estudos no evangelho de joao 7

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Estudos no Evangelho de João (7) “EU LHES TENHO DADO A TUA PALAVRA....(Jo 17.1-26) [14] 5) VERDADADE LIBERTADORA: “A tua palavra é a verdade (a)lh/qeia)(Jo 17.17). Aos judeus orgulhosos de sua suposta liberdade, Jesus Cristo diz: “E conhecereis (ginw/skw) a verdade (a)lh/qeia), e a verdade (a)lh/qeia) vos libertará (e)leuqero/w)(Jo 8.32). Antes de estudarmos o ensinamento bíblico, analisemos algumas questões referentes à liberdade. Comecemos com uma definição operacional. A) Definição de Liberdade: Aurélio define liberdade como a “Faculdade de cada um decidir ou agir segundo a própria determinação”. 1 Colocando em outros termos, podemos dizer que a liberdade é a ausência de constrangimentos em suas decisões e ações. Todavia, a liberdade envolve, como tudo o mais, um aspecto negativo e outro positivo; e é sobre isto que trataremos posteriormente. B) Alguns Tipos de Liberdade: 1) Liberdade Física: É a isenção de constrangimento físico. É o direito de ir e vir ao qual estamos acostumados dentro de uma sociedade democrática. 2) Liberdade Moral e Psicológica: É “a capacidade que o homem possui de fazer ou não determinada coisa, de cumprir ou não determinada ação, quando já subsistem todas as condições requeridas para agir”. 2 Esta liberdade pressupõe as condições que facultam a escolha, bem como a consciência deste fato. Desta forma, esta escolha é livre e voluntária; por isso, o seu exercício implica na 1 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 2 Battista Mondin, O Homem, quem é ele?: elementos de antropologia filosófica, São Paulo: Paulinas, 1980, p. 109. (A definição de Mondin, se refere à liberdade psicológica).

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  • Estudos no Evangelho de Joo (7)

    EU LHES TENHO DADO A TUA PALAVRA.... (Jo 17.1-26) [14]

    5) VERDADADE LIBERTADORA: A tua palavra a verdade (a)lh/qeia) (Jo 17.17). Aos judeus orgulhosos de sua suposta liberdade, Jesus Cristo diz: E conhecereis (ginw/skw) a verdade (a)lh/qeia), e a verdade (a)lh/qeia) vos libertar (e)leuqero/w) (Jo 8.32). Antes de estudarmos o ensinamento bblico, analisemos algumas questes referentes liberdade. Comecemos com uma definio operacional.

    A) Definio de Liberdade:

    Aurlio define liberdade como a Faculdade de cada um decidir ou agir segundo a prpria determinao.1 Colocando em outros termos, podemos dizer que a liberdade a ausncia de constrangimentos em suas decises e aes. Todavia, a liberdade envolve, como tudo o mais, um aspecto negativo e outro positivo; e sobre isto que trataremos posteriormente.

    B) Alguns Tipos de Liberdade:

    1) Liberdade Fsica: a iseno de constrangimento fsico. o direito de ir e vir ao qual estamos acostumados dentro de uma sociedade democrtica.

    2) Liberdade Moral e Psicolgica: a capacidade que o homem possui de fazer ou no determinada coisa, de cumprir ou no determinada ao, quando j subsistem todas as condies requeridas para agir.2 Esta liberdade pressupe as condies que facultam a escolha, bem como a conscincia deste fato. Desta forma, esta escolha livre e voluntria; por isso, o seu exerccio implica na 1Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa, 2 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 2Battista Mondin, O Homem, quem ele?: elementos de antropologia filosfica, So Paulo: Paulinas, 1980, p. 109. (A definio de Mondin, se refere liberdade psicolgica).

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    responsabilidade do homem. O homem possui a capacidade de autodeterminao racional. Em outros termos, "Liberdade moral significa a capacidade de autodeterminao no sentido de que o homem livre para escolher os fins, os alvos e os valores que ele quer buscar, e livre para aceitar ou rejeitar as exigncias do dever".3

    3) Liberdade Poltica e Social: a ausncia de coero proveniente do grupo social, especialmente do poder pblico. Neste caso, o indivduo considerado livre quando pode, sem constrangimento algum, cumprir responsavelmente a lei. A liberdade o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidado pudesse fazer tudo o que elas probem, no teria mais liberdade, porque os outros tambm teriam tal poder.4 Sem pretendermos nos alongar neste ponto, podemos, contudo, observar que a liberdade poltica deve ser vista como um resultado natural da nossa liberdade moral e psicolgica; seria intil pretender criar uma sociedade livre, constituda de autmatos. No h liberdade poltica que no esteja indissoluvelmente ligada liberdade interior pessoal dos indivduos que constituem a nao, no h liberdade de uma nao de conformistas, no h nao livre formada de robs, diz Rollo May.5 De forma semelhante havia escrito anteriormente Erich Fromm (1900-1980): A liberdade poltica numa sociedade alienada, que contribui para a desumanizao do homem, transforma-se em no-liberdade.6

