atlas de leishmaniose tegumentar americana diagnostico diferencial

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MINISTRIO DA SADE Secretaria de Vigilncia em Sade Departamento de Vigilncia Epidemiolgica

AT L A S D E

Leishmaniose Tegumentar AmericanaDIAGNSTICOS CLNICO E DIFERENCIAL

Srie A. Normas e Manuais Tcnicos

Braslia DF 2006

2005 Ministrio da Sade. Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea tcnica. A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada na ntegra na Biblioteca Virtual do Ministrio da Sade: http://www.saude.gov.br/bvs O contedo desta e de outras obras da Editora do Ministrio da Sade poder ser acessado na pgina: http://www.saude.gov.br/editora Srie A. Normas e Manuais Tcnicos Tiragem: 1. edio 2006 8.000 exemplares Elaborao, distribuio e informaes: MINISTRIO DA SADE Secretaria de Vigilncia em Sade Departamento de Vigilncia Epidemiolgica Setor Hoteleiro Sul, quadra 6, conj. A Bloco C, 7. andar, salas 714/727 CEP: 70070-040, Braslia DF Tels.: (61) 2107-4435 Fax: (61) 2107-4436 E-mail: [email protected] Home page: www.saude.gov.br/svs Impresso no Brasil/Printed in Brazil Ficha Catalogrfica Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Vigilncia em Sade. Departamento de Vigilncia Epidemiolgica. Atlas de leishmaniose tegumentar americana: diagnsticos clnico e diferencial / Ministrio da Sade, Secretaria de Vigilncia em Sade, Departamento de Vigilncia Epidemiolgica Braslia: Editora do Ministrio da Sade, 2006. 136 p.: il. color. (Srie A. Normas e Manuais Tcnicos) ISBN 85-334-0949-4 1. Leishmaniose cutnea. 2. Leishmaniose. 3. Doenas infecciosas. I. Ttulo. II. Srie.NLM WR 350Catalogao na fonte Editora MS OS 2006/0013

Ttulos para indexao: Em ingls: Atlas of American Integumentary Leishmaniasis. Clinical and Differential Diagnoses Em espanhol: Atlas de Leishmaniasis Tegumentaria Americana. Diagnsticos Clnico y Diferencial EDITORA MS Documentao e Informao SIA, trecho 4, lotes 540/610 CEP: 71200-040, Braslia DF Tels.: (61) 3233-1774/2020; Fax: (61) 3233-9558 E-mail: [email protected] Home page: http://www.saude.gov.br

Equipe Editorial: Normalizao: Andra Campos e Gabriela Leito Reviso: Claudia Profeta e Viviane Medeiros Editorao: Leandro Arajo

Sumrio

Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) . . . . . . . . . . . 1.1 Histrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2 Epidemiologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.3 Imunopatognese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.4 Evoluo clnica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.5 Classificao clnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.6 Diagnstico laboratorial . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.7 Tratamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.7.1 Efeitos adversos e toxicidade do antimoniato N-metil-glucamina. 1.7.2 Contra-indicaes do antimoniato N-metil-glucamina . . . . 1.7.3 Critrios de cura . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.7.4 Situaes que podem ser observadas. . . . . . . . . . . 1.8 Vigilncia epidemiolgica e controle . . . . . . . . . . . . 1.8.1 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.8.2 Definio de caso . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.8.3 Notificao e investigao . . . . . . . . . . . . . . 1.8.4 Classificao de casos . . . . . . . . . . . . . . . . 1.8.5 Evoluo do caso . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.8.6 Controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Forma Cutnea . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.1 Classificao clnica . . . . . . . . . . . . . . 2.1.1 Forma cutnea localizada . . . . . . . . . . 2.1.2 Forma cutnea disseminada. . . . . . . . . . 2.1.3 Forma recidiva ctis . . . . . . . . . . . . 2.1.4 Forma cutnea difusa . . . . . . . . . . . . 2.2 Aspectos clnicos e diagnstico diferencial . . . . . . 2.3 Diagnstico laboratorial . . . . . . . . . . . . . 2.3.1 Reao exsudativa celular (REC) . . . . . . . . 2.3.2 Reao exsudativa e necrtica (REN) . . . . . . 2.3.3 Reao exsudativa e necrtico-granulomatosa (RENG) 2.3.4 Reao exsudativa e granulomatosa (REG) . . . . 2.3.5 Reao exsudativa e sarcoidiforme (RES) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

5 7 9 11 16 23 25 26 27 28 29 29 29 30 30 30 31 31 31 31 33 35 35 36 36 37 38 50 53 53 54 54 55

2.3.6 Reao exsudativa e tuberculide (RET) . . . . . . . . . . . . . 55 2.4 Tratamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3 Forma Cutnea Difusa . . . . . . . . . 3.1 Aspectos epidemiolgicos . . . . . . 3.2 Aspectos clnicos e diagnstico diferencial 3.3 Diagnstico laboratorial . . . . . . . 3.4 Tratamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 59 61 69 70 73 75 77 78 79 80 81 83 87 88 90 93 95 97 98 99

4 Forma Mucosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1 Classificao clnica . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1.1 Forma mucosa tardia . . . . . . . . . . . . . . . 4.1.2 Forma mucosa indeterminada . . . . . . . . . . . . 4.1.3 Forma mucosa concomitante . . . . . . . . . . . . 4.1.4 Forma mucosa contgua . . . . . . . . . . . . . . 4.1.5 Forma mucosa primria . . . . . . . . . . . . . . 4.2 Aspectos clnicos e diagnstico diferencial . . . . . . . . . 4.3 Diagnstico laboratorial . . . . . . . . . . . . . . . . 4.4 Diagnstico endoscpico por fibra ptica de leses mucosas recentes 4.5 Tratamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Associao da Leishmaniose Tegumentar Americana a Outras Doenas 5.1 Aspectos clnicos da co-infeco Leishmania/HIV . . . . . . 5.2 Diagnstico laboratorial. . . . . . . . . . . . . . . 5.3 Tratamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4 Recidivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Referncias Bibliogrficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Centros de Referncia para Diagnstico e Tratamento da LTA . . . . . . . . . . 121 Equipe Tcnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

ATLAS DE LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

ApresentaoCom este lanamento, a Secretaria de Vigilncia em Sade (SVS) do Ministrio da Sade apresenta aos profissionais de sade o Atlas de Leishmaniose Tegumentar Americana: diagnsticos clnico e diferencial, visando a munici-los de mais um instrumento de apoio nas aes de diagnstico e de tratamento desse agravo. A leishmaniose tegumentar americana (LTA) uma doena infecciosa caracterizada pelo comprometimento cutneo, mucoso e, em raras situaes, linfonodal. Como caractersticas peculiares, apresenta grande diversidade de aspectos clnicomorfolgicos, o que, conforme o quadro das leses, origina diferentes classificaes, fato esse que dificulta sobremaneira a confirmao do diagnstico nos servios de sade, pois inmeras leses cutneas podem simular outras enfermidades que fazem diagnstico diferencial e vice-versa. Apesar da implementao do diagnstico laboratorial da leishmaniose tegumentar na rede de laboratrios de sade pblica e do aumento de casos confirmados laboratorialmente nos ltimos trs anos, em 22% do total de casos de leishmaniose tegumentar americana notificados (22.051) o critrio de confirmao foi apenas clnico. Ante tal realidade, espera-se que o uso deste material possa contribuir significativamente no diagnstico e no tratamento precoce dessa endemia e na elucidao diagnstica de outros agravos, bem como auxiliar nos processos de formao e de capacitao de recursos humanos.

Jarbas Barbosa da Silva Jr. Secretrio de Vigilncia em Sade

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1Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA)

ATLAS DE LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

Por leishmaniose tegumentar, entende-se um conjunto de enfermidades causadas por vrias espcies de protozorios digenticos da ordem Kinetoplastida, da famlia Trypanosomatidae, do gnero Leishmania, que acometem a pele e/ou mucosas do homem, e de diferentes espcies de animais silvestres e domsticos das regies tropicais e subtropicais do Velho e Novo Mundo. Nas Amricas, so transmitidas entre os animais e o homem pela picada das fmeas de diversas espcies de flebtomos (Diptera, Psychodidae, Phlebotominae) dos gneros Lutzomyia e Psychodopygus. A infeco caracterizase pelo parasitismo das clulas do sistema fagoctico mononuclear (SFM) da derme e das mucosas do hospedeiro vertebrado (moncitos, histicitos e macrfagos).

1.1 HistricoA leishmaniose tegumentar (LT) j era conhecida como um grupo de doenas dermatolgicas semelhantes entre si, e sua apresentao clnica era associada a leses cutneas, geralmente ulcerosas e, por vezes, com comprometimento da mucosa oronasal (PESSA; BARRETTO, 1948). No Brasil, Moreira (1895) identificou pela primeira vez a existncia do boto endmico dos pases quentes, chamado boto da Bahia ou boto de Biskra. Em 1908, houve uma epidemia em Bauru/SP, quando Lindemberg e Carini & Paranhos (1909) correlacionaram a lcera de Bauru com o boto do Oriente e o seu agente causal com Leishmania tropica. Carini (1911) e Splendore (1912) fizeram observaes pioneiras de leses mucosas confirmadas por demonstrao de leishmnias. Vianna (1911) considerou que havia diferenas morfolgicas entre a Leishmania tropica e o agente etiolgico da leishmaniose cutnea (LC) e a chamou de Leishmania braziliensis. Posteriormente, Rabello (1923a, 1923b) criou o termo leishmaniose tegumentar americana (LTA), denominao que abrange tanto a forma cutnea como a forma mucosa da doena. Vianna (1912, 1914) e DUtra e Silva (1915) introduziram o uso do trtaro emtico, antimonial trivalente, na teraputica da LTA. Os antimoniais pentavalentes s foram sintetizados a partir da dcada de 20 (BRAMACHARI, 1920), permanecendo como a droga de eleio para o tratamento das leishmanioses. Arago (1922, 1927), estudando um surto ocorrido no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, demonstrou o papel da Lutzomyia intermedia na transmisso de Leishmania braziliensis. Na dcada de 20, Montenegro (1926) utilizou a intradermorreao no diagnstico imunolgico da LT. Desde ento, esse teste cutneo vem sendo largamente utilizado em todo o mundo no diagnstico e em inquritos de prevaln-

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cia nas diversas reas endmicas. Das dcadas de 20 a 40, importantes estudos clnicos e epidemiolgicos foram levados a termo, sedimentando e acumulando conhecimentos sobre a doena (PESSA; BARRETTO, 1948). A partir da dcada de 70, foi dado um novo impulso ao conhecimento da leismaniose tegumentar americana (LTA) na Regio Amaznica, quando Lainson & Shaw (1972), com base em critrios clnicos, epidemiolgicos e biolgicos, propuseram uma nova classificao das leishmnias do Novo Mundo, dividindo-as em dois grandes grupos: o complexo Leishmania mexicana e o Leishmania braziliensis. A partir de 1974, com a ocorrncia de um surto periurbano de LTA no Rio de Janeiro, Marzochi (1980) e Sabroza et al. (1981) chamaram a ateno para a importncia da transmisso peridomiciliar da LTA fora da Regio Amaznica. Em 1987, Lainson & Shaw propuseram uma nova classificao das leishmnias, com adoo dos subgneros Leishmania (SAFIANOVA, 1982) e Viannia (LAINSON; SHAW, 1997), elevando, ao nvel de espcie, leishmnias outrora classificadas como subespcies (quadro 1).

