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1 DANIELA CRISTINA SOARES ETIOLOGIA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR NA MESORREGIÃO DO BAIXO AMAZONAS, ESTADO DO PARÁ, BRASIL Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará como requisito para a obtenção do grau de Doutor (a) em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Orientadora: Profa. Dra. Lourdes Maria Garcez dos Santos Instituto Evandro Chagas Banca Examinadora: Prof. Dr. Arival Cardoso de Brito Universidade Federal do Pará Prof. Dr. Evonnildo Costa Gonçalves Universidade Federal do Pará Profa. Dra. Francisca Regina Oliveira Carneiro Universidade de Estado do Pará Prof. Dr. Haroldo José de Matos Instituto Evandro Chagas Profa. Dra. Ana Maria Revorêdo da Silva Ventura (suplente) Universidade de Estado do Pará/ Instituto Evandro Chagas Belém, 14 de Março de 2014

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1

DANIELA CRISTINA SOARES

ETIOLOGIA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR NA MESORREGIO DO BAIXO

AMAZONAS, ESTADO DO PAR, BRASIL

Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Biologia de Agentes

Infecciosos e Parasitrios do Instituto de Cincias Biolgicas da Universidade Federal do Par

como requisito para a obteno do grau de Doutor (a) em Biologia de Agentes Infecciosos e

Parasitrios.

Orientadora: Profa. Dra. Lourdes Maria Garcez dos Santos

Instituto Evandro Chagas

Banca Examinadora: Prof. Dr. Arival Cardoso de Brito

Universidade Federal do Par

Prof. Dr. Evonnildo Costa Gonalves

Universidade Federal do Par

Profa. Dra. Francisca Regina Oliveira Carneiro

Universidade de Estado do Par

Prof. Dr. Haroldo Jos de Matos

Instituto Evandro Chagas

Profa. Dra. Ana Maria Revordo da Silva Ventura (suplente)

Universidade de Estado do Par/ Instituto Evandro Chagas

Belm, 14 de Maro de 2014

2

A todos os pacientes, sujeitos dessa pesquisa, por

doarem parte de si, em um momento de dor e aflio,

acreditando que os esforos para realizao desse trabalho,

somados a tantas outros, podero um dia minimizar o

sofrimento de outras pessoas.

3

4

AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos s pessoas e instituies que apoiaram a realizao

deste trabalho. O processo de aprendizado cientfico e pessoal no seria possvel sem essa

colaborao.

Contudo, devo citar minha gradito Dra. Lourdes Maria Garcez, minha orientadora,

que, ao longo desses oito anos de convivncia, fomentou o meu desenvolvivento cientfico no

uso crtico e adequado de ferramentas que contribuam para melhorias em sade pblica.

Agradeo-lhe ainda por me ajudar enfrentar algumas dificuldades inerentes a vida cientfica e

acadmica.

Em Belm, agradeo ao Instituto Evandro Chagas pela estrutura disponibilizada na

Seo de Parasitologia, sobretudo equipe do nosso Laboratrio de Epidemiologia e

Imunologia Aplicada s Leishmanioses, que de poucos se fizeram muitos e somaram para a

realizao desse trabalho. Rosngela Barros e ao Gilberto Rodrigues pelos cuidados com

os isolados de Leishmania e apoio de campo. Rosangela Trindade pelo apoio logstico de

transporte, ora barco e ora avio, no incio do projeto. Ao Anthony Paiva, aluno de iniciao

cientfica, pela contribuio no laboratrio de biologia molecular. Anadeiva Chagas,

Raquel Gonalves, Marcela Maciel e Eliane Trindade pelo ombro amigo e conversas de

incentivo.

Em Belm, meus profundos agradecimentos Secretaria de Estado de Sade Pblica

pela licena concedida nesse ltimo ano de tese e pelo financiamento de participaes em

congresso. Mas, sobretudo, agradeo experincia vivida no controle e vigilncia das

leishmanioses onde tive a companhia inestimvel de Monica Fadul, Simony Guimares,

ngela Santos, Danilo Ananias, Bernardo Cardoso e tantos outros amigos e profissionais que

enfrentam as estradas e rios de nosso Estado para melhorar as condies de sade dos

indivduos acometidos por esses agravos.

Em Juruti, agradeo sensibilidade e apoio da Secretria de Sade Dra. Ana Mrcia

Cunha em permitir a realizao desse trabalho. Em especial aos colegas Germana Santos e

Fbio Cativo do Laboratrio de Endemias.

Em Santarm, agradeo a Secretria de Sade Dra. Helosa Helena Carvalho, ao

diretor do Centro de Controle de Zoonoses Dr. Jorgemar por permitirem que nossa equipe se

integrasse aos demais profissionais que diariamente l assitem pacientes com leishmaniose

tegumentar. A toda equipe tcnica meu muito obrigada!

5

Sou muito grata ao reitor da Universidade do Estado do Par, Prof. Luiz Fernando

Silva, responsvel pelo campus Santarm, e ao diretor do curso de medicina, Prof. Moacir

Boreli, pela receptividade e disponibilio de espao fsico para implantao das tcnicas de

isolamento de Leishmania. Preciso ressaltar meu muito obrigada a participao efetiva e

comprometida das docentes da UEPA Mariana Quiroga, Francimary Leo, Ndia Martins e

Socorro Mota neste trabalho. Agradeo Profa. Ndia seus cuidados de enfermagem com os

pacientes. s mdicas Profa. Mariana e Profa. Francimary pela coleta de bipsias, tratamento

e acompanhamento clnico. biomdica Profa. Socorro pelo empenho nas tentativas de

isolamento de Leishmania e ao discente Jonas Castro pelo interesse e ingresso a pesquisa

cientfica.

No Rio de Janeiro, meus sinceros agradecimentos a Dra. Elisa Cupolillo, responsvel

pelo Laboratrio de Pesquisas em Leishmanioses da Fundao Oswaldo Cruz, e sua equipe

(em especial a Mariana Boit, Barbara Santos e Marcus Tranin) pelo treinamento em

caracterizao e tipagem bioqumica e molecular para Leishmania. Alm das contribuies

cientficas agradeo a convivncia daquele perodo onde todos me proporcionaram liberdade

para integrar a equipe sem restries na conduo dos experimentos dessa tese.

No Rio de Janeiro, fui presenteada por conhecer Ra Paiva, Fernando Messias e

Fernanada Messias, famlia maravilhosa, que me acolheu em seu lar e dividiu comigo os seus

amigos e que desde l so meus amigos tambm. Muito obrigada!

Agradeo ao suporte financeiro concedido pela Fundao Amaznia Paraense de

Amparo Pesquisa e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico.

Obrigada aos membros da banca pelo interesse e disponibilidade.

Agradeo aos meus pais, Elier Soares e Maria Jos Alves Soares, por serem

simplesmente quem so, pelos seus exemplos e pela unio de nossa famlia. Dnia e Elier

Junior, meus irmos e melhores amigos, obrigada tambm!

preciso que eu seja generalista, pois minha memria s vezes me trai! Sintam-se

agredecidos todos aqueles que gentilmente aguentaram meus desabos com problemas de

primers, PCR e culturas contaminadas ou com a minha exagerada euforia no xito dos

ensaios. Saibam que direta ou indiretamente o conselho, o incentivo e a pacincia de vocs me

ajudaram a fazer este trabalho melhor.

E por fim, agradeo aquele sem o qual nada seria fato, Deus!

6

SUMRIO

LISTA DE FIGURAS.......................................................................................................... 8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS........................................................................... 11

RESUMO............................................................................................................................ 13

ABSTRACT........................................................................................................................ 14

1 INTRODUO.................................................................................................... 15

1.1 EPIDEMIOLOGIA................................................................................................ 16

1.2 AGENTES ETIOLGICOS DE LT..................................................................... 20

1.3 CICLO DE TRANSMISSO DE LT................................................................... 23

1.4 LEISHMANIOSE TEGUMENTAR: INFECO, IMUNOPATOLOGIA E

DOENA ..............................................................................................................

24

1.5 DIAGNSTICO E TRATAMENTO NA REDE DE ASSISTNCIA DO

SUS.........................................................................................................................

28

1.6 DISTINO EM NVEL DE ESPCIE ............................................................. 32

1.7 JUSTIFICATIVA................................................................................................... 38

1.8 OBJETIVOS ........................................................................................................ 39

1.8.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................................. 39

1.8.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................... 39

2 MATERIAL E MTODO .................................................................................. 40

2.1 ASPECTOS TICOS ............................................................................................ 40

2.2 DESENHO DO ESTUDO .................................................................................... 40

2.3 PERGUNTAS ....................................................................................................... 40

2.4 REA DO ESTUDO ............................................................................................. 41

2.5 SUJEITOS DA PESQUISA, LOCAL DE ATENDIMENTO E CRITRIOS DE

INCLUSO ............................................................................................................

42

2.6 REALIZAO DE EXAMES ............................................................................ 43

2.7 PROCEDIMENTOS NA ROTINA DO SUS ...................................................... 43

2.7.1 Exame parasitolgico direto ............................................................................... 44

2.7.2 Teste Intradrmico de Montenegro ................................................................... 45

2.7.3 Tratamento e acompanhamento dos pacientes ................................................. 45

2.7.4 Busca ativa de pacientes ...................................................................................... 45

2.8 PROCEDIMENTOS PARA A PESQUISA .......................................................... 46

2.8.1 Coleta e registro de dados ................................................................................... 47

7

2.8.2 Coleta e conservao de material biolgico ...................................................... 47

2.8.3 Obteno de isolados de Leishmania ................................................................. 47

2.8.4 Preparo de massa parasitria ............................................................................. 48

2.8.5 Criopreservao dos isolados de Leishmania .................................................... 48

2.8.6 Caracterizao de Leishmania por eletroforese enzimtica multilocus.......... 48

2.8.7 Clonagem biolgica e infeco de isolados de Leishmania com perfil atpico

em hamsters ..........................................................................................................

49

2.8.8 Ensaios moleculares ............................................................................................. 50

2.8.9 Extrao de DNA de isolados de Leishmania de cepas de referncia e

isolados humanos .................................................................................................

50

2.8.10 Extrao de DNA de fragmento de pele de leso .............................................. 50

2.8.11 Identificao do gnero Leishmania ................................................................... 51

2.8.12 Identificao do subgnero L. (V.) sp. e espcie L. (V.) braziliensis.................. 52

2.8.13 Eletroforese .......................................................................................................... 53

2.8.14 Distino de espcies de Leishmania por PCR-RFLP de hsp70-234 e PCR-

RFLP de ITS 1 .....................................................................................................

53

2.8.15 Plano de anlise estatstica .................................................................................. 53

3 RESULTADOS .................................................................................................... 55

3.1 PADRONIZAO DOS ENSAIOS MOLECULARES....................................... 57

3.2 CARACTERIZAO E TIPAGEM DE Leishmania EM AMOSTRA DE DNA

EXTRADO DE FRAGMENTO DE LESO.......................................................