    4) Liberdade no Sentido Metafsico: Consiste no reconhecimento de que os atos futuros dos homens so indeterminados e, portanto, em princpio, so imprevisveis ao homem; nada que humano pode ser exaustivamente calculado. O homem no vive em um mundo biologicamente fechado, como os animais irracionais que se limitam ao seu corpo; a metafsica do homem a metafsica da sua prpria transcendncia corprea. A liberdade no sentido metafsico indica que o comportamento humano ultrapassa o esquema estmulo-reao (S-R); isto porque, o homem no simplesmente reage; ele responde e, a resposta pode consistir num silncio, indicando o seu grito

    3E.C. Gardner, F Bblica e tica Social, So Paulo: ASTE., 1965, p. 20. 4Montesquieu, Do Esprito das Leis, So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. 21), 1973, XI.3. p. 156. 5Rollo May, Liberdade e Destino, Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1987, p. 11. 6Erich Fromm, A Revoluo da Esperana, So Paulo: Crculo do Livro, (s.d.), p. 105.

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    eloqente de liberdade. O reagir um ato que se localiza na esfera do biolgico. O responder, contudo, pertence esfera da liberdade.7 A liberdade do homem se manifesta no fato dele poder fazer uma pausa entre o estmulo e a resposta, optando por responder conforme melhor lhe parecer.

    5) Liberdade no Sentido Teolgico: Consiste na compreenso de que o homem no-regenerado possui habilidade para realizar atos que sejam bons aos olhos de Deus e responder afirmativamente ao convite do Evangelho. Todos outros tipos de liberdade analisados fazem parte da natureza essencial do homem; este ltimo, entretanto, o homem perdeu desde a Queda e, s o readquire em Cristo Jesus.8 Desta forma, todas as escolhas livres do homem natural esto na realidade a servio do pecado9 (Rm 6.17-22), conforme escreveu Seaton: Somos como Lzaro em seu tmulo, mos e ps amarrados; fomos tomados pela corrupo. Assim como no havia qualquer lampejo de vida no corpo morto de Lzaro, assim tambm no h centelha interna receptiva em nossos coraes.10

    C) Jesus Cristo, a Palavra Encarnada e o Seu poder libertador: A Palavra de Deus tem tambm um poder libertador. O problema desta declarao o seu pressuposto extremamente desagradvel ao ser humano: a sua condio de escravido, distante de Deus e de Sua Palavra. E justamente isto que Jesus Cristo est nos dizendo. Outra dificuldade na aceitao desta afirmao, porque gostamos de afirmar a nossa liberdade e, de fato, alm de gostar, nos sentimos livres. Jones capta bem a trgica questo: "O homem do mundo se jacta da sua liberdade e fala sobre 'livre pensamento'. A suprema realizao do diabo consiste em persuadir o homem de que, justamente naquilo em que ele est mais estonteado e escravizado, mais livre".11 De fato, a iluso

    7Rubem Alves, DA Esperana, Campinas, SP.: Papirus, 1987, p. 45. 8Vd. Confisso de Westminster, IX.3-4; VI.2,4 e 5; A Segunda Confisso Helvtica, IX; Os Cnones de Dort, III e IV. 9Vd. J.I. Packer, Liberdade: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionrio da Bblia, Vol. II, p. 930. 10W.J. Seaton, Os Cinco Pontos do Calvinismo, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, (s.d.), p. 8. 11D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristo, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1991, p. 76. Todo aquele que no cristo e que vive falando sobre o seu livre-arbtrio o maior de todos os patetas. to escravo de satans que nem sequer o percebe; to cego que no pode nem sequer comear a pensar nisso. uma dominao que nos mantm em suas garras, e, naturalmente, todos ns temos conhecimento disso por experincia. A maior tirania que temos que enfrentar nesta vida a perspectiva mundana. Ela se insinua em nosso pensamento em toda parte, e ns a recebemos imediatamente aps nascermos

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    que o pecado provoca nos faz pensar que somos livres e felizes e, que as consequncias mais imediatamente percebidas de nossos pecados so preos baixos dentro do custo-benefcio de nossa satisfao. Ledo engano: a satisfao provisria do pecado alm de circunstancial, nunca plena; apenas uma mscara, um simulacro da verdadeira alegria e satisfao proporcionadas por Deus por intermdio da obedincia Sua Palavra. A mentira para ser eficaz tem que se parecer com a verdade, da qual ela quer assumir o lugar, passando-se por ela. Da mesma forma o pecado, tenta se mascarar com boas intenes ou nos dizer que o que fazemos que a liberdade total. Talvez o trao mais caracterstico do pecado seja o auto-engano, uma relutncia para reconhecer a tragdia de nossa situao.12 A liberdade concedida por Cristo recebida pelo conhecimento dEle como nosso Senhor e Salvador (Jo 8.32/Jo 14.6). O conhecimento de Cristo j uma revelao da graa de Deus: Sem a obra do Pai e do Esprito, ns jamais O receberamos como nosso Salvador (Mt 11.27; 16.16,17; 1Co 12.3). Na declarao de Cristo: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ningum vem ao Pai seno por mim (Jo 14.6), temos Nele a verdade epistemolgica (Caminho); verdade ontolgica ou metafsica (Verdade) e a verdade existencial (Vida). Em Cristo temos o modelo de interpretao e conhecimento da verdade; a verdade absoluta personificada e a verdade que serve de padro absoluto e final para a nossa existncia. O apelo ltimo da f crist a auto-revelao de Deus em Jesus Cristo; o nosso apelo no razo ou experincia, mas, ao Deus encarnado; nEle encontramos a Verdade e o sentido de todas as coisas.13 Assim, podemos falar de dois aspectos bsicos da liberdade concedida por Jesus Cristo, a Verdade Encarnada:

