estudos agrários – a complexidade do rural contemporâneo
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Estudos agráriosA complexidAde do rurAl contemporâneoDarlene apareciDa De Oliveira Ferreiraenéas rente FerreiraaDrianO cOrrêa Maia(organizadores)
Estudos agrários
Conselho editorial aCadêmiCoresponsável pela publicação desta obra
antonio Carlos tavaressandra elisa Contri Pittonauro aparecido mendes
roberto BragaFadel david antonio tuma Filho
Darlene apareciDa De Oliveira Ferreiraenéas rente FerreiraaDrianO cOrrêa Maia
(Organizadores)
Estudos agráriosA complexidAde do rurAl
contemporâneo
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este livro é publicado pelo Programa de Publicações digitais da Pró-reitoria de Pós-Graduação da Universidade estadual Paulista “Júlio de mesquita Filho” (UnesP)
CiP – Brasil. Catalogação na Fonte
sindicato nacional dos editores de livros, rJ
e85
estudos agrários: a complexidade de rural contemporâneo/darlene apa-
recida de oliveira Ferreira, enéas rente Ferreira, adriano Corrêa maia. – são
Paulo: Cultura acadêmica, 2011.
inclui bibliografia.
isBn 978-85-7983-224-6
1. Geografia agrícola. 2. agroindústria. 3. agropecuária. 4. Brasil – Con-
dições rurais i. souza neto, samuel de. ii. silva, melissa Fernanda Gomes da.
iii. título.
11-8107 Cdd: 630.981
Cdd: 63(09)(81)
Sumário
Apresentação 7
Parte 1 – Geografia Agrária: estudos e tendências 11 AGeografiaAgráriabrasileira–dinâmica,variada ecomplexa 13Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira
QuestõespolíticasnosestudosemGeografiaAgrária: tendênciasmetodológicaseinterdisciplinaridadepós-1990 35Flamarion Dutra Alves
Amultifuncionalidadeeapluriatividadecomotemasdeanálise:oturismoruralnaproduçãodoprogramadepós-graduaçãoemGeografiadaUnesp-RioClaro(2001-2010) 61Elias Júnior Câmara Gomes Sales • Fadel David Antonio Filho
Socioterritorialidade:ainter-relação cultura-território-educaçãodocampo 77Ellen Vieira Santos • Ana Ivânia Alves Fonseca • Lucas dos Reis TeixeiraRamony Maria da Silva Reis Oliveira
Parte 2 – Interações espaciais entre o rural e o urbano 97 Aconstruçãodolugardomigranteretornado: ocasodopovoadonorte-mineirodeCipoal 99Adriano Corrêa Maia • Darlene Aparecida Oliveira Ferreira
Aagriculturaeacidade:aproduçãodealimentosno espaçourbanodePelotas(RS) 119Carlos Vinícius da Silva Pinto • Juliana Cristina Franz • Giancarla Salamoni
AspequenascidadesdonortedeMinasGerais: umaanálisedassuasrelaçõescomorural 135Anete Marília Pereira • Priscilla Caires Santana Afonso Cássio Alexandre da Silva • Carlos Henrique Silva Alves Gerlaine Soares Silveira • Edvânia Gisele de Souza
Parte 3 – A dinâmica do capital agroindustrial 157 Odeslocamentodaagroindústriacanavieira paraooestedoestadodeSãoPaulo 159Davi Guilherme Gaspar Ruas • Enéas Rente Ferreira Elias Júnior Câmara Gomes Sales
Regiõescompetitivasemodernizaçãoagrícola:dacafeiculturatradicionalàcafeiculturacientíficaglobalizada 181Samuel Frederico
Paisagemeturismonaregiãodascuestaspaulistas 199João Carlos Geraldo
Parte 4 – As distintas faces da pequena propriedade 231 Umolharsobreadinâmicadaagriculturafamiliarno ProjetoJaíba:novosconceitosdentrodeumvelhoprojeto 233Ana Ivânia Alves Fonseca • Lílian Damares de Almeida SilvaLeonardo Ferreira Gomes • Genilda do Rosário Alves
Integraçãoaomercadoeproduçãoparaoautoconsumo: estratégiassocioprodutivasnaagriculturafamiliar deFavila,emCanguçu(RS) 247Lucimára dos Santos de Moura • Giancarla Salamoni
