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34 EVENTOS PARA TODOS Quando Paula Teles começou a trabalhar o tema das acessibilidades, ainda havia muito para fazer em Portugal a esse nível. “Fomos a primeira empresa em Portugal a derrubar barreiras”, conta a responsável da m.pt. Hoje há mais empresas a trabalhar neste mercado, um mercado que Paula Teles apelida de “extremamente entusiasmante”, e cujo grande motor é neste momento o turismo. REPORTAGEM

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Page 1: EVENTOS PARA TODOS...e Desenvolvimento Económico). Estamos a falar de pessoas grávidas, idosos, pessoas com deficiência, crianças. “Era importante derrubar as barreiras, transformar

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E V ENTOS PARA TODOSQuando Paula Te les começou a t rabalhar o tema das acessib i l idades, a inda havia mui to para fazer em Por tugal a esse n íve l . “Fomos a pr imeira empresa em Por tugal a derrubar barre iras” , conta a responsável da m.pt . Ho je há mais empresas a t rabalhar neste mercado, um mercado que Paula Te les apel ida de “extremamente entusiasmante” , e cu jo grande moto r é neste momento o tur ismo.

R E P O R T A G E M

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W W W . E V E N T P O I N T. C O M . P T

“É preciso que as lojas, o

comércio tradicional , os

restaurantes, os hotéis, sejam

acessíveis” , aler ta Paula Teles.

O mesmo se aplica aos centros de congressos e restantes venues. “Saber receber as pessoas diferentes não é pelas traseiras do evento”, lembra Paula Teles. “Essa coisa de desenrascar uma porta lateral, uma entrada pela garagem... é preciso mudar”, incita a especialista. “Não se pode receber uma pessoa com mobilidade reduzida e pô-la numa mesa à parte, num canto. É um cliente como os outros e deve ser tratado na

sua verdadeira dimensão”. Os espaços são um factor crítico para organizar um evento inclusivo. “Muitas vezes tele-fonam-me do governo a perguntar onde devem fazer uma reunião”, confessa Paula Teles, que lembra o facto do ministro das finanças alemão se deslocar em cadeira de rodas. “Como é que se pode organizar uma deslocação de polí-ticos deste nível, da Europa, para virem a Portugal, sem o senhor ficar sozinho? Imagine-se o que é fazer uma coisa dessas!”. Apesar de considerar que há “um desleixo muito grande nos eventos”, quando se chama a atenção ao gestor do evento de que há uma pessoa com limita-ções, “nota-se um esforço muito grande para resolver o problema”.

R E P O R T A G E M . E V E N T O S P A R A T O D O S

Barcelona é, no entender de Paula Teles, um caso de estudo mundial a este nível. E tudo motivado por um grande evento, os Jogos Olímpicos de 1992. A cidade aproveitou a ocasião para se tornar acessível. Cá, o território que começou por levar mais a sério esta questão foi o Algarve, onde existe “quase uma corrente de municípios a trabalhar as acessibilidades”, explica a responsável. Mas praticamente todo o litoral está a agir nesta matéria, escla-rece. “As pessoas já perceberam que há um nicho de mercado muito forte no turismo acessível, no turismo sénior”. Na questão das acessibilidades as autarquias têm um papel muito impor-tante, “mas o privado tem que perceber que tem de andar a par”.

Na m.pt trabalham-se as acessi-bilidades do ponto de vista global. “Começou por ser um trabalho dedicado ao espaço urbano, depois passamos a trabalhar a acessibilidade dentro dos edifícios, nos sistemas de transportes e mais tarde percebemos a importância da área da comuni-cação”. Era preciso comunicar para as pessoas com mobilidade reduzida, cerca de 60% das pessoas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). Estamos a falar de pessoas grávidas, idosos, pessoas com deficiência, crianças. “Era importante derrubar as barreiras, transformar os espaços tornando-os acessíveis, mas essen-cialmente era preciso comunicar”, explica Paula Teles. Outra área de trabalho é comunicar no espaço web. “Descodificamos os conteúdos para que a pessoa limitada na mobilidade possa a partir de casa conhecer o mundo”, detalha.

