-me, a talho de foice, a problemática que se tem desenvolvido em torno da lei do acervo de Afonso II (Coimbra 1211) por causa da supremacia do Direito canónico sobre o Direito régio ou vice-versa. Veja-se as exegeses e identificação dos principais protagonistas em NOGUEIRA, Lei e Poder Régio I. As Leis de Afonso II, pp. 243-250 e SILVA, História do Direito Português, pp. 183-185 (nota. 2). A esta erudita controvérsia junta-se a opinião de outro não menos conceituado protagonista –Paulo OTERO, “D. Afonso II e a Edificação do Estado: A raiz do Constitucionalismo Português”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque, vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2010, pp. 523-538 (528-530)–, que antevê na lei de Afonso II “uma «nacionalização» da solução jurídica de Graciano”. Aspando as palavras do próprio autor, “a lei de D. Afonso II mostra, afinal, a prevalência ou primado do Direito do Estado, segundo resulta

196 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

deve ser interpretado com algumas reservas e não vinculado ao critério da estrita subsidiariedade das fontes do Ius commune –aliás, como seria possível relegar totalmente para esse estalão o Ius canonicum ou as determinações régias26?–. Não será de todo despicienda a epígrafe escolhida “quando a Ley contradiz aa Degratal, qual dellas se deve guardar” e, por outro lado, tudo leva a crer que nem sequer estaria “en manos de dichas potestades políticas superiores la determinación unilateral por vía normativa del modo de articulación de los ordenamientos que en principio parecen situarse en una posición inferior”27. Em suma, estes critérios são indispensáveis para uma boa interpretação do Direito e equitativa aplicação e execução da Justiça, conciliando e harmonizando a multiplicidade de fontes vigentes, mas sem qualquer garantia de sobreposição total e genérica de uma fonte em relação à outra.

Também não me parece totalmente certa a referência a uma eventual intenção dos compiladores consolidarem a legislação real ou do rei: a par das leis do monarca foram incluídas nas Ordenações concórdias, concordatas, capítulos de cortes, formulários, costumes e estilos da corte e até posturas de âmbito local, v. g., a postura do concelho do Porto sobre o fretamento dos navios, feita pelo concelho e homens bons do Porto e confirmada por D. Dinis e D. Afonso IV (OA

da vontade do monarca em autovincular as suas leis ao respeito pelos «direytos da Santa egreia de Roma». Não existe qualquer força jurídica autónoma ou heterovinculativa do Direito Canónico perante o Direito do Estado: o Direito Canónico prevalece por vontade do rei, segundo resulta de uma lei do Estado, enquanto o monarca assim o determinar e sempre nos termos futuros em que ele o fixar”. Sem pretensão de melhor arenga, reconhecendo e aceitando o elevado mérito de todos os intervenientes e das suas avalisadas teses e conceituada argumentação, destacando o carácter extremamente sedutor desta última, penso que a laconicidade e as variantes do texto normativo em apreço ainda permitem diferente interpretação. No meu modesto entendimento estou convicto que desta lei destila apenas um reconhecimento expresso da aplicabilidade do Direito canónico (e garantia dos direitos da Igreja) a par com o Direito civil e o respeito mútuo entre ambos, mas sem pretender estabelecer qualquer hierarquia ou prevalência de um dos ramos do Direito sobre o outro. Este entendimento perdurou desde os primevos tempos da monarquia portuguesa até à Lei da Boa Razão (18 de Agosto de 1769), que remeteu a aplicação do Direito canónico apenas para os tribunais eclesiásticos. O “separar das águas” não se confundirá com as assíduas controvérsias que, ao longo desses séculos, estiveram sempre latentes entre os dois poderes em relação à franja de matérias sobreposta a ambos iura, mais difusa e menos consensual. Estas acabariam por ser resolvidas, maioritariamente, de forma pactuada –atente-se, v. g., na reacção da Igreja contra a regulamentação unilateral tentada por D. João I através das leis jacobinas de 1419– com recurso a específicos critérios regulamentadores e identificação de caso a caso e nunca por meio de um critério geral de supremacia de um dos Direitos. E muito menos me parece credível, independentemente dos circunstancialismo políticos, o reconhecimento geral da supremacia de um Direito pelo sumo titular do poder antagónico –que aliás, dentro do próprio pecúlio legislativo de Afonso II, acaba por gerar contradições insanáveis–. Duarte Nogueira também duvida da supremacia do ordenamento jurídico da Igreja –cf. José Duarte NOGUEIRA, “Organização intermédia do Estado – séculos XIII e XIV. Uma perspectiva júris-historiográfica”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, III, Coimbra, 2010, p. 532)

26 Saliente-se que, apesar das determinações de el-rei sobre os casos concretos constarem no final da escala, depois de corridas todas as fontes imediatas e “subsidiárias”, “nom tam somente taaes determinaçoões som desembargo daquelle feito, que se trauta, mais som Ley pera desembargarem outro semelhante” (OA 2.9.2).

27 Vallejo, “El Cáliz de Plata. Articulación de órdenes jurídicos en la jurisprudencia del ius commune”, p. 5.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 197

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

4.5), a postura sobre o engeitar das bestas de Évora (OA 4.22) e o costume do concelho de Lisboa sobre os arrendamentos (OA 4.73). Tal como ficou dito para os juristas do Ius commune, também para os compiladores das Ordenações a lei não se define pela entidade que a dita. O uso da terminologia nem sempre se coaduna com os parâmetros habituais do pensamento jurídico actual, v. g., surgem asserções identificando o costume com o Direito “Costume he e des hi he dereyto que”28; sobre a colação dos bens doados aos filhos em vida, o compilador diz “ElRey Dom Affonso o Terceiro da louvada memoria em seu tempo fez Ley em esta forma que se segue”, apesar de começar com “Custume he”, e no respectivo comentário diz que “visto per nós o dito custume tornado em Ley” (OA 4.105.1); sobre a citação por força nova, o incipit no livro III “ElRey Dom Affonso o Terceiro da louvada Memoria em seu tempo fez Ley” (OA 3.52.1) e no livro IV “ElRey Dom Affonso o Terceiro em seu tempo fez Ley em esta forma que se segue” não corresponde com o incipit do próprio diploma normativo “Custume he” (OA 5.69.1), etc…

Voltando a uma perspectiva crítica actual, sem descurar as muitas adversidades inerentes, importa diferenciar e caracterizar as fontes de Direito no tempo de Afonso III, a que se reportam a sua feitura e o seu valor jurídico originário, como de seguida se irá explanar dentro dos parcos limites de tempo e espaço disponíveis. No fundo fica singela tentativa de se explanarem, na medida do possível, alguns indícios que sirvam de incentivo e permitam distinguir as leis do rei Afonso III de outras estruturas normativas do seu reinado.

1. acréscimo de novas Leis e outras fontes Escritas.

Dois documentos outorgados por D. Afonso III, que não constam arrolados nos Portugaliae Monumenta Historica, me parecem reunir as características suficientemente próximas de uma lei régia para que possam ser aqui incluídos, acrescentando o pecúlio angariado por Alexandre Herculano para este monarca português da segunda metade do século XIII:

(i) 1255.Julho (Cortes de Guimarães) – Lei de D. Afonso III que, para atalhar aos abusos dos fidalgos padroeiros, limita o exercício do seu direito de padroádigo nos mosteiros e igrejas que lhe pertençam29.

(ii) 1261?.Maio.05 (Cortes de Coimbra)? – Carta enviada ao comendador, pretor e concelho de Tomar onde consta uma lei de D. Afonso III que isenta as viúvas, órfãos e idosos do pagamento do tributo de fossadeira30.

28 PMH Leges, pp. 300_CXCII e 301_CXCIV.29 Anexo Documental, doc. 1; CLIMA: Afonso III-5, Lei do padroado, em http://www.ulusiada.

pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-do-padroado-2/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

30 Anexo Documental, doc. 2; CLIMA: Afonso III-12, Lei de isenção da fossadeira, em http://

198 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

O primeiro entranha uma versão inédita sobre o exercício dos direitos da fidalguia nos mosteiros e igrejas do seu padroado, em carta régia enviada, de Coimbra no dia 6 de Setembro de 1255, ao meirinho Martim Real e aos porteiros de Entre-Douro-e-Minho. Trata-se de legislação saída de uma cúria parlamentar reunida em Guimarães, no mês de Julho de 125531.

Para obstar aos abusos dos fidalgos padroeiros de mosteiros e igrejas, ficou regulamentado que: (i) podem os cavaleiros pousar em mosteiros mas não nas igrejas dos termos dos mosteiros; (ii) ficam proibidos de comer nos mosteiros ou nas igrejas nos dias de conselho; (iii) a pousadia no mosteiro fica limitada a um dia, devendo sair no seguinte e não voltar, não deixando no mosteiro homem nem besta que aí façam qualquer despesa; (iv) os filhos ilegítimos não podem herdar dos pais o padroado em mosteiros ou igrejas; (v) os filhos legítimos não devem exigir nada dos seus pais àqueles (mosteiros e igrejas?) que tivessem testamento; (vi) os cavaleiros devem comer no mosteiro moderadamente e só se fosse necessário; (vii) se muitos cavaleiros receberem um casal em testamento, distribuam entre si o serviço do casal e enquanto o não distribuírem nada lhes seja dado; (viii) o mosteiro deverá contribuir para o seu resgate em cativeiro, para casar sua filha e para armar seu filho cavaleiro; (ix) os ricos-homens só podem levar consigo ao mosteiro um máximo de quinze homens, de quatro em quatro meses; (x) o infanção só pode levar dois cavaleiros32; (xi) estava vedado aos fidalgos tomarem, contra vontade dos mosteiros e igrejas, o vinho em pipas e se o fizessem o meirinho deveria apreender essas pipas; (xii) os cavaleiros estavam impedidos de povoar, ermar, cobrar tributos ou impor penhoras para além do que estava estabelecido desde o tempo de seu pai –D. Afonso II– e seu avô – D. Sancho I–. Aqueles que fossem contra o referido decreto seriam penhorados pelo porteiro de el-rei em quinhentos (500) soldos para o erário régio e condenados a corrigir e pagar em dobro o dano provocado ao mosteiro ou igreja. Em caso de desobediência ao porteiro de el-rei, que no exercício das suas funções estivesse a zelar pelo cumprimento destes decretos, impõe-se ao meirinho régio que tome tudo quanto tiver o prevaricador.

A lei arrolada nos Portugaliae Monumenta Historica, que versa sobre o direito de padroádigo dos fidalgos de uma forma bastante mais desenvolvida, está datada de Março de 1261, em Guimarães. Nela se faz referência a um anterior “degredo” feito em Guimarães –o de Julho de 1255– impondo o seu cumprimento ao meirinho de el-rei –Nuno Martins de Chacim, no Livro de Leis e Posturas– desde onze dias das calendas de Abril da era de 1296 (22 de Março de

www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-da-isencao-de-fossadeira/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

31 A propósito desta cúria desconhecida, cf. José DOMINGUES, “Padroado Medieval Melgacense (S.ta Mª da Porta, S.ta Mª do Campo e S. Fagundo)”, em Boletim Cultural de Melgaço, n.º3, edição Câmara Municipal de Melgaço, 2004, pp. 68-70; DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 151-153; e VENTURA, D. Afonso III, pp. 125-126.