    1) Liberdade do: a) Pecado: A Escritura nos fala que todos pecaram (Rm 3.23); o pecado fez-nos seus escravos, mantendo-nos sobre o seu domnio (Rm 6.14);14 nos

    [D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: Vol. 2), p. 28]. 12Alister E. McGrath, Paixo pela Verdade: a coerncia intelectual do Evangelicalismo, So Paulo: Shedd Publicaes, 2007, p. 38. 13 Veja-se: Alister E. McGrath, Paixo pela Verdade: a coerncia intelectual do Evangelicalismo, p. 24. 14Kurieu/w, dominar como senhor.

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    fazendo cativos, como um prisioneiro de guerra (Lc 4.18; Jo 8.34; Rm 6.2015), habitando em ns (Rm 7.17,20).16

    Enfatizando este domnio do pecado sobre ns antes do novo nascimento,

    escreve: .... Sou carnal, vendido escravido do pecado (Rm 7.14). A expresso vendido escravido, uma traduo interpretativa de pipra/skw u(po\ (piprsk hyp), que significa ser vendido, estando por isso, sob o domnio do seu senhor.17 Portanto, o homem entregue a si mesmo no mais livre do que um animal sob o jugo do seu senhor, o qual pode prend-lo, vend-lo ou mat-lo. Em outro lugar, Paulo fala da priso do homem natural: Mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente me faz prisioneiro18 da lei do pecado que est nos meus membros (Rm 7.23)(Compare com: Lc 4.18). Porm Deus nos libertou definitivamente do poder do pecado (Mt 1.21; Jo 8.32-34; Rm 6.6,17,18, 20; 8.2; 2Pe 2.19; Ap 1.5); do domnio moral e espiritual deste mundo (Gl 1.4/Jo 17.14). Agora quem habita em ns o Esprito do Pai e do Filho (Rm 8.9,11; 1Co 3.16).19 Paulo, tendo experimentado esta libertao, escreve aos colossenses: Ele nos libertou do imprio das trevas e nos transportou para o reino do Filho Seu amor (Cl 1.13). De fato, o Evangelho uma mensagem de libertao de um estado de total domnio, de escravido do pecado. Joo referindo-se a Cristo, diz: Aquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados (Ap 1.5). b) Morte Espiritual e Eterna: Deus nos deu vida (Ef 2.1,5), restaurando-nos comunho com Ele, livrando-nos da Sua ira. A ira de Deus uma manifestao da Sua justia.20 Deus nos salvou da condenao eterna (morte eterna), que se tornar plenamente evidente quando Cristo retornar em Glria para julgar a todos os homens (Mt 16.27; At 10.42; 17.31; Rm 14.10; 1Co 4.5; 1Ts 1.10). c) Poder de Satans: Deus libertou-nos definitivamente do poder de Satans, o deus do secularismo. Cristo o derrotou e, agora, ele no mais tem domnio sobre ns; por isso afirmamos que os fiis nunca, jamais, podero ser vencidos por ele [Satans].21 (Cl 1.13/2.15; Hb 2.14,15; 1Jo 3.7-8).

    15....Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado escravo do pecado (Jo 8.34). Porque, quando reis escravos do pecado, estveis isentos em relao justia (Rm 6.20). 16Neste caso, quem faz isto j no sou eu, mas o pecado que habita em mim. (...) Mas, se eu fao o que no quero, j no sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim (Rm 7.17,20). 17 digno de nota que a palavra pipra/skw somente aqui mencionada no sentido espiritual. Nas outras oito vezes em que ela ocorre no Novo Testamento (Mt 13.46; 18.25; 26.9; Mc 14.5; Jo 12.5; At 2.45; 4.34; 5.4), tem sempre o sentido de venda de algo material. 18 ai)xmalwti/zw, capturado, feito prisioneiro de guerra. 19Oi)ke/w. 20Intimamente relacionada com a santidade de Deus est a sua ira, a qual , de fato, a sua reao santa ao mal (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Florida: Editora Vida, 1991, p. 93). 21J. Calvino, As Institutas, 1.14.18.

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    d) Mundo: O qual Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados para nos desarraigar22 deste mundo perverso (aivw/noj ponhrou/) (Gl 1.4).