Agroecologiaesuasrelaçõescomaeducaçãoambiental: aquestãodolixodomésticoeagrícola 263Lânderson Antória Barros • Glauber Sudo Cabana • Giancarla Salamoni Adão José Vital da Costa
Reformaagráriaeareorganizaçãodoterritório:ocasodo assentamento24deNovembroemCapãodoLeão(RS) 283Veridiana Soares Ribeiro • Giancarla Salamoni
Estratégiaseorganizaçãodaspopulaçõestradicionais no norte de Minas Gerais 305Ana Ivânia Alves Fonseca • Genilda do Rosário AlvesEduardo Charles Barbosa Ayres • Vanessa Fonseca
Reproduçãoepermanênciadaagriculturafamiliar: umestudodecasonomunicípiodeLajeado(RS) 321Juliana Cristina Franz • Carlos Vinícius da Silva Pinto • Giancarla Salamoni
ApreSentAção
Partindodadiversidadeespacialcomoaprincipalcaracterísticadosistemaagráriobrasileirotemos,aolongodahistória,omundoruralorganizadodistintamente emcontextos regionais, atrelandoculturasàsáreasespecíficas.Constata-setambémumadiversidadedecontextossociaiseeconômicos,criandotipossingularesdeagri-cultoreseagriculturas.
Consequênciadessesfatores,comoentenderarealidadeagráriabrasileiraatual?
Umadasformasconceituaisdeentendimentodeumapartedes-sarealidadeseriapormeiodaaplicaçãodanoçãodecomplexidade.Aespecificidadeespacialeeconômicadeatividadesnasunidadesdeproduçãoagropecuáriasdirecionaodebateparaacompreensãodoemaranhadodesituaçõespresentesnocampo.
Pensandoacomplexidadecomoumconjuntodecoisasligadasporumnexocomum,aobraqueoraseapresentapretenderespon-deraoentendimentodarealidadeagráriacontemporânea.Trata-sede entender contextos espaciais historicamente construídos nosquaisemergemnovosatoressociaisouconsolidam-seosdetento-resdeestruturaspassadas.Observa-senoterritórionacionalumirevirdeformaseprocessos,depráticaseestruturas,depassadoepresente.
8 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Neste contexto, Estudos agrários, em seu segundo volume,“A complexidade do rural contemporâneo”, apresenta um esco-potemáticoeespacialqueagregapesquisadoresde trêsuniversi-dades públicas brasileiras. É resultado das interações acadêmi-cas oriundas do I Colóquio de Pesquisa do Núcleo de EstudosAgrários –NEA (UNESP-RioClaro-SP), realizado em outubrode 2010, em parceria com o Laboratório de Estudos Agrários eAmbientais – LEAA (UFPEL/Pelotas-RS) e com o Núcleo deEstudoePesquisaemGeografiaRural–NEPGeR(Unimontes– MontesClaros-MG)paradiscutiraspesquisasdesenvolvidasporseusmembros.
Divididoemquatropartes,este livropropõereflexõeseapre-senta resultados sobre a complexidadedo agro.1Os trabalhosdaprimeiraparteconvergemparaaidentificaçãodascaracterísticasedastendênciasdaGeografiaAgrárianoBrasilnoiníciodoséculoXXI.ConsideradoumdosramosmaisdesenvolvidosdaGeografiaHumana eEconômica, o agro,dopontodevistageográfico, temnadiversidadetemáticasuacaracterísticafundamental,eostextosaquiapresentadosdiscutemtalfato.
Atentandoparaainteraçãoespacialentreoruraleourbano,ocampoeacidade,nasegundapartedolivrosãodiscutidosproces-soscomoproduçãoemigração,queirãoevidenciarempiricamenteainteração,representadaaindanocontextodaspequenascidades.
Temarecorrenteentreosestudosdoagro,ocapitalagroindustrialesuasrepresentaçõesnaculturacanavieiraenacafeiculturasãoestu-dadosemáreasprodutorasdoestadodeSãoPauloedeMinasGerais,destacandoosprocessosdedeslocamentoeacompetitividadepeloqualpassamasduasatividades.Nocontraponto,fechandoaterceirapartedolivro,agrandepropriedadeéapresentadaemumestudodeturismorural,refletindoasmudançasdeusodoespaçoagrícola.