32 Cf. o resumo em VENTURA, D. Afonso III, p. 126.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 199

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

1258) até à festa de S. João Baptista da era de 1298 (24 de Junho de 1260) –“Item manda nosso ssenhor ElRej que o Mejrinho faça entregar per carta e per portejro de nosso ssenhor el Rej todolas roubas e todalas aos Moesteiros e aas Ejgreias as que achar fejtas en esses Monesteiros e en essas Ejgreias E os prelados delas des aquel tempo en que foj feito o degredo en Gimarãaes ata xj. dias ate Kalendas daBril da Era M.ª e Lx. vj. ata a ffesta de San Johane bbatista da Era M.ª Lx. viijº. pelo qual tempo durou esse degredo”33–. Este documento requer uma especial atenção para um dia se averiguar o que Herculano considerou “providencias de diversas epochas”34.

A outra lei de Afonso III isenta uma determinada classe social considerada mais desfavorecida –composta pelas viúvas, os órfãos, inclusive os órfãos de pai a viver sob a alçada da mãe, e os idosos– do pagamento do tributo de fossadeira35. Consta sob a forma de uma carta régia enviada aos coevos comendador, pretor e concelho de Tomar. E chegou até nós através de uma confirmação posterior do seu filho e sucessor, D. Dinis, concedida em Santarém no dia 5 de Maio de 1319. Esta confirmação dionisina surge a solicitação do procurador régio, porque o diploma original estava escrito em papel e se quebrava. O facto de ter sido este oficial mor da justiça a requerer o treslado, e, sobretudo, o conteúdo material do acto destilar as suprarreferidas características de lei régia, inculcam tratar-se de uma plausível lei de D. Afonso III.

Malogradamente, o diploma afonsino é silente quanto ao ano da sua outorga, apenas indicando o local, dia e mês –Coimbra, dia 5 de Maio–. Sabendo, de antemão, que foi dado pelo sobrejuiz Vicente Dias podemos estabelecer-lhe uma primeira datação crítica com o dies a quo em 5 de Maio de 1248 e o dies ad quem em 5 de Maio de 1261. Assim o aconselha e permite a investigação levada a cabo por Leontina Ventura em torno do múnus deste magistrado: “Vicente Dias de Coimbra é um sobrejuiz que Afonso «herda» já do tempo de seu irmão. Casado com Boa Peres, neta do chanceler Julião Pais, fora antes alcaide de Coimbra (1225) e nesta cidade exercia funções judiciais. Desde 1239 está na corte de Sancho II, aparecendo vulgarmente junto do sobrejuiz Soeiro Gonçalves e de Afonso Martins Vivas, que também conhecemos de algumas situações em que participa em arbitragens judiciais em Coimbra. É sobrejuiz de Afonso III desde que assume a realeza e, nessa qualidade seu conselheiro de 1248 a 1256” –na listagem final dos sobrejuizes, a autora, arrolou “Vicente Dias (1239, 1248-

33 Lisboa, IAN/TT – Mosteiro de S. Pedro de Pedroso, maço 7, n.º 11, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4499400 (consultado no dia 8 de Agosto de 2013); publicado em Ana Maria MARTINS, Documentos Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa. Da Produção Primitiva ao Século XVI, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2001, doc. 36, pp. 167-168.

34 PMH Leges, p. 202_VIII.35 Fossadeira – Tributo real que se pagava por aqueles que, tendo obrigação de irem ao fossado uma

vez no ano, com efeito não iam, aplicado para as despesas, que no dito fossado se faziam; Fossado – Consistia, pois, o fossado em sair com mão poderosa e armada a talar ou colher as novidades e frutos, que os inimigos haviam agricultado (cf. frei Joaquim de SANTA ROSA DE VITERBO, Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram, vol. II, edição crítica por Mário Fiúza, Porto, 1993).

200 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

1261)”–36.Dentro deste espaço temporal de oito anos (1248-1261), seguindo o itinerário

régio de Afonso III traçado por Alves Dias, surge como mais provável o ano de 1261. Durante esse ano a Corte terá estanciado em Coimbra, seguramente, desde o dia 11 de Abril até ao dia 7 de Maio. A confirmar-se esta data, estaremos perante mais um diploma legislativo promulgado nas profícuas Cortes de Coimbra deste ano, que terá sido “um ano de intensa e rica actividade legislativa”37. Embora mais remota, outra hipótese plausível a considerar é a do ano de 1256: no dia 4 de Abril a Corte está em Lisboa e no dia 9 de Maio já surge em Coimbra, onde permanece até ao dia 2538.

Sem postergar totalmente esta última plausibilidade, neste momento, ponderando o facto de coincidir com a reunião parlamentar e da maior certeza que no dia 5 de Maio desse ano a Corte estava em Coimbra, não me parece demasiado arriscado optar pelo ano de 1261. Por isso, até melhor argumento ou prova em contrário, fica estabelecida a data de 5 de Maio de 1261, em Coimbra, para a lei régia que isenta as viúvas, órfãos e idosos do tributo militar da fossadeira. Para confirmação, infirmação e futuras averiguações segue, no final, o seu traslado na íntegra.

Passando aos diferentes registos escritos, para leis que já constam nos Portugaliae Monumenta Historica, cumpre aqui salientar as seguintes novas versões em documentos medievos:

(i) 1253.Dezembro.26 (Lisboa) – Lei da almotaçaria (PMH 191-196_III)39. Acresce a versão no chamado Livro de Extras40.

(ii) 1254.Março.18 (Santarém) – Lei sobre o monetágio (PMH 196-197_IV)41. Herculano publicou a versão concedida ao mestre da Ordem dos Templários –Martinho Nunes–, acompanhada da versão enviada ao Papa, ambas a partir do registo que consta no livro da Chancelaria de Afonso III. Mas nesse registo ficou consignada a outorga de outras versões em cartas ao abade de Alcobaça, ao mestre da Ordem de Santiago, ao mestre da Ordem de Avis, ao prior da Ordem do Hospital de Jerusalém e ao bispo de Évora. Preservou-se até à hodiernidade, pelo menos, a carta original –ainda com o selo real de cera vermelha, pendendo por fita de pergaminho–

36 Ventura, D. Afonso III, pp. 192 e 278.37 Ventura, D. Afonso III, p. 128.38 João José Alves DIAS, “Itinerário de D. Afonso III (1245-1279)”, com prefácio e revisão de A. H.

de Oliveira Marques, em Arquivos do Centro Cultural Português 15, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 1980, pp. 453-519.

39 CLIMA: Afonso III-3, Lei da almotaçaria, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-da-almotacaria/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

40 Lisboa, IAN/TT – Leitura Nova, Liv. 37 (Livro de Extras), fls. 206v-210, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4223228 (consultado no dia 8 de Agosto de 2013).

41 CLIMA: Afonso III-4, Lei do monetágio, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-do-monetagio/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 201

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

passada a D. Martinho Fernandes, o coevo mestre da Ordem de Avis42.(iii) 1261.Março (Guimarães) – Lei que define os direitos dos padroeiros

nas igrejas e mosteiros (PMH 201-210_VIII)43. Aparece uma versão deste normativo, não datada, no mosteiro de S. Pedro de Pedroso44; e outra versão mais tardia, em alvará régio de 1 de Outubro de 1526, que foi copiada para o livro A do Arquivo Histórico Municipal do Porto45.

(iv) 1261.Abril.11 (Coimbra) – Lei da moeda feita nas Cortes de Coimbra (PMH 210-212_IX)46. Existem mais duas versões desta lei no Arquivo Distrital de Braga47. Por regra, a obra de Herculano não se preocupa com impressões anteriores48. Não surpreende, por isso, que não tenha feito qualquer referência aos extractos publicados pelo antecessor José Anastácio de Figueiredo49.

(v) 1264.Novembro.15 (Coimbra) – Lei impondo que nas vilas houvesse apenas dois alcaides: o alcaide maior e o menor (PMH 213-215_X)50. Do Arquivo Histórico Municipal de Lisboa Herculano apenas aproveita a

42 Lisboa, IAN/TT – Ordem de Avis e Convento de São Bento de Avis, mç. 2, n.º 78, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4634300 (consultado no dia 8 de Agosto de 2013).

43 CLIMA: Afonso III-5, Lei do padroado, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-do-padroado/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

44 Lisboa, IAN/TT – Mosteiro de S. Pedro de Pedroso, maço 7, n.º11, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4499400 (consultado no dia 8 de Agosto de 2013); publicado em Ana Maria MARTINS, Documentos Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa. Da Produção Primitiva ao Século XVI, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2001, doc. 36, pp. 164-168.

45 Porto, AHM – Livro A, fls. 151-154. Cf. DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, p. 41.46 CLIMA: Afonso III-11, Lei da moeda, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-

gerais/d-afonso-iii/lei-da-moeda-2/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).47 Braga, AD – Colecção Cronológica, doc. 65 (original autógrafo); Braga, AD – Livro das Cadeias,

doc. 56, fls. 36v-38v. O documento da Colecção Cronológica foi, entretanto, publicado em fac-simile por J. Ferraro VAZ, Numária Medieval Portuguesa – 1128-1383, Lisboa, 1960, tomo II, doc. XXVIII. Acompanhado, a página 317, da seguinte nota: “O original no Arq. De Braga, que reproduzimos, será uma daquelas escripturas referidas por FERNÃO LOPES a propósito da mudança feita na moeda por D. Afonso IV: «E dizem que foi entom conveemça antre elRei e os prellados e o poboo do reino, que elRei nunca mais mudasse moeda, mas que se mantevesse daquela guisa, sob çertas comdiçooens e penas que em as escripturas que sobrello forom feitas, som postas; as quaaes poserom em Bragaa, e em Alcobaça, e em outros logares em guarda» (Crón. de D. Fernando, LV; cf. GAMA BARROS, in Hist. da Administração, 2.ª ed., III, 140 e 143 nota 2)”. Cf. DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, p. 41.

48 Para além das já referidas, v. g., não refere a impressão anterior da lei da almotaçaria de 26 de Dezembro de 1253, feita por João Pedro RIBEIRO, Dissertações Chronologicas e Criticas sobre a Historia e Jurisprudencia Ecclesiastica e Civil de Portugal, Tomo III 2.ª Parte, Lisboa, 1813, doc. 21, pp. 59-72, em http://archive.org/details/dissertaesch03ribe (consultado no dia 8 de Agosto de 2013); a partir da edição de RIBEIRO, no mesmo ano dos Portugaliae Monumenta Historica, foi publicada por Manuel Bernardo Lopes FERNANDES, Memoria das Moedas Correntes em Portugal, desde o Tempo dos Romanos, até o anno de 1856, Parte I, Lisboa, 1856, pp. 36-37, em http://books.google.pt/books?id=XS_0HUB-r0sC&pg=PA12&dq=%22moedas+correntes+em+Portugal%22&cd=1#v=onepage&q&f=false (consultado no dia 8 de Agosto de 2013). Também nunca faz referência à publicação dos foros promovida pela Academia Real das Ciências de Lisboa.

49 José Anastácio de FIGUEIREDO, Nova História da Militar Ordem de Malta, Parte II, Lisboa, 1800, § CXXVIII, pp. 182-183 (extracto em Latim e Português), em http://archive.org/details/novahistoriadami02figu (consultado no dia 8 de Agosto de 2013).