Quadro 1

Taxonomia de Leishmania

TRYPANOSOMATIDAEFamlia

Gnero

Crithidia Leptomonas

Herpetomonas

Blastocrithidia

Leishmania

Sauroleishmania

Trypanosoma

Phytomonas

Endotrypanum

Subgnero

Leishmania

Viannia

Complexo L.donovanib

L. tropica

L. major L. aethiopica

L. mexicana

L. braziliensis

L. guyanensis

L. archibaldi L. chagasi L. donovani L. infantun

L.killicki L. tropica

L. major

L. aethiopica L. garnhami

L. amazonensis L. mexicana L. pifanoi L. venezuelensis

No -patognicas ao homem Velho Mundo: L. arabica L. gerbilli Novo Mundo: L. aristidesi L. enriettii L. deanei L. hertigi

L. braziliensis L. peruviana L.lainsoni L. naiffi

L. guyanensis L. panamemsis

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ATLAS DE LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

1.2 EpidemiologiaA LTA tem sido descrita em quase todos os pases americanos, do sul dos Estados Unidos ao norte da Argentina, com exceo do Uruguai e do Chile (LAINSON, 1983; SHAW et al, 1976). No Brasil, a doena apresenta ampla distribuio por todas as regies geogrficas (FURTADO; VIEIRA, 1982; SAMPAIO et al., 1980). Ao analisar-se a evoluo da LTA, observa-se uma expanso geogrfica no incio da dcada de 80, quando foram registrados casos em 19 unidades federadas e, em 2003, todos os estados registraram autoctonia. A partir da dcada de 90, o Ministrio da Sade notificou uma mdia anual de 32 mil novos casos de LTA. Analisando-se os dados pertinentes em 2003, verificou-se a seguinte situao: a Regio Norte notificou aproximadamente 45% dos casos, predominando os estados do Par, Amazonas e Rondnia; a Regio Nordeste, 26% dos casos, principalmente no Maranho, Bahia e Cear; a Regio Centro-Oeste, 15% dos casos, com maior freqncia em Mato Grosso; a Regio Sudeste, 11% dos casos, predominantemente em Minas Gerais; e a Regio Sul, 3,0%, destacando-se o Paran (figuras 1, 2 e 3).Figura 1. Nmero de casos e coeficientes anuais de deteco de casos autctones de LTA Brasil 1985 a 2003

N. de Casos40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0N. de Casos Coef. Deteco1985 1988 1991 1994 1995 1996 1997

Coef. Deteco25 20 15 10 5 0

1998

1999

2000

2001

2002

2003

13.639 25.153 28.449 35.103 35.748 30.030 31.303 21.801 32.439 34.639 37.713 34.156 31.343 10,45 17,99 19,36 22,83 22,94 19,12 19,6 13,47 19,78 20,85 22,41 19,55 17,7

Fonte: MS/SVS/DEVEP/CGDT/COVEV

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Figura 2. Casos de LTA por municpio. Brasil, 1999 a 2002

Fonte: MS/SVS/Devep/CGDT/Covev Fiocruz/Ensp/Desp.

Figura 3. Densidade de casos de LTA. Brasil, 1999-2002Mdia 1999 a 2001 2002

Densidade de casos (casos/km2)

Densidade de casos

(casos/km2)

Fonte: MS/SVS/Devep/CGDT/Covev Fiocruz/Ensp/Desp.

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Na realidade, a real prevalncia das diferentes leishmanioses no continente americano difcil de ser estabelecida, em vista das subnotificaes, diagnsticos incorretos, afeces inaparentes, variaes de resposta do hospedeiro e multiplicidade de agentes etiolgicos envolvidos (MARZOCHI, 1992). No Novo Mundo, so atualmente reconhecidas onze espcies dermotrpicas de Leishmania causadoras de doena humana e oito espcies descritas, at o momento, somente em animais (quadros 2 e 3).Quadro 2. Principais espcies de Leishmania dermotrpicas do continente americano causadoras de comprometimento humano

Subgnero Viannia (Lainson & Shaw, 1972) Leishmania (V.) braziliensis (Vianna, 1911) Leishmania (V.) peruviana (Velez, 1913) Leishmania (V.) guyanensis (Floch, 1954) Leishmania (V.) panamensis (Lainson & Shaw, 1972) Leishmania (V.) lainsoni (Silveira et al, 1987) Leishmania (V.) naiffi (Lainson et al., 1990) Leishmania (V.) shawi (Shaw et al., 1991) Subgnero Leishmania (Saf Ianova, 1982) Leishmania (L.) mexicana (Biagi, 1953)

Acometimento clnico no homem Leses cutneas e mucosas Predominantemente leses cutneas Predominantemente leses cutneas Predominantemente leses cutneas Rara ocorrncia, provocando leses cutneas Rara ocorrncia, provocando leses cutneas Rara ocorrncia, provocando leses cutneas Acometimento clnico no homem Leses cutneas e, eventualmente, cutneo-difusas

Distribuio geogrfica Da Amrica Central ao norte da Argentina Vales elevados interandinos e encosta oeste dos Andes Calha norte da Bacia Amaznica, Guianas e pases do noroeste sulamericano Amrica Central e costa pacfica da Amrica do Sul Norte do Estado do Par Regio Amaznica Regio Amaznica Distribuio geogrfica Mxico e Amrica Central

Amrica Central e regies Leishmania (L.) amazonensis Leses cutneas e, Norte, Nordeste, Centro(Lainson & Shaw, 1972) eventualmente, cutneo-difusas Oeste e Sudeste do Brasil Leishmania (L.) venezuelensis Leses cutneas Venezuela (Bonfante-Garrido, 1980) Leishmania (L.) pifanoi Leses cutneas e, Venezuela (Medina & Romero, 1959) eventualmente, cutneo-difusasFonte: Marzochi, Schubach & Marzochi (1999)

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Quadro 3. Principais espcies de Leishmania dermotrpicas do Novo Mundo encontradas exclusivamente em animais

Subgnero Viannia (Lainson & Shaw, 1972) Leishmania (V.) colombiensis (Kreutzer et al., 1991) Leishmania (V.) equatoriensis (Grimaldi et al., 1992) Subgnero Leishmania (Saf Ianova, 1982) Leishmania (L.) enriettii (Muniz & Medina, 1948) Leishmania (L.) hertigi (Herrer, 1971) Leishmania (L.) deanei (Lainson & Shaw, 1977) Leishmania (L.) aristidesi (Lainson & Shaw, 1979) Leishmania (L.) garnhami (Scorza et al., 1979) Leishmania (L.) forattinii (Yoshida et al., 1993)

Acometimento clnico nos animais *** *** Acometimento clnico nos animais *** *** *** *** *** ***

Distribuio geogrfica Colmbia Equador Distribuio geogrfica Brasil Panam Brasil Brasil Venezuela Brasil

(***) No encontrada em casos humanos. Fonte: Marzochi, Schubach & Marzochi (1999).

No Brasil, as trs principais espcies de Leishmania responsveis pela LTA so: L.(V.) braziliensis, L.(V.) guyanensis e L.(L.) amazonensis; mais recentemente, L.(V.) lainsoni, L.(V.) naiffi e L.(V.) shawi foram identificadas como novos agentes da doena (quadro 2). A Leishmania (V.) guyanensis causa predominantemente leses ulceradas cutneas. Ocorre apenas na calha norte da Amaznia, tendo sido recentemente descrita no Estado do Acre, reas de colonizao recente e relacionada ao habitat de animais silvestres, como a preguia de dois dedos, o tamandu, os marsupiais e os roedores, em florestas primrias e secundrias. Os flebotomneos envolvidos na transmisso so L. umbratilis, L. anduzei e L. whitmani. A Leishmania (L.) amazonensis causa lceras cutneas localizadas e, ocasionalmente, leses anrgicas difusas em indivduos com deficincia imunolgica inata. A transmisso est associada, geralmente, presena de roedores silvestres e marsupiais, sendo a infeco humana menos freqente porque o vetor L. flaviscutelata

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considerado pouco antropoflico. Entretanto, a infeco ocorre em diferentes ambientes das regies Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, provavelmente associada a ciclos enzoticos de matas residuais. Outras leishmnias dermotrpicas descritas como a Leishmania (V.) lainsoni, Leishmania (V.) naiffi e Leishmania (V.) shawi podem estar associadas a vetores e reservatrios silvestres e acometer o homem na Regio Amaznica (figura 4).Figura 4. Ciclo de transmisso das leishmanioses

A Leishmania (V.) braziliensis causa leses cutneas e mucosas metastticas e se distribui amplamente no Brasil, tanto em reas de colonizao recente na Amaznia quanto em antigas do Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Sua transmisso est associada ao Psychodopygus wellcomei em florestas da Amaznia, onde os reservatrios silvestres so ainda desconhecidos. Nas reas rurais modificadas da caatinga, no cerrado e na Mata Atlntica, de Minas Gerais para a Regio Norte, sua transmisso est associada L. whitmani. Nas reas litorneas e nos vales de grandes rios dos estados do Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo, Paran e Santa Catarina, a transmisso peridomiciliar, associada L. intermedia, de hbitos peridomsticos (e provavelmente tambm L. migonei e L. fischeri).

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Fora da Regio Amaznica, ces, eqinos, muares e roedores sinantrpicos podem ser considerados fontes de infeco para as espcies de flebotomneos que se adaptam bem aos ambientes modificados, como a L. intermedia e a L. whitmani. Assim, a LTA pode apresentar diferentes padres epidemiolgicos, caracterizando-se, conforme a transmisso, como silvestre florestal (eventual), em reas de colonizao recente (zoonose de animais silvestres), e periflorestal (freqente), em reas de ocupao situadas no raio de vo dos vetores silvestres que podem trazer a Leishmania ou adquiri-la de fontes peridomsticas (zoonose ou antroponose); rural em reas de colonizao antiga (zoonose de matas residuais); periurbana em reas de colonizao antiga, onde houve adaptao do vetor ao peridomiclio (zoonose e/ou antroponose domsticas) (MARZOCHI; MARZOCHI, 1997).