© RU I LU Í S ROMÃO . E V EN T PO I N T

PAU L A T E L ES

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CENTRO DE CONGRESSOS DO ESTORIL PREPARADO Em relação aos equipamentos, muito embora o período não seja de grandes investimentos, o importante é que a acessibilidade seja contemplada de origem. Como aconteceu no caso do Centro de Congressos do Estoril (CCE). “Aquando da construção do CCE, em 2001, as preocupações com as acessi-bilidades sempre estiveram presentes no projecto de arquitectura tendo sido logo determinadas no projecto inicial e estando desde logo garantidos os percursos adequáveis a pessoas de mobilidade condicionada, interligando o exterior ao interior, as diversas zonas e os diferentes pisos do edifício”, explica Teresa Farias, do departamento de Corporate Business & Sustainability do CCE. Além disso, já após a construção, e de modo a cumprir o disposto no DL nº163/2006, de 8 de Agosto, “foi desen-volvido um Plano de Acessibilidades abarcando as seguintes áreas: acesso ao centro de congressos, acesso aos escritórios, estacionamento, acessos verticais (ascensores), instalações sanitárias, largura das portas”. Estando o equipamento preparado para receber participantes com mobilidade reduzida, será que para os clientes a questão da acessibilidade é uma preocupação? “Por parte de alguns clientes começa a ser notória a preocupação, sobretudo em eventos de maior porte e internacionais. A nível nacional, geralmente os clientes só colocam a questão quando algum dos participantes tem mobilidade condicionada”, refere Teresa Farias. Em termos de fornecedores ainda há um “longo caminho a percorrer”, diz. No entanto realça os fornecedores de catering como exemplo positivo. “Respondem sempre com prontidão, flexibilidade e excelência a pedidos de refeições ‘especiais’”.

A PENSAR NOS CEGOSPeter Colwell, Coordenador do NEIA (Núcleo de Estudos e Investigação para as Acessibilidades) da ACAPO, Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, não tem dúvidas, a acessibili-dade dos eventos é um tema que ainda não recebe muita atenção. No que diz respeito à deficiência visual a acessibi-lidade pode ser dividida em três cate-gorias: acesso à informação, acesso ao local, orientação no local. Percorremos com Peter Colwell estas três vertentes. Em relação ao acesso à informação, a boa prática manda que seja disponibi-lizada antes, durante e após o evento, de forma acessível. O website deve cumprir as directrizes da e-acessibili-dades. “Para além disso, é importante quando a divulgação é feita através de e-mails, que o texto permita a leitura através de um leitor de ecrã. Isto porque é comum enviar uma imagem com um cartaz, ficando inacessível para pessoas que pretendem ouvir a informação no seu computador ou

transformá-la em Braille”, lembra o responsável da ACAPO. No que diz respeito à ficha de inscrição do evento, esta deveria conter uma opção para solicitar informação em formatos alternativos como por exemplo o Braille, letra ampliada, formato digital ou áudio. Também as imagens projec-tadas “deveriam ser descritas oral-mente e em texto”, sublinha Colwell. Em relação à legibilidade dos textos, nas várias plataformas, “é essen-cial criar um forte contraste entre as letras e o fundo, e este último deve ser monocromático, livre de imagens e sem brilho. Deve usar-se um tipo de letra simples, sans serif, de tamanho 14 no caso de materiais impressos, e com a opção de alterar o tamanho no caso dos websites”. “Todos os parti-cipantes devem ter a oportunidade de avaliar o evento”, refere Peter Colwell, “e naturalmente as respectivas fichas têm de ser disponibilizadas em formatos acessíveis”.

