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Revista de Políticas Públicas ISSN: 0104-8740 [email protected] Universidade Federal do Maranhão Brasil Costa Lima, Cristiana ÉTICA E PROJETO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA NO BRASIL: uma construção histórica Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 307-313 Universidade Federal do Maranhão São Luís, Maranhão, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651032 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Políticas Públicas

ISSN: 0104-8740

[email protected]

Universidade Federal do Maranhão

Brasil

Costa Lima, Cristiana

ÉTICA E PROJETO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA

NO BRASIL: uma construção histórica

Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 307-313

Universidade Federal do Maranhão

São Luís, Maranhão, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651032

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ÉTICA E PROJETO PROFISSIONAL DO SERViÇO SOCIAL NA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIANO BRASIL: uma construção histórica

Cristiana Costa LimaUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)

ÉTICA E PROJETO PROFISSIONAL DO SERViÇO SOCIAL NA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA NOBRASIL: uma construção históricaResumo: O texto discute os fundamentos éticos e políticos que dão sustentação ao Serviço Social ao longo doseu processo histórico, com destaque para os fundamentos neotomistas implementados pelos primeiros códigosde ética do Serviço Social. Analisa, ainda, o avanço teórico, metodológico e político que levou à construção deum projeto profissional emancipador para a categoria, inclusive em seus aspectos legais, com a aprovação donovo Código de Ética da Profissão e da Lei de Regulamentação da Profissão.Palavras Chave: Ética, Serviço Social, projeto emancipatório.

ETHICS ANO SOCIAL WORK PROFESSIONAL PROJECT lN THE PERSPECTIVE OF EMANCIPATION lNBRAZIL.Abstract: It discusses the ethical and politicai foundation that support the Social Work along the its historicalprocess, highlighting the neo-Thomist foundations implemented by the first ethics codes of Social Work. It alsoexamines the progress of the theoretical, methodological and politicai progress that led to the construction of anemancipating project for the professional class, including its legal aspects, with the approval of the new EthicsCode for the profession and the Law that rules iI.Key words: Ethics, Social Work, emancipator projecl.

Recebido em: 21.11.2010. Aprovado em: 16.06.2011.

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Cristiana Costa Lima

1 INTRODUÇÃO

As reflexões apresentadas neste texto foramexpostas na mesa temática coordenada "Ética edesenvolvimento no contexto da crise do capital:implicações para o trabalho do assistente socialno Brasil e na Colômbia", realizada durante a VJornada Internacional de Políticas Públicas. Taldiscussão está articulada em torno do convêniopara estudo e pesquisa da temática "Os dilemasético-políticos dos assistentes sociais na práticaprofissional cotidiana", firmado entre oDepartamento de Serviço Social da UniversidadeFederal do Maranhão (Brasil), através do Grupode Estudo e Debate em Serviço Social eMovimento Social (GSERMS), e a UniversidadCo/egio Mayor de Cundinamarca, de Bogotá(Colômbia). Nesse contexto, buscamos debatero trabalho do assistente social no Brasil e naColômbia, a partir dos dilemas éticos enfrentadosno exercício profissional do Serviço Social frenteà crise atual do capital nesses países.

Para tanto, objetiva-se, aqui, resgatar ohistórico do processo de construção do projetoemancipatório do Serviço Social no Brasil apósos anos 1970. Inicia-se com a discussão dosprincípios ético-políticos da profissão no períodode sua institucionalização, recupera-se omovimento que ficou conhecido como a 'Viradado Serviço Social", em 1979, e apresenta osdesafios desse projeto nos dias atuais. Taiselementos para debate tomam como referênciaos códigos de ética de 1948, 1965, 1975, 1986 e1993 - código em vigor.

Ao final, frente às transformações contempo­râneas do capital, problematizamos acerca dosdesafios postos ao Serviço Social para a conso­lidação desse projeto ético-pol ítico emancipador.Transformações que aprofundam as desigualda­des sociais, geram desemprego, destroem direi­tos, aprofundam o individualismo e criam novasformas de comportamento e sociabilidade quecolocam em xeque o projeto emancipatório doServiço Social na atualidade.