Tambémcomo temática tradicional nos estudosdaGeografiaAgrária,apequenapropriedadeéinvestigadaemsuasdistintasfa-
1 Compreendemos“agro”comootermoqueresumetodasasquestõesrelativasaosetoragropecuárioemsuareferênciaagrária,agrícola,nãoagrícola,rural,aocampoeàagricultura,genericamenteentendida.
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ces:naperspectivadaagriculturafamiliaredaspolíticaspúblicas;doautoconsumoedabuscapelomercado;domeioambiente,rela-cionandoagroecologia e educação ambiental; enaperspectivadareforma agrária como evidência de organização territorial.Comoreflexodacomplexidadeedadiversidadedoagrobrasileiro,aquar-tapartedolivrodemonstraquantoaGeografiadevecontribuirparaoentendimentodarealidade,eadiferenciaçãoespaçotemporaldeprocessosmarcaoolhargeográficosobreessarealidade.
Os organizadores
pArte 1 GeoGrAfiA AGráriA:
eStudoS e tendênciAS
A GeoGrAfiA AGráriA brASileirA – dinâmicA, vAriAdA e complexA
Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira1
OpresentetextopretendeserumacontribuiçãoaodebatesobreasquestõesmetodológicasemtornodaGeografiaAgrária.Apro-postaaquicolocadaébastanteamplaedeveráproduzirdiscussõescom diferentes enfoques. Discutir questões metodológicas é umtrabalhoexaustivo,quemereceumaavaliaçãoquantitativaequa-litativaaserrealizadadeformacontínua.
EmumrápidolevantamentorealizadonoDiretóriodosGruposdePesquisanoBrasildoCNPq,épossívelobservarquedinâmica(agrária,territorial,regional)edinamismo(agrícola,produtivo)sãotermosfrequentesnaslinhasdepesquisaenaspalavras-chavequeasdefinem, e retratam, semdúvida, oque é aGeografiaAgráriabrasileira.
Dinâmica,variadaecomplexa.Assimpodemos,deformapreli-minar,caracterizaraGeografiaAgráriabrasileira.
Dinâmicaporqueestá na estradahámuitotempoeapenasnosúltimosvinteanostransformou-secompletamenteeganhouuma
1 ProfessoraAssistenteDoutoradoDepto.deGeografiadoIGCE–UNESP--RioClaro.ProfessoraOrientadoradoPPGG–IGCE–UNESP-RioClaro.MembrodoNúcleodeEstudosAgrários/IGCE/UNESP-RioClaro.Conta-to:[email protected]
14 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
dimensão,porquenãodizer,gigantesca.Variadaporquetrazparasidistintostemaseenfoques.Eacomplexidadeéresultadodessadinâmicaedessavariedade.AGeografiaAgráriahojenãoseres-tringeaoestudodaagricultura;émuitomaisqueisso.
Considerando-seessascaracterísticasediantedograndenúme-rodegruposdepesquisaqueforaminstitucionalizadosnaúltimadécadanoBrasil, tratardasquestõesmetodológicasdosgruposétarefa,nomínimo,abrangente.
Oobjetivodestetextoédemonstrar,aindaquenumericamen-te,arazãodeaGeografiaAgráriabrasileiraserdinâmica,variadaecomplexa.Numericamenteporqueumaanálisequalitativademan-daria tempoeacessoa informaçõesbastanteamplasquepoderãoseralmejadasnofuturo.
O enfoque escolhido
O objeto definido para análise foram os grupos de pesquisa.Umgrupoestácalcadoemprincípiosbásicos,conformecitaSpó-sito(2005).Seriamessesprincípios:afiguradeumpesquisador;ocaráterassumidopelogruponointeriordainstituiçãoqueosedia(pesquisa e ensino de graduação e pós-graduação); e finalmentea temática, focoprincipaldaspesquisasedosestudos realizados.EssapropostaestásintetizadanaFigura1.
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Figura 1 – Composiçãoorganizativadeumgrupodepesquisaapartirdopesquisador.
Sendoassim,pode-sepensarogrupocomacomposiçãoorga-nizativaapresentadanaFigura1semesquecerqueexistirãoeixosteóricosemetodológicosdefinidoresdosestudosrealizados.