50 CLIMA: Afonso III-13, Lei dos alcaides, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-dos-alcaides/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

202 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

cópia do Livro dos Pregos, sem referência à fonte originária no Livro II de D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I51.

(vi) 1265.Julho.28 (Coimbra) – Lei das anúduvas (PMH 216-217_XII)52, que impõe o trabalho em castelos, torres, muralhas, fossos e outras obras defensivas53. Mais duas versões no Arquivo Distrital de Braga que escaparam à minúcia perscrutadora do autor dos Portugaliae: uma confirmação feita à própria Sé de Braga, no dia 5 de Fevereiro de 127454, e outra dirigida às justiças da terra de Celorico de Bastos, por diploma de 10 de Junho de 128555. A maior parte das fontes tem por base a confirmação feita nas Cortes de Santarém de 1273, mas não se justificando a duplicação, todos os diplomas ficam sob esta data e suprime-se a lei n.º XXV dos Portugaliae Monumenta Historica.

(vii) 1254/1261 (s. l.) – Regimento dos meirinhos de el-rei (PMH 252-253_LVII)56. No livro dos Extras consta outra versão deste regimento57.

(viii) 1248/1279 (s. l.) – Lei sobre a partilha dos bens entre o cônjuge sobrevivo e os filhos (PMH 265-268_LXXXIX)58. São de contabilizar para esta lei de D. Afonso III, embora já situadas no alvorecer do século XVI, as versões pós-incunábulas do Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares do Reino (1504)59 e do primeiro sistema das Ordenações Manuelinas, na primeira (OM-1512 1.57)60 e na segunda edição (OM-1514 1.57)61.

51 Lisboa, AHM – Livro II de D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I, doc. 33, em http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/x-arqweb/(S(vpbbnuvolmhkjh45a5rvav45))/ContentPage.aspx?ID=9523e60001e240&Pos=1&Tipo=PCD (consultado no dia 12 de Agosto de 2013). Publicado em Documentos para a História da Cidade de Lisboa: Livro I de Misticos de Reis e Livro II dos Reis D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I, Lisboa, 1947, doc. 33, pp. 237-240.

52 CLIMA: Afonso III-15, Lei da anúduva, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-da-anuduva/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

53 Paulo MÊREA, “Anúduva e Adua (Dúvidas e Sugestões)”, em Estudos de História de Portugal, Instituto Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2006, pp. 497-507.

54 Braga, AD – Colecção Cronológica, doc. 89. Cf. DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, p. 41.55 Braga, AD – Colecção Cronológica, doc. 115. Cf. DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, p. 41.56 CLIMA: Afonso III-30, Regimento do meirinho, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-

proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/regimento-do-meirinho/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013); DOMINGUES, “Os Primórdios do Ius Corrigendi em Portugal”, p. 189.

57 Lisboa, IAN/TT – Leitura Nova, Liv. 37 (Livro de Extras), fls. 236-236v, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4223228 (consultado no dia 16 de Agosto de 2013).

58 CLIMA: Afonso III-79, Lei das partilhas, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-das-partilhas/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

59 Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reino, Lisboa, 1504, fls. 62-67v. (Edição fac-similada do texto impresso por Valentim Fernandes em 1504 e neste ano de 1955 reimpresso pela Fundação da Casa de Bragança com prefácio do Professor Doutor Marcello Caetano, Lisboa, 1955).

60 O primeiro liuro das Ordenações, Lixboa: per Valentym Fernandez alemãao, 1512, fls. 117v-121v, em http://purl.pt/14876 (consultado no dia 13 de Agosto de 2013); Ordenações Manuelina: Livros I a V: Reprodução em fac-símile da edição de Valentim Fernandes (Lisboa, 1512-1513), com Introdução de João José Alves Dias, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2002.

61 Liuro primeiro das Ordenações, Nouamente corrigido na segunda empressam, Lyxboa, Ioham Pedro Bonhomini, 1514, fls. 117v-121v, em http://purl.pt/14708 (consultado no dia 13 de Agosto de 2013).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 203

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

Existem outras actualizações que, apesar de constarem entre as fontes conhecidas e manejadas na forja dos Portugaliae Monumenta Historica, escaparam à sua minúcia perscrutadora, v. g., (i) versões dos foros de Santarém que faltam em PMH 249_L, PMH 250-251_LIII, PMH 262-263_LXXXVII; (ii) a versão do Livro de Leis e Posturas que falta em PMH 249_CIII; (iii) as versões das Ordenações Afonsinas: (OA 3.113.1) que falta em PMH 274_C e (OA 4.61.1) que falta em PMH 284_CXL. Estas versões das Ordenações Afonsinas não foram contabilizadas nos Portugaliae Monumenta Historica por serem tributadas a D. Dinis.

2. Leis com data duvidosa Quanto ao reinado.

Existem leis para as quais se torna difícil adjudicar um reinado exclusivo, v. g., (i) por falta de qualquer data ou indicação do monarca outorgante; (ii) por divergências de datação, nas suas fontes documentais; (iii) por discrepâncias quanto ao monarca outorgante, quando existam mais do que uma fonte documental; e (iv) por análise crítica ao seu conteúdo intrínseco.

Antes de mais, às leis aforradas nos Portugaliae Monumenta Historica sob o título de reinado duvidoso, deve acrescentar-se a chamada “lei da violência privada”. Esta lei surge em títulos distintos do livro IV das Ordenações Afonsinas adjudicada a D. Afonso IV, D. Afonso III e D. Afonso II. A este último monarca, por se encontrar com conteúdo idêntico entre as deste monarca no Livro de Leis e Posturas e nas Ordenações de D. Duarte, acabou por ser atribuída a lei do título nono, parágrafo segundo (OA 4.9.2). Fica maior dúvida, assim, averiguar a quem pertencerá a outra lei (OA 4.9.3)/(OA 4.65.1): D. Afonso III ou D. Afonso IV?62

Ao invés, entendo que se deveriam resgatar para o reinado do Bolonhês as leis que Herculano coloca entre os monumentos de data duvidosa quanto ao reinado pelo simples facto de constarem apenas nas Ordenações Afonsinas (CCXXV-CCXXXIII). Num confronto objectivo com as outras compilações, capitula logo o único argumento esgrimido dos “frequentes e provados erros que acerca dos auctores das leis antigas se nos deparam no mencionado codigo”63. Não raro, a versão da Reforma das Ordenações de Afonso V se tem revelado mais acertada –não tanto em relação às leis de Afonso III, mas sobretudo às de D. Dinis e Afonso IV–. É o próprio Herculano que, v. g., sobre a datação do diploma XXVI aventa que “esta lei, transcripta em dous logares do Livro das Leis e Posturas, traz em um delles a data da era 1312 que Ribeiro adoptou. Julgâmos mais exacta a de 1313, por ser a que se lê na maior parte dos exemplares das Ordenações Affonsinas, onde foi incluída, e sobretudo por ser a que se lhe

62 Sobre esta lei no ordenamento jurídico português, cf. Paulo MERÊA, “Á Margem das Ordenações”, em Estudos de História do Direito I: Direito Potuguês, Impresa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2007, pp. 309-317.

63 PMH Leges, p. 328.

204 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

attribue no exemplar inserto nos Foros de Santarem”64. Aliás, mal se entende a aversão contra os diplomas constantes apenas nas Afonsinas quando, por outra via, considera que as colecções antecedentes foram apenas os seus trabalhos preparatórios –“naturalmente o Livro das Leis e Posturas não é senão o primeiro ou um dos primeiros trabalhos de Joanne Mendes (…) As chamadas Ordenações de D. Duarte parece-nos serem um segundo trabalho de joanne Mendes, para organizar o codigo que lhe fora comettido”–65.

Sendo duvidoso o reinado de sua proveniência, ao contrário do que tem sido o comum entendimento, torna-se absurdo que estas leis sejam acrescentadas às leis de D. Afonso III66. Em definitivo, todas as leis de reinado duvidoso devem integrar um título apartado próprio –“Reinado Desconhecido”, no CLIMA– até que investigações mais profícuas permitam a tomada de uma melhor posição. Por isso, para além dos supra referidos, de futuro devem ser liminarmente subtraídos do reinado do Bolonhês todos os actos legislativos que possam integrar estes circunstancialismos.

Em simultâneo, há versões tributadas a Afonso III, mas, ao que tudo indica, pertencem ou podem pertencer a um reinado distinto:

(i) A estrutura normativa sobre falsificação de moeda, ouro e prata (PMH 255_LXIV) é, para João Pedro Ribeiro, “a mesma lei por diverso theor”67 de D. Afonso II; Alexandre Herculano discordou, argumentando que a lei de D. Afonso III modificava a sanção penal e ampliava a sua sentença aos coniventes68. Prefiro a tese de Ribeiro, acabando por anexar esta versão à lei de Afonso II, por me parecer que as discrepâncias são meras variantes textuais, conjuntura não pouco rara69.

(ii) A estrutura normativa que condenado ao pagamento em dobro o credor que indevidamente reclama a dívida que já lhe tinha sido paga (PMH 256_LXVI) é, noutras versões idênticas, de D. Dinis70.

(iii) A estrutura normativa sobre a maneira de se fazer prova do malefício feito de noite (PMH 298_CLXXXV), na versão das Ordenações Afonsinas

64 PMH Leges, p. 232_XXVI.65 PMH Leges, pp. 149 e 151.66 No mesmo sentido se pronunciou MORAIS, “Leis gerais desde o início da monarquia até ao fim do

reinado de D. Afonso III”, p. 808 –“É duvidoso que fosse este o melhor caminho, partindo do pressuposto de que Herculano tinha dúvidas sérias na fixação da autoria destas leis. Melhor pareceria se tais diplomas tivessem sido incluídos num grupo à parte do relativo à legislação seguramente atribuída por Herculano a Afonso III, e com numeração autónoma”–.

67 João Pedro Ribeiro, Additamentos e Retoques à Sinopse Chronologica, Lisboa, 1829, p. 4, em http://books.google.pt/books?id=jW1HAAAAYAAJ&printsec=frontcover&dq=%22additamentos+e+retoques%22&hl=pt-PT&ei=FLx0ToqhE4Gl-gakmoypDA&sa=X&oi=book_result&ct=result&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false (consultado no dia 7 de Setembro de 2013).

68 PMH Leges, p. 177_XXIV.69 CLIMA: Afonso II-26, Lei da moeda falsa, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-

gerais/d-afonso-ii/lei-moeda-falsa/ (consultado no dia 8 de Setembro de 2013).70 CLIMA: Dinis-105, Lei do falso credor, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-

gerais/d-dinis/lei-do-falso-credor/ (consultado no dia 8 de Setembro de 2013).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 205

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

é tributada a D. Afonso IV71.

3. as Leis de El-rei d. afonso iii.

Após estas e outras considerações e algumas emendas relevantes, um sucinto e preliminar exame crítico à produção legislativa de Afonso III pode reduzir para menos de três dezenas os diplomas que –e mesmo estes não dispensam quaisquer cautelas, inerentes a esta temática– se podem tributar como leis do rei Afonso III. Em suma, a uma primeira censura, feita a partir das características supra explanadas, acaba por subsistir a grande maioria dos diplomas com data explícita, o regimento dos meirinhos de el-rei e a lei de avoenga –todos incluídos entre os trinta e um (31) primeiros diplomas no CLIMA–.