1.3 ImunopatogneseNo ciclo epidemiolgico da LTA, o inseto (flebotomneo) representa o elo entre os reservatrios e o homem, que se comporta apenas como hospedeiro acidental de Leishmania, no parecendo assumir papel relevante na transmisso da doena. As leishmnias so parasitos dimrficos. Ao picar os reservatrios infectados, as fmeas dos flebotomneos adquirem as formas amastigotas (formas aflageladas) do protozorio, que rapidamente se transformam em formas promastigotas (formas flageladas) no intestino dos vetores. Essas formas dividem-se ativamente e, no novo repasto, so injetadas na pele do hospedeiro. As promastigotas so as formas infectantes do parasito que interagem com as clulas do sistema fagoctico mononuclear, perdem o flagelo e, sob a forma amastigota, passam a se multiplicar no interior das clulas (figura 5).Figura 5. Ciclo biolgico das leishmnias. Formas promastigotas no interior do tubo digestivo do vetor e formas amastigotas no interior dos macrfagos do organismo infectado

Promastigota

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A partir da inoculao das formas promastigotas na pele, inicia-se uma complexa interao entre o parasito e a resposta imunolgica do hospedeiro, que determinar a expresso clnica da LTA. Vrios setores do sistema imunolgico so ativados, mas a resposta imune celular, especfica para a Leishmania, tem papel crucial no controle final da infeco. Apesar dos diversos estudos de regulao gentica realizados em animais experimentais, no foram identificados, at o momento, genes para o controle da resistncia ou da susceptibilidade da doena humana. Inicialmente, a presena das formas promastigotas inoculadas desencadeia, no local da inoculao, uma resposta inflamatria aguda inespecfica da qual participam clulas e fatores sricos clulas natural killer (NK), polimorfonucleares (neutrfilos, macrfagos e eosinfilos) e sistema complemento. Assim, a maioria de promastigotas inoculadas, que ainda esto no ambiente extracelular, so rapidamente destrudas. A importncia das clulas NK no controle da infeco deve-se tanto sua ao citotxica quanto ao fato de ser fonte primria de interferon-gama (IFN-), o que determina um potencial para desenvolver resposta imune celular adequada, induzindo a resistncia j na primeira semana de infeco. Considerando-se que a Leishmania um parasito intracelular obrigatrio, a ativao do sistema complemento pode benefici-lo, pois ao serem gerados fragmentos da cascata (C3 e C3bi) que se ligam a receptores dos macrfagos (CR1 e CR3) e tambm se depositam na parede do parasito, tem-se facilitada sua fagocitose. Alm disso, sua entrada, utilizando esses receptores, promove baixo metabolismo oxidativo no macrfago, o que favorece a continuidade do seu ciclo biolgico. A adeso de Leishmania membrana do macrfago pr-requisito para sua fagocitose. Diferentes molculas integram a membrana de superfcie das leishmnias, tais como glicoprotenas (gp) e glicolipdios, fundamentais para sua interao com os macrfagos, sendo a gp63 e o lipofosfoglicano (LPG) as principais molculas ligantes. A pequena frao do inculo infectante que consegue internalizar-se em macrfagos, a partir da ligao direta dessas molculas com receptores de membrana das clulas, determina uma srie de reaes bioqumicas que podem levar ativao ou inibio das funes da clula hospedeira. Essa ativao caracteriza-se pela deflagrao de processos oxidativos (sistema microbicida dependente de oxignio) e produo de xido ntrico. medida que ocorre o processo de fagocitose, os lisossomas das clulas fundemse aos vacolos parasitforos formados, resultando em uma modificao do seu microambiente, que induz transformao da forma promastigota para amastigota, facilitando sua sobrevivncia, pois, sob essa nova forma, o parasito apresenta-se mais resistente e desencadeia menor resposta oxidativa da clula hospedeira. Evidncias clnicas e experimentais demonstram que a imunidade especfica na leishmaniose basicamente mediada por clulas T CD4+. Para dar incio resposta17

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imune especfica, clulas de Langerhans transportam parasitos e seus antgenos aos linfonodos regionais, visando a apresentar o antgeno s clulas T CD4+ que, ao liberarem citocinas, regulam o potencial microbicida dos macrfagos ressalte-se que a produo de IFN- parece ser o principal fator de ativao macrofgica. A importncia da resposta celular no controle da leishmaniose tem sido demonstrada na literatura ao longo dos ltimos anos. Em experimentos com camundongos, pode-se observar que os linfcitos T auxiliares (Th) CD4+ esto subdivididos em duas subpopulaes funcionalmente diferentes no que se refere secreo de citocinas, diretamente correlacionadas com a resistncia ou a susceptibilidade infeco por Leishmania: o subtipo Th1, que secreta interleucina 2 (IL-2), IFN- e linfotoxina; e o subtipo Th2, secretor de interleucina 4 (IL-4), interleucina 5 (IL-5) e interleucina 10 (IL-10). Vrios fatores tm sido implicados na diferenciao da clula T CD4+ em Th1 ou Th2, como o tipo de clula apresentadora de antgeno, os nveis de citocinas endgenas e a natureza do antgeno reconhecido. O IFN- tem papel importante na defesa contra microrganismos intracelulares como a Leishmania, ativando macrfagos e estimulando a liberao de outras citocinas como o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-). O TNF-, citocina produzida principalmente por macrfagos ativados, tambm responsvel pela ativao policlonal de clulas B. Em decorrncia dessa ativao, h considervel induo da resposta humoral com produo de anticorpos anti-Leishmania que participam, na interao inicial do parasito, com elementos inespecficos da resposta inflamatria. A seqncia de eventos que ocorrem a partir da inoculao do parasito no organismo do hospedeiro pode ser observada na figura 6. Figura 6.

Clula de Langerhans

Epiderme Derme

I M U N I/

I N A T A

NEUTRFILOS EOSINFILOS FRAES DO COMPLEMENTO

IL 12 clula natural killer

M

C E L U L A A D R Q U I R I D A

IFN LINFONODO REGIONAL LTa 0 CD4+

GP63/ LPS* TGF * / TNF *Afluxo de clulas

Ta1 ESTIMULANTE (IFN /IL2) Ta2 INIBITRIO (IL4/IL10)RESPOSTA HUMORAL LB ANTICORPOS FATOR GENTICO

LT CD8 - citotoxicidade

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Deve-se destacar que o parasito apresenta caractersticas prprias que permitem sua evaso dos mecanismos de defesa do hospedeiro. Ainda no tubo digestivo do inseto vetor, durante seu ciclo de crescimento, as formas promastigotas evoluem de um estgio no-infectivo (fase logartmica de crescimento) para outro altamente infectivo (fase estacionria, metacclica). Durante a fase de metaciclognese, ocorre a expresso de molculas de superfcie com caractersticas modificadas, que, quando da interao com a clula do hospedeiro, impedem a deposio de complexos do sistema complemento promotores da lise celular, alm de interferirem na ativao de componentes terminais do complemento, protegendo o parasito.IMUNOPATOGNESE DA LEISHMANIOSE TEGUMENTARFATORES DETERMINANTES DA INFECOPARASITO TAMANHO DO INCULO FASE DE METACICLOGNESE

Figura 7. Imunopatognese da leishmaniose

Fase de metaciclognese (crescimento lento)

Crescimento rpido

0

5 dias

METACICLOGNESEMaturao LPG Expresso de molculas na sua superfcie gp63

{

VETOR SUBSTNCIAS NA SALIVA MAXADILAN

HOSPEDEIRO FATOR GENTICO FATORES IMUNES R. { R. inata adquirida

As molculas que compem a superfcie do parasito tambm interferem na atividade do macrfago a gp63 degrada enzimas lisossmicas e o LPG inibe a gerao de metablitos oxidativos e a ao de enzimas lisossomais, eliminando os radicais de oxignio. A fosfatase cida, diretamente relacionada com a virulncia do parasito, tem a capacidade de bloquear a produo de radicais de oxignio pelos macrfagos. Os parasitos ainda tm a seu favor a menor ao oxidativa dos macrfagos presentes no local de penetrao, provavelmente decorrente da menor temperatura da pele (30 a 35C). Alm de fatores inerentes ao hospedeiro e ao parasito, tem sido demonstrado que alguns componentes da saliva do inseto tambm interferem na resposta imunolgica do hospedeiro, favorecendo a persistncia do parasito no macrfago, atuando como um dos fatores determinantes da evoluo da infeco (figura 7). Dessa forma, as alteraes no organismo, seqenciais presena do parasito, dependem do binmio infectividade e antigenicidade de Leishmania e da imunidade e

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resistncia j existentes ou desenvolvidas pelo hospedeiro aps a infeco (guras 8A e 8B). Em decorrncia dessa interao parasito-hospedeiro, o espectro clnico da LT varivel, podendo-se classic-la como doena espectral: no plo anrgico (plo negativo) estaria a forma cutnea difusa, e no plo hiperrgico (plo positivo), a forma mucosa (gura 8C). As outras formas de leishmaniose tegumentar estariam inseridas no intervalo entre os plos, podendo um mesmo paciente, evoluir dentro desse espectro ao longo do tempo (BRYCESON, 1969; SILVEIRA, 2004).Figura 8A. Imunopatognese da leishmaniose tegumentarIMUNOPATOGNESE DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR

Progresso da Leso Aspectos Histopatolgicos Estgio Inicial: Hipertrofia do Extrato Crneo Acmulo de Histicito Infiltrado Celular

{

estaciona regresso espontnea

Progresso da Reao Inflamatria Necrose Leso lcero Crostosa

Figura 8B. Imunopatognese da leishmaniose tegumentar

IMUNOPATOGNESE DA LEISHMANIOSE TEGUMENTARPROGRESSO DA LESO ASPECTOS CLNICOS

2. NDULO

1. PEQUENA PPULA em geral, no local da inoculao, pode disseminar linfohematognica

3. LCERA necrose para destruio de parasitos parasito na borda das leses Acmulo de polimorfonucleares e eosinfilos Infiltrado de macrfagos (M) infectados e vacuolizados Infiltrado inflamatrio com M / clulas plasmocitrias/ linfcitos Pode formar GRANULOMA M infectados + cl. de Langerhans (zona central) Clulas epiteliides Linfcitos T (CD4+) (perifricos) 2 a 3 meses de evoluo riqueza parasitria nas leses mais recentes

- L.(V.) braziliensis induz resposta celular mais intensa e mais rpida; maior destruio tecidual; menos parasito na leso - L.(L.) amazonensis induz resposta celular menos intensa e mais lenta; menos destruio tecidual; mais parasito na leso

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POLARIZAO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTARLEISHMNIA

Figura 8C. Polarizao da leishmaniose tegumentar

EPIDERME DERME

PLO ANRGICOIDRM ( -) IDRM (+) IDRM (++)

PLO HIPERRGICO

L.C.D.

L. CUTNEA

L. MUCOSA

Sabendo-se que a reao inflamatria (resposta imunolgica) desencadeada pela presena da Leishmania, apesar de constituir-se em mecanismo defensivo, a causa do dano tecidual (leso ulcerada), pode-se entender a polarizao das formas clnicas e as diferenas observadas nos exames laboratoriais realizados. No Brasil, as diferentes formas clnicas descritas esto relacionadas com as reas endmicas, o padro de transmisso, a espcie envolvida e o perfil de resposta imune celular do indivduo avaliado pela intradermorreao de Montenegro (IRM), a produo de citocinas, o teste de transformao linfoblstica e o aspecto histopatolgico observado. As diferenas entre as formas polares na leishmaniose tegumentar esto sumarizadas no quadro 4. Deve-se destacar que, na leishmaniose cutnea difusa (LCD), a no-resposta imune celular determina leses nodulares, no ulceradas, com riqueza parasitria, IRM no reator e, na histologia, no h formao de granuloma. J a forma mucosa caracterizada por uma resposta imune celular exacerbada presena de Leishmania, determinando o potencial destrutivo observado, inclusive com destruio de septo nasal ou palato, o que explica que na forma mucosa h uma escassez parasitria nas leses e a IRM muitas vezes flictenular. Em todas as formas clnicas da LTA, pode haver produo de anticorpos, no estando a positividade sorolgica ou sua intensidade relacionadas com a proteo do hospedeiro. Faz-se necessrio ressaltar que, na maioria das vezes, a forma mucosa ocorre anos aps a cicatrizao de uma leso cutnea localizada. Acredita-se que, no perodo de atividade da leso cutnea, haja disseminao de parasitos para a mucosa na-

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sal, os quais permanecem latentes (provavelmente, pela menor atividade microbicida dos macrfagos na mucosa nasal) at a quebra do equilbrio parasito-hospedeiro.Quadro 4. Diferenas entre as formas clnicas da leishmaniose tegumentar

Formas Clnicas Achados clnicos Imunolgicos Resposta celular IRM Citocinas Linfoproliferao Resposta humoral (sorologia) Esfregao no reator sem produo de IFN- TNF- negativa reator IFN- TNF- positiva reator (exacerbada) IFN- TNF- positiva LCD placas infiltradas e ndulos no ulcerados disseminados LC lcera(s) limitada(s) LM leso destrutiva septo/palato

reator riqueza parasitria sem formao de granuloma, poucos linfcitos e muitos macrfagos infectados

reator escassez parasitria com formao de granuloma e infiltrao de linfcitos

reator escassez/ausncia de parasitos escassa formao de granuloma e infiltrao de mononucleares