2 ÉTICA E SERViÇO SOCIAL NO BRASIL

Para relacionar Ética e Serviço Social, énecessário pensarmos as mediações ético­morais do processo de reprodução do ServiçoSocial em cada período do seu desenvolvimentohistórico na sociedade. Assim, destaca-se otratamento moral dado à questão social ao longodo processo de surgimento e institucionalizaçãodo Serviço Social no Brasil, tendo em vista os

interesses de legitimação do Estado burguês ea presença de projetos sociais conservadores,dentre eles, o da Igreja Católica.

É preciso também situar o surgimento doServiço Social no marco do capitalismomonopolista. Essa fase do capitalismo é marcadapela agudização das contradições da ordemburguesa a partir da acentuação da alienação,da exploração dos trabalhadores, do aumentodos lucros capitalistas e do exército industrial dereserva. O capitalismo monopolista leva ao ápicea contradição fundamental do sistema, qual seja:o caráter social da produção e o caráter privadoda apropriação. Como destaca José Paulo Neto(1992), o capitalismo monopolista alterasignificativamente a dinâmica da sociedadeburguesa.

O Serviço Social tem sua origem sob o âmbitoda estratégia de controle social do capital, sendocriado como um instrumento para oenfrentamento da questão social, com amediação do Estado e da Igreja para atenuar oconflito capital e trabalho. Controle social aquientendido a partir da concepção de Mészáros(1993, p. 32), segundo a qual controle social éuma necessidade e um fato em qualquerformade organização social e de produção, onde:

No decurso do desenvolvimento humano,a função do controle social foi alienadado corpo social e transferida para ocapital, que adquiriu assim o poder deaglutinar os indivíduos num padrãohierárquico estrutural e funcional,segundo o critério de maior ou menorparticipação no controle da produção eda distribuição.

Com a implantação da expenencia dosocialismo, em 1917, a Igreja foi obrigada amudar a sua forma de relação com as massas.À medida que o confronto capital x trabalho vaise acirrando, a Igreja elaborou estratégias maisofensivas diante da possibilidade concreta daconstrução de uma alternativa socialista.

A criação da Ação Católica assinalou o iníciode uma época nova na história da Igreja Católicamundial. A Igreja estava na defensiva, perdeu aautonomia de iniciativas, não era mais uma forçaideológica mundial, mas apenas uma forçasubalterna. (GRAMSCI apud LOPES, 2001).Assim, a Igreja se desdobrou no trabalho derecristianização da sociedade onde contou coma Ação Católica, um movimento leigo que setornou o responsável por esse processo.

A fundação das primeiras escolas de Serviço

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Social na América Latina, conforme Castro(1984), insere-se no contexto dos interesses daIgreja Católica para recuperar o seu papel decondutora moral da sociedade. Ainda segundoo mesmo autor, ao analisar a criação da EscolaElvira Malte de Cruchaga, no Chile, em 1929, aIgreja renovava seus intelectuais e os dotavade instrumentos de intervenção. A Igreja via-seobrigada a situar-se no interior da questão socialemergente com a modernização conservadora.Estava dado aqui o novo caráter da assistênciasocial. Tratava-se não mais de atender àsvítimas das pestes, mas voltar-se para aquelesque sofriam as consequências de um sistemaque coisifica a força de trabalho, redefine afamília, o espaço urbano, incorpora mulher ecriança a longas jornadas de trabalho, geranovas doenças.

Estava colocado o objetivo principal da Escolade Serviço Social: exercer o papel de promotorainternacional do Serviço Social católico. Nessecontexto, as encíclicas papais Rerum Novarum,Quadregéssimo Anno e Materet Magistra tiveramum papel central, pois nelas estavam traçadasas diretrizes e orientações sobre a questão social.Foram elas que influenciaram prática eteoricamente a formação profissional doassistente social em toda a América Latina,naquilo que Castro (1984) designou de estratégiade continentalização da Igreja Católica na criaçãodas escolas de Serviço Social.

Nesse contexto, a questão social é naturalizadae encarada como problema de ordem moral,resultante de desvios de conduta, produto daignorância individual e do afastamento do homemde Deus. Os problemas sociais são fruto dosdesajustes morais.