Soboutra ênfasepode-se identificar aorganizaçãodosgruposcomonaFigura2,naqualéatemáticaoelementocentralouoprin-cípionorteadormedianteoqualosgruposseformam.
Figura 2 – Composiçãoorganizativadeumgrupodepesquisaapartirdatemática.
16 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Comoditoanteriormente,utilizaram-secomoreferencialparaolevantamentodasinformaçõesnestetextoosdoisprincípiosor-ganizativos.
Entende-seque todoprocessode formação e consolidaçãodoGrupodePesquisadevetrilhartalcaminhoequeelenãoélinear,maspossuidordemuitosmeandros.Pode-seaferirquesejaobjeti-vodogrupoabuscadeumaidentidadeou,nosentidoinverso,éapartirdeumaidentidade,constituídaporaproximaçãodeparesemtornodeumtema,quesecriaumgrupo.
ComoatemáticaemdebateéaGeografiaAgrária,trabalhou--secomgruposcujaidentidadeédadapelosestudosdoagro.2 para contribuircomodebateemtornodasquestõesmetodológicasquecaracterizam aGeografiaAgrária brasileira, escolheram-se comotemaosgrupos de pesquisa em geografia agrária.3
Diantedotemaforamdefinidasasestratégiasdepesquisa.Paratanto,serianecessárioacessoaosgrupos,àproduçãodeles,eprocu-raridentificarseasdiscussõesmetodológicasdecadaumestavamrefletidasnessaprodução.Asfontesdeinformaçãoforamossites e páginasnainternetdecadagrupo.
Entretanto,haviaoutrasquestões.Quaissãoequemsãoosgru-pos?Trabalharíamos comos que participamdos eventos doEn-controNacionaldeGruposdePesquisa(ENGRUP)?Teríamosarepresentaçãodetodoouniversoemquestão?
Nabuscadessasrespostasfoiutilizadaafontequetemoshojenopaísparaidentificaçãoeconsultarelativaagruposdepesquisa:oDiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil doCNPq.Apar-tirdessafontetivemosacessoaosgruposemfuncionamento,cer-tificadosporsuasrespectivasinstituições.Identificadososgruposefetuamos,emseguida,abuscadeseussitesoupáginasnainternet.
2 Compreendemos“agro”comootermoqueresumetodasasquestõesrelativasaosetoragropecuárioemsuareferênciaagrária,agrícola,nãoagrícola,rural,aocampoeàagricultura,genericamenteentendida.
3 ConsideramosGeografiaAgrária,deformabastantegenéricaeampla,tudoqueserelacionaaosestudoseàspesquisasrealizadosnaáreadaGeografiaquetêmcomotemacentraloagro,nascondiçõesdefinidasnanota2.
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OqueéoDiretóriodosGruposdePesquisa?
ODiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil,projetode-senvolvidonoCNPqdesde1992,éumabasededadosquecon-téminformaçõessobreosgruposdepesquisaematividadenopaís.ODiretóriomantémumabase correntecujasinformaçõessãoatualizadascontinuamentepeloslíderesdosgrupos,assimcomo por pesquisadores, estudantes e dirigentes de pesquisadasinstituiçõesparticipantes,eoCNPqrealizacensosbianuaisquesãofotografiasdessabasecorrente.
As informações contidas nessas bases dizem respeito aosrecursoshumanosconstituintesdosgrupos(pesquisadores,es-tudantes e técnicos), às linhasdepesquisa emandamento, àsespecialidadesdoconhecimento,aossetoresdeaplicaçãoenvol-vidos,àproduçãocientíficaetecnológica,eaospadrõesdeinte-raçãocomosetorprodutivo.Alémdisso,cadagrupoésituadonoespaço(região,UFeinstituição)enotempo.
Osgruposdepesquisa inventariados estão localizados emuniversidades,instituiçõesisoladasdeensinosuperior,institu-tosdepesquisacientífica,institutostecnológicoselaboratóriosdepesquisaedesenvolvimentodeempresasestataisouex-esta-tais.Oslevantamentosnãoincluemosgrupos localizadosnasempresasdosetorprodutivo.(CNPq,2009)
ApesquisanoDiretóriopode ser efetuadadevárias formas.Optou-se, inicialmente,pelabuscapor líderes–definidoscomoosespecialistasemGeografiaAgráriaquetrabalhamcomatemá-ticadoagroetudoaelarelacionada,equecirculamporcongres-sosereuniõescientíficascomo:EncontroNacionaldeGeografiaAgrária; Encontro de Grupos de Pesquisa; Encontro NacionaldosGeógrafos;Simpósio Internacional; eSimpósioNacionaldeGeografiaAgrária.