Histopatolgico

Espcie de L. (L.) amazonensis Leishmania envolvida Cura espontnea Resposta teraputica no inadequada

L. (L.) amazonensis L. (V.) braziliensis L. (V.) braziliensis possvel adequada no adequada (em geral aps dois esquemas)

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1.4 Evoluo clnicaA multiplicidade de espcies de Leishmania, flebtomos vetores e reservatrios vertebrados em diferentes ambientes geogrficos propicia a existncia de distintas apresentaes clnicas da LTA, que vo desde formas inaparentes at leses disseminadas, atingindo a pele e as mucosas. Embora exista uma certa correspondncia entre as vrias apresentaes clnicas e as diferentes espcies do parasito (LAINSON; SHAW, 1978), tal correlao no parece ser absoluta (BARRAL et al., 1991; OLIVEIRA NETO et al., 1986; SOUZA et al., 1989). Isso leva a crer que os fatores relacionados ao hospedeiro possam contribuir decisivamente para a definio do processo de doena ou de resoluo da infeco (SCOTT, 1996), como ocorre em qualquer doena e, de forma mais ntida, quando envolve a complexa relao parasito-hospedeiro. De maneira geral, no local da picada do flebtomo, em reas expostas no corpo, aps um perodo de incubao varivel, em mdia de 18 dias a 4 meses (MARZOCHI, 1992; PESSA; BARRETTO, 1948), o paciente percebe uma pequena leso de pele, geralmente papulosa, bem delimitada, algumas vezes arredondada, outras vezes acuminada, eritematosa, que, evoluindo, aumenta de tamanho e, posteriormente, se ulcera, podendo ser precedida ou seguida de adenite regional (DEY et al., 1992; GARCIA GONZALEZ et al., 1990; MARSDEN, 1986; MORAES et al., 1993; PESSA; BARRETTO, 1948; TALLADA et al., 1993). A lcera tpica de leishmaniose cutnea indolor, em geral nica, poucas vezes mltipla e raramente acima de 10 leses. Possui uma forma habitualmente arredondada ou ovide, tamanho varivel de alguns milmetros at alguns centmetros, base infiltrada e firme, bordas bem delimitadas, elevadas e eritematosas, fundo granuloso e avermelhado. Pode ser notado exsudato, que, quando amarelado, resultado de infeco bacteriana associada, a qual, posteriormente, desseca-se, formando crostas melissricas ou pardo-enegrecidas (CARINI; PARANHOS, 1909; LINDEMBERG, 1909; PESSA; BARRETTO, 1948; MARSDEN, 1986; MATTOS, 1993). Ao redor da leso principal, podero surgir ppulas inflamatrias satlites e ndulos subcutneos (KUBBA et al., 1987, 1988). O fenmeno de Kbner pode ser observado em reas traumatizadas (BERTHO et al., 1994; GREVELINK; LERNER, 1996), caracterizando-se por surgimento de leses de LTA nessas reas (MARZOCHI, 1992). Outras apresentaes cutneas so encontradas, embora com menor freqncia, tais como verrucosa, framboeside, tuberosa, ndulo hipodrmico, ppulo-folicular, etc. (PUPO, 1946; RABELLO, 1923a). Caso no tratada, com exceo da leishmaniose cutnea difusa, a leishmaniose cutnea tende a cicatrizar espontaneamente (COSTA et al., 1990, 1995; LINDEM-

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BERG, 1909; MARSDEN et al., 1984b) em perodo de alguns meses a poucos anos, podendo tambm permanecer ativa por vrios anos e coexistir com formas mucosas de surgimento posterior (PESSA; BARRETTO, 1948; VILLELA et al., 1939). As leses cutneas, ao evolurem para a cura, costumam deixar cicatrizes. Segundo DUtra e Silva (1915), as cicatrizes produzidas por este processo so lisas, brilhantes, glabras, em alguns casos deprimidas, a pele delgada, ligeiramente plida ou rsea, podendo apresentar pigmento pardacento. Quando pequenas, podem apresentar o aspecto de cicatrizes de varola. Algumas vezes, passam despercebidas, tomando o colorido natural da pele (...) a dimenso da cicatriz se mantm nos limites da lcera e s o desaparecimento da zona hiperemiada d a iluso de que houve diminuio. A partir de ento, o paciente pode permanecer clinicamente curado por tempo indefinido, apresentar recidivas ou, mais raramente, reinfeces cutneas ou evoluir para a leishmaniose mucosa (LM) tardia (KANJ et al., 1993; NETTO et al., 1986; SARAVIA et al., 1990; WEIGLE et al., 1985). Quanto histria natural da leishmaniose mucosa tardia, evidncias sugerem que metade dos pacientes de LC, que evoluiro para LM, tero essa evoluo nos primeiros dois anos aps a cicatrizao das leses cutneas e, a outra metade, dentro de 10 anos (MARSDEN et al., 1984a). Pensa-se que tal forma clnica seja conseqente a metstases hematognicas, vindo a acometer mucosas de vias areas superiores (BOWDRE et al., 1981; LLANOS-CUENTAS et al., 1985). Ainda so desconhecidos os mecanismos exatos da instalao da leso mucosa, como e onde as leishmnias sobrevivem em latncia no organismo humano durante anos e quais fatores desencadeiam essa forma clnica da doena (MARSDEN, 1986; MARTINEZ et al., 1992; PESSA; BARRETTO, 1948; WALTON et al., 1973). Pela inexistncia de um bom modelo experimental que reproduza a doena humana, os estudos feitos com base em casos clnicos espordicos e em evidncias epidemiolgicas so inconsistentes para o esclarecimento dessas questes. Assim, j foram observados pacientes com leses cutneas tratadas que evoluram para LM aps um perodo de cura clnica aparente (MARSDEN, 1986; NETTO et al., 1986; SAMPAIO et al., 1985). Freqentemente, pacientes com LM atribuem leses cutneas compatveis com LC no passado e apresentam uma ou mais cicatrizes cutneas sugestivas (JONES et al., 1987; MARSDEN, 1986; MOREIRA, 1994; PESSA; BARRETTO, 1948; SCHUBACH, 1997), caracterizando a LM tardia. No entanto, parte dos pacientes de LM no tem histria anterior de tratamento ou teve tratamento inadequado da leso cutnea inicial, o que leva a admitir, respectivamente, que a existncia da leishmaniose mucosa de origem indeterminada (MARSDEN et al., 1984) e o fato de que as curas espontneas e os tratamentos curtos e irregulares constituem risco para o surgimento da LM tardia (SILVA, 1915; JONES et al., 1987; MARSDEN, 1986; PESSA; BARRETTO, 1948; SCHUBACH, 1990; WALTON et al., 1973). Atualmente, a freqncia desta manifestao, ou complicao da LTA, no costuma exce-

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der a 3% dos casos nas reas endmicas conhecidas (MENDONA et al., 1988; NETTO et al., 1986;), mais provavelmente devido ao diagnstico e tratamento precoces. As queixas de pacientes de LM dependem da localizao e da extenso das leses. As mais freqentes so: obstruo nasal, formao e eliminao de crostas pela mucosa nasal, epistaxe (geralmente com ausncia de dor, mas por vezes com prurido ou sensao de pequenas pontadas no nariz), disfagia, odinofagia, rouquido, dispnia, tosse, etc. (MARSDEN, 1986; MOREIRA, 1994; PESSA; BARRETTO, 1948). A mucosa nasal, isolada ou associada outras localizaes, est envolvida na quase totalidade dos casos de LM, sendo acometidos predominantemente o septo cartilaginoso, as paredes laterais, o vestbulo e a cabea do corneto inferior e, secundariamente, o palato, os lbios, a lngua, a faringe e a laringe (MARSDEN, 1986; MOREIRA, 1994; PESSA; BARRETTO, 1948; VILLELA et al., 1939). Progressivamente, pode ocorrer aumento do volume do nariz, destruio da cartilagem do septo nasal com desabamento da ponta do nariz (nariz de tapir), destruio completa do nariz e reas vizinhas (com perturbaes da deglutio e fala) e importante mutilao da face, podendo levar morte por complicaes decorrentes das infeces secundrias, geralmente do trato respiratrio superior (SAMPAIO et al., 1985). Acredita-se que as leses mucosas no tratadas sejam progressivas, havendo poucos relatos de possveis cicatrizaes espontneas dessas leses (MARSDEN, 1986; PESSA; BARRETTO, 1948). Mesmo quando tratadas, essas leses podem deixar seqelas como retrao da pirmide nasal, perfurao do septo ou do palato, destruio da vula, etc. (MOREIRA, 1994; SCHUBACH, 1990). Admite-se que uma proporo de pessoas expostas a picadas do vetor no desenvolvam a doena, apresentando apenas IRM positiva e, ocasionalmente, presena de anticorpos especficos (infeco inaparente). difcil predizer o potencial de evoluo para a auto-resolubilidade do equilbrio parasito-hospedeiro ou para o desenvolvimento de manifestao clnica, diante de eventual queda de imunidade local (trauma) ou sistmica (adquirida) (MARZOCHI; MARZOCHI, 1994). Uma vez estabelecida, a doena pode apresentar amplo espectro de manifestaes clnicas, conforme a classificao a seguir.

1.5 Classificao clnicaCom base em estudos anteriores, considerando as formas de resposta do hospedeiro, a partir do local da picada do vetor, e a localizao das leses e a evoluo clnica, Marzochi & Marzochi (1994) propem, no quadro 5, uma classificao clnica da LTA, envolvendo as diferentes formas e apresentaes da doena e seus respectivos agentes etiolgicos:

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Quadro 5. Classificao clnica e respectivos agentes etiolgicos da LTA no Brasil

LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA (LTA)

Leishmaniose cutnea

Leishmaniose mucosa

1. Forma cutnea localizada nica 2. Forma cutnea localizada mltipla 3. Forma cutnea disseminada 4. Forma recidiva ctis 5. Forma cutnea difusa Leishmania (V.) braziliensis (1, 2, 3, 4) Leishmania (L.) amazonensis (1, 2, 3, 4, 5) Leishmania (V.) guyanensis (1, 2, 3) Leishmania (V.) naiffii (1 e 2) Leishmania (V.) shawi (1 e 2) Leishmania (V.) lainsoni (1 e 2)

6. Forma mucosa tardia 7. Forma mucosa concomitante 8. Forma mucosa contgua 9. Forma mucosa primria 10. Forma mucosa indeterminada Leishmania (V.) braziliensis (6, 7, 8, 9,10) Leishmania (L.) amazonensis (8) Leishmania (V.) guyanensis (8)

1.6 Diagnstico laboratorialComplementando a investigao epidemiolgica e clnica, o diagnstico laboratorial baseia-se em exames parasitolgicos ou imunolgicos, de acordo com a seguinte esquematizao: a) Exames parasitolgicos: pesquisa de amastigota em esfregao de leso ou imprint de fragmento de tecido; cultura em meios artificiais; inoculao em animais experimentais (hamster). b) Histopatolgico: hematoxilina e eosina; imuno-histoqumica.