    Cristo morreu e ressuscitou para nos libertar definitivamente das garras de um mundo perverso; ou seja, dos valores deste mundo, de uma tica egosta e terrena. Paulo fala de uma era m, perversa. Aos efsios, escreve: Portanto, vede prudentemente como andais, no como nscios, e sim como sbios, remindo o tempo, porque os dias so maus (h`me,rai ponhrai,) (Ef 5.15-16). A palavra mundo (aivw,n) (Gl 1.4) significa as transformaes pelas quais o nosso tempo passa, conduzindo-o degradao constante e inflexvel; revela tambm os valores transitrios da sociedade que se corrompe. Pertencer ao mundo significa ter uma viso da realidade totalmente divorciada de Deus e de Sua Palavra, sendo, portanto, governado pela perspectiva e valores do mundo no qual vivemos.23 No entanto, a libertao levada a efeito por Cristo, no simplesmente futura, antes, tem o seu incio agora, na presente vida. O ato completo de Cristo tem implicaes para sempre: Somos salvos para viver livres dos valores deste mundo at a consumao de nossa total liberdade na eternidade. Jesus Cristo veio para nos libertar definitivamente. Ele mesmo nos diz: Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres (Jo 8.36). O Filho do Homem veio (...) para servir e dar a sua vida em resgate (lu,tron)24 por muitos (Mt 20.28).

    A libertao do mundo, engloba a libertao do domnio da vontade satnica sobre a nossa. Satans tambm tem a sua vontade, o seu propsito para a nossa vida; o homem sem Cristo, faz naturalmente a sua vontade, j que o pecado o tornou eticamente filho do Diabo (Jo 8.44). Calvino (1509-1564) observa que os incrdulos se encontram to intoxicados por Satans, que, em seu estupor, no tm conscincia de sua misria.25 Paulo instruindo sobre a didtica do ministro, alude a este tema: Ora, necessrio que o servo do Senhor no viva a contender, e, sim, deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente; 22 A palavra pressupe que aqueles que so alcanados por seus benefcios esto correndo grande perigo, do qual so incapazes de livrar-se (W. Hendriksen, Glatas, So Paulo: Editora Cultura Crist, 1999, p. 55). 23Ser do mundo pode ser assim resumido vida, imaginada e vivida, separadamente de Deus. Noutras palavras, o que decide definitiva e especificamente se eu e vocs somos do mundo ou no, no tanto o que podemos fazer em particular como a nossa atitude fundamental. uma atitude para com todas as coisas, para com Deus, para com ns mesmos, e para com a vida neste mundo; em ltima anlise, ser do mundo ver todas estas coisas separadamente de Deus [...] Ser do mundo e isso repetido pelos apstolos significa que somos governados pela mente, pela perspectiva e pelos procedimentos deste mundo no qual vivemos [D. Martyn Lloyd-Jones, Seguros mesmo no Mundo, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, Vol. 2), 2005, p. 28-29]. 24Preo pago para libertar um escravo. (* Mt 20.28; Mc 10.45) 25Joo Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.26), p. 247.

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    disciplinando com mansido os que se opem, na expectativa de que Deus lhes conceda no s o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas tambm o retorno sensatez, livrando-se eles dos laos do Diabo, tendo sido feitos cativos26 por ele, para cumprirem a sua vontade (Qe/lhma) (2Tm 2.24-26). e) Da Superstio: Nesta libertao do pecado, a Escritura nos mostra que fomos salvos da superstio: Outrora, porm, no conhecendo a Deus, serveis a deuses que, por natureza, no o so; mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos (Gl 4.8-10).(Ver: 1Co 10.23-31). O conhecimento de Cristo definitivo, no permitindo, por no necessitar de nossas invencionices pecaminosas. propriedade da f pr diante de ns aquele conhecimento de Deus no confuso, mas distinto, o qual no nos deixa em suspenso e deriva, como o fazem as supersties e seus adeptos, os quais, bem o sabemos, esto sempre introduzindo alguma nova divindade, todas falsas e interminveis.27 Com todo o avano cientfico e tecnolgico o homem sem Cristo continua o mesmo, preso s suas crendices e supersties, sendo dominado por um medo insano; da o seu prazer em ouvir mitos, entregando-se s fbulas (2Tm 4.3-4).28 O homem prdigo na fabricao de seus deuses,29 em geral, criados sua imagem e semelhana. Numa pesquisa feita na Inglaterra (talvez no final da dcada de 80), verificou-se que o nmero de adultos que lem o seu horscopo toda semana o dobro dos que lem a Bblia.30

    f) Da Maldio: Cristo nos resgatou da maldio da lei (Gl 3.13). A

    Lei de Deus boa; foi-nos dada para o nosso bem. Ela tornou-se maldio para ns devido ao nosso pecado; a quebra da Lei fez com que merecssemos o justo castigo. Alis, a lei precisa ser enfatizada para que o homem, por graa, se