61

3.3 CONTRIBUIO DA PCR-G6PD NA DEFINIO DO SUBGNERO

Viannia E ESPCIE L. (V.) braziliensis ...............................................................

66

3.4 CARACTERIZAO DE ISOLADOS DE Leishmania POR MLEE ................. 67

3.4.1 Caracterizao por MLEE de isolados de Leishmania com perfil atpico...... 70

3.5 ETIOLOGIA DA LT NA MESORREGIO DO BAIXO AMAZONAS DO

ESTADO DO PAR .............................................................................................

71

3.6 EVOLUO DOS CASOS DE LT ...................................................................... 72

4 DISCUSSO ........................................................................................................ 75

5 CONCLUSES ................................................................................................... 85

REFERNCIAS................................................................................................................. 86

APNDICE I...................................................................................................................... 102

APNDICE II..................................................................................................................... 104

8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Distribuio de registros de casos de LT no mundo no perodo de 2005 a

2009................................................................................................................

18

Figura 2 Epidemiologia da LT no Brasil..................................................................... 19

Figura 3 Registros das formas cutnea e mucosa e co-infeco LT x HIV no Estado

do Par, no perodo de 2007 a 2011...........................................................

20

Figura 4 reas de risco de transmisso de LT e espcies dermotrpicas de

Leishmania no Estado do Par..................................................................

21

Figura 5 Espcies dermotrpicas de Leishmania circulando em pases da Amrica

Latina.............................................................................................................

23

Figura 6 Ciclo de transmisso da LT........................................................................... 25

Figura 7 Expectro clnico da LT. ............................................................................... 28

Figura 8 Polarizao da LT......................................................................................... 29

Figura 9 Diagnstico laboratorial para a LT disponvel na rotina no SUS................. 31

Figura 10 Ensaios bioqumicos de caracterizao e tipagem de Leishmania................ 35

Figura 11 Localizao do gene de ITS e sua subdiviso em regio de ITS 1 e regio

de ITS 2.........................................................................................................

37

Figura 12 Distino de espcies de Leishmania em ensaios de PCR-RFLP de ITS 1

aps digesto enzimtica por HAE III..........................................................

38

Figura 13 Distino de espcies de Leishmania em ensaios de PCR-RFLP de hsp70-

234 aps digesto enzimtica por HAE III e

BstUI..............................................................................................................

39

Figura 14 Municpio de Santarm, Par........................................................................ 42

Figura 15 Municpio de Juruti, Par..............................................................................

Figura 16 Fluxograma do atendimento de rotina nas unidades de sade dos

municpios de Juruti e Santarm e abordagem dos sujeitos da pesquisa......

43

Figura 17 Fluxograma do atendimento de rotina nas unidades de sade dos

municpios de Juruti e Santarm e abordagem dos sujeitos da pesquisa.....

45

Figura 18 PCR-RFLP de ITS 1 aps digesto enzimtica com HAE III....................... 47

Figura 19 PCR-RFLP de hsp70-234 aps digesto enzimtica com BstU I.................. 59

Figura 20 PCR-RFLP de hsp70-234 aps digesto enzimtica com HAE III............... 60

Figura 21 Deteco do DNA de espcies de Leishmania dermotrpicas com uso de

9

diferentes PCRs............................................................................................. 60

Figura 22 Anlise de PCR-RFLP de hsp70-234 de DNA extrado de 112 pacientes

atendidos no CCZ de Santarm e HMFB de Juruti, no perodo de janeiro

de 2010 a dezembro de 2011. .......................................................................

64

Figura 23 PCR-RFLP de hsp70-234 aps digesto enzimtica com HAE III............... 64

Figura 24 PCR-RFLP de hsp70-234 aps digesto enzimtica com BstU I..................

Figura 25 Anlise de PCR-RFLP de ITS 1 de DNA extrado de 112 pacientes

atendidos no CCZ de Santarm e HMFB de Juruti, no perodo de janeiro

de 2010 a dezembro de 2011.........................................................................

65

Figura 26 PCR-RFLP de ITS 1 aps digesto enzimtica com HAE III....................... 65

Figura 27 Anlise de PCR-G6PD de DNA extrado de 112 pacientes atendidos no

CCZ de Santarm e HMFB de Juruti, no perodo de janeiro de 2010 a

dezembro de 2011..........................................................................................

66

Figura 28 Produto de PCR-G6PD espcifico para o subgnero Viannia exceto a

espcie L. (V.) braziliensis revelado em gel de agarose a 2,0%....................

66

Figura 29 Produto de PCR-G6PD espcifico para a espcie L. (V.) braziliensis

revelado em gel de agarose a 2,0%...............................................................

67

Figura 30 Perfil de MLEE obitido com o sistema enzimtico de G6PDH.................... 67

Figura 31 Perfil de MLEE obitido com o sistema enzimtico de 6GPDH.................... 68

Figura 32 Perfil de MLEE obtido com o sistema enzimtico de 6GPDH..................... 69

Figura 33 Proporo da distino de espcies de Leishmania em amostras de

pacientes com LT atendidos nos centros de sade Santarm e Juruti no

perodo de janeiro de 2010 a dezembro de 2011...........................................

71

Figura 34 Proporo da distino de espcies de Leishmania em amostras de

pacientes com LT atendidos nos centros de sade Santarm e Juruti no

perodo de janeiro de 2010 a dezembro de 2011...........................................

72

Figura 35 Epidemiologia molecular da LT na mesorregio do Baixo Amazonas do

Estado do Par, Brasil....................................................................................

72

Figura 36 Destaques dos Perfis clnico-epidemiolgicos de uma srie de 112 casos

de LT atendidos no CCZ de Santarm e HMFB de Juruti, Estado do Par,

de janeiro de 2010 a dezembro de 2011........................................................

73

Figura 37 Taxas de cura e falha teraputica aps trs meses da administrao do

Glucantime (15mg/kg/dia/20 dias) em amostra de 40 indivduos

10

infectados com L (V.) braziliensis (26) e com outras espcies de

Leishmania (17): L. (L.) amazonensis (4), L. (V.) naiffi (3), L. (V.) lainsoni

(1) e L. (V.) shawi (7) e L.(V.) guyanensis (2)..............................................

74

Figura 38 Acompanhamento clnico de pacientes aps trs meses de terapia com

Glucantime (15mg/kg/dia/20 dias).............................................................

75

11

LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS

A Adenina

C Citosina C graus Celsius ou graus centgrados

CCZ Centro de Controle de Zoonoses

CBC Carcinoma Basocelular

CD Cluster de diferenciao

DMSO Dimetilsufxido

DNA cido desoxirribonuclico

EDTA cido etilenodiaminotetraactico

ELISA ensaio imunoenzimtico

FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz

G Guanina

G6PD Enzima glicose 6 fosfato desidrogenase

6PGDH 6-fosfo-glucanato desidrogenase

HMFB Hospital Municipal Francisco Barros

Hsp Protena de choque trmico

HIV Vrus da Imunodeficincia Humana IEC Instituto Evandro Chagas

IFI teste de imunofluorescncia indireta

IDRM Intradermorreao de Montenegro

IL Interleucina

ITS Espaador Interno Transcrito

INF Interferon

kDNA DNA do cinetoplasto

Kb Kilo bases

La Leishmania (Leishmania) amazonensis

Lb Leishmania (Viannia) braziliensis

Ls Leishmania (Viannia)shawi

Ln Leishmania (Viannia)naiffi

Ll Leishmania (Viannia)lansoni

Lg Leishmania (Viannia)guyanensis

Lli Leishmania (Viannia)lindenbergi

LCD Leishmaniose Cutnea Difusa

LCL Leishmaniose Cutnea Localizada

LDA Leishmaniose Difusa Anrgica

LMC Leishmaniose Mucocutnea

LT Leishmaniose Tegumentar M Molar

mg Miligrama

ml Mililitro

MHC Complexo de Histocompatibilidade Principal

OMS Organizao Mundial de Sade

pb pares de bases

PBS Soluo Salina Fosfatada

PCR Reao Em Cadeia Da Polimerase

PSG Soluo Salina Glicerolizada

RFLP Polimorfismo no Comprimento do Fragmento de

Restrio SBF Soro Bovino Fetal

12

SDS Sulfato Duodecil de Sdio

SFM Sistema Fagoctico Mononuclear

SEMSA Secreteria Municipal de Sade

SESPA Secretaria de Estado de Sade Pblica

T Timidina

TA temperatura ambiente

TAE soluo de Tris, Acetato e EDTA

TE soluo Tris e EDTA

TNF Fator de Necrose Tumoral

USSr DNA Subunidade Menor do DNA do Ribossomo

UV Ultravioleta

V/cm Volts/centmetro

g Nanograma

g Micrograma

l Microlitro mM Milimolar

MS Ministrio da Sade

MLEE Multi Locus Enzyme Electrophoresis

NNN Novy, Neal e Nicole

RPM rotaes por minuto

SUS Sistema nico de Sade

STC Soluo Tampo de Corrida

WHO World Health Organization

13

RESUMO

Introduo: No Estado do Par, Brasil o risco de transmisso de Leishmaniose Tegumentar

(LT) aos seres humano alto. Sete espcies patognicas: L. (L.) amazonensis (La), L. (V.)

braziliensis (Lb), L. (V.) guyanensis (Lg), L. (V.) shawi (Ls), L. (V.) lainsoni (Ll), L. (V.)

naiffi (Ln) e L. (V.) lindenbergi (Lli) esto associadas ao amplo espectro clnico de leses na

pele e mucosas. Sabe-se que o sucesso ou falncia terapia depende da relao parasito-

hospedeiro e, portanto a distino de espcies dermotrpicas pode contribuir no melhor

prognstico clnico, protocolos de tramento e aes de controle da doena. Objetivo:

Descrever a etiologia e a resposta ao tratamento ao Glucantime em uma srie de casos de

LT. Materiais e Mtodos: Ensaios de PCR com alvos para os genes da enzima glicose-6-

fosfato desidrogenase (G6PD) e ensaios de PCR-RFLP com marcadores moleculares para

espaadores internos transcritos (ITS 1) e protena de choque trmico (hsp70-234) foram

testados para o DNA de promastigotas das setes cepas de referncia de Leishmania que

circulam na regio. Posteriormente esses ensaios foram aplicados ao DNA extrado de leso

cutnea de pacientes que buscaram atendimento nos centros de sade dos municpios de Juruti

(n = 12; 2010) e Santarm (n = 100; 2009-2011), localizados na mesorregio do Baixo

Amazonas, Par. Neste grupo procedeu-se ao diagnstico laboratorial e tratamento com

Glucantime [15mg/kg/dia/20 dias] com acompanhamento por trs meses, conforme

protocolo do Ministrio da Sade. Comparou-se a taxa de cura entre infectados com Lb e com

outras espcies pelo teste binomial. Acrescentaram-se ensaios de eletroforese multilocus

enzimtica (MLEE) aos isolados de Leishmania obtidos de 19 pacientes. Resultados: A PCR-

G6PD confirmou a presena do subgnero Viannia e espcie Lb. A PCR-RFLP de ITS 1

discriminou isoladamente as espcies Ln, Ll, La enquanto as espcies Lb/Lg e Ls/Lli obtiveral

perfis idnticos. A PCR-RFLP de hsp70-234 distinguiu as espcies Ln, Ll, La, Ls e o pares de

espcies de Lg/Lli e Lb/Lli obtiveram perfil idnticos. Em conjunto ensaios moleculares e

bioqumicos identificaram 46% (52/112) das amostras em nvel de espcie: Lb (61%), Ls

(13%), Ln (6%), Ll (4%), La (8%), Lg (6%). Ensaio de MLEE acrescentou a ocorrncia de

um hbrido de Lg e Lb (2%) para o sistema enzimtico 6PGDH. As demais amostras foram

tipadas em nvel de subgnero Viannia (38%; 42/112) e resultados inconclusivos (16%;

18/112). A taxa de falha teraputica, calculada para 84/112 indivduos (75%) que retornaram

para avaliao, no variou (Z= 0,8452; p-valor = 0,1990; poder 0,05 = 0,2092) entre pacientes

infectados com Lb (25%) e com outras espcies (37,5%). Concluses: H simpatria de seis

espcies e um hbrido de Leishmania na regio. As sondas de ITS 1 e hsp70-234 no so

capazes de distinguir as espcies Lb, Lg e Lli isoladamente. Ensaios de PCR-G6PD so

fundamentais para distino de Lb. As taxas de abandono ao tratamento (25%) e de falha

teraputica (29%) so fatores capazes de influenciar a morbidade por LC e deveriam ser

considerados no combate doena.