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c) Exames imunolgicos: IRM; sorologia: imunofluorescncia indireta (IFI); Elisa (no disponvel comercialmente). d) Testes moleculares: PCR (reao em cadeia de polimerase). e) Caracterizao das espcies: pode ser realizada em isolados de cultura ou in sito, por meio de diferentes tcnicas, dentre as quais citam-se: PCR, anticorpos monoclonais, eletroforese de isoenzimas, etc. O procedimento para a realizao das tcnicas mais utilizadas, na rotina para o diagnstico da LTA nos servios de sade pbica, deve seguir a metodologia descrita no Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana (Ministrio da Sade, 2000). A indicao e a sensibilidade de cada exame esto relacionadas com a forma clnica da LTA, conforme descrito nos captulos especficos, a seguir.

1.7 TratamentoDesde a dcada de 40, os antimoniais pentavalentes (Sb+5) permanecem como drogas de primeira escolha no tratamento da LTA, estando disponibilizadas comercialmente duas formulaes: o antimoniato-N-metil-glucamina (antimoniato de meglumina) e o estibogluconato de sdio. No Brasil, o Ministrio da Sade distribui gratuitamente o antimoniato N-metilglucamina (Glucantime) na rede pblica de sade, adotando o esquema teraputico preconizado pela Organizao Mundial da Sade (quadro 6).Quadro 6. Esquema teraputico preconizado para as diversas formas clnicas de LTA

Forma Clnica Leishmaniose cutnea

Dose 10-20 mg/Sb+5/kg/dia (recomenda-se 15 mg/Sb+5/kg/dia)

Tempo de Durao 20 dias 20 dias 30 dias

Leishmaniose cutnea difusa 20 mg/Sb+5/kg/dia Leishmaniose mucosa 20 mg/Sb+5/kg/dia

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Cada ampola de Glucantime possui 5ml, contendo 81mg de Sb+5 para cada ml, perfazendo um total de 405mg de Sb+5 por ampola. Os antimoniais pentavalentes apresentam potencial de toxicidade cardaca, heptica, pancretica e renal, devendo ser utilizados com cautela e sob monitorizao clnica e laboratorial, em pacientes com cardiopatia e hepatopatia. Nos pacientes nefropatas, bem como em gestantes, a anfotericina B a droga de primeira escolha para a realizao do tratamento. De acordo com a forma clnica e a resposta teraputica esperada, o esquema de tratamento pode ser modificado no tocante dose e durao. Peculiaridades sobre essas modificaes sero descritas nos captulos pertinentes a cada apresentao clnica.1.7.1 Efeitos adversos e toxicidade do antimoniato N-metil-glucamina

O principal efeito adverso do antimoniato N-metil-glucamina decorrente de sua ao sobre o aparelho cardiovascular. Esse efeito tem dose e tempo dependentes e se traduz por distrbios de repolarizao (inverso e achatamento da onda T e aumento do intervalo QTc no eletrocardiograma ECG). Em pacientes acima de 50 anos, precedendo ao tratamento, deve-se realizar o ECG e o acompanhamento com ausculta cardaca sempre antes de cada infuso do medicamento, objetivando detectar arritmias. Caso essas ocorram, o tratamento deve ser imediatamente interrompido, e, aps reavaliao do paciente, deve-se reiniciar o tratamento com a mesma droga ou com drogas alternativas. Outros efeitos indesejados incluem mialgias, artralgias, adinamia, anorexia, cefalia, dor no local da aplicao (intramuscular-IM) e aumento da diurese por perda transitria da capacidade de concentrao urinria. Em geral, observa-se alterao dos nveis de amilase sem repercusso clnica que requeira a suspenso do tratamento. Entretanto, este deve ser interrompido se ocorrer um aumento superior a quatro vezes no limite superior da normalidade para a amilase e 15 vezes para a lipase.

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IMPORTANTETodas as reaes adversas graves ou potencialmente graves, descritas a seguir, devem ser notificadas s secretarias municipais e estaduais de sade, bem como SVS e Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa*): arritmias cardacas e/ou outras manifestaes de cardiotoxicidade; insuficincia renal aguda ou elevao dos nveis sricos de uria e creatinina e/ou outras manifestaes de nefrotoxicidade; ictercia e/ou elevao de enzimas hepticas e/ou outras manifestaes de hepatotoxicidade; pancreatite aguda e/ou hiperamilasemia e/ou outras manifestaes de pancreatotoxicidade.

No h nenhum impedimento de notificao de casos que no se encaixem na classificao acima, apenas no imperativo que sejam feitas. Na dvida, notifique!*www.anvisa.gov.br 1.7.2 Contra-indicaes do antimoniato N-metil-glucamina

Por serem drogas potencialmente arritmognicas, os antimoniais so contra-indicados para pacientes que fazem uso de betabloqueadores (principalmente sotalol e propranolol) e de drogas antiarrtmicas como a amiodarona e quinidina aqueles que apresentam no eletrocardiograma os valores normais do QTc corrigidos: 424ms (homens e crianas) e 440ms (mulheres). Em todos os casos, acima de 460ms h contra-indicao relativa, podendo-se manter o tratamento desde que o paciente seja monitorado com ECG dirio, preferencialmente internado. Acima de 500ms, a contra-indicao do antimoniato N-metil-glucamina total.1.7.3 Critrios de cura

O critrio de cura clnico e recomenda-se acompanhar o paciente por trs meses consecutivos. Aps a cura clnica, ele deve ser acompanhado at que se completem 12 meses do trmino do tratamento e, se possvel, deve passar por uma nova reavaliao aps 24 meses.1.7.4 Situaes que podem ser observadas

a) Tratamento regular Forma cutnea definida como o caso que utilizou 10 a 20mg/Sb+5/kg/dia entre 20 a 30 dias, no ocorrendo intervalo superior a 72 horas entre as doses. Forma mucosa denida como o caso que utilizou 20mg/Sb+5/kg/dia entre 30 a 40 dias, no ocorrendo intervalo superior a 72 horas entre as doses. b) Tratamento irregular Forma cutnea e mucosa denida como o caso que ultrapassou o tempo previsto para um tratamento regular ou aquele em que tenha ocorrido intervalo superior a 72 horas entre as doses.29

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c) Falha teraputica definida como o caso que, mesmo tendo realizado dois esquemas teraputicos regulares, no apresentou remisso clnica. d) Recidiva definida como o reaparecimento de leso leishmanitica em qualquer parte do corpo, no perodo de at um ano aps a cura clnica, descartada a possibilidade de reinfeco aps consideradas a histria da doena atual e os antecedentes epidemiolgicos. e) Abandono de tratamento indivduo que, sem ter recebido alta, no compareceu at 30 dias aps o terceiro agendamento para avaliao da cura clnica. O terceiro agendamento refere-se ao terceiro ms aps o trmino do esquema teraputico, perodo destinado ao acompanhamento do caso e avaliao de cura.

1.8 Vigilncia epidemiolgica e controle1.8.1 Objetivos:

diagnosticar e tratar, precocemente, os casos com vistas a reduzir as deformidades provocadas pela doena; em reas de transmisso domiciliar, reduzir a incidncia da doena, adotando, aps investigao dos casos, medidas de controle pertinentes.1.8.2 Definio de caso:

a) Suspeito Forma cutnea presena de lcera cutnea, com fundo granuloso e bordas infiltradas em moldura. Forma mucosa presena de lcera na mucosa nasal, com ou sem perfurao ou destruio do septo nasal, podendo atingir lbios e boca (palato e nasofaringe). b) Confirmado Critrio clnico-laboratorial de leishmaniose cutnea e/ou mucosa A confirmao dos casos clinicamente suspeitos deve corresponder, no mnimo, a um dos seguintes critrios: residncia, procedncia ou deslocamento em/para rea com confirmao de transmisso, associada, a pelo menos, uma das seguintes avaliaes: encontro do parasito nos exames parasitolgicos diretos e/ou indiretos; IRM positiva; outros mtodos de diagnstico laboratorial positivos. Critrio clnico-epidemiolgico de leishmaniose cutnea e/ou mucosa todo caso com suspeita clnica e sem acesso a mtodos de diagnstico laboratorial, com residncia, procedncia ou deslocamento em/para rea com confirmao de transmisso. Nas formas mucosas, considerar a presena de cicatrizes cutneas sugestivas de LTA, como critrio complementar para a confirmao do diagnstico.

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c) Descartado Caso suspeito com diagnstico laboratorial negativo ou caso suspeito com diagnstico confirmado de outra doena. d) Casos autctones So os casos confirmados de LTA com provvel infeco no local de residncia.1.8.3 Notificao e investigao

A LTA uma doena de notificao compulsria. Assim, todo caso efetivamente confirmado deve ser notificado por intermdio da ficha de investigao, padronizada pelo Ministrio da Sade, ao Sistema de Informaes de Agravos de Notificao (Sinan), pelos servios de sade pblicos, privados ou filantrpicos. O roteiro detalhado da investigao epidemiolgica, a anlise dos dados e as atividades de controle esto descritos no Manual de Controle e no Guia de Vigilncia da Leishmaniose Tegumentar, editados pelo Ministrio da Sade.1.8.4 Classificao de casos

As fichas epidemiolgicas de cada caso devem ser analisadas visando a definir qual o critrio utilizado para o diagnstico, considerando as seguintes alternativas: confirmado por critrio clnico-laboratorial encontro do parasito nos exames parasitolgicos diretos e/ou indiretos ou IRM positiva ou outros mtodos diagnsticos positivos; confirmado por critrio clnico epidemiolgico verificar se a suspeita clnica est associada residncia, procedncia ou ao deslocamento em rea com confirmao de transmisso.1.8.5 Evoluo do caso

O tratamento e o acompanhamento dos casos confirmados, bem como o efetivo conhecimento de sua evoluo clnica, de acordo com as normas tcnicas, so de extrema importncia para a vigilncia da LTA, no sentido de reduzir sua forma grave (mucosa) e prevenir deformidades.1.8.6 Controle

A diversidade de agentes, de reservatrios, de vetores e a situao epidemiolgica, aliadas ao conhecimento ainda insuficiente sobre vrios desses aspectos, tornam complexo o controle da LTA. As medidas de preveno e de controle esto diretamente relacionadas com o diagnstico precoce e com o tratamento adequado dos pacientes, bem como a reduo do contato homem-vetor, com medidas de proteo individual, controle de reservatrios e aplicao de inseticida, quando indicados (MARZOCHI, 1997). Em virtude das peculiares caractersticas epidemiolgicas da LTA, as estratgias de controle devem ser flexveis, distintas e adequadas a cada localidade (MARZOCHI; MARZOCHI, 1994).31

2Forma Cutnea

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2.1 Classificao clnicaDe acordo com a classificao constante no captulo 1, a leishmaniose cutnea pode se apresentar sob as seguintes formas clnicas: 2.1.1 Forma cutnea localizada pode ocorrer como leso nica ou mltipla, na mesma regio da picada do vetor ou nos pontos das picadas infectantes. Geralmente ulcerosa, demonstra uma tendncia cura espontnea. Apresenta boa resposta ao tratamento, podendo acompanhar-se de linfadenopatia regional, linfangite ascendente e ulcerao de alguns ndulos, reproduzindo as leses iniciais (figuras 9, 10,11).

Figura 9. LTA. Forma cutnea localizada.Leso nica, ulcerada, fundo granuloso, com base eritematosa e infiltrada.

Figura 10. LTA. Forma cutnea localizada.Leses exulceradas, mltiplas, base eritematosa infiltrada, recobertas por crostas. Aspecto clnico semelhante a impetigo como observado na figura 36, ressaltando a importncia do diagnstico diferencial.

Figura 11. LTA. Forma cutnea localizada.Leso nica, ulcerada em regio maleolar externa.