Apesar do regimento dos meirinhos não referir expressamente a intervenção do poder régio, as vicissitudes que o cerceiam –v. g., a instituição destes meirinhos no início do reinado de Afonso III72–, os caracteres paleográficos e o facto de surgir em diploma com capítulos de Cortes dissipam as piores dúvidas; ao contrário, subsistem as reservas formuladas por Herculano em torno do monarca outorgante da lei de avoenga.

Bastante mais problemáticos se revelam outros diplomas datados do tempo de Afonso III, desde logo porque não garantem qualquer intervenção do seu poder legiferante: (i) o diploma, datado de finais de 1266, que impõe que a usura não aumente mais do que o valor da própria dívida73 –na base desta decisão pode estar eventual glosa à laesio enormis, tão cara aos glosadores medievais74–; (ii) a “constituçon en casa delRey” –designação que mais parece identificar um estilo da corte– onde se regulam três casos sobre o pagamento de custas judiciais75; (iii) o “estabelecimento” que impõe o pagamento das custas judiciais ao vencido76 tem correspondência com o preceituado no Ius romanum (C 7.51.5 pr.)77 –saliente-se que a este propósito, posteriormente, os compiladores das Ordenações Afonsinas não referem qualquer lei régia antecedente e se apoiam

71 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-45, Lei da prova do malefício nocturno, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/lei-da-prova-do-maleficio-noturno/ (consultado no dia 8 de Setembro de 2013).

72 José DOMINGUES, “Dos Meirinhados às Comarcas Medievais Portuguesas”, em Initium 14, 2009, pp. 195-236.

73 CLIMA: Afonso III-17, Lei dos juros de usura, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-dos-juros-de-usura/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

74 Sobre a sua projecção no ordenamento jurídico português cf. José DOMINGUES, “Direito Romano na sistemática compilatória das Ordenações Afonsinas”, em Actas do XV Congresso Internacional e XVIII Congresso Ibero-Americano de Direito Romano, Lisboa, 2013 (a editar).

75 CLIMA: Afonso III-18, Lei das custas, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-das-custas/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

76 CLIMA: Afonso III-20, Lei das custas, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-das-custas-2/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

77 “Constitutio sancit, ut omnis iudex in sententia sua iubeat victum praestare omnes expensas in iudicio erogatas”.

206 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

naquilo que “estabeleceram os Sabedores antiguos, que compilaram as Leys Imperiaes” (OA 3.70 pr.)–; também não consta qualquer menção à mediação régia (iv) na tramitação do recurso de apelação nas terras das ordens militares78; (v) no “stabeleçimento”, “capitolo” ou “constetuçom” do número de testemunhas que se podem arrolar a juízo79; e (vi) no “stabeleçimento” ou “postura” a propósito das autorias80.

Se por rigor e cautela científica subtrairmos estes seis diplomas resta apenas um total de 25 leis –pouco mais de 10% do corpus legado pelos Portugaliae Monumenta Historica– como substrato afonsino seguro. Antes de mais, não será despiciendo que cinco desses seis normativos sejam de cariz adjectivo ou processual. A assiduidade desta temática deu aso a Herculano para avalizar duas eventuais tentativas de codificação processual da lavra de Afonso III81: uma orientada para a rudimentar regulamentação do sistema das provas judiciais –“Os costumes e estatutos que seguem, desde numero CLXVIII até CLXXXIX, constituem a espécie de fragmento de codigo ou systema de provas judiciaes”82– e outra, mais completa, para todo o processo –“A serie de estabelecimentos ou costumes que segue desde numero CXC até CCXVI constitue a especie de codigo de processo civil (…) abrangendo desde a citação até a sentença definitiva, apelações e agravos”83–.

Esta massa de fragmentos exige sérios considerandos e investigação mais minuciosa e aturada para, v. g., (i) apurar uma datação crítica; (ii) filtrar a sua unicidade e sistematização; e (iii) firmar a sua praxis e influência no quotidiano jurídico imediato até à Reforma das Ordenações de Afonso V –ao que tudo indica, “os seus preceitos e fórmulas teriam sido seguidas a preceito durante muito tempo, pois como lei vieram a ser recolhidos nas Ordenações Afonsinas”84–. Apesar de nenhum dos corpus jurídicos estar datado ou referir o nome do monarca promanante, a adjudicação ao reinado de Afonso III tem-se alicerçado no facto de constarem entre actos deste monarca e no punhado de testemunhos tardios consignados pelos compiladores da reforma das Ordenações de Afonso V (OA 3.6.1) (OA 3.52 pr.) (OA 3.62 pr.) (OA 3.63 pr.) (OA 3.71 pr.) (OA 5.69 pr.).

78 CLIMA: Afonso III-21, Lei do recurso de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-do-recurso-de-apelacao/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

79 CLIMA: Afonso III-25, Lei do número de testemunhas, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-do-numero-de-testemunhas/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013).

80 CLIMA: Afonso III-26, Lei das autorias, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-das-autorias/ (consultado no dia 9 de Setembro de 2013)

81 PMH Leges, pp. 153-154. Cf. José Eduardo Marques dos SANTOS, O Processo Penal Português: no período medieval, Edições Ecopy, Prometeu 53, Lisboa, 2012, pp. 170-171.

82 PMH Leges, p. 291. Santos, O Processo Penal Português: no período medieval, p. 170 nota 431: “O único obstáculo à tese de um código de processo primitivo seriam as duas leis sobre órfãos, mas mesmo estas poderiam ter sido lançadas por diversa mão no fim do caderno original (facto, aliás, muito comum), e copiadas juntamente pelo compilador, o que explicaria a sua estranha associação àquela série de preceitos processuais”.

83 PMH Leges, p. 300.84 Caetano, História do Direito, p. 404.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 207

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

Também se revela pertinente a questão de uma unicidade originária entre os vários preceitos normativos, conforme controverte Eduardo Marques Santos, não é fácil “saber se estes dois corpos legislativos tiveram na sua génese algum antigo códice ou caderno especial e corresponderem, desse modo, a duas tentativas de codificação, ou se, ao invés, foram apenas obra do compilador das Ordenações de Dom Duarte”85. Pese a favor de estarmos perante acervos jurídicos unitários originais, trasladados a partir de antigo(s) códice(s), o argumento ponderado de Herculano quando afirma que “contém-se nelles materia muitas vezes análoga á de outros costumes, leis ou estatutos que precedem, mas expressa por diferente maneira, o que, junctamente com a ordem methodica da sua disposição, nos induz a ver no seu complexo uma tentativa de codificação”86. Também não será despiciendo a esta causa que as Ordenações de D. Duarte assinalem um explicit –“Aquy Se acaba o hordinhamento E o cursso da cassa del rrey daquelles que hj am feytos E demandas per çitaçonees daquelles que ham poder E priujlegeo de Çitarem outros a cassa del rrey, asy per rrazom da pessoa come da coussa ssobre que Çita segundo desusso disemos E das apelaçõees E de toda-las outras Coussas que sse ende seguem”87–. O que, mesmo assim, em nada impede que os textos originais tenham sido adulterados, interpolados ou truncados pelos compiladores para se adaptarem às vicissitudes de época posterior. Mas este não é o momento para se desenvolverem estas e outras questões legítimas, pertinentes e de supino proveito para o estudo dos primórdios do processo judicial medievo português.

Partindo do pressuposto que se trata de tentativas codificadoras do reinado de Afonso III, não existe qualquer indício seguro que, intrínseca ou extrinsecamente, possa garantir que estes incipientes tratados processuais foram outorgados por Afonso III. Antes pelo contrário, as epígrafes –“Aquy se começão os costumes e a hordenação que o dito Rey fez nas suas audiências e no regno” e “Aqui se começão os costumes e estabelecimentos da cassa de ElRey”– e o explicit –acima transcrito– são bastante sugestivos e, aliados ao conteúdo intrínseco, revelam como texto fonte uma série de fragmentos-processuais coligidos e organizados para uso do tribunal de última instância ou Casa da Justiça de el-rei –no século XV vai ser alterada a designação para Casa da Suplicação88–. Devem, por isso, estas estruturas normativas ser elencadas como tal e não como leis do rei Afonso III –conforme antevê e assevera Marcello Caetano, “não se trata, porém, de um

85 Santos, O Processo Penal Português: no período medieval, p. 171.86 PMH Leges, p. 291. Neste sentido, Fernandes, Comentários à Legislação Medieval Portuguesa de Afonso

III, p. 176 –“estas leis são organizadas de forma bastante didática, ordenada, apresentando um entrosamento proposital entre as leis, observado principalmente na continuidade de uma lei para a seguinte”–.

87 ODD, p. 163.88 Na nomeação do ouvidor Pero Carreiro, no dia 25 de Agosto de 1441, já aparece identificada como

Casa da Suplicação que anda em nossa corte –Lisboa, IAN/TT - Chancelaria de D. Afonso V, Liv. 5, fl. 76, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=3815948 (consultado no dia 23 de Agosto de 2013)–. Documento referido por Jorge André Nunes Barbosa da Veiga TESTOS, Sentenças Régias em tempo das Ordenações Afonsinas (1446-1512) – Um Estudo de Diplomática judicial, Dissertação de Mestrado em Paleografia e Diplomática, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa – Departamento de História, Lisboa, 2011, p. 24 nota 102.

208 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

decreto dimanado da vontade régia. O exame cuidadoso mostra que esse texto é mero capítulo de um pequeno tratado do novo processo adoptado no tribunal da corte (…) A leitura atenta mostra sem dificuldade não estarmos perante uma lei”89–. Para eliminar duplicações indesejáveis deve ainda ser feito o cotejo com os fragmentos que traduzam a mesma regulamentação jurídica, tarefa ingrata legada por Herculano que se dispensou de “indicar em cada um dos estatutos a lei que substancía ou que lhe é correlactiva, deixando esse cuidado aos estudiosos do nosso primitivo direito”90.

No segundo tratado processual foram registados alguns formulários jurídicos da Casa da Justiça de el-rei, que merecem aqui uma atenção sumária.

3.1 formulários Jurídico-Processuais.

Os formulários jurídicos servem de modelos para, mutatis mutandis, se redigirem documentos análogos e adstritos a um determinado fim comum, facilitando a actividade de juristas e escribas e permitindo alcançar alguma da almejada segurança do Direito através da uniformização dos actos escritos. Ligados à ampla ciência da ars dictaminis, que surgiu nos finais da XIª centúria e princípios da seguinte, tornam-se assíduos, v. g., nas chancelarias pontifical, episcopais91, monásticas92, imperiais, régias93 e nobiliárquicas. Destaque-se a

89 Caetano, História do Direito, pp. 403-404. Apesar de Marcello Caetano (p. 405 nota 1) ter refutado Luís Carlos de Azevedo, que considera o texto como lei das Cortes de Leiria de 1254 ou de Coimbra de 1261, continuam a afirmar o contrário, Ventura, D. Afonso III, p. 133 –“Afonso III promulgou um conjunto legislativo, qual pequeno tratado processual ou manual de processo judicial”–; Fernandes, Comentários à Legislação Medieval Portuguesa de Afonso III, pp. 135-177 (173) –“código processual elaborado a mando de Afonso III”–.

90 PMH Leges, p. 300. Um dos grandes arcanos –ainda por resolver de forma satisfatória– é a da duplicação de fontes, não raro, no próprio códice. Este óbice requer um cotejo atento e detalhado de todos os textos conhecidos e não apenas os que fazem parte desta tentativa codificadora, que deve ser alargado para além das meras coincidências literais.