Palavras chave: Leishmaniose tegumentar, PCR, RFLP.

14

ABSTRACT

Introduction: In the State of Par, Brazil the risk of Tegumentary Leismaniasis (TL)

transmission to human is high. Seven pathogenic species: L. (L.) amazonensis (La), L. (V.)

braziliensis (Lb), L. (V.) guyanensis (Lg), L. (V.) shawi (Ls), L. (V.) lainsoni ( Ll), L. (V.)

naiffi (Ln) and L. (V.) lindenbergi (Lli) are associated with a wide clinical spectrum of lesions

on the skin and mucous membranes. We know that the success or failure of therapy depends

on the host-parasite relationship and therefore the distinction of dermotrophic species can

contribute to the better clinical outcome of treatment protocols and actions to control the

disease. Objective: To describe the etiology and treatment response to Glucantime in a

number of cases of TL. Materials and Methods: Test for PCR targets for gene of the enzyme

glucose-6-phosphate dehydrogenase (G6PD) and PCR-RFLP assays with molecular markers

for internal transcribed spacers (ITS 1) and heat shock protein (hsp70-234) were tested for

seven DNA promastigotes of Leishmania reference strains circulating in the region.

Subsequently, these tests were applied to DNA extracted from skin lesions of patients seeking

care at health centers in the municipalities of Juruti (n = 12; 2010) and Santarm ( n = 100;

2009-2011), located in the middle region of the lower Amazon, for this group proceeded to

laboratory diagnosis and treatment Glucantime [15mg/kg/dia/20 days ] with monitoring for

three months, according to the protocol of the Ministry of Health compared the cure rate

among infected with Lb and with other species by one-sided binomial test. Assays were added

multilocus enzyme electrophoresis (MLEE ) to Leishmania isolates obtained from 19 patients.

Results: The PCR - G6PD confirmed the presence of the subgenus Viannia species and Lb.

The PCR - RFLP of ITS 1 discriminated the isolation Ln, Ll, La species while Lb / Lg and Ls

/ Lli species had identical profiles . The PCR - RFLP of hsp70 distinguished the Ln -234 , Ll ,

La , Ls and pairs of species Lg / Lb Lli and / Lli species had identical profile. Together

molecular and biochemical assays identified 46% (52/ 112) of samples to species: Lb ( 61%),

Ls ( 13%), Ln (6%) , Ll (4%) , La ( 8%) , Lg ( 6%). Assay added MLEE the occurrence of a

hybrid Lg and Lb (2 %) for the enzyme system 6PGDH . The remaining samples were typed

at the level of subgenus Viannia (38 %, 42/112) and inconclusive results (16 %, 18/112). The

rate of treatment failure, calculated for 84/112 patients (75 %) who returned for evaluation did

not change (Z = 0.8452, p - value = 0.1990, power = 0.05 0.2092) among patients infected LB

(25%) and other species (37.5%). Conclusions: probes ITS 1 and hsp70-234 are not able to

distinguish Lb, and Lg, Lli species separately. G6PD-PCR assays are important for distinction

of Lb. Dropout rates to treatment (25%) and treatment failure (29%) are factors influencing

morbidity by LC and should be considered in combating the disease.

Key words: tegumentary leishmaniasis, PCR, RFLP.

15

1 INTRODUO

A Leishmaniose Tegumentar (LT) uma doena de pele e mucosas que acomete

milhares de pessoas em regies tropicais e subtropicais do mundo (Lainson et al., 1992; 1994).

Pases da America Central e Amrica do Sul concentram a maior diversidade de parasitos do

gnero Leishmania, subgneros Viannia e Leishmania, agentes etiolgicos da doena (Lainson,

2010). No Brasil o Estado do Par, rea de bioma predominante de floresta amaznica, sete

espcies dermotrpicas alternam o ciclo de vida entre uma srie de mamferos silvestres e

dpteros da famlia Psychodidae (Brasil, 2010). Entre as espcies patognicas L. (V.)

braziliensis e L. (L.) amazonensis destacam-se por estarem associadas respectivamente

leishmaniose cutneo-mucosa (LCM)/leishmaniose mucosa (LM) e leishmaniose difusa

anrgica (LDA), consideradas formas graves de LT (Silveiraa et al., 2009). Nesses casos

freqente a falha teraputica, deformaes estticas e estigma psicossocial ao indivduo

acometido (Gontijo & Carvalho., 2003). As demais espcies patognicas: L. (V.) guyanensis, L.

(V.) lainsoni, L. (V.) shawi, L. (V.) naiffi, L. (V.) linderbengi causam a forma mais branda da

doena caracterizada por leso localizada nica ou mltipla (Silveira et al., 2002; 2004).

Aplicaes de ensaios moleculares em diferentes reas de ocorrncia simpatrica de

espcies de Leishmania so constantemente aperfeioados e apontados como ferramentas

futuras de substituio tcnica de referncia de eletroforese enzimtica multilocus (MLEE) e

anticorpos monoclonais para caracterizao e tipagem do parasito em nvel de espcie

(Schnian et al., 2010). A despeito de serem as tcnicas padres-ouro, esses ensaios,

demandam grandes esforos operacionais para o isolamento e cultivo do parasito dificultando

sua aplicao na rotina (Schnian et al., 2011).

Apesar de promissor o estudo em nvel molecular laborioso, pois no genoma do

parasito h poucas regies polimrficas, capazes de distinguir todas as espcies de Leishmania,

particulamente das agrupadas no subgnero Viannia, e quando possvel, variaes

intraespecficas e interespecficas ocorrem em parasitos que circulam dentro de uma mesma

rea ou diferentes reas geogrficas modificando a acurcia das tcnicas empregadas na

caracterizao e tipagem inicialmente padronizadas com isolados e posteriormente em amostras

clnicas (Peacock et al., 2007; Tsukayama et al., 2009; Lymbery & Thompson, 2012).

Alvos moleculares para os genes da enzima glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD),

Espaadores Internos Trancritos - ITS (do ingls: Internal Transcribed Spacer), do DNA da

subunidade menor do ribossomo USSrDNA (do ingls: Small Subunit Ribossomo),

protenas de choque trmico - hsp (do ingls: heat schok protein) tm apresentado

16

sensibilidade e especificidade satisfatrias em anlise de amostras clnicas, fato no passvel

de ocorrer nos testes convencionais ao ponto de definir a taxonomia e permitir estudos de

diversidade gentica dos parasitos do gnero Leishmania (Castilho et al., 2003; Cupolilloa et

al., 1995; Shnian et al., 2003; Garcia et al., 2004; 2007).

A distino de Leishmania em nvel de espcie fundamental para elucidar a

freqncia e distribuio associadas as formas graves de LT, proporcionar melhor prognstico

clnico, adequaes aos protocolos de tratamento e gerar subsdios aos programas de vigilncia

e controle da doena a fim de minimizar os danos a sade humana (Goto & Lindoso, 2010).

1.1 EPIDEMIOLOGIA

A LT endmica em 88 pases onde se estima que um milho de indivduos possam

adoecer por ano (WHO, 2010). Os registros de casos da doena so mais frequentes em regies

tropicais e subtropicais do mundo (WHO, 2010). Cerca de um tero de casos ocorrem nos

pases das bacia do Mediterrneo, sia Ocidental, sia Central e Oriente Mdio, tidos como

pases pertencentes ao Velho Mundo, e nas Amricas, os denominados pases do Novo

Mundo (Alavar et al., 2012). Nas Amricas os registros de LT so mais expressivos nos

pases da Amrica do Sul dentre os quais o Brasil, a Colmbia e o Peru se destacam (Alavar et

al., 2012; Karagiannis-Voules et al., 2013).

17

Figura 1 Distribuio de registros de casos de LT no mundo no perodo de 2005 a 2009.

Fonte: http://gamapserver.who.int/mapLibrary/app/searchResults.aspx.

O Brasil possui seis biomas terrestres constitudos por ecossistemas de fauna e flora

que ultrapassam os limites geopolticos definidos pelas cinco Regies nas quais os estados

esto agrupados (Figura 2a e 2b). No Brasil h registros de casos de LT nos 26 Estados e no

Distrito Federal, capital do pas (Figura 2c). So descritas 37 reas onde o risco de transmisso

da doena intenso, denominadas de circuitos de produo de casos de LT (Figura 2b). A

Regio Norte do pas, composta por sete Estados onde o bioma de floresta amaznica,

apresenta as maiores taxas de deteco de casos de LT (Figura 2c).

http://gamapserver.who.int/mapLibrary/app/searchResults.aspx

18

Regio Sigla Estado

Taxa de deteco

(100.000 hab.) Regio Sigla Estado

Taxa de deteco

(100.000 hab.)

Norte AC Acre 119.69 Centro-Oeste MT Mato Grosso 60.36

AM Amazonas 65.44 MS Mato Grosso do Sul 3.80

AP Amap 79.76 GO Gais 5.23

PA Par 47.42 DF Distrito Federal 1.36

RO Rondnia 44.61 Sudeste ES Espirito Santo 3.47

RR Roraima 49.28 MG Minas Gerais 8.90

TO Tocantins 29.42 RJ Rio de Janeiro 0.41

Nordeste AL Alagoas 1.12 SP So Paulo 0.60

BA Bahia 26.55 Sul PR Paran 2.96

CE Cear 9.54 RS Rio Grande do Sul 0.01

MA Maranho 41.77 SC Santa Catarina 0.11

PB Paraba 0.69

PE Pernambuco 4.90

PI Piau 5.55

RN Rio Grande do Norte 0.22

SE Sergipe 0.34

Circuitos de produo

de casos de LT no Brasil

no perodo de 2008 a

2010.