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2.1.2 Forma cutnea disseminada ocorre provavelmente por disseminao hematognica ou linftica do parasito. As leses cutneas so numerosas e distantes do local das picadas, distribuindo-se por diversas reas do corpo; em geral, so pequenas e ulceradas, podem ter diversos tamanhos e costumam responder bem ao tratamento (figuras 12 e 13).

Figura 12. LTA. Forma cutnea disseminada, com mltiplas leses pequenas, ppulo-tuberosas, exulceradas.

Figura 13. LTA. Forma cutnea disseminada, leses pequenas, ppulo-tuberosas, exulceradas, indolores, distribudas em vrios segmentos do corpo.

2.1.3 Forma recidiva ctis caracteriza-se por evoluir com cicatrizao espontnea ou medicamentosa do centro da leso, com manuteno de atividade nas bordas. difcil o encontro de parasitos nas leses (figuras 14 e 15).

Figura 14. LTA. Forma recidiva ctis, com centro cicatrizado e bordas infiltradas, exulceradas.36

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Figura 15. LTA. Forma recidiva ctis. Leso ulcerada, recoberta por crosta na borda da cicatriz atrfica, inicialmente de uma antiga leso de LT, tratada com antimonial pentavalente seguida de boa resposta.

2.1.4 Forma cutnea difusa constitui manifestao rara e grave da LC, ocorrendo em pacientes considerados anrgicos com deficincia especfica na resposta imune celular a antgenos de Leishmania. De incio insidioso, como leso nica noresponsiva ao tratamento, evolui de forma arrastada, com formao de placas infiltradas e mltiplas nodulaes no-ulceradas, que recobrem grandes extenses cutneas (CONVIT et al., 1972; CASTES et al., 1983, 1988; OKELO et al., 1991; BARRAL et al., 1995; COSTA et al., 1995). O tratamento muito difcil ou ineficaz. Por ser considerada rara e de apresentao clnica peculiar, essa forma clnica receber melhor detalhamento no captulo especfico (figuras 16 e 17).

Figura 16. LTA. Forma cutnea difusa, iniciada no primeiro ano de vida, apresentando leso infiltrada em base de pirmide nasal (paciente com 6 anos de idade).

Figura 17. LTA. Forma cutnea difusa aps 17 anos de evoluo, caracterizando a evoluo crnica e a refratariedade a diversos esquemas teraputicos.37

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2.2 Aspectos clnicos e diagnstico diferencialIndependente da forma clnica, as leses cutneas da leishmaniose tegumentar so caracterizadas por lceras com bordas elevadas, infiltradas e de colorao eritematoviolcea. O fundo da lcera constitudo por granulaes vermelhas e, quase sempre, recoberto por secreo serosa ou seropurulenta. Essa ulcerao, tpica da leishmaniose, recebe a denominao de lcera com bordas em moldura (figura 18).

Figura 18. LTA. lcera apresentando bordas elevadas com fundo granuloso vermelho.

So freqentes os casos de LTA que simulam piodermites ou micoses superficiais, da as denominaes leishmaniose impetigide, furunculide, ectimatide, esporotricide e outras manifestaes que, na prtica, podem dificultar o diagnstico clnico (figuras 19 a 42).

Figura 19. LTA. Leso ulcerosa, com poucos dias de evoluo, semelhante piodermite (leso ocasionada por bactrias), aps a passagem do paciente por um treinamento militar na selva amaznica. Exame direto: positivo para Leishmania.

Figura 20. LTA. Leses com pouco tempo de evoluo, de aspecto furunculide (tipo piodermite). Pesquisa de Leishmania positiva.38

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Figura 21. Esporotricose. Leso inicial semelhante forma cutnea de LTA observada na figura 20.

Figura 22. LTA. As duas leses tambm assemelham-se a piodermites, apresentando, porm, bordas elevadas, de consistncia firme, aspecto no observado nas doenas causadas por estafilococos ou estreptococos (piodermites).

Figura 23. LTA. Leso ulcerosa, com aspecto similar ectima (tipo piodermite). A pesquisa de Leishmania fundamental para o diagnstico.

Figura 24. Esporotricose. Forma cutnea localizada no antebrao, assemelhandose leso ulcerosa da forma localizada da LTA.39

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Figura 25. Tuberculose cutnea. Cancro tuberculoso. Evoluo de quatro anos. lcera no dolorosa de bordas infiltradas e irregulares. Leso no antebrao. A realizao do exame antomo-patolgico fundamental para a comprovao diagnstica.

Figura 26. Carcinoma basocelular. rea de exposio solar. Um ano de evoluo. Este tipo de cncer apresenta evoluo lenta, sendo tratado mediante mtodos cirrgicos. O exame histopatolgico importante para o diagnstico.

Figura 27. Carcinoma basocelular. Leso ulcerosa localizada no ombro, assemelhando-se leso da forma cutnea localizada de leishmaniose. Cabe observar o aspecto perolado das bordas e a presena de telangiectasias na pele ao redor.

Figura 28. LTA. Forma cutnea localizada. Leso ulcerosa localizada na face posterior da perna, com formato irregular, alongado horizontalmente, fundo avermelhado com presena de granulaes grosseiras, parcialmente recoberto por sangue e por secreo serosa. Bordas hipocrmicas bem delimitadas e elevadas, base eritematosa e infiltrada.40

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Figura 29. LTA. Forma cutnea localizada (correspondente evoluo da leso da figura 28). Formato irregular, bem diferente da cicatriz tpica arredondada. Cicatriz recente, imediatamente aps tratamento com antimonial: eritematosa, bordas levemente infiltradas, com presena de crostas e algumas escamas.

Figura 30. LTA. Forma cutnea localizada (correspondente evoluo da leso das figuras 28 e 29). Cicatriz com dois anos de evoluo, aspecto apergaminhado, revelando acentuado grau de atrofia. Bordas hipercrmicas e formato irregular, bem diferente da tpica cicatriz em aro de bicicleta. Figura 31. LTA. Leso ulcerada, atpica, com bordas elevadas observadas na poro superior esquerda, parcialmente recoberta por crostas, com presena de exsudato purulento, decorrente de infeco secundria (a infeco secundria e o uso inadequado de pomadas contribuem para dificultar o diagnstico. Inicialmente, essas leses devem ser lavadas com gua e sabo, e o tratamento com antibitico sistmico pode ser necessrio). Em geral, aps 5 a 7 dias, pode-se colher material para o exame direto ou antomo-patolgico.

Figura 32. Ectima. Observar que as bordas no so elevadas; ao contrrio, so irregulares e mal definidas. Intensa secreo seropurulenta. Houve boa resposta ao tratamento com limpeza local (gua e sabo), associado antibioticoterapia sistmica.41

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Figura 33. Eritema endurado de Bazin. Leso ulcerosa circundada por halo violceo, localizada na perna, assemelhando-se leso ulcerosa da forma cutnea localizada da LTA.

Figura 34. Impetigo. Evoluo de uma semana. Teve incio com leso bolhosa que se rompeu, originando ulcerao rasa e secreo serosa. Cabe observar a intensa reao inflamatria envolvendo a bolha, aspecto raramente visto na LTA. Figura 35. Anemia falciforme. Paciente com lceras recidivantes em ambas as pernas, com formao de cicatrizes arredondadas e hipotrficas, assemelhandose s da leishmaniose. Este paciente havia recebido um diagnstico equivocado de forma cutnea localizada recidivante da leishmaniose, bem como diversos tratamentos com antimonial pentavalente, haja vista que era proveniente de rea endmica, apresentava intradermorreao de Montenegro positiva, histopatologia com aspecto inflamatrio crnico granulomatoso, mas ausncia de parasitos.

Figura 36. Impetigo. Mltiplas crostas e eroses, com poucos dias de evoluo. O tratamento teve xito com antibioticoterapia por via oral, durante sete dias.42

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Figura 37 A. LTA. Leso ulcerosa com bordas bem delimitadas e levemente elevadas. Base eritematosa e infiltrada, fundo com presena de granulaes grosseiras, parcialmente recoberto por crostas e por secreo seropurulenta. Localizada na regio paraorbital, acompanhada de infiltrao e eritema das plpebras superior e inferior. Diagnstico diferencial com carcinoma.

Figura 37 B. LTA localizada. Cicatriz correspondente evoluo da figura 37A. Quase imperceptvel, desproporcional ao aspecto da leso ativa devido ao pregueamento natural da pele daquela regio, favorecido pela idade da paciente. Aproximadamente um ano e meio aps o tratamento.

Figura 38. LTA causada por Leishmania (L.) mexicana. Leso infiltrativa, exulcerada e crostosa, acometendo regio bipalpebral.

Figura 39. Carcinoma basocelular. O paciente foi erroneamente tratado com 700 ampolas de antimoniato de N-metil-glucamina. A bipsia (exame histopatolgico) essencial para o correto diagnstico e tratamento adequado.43

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Figura 40. Paracoccidioidomicose. Leso ulcerosa destrutiva do pavilho auricular, assemelhando-se leso ulcerosa da forma cutnea localizada da LTA. Obseva-se a presena de leso gomosa abaixo do pavilho auricular. Figura 41. Dermatite artefacta ou patomimia (leso provocada pelo prprio paciente). Leso ulcerosa com 5 anos de evoluo, localizada no dorso da mo, assemelhando-se leso ulcerosa da forma cutnea localizada da LTA. Esta paciente chegou a realizar teste teraputico com antimonial pentavalente, haja vista que era proveniente de rea endmica, apresentava intradermorreao de Montenegro positiva e histopatologia com aspecto inflamatrio crnico granulomatoso com ausncia de parasitas. A cura foi obtida aplicando-se aparelho gessado, para impedir o acesso leso.

Figura 42. Esporotricose. Leso ulcerosa localizada no dorso da mo, acompanhada de linfangite ascendente, assemelhando-se forma cutnea localizada da LTA com envolvimento linftico.

Com freqncia, em algumas regies do pas, os pacientes apresentam pequenas ppulas na periferia das leses de LTA (tambm chamadas de leishmnides figura 43).

Figura 43. LTA. Leso ulcerosa central, recoberta por crosta, apresentando leses papulosas perifricas (leishmnides).44

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Em algumas localizaes, tais como nos ps, nos pavilhes auriculares, no pnis e em outras, as lceras leishmaniticas podem assumir aspectos clnicos atpicos e de difcil diagnstico (figuras 44 a 48). Nesses casos, os exames laboratoriais so essenciais para o diagnstico.

Figura 45. LTA. Leso ulcerosa em pavilho auricular, com poucos dias de evoluo. O paciente havia sido tratado com antibitico, sem apresentar melhora. O exame direto possibilitou o diagnstico.

Figura 44. LTA. Leso ulcerosa atpica, envolvida por eritema e infiltrao que se estende ao dorso do p. A confirmao da LTA foi feita por exame antomo-patolgico.

Figura 46. LTA. Aspecto simulando piodermite. A coleta do material para o exame direto ou histopatologia s dever ser realizada aps tratamento da infeco bacteriana com antibioticoterapia sistmica.45

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Figura 47. LTA. O aspecto clnico atpico, mas a histria epidemiolgica do paciente era importante, pois ele procedia de rea de desmatamento de selva primria.

Figura 48. Carcinoma. Este paciente foi tratado com 80 ampolas de antimoniato de Nmetil-glucamina, sem exame que comprovasse a LTA.

Excludas as manifestaes ulcerosas, a LTA pode apresentar-se com os seguintes aspectos clnicos: a) Leses ppulo-tuberosas ou em placas estes aspectos clnicos so relativamente freqentes na LTA. As leses so elevadas, s vezes com depresso ou eroso/ulcerao e crosta central (figuras 49 e 50).