    26 Zwgre/w, capturar, feito prisioneiro, prender com vida (* Lc 5.10; 2Tm 2.26). 27Joo Calvino, O Livro dos Salmos, So Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 48.14), p. 368. 28[A] f saudvel equivale f que no sofreu nenhuma corrupo proveniente de fbulas [Joo Calvino, As Pastorais, So Paulo: Paracletos, 1998 (Tt 1.14), p. 320]. Se porventura desejarmos conservar a f em sua integridade, temos de aprender com toda prudncia a refrear nossos sentidos para no nos entregarmos a invencionices estranhas. Pois assim que a pessoa passa a dar ateno s fbulas, ela perde tambm a integridade de sua f [Joo Calvino, As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320]. 29 propriedade da f pr diante de ns aquele conhecimento de Deus no confuso, mas distinto, o qual no nos deixa em suspenso e deriva, como o fazem as supersties e seus adeptos, os quais, bem o sabemos, esto sempre introduzindo alguma nova divindade, todas falsas e interminveis [J. Calvino, O Livro dos Salmos, So Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 48.14), p. 368]. O historiador Braudel esta correto em sua percepo: A superstio popular sempre capaz de minar, de comprometer a vida religiosa por dentro, deformando as prprias bases da f. Tudo, ento, deve ser refeito (Fernand Braudel, Gramtica das Civilizaes, 3 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 312). 30John Stott, Oua o Esprito, Oua o Mundo, So Paulo: ABU Editora, 1997, p. 56.

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    disponha a ouvir o Evangelho. Sem a Lei, a impresso que fica, que temos uma vida correta e satisfatria; de nada precisamos, muito menos de salvao. Cristo satisfez perfeitamente todas as exigncias da Lei; por isso Ele pode nos libertar definitivamente do seu aspecto condenatrio, nos restaurado comunho com Deus por meio de Sua obra sacrificial, fazendo-se maldito em nosso lugar.

    19 Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpvel perante Deus, 20 visto que ningum ser justificado diante dele por obras da lei, em razo de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. 21 Mas agora, sem lei, se manifestou a justia de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; 22 justia de Deus mediante a f em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crem; porque no h distino, 23 pois todos pecaram e carecem da glria de Deus, 24 sendo justificados gratuitamente, por sua graa, mediante a redeno que h em Cristo Jesus, 25 a quem Deus props, no seu sangue, como propiciao, mediante a f, para manifestar a sua justia, por ter Deus, na sua tolerncia, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; 26 tendo em vista a manifestao da sua justia no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem f em Jesus. 27 Onde, pois, a jactncia? Foi de todo excluda. Por que lei? Das obras? No; pelo contrrio, pela lei da f. 28 Conclumos, pois, que o homem justificado pela f, independentemente das obras da lei. 29 , porventura, Deus somente dos judeus? No o tambm dos gentios? Sim, tambm dos gentios, 30 visto que Deus um s, o qual justificar, por f, o circunciso e, mediante a f, o incircunciso. 31 Anulamos, pois, a lei pela f? No, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei. (Rm 3.19-31).

    A Lei, portanto, no seu aspecto moral, no foi abolida. .... A lei moral de Deus a verdadeira e perptua regra de justia, ordenada a todos os homens, de todo e qualquer pas e de toda e qualquer poca em que vivam, se que pretendem reger a sua vida segundo a vontade de Deus. Porque esta a vontade eterna e imutvel de Deus: que Ele seja honrado por todos ns, e que todos ns nos amemos uns aos outros.31 A Lei no nos salva; contudo nos mostra a necessidade que temos do perdo e da purificao efetuada por Deus. A regra de nossa santidade a lei de Deus.32

    Por intermdio de Cristo somos libertos da tentativa insana de tentar ser salvo pelo cumprimento da Lei, o que impossvel. Alm do mais, este desejo ainda que fosse moralmente possvel, no o seria dentro do propsito glorioso de glorificar o nome de Deus, que deve ser o alvo final de todas as coisas, inclusive de nossa obedincia (1Co 10.31). Diante a Lei restam-nos hipoteticamente duas opes: cumprir as suas exigncias, o que nos impossvel, arcando, assim, com o reto

    31Joo Calvino, As Institutas da Religio Crist: edio especial com notas para estudo e pesquisa, So Paulo: Cultura Crist, 2006, Vol. 4, ( IV.16), p. 160. 32J.I. Packer, O Plano de Deus para Voc, 2 ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assemblias de Deus, 2005, p. 155.

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    juzo condenatrio de Deus. Ou buscar refgio na misericrdia de Deus por meio de Jesus Cristo. Na Lei de Deus nos apresentado um padro perfeito de toda a justia que pode, com razo, ser chamada de vontade eterna do Senhor. Deus condensou completa e claramente nas duas tbuas tudo o que Ele requer de ns. Na primeira tbua, com uns poucos mandamentos, Ele prescreve qual o culto agradvel Sua majestade. Na segunda tbua, Ele nos diz quais so os ofcios de caridade devidos ao nosso prximo. Ouamos a Lei, portanto, e veremos que ensinamentos devemos tirar dele e, similarmente, que frutos devemos colher dela.33

    Contudo, o que a Lei exige, ela mesma no nos capacita a cumprir. Esta capacitao somente pela graa. Pela lei Deus exige o que lhe devido, todavia no concede nenhum poder para cumpri-la. Entretanto, por meio do Evangelho os homens so regenerados e reconciliados com Deus atravs da graciosa remisso de seus pecados, de modo que ele o ministrio da justia e da vida.34