BA

C

Figura 2 Epidemiologia da LT no Brasil. A: Mapa do Brasil com a distribuio dos biomas

da Amaznia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlntica, Pampa e Pantanal. B: Circuitos de produo

de casos de LT no Brasil. C: Taxa de deteco de LT nos estados brasileiros. Fonte: A-

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=169; B e

C: ENSP/2012.

Na regio norte o estado do Par, com dimenso de 1.247.689,515 Km, populao de

7,7 milhes de habitantes, formado por seis mesorregies que albergam seus 143 municpios

notifica uma mdia de 3.646 casos da forma cutnea e 101 casos da forma mucosa de LT no

perodo de 2007 a 2011 (Figura 3). Os registros de co-infeco LT e HIV tem mdia de 20

casos anuais para o mesmo perodo (SINAN/SESPA/2012).

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=169

19

4602

4193

3062

2513

3861

9389

98103

123

3119 13 18 17

0

50

100

150

200

250

300

0

1000

2000

3000

4000

5000

2007 2008 2009 2010 2011

les

o m

uco

sa x

Co

infe

c

o H

IV

N. d

e c

aso

s d

e L

T

Anos

N. de casos LM COINF

Figura 3 Registros das formas cutnea e mucosa e co-infeco LT x HIV no Estado do Par,

no perodo de 2007 a 2011. Fonte: SINAN/SESPA/2012.

A despeito do destaque de dois principais circuitos de produo de casos de LT no

estado do Par (Figura 2b circuito nmero 4 e 16) a transmisso da doena endmica em

praticamente todo o estado. No perodo de 2010 a 2012, 38 municpios foram classificados

como rea de muito alto risco e 56 de alto risco para a ocorrncia do agravo apesar da curva de

tendncia indicar um decrscimo no registro de casos da doena no Estado do Par (Figura 4).

A mesorregio do Baixo Amazonas do Estado do Par constituda por um total de

14 municpios agrupados na microrregio de Almerim (Almerim e Porto de Moz),

microrregio de bidos (Faro, Juruti, bidos, Oriximin e Terra Santa) e microrregio de

Santarm (Alenquer, Belterra, Curu, Moju dos Campos, Monte Alegre, Placas, Prainha e

Santarm) uma das reas prioritrias para aes de vigilncia e controle de LT no Par.

Dentre os municpios pertencentes mesorregio do Baixo Amazonas o municpio

de Santarm se destaca por possuir um servio de sade de referncia onde os indivduos

acometidos por LT so assistidos para o diagnstico e tratamento da doena. Este centro de

sade atende tambm a demanda dos demais municpios da mesorregio do Baixo Amazonas

(Figura 4).

20

Mesorregio do Baixo Amazonas

L. (V.) guyanensis

L. (V.) shawi

L. (V.) braziliensis

L. (V.) naiffi

L. (V.) lansoni

L. (V.) lindenbergi

Espcies dermotropicas de Leishmania

L. (L.) amazonensis

1- Almerim2- Alenquer

3- Belterra4- Curu5- Faro6- Juruti7- Monte Alegre8- bidos

10- Placas11- Prainha12- Porto de Moz

14- Terra santa13- Santarm

9- Oriximin

Figura 4 reas de risco de transmisso de LT e espcies dermotropicas de Leishmania no

Estado do Par. A: Diviso do Estado do Par em mesorregies. B: Risco de transmisso da

LT no Estado do Par. C: Espcies de Leishmania identificadas nos municpios pertencentes

mesorregio do Baixo Amazonas do Estado do Par. Fonte: A- Google; B-

SINAN/SESPA/2012; C- Garcez et al., 2010; Bacha et al., 2011; Jennings, 2003.

1.2 AGENTES ETIOLGICOS DE LT

A LT causada por Leishmania, micro-organismo eucarioto unicelular, pertencente ao

sub-reino Protozoa, filo Sarcomastigophora, ordem Kinetoplastida, famlia

Trypanosomatidae, gnero Leishmania, Ross, 1903. Esse parasito dimrfico, possui duas

formas evolutivas, a amastigota intracelular encontrada em clulas do Sistema Fagoctico

Mononuclear (SFM) do hospedeiro vertebrado (mamferos silvestres e acidentalmente seres

humanos), e a promastigota flagelada, encontrada no trato intestinal do inseto vetor, dpteros

da famlia Psychodidade, e em meios de cultura (Grimaldi et al., 1989).

A forma amastigota possui formato esfrico a ovode. Possui um ncleo esfrico

localizado em um dos lados, um cinetoplasto em forma de basto, geralmente prximo ao

ncleo, e um flagelo interno rudimentar. A forma promastigota alongada, com aspecto

A B

C

http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Amastigota&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Sistema_fagoc%C3%ADtico_mononuclear&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Sistema_fagoc%C3%ADtico_mononuclear&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Promastigota&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Vetor_(epidemiologia)http://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%BAcleohttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cinetoplasto&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Flagelo

21

fusiforme ou piriforme, com um flagelo livre na regio anterior. O ncleo esfrico e

geralmente se situa na regio central da clula, mas pode variar de posio. O cinetoplasto

afina na regio anterior (Lainson & Shaw, 1978).

Leishmania possui genoma haplode com cerca de 36 cromossomos e 8.273 genes

dependendo da espcie (Kazemi, 2011). No ncleo h sequncias de DNA codificantes e no

codificantes denominados de xon e ntrons respectivamente (Shlomai, 2004). O DNA

extranuclear presente no cinetoplasto (kDNA), organela que agrupa protozorios na ordem

Kinetoplastida, composto de uma rede de molculas circulares, as quais so divididas em

maxicrculos extremamente homogneos, com cerca de 20-35 kb de no mximo 50 cpias, e o

minicrculos, caracterizados por sequncia heterogneas e em abundncia na clula (Stuart et

al., 2008; Ampuero et al., 2009).

A caracterizao em nvel de espcie atualmente considera a combinao de critrios

bioqumicos e moleculares a despeito de anteriormente terem sido baseadas em parmetros

eco-biolgicos como a reproduo de formas promastigotas nas pores do intestino do vetor,

distribuio geogrfica e manifestaes clnicas (Shnian et al., 2010).

Os subgneros Leishmania, SafJanova, 1982 e Viannia, Lainson & Shaw, 1987

agrupam cerca de 20 espcies patognicas (Lainson, 2010). Quatro espcies so consideradas

de importncia mdica em pases do Velho Mundo: Leishmania (L.) major, Leishmania (L.)

tropica, Leishmania (L.) killick e Leishmania (L.) aethiopica. Outras quatorze so agentes

etiolgicos de LT nos pases do Novo Mundo (Figura 5).

Nos pases da Amrica Latina encontrada a maior diversidade de espcies

dermotrpicas com destaque ao Brasil onde o Estado do Par registra a circulao de sete

espcies patognicas: Leishmania (V.) braziliensis, Leishmania (V.) guyanensis, Leishmania

(V.) lainsoni, Leishmania (V.) shawi, Leishmania (V.) naiffi, Leishmania (V.) lindenbergi e

Leishmania (L.) amazonensis (Grimaldi et al., 1989; Silveira et al., 2002). H ainda o registro

de L. (V.) utinguensis, mas que at o momento no foi associada a casos humanos de LT (Braga

et al., 2003).

Estudos de Jennings (2003), Bacha et al (2011) e Garcez et al (2010) destacam a

ampla circulao de espcies do subgnero Viannia nos municpios que compem a

mesorregio do Baixo Amazonas do Estado do Par (Figura 2). Estudos de Jennings (2003)

destacaram a simpatria de quatro das sete espcies causadoras de LT ocorrendo somente no

municpio de Santarm: L. (V.) braziliensis, L. (V.) guyanensis, L. (V.) lainsoni e L. (V.) shawi.

Mais tarde Bacha et al, (2011) identificaram a circulao de L. (L.) amazonensis em Santarm.

Portanto so cinco espcies patognicas circulando em uma nica rea.

22

L. (L.) amazonensis

L. (L.) mexicana

L. (L.) pifanoi

L. (L.) venezuelensis

L. (L.) garnhami

L. (V.) guyanensis

L. (V.) shawi

L. (V.) braziliensis

L. (V.) naiffi

L. (V.) lansoni

L. (V.) lindenbergi

L. (V.) panamensis

L. (V.) peruviana

L. (V.) colombiensis

L. (V.) panamensis

* L. (V.) braziliensis/L. (V.) venuzuelensis

# L. (V.) braziliensis/L. (V.) peruviana

L. (V.) panamensis/L. (V.) guyanensis

L. (V.) braziliensis/L. (V.) panamensis

L. (V.) lansoni/L. (V.) naiffi

Brasil

Demais pases da Amrica Latina

Espcies dermotropicas de Leishmania

Hbridos de Leishmania

*

#

Figura 5 Espcies dermotrpicas de Leishmania circulando em pases da Amrica Latina.

Fonte: Report f a meeting of the World Health Organization (WHO) Expert Committee on the

Control of leishmaniases, Geneva, 22-26 March 2010.

A princpio, acredidava-se que a elevada diversidade de espcies de Leishmania e a

alta variabilidade gentica dentro de cada grupo de espcies eram resultado da expanso

clonal ocorrida durante a reproduo assexuada do parasito (Cupolillo et al., 1997, 1998,

2003). Atualmente, experimentos j demonstraram a ocorrncia de reproduo sexuada

gerando recombinao gentica e consequente formao de espcie hbrida de Leishmania, ou

seja, espcie com marcadores genticos de duas espcies (Sadlova et al., 2011; Rogers et al.,

2014). Sabe-se que esta ocorrncia limitada na natureza e ocorre dado o elevado nmero de

espcies de vetores e reservatrios silvestres que sustentam o ciclo zoontico permitindo que

um vetor realize o repasto sanguneo adquirindo duas ou mais espcies de parasitos e que

trocas genticas sejam geradas (Coelho et al., 2012).

So conhecidos hbridos de Leishmania causando LT em cinco pases da Amrica

Latina (Davies et al., 2000). Na Venezuela foi identificado hbrido de L. (V.) braziliensis/L.

23

(V.) venuzuelensis, no Peru de L. (V.) braziliensis/L. (V.) peruviana, no Equador de L. (V.)

panamensis/L. (V.) guyanensis, na Nicargua e Equador de L. (V.) braziliensis/L. (V.)

panamensis e no Brasil mais precisamente no Estado do Acre hibrdo de L. (V.) lansoni/L.

(V.) naiffi (Lainson, 2010; Tojal da Silva et al., 2006).

1.3 CICLO DE TRANSMISSO DE LT

Vetores e reservatrios silvestres de parasitos do gnero Leishmania so encontrados

na floresta e, por isso, inicialmente a transmisso de LT aos seres humanos ocorre

acidentalmente (Lainson & Shaw, 1978). No entanto diferentes padres epidemiolgicos de

transmisso so formados dados ocupao do homem nos diferentes espaos originando a

adaptao de vetores e reservatrios prximas as reas de convvio humano como o ciclo de

transmisso em reas de colonizao recente ou peridomsticas (Marzochi & Marzochi,

1997).