Figura 49. LTA. Leses papulosas, isoladas e confluentes, formando placa. Diagnstico confirmado por exame antomopatolgico.

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Figura 50. LTA. Leses papulosas, isoladas e confluentes, formando placa. Algumas ppulas apresentam pequenas ulceraes centrais, recobertas por crostas.

Figura 51. LTA. Placa apresentando ppulas e reas com aspecto verrucoso. Este tipo de leso pode confundir-se com cromomicose, tuberculose, esporotricose verrucosa e, s vezes, tumores. O exame direto foi negativo para LTA; a bipsia e o exame antomo-patolgico so fundamentais para o diagnstico.

b) Leses verrucosas caracterizam-se por placas, parcial ou totalmente hiperceratsicas, simulando tuberculose, cromomicose, esporotricose, paracoccidioidomicose, psorase, sfilis terciria e outras doenas menos freqentes (figuras 51 a 55).

Figura 52. LTA. Infiltrao de aspecto verrucoso. Exame direto: negativo. Confirmao diagnstica: exame antomo-patolgico. s vezes, nesses casos, mesmo patologistas experientes tm dificuldade em estabelecer o diagnstico definitivo. Para tanto, podem ser necessrias coloraes especiais, tcnicas de imuno-histoqumica, cultura em meios especiais (para fungos e Leishmania) ou inoculao em animais de laboratrio.

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Figura 53. Cromomicose. Placa hipercerattica. Em pacientes com esse tipo de leso, deve-se, sempre, realizar duas bipsias: uma para o exame micolgico e outra para o antomo-patolgico.

Figura 54. Cromomicose. Hiperceratose e leses cicatriciais. No exame micolgico foi isolado o fungo responsvel pela micose. Histopatologia compatvel com cromomicose.

Figura 55. Esporotricose. Leso verrucosa de longa evoluo, localizada na pirmide nasal, assemelhando-se leso verrucosa da forma cutnea localizada da LTA.

Figura 56. LTA. Aspecto atpico, simulando piodermite e quaisquer outras doenas que apresentem aspecto verrucoso. O exame micolgico revelou-se negativo e o antomopatolgico, compatvel com a LTA. Fez prova teraputica com antimoniato de N-metilglucamina, verificando-se acentuada melhora aps 10 dias de tratamento. Caso no haja resposta ao tratamento recomendado, aconselhvel encaminhar o paciente para o servio de referncia ou ento repetir os exames.

c) Leses vegetantes so papilomatosas, midas e de consistncia mole (simulam bouba) ou papilomatosas atpicas, ceratsicas ou verrucosas, lembrando a cromomicose. d) Leses atpicas nas reas endmicas, sempre importante pensar em LTA, particularmente em quadros dermatolgicos de difcil diagnstico (figura 56).

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Faz-se importante ressaltar que, nas formas clnicas anteriormente descritas, a pesquisa direta de Leishmania apresenta-se negativa em percentual expressivo dos casos. Por isso, de vital importncia a realizao dos exames complementares para o correto diagnstico e tratamento adequado.

No trate o paciente sem o diagnstico de certeza. Na dvida, encaminhe-o para um servio de referncia.A presena de linfangite, em disposio centrpeta, pode ser observada a partir das leses iniciais da LTA. s vezes, surgem leses francamente gomosas (ndulos que amolecem e fistulizam, drenando o material para o exterior), simulando a esporotricose (figuras 57 e 58).

Figura 57. LTA. A linfangite, caracterizada pelas leses nodulares, surgiu a partir da leso primria, ulcerosa, sobre o quirodctilo. Na maioria das vezes, no to evidente, podendo apenas ser evidenciada pela palpao.

Figura 58. Esporotricose. Forma cutneo-linftica. Leso ulcerosa, localizada no dorso da mo, acompanhada de linfangite ascendente e de ndulos subcutneos em fila indiana, assemelhando-se forma cutnea da leishmaniose com comprometimento linftico.49

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Nos pacientes com mltiplas leses (figura 59), o quadro dermatolgico pode ser polimorfo, coexistindo as vrias manifestaes cutneas j referidas.

Figura 59. LTA. Mltiplas leses. Leses papulosas, ppulo-ulcerosas e ulcerosas.

2.3 Diagnstico laboratorialAps a suspeita clnica, o diagnstico deve ser confirmado por exames laboratoriais. A rotina mnima de investigao deve constar da realizao do teste de IRM, associado a, no mnimo, um exame parasitolgico, geralmente a pesquisa direta de Leishmania em esfregao de leso cutnea. A IRM geralmente positiva em todas as formas clnicas com mais de dois meses de evoluo, com exceo da LCD. Pode ser positiva em indivduos apenas com infeco, mas sem a presena clnica da LTA. Vale ressaltar que o resultado positivo desse exame no deve ser considerado conclusivo para o diagnstico de certeza de LTA (figuras 60 e 61).

Figura 60. IRM. Deve-se inocular intradermicamente 0,1ml do antgeno. A leitura deve ser realizada aps 48/72h da realizao do teste considerado positivo quando a endurao for maior ou igual a 5mm.50

Figura 61. IRM. Resultado positivo em paciente procedente de rea endmica, sem leso em atividade (o uso de caneta de ponta grossa na figura meramente ilustrativo, sendo recomendado o uso de caneta esferogrfica para a realizao da leitura do teste).

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O exame direto, realizado no material coletado da borda da lcera e corado pelo Giemsa, possibilita o diagnstico da maioria dos casos com tempo de evoluo inferior a 2/3 meses. Quanto mais recente for a leso, maior ser a chance de se encontrar a Leishmania (figuras 62 e 63).

Figura 62. LTA. Coleta do material de leso cutnea, feita com lmina de bisturi. A coleta deve ser sempre realizada na borda da leso, a qual deve estar limpa, sem infeco bacteriana associada.

Figura 63. LTA. Presena de formas amastigotas, observadas aps colorao com Giemsa. Este exame define o diagnstico de LTA.

Em leses causadas por L. (V.) braziliensis, a escassez parasitria caracterstica dessa espcie diminui a sensibilidade desse exame, aumentando a probabilidade de resultados falso-negativos. O sucesso do exame direto reside na coleta adequada. A lcera deve estar limpa, sem infeco secundria. Alm da pesquisa direta em raspado da leso cutnea, a demonstrao do agente etiolgico pode ser obtida por diferentes mtodos laboratoriais, tais como cultura, inoculao em hamster e exame histopatolgico. Alm de contribuir para a eventual demonstrao do parasito, o exame histopatolgico pode oferecer, ainda, importantes subsdios para o diagnstico diferencial, com outras entidades de etiologia infecciosa ou no, que guardam aspectos clnicos e epidemiolgicos comuns leishmaniose tegumentar. Nas leses causadas pela Leishmania (L.) amazonensis, os parasitos so facilmente encontrados, pois acumulam-se em grande nmero de macrfagos, freqentemente vacuolizados. Nas leses causadas pela Leishmania (V.) braziliensis, o encontro das formas amastigotas do parasito nos tecidos costuma ser mais fcil nas leses recentes, tornando-se cada vez mais difcil com a cronicidade das leses. Esperanza Azougue (1983) ressaltou a importncia da presena dos plasmcitos nas leses, pois atuam como clulas sentinelas. Com a utilizao do anticorpo policlonal antileishmania, pode-se obter uma visualizao mais precisa do parasito em seces histopatolgicas; entretanto, este anticorpo ainda no est comercialmente disponvel.

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Formas amastigotas de Leishmania so evidenciadas pela tcnica de Hematoxilina & Eosina em seces de tecidos, como pequenos elementos redondos ou piriformes, medindo, aproximadamente, a oitava parte do tamanho do ncleo de um macrfago (figura 64). Tm citoplasma claro, ncleo discretamente basoflico e cinetoplasto tambm basoflico, puntiforme ou em forma de barra. So vistas em meio s clulas inflamatrias que ocupam amplamente o derma ou o crion da mucosa, e sua localizao intracitoplasmtica nem sempre morfologicamente bem definida. A demonstrao do parasito em seces histopatolgicas requer pesquisa adicional em amostras de imprint do material de bipsia. Nesse tipo de amostra, os elementos parasitrios apresentam-se freqentemente alongados e parecem ser maiores em relao s imagens observadas em seces histopatolgicas.

Figura 64. Borda de leso apresentando, no derma papilar, macrfagos com numerosas formas amastigotas em vacolos intracitoplasmticos.

O principal diagnstico diferencial da leishmaniose tegumentar em algumas regies do Brasil a esporotricose, leso de etiologia fngica que, como a LTA, associa-se formao de granulomas e freqente dificuldade de visualizao do seu agente etiolgico. Outras doenas infecciosas, como a paracoccidioidomicose e a cromomicose, geralmente, permitem a visualizao dos respectivos elementos fngicos, possibilitando maior facilidade para o diagnstico final. Do ponto de vista estritamente morfolgico, o Histoplasma capsulatum assemelha-se s amastigotas de Leishmania. Entretanto, esse elemento fngico impregna-se pelos corantes de prata e so positivos com a colorao do PAS (Periodic Acid Schiff ), ao contrrio das formas amastigotas de Leishmania. A histopatologia da leishmaniose tegumentar tem sido alvo de numerosos estudos no Brasil, nos quais foram analisados aspectos encontrados nas diversas reas onde endmica. No Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do Pas, locais onde a predominncia da transmisso de L. (V.) braziliensis quase absoluta, h um tipo de padro de reao tissular bem caracterstico. Na regio Amaznica, h transmisso de L. (V.) guyanensis com resposta tissular similar observada nas leses causadas pelas L. (V.) braziliensis e de L. (L.) amazonensis, que apresentam, como aspecto histopatolgico mais caracterstico, abundncias de formas amastigotas identificadas nas leses.52

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Nas regies com predomnio da transmisso de L. (V.) braziliensis, e tambm nas reas onde h L. (V.) guyanensis, o tipo de resposta tissular constitudo por uma srie de reaes que constituem eventos sucessivos frente presena do parasito nos tecidos. Magalhes (1997), estudando 632 casos de LTA, observou seis tipos de reao tissular nas leses da forma cutnea, identificados a seguir. 2.3.1 Reao exsudativa celular (REC) reao inespecfica, tendo ocorrido em 34,2% dos casos (216/632) e constituda por um difuso infiltrado celular histiolinfoplasmocitrio, com propores de clulas que tendiam para sua equivalncia (figura 65).

Figura 65. REC, caracterizada por infiltrado celular drmico (aumentada 400 vezes).

2.3.2 Reao exsudativa e necrtica (REN) ocorreu em 8,1% dos casos (52/632), caracterizando-se, principalmente, pela presena de reas de necrose no seio do infiltrado celular inespecfico (figura 66).

Figura 66. REN, caracterizada por extensa rea de necrose no seio do infiltrado celular inflamatrio (aumentada 400 vezes).

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2.3.3 Reao exsudativa e necrtico-granulomatosa (RENG) ocorreu em 34,9% dos casos (220/632), constituindo-se por reao granulomatosa associada s reas de necrose (figura 67).

Figura 67. RENG, caracterizada por necrose tissular e reao granulomatosa (aumentada 250 vezes).

2.3.4 Reao exsudativa e granulomatosa (REG) ocorreu em 18,2% dos casos (115/632), caracterizando-se por reao granulomatosa, do tipo desorganizada, na ausncia de necrose tissular (figura 68).

Figura 68. REG, caracterizada pela presena nos tecidos de reao granulomatosa do tipo desorganizada, sem necrose (aumentada 400 vezes).