No Brasil, ao longo dos anos 1920, a Igrejarevigorou sua ação para responder aos efeitos deuma crescente perda de hegemonia na sociedadecivil e perante o Estado, promovendo um vastomovimento de cariz espiritual que procura lançarprofundas raízes na política e na economia.lamamoto e Carvalho (1982) destacam o papeldo Centro de Estudos e Ação Social (CEAS),criado em 1932, em São Paulo, que, assim comoa Ação Católica, também tinha como objetivodivulgara doutrina da Igreja e intensificaro trabalhodos leigos em conformidade com os postuladoscolocados nos documentos papais. Essa entidadefoi responsável pela criação da primeira escolade Serviço Social no país, em São Paulo, em 1936,e se destinava a formar um quadro de pessoalespecializado no trato da questão social de acordocom os princípios da doutrina e da moral católica.

A formação dos profissionais de Serviço Socialaté metade da década de 1940 é fortementemarcada pela influência conservadora dasescolas europeias, qual seja: uma formaçãomoral baseada nos princípios da doutrina tomistae neotomista, de cunho humanista-cristão. Comogrande organizador da doutrina cristã, São Tomásde Aquino colocou a caridade como pilar de fé eimperativo da justiça social. Seu pensamentobusca uma explicação à luz da moral católica parao enfrentamento dos problemas sociais,individualizando e culpabilizando os sujeitos porsua situação de carência. A questão social édesistoricizada e desfigurada de seuscomponentes económicos e políticos.

O tratamento moral que é dado à questão socialtem um significado particular, se pensarmos no queele expressa em termos de luta de classes. Nessecontexto, conforme destaca Barroco (2008a), oprojeto "ético-político" desse período pauta-se nagarantia da reprodução de um sistema moral queassegure a "ordem", ou seja, que identifique as lutaspolíticas como indícios de uma desordem que deveser combatida.

Sob tais condições, institui-se um dado ethosprofissional que se desdobra nas váriasdimensões que compõe a ética profissional doServiço Social. A ação profissional tem comoobjetivo eliminar os desajustes sociais atravésde uma ação moralizadora e psicologizante; os"problemas sociais" são concebidos como umconjunto de disfunções.

Diante disso, os pressupostos neotomistas epositivistas fundamentam os códigos de éticabrasileiros de 1948 a 1975. Com base nessespressupostos, a ética profissional é concebidacomo a ciência dos princípios e das normas quese devem seguir para fazer o bem e evitar o mal.Atua de forma prescritiva, baseada na dicotomiaentre o bem e o mal, traduzindo os dogmascristãos e a moral conservadora.

O primeiro código de ética brasileiro data de1948 e foi criado pela Associação Brasileira deAssistentes Sociais (ABAS). A profissão foiregulamentada em 1962, momento de criaçãodo Conselho Federal de Assistência Social(CFAS). Com a reformulação em 1965, e suaaprovação pelo CFAS, o código de ética passoua ter caráter legal. Ele sofreu alterações em 1975,permanecendo, no entanto, com a mesmaorientação filosófica e metodológica. Somente em1986 rompeu-se com a visão tradicional,adotando-se um referencial de bases marxistas.(BARROCO, 2008a).

Já a partir da década de 1960, o Serviço Social

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na América Latina inicia o questionamento desuas bases de legitimação. Começa então a sergestado o Movimento de Reconceituação doServiço Social. Ele organiza a crítica e a ação desetores expressivos dos profissionais que,inspirados nos movimentos progressistas erevolucionários das décadas de 1950 e 1960,propõem o avanço na construção de um projetoprofissional alternativo de Serviço Social.(LOPES, 2001).

A vitória da Revolução Cubana, em 1959,exerce profunda influência nos movimentos e naslutas sociais no continente. Ao mesmo tempo,através da Igreja Católica, forma-se no períodoo movimento por uma Teologia da Libertação,cujos objetivos e fundamentos voltam-se nosentido de construção de uma Igreja popular (à)a serviço dos pobres, estabelecendo uma relaçãoentre cristianismo e marxismo. Movimento esseque exerceu também grande influência nosmovimentos de esquerda em toda a AméricaLatina.