Mamferos silvestres de diferentes ordens incluindo roedores, marsupiais e edentados

podem albergar o parasito (Lainson & Shaw, 1992; Lainson et al., 1994). Os vetores, dpteros

fmeas da famlia Psychodidae, conhecidos como flebotomneos adquirem Leishmania ao se

alimentarem do sangue desses animais. No trato digestivo do vetor a forma evolutiva

amastigota exterioriza o flagelo e passa a ser denominada de forma evolutiva promastigota

onde se multiplica por diviso binria (Lainson & Shaw, 1987). Em outro repasto sanguneo,

o vetor poder picar um hospedeiro vertebrado susceptvel (mamferos silvestres e/ou seres

humanos) e regurgitar as leishmnias no canal aberto para suco de sangue (Figura 6).

A fauna dos gneros Phebotomus e Lutzomyia agrupam importantes espcies vetoras

no Velho Mundo e Novo Mundo respectivamente (Young & Duncan, 1994). Trata-se de

insetos pequenos com no mximo 0,5 cm de comprimento, de cor castanho, pernas longas e

delgadas, corpo densamente piloso, vo saltitante e mantm as asas eretas em repouso (Brasil,

2010). Machos e fmeas so discriminados pela morfologia da genitlia (Young & Duncan,

1994).

24

Figura 6 Ciclo de transmisso da LT. A: Febotmo regurgitando formas promastigotas em

um hospedeiro vertebrado e clulas desse hospedeiro fagocitando o parasito que passa a forma

amastigota. B: Formas promastigotas. C: formas amastigotas intracitoplasmtica (Fonte: A-

Google; B e C: Silveira et al., 1997).

1.4 LEISHMANIOSE TEGUMENTAR: INFECO, IMUNOPATOLOGIA E DOENA

A inoculao de formas promastigostas metacclicas de Leishmania durante o repasto

sanguneo do vetor na pele de seres humanos promove a ativao de resposta imunolgica

inata. Clulas do SFM, neutrfilos, macrfagos, clulas dentrticas e de Langerhans, migram

para o local da picada do vetor para fagocitar as leishmnias (Brasil, 2010). No ambiente

intracelular as formas promastigostas metacclicas passam forma amastigota em razo de se

encontrarem no interior de fagossomos (Grimald et al., 1982). Nos fagossomos os parasitos

produzem substncias como o gp63, o lipofosfoglicano e a fosfatase cida com objetivo de

degradar enzimas lisossmicas, inibir a gerao de metabolitos oxidativos e bloquear a

produo de radicais de oxignio respectivamente (Brasil, 2010). Tais substncias modulam a

resposta imune inata e evitam a gerao da resposta imune adquirida necessria ao estmulo

A B

C

25

de clulas efetoras como os linfcitos T do tipo CD4+ e CD8+ garantindo a multiplicao do

parasito por diviso binria (Campos et al., 2008).

A presena de interleucina IL-12 essencial para diferenciar linfcitos T do tipo

CD4+ virgem (Th0) em linfcitos T CD4+ com perfil Th1 (Awasthi et al., 2004). Cellas com

esse perfil so capazes de se ligar s clulas do SFM via MHC de classe II e promover a

produo de interferon- (IFN- ) e Fator de Necrose Tumoral (TNF-) no interior de clulas

do SFM induzindo a morte dos parasitos (Pereira-Carvalho et al., 2013). No entanto quando

ocorre diferenciao de clulas T CD4+ com perfil Th2, dadas s produes de interleucinas

IL-4, IL-5, IL-10, origina-se a produo de anticorpos, ou seja, uma resposta imunolgica no

efetiva infeco por Leishmania (Oliveira et al., 2014). Linfcitos T do tipo CD8+

desencadeam efeitos leishmanicidas atravs da produo IFN- (Dantas et al., 2013).

comum ocorrncia de leses localizadas nicas ou mltiplas (Figura 7), limitada

ao local da picada do vetor, com apresentao clnica de ppula que com o tempo ulcera

(Grimald et al., 1982).

Leses clssicas tm bordas elevadas, presena de eritema e fundo granuloso

denominada de Leishmaniose Cutnea Localizada-LCL e so causadas por qualquer espcie

de Leishmania (Lainson et al., 1994). H de se considerar leses atpicas (Figura 7) de

aspectos impetigide, liquenide, tuberculide ou lupide, nodular, vegetante e ectimatide

sendo descritas como LT (Guimares et al., 2009).

Em alguns casos possvel que LCL sejam auto-resolutivas (Grimald et al., 1982).

No entanto, mesmo quando presente a resposta imune celular mediada por linfcitos T CD4+

com perfil Th1 e linfcitos T CD8+ frequente a resistncia do parasito persistindo a LCL

(Silveira et al., 2005). Sem interveno medicamentosa adequada o processo inflamatrio

agrava com as infeces secundrias por fungos e bactrias promovendo destruio de tecido

e o aumento gradativo da leso cutnea (Guenin-Mace et al., 2014).

A cura clnica em decorrncia de um tratamento correto ou auto-resoluo da ferida

leishmanitica (LCL) no garante a total destruio dos parasitos e por isso, cerca de 5% de

casos de LCL, mesmo depois cinco anos de tratamento recorrem com leses nas mucosas do

nariz, da boca e/ou da garganta (Figura 8) denominada de Leishmaniose Mucosa-LM

(Pereira-Carvalho et al., 2013). Contudo, a LCL pode ser acompanhada de uma leso mucosa,

ou vice-versa, sendo, portanto, classificada como Leishmaniose Cutnea Mucosa-LCM

(Silveirac et al., 2009). A partir de uma leso inicial de LCL tambm pode surgir,

abruptamente, inmeras leses acneiformes, papulosas e ulceradas denominada de

Leishmaniose Disseminada-LD (Machado et al., 2011).

26

O espectro clnico de LM, LCM e LD est associado frequentemente espcie L.

(V.) braziliensis que pode ser transmitida por diferentes vetores dependendo da rea

geogrfica (Ishikawa et al., 2002). Na Amaznia, em particular, se destacam os vetores

Lutzomyia (Psychodopygus) wellcomei e Lutzomyia (Psychodopygus) complexus (Fraiha et al.,

1971; Souza et al., 1996. O primeiro altamente antropoflico e realiza repasto sanguneo

mesmo durante o dia (Fraiha, 1983).

Em indivduos anrgicos, ou seja, aqueles com resposta imunolgica celular do tipo

CD4+ com perfil Th2 ocorrem disseminao hematognica do parasito dada a ausncia de

resposta efetiva capaz de promover a destruio dos parasitos (Silveira et al., 2005). Nesses

indivduos as leses apresentam-se em placas infiltradas, ndulos e tuberculos que no

ulceram como na LCL, LM, LMC e LD, com aparecimento de leses em vrias partes do

corpo que reincidem mesmo aps o tratamento especfico (Silveirab, 2009). A esse caso

clnico denomina-se de Leishmaniose Difusa Anrgica-LCD onde a ausncia de resposta

imunolgica efetiva (Figura 8) permite que as clulas do SFM permaneam repletas de

parasitos vacuolizados nos tecidos da derme e da hipoderme (Brasil, 2010).

No Brasil os registros de LCD se concentram nas reas de bioma de floresta

amaznica onde a casustica de aproximadamente 60 casos (Silveirab, 2009). A espcie L.

(L.) amazonensis o agente etiolgico responsvel e a esse atribudo o papel de contribuir

na modulao do sistema imunolgico do indivduo ao plo anrgico (Silveira et al., 2008). A

transmisso feita por Lutzomyia flaviscutellata e Lutzomia olmeca nociva, vetores pouco

antropoflicos com preferncia reas de vrzeas (Lainson & Shaw, 1968). Os relatos clnicos

frequentemente discorrem sobre falhas teraputicas aos protocolos de tratamento

preconizados pelo Ministrio da Sade (MS), desfigurao e perda de membros semelhante ao

que ocorre na hansenase Virchowiana (Brasil, 2010). A literatura descreve um caso LCD

onde a cura clnica foi alcanada com a associao de tratamento convencional e imunoterapia

em um indivduo com 24 anos de doena (Silveira & Mayrink, 1997).

O amplo espectro clnico da LT decorre principalmente de fatores inerentes relao

parasito-hospedeiro como virulncia da espcie infectante e resposta imunolgica (Reiner &

Locks-Ley, 1995). Em indivduo imunocompetente infectado com L. (V.) braziliensis, por

exemplo, os nveis de IFN- e IL-10 produzidos so equilibrados e por isso as leses cutneas

so limitadas. Mas, na LM e/ou LCM os nveis de IFN- e TNF- so altos enquanto de IL-

10 os nveis so baixos potencializando a destruio das membranas (Gomes-Silva et al.,

2007). Em indivduos imunodeprimidos dada infeco pelo vrus da imunodeficincia humana

- HIV os nveis de produo de IFN- e IL-10 produzida em resposta a estimulao com

27

antignios de Leishmania tem se mostrado significativamente menores, ou seja, h uma

resposta imunolgica com tendncia ao plo anrgico e, talvez, por isso, seja comum nos

casos de co-infeco Leishmania-HIV quadros clnicos semelhantes a LCD (Rodrigues et al.,

2011). No Brasil e tambm na ndia leses difusas e disseminadas indicador clnico da co-

infeco leishmania x HIV (Khandelwal et al., 2011; Brasil, 2004).

No obstante a saliva do vetor introduzida durante o repasto sanguneo possui

propriedades imunomodulatrias a exemplo do maxidilan, um potente vasodilatador, capazes

de induzir maior ou menor suscetibilidade infeco por Leishmania (Morris et al., 2001;

Carregaro et al., 2013). H ainda hiptese de que a infeco por Leishmania seja um fator

predisponente ao carcinoma basocelular (CBC), tumor maligno da pele (Asilian et al., 2012).

Relatos clnicos j evidenciaram a identificao de LCL e CBC numa mesma leso (Morsy et

al., 1992).

A B

C D E

Figura 7 Espectro clnico da LT. A: Leso clssica de LT com bordas elevadas e fundo

granuloso. B: Leso de LT aps infeco secundria. C, D e E: Leses atpicas de LT com

apresentaes verrucosa, crostosa e lupode respectivamente. Fonte: A- Lourdes Garcez; B-

Godinho, 11 Centro Regional de Sade do Par, 2011; C, D e E- Guimares et al., 2006.

28

Polo hiperrgico

Subgnero Viannia

Espcie de Leishmania

Resposta Imunolgica+

Subgnero Leishmania

Polo anrgico

Leishmaniose difusa Leishmaniose mucosa

Figura 8 Polarizao da LT. Fonte: adaptado de Atlas de LT diagnstico clnico

diferencial (Brasil, 2006).