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CEN TRO D E CONGRESSOS DO ES TOR I L

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A segunda vertente é a do acesso ao local. Há pelo menos dois aspectos a considerar. No site do evento devem estar especificadas as indicações de como chegar ao local e que transportes públicos servem a zona. “Um mapa só não chega porque, mais uma vez, é uma imagem que não pode ser lida por muitas pessoas com deficiência visual”. Peter Colwell aconselha a por exemplo incluir dicas de como iden-tificar a entrada e colocar um número de contacto, no caso de dificuldades. Outro aspecto prende-se com o local propriamente dito, “os organizadores devem garantir que a via pública na zona circundante é acessível”. Isto pode implicar “falar com as autoridades para assegurar a ausência de estacionamento ilegal no dia do evento e a sinalização adequada de andaimes e obras”.

Uma vez dentro do espaço,

é preciso ter em conta a

orientação. “O trajecto entre a

porta de entrada e a recepção

do evento deve ser intuitivo e

em linha recta. Quando não for

possível os organizadores devem

colocar uma passadeira entre a

porta de entrada e a recepção,

constituindo uma indicação para

caminho a seguir, não apenas para

as pessoas com deficiência visual,

mas para todos os participantes”.

Se tal não for possível, “deverá ser disponibilizado pessoal junto à porta, de modo a poderem acompanhar as pessoas com deficiência visual até à recepção, utilizando as técnicas de guia adequada-mente.” Também a sinalética é funda-mental. Idealmente deveria ter “letras em alto-relevo e Braille ou fornecer infor-mação em áudio”. Uma questão impor-tante é a de facilitar a distinção entre as casas-de-banho. Para além das casas--de-banho, o público deve estar a par da localização das saídas de emergência ou do local do coffee-break, informa o responsável da ACAPO.

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PE T ER CO LWE L L

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O ELEMENTO CORA cor tem uma importância grande nos eventos, do ponto de vista da comuni-cação. Mas há 350 milhões de pessoas, na sua esmagadora maioria homens, que não a conseguem identificar correctamente. O número é lançado por Miguel Neiva, mentor do projecto ColorADD, um código de identificação de cores dirigido aos daltónicos. “A cor é universal, menos para aqueles que não a conseguem identificar, e esse universo não é assim tão pequeno”, diz.

COLORADD: UMA DAS 40 IDE IAS QUE VÃO MELHORAR O MUNDOO projecto demorou oito anos a desenvolver. “Não existia nada no mundo, não havia referência, teve de ser construído do zero”, conta o designer gráfico. Miguel Neiva começou por investigar, junto de alguns médicos, o que era o daltonismo. “Havia a ideia de que o daltónico troca as cores, mas ele confunde é as cores e por isso tem que ser orientado”. Depois disso, Neiva foi procurar a opinião dos daltónicos, “perceber o que eles queriam, quais as necessidades”. Seguiu-se uma pesquisa e estudo dos elementos da comunicação universal: sinais de trânsito, código internacional de bandeiras, sinais de terra-ar. “A cor e a forma são dois elementos essenciais, pelo que a forma podia muito bem tomar a função da cor”, explica. Com apenas três elementos gráficos o daltónico consegue identificar todas as cores. O projecto passou depois pelo reconhecimento e acreditação da comunidade científica. Neste momento as três áreas prioritárias de intervenção passam pela educação, transportes e saúde.

Além disso, “é uma limitação não visível aos olhos dos outros. E estamos a falar de homens, que nunca pedem indica-ções...” (risos). O facto da maior parte da comunicação ser feita através da cor, exclui o daltónico. Se o estacionamento de um evento estiver organizado por cores, ou os locais disponíveis para sentar, ou os crachás... levanta-se um problema para quem tem esta limitação. Se um organizador de eventos quiser usar o código e tornar o evento mais

acessível pode comprar uma licença à ColorADD. Estas são ajustadas em função da dimensão da entidade que a quer usar e a utilização é ilimitada. “A validação do código é feita por nós e damos todo um apoio de consultoria, que pode ou não ter custos”, explica Miguel Neiva. Nos Jogos da CPLP a ColorADD interveio tornando o evento acessível a daltónicos.

Cláudia Coutinho de Sousa ([email protected])

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M I GUE L N E I VA