91 Para o caso da chancelaria do bispado do Porto, v. g., Maria João Oliveira e SILVA, A Escrita na Catedral: A Chancelaria Episcopal do Porto na Idade Média (Estudo Diplomático e Paleográfico), Dissertação de Doutoramento em História, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2010, pp. 29 e ss.; para o arcebispado de Braga, v. g., Maria Cristina CUNHA, “A organização da chancelaria arquiepiscopal de Braga (dos primórdios a 1244)”, em Lusitania Sacra, 2.ª série, n.º 13-14, Lisboa, 2001-2002, pp. 453-466, em http://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/4471 (consultado no dia 17 de Agosto de 2013).

92 A propósito de formulários medievais eclesiásticos em Portugal, Maria Cristina de Almeida CUNHA, “Fórmulas e formulários: os documentos da Colegiada de Guimarães (1128-1211)”, em Actas do 2.º Congresso Histórico de Guimarães, Vol. 4, Guimarães, 1997, pp. 173-182, em http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/23473 (consultado no dia 17 de Agosto de 2013); Saúl António GOMES, “Um formulário monástico português medieval: o manuscrito alcobacense 47 da BNL”, em Humanitas, vol. 51, Coimbra, 1999, pp. 141-184, em https://digitalis-dsp.sib.uc.pt/handle/10316.2/7942 (consultado no dia 17 de Agosto de 2013); Saúl António GOMES, “Observações sobre dois formulários eclesiásticos medievais portugueses”, em Humanitas, vol. 53, Coimbra, 2001, pp. 249-274, em https://digitalis-dsp.sib.uc.pt/handle/10316.2/7998 (consultado no dia 17 de Agosto de 2013).

93 Saúl António GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”, em Os Reinos Ibéricos na Idade Média: Livro em Homenagem ao Professor Doutor Humberto Carlos Baquero

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 209

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

Summa dictaminis, que faz Parte de quase todas as edições do Liber plurimorum tractatuum juris, composta na segunda metade do século XIII por Domingos Domingues de Viseu94. Citando Guido Van Dievoet, para António Gomes “os formulários consagravam os modelos estereotipados de redacção textual tidos por mais convenientes e pertencentes aos actos emanados de uma qualquer autoridade pública ou privada enquanto entidade legislativa, executiva e judicial. Chanceleres e escribas de reis e senhores, papas e bispos, abades e clérigos notários contavam com o auxílio precioso desses cadernos em pergaminho ou em papel onde se compilavam fórmulas e modelos estilísticos que inventariavam as modalidades de escrita segundo a consideração das escalas sociais e dos objectivos institucionais a que se destinavam tais documentos”95.

Os formulários legais, umbilicalmente ligados às várias fases do processo medievo português, chegam-nos mormente através das primordiais compilações das Ordenações do reino – Livro de Leis e Posturas, Ordenações de D. Duarte e Ordenações Afonsinas–. Uma vez que essas fórmulas surgem assiduamente misturadas com outros actos legislativos o mais plausível é que as fontes primárias das Ordenações tenham sido códices-miscelâneos –v. g., o referido código de processo de Afonso III– e não códices-formulários, criados estes com o único e específico propósito de registar esse tipo de actos96. Para o reinado de Afonso III, foram coligidas e alistadas duas (2) fórmulas para a contestação verbal da demanda e treze (13) fórmulas processuais para o recurso de apelação (sendo uma abreviada por remissão – XI):

Sobre a contestação:

(i) Formulário com as palavras-padrão pelas quais a demanda é contestada por confissão97.

Moreno, coordenação de Luís Adão da Fonseca, Luís Carlos Amaral e Maria Fernanda Ferreira Santos, vol. III, Livraria Civilização Editora, Porto, 2003, pp. 1291-1299; PMH Leges, pp. 332-333; as “alegações gerais para julgar”, em Martim de Albuquerque, “O Regimento Quatrocentista da Casa da Suplicação”, separata especial do volume XVII dos Arquivos do Centro Cultural Português, Paris, 1982, pp. 59-71; a propósito das sentenças régias, Jorge André Nunes Barbosa da Veiga TESTOS, Sentenças Régias em tempo das Ordenações Afonsinas (1446-1512) – Um Estudo de Diplomática judicial, Dissertação de Mestrado em Paleografia e Diplomática, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa – Departamento de História, Lisboa, 2011.

94 Antonio GARCÍA Y GARCÍA, Estudios sobre la Canonistica Portuguesa Medieval, Madrid, 1976; Paulo MERÊA, “Domingos Domingues, Canonista Português do Século XIII”, Estudos de História do Direito I – Direito Português, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2007, pp. 429-436.

95 Gomes, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”, p. 1292.96 “Os formulários nem sempre assumem, como se sabe, uma unidade mecânica codicológica. Podem aparecer

inscritos em fólios marginais de códices, circunstancialmente, sem grande preocupação de organização e sistematização. A sua inscrição em códices ou pergaminhos não pensados, primitivamente, para tal efeito, nada tem de estranho. O carácter eminentemente prático de tal tipo de informação, explica o seu lançamento em fólios inesperados e, até, o sentido invariavelmente muito breve e episódico de tais cópias” –GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”, p. 1294–.

97 CLIMA: Tribunal da Corte-42, Formulário das palavras para contestar por confissão, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/tribunal-da-corte/

210 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

(ii) Formulário com as palavras-padrão pelas quais a demanda é contestada por negação98.

A propósito do recurso de apelação:1. Quando a decisão em primeira instância for considerada inválida e o

apelante se agravou bem:

1.1 Em caso de revelia do recorrido/apelado:(iii) Formulário da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia

do recorrido/demandante (autor), quando a sentença é interlocutória e recorrente o demandado (réu) (PMH 313_CCXIII)99: (a) relatório da demanda; (b) revoga a decisão do juiz a quo, que decidiu mal, e confirma o agravo; (c) impõe que o recorrente/demandado não responda mais a essa demanda perante o dito juiz a quo; (d) a outra parte, se entendesse haver algum Direito, devê-lo-ia demandar perante ele sobrejuiz; (e) o qual daria Direito a cada um depois de ouvidas ambas as partes.

(iv) Formulário100 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia do recorrido/demandante, quando a sentença é definitiva e recorrente o demandado (réu) (PMH 313-314_CCXIII)101: (a) relatório da demanda; (b) revoga a decisão do juiz a quo, que decidiu mal, e confirma o agravo; (c) corrige o juízo de 1.ª instância; (d) impõe que o recorrente/demandado não responda mais a essa demanda perante o dito juiz a quo e (e) que o demandador não possa mais chamar o seu adversário a juízo para ouvir a sentença de 1.ª instância que foi apelada.

(v) Formulário102 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, tanto para sentença interlocutória como definitiva, em caso de revelia do recorrido/demandado e quando o recorrente é o demandador (autor) (PMH 314_CCXIII)103: (a) relatório da demanda; (b) revoga a decisão do juiz a quo,

formulario-para-se-contestar-por-confissao/ (consultado no dia 16 de Setembro de 2013); PMH Leges, p.285_CXLV.

98 CLIMA: Tribunal da Corte-43, Formulário das palavras para contestar por negação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/tribunal-da-corte/formulario-para-se-contestar-por-confissao/ (consultado no dia 16 de Setembro de 2013); PMH Leges, p.285_CXLVI.

99 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-24, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/estilo-da-corte-e-formularios-das-apelacoes/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

100 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

101 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-24, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/estilo-da-corte-e-formularios-das-apelacoes/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

102 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

103 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-24, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/estilo-da-corte-e-formularios-das-apelacoes/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 211

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

que decidiu mal, e confirma o agravo; (c) a demanda passa a seguir termos perante o sobrejuiz ad quem; (d) o juiz a quo fica encarregue de emprazar a parte recorrida/demandado para comparecer perante o sobrejuiz no prazo de “dous noue dias” (18 dias), a contar a partir do dia da notificação em que lhe seja mostrada a carta do sobrejuiz; (e) e, depois de ouvidas as partes, se daria a cada um o seu Direito; (f) ficando o juiz a quo encarregue de informar o dito sobrejuiz da data em que as partes deveriam comparecer perante ele.

1.2 Em caso de revelia do próprio recorrente/apelante:(vi) Formulário104 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de

revelia do próprio recorrente105, se a sentença é interlocutória e o recorrente o demandador (autor) (PMH 315-316_CCXIV)106: (a) relatório da demanda; (b) confirma que o juiz a quo deu por escrito, em carta de agravo, as razões ou argumentos dambas as partes, a decisão proferida em 1.ª instância e o agravo ou fundamento justificativo de recurso, com um dia fixo para as partes comparecerem na corte perante o sobrejuiz; (c) identifica o dito dia; (d) o réu demandado/recorrido compareceu por si ou por outrem em sua representação e aí se manteve por três dias, segundo a postura da corte107; (e) o autor apelante não compareceu nem enviou ninguém por si, sendo julgado revel; (f) confirma a decisão do juiz a quo; (g) impõe-lhe que, vista esta carta, continue o pleito, fazendo vir as partes perante si, para as ouvir e dar a cada um o seu Direito; (h) condena o revel no pagamento das custas do recurso à outra parte, vendendo-lhe o juiz do lugar do pleito os bens móveis necessários para tal108.

(vii) Formulário109 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia do próprio recorrente, se a sentença é definitiva e o recorrente o demandador (autor) (PMH 316_CCXIV)110: (a) relatório da demanda; (b)

104 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

105 Para o sobrejuiz julgar revel o que apelou, passados trinta dias, deve atender o prazo de mais três dias fixados na lei da corte.

106 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-25, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/estilo-da-corte-e-formularios-das-apelacoes-2/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

107 Cf. PMH Leges, p. 238_XXVIII.108 As custas de trinta dias de recurso seriam pagas conforme taxadas pelo costume da corte: ao peão

18 dinheiros cada dia; ao que trás besta 4 soldos e meio; e a partir destes valores, por qualquer homem ou mulher que, segundo o costume pudessem trazer à casa de el-rei, assim lhe seriam pagas as custas (PMH Leges, pp. 323-324_CCXVI); cf. de forma mais desenvolvida o costume segundo o chantre de Évora (PMH Leges, p. 290_CLXIII).

109 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

110 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-25, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/estilo-da-corte-e-formularios-das-apelacoes-2/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

212 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

confirma que o juiz a quo deu por escrito, em carta de agravo, as razões ou argumentos dambas as partes, a decisão proferida em 1.ª instância e o agravo ou fundamento justificativo de recurso, com um dia fixo para as partes comparecerem na corte perante o sobrejuiz; (c) identifica o dito dia; (d) o réu demandado/recorrido compareceu por si ou por outrem em sua representação e aí se manteve por três dias, segundo a postura da corte; (e) o que apelou não compareceu nem enviou ninguém por si; (f) confirma a decisão do juiz a quo; (g) impõe-lhe que, vista esta carta, faça cumprir a sua decisão; (h) condena o revel no pagamento das custas do recurso à outra parte; (i) a execução seria feita primeiro nos bens móveis e, se estes não fossem suficientes, nos bens de raiz.