1.5 DIAGNSTICO E TRATAMENTO NA REDE DE ASSISTNCIA DO SUS

A suspeio clnica de LT ocorre quando o paciente apresenta lcera cutnea, com

fundo granuloso e bordas infiltradas em moldura ou ainda quando apresenta lcera na mucosa

nasal, com ou sem perfurao ou perda do septo nasal, podendo atingir lbios e boca (Brasil,

2010). Um apoio a suspeio clnica a investigao epidemiolgica que visa identificar se o

paciente de rea onde a transmisso de LT endmica ou se realizou atividades laborais ou

recreativas em contato com a floresta (Brasil, 2010).

Diante da suspeita clnica-epidemiolgica de LT a confirmao do caso pode se d

atravs da realizao do exame parasitolgico direto (Herwaldt, 1999). Trata-se de

procedimento simples onde a coleta de material biolgico ocorre por meio da escarificao da

borda da leso seguindo por sua disteno em lmina e colorao por Giemsa (Figura 9) para

pesquisa de formas amastigotas de Leishmania ao microscpio ptico (Brasil, 2010). A

pesquisa do parasito pode ser realizada tambm atravs de exame histopatolgico, mas nesse

caso, a obteno de material biolgico se d pela retirada de fragmento de pele da borda da

leso por bipsia seguida de sua fixao em formol 10% e parafina. Em seguida so

29

realizados cortes teciduais com auxlio de micrtomo e colorao pela tcnica de

hematoxilina-eosina para pesquisa de Leishmania ao microscpio ptico (Herwaldt, 1999).

No entanto, alguns fatores podem interferir na sensibilidade desse mtodo de

diagnstico como o tempo de evoluo da doena, principalmente quando h o envolvimento

das espcies do subgnero Viannia, dada a escassez de parasitos na leso, tornando muitas

vezes exaustivo o mtodo e exigindo grande habilidade do microscopista (Ramirez et al.,

2000; Ampuero et al., 2009).

H outros mtodos de diagnstico parasitolgico como a inoculao de material

biolgico de paciente em animais de laboratrio, de preferncia hamsters (Mesocricetus

auratus) ou a inoculao direta do material em meio de cultura bifsico como gar-sangue de

Novy e Neal modificado por Nicolle NNN para tentativa de isolamento de formas

promastigotas de Leishmania. Contudo, os mtodos de isolamento exigem facilidade

laboratorial e pessoal treinado, por isso esto disponveis apenas em Centros de Referncia

para o diagnstico e tratamento da LT (Gontijo & Carvalho, 2003). Outras desvantagens

desses mtodos de pesquisa indireta do parasito so o longo tempo de excecuo (meses) e o

risco de contaminao (Fagundes et al., 2010).

Outro mtodo de apoio ao diagnstico da LT usado na rotina do SUS o Teste

Intradrmico de Montenegro (Weigle et al., 1991). Neste teste, inoculada intradermicamente

uma pequena quantidade de antgeno do parasito na pele do paciente (Figura 9) e a reao

cutnea, mediada por clulas T, quando presente medida 48 a 72 aps a aplicao do

antgeno. Se a endurao na pele for 5 mm considerada positiva. Trata-se de um mtodo

indireto, cuja positividade indica sensibilidade ao antgeno de Leishmania e permite concluir

que houve exposio do indivduo ao parasito, mas no esclarece se recente ou passada (Brasil,

2010). Em indivduos infectados com leishmnias do subgnero Viannia comum formao

de endurao extensa e ausncia de endurao em indivduos infectados com leishmnias do

subgnero Leishmania (Weigle et al., 1991; Silveira et al., 2004).

30

A B

CD

Figura 9 Diagnstico laboratorial para a LT disponvel na rotina no SUS. A- escarificao da

borda da leso. B- Formas amastigotas indicadas pelas setas confirmando o diagnstico de LT.

C- aplicao do IDRM. D- Leitura da IDRM aps 48 horas. Fonte: A e C prprias; B -

Godinho, 11 Centro Regional de Sade do Par, 2011; D- Lourdes Garcez.

O Ministrio da Sade do Brasil, em consonncia com a OMS, preconiza o antimonial

pentavalente (antimoniato de N-metil-glucamina), anfotericina B (na apresentao

desoxicolato e lipossomal) e pentamidina para o tratamento de LT (Brasil, 2010; 2004). Todos

os frmacos so de administrao parenteral com ajustes de dose e perodo conforme a forma

clnica de LT (Quadro 1).

O antimonial pentavalente foi introduzido no tratamento da LT pelo mdico paraense

Gaspar Vianna (Vianna, 1912). Trata-se de um pro-frmaco que tem sua formulao de Sb+5

reduzida a Sb+3

no fgado (Ashutosh & Goyal, 2007). Aps o metabolismo de primeira

passagem heptica a droga se deposita na pele, nas mucosas e tecidos do fgado, do corao e

dos rins. A elevada quantidade de antimnio que fica concentrada nos tecido o principal fator

associado ao efeito leishmanicida e consequentemente tambm toxicidade e efeitos adversos

(Lima et al., 2009). Esse medicamento indicado para o tratamento de todas as formas clnicas

de LT, incluindo casos de co-infeco Leishmania-HIV (Brasil, 2004). So tratados com droga

de 2 escolha, co pentamidina e anfotericina B, nefropatas, cardiopatas e gestantes (Brasil,

2010).

31

Quadro 1: Esquema teraputico de 1 escolha para o tratamento das diferentes formas de

LT.

Forma Clnica Dose Tempo de durao

Leishmaniose Cutnea 10 - 20mg/Sb+5/kg/dia

(Recomenda-se 15mg/Sb+5/

kg/dia)

20 dias

Leishmaniose Difusa 20mg/Sb+5/kg/dia 20 dias

Leishmaniose Mucosa 20mg/Sb+5/kg/dia 30 dias

Fonte: Ministrio da Sade, 2004 e 2010.

O critrio de cura clnico, ou seja, definido pelo aspecto de re-epitelizao das

leses, regresso total da infiltrao e eritema at 12 semanas aps a concluso do esquema

teraputico com o antimonial. Quando isso no ocorre o esquema teraputico pode ser

repetido por mais uma vez. Caso, aps a repetio do segundo esquema de tratamento com o

antimonial pentavalente ocorra falha teraputica ou recidiva da leso so administrados a

anfotericina B ou pentamidina, medicamentos de segunda linha (Brasil, 2010).

Todos os tratamentos para LT geram morbidade que comprometem o estado de sade

geral dos doentes como cefaleia, mialgia, nuseas, etc (Modabber et al., 2006). Por isso,

recomenda-se o ampanhamento laboratorial antes e durante todo o tratamento, com avaliaes

das transaminases, fosfatase alcalina, uria, creatinina e do eletrocardiograma (Brasil, 2010).

Contudo, dada procedncia de casos na maioria das vezes de reas rurais ou de acessos

remotos pacientes podem no aderir ao tratamento, principalmente em decorrncia do elevado

nmero de injees gerando frequentes abandonos de tratamento (Balan-Fouce et al., 1998).

Como consequncias das desistncias h o risco de formas graves de LT e resistncia aos

medicamentos disponveis para o tratamento (Ashutosh & Goyal, 2007).

Terapias de uso tpico tm sido testadas para o tratamento da LT como a aplicao

intralesional de Glucantime, o uso de pomada/creme a base de anfotericina B, aplicao de

laser, crioterapia e termoterapia na busca por melhores alternativas de tratamento (Alavi-Naini

et al., 2012; Valencia et al., 2013).

32

Na impossibilidade de interrupo do ciclo dessa zoonose por meio da vacinao at o

momento, a principal medida de controle o diagnstico e tratamento precoce dos casos, a fim

de minimizar a morbidade e seqelas da doena (Dumonteli, 2007).

Em razo disso o registro de confirmao de LT deve ser feito na base de dados do

Sistema de Informao de Agravo de Notificao (SINAN) com o objetivo de direcionar o

trabalho da equipe de vigilncia epidemiolgica que consiste principalmente na educao em

sade e busca ativa de casos suspeitos para a oferta de tratamento (Brasil, 2010).

Estudos j demostraram que fatores como o nmero de leses, tempo de doena e a

espcie de Leishmania influenciam na resposta ao tratamento conforme a rea geogrfica

(Lucas et al, 2008; Schriefer et al, 2004; 2009; Calvopina et al., 2006 ). Como nenhum dos

mtodos de diagnsticos laboratoriais usados na rotina do SUS permitem a identificao das

espcies de Leishmania responsveis pelo amplo espetro clnico da doena se tem investidos

em pesquisas que proporcionem ampliar o conhecimento da epidemiologia da doena a fim de

se estabelecer melhores protocolos de tratamento e medidas de controle (Arevalo et al., 2007;

Romero et al., 2001).

1.6 DISTINO EM NVEL DE ESPCIE

A OMS estabelece como mtodos de referncia para a caracterizao em nvel de

espcies critrios bioqumicos determinados por meio das tcnicas de anticorpos monoclonais

e anlise eletrofortica de isoenzimas (do ingls: Multi Locus Enzyme Electrophoresis-

MLEE).

Poucos centros de pesquisas cientifcas dispem do painel de anticorpos monoclonais

para caracterizao de Leishmania dada a interupo de sua produo. Embora esta tcnica j

tenha sido amplamente empregada nos estudos epidemiolgicos e taxonmicos a reatividade

aos antgenos espcie-especficos do parasito apresenta variaes dentro de uma mesma

espcie dependendo de suas origens geogrficas (McMahon-Pratt et al., 1981).

Para estudos na Amaznia, Shaw et al., (1989), porps o emprego de vinte e trs

anticorpos monoclonais para definir espcie de Leishmania (B2, B5, B11, B12, B13, B18,

B19, M2, T3, D13, M11, M12, CO1, CO2, CO3, L1, WIC, N2, N3, LA2, WH1, WA2, V1)

atravs da Reao de Imunofluorescncia Indireta RFI. Nesse teste lminas so impregnadas

com formas promastigotas do parasito, adicionando-se em seguida os anticorpos monoclonais

e o sistema biotina/avidina para favorecer a conjugao do complexo antgeno-anticorpo com

substncia fluorescente para leitura em microscpio com luz fluorescente (Figura 10). Os

33

anticorpos monoclonais da srie B e N reagem com os antgenos das espcies pertencentes ao

subgnero Viannia. Entre esses, h anticorpos espcie-especficos como, por exemplo, B18

para L. (V.) braziliensis, B19 para L. (V.) guyanensis e N3 para L. (V.) naiffi. Os anticorpos da

srie M, D, W e V so especficos para as espcies do subgnero Leishmania e os da srie L1

para os demais tripanossomatdeos.

Atualmente a anlise por MLEE a mais empregada para a tipagem e caracterizao

em nvel de espcie de Leishmania (WHO, 2010). A partir da aplicao da massa parasitria

em matriz de gel submetida a potencial eltrico possvel verificar a migrao de enzimas. A

visualizao da reao enzima-substrato feita por meio de solues especficas que

permitem detectar a presena ou ausncia de enzimas secretadas pelo parasito (Figura 10).