Emumsegundomomentofoirealizadaumapesquisaporpala-vraseexpressõespeculiaresaosestudosrurais.Apartirdaí,acurio-sidadefoiaguçada,poisoconjuntonuméricoediversodesituações
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encontradas,quandosebuscouaGeografiaAgráriaemgruposdepesquisa,foimuitosuperioraoesperado.Decidiu-se,assim,apro-fundarapesquisanessafonte,descartando-seapesquisaemsites oupáginasdosgrupos,permanecendooDiretóriodosGruposdePesquisadoCNPqcomofonteúnica.
Paraqueserve?
ODiretóriodosGruposdePesquisadoCNPqpossuitrêsfinalidadesprincipais:• Noqueserefereàsuautilizaçãopelacomunidadecientí-ficaetecnológicanodiaadiadoexercícioprofissional,éumeficienteinstrumentoparaointercâmbioeatrocadeinformações.Comprecisãoerapidez,écapazderesponderqueméquem,ondeseencontra,oqueestáfazendoeoqueproduziurecentemente.
• Seja no nível das instituições, seja no das sociedadescientíficasou,ainda,nodasvárias instânciasdeorgani-zaçãopolítico-administrativadopaís,abasededadosdoDiretórioéumafonte inesgotávelde informação.Alémdaquelas informações diretamente disponíveis sobre osgrupos,seucarátercensitárioconvidaaoaprofundamen-todoconhecimentopormeiodas inúmeraspossibilida-desdeestudosdetiposurvey.Aconstruçãodeamostraspermitiráoalcancederespostassobrecamposnãocober-tospelosdados,como,porexemplo,ofinanciamento,aavaliaçãoqualitativadaproduçãocientíficaetecnológica,bemcomoopadrãofinodas interaçõesentregruposdepesquisaeosetorprodutivo.Destaforma,éumapode-rosaferramentaparaoplanejamentoeagestãodasativi-dadesdeciênciaetecnologia.
• Finalmente,asbasesdedados,namedidaemqueérecor-rente a realização de censos, têm cada vezmais um im-portante papel na preservação damemória da atividadecientífico-tecnológicanoBrasil.(CNPq,2009)
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Os procedimentos adotados
Paraarealizaçãodapesquisaforamadotadososseguintespro-cedimentos:
• Levantamentodeinformaçõessobregruposdepesquisali-gadosàstemáticasGeografiaAgrária,agriculturaedesen-volvimento rural, em umprimeiromomento. Posterior-mente,incluíram-senapesquisaostermos:rural,mundorural,organizaçãodoespaçoedesenvolvimentoterritorial.Elesapareceramnosprimeirosresultadosobtidos,enun-ciadosnaslinhasdepesquisaemandamentonosgrupos,e entendeu-seque tambémpoderiamser representativosparaidentificação,alémdoquealgunsdelessãofrequentesnostextosdeGeografiaAgráriadaatualidade.Afiltragemporpalavras/expressõeselíderesfoicomplementadapelosfiltrosgrandeáreadogrupo–CiênciasHumanaseárea–Geografia.
• Organizaçãodeumbancodeinformaçõesparaarmazena-mento,tabulaçãoeobtençãodedadosrelativosaoobjetoestudado.
• Caracterização dos grupos de pesquisa por instituição--sede,localizaçãoporregiãogeográfica,anodeformação,nomedo grupo, linhasdepesquisa e palavras-chavedaslinhasdepesquisa.
• Apresentaçãoediscussãodosresultadoscomproposiçõesparaestudosfuturos.
Resultados – A Geografia Agrária e a agricultura em grupos de pesquisa
Afimdeenfatizar,destacamosqueolevantamentodeinforma-çõessobreosgruposdepesquisatevecomoparâmetros:
• AGeografiaAgráriacomoramodeespecializaçãodaGeo-grafia.
20 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
• Aagriculturacomotemáticacentraloudeinteressedeestudo.• Odesenvolvimentoruralnaaplicaçãoenasrelaçõescomosetorpúblicoeprodutivo.