(viii) Formulário111 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia do próprio recorrente, se a sentença é interlocutória e o recorrente o demandado (réu) (PMH 317_CCXIV)112: (a) relatório da demanda; (b) confirma que o juiz a quo deu por escrito, em carta de agravo, as razões ou argumentos dambas as partes, a decisão proferida em 1.ª instância e o agravo ou fundamento justificativo de recurso, com um dia fixo para as partes comparecerem na corte perante o sobrejuiz; (c) identifica o dito dia; (d) o autor demandador/recorrido compareceu por si ou por outrem em sua representação e aí se manteve por três dias, segundo a postura da corte; (e) o que apelou não compareceu nem enviou ninguém por si e foi julgado revel; (f) confirma a decisão do juiz a quo; e (g) impõe-lhe que, vista esta carta, faça cumprir a sua decisão interlocutória; (h) manda que o recorrido não seja obrigado a responder até que a outra parte lhe pague as custas de trinta dias do recurso; (i) pagas estas custas, o juiz a quo fará vir perante si as partes, para as ouvir e prosseguir a demanda, dando a cada um o que é Direito.

(ix) Formulário113 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia do próprio recorrente, se a sentença é definitiva e o recorrente o demandado (réu) (PMH 317-318_CCXIV)114: (a) relatório da demanda; (b) confirma que o juiz a quo deu por escrito, em carta de agravo, as razões ou argumentos dambas as partes, a decisão proferida em 1.ª instância e o agravo ou fundamento justificativo de recurso, com um dia fixo para as partes comparecerem na corte perante o sobrejuiz; (c) identifica o dito

111 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

112 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-25, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/estilo-da-corte-e-formularios-das-apelacoes-2/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

113 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

114 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-25, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/estilo-da-corte-e-formularios-das-apelacoes-2/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 213

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

dia; (d) manda ao juiz a quo que, vista esta carta, faça cumprir a decisão dada em primeira instância; (e) condena o revel no pagamento das custas de trinta dias de recurso à outra parte; (f) manda executar os bens móveis necessários e, se não abondar o móvel, venda-se os móveis de raiz.

2. Quando a decisão em primeira instância for considerada válida, considerando-se que o apelante se agravou mal, mesmo não comparecendo a juízo a parte recorrida/apelada:

(x) Formulário115 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia do recorrido, se a sentença é interlocutória e o recorrente o demandador (autor) (PMH 318-319_CCXV)116: (a) relatório da demanda; (b) confirma a presença na corte do recorrente ou seu procurador em dia preciso; (c) confirma que o juiz a quo deu por escrito, em carta de agravo, as razões ou argumentos dambas as partes, a decisão proferida em 1.ª instância e o agravo ou fundamento justificativo de recurso, com um dia fixo para as partes comparecerem na corte perante o sobrejuiz; (d) identifica o dito dia; (e) certifica a presença por três dias, segundo lei da corte, do demandador/recorrente ou seu procurador; (f) a outra parte não compareceu nem enviou representante; (g) é confirmada a decisão em primeira instância; (h) manda ao juiz a quo que, perante esta carta de sentença, faça vir as partes à sua presença, as ouça e se achar que o juízo por ele anteriormente dado é justo, que a parte apelou e que o dia marcado para as partes comparecerem perante o sobrejuiz está correcto, deve ter e guardar esse seu juízo; (i) deve mandar prosseguir o pleito e dar a cada um o seu Direito; (j) condena-se o revel no pagamento das custas de trinta dias de recurso à outra parte; (l) manda executar os bens móveis necessários e, se não abondar o móvel, venda-se o imóvel.

(xi) Formulário da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia do recorrido, se a sentença é definitiva e o recorrente o demandador (autor) (PMH 319_CCXV)117: idêntico ao formulário supra, salvo que não pode mandar prosseguir o pleito, porque se trata de sentença definitiva; mandando à mesma guardar e cumprir a sua decisão e o pagamento das custas de trinta dias de recurso à outra parte.

(xii) Formulário118 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso

115 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

116 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-26, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/formularios-das-apelacoes-3/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

117 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-26, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/formularios-das-apelacoes-3/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

118 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos

214 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

de revelia do recorrido, se a sentença é interlocutória e o recorrente o demandado (réu) (PMH 319-320_CCXV)119: (a) relatório da demanda; (b) confirma que o juiz a quo deu por escrito, em carta de agravo, as razões ou argumentos dambas as partes, a decisão proferida em 1.ª instância e o agravo ou fundamento justificativo de recurso, com um dia fixo para as partes comparecerem na corte perante o sobrejuiz; (c) identifica o dito dia; (d) certifica a presença por três dias, segundo lei da corte, do demandado/recorrente ou seu procurador; (e) a outra parte não compareceu nem enviou representante; (f) manda ao juiz a quo que, perante esta carta de sentença, faça vir as partes à sua presença, as ouça e se achar que o juízo por ele anteriormente dado é justo, que a parte se agravou e que o dia marcado para as partes comparecerem perante o sobrejuiz está correcto, deve ter e guardar esse seu juízo; (g) condena-se o revel no pagamento das custas de trinta dias de recurso à outra parte; (h) o pleito não pode prosseguir, nem o demandado pode ser constrangido a responder em juízo, até que seja ressarcido dessas custas.

(xiii) Formulário120 da carta do sobrejuiz dirigida ao juiz a quo, em caso de revelia do recorrido, se a sentença é definitiva e o recorrente o demandado (réu) (PMH 320-321_CCXV)121: (a) relatório da demanda; (b) confirma que o juiz a quo deu por escrito, em carta de agravo, as razões ou argumentos dambas as partes, a decisão proferida em 1.ª instância e o agravo ou fundamento justificativo de recurso, com um dia fixo para as partes comparecerem na corte perante o sobrejuiz; (c) identifica o dito dia; (d) certifica a presença por três dias, segundo lei da corte, do demandado/recorrente ou seu procurador; (e) a outra parte não compareceu nem enviou representante; (f) manda ao juiz a quo que, perante esta carta de sentença, faça vir as partes à sua presença, as ouça e se achar que o juízo por ele anteriormente dado é justo, que a parte se agravou e que o dia marcado para as partes comparecerem perante o sobrejuiz está correcto, deve ter e guardar esse mesmo juízo; (g) condena-se o revel no pagamento das custas de trinta dias de recurso à outra parte; (h) manda executar os bens móveis necessários e, se não abondar o móvel, venda-se o imóvel.

A conveniência das formulae jurídicas não se esgota no seu excelso carácter didáctico, prático e muito utilitário. A sinopse supra das cartas de apelação e

de formulários régios medievais portuguese”–.119 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-26, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.

pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/formularios-das-apelacoes-3/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

120 Saúl António Gomes tributa este formulário ao reinado de D. Dinis –cf. GOMES, “Testemunhos de formulários régios medievais portuguese”–.

121 CLIMA: Código de Processo (1248-1279)-26, formulário de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/codigo-de-processo-1248-1279/formularios-das-apelacoes-3/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 215

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

agravo, da lavra dos sobrejuizes da corte, destila minuciosa regulamentação jurídica em torno do recurso de apelação para o século XIII, colmatando as lacunas que, de certeza, se fariam sentir nesta matéria. Por outras palavras, as formulae jurídicas assumem-se como verdadeiras fontes de Direito e, por isso, devem ser investigadas e interpretadas na óptica de uma singular técnica legislativa apurada pelos jurisprudentes medievais. Assim se justifica a sua inserção no código de processo de Afonso III e o seu posterior aproveitamento pelo movimento codificador acicatado pela dinastia de Avis. Só com a reforma de D. Manuel se expurgaram as fórmulas jurídico-processuais da colectânea oficial das Ordenações do reino, acabando com esta medieva técnica legislativa de Ius proprium.

3.2 Costumes e Estilos da Corte.

Para além dos formulários, outras estruturas normativas de Afonso III evidenciam aspectos formais externos que as distinguem das leis do monarca, v. g., os costumes e estilos da corte. Dentro desta categoria, há normativos que evidenciam apostilas ao Ius commune.

É sobejamente sabido que a integração do Ius commune com o ordenamento jurídico autóctone nem sempre foi pacífica e isenta de qualquer controvérsia. Não raro, geraram-se conflitos entre os dois ordenamentos que obrigaram a uma posição interventiva por parte dos legisperitos/jurisprudentes portugueses, em busca de uma solução apaziguadora que se estendesse e fosse consensual às várias instâncias jurisdicionais. Por isso, entre as estruturas normativas de Afonso III surgem glosas ou apostilas que, em tributo da certeza e segurança do Direito, se limitam a dirimir os conflitos latentes em busca de uma uniformização decisória. Parece claro, no entanto, que não estamos propriamente perante leis régias. Algumas dessas conjunturas são:

(i) O costume da Casa de el-rei que revoga expressamente uma constituição do Código de Justiniano –“Custume he en casa delRey que aquela constituçom do Codigo que diz «unde uy siquys in tantum» nom seia aguardada”– (C 8.4.7)122. Duvidando da sua paternidade, Herculano passou este normativo para os de data duvidosa quanto ao reinado (PMH 328_CCXXIV)123.

122 “Si quis in tantam furoris pervenit audaciam, ut possessionem rerum apud fiscum vel apud homines quoslibet constitutarum ante eventum iudicialis arbitrii violenter invaserit, dominus quidem constitutus possessionem quam abstulit restituat possessori et dominium eiusdem rei amittat: sin vero alienarum rerum possessionem invasit, non solum eam possidentibus reddat, verum etiam aestimationem earundem rerum restituere compellatur”. Sobre este costume, cf. MERÊA, “Á Margem das Ordenações”, pp. 310-312.

123 CLIMA: Reinado Desconhecido-7, costume que revoga o Código, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/reinado-desconhecido/costume-que-revoga-o-codigo/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

216 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

(ii) O estilo da corte –“julgado he en casa dElRey”– que determina que não se alegue título de posse em contrário ao Direito comum (PMH 271_XCVI)124.

(iii) O Direito e costume que determina que seja dado por firme o facto alegado e não contestado pela outra parte (PMH 285_CXLIII)125.

(iv) Costume que, ao contrário do preceituado pelo Direito canónico, permite que a parte possa livremente revogar o procurador antes e depois da lide contestada –“O dereyto canonico diz que se alguum procurador en alguum preyto que ante que o preyto seia contestado que lo pode toller fazendoo saber aa parte contra quen o faz ou ao juyz que o preyto ouue. E despoys que o preyto contestado non lo pode toller senon en joyzo per alguma razon guisada porque ficaria desfamado o procurador. E é de custume que lo pode toller ante ou despoys”– (PMH 277_CXII)126. Este costume não se aguentou, acabando por vingar a teorização do Ius commune, sobretudo por influência das Partidas de Afonso X de Castela, que gotejou para o correspondente título nas Ordenações (OA 3.21)127.