Quando presentes em homozigose (A1A1) ou heterozigose (A1A2) o produto da reao

visualizado no gel pela formao de banda nica ou banda dupla respectivamente, ou ainda,

formao de bandas triplas quando h co-dominncia (Aa). Contudo, a interpretao do perfil

de mobilidade eletrofortico deve considerar se h mais de um locus codificando a enzima, se

est presente em mais de um alelo neste locus ou se passa por efeito ps-transcricional

dependo de cada espcie de Leishmania (Richardson et al., 1986).

Cupolillo et al (1994) descreveu o perfil de mobilidade eletrofortico de 18 enzimas

para caracterizar espcies dermotrpicas de ocorrncia no Novo Mundo. Em estudo

subsequente, Cupolillo et al (1995b), destacou as enzimas 6PGDH (6 fosfo glucanato

desigrogenase) e G6PD (Glicose 6 fosfato desidrogenase) como sendo capazes de separar

diferentes grupos ou espcies de Leishmania dado o elevado polimorfismo presente nos

alelos.

Apesar de a anlise eletrofortica e anticorpos monoclonais serem consideradas

tcnicas padro-ouro para a caracterizao e tipagem de espcies de Leishmania sua avaliao

detecta apenas os produtos dos genes, ou seja, uma anlise do fentipo e, portanto mutaes

silenciosas que podem estar relacionadas a variaes inter ou intra-especficas das espcies

que podem fazer relao com o amplo espectro clnico da doena e/ou insucesso da terapia

passam despercebidas (Zemanov et al., 2007). Contudo, h de se considerar as dificuldades

de cultivo de algumas espcies, o tempo prolongado para o isolamento, o risco de

contaminao, o elevado custo e a necessidade de tcnicos treinados (Shnian et al., 2010).

34

Figura 10 Ensaios bioqumicos de caracterizao e tipagem de Leishmania. A- Ensaio de

anticorpos monoclonais evidenciado a reao positiva de antgeno do parasito com o

monoclonal B19. B- Anlise isoenzimtica mostrando o perfil de mobilidade eletrofortico de

diferentes isolados de Leishmania aps reao com substrado de enzima 6GPDH. Fonte: A e

B prprias.

No entanto, a partir da elucidao da estrutura do cido Desoxiribonucleco DNA,

por Watson e Crick em 1953, e a posterior compreenso dos mecanismos de replicao,

transcrio e traduo do material gentico tcnicas de biologia molecular foram

desenvolvidas, a exemplo, da Reao em Cadeia da Polimerase PCR (do ingls: Polymerase

Chain Reaction), PCRRFLP (do ingls: Restriction Fragment Length Polymorphism

Polymerase Chain Reaction) e sequenciamento para anlise do material gentico a fim de se

definir a etiologia, verificar variaes genticas entre populaes de uma mesma espcie

(gentica de populaes) ou descrever a organizao evolucionria (Lymbery & Thompson,

2012; Bauls et al., 1999; Singh, 1997).

A PCR permite amplificar milhares de cpias de uma dada sequncia de nucleotdeos

a partir de uma nica cpia de DNA presente em diferentes materiais biolgicos, tecido,

sangue, saliva, urina, sem necessidade de isolar o micro-organismo (Reithinger & Dujardin,

2007).

uma tcnica mais rpida, barata e segura frente s tcnicas convencionais de

caracterizao e tipagem de agente etiolgico. Sua sensibilidade e especificidade esto

relacionadas, respectivamente, ao nmero de cpias da sequncia de DNA na clula e do

desenho dos oligonucleotdeos, marcadores moleculares, utilizados na reao (Tsukayama et

al., 2009; Traub et al., 2005; Neitzke-Abreu et al., 2013).

Nas investigaes de alvos moleculares passveis de serem aplicados em estudos de

biologia molecular para Leishmania se destacam o DNA extranuclear presente no cinetoplasto

(kDNA), o DNA da SSUr, O DNA nuclear (mini-exon), globulina, ITS e o DNA de

http://pt.wikipedia.org/wiki/Replica%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Transcri%C3%A7%C3%A3o_(gen%C3%A9tica)http://pt.wikipedia.org/wiki/Tradu%C3%A7%C3%A3o_(gen%C3%A9tica)

35

protenas de hsp dado o elevado nmero de seus genes e por variaes nas bases pricas e

pirimdicas serem capazes de discriminar Leishmania de outros microorganismos nas reaes

de PCR (Fleter-Winter & Shaw, 2004; Reithinger & and Dujardin, 2007; Roelfsema et al.,

2010).

Apesar da existncia de cpia nica do gene da enzima G6PD na clula a utilizao

de oligunocleotdeos descritos por Castilho et al, (2003) so aplicados com sucesso em

estudos de epidemiologia molecular discriminando os subgneros Leishmania do Viannia e a

espcie L. (V.) braziliensis. A identificao de L. (V.) braziliensis tem particular interesse,

pois de ampla distribuio geografica e est comumente associada aos casos de difcil

resoluo, quando se observam reativao da leso (recidiva cutis) aps o tratamento alm de

estar associadas s formas desfigurantes da LT (Schrief et al., 2004; 2009; Silveira et al.,

2004).

Os ensaios de PCR com os oligonucleotdeos direcionados a amplificao de

fragmentos dos genes mencionados acima so altamente sensveis (87% a 100%), exceto para

G6PD (40%), mas limitado na distino de espcies (Tojal da Silva et al., 2006). No

entanto, quando o produto de PCR com alvos moleculares para genes de ITS, hsp, kDNA, por

exemplo, so submetidos digesto por endonucleases de restrio, enzimas bacterianas

capazes de clivar regies determinadas do DNA amplificado, so gerados perfis de bandas

distintos cuja anlise permite identificao em nvel de espcie (Bensoussan et al., 2006;

Rotureaua et al., 2006). Denomina-se a esse processo de PCR-RFLP.

A tcnica de PCR-RFLP tem apresentando altos nveis de concordncia com os

resultados fornecidos nas anlises por MLEE e sequenciamento e, portanto sido muito

utilizada em anlises de diversidade gentica, por ser mais rpida e econmica (Da Graa et

al., 2012; Garcia et al., 2005).

Os ITS tem sido os principais marcadores moleculares aplicados nos ensaios de

PCR-RFLP em organismos de populaes estreitamente relacionadas como os parasitos do

gnero Leishmania, pois so altamente conservados em nvel de gnero, mas vriavl em

nvel de espcies (Cupolillo et al., 1995a).

H duas regies de ITS, a ITS1 de 300 a 350 pares de bases (pb) e a ITS2 de 700 a

750pb, localizados entre os genes 18S e 28S das unidades ribossomais que so intercaladas

pelo gene 5,8S presente no genoma nuclear (El Tai et al., 2000; 2001). A elevada

sensibilidade nos ensaios de PCR de ITS dada s sequncias de matrizes em tandem em

diferentes cromossomos do parasito (Cupolillo et al., 1995a).

36

El Tai et al (2000; 2001) descreveu os oligonucleotdeos LITSR/L5.8S e

LITSR/L5.8SR, capazes de distinguir a regio de ITS1 da regio de ITS2, respectivamente,

nos ensaios de PCR (Figura 11). Schnian et al (2003) aplicou aos produtos de PCR-ITS1

enzimas de restries capazes de evideciar perfis de bandas distintos para as principais

espcies de Leishmania de importncia mdica no mundo (Figura 12). Estudos subsequentes,

em pases da America Latina, mostraram a distino das espcies L. (V.) shawi, L. (V.)

amazonensis, L. (V.) lansoni e L. (V.) naiffi e perfil de bandas idnticos para L. (V.)

braziliensis/L. (V.) guyanensis por PCR-RFLP de ITS1 (Cupolillo et al., 1995b; Tojal da Silva

et al., 2006; Buitrago et al., 2011). Em 2012, Da Graa et al, revelou que produto de PCR-

RFLP de ITS1 aplicado em gel de poliacrilamida de alta resoluo pode distinguir, com

discreta diferena, L. (V.) braziliensis de L. (V.) guyanensis.

Estudos de Almeida et al (2011) descreveram variaes na sequncia de DNA para a

regio de ITS 2, amplificado pelos oligonucleotdeos LGITSF2 e LGITSR2, de trs

importantes espcies dermotropicas, L. (V.) braziliensis, L. (V.) guyanensis e L. (V.)

amazonensis. No entanto, a PCR-RFLP desse amplicon distinguiu apenas L. (V.) guyanensis

das demais espcies do subgnero Viannia.

Figura 11 Localizao do gene de ITS e sua subdiviso em regio de ITS 1 e regio de ITS

2. Fonte: El tai et al., 2000.

37

Figura 12 Distino de espcies de Leishmania em ensaios de PCR-RFLP de ITS 1 aps

digesto enzimtica por HAE III em gel de poliacrilamida a 12,5% corado pela prata. La= L. (L.) amazonensis; Lb= L. (V.) braziliensis; Ln= L. (V.) naiffi; Ll= L. (V.) lansoni; Ls= L. (V.) shawi;

Lg= L. (V.) guyanensis; Li = L. (L.)infantum chagasi. Fonte: Da Graa et al., 2012.

Outros importantes marcadores para estudos de epidemiologia molecular de

Leishmania so a famlia das hsp, pois so molculas abundantes na clula, principalmente

em condies de estresse celular, e importantes no enovelamento e transporte de protenas

(Folgueira et al, 2007). A resposta de choque trmico um mecanismo homeosttico que

protege as clulas dos efeitos deletrios do estresse ambiental, como calor (Folgueira &

Requena, 2007). , portanto, essencial para a interao do parasito com seu hospedeiro

(Cuervo et al., 2009).

Garcia et al (2004, 2007) validou ensaios de PCR-RFLP para o gene hsp70

utilizando oligonucleotdeos que amplificava 1400 pb. Silva et al (2010) submeteu a esse

ensaio seis cepas de Leishmania de ocorrncia no Brasil onde foram obtidos perfis de bandas

diferentes para cepas de L. (V.) braziliensis, L. (V.) guyanensis, L. (V.) lansoni e L. (L.)

amazonenis.

Mais tarde, Da Graa et al (2012), desenhou quatro pares de oligonucleotedos para a

regio interna aos descritos por Garcia et al (2004) a fim de tornar as reaes mais especficas

(Figura 13). Os oligonucleotdeos desenhados para o ensaio hsp70C, de aproximadamente 234

pb, apresentou melhores resultados de sensibilidade e quando submetidos a digesto por

endonucleases geraram um conjunto de perfis de bandas distintos para seis espcie de

Leishmania de ocorrncia simpatrica na Amaznia.

Os produtos de PCR de hsp70C digeridos com a endonuclease Hae III gerou perfis

idnticos para L. (V.) lainsoni e L. (V.) shawi, bem como para L. (V.) braziliensis e L. (V.)

naiffi, enquanto que L. (V.) guyanensis, L. (L.) amazonensis apresentaram perfis nicos.

38

Enquanto os produtos de PCR de hsp70C digeridos com endonuclease BstU I diferencia L.