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2.3.5 Reao exsudativa e sarcoidiforme (RES) ocorreu em 3,7% dos casos (24/632), caracterizando-se pela presena de granulomas organizados semelhantes aos observados na sarcoidose (figura 69).

Figura 69. RES, caracterizada pela presena de granulomas organizados, constitudos exclusivamente por clulas epiteliides (aumentada 400 vezes).

2.3.6 Reao exsudativa e tuberculide (RET) ocorreu em 0,9% dos casos (6/632), verificando-se granulomas organizados semelhantes aos encontrados na tuberculose (figura 70).

Figura 70. RET, caracterizada pela presena de granuloma organizado constitudo por clulas epiteliides, clulas gigantes tipo Langhans e coroa linfocitria externa (aumentada 250 vezes).

Nos pacientes com evoluo mais longa, pode se fazer necessria a realizao de outros exames, tais como micolgico direto (para afastar micoses), cultura em meio NNN, sorologia e, eventualmente, inoculao em hamster. Nesses casos, o paciente dever ser encaminhado ao centro de referncia mais prximo.

2.4 TratamentoAs formas cutneas da LTA apresentam resposta teraputica aos antimoniais pentavalentes. No caso da LCD, a resposta teraputica insatisfatria, podendo haver regresso temporria, com recidivas constantes. A dose preconizada para a forma cutnea de 10 a 20mg/Sb+5 /kg/dia, durante 20 dias, recomendando-se 15 mg/Sb+5 /kg/

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dia. Vale destacar que os captulos 3 e 4 apresentam, respectivamente, os esquemas padronizados para LCD e LM. Aps o trmino da primeira srie de tratamento (20 dias), o paciente que apresentar melhora clnica dever realizar seguimento mensal, de acordo com as recomendaes constantes no Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana, do Ministrio da Sade (figuras 71 e 72). Em geral, o percentual de refratariedade ao antimonial pentavalente descrito no Brasil de 3% a 5%. A resposta teraputica da LTA aos antimoniais pentavalentes pode variar conforme a regio do Pas, a espcie e a cepa de Leishmania responsvel pelo quadro, a localizao da leso, a dose e o tempo de durao do tratamento utilizado.

Figura 71. LTA. Cicatriz tpica, com pele fina e apergaminhada, localizada em face psterolateral do antebrao.

Figura 72. LTA. Cicatriz em indivduo afrodescendente, com aspecto hipercrmico, mantendo as demais caractersticas.

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3Forma Cutnea Difusa

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3.1 Aspectos epidemiolgicosA leishmaniose cutnea difusa (LCD) considerada uma forma rara de apresentao clnica da LTA, com cerca de 350 casos descritos na literatura mundial. Existem relatos de seu encontro no continente Africano e nas Amricas, destacando-se o primeiro com maior nmero de casos (figura 73). No Brasil, o agente etiolgico responsvel pela LCD a L. (L.) amazonensis.

DISTRIBUIO DA LEISHMANIOSE CUTNEA DIFUSA NOS CONTINENTES

Pases com casos Continente Africano Continente Americano Subgnero Leishmania L. Amazonensis L. Mexicana L. Pifani L. Tropica L. Aethiopica

Figura 73. Distribuio da LCD nos continentes.

A descrio do primeiro caso da doena ocorreu no Brasil, em 1945, o qual j chamava a ateno para o polimorfismo lesional e pelo comprometimento de extensa rea de superfcie cutnea, com predomnio de leses no-ulceradas (SILVA, 1945) (figura 74).

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Figura 74. Primeiro caso descrito de LCD.

Atualmente, h cerca de 40 casos de LCD em nosso Pas, dos quais a Bahia, o Par e o Maranho so responsveis por aproximadamente 80% dos casos. As reas onde a L. (L.) amazonensis foi identificada como agente etiolgico da LT so consideradas reas de risco para o aparecimento de casos da LCD (figura 75).

DISTRIBUIO DA LEISHMANIOSE CUTNEA DIFUSA NO BRASIL

Estados com casos

Figura 75. Distribuio da LCD no Brasil.

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3.2 Aspectos clnicos e diagnstico diferencialClinicamente, a LCD caracteriza-se por apresentar evoluo crnica progressiva, geralmente acometendo as pessoas na primeira infncia, com resposta teraputica inicial satisfatria, recidivas freqentes e carter refratrio a diversos esquemas teraputicos propostos (figuras 76 e 77).

Figura 76. LCD. Paciente com 4 anos de idade e 3 anos de evoluo da doena. Apresenta leso em placa exulcerada gigante no membro inferior esquerdo, bem como placas infiltradas na face e nos membros superiores.

Figura 77. LCD. O mesmo paciente da figura 76, agora com 17 anos de idade e 16 anos de evoluo da doena. Apresenta placas infiltradas na face e leses ppulo-nodulares recobertas por crostas na base do nariz.

Os pacientes apresentam um polimorfismo lesional caracterstico, ocorrendo associao de leses ppulo-nodulares, tuberosas, tumorais, vegetantes, verrucosas, formando placas (figuras 78 a 89).

Figura 78. LCD. Leses ppulo-nduloverrucides com descamao e algumas crostas.61

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Figura 79. LCD. Leses ppulo-nduloverrucides com crostas e exulceraes localizadas na face dorsal das mos. Observa-se deformidade do 5. quirodctilo esquerdo.

Figura 80. LCD. Leses ppulo-ndulotumorais formando placas infiltradas na regio dorsal das mos. Leses exulceradas sobre a leso ppulo-ndulo-tumoral.

Figura 81. LCD. Leses vegetantes, com superfcie verrucosa, com descamao e recobertas por crostas na base da pirmide nasal.

Figura 82. LCD. Leses ppulo-nodulares formando placa, com depresso central localizada no brao direito. Observe a pele apergaminhada entre os ndulos.62

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Figura 83. LCD. Extensas placas infiltradas, com presena de exulcerao e crostas, localizadas na face posterior da perna direita.

Figura 84. LCD. Placas infiltradas, com reas de hipercromia, localizadas na face posterior das coxas e pernas.

Figura 85. LCD. Placa infiltrada com hipercromia na pirmide nasal e na face posterior do antebrao direito.

Figura 86. LCD. Placa cicatricial com discromia e aspecto apergaminhado de pele. Apesar de no ocorrer cura clnica, em algumas leses, pode-se observar reas de cicatrizao aps a realizao de esquemas teraputicos especficos.63

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Figura 87. LCD. Tubrculos e ndulos exulcerados recobertos por crostas. Presena de infeco bacteriana associada. Observa-se reabsoro ssea em pododctilos.

Figura 88. LCD. Leso vegetante recoberta por crosta na pirmide nasal e na face. Lbios infiltrados.

Figura 89. LCD. Leses infiltradas recobertas por crostas, com presena de edema gigante em falanges. Leses verrucosas exulceradas, recobertas por crostas nos membros inferiores e pododctilos. Pela imagem radiolgica, havia tambm destruio dos espaos interfalangeanos nos quirodctilos.64

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Os pacientes apresentam predomnio do perfil Th2 de resposta imune, com conseqente dficit da ao macrofgica, cujas clulas apresentam-se repletas de parasitos, ausncia de formao de granuloma e de necrose tissular, elementos estes caractersticos das outras formas clnicas de LT. Por essas razes, o paciente com LCD no apresenta leses ulcerosas, sendo que estas, quando ocorrem, resultam de microlaceraes na pele infiltrada, evoluindo com infeco bacteriana e exulceraes de extenses variveis (figuras 90 a 92).

Figura 90. LCD. Leses exulceradas recobertas por crostas.

Figura 91. LCD. Leses exulceradas.

Figura 92. LCD. Leses exulceradas.

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DISTRIBUIO DA FREQNCIA NA LOCALIZAO DAS LESES DE LCD EM 31 PACIENTES NO BRASILNariz 50% Lbio 29% Outros locais da face 58% Pav . Auricular

Segmento 1

Segmento 2

MMSS 61,3% Trax 22,6% Abdome 6,5% R. Lombo-Sacra 6,5%

Segmento 3

R. Gltea 3,2% Bolsa escrotal 3,2% Pnis 3,2% MMII 67,7%

Figura 93. LCD. Distribuio da freqncia da localizao das leses de LCD em 31 pacientes descritos no Brasil.

Ocorre acometimento de grandes reas corpreas, envolvendo a face (regies maxilares, pirmide nasal e lbios), orelhas, tronco e membros (figura 93), de forma semelhante hansenase virchowiana, o que dificulta sobremaneira o diagnstico diferencial, essencialmente clnico, entre as duas condies (figuras 94 a 97).

Figura 94. LCD. Leses ndulo-tumorais na orelha e na face. Leso vegetante recoberta por crostas na pirmide nasal e nos lbios, assemelhando-se hansenase virchowiana.66

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Figura 95. LCD. Placas infiltradas recobertas por descamao e crostas, localizadas em regies malares, pirmide nasal e lbios.

Figura 96. LCD. Leses ppulo-nodulares infiltrativas, localizadas na orelha, com cicatriz hipercrmica no lobo.

Figura 97. Hansenase virchowiana. Leses ppulo-tbero-nodulares infiltrativas em toda a face e orelhas, associadas madarose.67

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A ausncia de madarose e de alterao de sensibilidade ttil, trmica ou dolorosa, refora a hiptese clnica de LCD. Contudo, faz-se fundamental a correta investigao laboratorial para realizao do diagnstico definitivo e a introduo de teraputica adequada. Classicamente, no h acometimento do couro cabeludo, das regies axilares, palmares, plantares e mucosas. Entretanto, nestas duas ltimas, foi observado acometimento por contigidade (figura 98).

Figura 98. LCD. Leses vegetantes, verrucosas, exulceradas, recobertas por exsudatos e crostas, localizadas na extremidade distal do membro inferior da perna, incluindo a regio plantar.

Pode ocorrer comprometimento sseo, com reabsoro de tecido sseo e deformidade de extremidades, havendo controvrsias quanto etiopatogenia dessas leses (figuras 99 e 100).

Figura 99. LCD. Leses infiltradas com edema gigante de falange, exulcerao recoberta por crostas. Observa-se reabsoro de falanges distais com deformao de extremidades.

Figura 100. LCD. A mesma paciente da figura 99, aps tratamento especfico (Sb+5 + sulfato de paramomicina), tendo como resposta temporria a presena de cicatrizes atrficas com hipocromia e fibrose. Observa-se tambm reabsoro de falanges e deformao de extremidades.68

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3.3 Diagnstico laboratorialA LCD caracteriza-se por uma deficincia especfica da resposta imune celular, o que favorece a multiplicao e a persistncia do parasito no organismo infectado, justificando a riqueza parasitria observada nas leses de LT. A IRM costuma ser negativa nas diversas fases evolutivas da doena, e a pesquisa do parasito, em esfregao de leso cutnea, apresenta formas amastigotas em abundncia (figuras 101 e 102).

Figura 101. LCD. Presena de formas amastigotas de Leishmania em esfregao de leso cutnea, colorao pelo Giemsa (aumentada 1.000 vezes).

Figura 102. LCD. Formas amastigotas observadas em esfregaos de leso cutnea, colorao pelo Giemsa (aumentada 1.000 vezes).

Sempre que houver suspeita da ocorrncia dessa forma de LT, faz-se necessrio realizar exame antomo-patolgico para caracterizao do padro histopatolgico e cultura em meios especficos para o isolamento e caracterizao da espcie envolvida. Dessa forma, os pacientes devem ser sempre encaminhados a um servio de referncia, para realizao de investigao diagnstica e caracterizao clnico-imunolgica da LCD.

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