    Desprezar a Lei de Deus um ato de insanidade pecaminosa. Na Lei de Deus temos o princpio de sabedoria que deve nortear a nossa vida. Devemos, portanto, nos aplicar no estudo da Lei,35 visto que a Escritura outra coisa no seno a exposio da lei.36

    2) Liberdade para: A liberdade que temos gloriosa; ela o padro da libertao futura da corrupo de toda natureza (Rm 8.21/Tg 1.18). a) Para Cristo: Foste chamado, sendo escravo? No te preocupes com isso; mas, se ainda podes tornar-te livre, aproveita a oportunidade. 22 Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, liberto do Senhor; semelhantemente, o que foi chamado, sendo livre, escravo de Cristo. 23 Por preo fostes comprados; no vos torneis escravos de homens (1Co 7.21-23).

    Cristo nos libertou da condenao eterna, do pecado e do domnio de satans para Si Mesmo. Ele nos libertou daquilo que nos era acidental para que sejamos aquilo que de fato somos, a imagem de Deus; em Cristo temos o verdadeiro sentido da nossa existncia; vivemos agora pela vida de Cristo, sob a direo do Esprito Santo. (Jo 3.3; 10.10; At 10.18,19; 20.22-24; 2Co 5.15-17; Fp 3.7-8; Cl 3.1-3).

    33Joo Calvino, Instruo na F, Goinia, GO: Logos Editora, 2003, Cap. 8, p. 21. 34Joo Calvino, Exposio de Segundo Corntios, So Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 3.7), p. 70. 35Calvino comenta: .... s so dignos estudantes da lei aqueles que se achegam a ela com uma mente disposta e se deleitam com suas instrues, no considerando nada mais desejvel e delicioso do que extrair dela o genuno progresso. Desse amor pela lei procede a constante meditao nela.... [Joo Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 1.2), p. 53]. 36Joo Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 1.2), p. 53.

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    Brunner (1889-1966), diz acertadamente o seguinte: Quem se tornou somente livre, ficou sem dono e, com isso, mais escravo ainda. No h pior escravatura do que aquela de no ter dono. Nesse caso o homem escravo da sua prpria paixo, do seu prprio eu. E o pior de todos os tiranos o nosso eu, ou, como diz a Bblia, o pecado. que o eu soberano e o pecado so idnticos. Homem pecador aquele que se diz seu prprio Senhor.37

    Paulo falando da nossa libertao do pecado, caracteriza a nossa nova condio sob a graa de Deus, dizendo: Porque o pecado no ter domnio38 sobre vs.... (Rm 6.14).

    Todavia, por intermdio da libertao integral levada a efeito por Cristo Jesus, tornamo-nos escravos de Cristo; j no somos vendidos, mas, sim comprados por bom preo; pelo precioso sangue de Cristo, e, como sinal de posse perptua de Deus, somos habitados pelo Seu Esprito: O Esprito Santo, procedente do Pai e do Filho. Paulo insiste neste ponto: Vs, porm, no estais na carne, mas no Esprito, se de fato o Esprito de Deus habita (Oi)ke/w) em vs. E se algum no tem o Esprito de Cristo, esse tal no dele. (...) Se habita (Oi)ke/w) em vs o Esprito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos, vivificar tambm os vossos corpos mortais, por meio do seu Esprito que em vs habita (Oi)ke/w) (Rm 8.9,11). No sabeis que sois santurio de Deus, e que o Esprito de Deus habita (Oi)ke/w) em vs? (1Co 3.16). (Ver tambm: 1Co 6.19,20; 1Pe 1.18-21).

    Igreja perseguida, Pedro intima a remir o tempo que lhe resta, vivendo para Deus, segundo a Sua vontade: Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos tambm vs do mesmo pensamento; pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado, para que, no tempo que vos resta na carne j no vivais de acordo com as paixes dos homens, mas segundo a vontade de Deus (1Pe 4.1-2). A vontade de Deus que se concretizou em Cristo, a nossa libertao das paixes deste mundo para pertencermos a Cristo, o Nosso Senhor. Portanto, o homem que liberto do Senhor, torna-se escravo de Cristo. (Vd. 1Co 7.21-23). A diferena fundamental desta nova condio que o escravo de Cristo tem prazer na prtica da lei da liberdade (Tg 1.22-25; 2.12), que a lei de Cristo (Gl 6.2; 1 Co 9.21); a lei do amor (Gl 5.13-14). Somente aqueles libertos por Cristo, e para Cristo podem dizer sinceramente: Agrada-me fazer a tua vontade, Deus; dentro em meu corao est a tua lei (Sl 40.8). (Vd. Sl 1.2; 119.14, 16, 47, 77, 92, 143 e 174). b) Para o Servio de Deus: Aqui est algo que atinge de forma decisria o cerne do pensamento anomista.39 O homem salvo por Deus no tem o

    37Emil Brunner, Nossa F, 2 ed. So Leopoldo, RS.: Sinodal, 1970, p. 88. 38Kurieu/w, dominar como senhor.