Além disso, essas são palavras/expressões que marcaram, aolongodahistória,osestudosdoagrodopontodevistadaGeografia.
Os primeiros resultados obtidos para as palavras/expressõespesquisadas nos indicaram que em 2009 existiam registrados noCNPqoqueseapresentanaTabela1.
Tabela 1 – GruposdePesquisaidentificadosporpalavras/expressões.
Palavras/expressões Nº de grupos
GeografiaAgrária 26
Agricultura 35
Desenvolvimentorural 37
Rural 56
Mundorural 5
Organizaçãodoespaço 15
Desenvolvimentoterritorial 16
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq2009).
Observa-sequenoprimeiroconjuntodepalavras/expressões,“desenvolvimentorural”éaquemaisconcentragruposdopontodevistanumérico,eissopodeserexplicadoconsiderando-seasre-percussõeseossetoresdeaplicaçãodostrabalhosdosgruposquesãoelencadosnoDiretório.QuandoretiramosaGeografiaAgrária(referênciade ramodaciência)comoparâmetrodepesquisa,ob-servamosqueosestudossobreagriculturaedesenvolvimentoruralultrapassamoslimitesdesta–GeografiaAgrária–epassamasertemasdeoutrosespecialistasdaGeografia.
O segundo conjunto de palavras/expressões nos indica que omundoruralnãoéumareferêncianosgruposlevantados.Ointe-ressanteéquequandoefetuamosapesquisapelapalavra“rural”,temosumcrescimentonumérico e que reforçanossahipótesedeque quando não consideramos o ramoGeografiaAgrária, a pre-
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sençada temática rural se amplia consideravelmente eultrapassaolimitedaespecialização.Naavaliaçãodaslinhasdepesquisa,talfatoseráretomado.
Do levantamento realizado, após a eliminação das duplicida-des,chegou-seaumtotaldesetentagruposdepesquisaquetêmaGeografiaAgrária,aagricultura,odesenvolvimentorural,orural,omundoruraleaorganizaçãodoespaçocomonorteadoresdesuaspesquisaseatuações.
Emrelaçãoaonomedosgruposdepesquisa,foipossívelidentifi-carqueasreferênciasatermosrelativosaoagrosãocomuns.OsquemaissedestacamestãorepresentadosnaFigura3.Épossívelobser-varapresençadereferênciasaomeioambiente,aosestudosregio-nais,aodesenvolvimentoeàgestãoterritorial,incorporadasaoquesepodedefinircomoestudosdoagro.Omeioambienteéograndedes-taque,comoseobservarátambémemrelaçãoàslinhasdepesquisa.
Figura 3–Númerodegruposdepesquisapornomedegrupo.
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq,2009).
Dototaldesetentagrupospesquisados,épossívelindicarsuasinstituições-sede,conformedemonstraaFigura4.Asuniversida-desfederaisconcentram61%dosgruposselecionados,contra36%nasuniversidadesestaduais.
22 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Figura 4–Tiposdeinstituições-sededosgruposdepesquisa.
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq,2009).
Apresençamajoritáriaemuniversidadesfederaispodeserex-plicada, conforme se constata na Figura 5, pela distribuição dosgruposnoterritórionacional.
Figura 5–Frequênciadosgruposdepesquisasporgranderegião.
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq,2009).
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Sediandotrêsgrandesuniversidadesestaduaisefederaisconsoli-dadas,aregiãoSudesteconcentra24dosgruposencontrados.Muitosdessesgrupostêmcomolíderesgeógrafosrenomadosequesãores-ponsáveisatualmentepeladinâmicadaGeografiaAgráriabrasileira,liderandoalunosepesquisadoresnosgruposmaisantigos.
OCentro-Oesteéregiãodedestaque,jáquetememseuterritóriodozegrupos,oqueésignificativoepodeserexplicadopelaexpansãodasuniversidadesfederais.Aíseinstalaramtambémosgruposcomtrajetóriamaisrecente.
NaregiãoNorteencontramossetegrupos, tambémrecentesecujaspesquisasestãovoltadasprioritariamenteparaquestõesam-bientaisligadasaoagronegócio,ocupaçãodafronteiraedesenvol-vimentoruralsustentável.