Ainda nesse período houve um avançoconsiderável nas ciências de modo geral e,particularmente, nas Ciências Humanas eSociais. Há uma aproximação do Serviço Socialcom o marxismo.

Conforme destaca Lopes (2001), no começoda década de 1960, em todo o continente latino­americano, já tinha iniciado uma discussãoacerca do Serviço Social tradicional em váriospaíses da região. Essa problematização estavainserida num movimento mais amplo de críticaaos postulados das ciências sociais e seu apoioàs lutas sociais.

A década de 1960 foi também um momentode explicitação de conflitos éticos, que ocorremem situações de questionamento de valoresmorais, no âmbito da vida cotidiana. Os ecos de1968, na Europa, também se fizeram sentir emtodo o continente, possibilitando a formação deum caldo cultural propício para o Serviço Socialquestionar as práticas conservadoras de atuaçãoprofissional frente à questão social. Ou seja, háaqui um deslocamento do objeto da açãointerventiva do assistente social do âmbito dasdisfunções individuais para as questões de baseestruturais da sociedade, orientado a partir domarxismo. Contudo, no Serviço Social, essequestionamento à moral tradicional não se fazvisível em termos coletivos.

Embora se tenha o questionamento do elhostradicional, isso não se traduz nos códigos deética, que mantêm a perspectiva conservadora.Os códigos de 1965 e 1975 mantêm suafundamentação tomista de perspectiva

humanista cristã, bem como a perspectivaacrítica e despolitizante face às relações sociaisque dão suporte à prática profissional. Suaoposição à liberdade e defesa da ordem moralé reafirmada enfaticamente, tendo em vista seusobjetivos: consolidar um conjunto de atitudes,hábitos e comportamentos propiciadores daformação de elhos social condizente com opapel profissional do assistente social.

O encontro do Serviço Social com a teoriamarxista, acrescido da efervescência das lutassociais desenvolvidas no Brasil e no mundo, vaidar novas direções para o Serviço Social. Há nessesentido uma vinculação da profissão com asclasses subalternas. Essa reorientação culminouno III Encontro Brasileiro de Assistentes Sociais,em 1979, com uma autocrítica da profissão frenteàs demandas sociais e às condições político­institucionais da prática profissional. O chamadoCongresso da Virada foi o marco na perspectivade reconstrução da sociedade na perspectivacrítica. Assinalou também o posicionamento ético­político que passou a se configurar como marcodecisivo no compromisso político da categoria comos setores populares.

A partir do final da década de 1980, o ServiçoSocial chega mais maduro em termos deconstrução de um projeto profissional apontadopara o compromisso com as classes dominadas.Essa maturidade é esboçada através de umarcabouço legal que expressa o crescimento daprofissão; vale destacar: o currículo mínimo de1982 e o Código de Ética de 1986.

Em termos políticos profissionais houvetambém um amadurecimento da profissão quese evidenciou na organização sindical nacionaldos assistentes sociais, a articulação dosestudantes com a criação da Sub-Secretaria dosEstudantes de Serviço Social na União Nacionaldos Estudantes (SESSUNE), hoje ExecutivaNacional dos Estudantes de Serviço Social(ENESSO), ABESS, hojeABEPSS, e o conjuntoCFESS-CRESS.

Conforme destaca Barroco (2008a), o Códigode 1986 significou um avanço, pois rompeu coma perspectiva tradicional do Serviço Social,explicitando seu compromisso com a classetrabalhadora. Contudo, ele ainda apresenta umaconcepção ética mecanicista ao não fazer asdevidas mediações entre a moral e a produçãoeconómica e dos interesses das classes. Aoperder de vista as mediações da ética, ao secomprometer com uma classe e não comvalores, afirma que "a classe é, a priori,detentora dos valores positivos, o que configurauma visão idealista e desvinculada da questão

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da alienação". (BARROCO, 2008a, p. 177).Ainda segundo o Código de 1986, Barroco

(2008a, p. 176-177) afirma:

O Código de 1993 trata ainda da dimensãoprático-operativa, tendo por eixo a defesa e auniversalização dos direitos sociais e demecanismos democráticos de regulação social.

oCódigo expressa uma concepção éticamecanicista; ao derivar, imediatamente,a moral da produção económica e dosinteresses de classe, não apreende asmediações, peculiaridades e dinâmicasda ética. Ao vincular, mecanicamente, ocompromisso profissional com a classetrabalhadora, sem estabelecer amediação dos valores próprios à ética,reproduz uma visão tão abstrata quantoa que pretende negar.