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    direito, nem o desejo de voltar s prticas anteriores sua regenerao: tais coisas passaram (2Co 5.17). Paulo faz uma pergunta e responde: .... havemos de pecar porque no estamos debaixo da lei, e, sim, da graa? De modo nenhum (Rm 6.15). Estar salvo significa, entre outras coisas, viver em comunho com Deus, cumprindo prazerosamente a Sua santa vontade (Lc 1.74-75; Rm 6.15; 1Pe 2.16/Gl 2.20; 1Jo 5.2-5).

    A nossa libertao nos impulsiona a desejar cumprir os preceitos de Deus, fazer o que Lhe agrada. Temos, agora, uma nova perspectiva de vida, um novo direcionamento; a palavra definitiva para ns a vontade do Deus que habita em ns: .... J no sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela f no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim (Gl 2.20). A Confisso de Westminster (1647) resume bem o que estamos dizendo:

    Aqueles que, sob o pretexto de liberdade crist, cometem qualquer pecado ou toleram qualquer concupiscncia, destroem, por isso mesmo o fim da liberdade crist; o fim da liberdade que, sendo livres das mos dos nossos inimigos, sem medo sirvamos ao Senhor em santidade e justia, diante dele, todos os dias da nossa vida (XX.3).

    justamente no servio prestado a Deus que o homem encontra a verdadeira expresso da sua liberdade (Rm 6.22; Gl 5.13; 1Pe 2.16). Deste modo, sabemos que quando aceitamos a Cristo como nosso salvador pessoal, estamos definitivamente libertos para Deus. Observem a recomendao que Pedro faz s igrejas da Disperso: Porque assim a vontade (Qe/lhma) de Deus, que pela prtica do bem, faais emudecer a ignorncia dos insensatos; como livres que sois, no usando, todavia, a liberdade por pretexto (E)pika/lumma)40 de malcia (kaki/a),41 mas vivendo como servos (dou=loj) de Deus (1Pe 2.15,16).

    39A palavra anomia significa sem lei (gr. a)nomi/a). Os anomistas entendiam que uma vez que fomos salvos pela graa, podemos fazer o que bem entendermos; a graa interpretavam , nos libertou para o exerccio da nossa vontade. 40Esta palavra s ocorre aqui em todo o NT. Tem o sentido de capa, cobertura, vu. Aquilo que encobre; da o sentido de pretexto 41Mal, malcia, maldade, impiedade, depravao, vcio, malignidade. A palavra em alguns textos significa uma depravao mental de onde decorrem todos os outros vcios; ela tem de modo especial um sentido tico. * Mt 6.34; At 8.22; Rm 1.29; 1Co 5.8; 14.20; Ef 4.31; Cl 3.8; Tt 3.3; Tg 1.21; 1Pe 2.1,16. Na literatura clssica a palavra tinha o sentido de vcio e injustia (Vejam-se: Plato, A Repblica, 444e; Plato, Fedro, 248b; Aristteles, Arte Retrica, II.12; Aristteles, tica Nicmaco, VII.1.15; Xenofonte, Ditos e Feitos Memorveis de Scrates, II.1.21). Calvino (1509-1564) comentando o uso da palavra em Ef 4.31, diz: Por esse termo ele quer dizer que a depravao da mente, a qual oposta ao esprito humano e probidade, e a qual usualmente chamada malignidade (J. Calvino, Efsios, p. 149).

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    Pedro est dizendo que a nossa liberdade em Cristo jamais poder servir de desculpa para a malcia; o limite de nossa liberdade a vontade de Deus revelada em Sua Palavra. Somos servos de Deus, portanto a Sua vontade estabelece as normas e os limites de nossa liberdade. O que d maior relevncia ao preceito do apstolo Pedro, que ele escreveu essa Epstola para os cristos das igrejas da Disperso (1Pe 1.1) localizadas na regio da sia Menor (hoje, Turquia) , que estavam experimentando tempos difceis de severa perseguio (1Pe 1.6; 2.18-25; 4.12-16). O sofrimento um dos pontos mencionados com freqncia nessa Carta. Pedro objetivava encoraj-los, ratificando a esperana que todos deveriam ter depositada em Cristo. Por isso, esperana a palavra chave desta Carta (1Pe 1.3,13,21; 3.5,15). Daqui se depreende que as contingncias polticas e sociais no devem determinar a nossa tica, mas, sim a Palavra de Deus. Notemos que num perodo de sofrimento e perseguio, possvel que algumas pessoas, at mesmo bem intencionadas contudo, sem o conhecimento devido da Palavra , usem do Evangelho para validar os seus desejos. Deste modo, a Bblia passa a dizer o que queremos que Ela diga. No contexto da Epstola, poderiam surgir interpretaes que afirmassem a liberdade crist como pretexto para uma luta armada, o no pagamento de impostos, a desobedincia s autoridades e atitudes semelhantes. Muitas vezes ns justificamos os nossos pecados, baseando-nos numa prtica que julgamos comum, ou em nome da liberdade de Cristo. Pedro, ento, est dizendo que a maldade jamais poder ser praticada em nome da liberdade crist. O que ocorre com freqncia, a deturpao da doutrina crist, tornando-a desculpa para o pecado, da a advertncia de Pedro. A liberdade em Cristo deve ser vista no como consentimento para fazer o que queremos, mas sim, como a responsabilidade para cumprirmos o que deve ser feito conforme a vontade de Deus: a nossa liberdade para a prtica do bem (1Pe 2.15-16). O fim da liberdade crist incentivar-nos e induzir-nos prtica do bem.42

    c) Para servirmos ao nosso prximo: Servimos ao nosso prximo com a liberdade que Cristo nos deu, no amor de Cristo e do Seu Evangelho:

    19 Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior nmero possvel. 20 Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora no esteja eu debaixo da lei. 21 Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, no estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. 22 Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. 23

    42 Joo Calvino, As Institutas, (1541), IV.14.

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    Tudo fao por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele (1Co 9.19-23).

    Porque no nos pregamos a ns mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a ns mesmos como vossos servos, por amor de Jesus (2Co 4.5).

    Porque vs, irmos, fostes chamados liberdade; porm no useis da liberdade para dar ocasio carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor (Gl 5.13). Martinho Lutero (1483-1546) expressou isto da seguinte maneira: Um cristo

    senhor livre sobre todas as coisas e no est sujeito a ningum. Um cristo servidor de todas as coisas e sujeito a todos.43 d) Para a prtica da Justia: A graa no pode nem deve ser banalizada. Fomos libertos para uma vida de justia: Carregando Ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que ns, mortos aos pecados, vivamos para a justia (1Pe 2.24). Paulo escreve aos romanos: E, uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justia. Falo como homem, por causa da fraqueza da vossa carne. Assim como oferecestes os vossos membros para a escravido da impureza, e da maldade para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos membros para servirem justia para a santificao. Porque, quando reis escravos do pecado, estveis isentos em relao justia. Naquele tempo que resultados colhestes? Somente as cousas de que agora vos envergonhais; porque o fim delas a morte (Rm 6.18-21). Paulo desafia os crentes romanos a desenvolverem a sua liberdade no uso constante da prtica da justia; ele faz um paralelo entre a nossa escravido anterior maldade (Rm 6.19) e agora; livres que somos, devemos oferecer os nossos membros para a justia. Livres do pecado, nos tornamos incondicionalmente servos da justia. Se antes, em nossa escravido espiritual, servamos ao pecado, agora, libertos por Cristo, devemos obedecer justia.

    e) Para a santificao e vida eterna: Paulo escreve aos romanos falando da nossa situao atual e do alvo proposto por Deus para ns: Agora, porm, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificao, e por fim a vida eterna (Rm 6.22). O homem justificado por Deus foi liberto da condenao da Lei. Esta libertao implica o incio de uma nova fase da sua vida, na qual a sua prioridade o crescimento espiritual em obedincia Palavra de Deus. O fruto da obedincia ao pecado a morte (Rm 6.21,23). O resultado da nossa obedincia a Deus a vida eterna. A justificao e a santificao so obras que Deus opera inseparavelmente. Fomos declarados justos (Rm 5.1) e agora, em paz com Deus, tem incio em nossa vida o processo de santificao. Como bem escreveu F.F. Bruce (1910-1990), a

    43M. Lutero, Da Liberdade Crist, 3 ed. So Leopoldo, RS.: Sinodal, 1979, p. 9. (Esta obra tambm foi publicada In: Marinho Lutero: Obras Selecionadas, So Leopoldo/Porto Alegre, RS.: Sinodal/Concrdia, 1989, Vol. 2, p. 437).

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    santificao o comeo da glria e a glria a santificao completada.44 Usamos corretamente a nossa liberdade quando nos apropriamos de todos os meios que Deus nos fornece para o desenvolvimento de nossa f.

    *** William Hendriksen (1900-1982) expressou o conceito cristo de liberdade, nestes termos: Se livre quando o pecado no nos domina, e quando a Palavra de Cristo domina o corao e a vida. Se livre, por conseguinte, no quando se pode fazer o que se quer, seno quando se deseja fazer o que se deve fazer.45

    Somente aqueles que tm a liberdade do Esprito, podem dizer sinceramente: Agrada-me fazer a tua vontade, Deus meu; dentro em meu corao est a tua lei (Sl 40.8). (Vd. Sl 1.2; 119.14,16,24,47,77,92,143,174).

    So Paulo, 16 de fevereiro de 2009. Revisto e abreviado em 14/07/09

    Rev. Hermisten M.P. Costa

    44 F.F. Bruce, La Epistola a Los Hebreos, Michigan: Nueva Creacion, 1987, p. 45. Da mesma forma compreende Packer, quando diz: A santidade ser perfeita l no cu. Estarmos incapacitados de pecar ser tanto a nossa liberdade como o nosso gozo (J.I. Packer, Vocbulos de Deus, So Paulo: Fiel, 1994, p. 164). (Vd. tambm: C.H. Spurgeon, Sermes Sobre a Salvao, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1992, p. 68). 45G. Hendriksen, El Evangelio Segun San Juan, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1981, (Jo 8.32), p. 317.