(v) Quatro estruturas normativas do reinado de Afonso III encerram em si o que o compilador do Livro das Leis e Posturas designou por Direito e costume do chantre de Évora128: (a) “Item he direito per cantorem elborensem e custume”, sobre a forma de se corrigir a agressão perpetrada por vários agressores, distinguindo a ofensa que é feita cada um per si ou em conjunto liderado por pessoa certa (PMH 255_LXI)129; (b) “Item he custume per cantorem elborensem”, sobre como se deve fazer a exibição de bem imóvel em juízo: por palavra ou por olho e por pé (PMH 281-282_CXXXI)130; (c) “Item he custume ipsius cantoris”, que define se a parte pode ou não suplicar, quando são invocadas novas razões em recurso de apelação (PMH 287_CL)131; (d) “Item he custume per ipsum cantorem

124 CLIMA: Tribunal da Corte-3, estilo da corte sobre o Direito comum, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/tribunal-da-corte/estilo-da-corte-sobre-o-direito-comum/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

125 CLIMA: Afonso III-109, Direito que considera provados os factos não contestados, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/direito-que-considera-provados-os-factos-nao-contestados/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

126 CLIMA: Costumes do Reino-1, Cânone sobre o momento da revogação do procurador, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/costumes-do-reino/canone-do-momento-de-revogacao-do-procurador/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

127 DOMINGUES, “As Partidas de Castela e o Processo Medieval Português”.128 Nas Ordenações de D. Duarte repetem-se estes normativos, mas sem qualquer referência ao

chantre de Évora.129 CLIMA: Tribunal da Corte-40, Chantre de Évora: do ferimento em co-autoria, em http://www.

ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/tribunal-da-corte/chantre-evora-do-ferimento-em-co-autoria/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

130 CLIMA: Tribunal da Corte-41, Chantre de Évora: da exibição de imóvel em litígio, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/tribunal-da-corte/chantre-evora-da-exibicao-de-imovel-em-litigio/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

131 CLIMA: Tribunal da Corte-42, Chantre de Évora: sobre o recurso de apelação, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/tribunal-da-corte/chantre-evora-

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 217

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

elborensem e de direito” que define o pagamento das custas aos que vencerem as demandas (PMH 290_CLXIII)132.

O próprio Herculano considerou estas estruturas normativas como usos judiciais introduzidos pelo chantre de Évora, uma espécie de “responsum prudentis” (resposta dos jurisconsultos)133. Por outras palavras, seriam glosas aos textos do Ius commune e não leis do rei, ficando por averiguar a identidade do autorizado jurista-chantre de Évora.

Para além das conjunturas supra, ainda sobeja uma série larga –quase quatro dezenas– de estruturas normativas expressamente identificadas como costume134, costume da Casa de el-rei135, costume da corte136, constituição/costume geral julgada em Casa de el-rei137, costume geral138, Direito e costume139, havendo mesmo referência expressa a um costume de Portugal140. De realçar a norma que determina a revogação, feita por D. Afonso (III?), do costume da Casa de el-rei que tinha sido adaptado a partir de um costume de Leiria, segundo o qual o ofendido que não pudesse provar por testemunhas a agressão física que o provasse pelos próprios ferimentos e por quatro ajudas141. Para identificação e delimitação conceptual dos estilos da corte, no núcleo das fontes de Direito português, vide o trabalho de Pedro Caridade de Freitas142.

4. os Livros de registos.

As estruturas normativas não datadas preservaram-se, como já ficou

sobre-recurso-de-apelacao/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).132 CLIMA: Tribunal da Corte-43, Chantre de Évora: das custas judiciais, em http://www.ulusiada.

pt/clima/ius-proprium-costumes-e-estilos-da-corte/tribunal-da-corte/chantre-evora-das-custas-judiciais/ (consultado no dia 21 de Setembro de 2013).

133 PMH Leges, p. 287_CL e 290_CLXIII.134 PMH Leges, p. 258_LXXIII; PMH Leges, p. 260_LXXXI; PMH Leges, p. 270_XCII; PMH Leges, p.

274_C; PMH Leges, p. 275_CI; PMH Leges, p. 275_CII; PMH Leges, p. 278_CXVI; PMH Leges, p. 279_CXXI; PMH Leges, p. 280_CXXV; PMH Leges, p. 284_CXLII; PMH Leges, p. 285_CXLIV; PMH Leges, p. 285_CXLVII; PMH Leges, p. 288_CLVI; PMH Leges, p. 291_CLXVI.

135 PMH Leges, p. 256_LXVIII; PMH Leges, p. 256_LXIX; PMH Leges, p. 260_LXXXII; PMH Leges, p. 262_LXXXVI; PMH Leges, p. 276_CVII; PMH Leges, p. 276_CIX; PMH Leges, p. 276_CX; PMH Leges, p. 277_CXIII; PMH Leges, p. 277_CXIV; PMH Leges, p. 278_CXV; PMH Leges, p. 278_CXVII; PMH Leges, p. 279_CXX; PMH Leges, p. 279_CXXII; PMH Leges, p. 284_CXLI; PMH Leges, p. 287_CLI; PMH Leges, p. 288_CLII.

136 PMH Leges, p. 280_CXXVI; PMH Leges, p. 289_CLX; PMH Leges, p. 290_CLXII.137 PMH Leges, p. 288_CLIII.138 PMH Leges, p. 288_CLV.139 PMH Leges, p. 285_CXLIII.140 PMH Leges, p. 275_CIV.141 PMH Leges, p. 286_CXLIX.142 Pedro Caridade de FREITAS, “O Estilo da Corte – Do Século XIII à Lei da Boa Razão”, em Estudos

em Homenagem ao Prof. Doutor Raul Ventura, vol. I, Faculdade de Direito da universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2003, pp. 741-805 (789-800).

218 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

dito, nas colectâneas do Livro das Leis e Posturas, Ordenações de D. Duarte e Ordenações Afonsinas e disseminadas por vários foros extensos locais. A questão que agora se coloca é a de saber se foram os compiladores dessas colectâneas e dos foros extensos que coligiram esses actos normativos ou se, ao invés, terão existido anteriores livros de registos próprios que lhe serviram de cabouco seguro e facilitaram a sua faina compilatória.

Leontina Ventura e António Resende de Oliveira asseveram que “para além da feitura dos Livros de Registo e dos Livros das Inquirições, a atividade escriturária da corte [de Afonso III] teve uma terceira área de incidência de vulto, apesar de ser por vezes esquecida nos balanços sobre a produção escrita saída da chancelaria. Refiro-me à conservação dos atos legislativos do monarca”. Justificando o dito esquecimento, entendem que “ao contrário do que se verificou com os Livros de Registo e com os Livros de Inquirições, que ainda hoje podemos ler nos originais então produzidos ou em cópias pouco posteriores, os códices que teriam albergado a legislação de D. Afonso III, uma vez tresladados e adaptados às compilações de leis régias efetuadas a partir da segunda metade do século XIV, terão sido considerados dispensáveis com o consequente desinteresse em relação à sua conservação”. Os investigadores da Universidade de Coimbra chegam mesmo a propor o ano de 1258 para o início dos trabalhos de registo em livros próprios do corpus legislativo de D. Afonso III143.

Para sustento da sua tese –em torno de um “códice ou códices organizados no terceiro quartel do século XIII”– foram alforriar das Ordenações de D. Duarte os seguintes argumentos ponderosos:

(i) “Em nome da santa trindade padre E filho E spiritu santo. Aqui se começa o primeiro livro dos degredos E constituçoões que fez o muy nobre dom afonso o quinto Rey de portugual que foy”;

(ii) “Aqui se começam as ordenaçoões E custumes que o dito Rej dom afonso pos na sa corte E no seu Regno Julgadas E guardadas”;

(iii) “Aquy Começam os custumes E a hordenaçom que o dito Rey ffez nas Suas audiançias E no rregno”;

(iv) “Aquy se começam os costumes E os stabelimentos da Cassa del rrey”144.

As duas últimas asserções estão relacionadas com as –suso identificadas– duas tentativas de codificação processual no tempo de Afonso III. Mas não podemos deixar de considerar que, o mais plausível, é que sejam incipits (e explicit) tardios da lavra do próprio compilador das Ordenações de D. Duarte, que se não repetem, v. g., no Livro das Leis e Posturas. Não será despiciendo, por outro lado, que as três últimas referências acima aspadas das Ordenações de D. Duarte sejam, mutatis mutandis, idênticas às que, nas mesmas Ordenações,

143 VENTURA e OLIVEIRA, “Os Livros do Rei: Administração e cultura no tempo de D. Afonso III”, pp. 187-188.

144 ODD, pp. 54, 76, 123 e 140.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 219

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

encetam a legislação compilada do reinado de D. Dinis –“Aquy se começam as leis E as hordenaçõees que fez o muy nobre rrey dom denjs”145– e do reinado de D. Afonso IV –“Aqui sse comecam as lex E costitoçoões E hordenaçoões que fez ho muy nobre Rey dom afonsso ho quarto”146–.

Maior acuidade denota a primeira referência por fazer menção expressa a um primeiro livro de decretos –“primeiro livro dos degredos E constituçoões que fez o muy nobre dom afonso o quinto Rey de portugual que foy”– até implicando a existência de outros exemplares similares. Neste momento ainda é demasiado prematura e arriscada qualquer ilação, mas a ideia de que tenham existido antigos códices de Ius proprium alfonsum vai-se sedimentando, tendo em linha de conta os testemunhos atrás transcritos e outros que se lhe possam agregar, v. g.:

(v) Um indício deixado em provável fragmento coevo a D. Afonso III: “como já dissy en o começo deste liuro en o custume que sse começa «quando quiser»”147

(vi) Outro indício mais tardio, do tempo da Reforma das Ordenações de D. Afonso V: “e assy se usou sempre, e he Artiguo feito em Cortes antre Nós, e a Igreja, e os Prelados, que he escripto no Livro grande das Leys ás cento e oitenta e cinco folhas; e em nos Costumes, o dezasseis Artigo, que foi feito nas Cortes d’Elvas em esse livro, e muitos outros Artiguos sobre esto” (OA 3.15.13)

Do fragmento coevo sobre a apelação, para além da referência expressa a um livro, destila um trabalho de compilação que incluía costumes. Posteriormente, a propósito da citação das pessoas eclesiásticas perante os almotacés em matéria de almotaçaria, o compilador das Ordenações faz menção expressa a um artigo das cortes de Elvas (16º) que andava registado no livro dos Costumes.

É premente que se distingam estes livros de registos dos livros das Ordenações do reino, que só vão surgir no dealbar da dinastia de Avis –a mais vetusta referência conhecida a um livro de Leis/Ordenações consta em documento de 7 de Abril de 1390148–. Na minha modesta perspectiva, os livros de registos ainda são colectâneas privadas organizadas para uso dos magistrados dos tribunais supremos do reino –o registo oficial das leis do rei seria feito nos livros miscelâneos da chancelaria régia–. No seu miolo surgem formulários, apontamentos jurídicos, glosas ao Ius commune e, sobretudo, os costumes e estilos da corte –não excluindo que, à mistura, se tenham registado as leis mais usuais dos monarcas–. Como se depreende dos testemunhos indiciários suso transcritos

145 ODD, p. 164.146 ODD, p. 310.147 PMH Leges, p. 286_CXLIX.148 José DOMINGUES, “Os Primeiros Livros de Ordenações do Reino de Portugal”, em e-SLegal

History Review 15, 2013, em http://www.iustel.com/v2/revistas/detalle_revista.asp?id=15 (consultado no dia 1 de Setembro de 2013).

220 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

a tradição dos registos jurídico-legislativos prolongou-se pelos reinados subsequentes a Afonso III, dando origem a uma plausível multiplicação de códices. No momento em que rompe o movimento compilatório das Ordenações do reino este manancial, de fácil acesso para os compiladores, converter-se-á em inestimável contributo à sistemática oficial do Ius proprium do reino de Portugal.