ÉTICA E PROJETO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA PERSPECTIVAEMANCIPATÓRIA NO BRASIL: uma construção histórica

O código traz ainda a competência ético-políticaprofissional; a recusa a toda forma depreconceito; o respeito à diversidade; abordaquestões fundamentais para a superação domoralismo; propugna a defesa do pluralismo.

Tendo por base o que foi exposto, compre­ende-se então que a ação humana é teleológica.O que implica sempre em projeto, entendidocomo uma antecipação ideal da finalidade quese pretende alcançar e, por conseguinte, emescolhas de valores para realizá-lo, conformedestaca Paulo Neto (1999).

Existem, pois, os projetos societários e osprojetos profissionais. Todos eles possuem umadimensão política. Logo, o projeto profissional éum projeto político profissional que, por sua vez,conecta-se a um projeto societário. Eles podemser conservadores ou transformadores.

O projeto ético-político do Serviço Socialbrasileiro hoje está vinculado a um projeto detransformação da sociedade. Essa vinculação sedá pela dimensão política da intervençãoprofissional que, inserida no movimentocontraditório das classes, imprime uma direçãosocial a sua ação que pode favorecer um ou outroprojeto societário.

O projeto de profissão, compreendido comoum processo de ruptura com o conservadorismo,tem passado por inúmeros desafios naatualidade. Como já referido anteriormente, oServiço Social, a partir dos anos 1980, vivenciouum processo de maturidade teórica, política etécnico-operativa que desembocou em umconjunto de leis e regulamentações queapontam para o processo de ruptura com oconservadorismo. No bojo desse conjunto delegislações destacam-se: (a) o já referenciadoCódigo de Ética de 1993; (b)a Lei número 8.662193, que Regulamenta a profissão de ServiçoSocial; (c) as diretrizes curriculares de 1996.

Contudo, é nesse mesmo contexto que ocapital tenta dar respostas a mais uma de suascíclicas crises. Trata-se, pois, de uma crise dopadrão societário instaurado sob o chamadoEstado de Bem-Estar Social, cujas saídasderam-se nos marcos do neoliberalismo. O novopadrão instaurado altera de maneira significativaa configuração do Estado-Nação, os processostrabalhistas, o mercado, o consumo, as relaçõesentre classes, Estado e sociedade.

O novo padrão de acumulação capitalistabaseado no toyotismo-ohismo tem comodiferença central, como destaca Mota (2005),

o Código de 1993 explicita a dimensãoético-política da profissão, ao mesmotempo em que assinala a direção sócio­histórica de construção do ideáriosocialista. Há, portanto, no Código de1993, uma projeção de sociedade,aquela que propicia aos trabalhadoreso pleno desenvolvimento para aintervenção evivência de novos valores,o que, evidentemente, supõe aerradicação de todos os processos deexploração, opressão e alienação.

Com isso, Barroco (2008a) conclui que oavanço em termos políticos não significou umavanço em termo de aprofundamento teórico quecontribuísse para a compreensão de seusfundamentos, mas que tais fragilidades foramsuperadas no Código de 1993, momento em quehouve um avanço teórico em termos designificado da ética. Sua fundamentação éreferenciada na ontologia social marxiana paraa qual os valores são determinações da práticasocial, resultante da atividade criadora tipificadano processo de trabalho.

Ao indicar a centralidade do trabalho na(re)produção da vida social, afirma Barroco(2008b), o código revela a base objetiva deconstituição das ações ético-morais: asociabilidade, a consciência, a liberdade e auniversalidade do humano genérico. A partirdessas capacidades são objetivados valoreséticos fundamentais: liberdade, equidade, justiçasocial, cidadania.

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que o controle não se dá mais na esfera daadministração da resistência dos trabalhadores,mas na arena política através da obtenção doseu consentimento ativo ao processo deflexibilização do movimento do capital. Funda,pois, uma nova cultura baseada na necessidadede justificar as contradições da realidade.