(V.) naiffi de L. (V.) braziliensis e L. (V.) shawi de L. (V.) lainsoni (Da Graa et al., 2012).

Figura 13 Distino de espcies de Leishmania em ensaios de PCR-RFLP de hsp70-234

aps digesto enzimtica por HAE III e BstUI em gel de poliacrilamida a 12,5% corado pela

prata. La= L. (L.) amazonensis; Lb= L. (V.) braziliensis; Ln= L. (V.) naiffi; Ll= L. (V.) lansoni; Ls= L.

(V.) shawi; Lg= L. (V.) guyanensis; Li = L. (L.)infantum. Fonte: Da Graa et al., 2012.

1.7 JUSTIFICATIVA

H pouco tempo a caracterizao e tipagem de espcies de Leishmania era realizada

por mtodos bioqumicos, onde o isolamento do parasito imprescindvel. Atualmente,

tcnicas de biologia molecular com marcadores moleculares especficos so colocadas como

preferenciais aos mtodos convencionais para tipagem em nvel de espcie de Leishmania,

pois apresentam resultados compatveis e podem ser realizadas a partir de amostras clnicas.

As tcnicas de PCR-G6PD, PCR-RFLP de ITS 1 e PCR-RFLP de hsp70 quando

realizadas a partir do DNA extrado de leso, seriam capazes de distinguir seis espcies de

importncia mdica, mas ainda no foram aplicadas em conjunto para o diagnstico etiolgico

de pacientes no Estado do Par. Tambm desconhecido o poder discriminatrio desses

ensaios na identificao de L. (V.) lindenbergi, a 7 espcie patognica descrita no Par.

39

Considerando a relevncia epidemiolgica da LT como problema de sade pblica

na messoregio do Baixo Amazonas do Par dada e a diversidade de espcies de Leishmania

relatado no Estado, buscou-se conhecer a etiologia de LT nessa regio que um polo de

desenvolvimento no Par.

1.8 OBJETIVOS

1.8.1 Objetivo geral

Descrever a etiologia da leishmaniose tegumentar em uma srie de casos novos na

Regio do Baixo Amazonas, Estado do Par, Brasil.

1.8.2 Objetivos especficos

Identificar, por meio de PCRs com diferentes oligonucleotdeos, as espcies de

Leishmania em amostras de pele de pacientes atendidos em centros de sade da

mesorregio do Baixo Amazonas, Par;

Testar a sensibilidade de novos oligonucleotideos baseados no gene hsp70 para a

identificao de subgneros e/ou espcies de Leishmania;

Investigar possveis associaes entre agente etiolgico e resposta ao tratamento aps

uma srie do antimonial;

40

2 MATERIAL E MTODO

2.1 ASPECTOS TICOS

Este estudo foi aprovado pelo Comit de tica e Pesquisa com Seres Humanos do

Instituto Evandro Chagas cujo registro consta sob o nmero CAAE 0030.0.072.000-09.

Participaram do estudo apenas os pacientes que concordaram e se declaram cientes aps

receber informaes sobre o projeto por meio do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido. Todos os pacientes que participaram da pesquisa receberam diagnstico,

tratamento e acompanhamento conforme recomendaes do Ministrio da Sade do Brasil.

Este projeto de pesquisa foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento

Cientfico (Processo N 483597/2009-0) e Tecnolgico e Fundao Paraense de Amparo

Pesquisa (ICAAF N 234/2009).

2.2 DESENHO DO ESTUDO

Tratou-se de um estudo hbrido onde a descrio da etiologia de uma srie de casos

novos de LT, estudo transversal, atendidos nas unidades de sade dos municpios de Juruti e

Santarm, Par, no perodo de janeiro de 2010 a dezembro de 2011. Esses pacientes foram

acompanhados, por um estudo longitudinal, por um perodo de trs meses para investigar

possveis associaes entre subgnero ou espcie de Leishmania com o grau de epitelizao

da leso aps uma srie de glucantime.

2.3 PERGUNTAS

Este projeto de pesquisa se prope a responder trs perguntas: 1- Quais espcies de

Leishmania esto associadas aos casos novos de leishmaniose cutnea na regio do Baixo

Amazonas? 2- Qual a sensibilidade da nova PCR baseada em uma pequena sequncia (234pb)

do gene hsp70-234 para identificar o gnero Leishmania? Uma PCR-RFLP deste produto

produziria padres de bandas espcie-especficos? 3- H associao entre subgnero ou espcie

de Leishmania e resposta ao tratamento com uma srie do antimonial?

41

2.4 REA DO ESTUDO

Os municpios de Juruti e Santarm (Figuras 14 e 15), escolhidos como reas para o

estudo, localizam-se na Mesorregio do Baixo Amazonas. As caractersticas climticas e

geogrficas so semelhantes para a rea de abrangncia dos dois municpios. O espao

geogrfico possui reas de vrzeas e planaltos. A temperatura mdia anual varia de 25 a

28C, com umidade relativa mdia do ar de 86%. A precipitao fluvial maior no chamado

perodo de "inverno", que ocorre de dezembro a maio. Nos meses de junho a novembro ocorre

o perodo mais seco, correspondendo ao "vero" regional.

O municpio de Santarm (2 24" 52" S e 54 42" 36" W) dista cerca de 800 km das

metrpoles da Amaznia (Manaus e Belm), possui oito distritos com 474 comunidades rurais

das quais 267 localizam-se nas regies dos rios e vrzeas, e 207 esto na zona do planalto. A

rea urbana possui 48 bairros. No ano de 2012, a estimativa populacional do IBGE foi de

284.401 habitantes, na extenso de 22.887,080 Km. Santarm o terceiro municpio mais

populoso e o mais importante centro econmico do Estado. Atualmente a economia de

Santarm est assentada nos setores de comrcio e servios, no ecoturismo, nas indstrias de

beneficiamento (madeira, movelarias, agroindstrias, beneficiamento de peixe etc.) e no setor

agropecurio.

Figura 14 Municpio de Santarm, Par. A: Limites geogrficos de Santarm (Fonte:

Laboratrio de Geoprocessamento do Instituto Evandro Chagas). B: Imagem panormica do

municpio de Santarm, Estado do Par, Brasil (Fonte: Google imagens).

O municpio de Juruti, situado a 200 Km de Santarm na margem direita do rio

Amazonas pertence a Microrregio de bidos e tem como limites: ao norte Oriximin e bidos, a

http://pt.wikipedia.org/wiki/Invernohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ver%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Amaz%C3%B4niahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Manaushttp://pt.wikipedia.org/wiki/Bel%C3%A9mhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Economiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Com%C3%A9rciohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Servi%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ecoturismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ind%C3%BAstriahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Madeirahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Agroind%C3%BAstriahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Peixehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Agropecu%C3%A1ria

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leste bidos e Santarm, ao sul Aveiro, a oeste o Estado do Amazonas e Faro. A sede municipal

tem as seguintes coordenadas geogrficas: 020909S e 56 0542W Gr. A populao, no ano de

2012, era de 47.123 habitantes em uma rea de 8.303, 966 Km2. Possui 178 comunidades rurais

registradas. At o ano de 2005 a economia era baseada na agricultura e pesca, mas com a

instalao da mineradora Alcoa/Omnia Minrios Ltda no municpio no ano de 2005 a economia

passou a girar em torno da explorao da reserva de bauxita. Em decorrncia da explorao de

bauxita foram construdos uma ferrovia e um porto na cidade.

Figura 15 Municpio de Juruti, Par. A: Limites geogrficos de Juruti (Fonte: Laboratrio de

Geoprocessamento do Instituto Evandro Chagas). B: Imagem panormica do municpio de

Juruti, Estado do Par, Brasil (Fonte: Google imagens).

2.5 SUJEITOS DA PESQUISA, LOCAL DE ATENDIMENTO E CRITRIOS DE INCLUSO

Foram convidados a participar da pesquisa os pacientes que buscaram

espontaneamente ou foram referenciados ao Servio de Dermatologia do Centro de Controle

Zoonoses do municpio de Santarm no perodo de janeiro de 2010 a dezembro de 2011.

No municpio de Juruti o atendimento de LT foi realizado apenas no ano de 2010

quando duas expedies cientficas do IEC, com durao de quinze dias cada, ocorreram no

Hospital Municipal Francisco Barros.

Foram includos adultos e crianas ( 6 anos) com suspeita clnica-epidemiolgica

e/ou confirmao clnica-laboratorial de LT, portadores de uma ou mais leses primrias de

pelo menos duas semanas de existncia e aqueles sem tratamento prvio para LT. Foram

excludos indivduos menores de seis anos, os portadores de leses mucosas, mulheres

grvidas, contraindicao de tratamento ao antimonial pentavalente e os que no quiserem

participar da pesquisa.

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2.6 REALIZAO DE EXAMES

Exames de rotina para o diagnstico da LT (ver item 2.7) e coleta de amostras de

fragmento de pele foram realizados pela equipe mdica e tcnica das unidades de sade dos

municpios de Juruti e Santarm. Os exames de rotina subsidiaram o tratamento dos doentes.

Em Santarm, o fragmento de pele era encaminhado ao Laboratrio de

Microbiologia do campus da UEPA Santarm para a tentativa de obteno de isolado de

Leishmania. L uma biomdica foi treinada pela doutoranda sobre os procedimentos de

inoculao em meio de cultura NNN e envio de amostra ao Laboratrio de Epidemiologia e

Imunologia Aplicada as Leishmanioses da Seo de Parasitologia do Instituto Evandro

Chagas.

Em Juruti, a doutoranda participou das duas expedies cientficas e realizou os

procedimentos de tentativa de isolamento no Laboratrio da Secretaria Municipal de Sade.

No Laboratrio de Epidemiologia e Imunologia Aplicada as Leishmanioses foram

realizadas pela doutorana a criogenia dos isolados de Leishmania, as extraes de DNA de

fragmento de leso e os ensaios moleculares de PCR e PCR-RFLP.

A identificao por eletroforese de isoenzimas dos isolados de Leishmania de

pacientes foi obtida durante treinamento proporcionado doutoranda no Laboratrio de

Pesquisas em Leishmanioses da Fundao Oswaldo Cruz/Rio de Janeiro.

2.7 PROCEDIMENTOS NA ROTINA DO SUS

Todos os sujeitos da pesquisa foram atendidos conforme o protocolo do SUS que

inclui a realizao do exame parasitolgico direto e teste de Montenegro como mtodos de

diagnstico laboratorial. Os casos confirmados de LT por critrio clnico-epidemiolgico ou

clnico-laboratorial receberam tratamento e foram registrados na base de dados do SINAN

utilizando formulrio padro do Ministrio da Sade para subsidiar imediatamente as aes de

vigilncia e controle da doena (Brasil, 2010).

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Unidade Bsica de Sade

Confirmao de LT

Investigao de caso suspeito de LT

Laboratorial Clnico-epidemiolgico

Lmina IDRM

Notificao no SINAN

Tratamento

Acompanhamento

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