Mesmo que os códices mais antigos tenham perdido o interesse e fossem votados ao esquecimento, adivinhando-se o seu consequente e prematuro desaparecimento, a tradição registadora dos tribunais superiores manteve-se perseverante durante muitos séculos, funcionando em paralelo e até como complemento às sucessivas Ordenações149. Parecendo certo que, sobretudo antes das Ordenações, o seu cunho privatístico não obstaria a que fossem divulgados e considerados como lei em todo o território do reino talvez seja melhor falar aqui em cunho semi-público. Em tempos muito posteriores aos de Afonso III, duas colectâneas viriam a alcançar a sanção pública-oficial: (i) o Livrinho da Relação de D. Manuel I, que ratifica todas as leis “que se acharem escriptas no livrinho da nossa relaçam que ora novamente mandamos fazer, que por nós seraa assinado, porque posto que sejam feitas antes desta impressam e nestes livros nom sejam encorporadas, mandamos que se guardem como nellas for contheudo” (OM-1521 prólogo)150; (ii) as Extravagantes de Duarte Nunes de Leão151.

5. Conclusão.

Perfeitamente consciente do carácter provisório e insuficiente das conclusões apresentadas, não tenho dúvidas que um diagnóstico sério à política legislativa de Afonso III não se basta nem se pode limitar a afilar uma linha estanque entre estruturas normativas diferentes, exigindo uma sincrónica investigação aturada e de pormenor à tradição textual, ao cotejo com outras fontes de Direito, a contributos indiciários para datações críticas, à praxis jurídica, ao carrear de novas versões escritas, ao seu aproveitamento ou expurgo na sistemática compilatória das Ordenações do reino, etc…

Os Portugaliae Monumenta Historica, sem paralelo até hoje na

149 Martim de Albuquerque, “Para a História da Legislação e Jurisprudência em Portugal: Os livros de registo de leis e assentos dos antigos tribunais superiores”, em Estudos de Cultura Portuguesa, vol. 3, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2002, pp. 65-94.

150 Ordenaçoens do Senhor Rey D. Manuel, Real Imprensa da Universidade, Coimbra, 1797 (fac-simile da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984). O primeiro [-quinto] liuro das Ordenações, Évora/Lisboa, Iacobo Cronberguer alemam, 11 Março 1521. (Cota do exemplar digitalizado: RES-70-A), em http://purl.pt/12182 (consultado no dia 7 de Setembro de 2013). Neste exemplar digitalizado falta a folha de prólogo; que surge manuscrita na edição de 1533, em http://purl.pt/14913 (consultado no dia 7 de Setembro de 2013); e em impresso na edição de 1565, em http://purl.pt/14264 (consultado no dia 7 de Setembro de 2013).

151 Leis Extravagantes, collegidas e relatadas pelo licenciado Duarte Nunez do Liam per mandado do muito alto e muito poderoso Rei Dom Sebastiam nosso Senhor, Lisboa: per Antonio Gonçaluez, 1569, em http://purl.pt/12180 (consultado no dia 7 de Setembro de 2013).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 221

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

iurishistoriografia portuguesa, resistem como um dos esteios mais seguros para se apreender as estruturas normativas dos primórdios da monarquia –reinados de Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II e Afonso III–. No entanto, o reconhecido contributo megalítico de Alexandre Herculano não obstará a que –suum quique tribuere– se dê a César o que é de César e a Afonso III o que é de Afonso III. Não podemos olvidar que “Alexandre Herculano não foi jurista” e que as conjunturas da época e os intuitos impulsionadores da obra já têm mais de centúria e meia de idade, por isso, “não exijamos a Herculano mais do que ele, efectivamente, no seu tempo nos podia dar”152.

A concluir fica a ideia de que os registos cronísticos medievos enaltecem o cumprimento e exercício da justiça por parte de Afonso III, v. g., na Crónica de Portugal de 1419 ficou averbado que “foy muy boo rei e justecoso e lamcou fora da terra muitos malfeitores e foy de muy bom regimento em sua casa e no reino. Manteve sua fazenda em grande regra e o reyno em muita justica e aseceguo e coregeo a terra, que estava muito estragada do tempo de seu irmao el rey dom Sancho Capelo, e fez muitas boas povoacoes e mandou lavrar os termos e muitas vilas e castelos”. O que levou Leontina Ventura a asseverar que “a sua praxis judiciária faz jus à memória que dele nos transmitiu a crónica Portuguesa de Espanha e Portugal (…) que foi textualmente recolhida por seu neto, o conde D. Pedro, e que Fernão Lopes, o alegado autor da Crónica de Portugal de 1419, em nada alterou”153. Mas esta actividade em prol de uma Justiça coactiva ou de polícia –cf. também o testemunho coevo no Liber illlustrium personarum, de João Gil de Zamora (c. 1241-1318), em epígrafe a este estudo– é totalmente distinta e não deverá ser confundida com a apregoada actividade legiferante, que não pode deixar de ser matizada à luz de uma perspectiva crítica hodierna.

6. anexo documental: Leis novas de d. afonso iii154.

Doc. 11255.Setembro.06 – Coimbra.Em carta enviada ao meirinho de el-rei, Martim Real, e porteiros de Entre-

Douro-e-Minho:1255.Julho – Cortes de GuimarãesLei de D. Afonso III que, para atalhar aos abusos dos fidalgos padroeiros,

limita o exercício do seu direito de padroádigo nos mosteiros e igrejas que lhe pertençam.

Braga, AD – Gaveta 2 de Igrejas, doc. 135.CLIMA: Afonso III-5, Lei do padroado, em http://www.ulusiada.pt/

152 Martim de Albuquerque, “A formação Jurídica de Herculano: Fontes e Limites”, em Estudos de Cultura Portuguesa, 3.º vol., Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2002, pp. 177-189 (188).

153 Ventura, D. Afonso III, p. 129.154 Agradeço ao Prof. Doutor José Marques a transcrição destes dois documentos.

222 Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013)

José Domingues

clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-do-padroado-2/(consultado no dia 7 de Setembro de 2013)

Alfonsus Dei gratia rex Portugalie et Come[s] Bollonie vobis Martino Riali meo merino et illis qui in vestro loco fuerint et portariis de Inter Dorium et Minium salutem. Sciatis quod ego feci meam Curiam apud Vimaranem mense Julii in Era M.ª CC.ª L XL.ª III.ª et habui Consilium cum meis Riquis hominibus et cum meis <Filiis> d’algo qualiter milites irent ad monasteria et ad ecclesias et qualiter provideatur sibi in eis.

In primo constitui sic: Milites pausent in monasteriis et non pausent in ecclesiis neque in terminis

monasterii.Item quando milites fecerint concilia non comedant ipsa die in monasteriis

nec in ecclesiis.Item si milites pausaverint in monasterio stent ibi per unum diem et in alia

die sequenti exeant inde et non tornent ibi neque dimittant restadam in monasterio neque hominem suum neque bestiam que faciant cuscam in monasterio.

Item filii concubinorum non sint heredes monasteriorum neque ecclesiarum neque raubent in testamentis.

Item filii legitimi non petant algum in naturis patris vel matris a quibus habent testamentum, sed comedant ibi moderate si necesse fuerit.

Si multi milites habuerint unum casale pro testamento dividant inter se servicium de ipso casali et quousque illud servitium dividatur nichil detur eis.

Item detur algum de monasterio vel de ecclesia pro ad suam pressionem et pro ad suam filiam casare et pro ad suum filium facere militem.

Item neque homines non levent secum ad monasteria plures milites quam quindecim et hac si de IIIIor in IIIIor mensibus quando plus fuerit.

Item infanzom non vadit ad monasterium nisi cum duobus militibus et non maez.

Milites non colligant vinum in cupis de petito de monasteriis nec de ecclesiis et si ibi colligerint accipiat meyrinus eis vinum cum cupis.

Item milites non populent nec erment in coutis nec in terminis monasterii nec in testamentis nec habeant ibi maladiam neque levent inde ofrecionem neque luitosam neque erment neque populent in terram devassa testamentis monasteriorum sed milites habeant suas vineas et suos coutos prout habebant eos in tempore patris mei et avi mei.

Et quemcumque contra mea decreta supradicta venerit mando portario meo qui steterit in monasterio vel in ecclesia ubi fractum fuerit decretum quod pignoret eum pro meo encouto de quingentis soldis pro ad me et pinoret eum quod corrigat et medet dapnum in dupplo quod fecerit in monasterio vel ecclesia. Et si aliquis forciaverit meum portarium qui pignoverit pro supradictis decretis. Mando meyrino quod capiat ei quantum habuerit. Proinde unde aliter non sit.

Datum apud Colimbriam VI die Setembris. Rege mandante per dominum

Lusíada. Direito. Porto Nº. 7 e 8 (2013) 223

Exame crítico às Leis de El-Rei D. Afonso III, pp. 185-223

Egidium maiordomum Curie e per Cancellarium . Era M.ª CC.ª LXL.ª III.ª. D. Petri fecit.

Doc. 21319.Maio.05 – Santarém.D. Dinis confirma a cata de seu pai, D. Afonso III:1261?.maio.05 – Cortes de Coimbra?.Carta enviada ao comendador, pretor e concelho de Tomar onde se isentam

as viúvas, órfãos e idosos do pagamento do tributo de fossadeira.Lisboa, IAN/TT – Leitura Nova, Liv. 27 (Liv. 11 da Estremadura), fl. 220v,

em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4223218 (consultado no dia 7 de Agosto de 2013).

CLIMA: Afonso III-12, Lei da isenção de fossadeira, em http://www.ulusiada.pt/clima/ius-proprium-leis-gerais/d-afonso-iii/lei-de-isencao-de-fossadeira/ (consultado no dia 8 de Agosto de 2013).

A uila de tomar trelado em pubrica forma de huuma carta per que el Rey mandou que has viuuas orfaaos e velhos fossem escusados e non pagassem fosadeira etcª

Dom Denis pella graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve a quantos esta carta virem faço saber que ho meu procurador me mostrou hũua carta del Rey Dom Afonsso meu padre da qual ho teor tal he:

«Alfonsus Dei gratia rex Portugalie Comes Bolonie comendatori et pretori et concílio de Tomar salutem. Scietis quod vidue et orphani et senes excusati mandaverunt mihi dicere quod vos constringitis eos quod dent fossadariam unde mando vobis quod non demandetis fossadariam viduis nec orphanis qui sunt in potestatem matrum suarum nec demendetis fossadariam senibus qui debent ut ipsi dicunt et teneatis omnes scilicet viduas et orphanos et senes excusatos ad suum directum et ad suum forum et non saquetis inde ipsos unde aliud non faciatis et si inde aliter feceritis ego me proinde ad vos tornabo et faciam quod vos pectabitis eas de casis vestris et ut videam qualiter meum mandatum facitis mando quod ipsi teneant istam meam cartam apertam . Datum Colimbrie per Vincentium Didaci superiudicem Vª die Maii».

A qual carta mostrada e pubricada perante mim porque era feita em papel e quebrantava pedio me o meu procurador que lhi mandasse ende dar o trelado e eu mandei lho dar.

Dada em Santarem cinquo dias de Mayo. El Rey o mandou per Afonso Martii[n]s vice chanceler. Vicente Gill a fez. Era de mil e trezentos e cinquenta e sete anos.