O padrão fordista-keynesiano de produção eregulação económica, política e social vemsendo substituído por formas de flexibilizaçãodo processo de trabal ho, dos produtos, dosmercados, da regulação, configurando umaracionalidade traduzida pela denominadaacumulação flexível, como denomina Harvey(2010).

Nesse contexto, a ideologia neoliberal pós­moderna declara o fracasso dos projetosemancipatórios, da ética pautada em valoresuniversais, e da impossibilidade de construçãodo reino da liberdade. O discurso da pós­modernidade estimula a fragmentação dasrelações sociais que se tornam cada vez maisefêmeras e instáveis; desqualifica a participaçãoe organização política dos trabalhadores; emcontrapartida, há um crescimento de movimentosde direita como os skinheads, movimentos contraos homossexuais, imigrantes, nordestinos,espalhando a violência como elemento presenteno cotidiano da vida contemporânea.

A propriedade privada estabelece um elhosburguês pautado no consumismo, na competição,no individualismo, "incorporado pelos indivíduoscomo sinónimo de felicidade, de liberdade, derealização pessoal". (BARROCO, 2011, p. 209).Esses são, pois, alguns dos elementos queapontamos como característicos do atual projetoconservador.

Essa é uma conjuntura propícia àreatualização de projetos conservadores naprofissão, tendo uma forte incidência sobre ocotidiano do exercício profissional dos assistentessociais nos mais variados espaços do exercícioprofissional.

Assim, o enfrentamento do neocon­servadorismo só será possível, do ponto de vistaprofissional, se formos capazes de manter aorganização política da categoria, fomentando osurgimento de novos quadros; se tivermos umaforte inserção nos movimentos sociais popularese sindicais; se mantivermos a pesquisa como eixocentral, a fim de superar o pragmatismo e oimediatismo, não só para a formação profissionalcomo também para o exercício da profissão.

Os desafios ético-políticos postos à práticaprofissional e às práticas sociais trazem a

necessidade de serem compreendidos em suaessência para poder dar respostas concretas. Eiso desafio maior ao conjunto dos profissionais.

3 CONCLUSÃO

A partir da década de 1980, o Serviço Socialimprime uma direção social que o vincula aoprojeto de emancipação da classe trabalhadora,com base no materialismo histórico, e quematerializa o projeto ético-pol ítico dessaprofissão pela dimensão organizativa dacategoria, pela sua dimensão jurídico-política,pela produção do conhecimento.

A ruptura com o conservadorismo nãosuprimiu tendências conservadoras ouneoconservadoras, no entanto, o projeto atualvincula-se a um projeto societário que éantagónico ao das classes exploradoras eproprietárias, como destaca Braz (2007).Contudo, ter um projeto profissional hegemóniconão elimina as propostas de outros projetos enão significa dizer que seja o único no campoprofissional.

Nesse sentido, a manutenção de um projetoprofissional de emancipação humana requerluta constante, embasada em princípios ético­políticos pautados nos valores da liberdade ede superação da ordem burguesa.

A incidência dessa conjuntura neoliberalatinge negativamente o projeto ético-político,inclusive nos requisitos teóricos, práticos einstitucionais e até da formação profissional coma proliferação dos cursos privados, cursos àdistância.

Mas a história nos diz que o projeto ético­político do Serviço Social tem futuro, justa­mente porque aponta para a defesa da clas­se trabalhadora e para o combate ético, teóri­co, ideológico, político e prático-social aoneoliberalismo. E por isso mesmo, enquantoperdurar a sociedade capitalista, está posta anecessidade de construção de alternativa desociedade e práticas profissionais comprome­tidas com a emancipação humana.

REFERÊNCIA

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Cristiana Costa LimaAssistente SocialDoutoranda em Políticas Públicas pelo Programa dePós-Graduação em Políticas Públicas daUniversidade Federal do MaranhãoProfessora do Departamento de Serviço Social daUniversidade Federal do MaranhãoE-mail: [email protected]

Universidade Federal do Maranhão - UFMACidade Universitária, Av. dos portugueses, 1966,BacangaCEP: 65085-580

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