Areferênciaaotempodefuncionamentodosgruposébastantepeculiar.Ograndenúmerodegruposdepesquisaquedesenvolvees-tudosruraiséresultadodeumaexpansãoqueocorreuparticularmen-teapartirdosanos2000.TergruposdepesquisainstitucionalizadoseincluídosnabasededadosdoCNPqtornou-seumanecessidadeacadêmica,especialmenteapós1992,comacriaçãodoDiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil,efoiestimuladapelasinstituiçõesdeensinosuperior,conformepudemosverificarnotexto“OqueéoDi-retóriodosGruposdePesquisa?”.
AFigura6demonstraomovimentodesurgimentodosgrupos.
Figura 6–Númerodegruposdepesquisaformadosporperíodo.
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq,2009).
24 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Éevidenteoquesignificouainstitucionalizaçãodosgruposparaosestudosdomeiorural.Pôde-seidentificarpelolevantamentoquenosanos1980umgrupodepesquisajárealizavaatividadesnoBra-sil.Nosanos1990,asegundametadedadécadamarcaoiníciodoprocessodeconstituiçãodosgrupos,seguindolinearmentecomocrescimentoaté2009.ATabela2apresentaessatrajetória.
Tabela 2–Distribuiçãotemporalenúmerodegruposinstitucionalizados.
1983 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
1 1 2 2 3 2 4 2 10 3 4 5 6 4 17 4
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq2009).
Saltaaosolhosocrescimentodonúmerodegruposdepesquisanosanosde2002e2008.Oqueprovavelmenteexplicaessecres-cimentoem2002éapresença,nesseano,degruposcomlinhasdepesquisacentradasna temáticadomeioambienteedodesenvol-vimento sustentável.A análise da agricultura está inserida nessadiscussãoemlinhasquerelacionamagriculturaemeioambiente.Nessemesmo ano de 2002, grupos que não seriam identificadospelos seus nomes como voltados àGeografiaAgrária,mas comoestudosambientais,têmcomolinhadepesquisaadesignadaGeo-grafiaAgrária.Essaéumaevidênciadacomplexidadedotemaaquiestudadoequefoienunciadanoiníciodestecapítulo.
Tambémcorroborandoessahipótese,oanode2008concentraomaiornúmerodenovosgrupos.Háváriaspossibilidadesdeex-plicaçãoparaessefato:demandadosprogramasdepós-graduação;exigênciasdasinstituiçõesdefomento;surgimentodenovostemasnãoatendidospelosjáexistentes.
Osnovosgruposquesurgiramvoltaram-separaoestudodete-masvariados,permanecendooprincípiodadiversidadeenãodaunidadecomoidentificadoradoqueseriaumestudogeográficoso-breagricultura.
Observa-sequedoconjuntodelinhaslevantadasépossívelafir-marqueháumadiversidadesignificativadetemas,oquereforça
estUdos aGrários 25
ahipótesedodinamismo, variedade e complexidadedos estudossobreagriculturanaatualidade.
Avançandonadiscussãosobreas linhasdepesquisatrabalha-das,todasasquefiguramnossetentagrupospesquisadossãocita-dasaseguir.
LinhasdePesquisa
Aquestãoagráriaeomeiorural
Atransformaçãodocampo,implicaçõessobreaidentidadeeasnovasformasdeorganizaçãodoespaçorural
Abordagensteórico-metodológicasdaGeografiaAgrária
Agriculturacamponesaeproduçãofamiliar
Agriculturaeambiente
Agriculturaeurbanização:cidadesdoagronegócio
Agriculturafamiliar
Agriculturafamiliarecampesinato
Agriculturafamiliaremultifuncionalidadedoespaçorural
Agriculturafamiliar,pluriatividadeeturismoruralnoestadodoRiodeJaneiro
Agriculturasustentável
Agroecologia
AmbienteagrárioepopulaçõesruraisdasáreasúmidasdoBrasiledomundo
Análisegeoambientalepolíticaspúblicas
Análiseinterdisciplinardomeioambienteedesenvolvimentoruraleurbano
Análisepopulacionalsul-americana
Análise,planejamentoegestãodosespaçosruraiseurbanos
Análisesterritoriaisesustentabilidade
Aproveitamentoderecursosnaturaisederesíduospelaagropecuária
Áreaagrária
Áreasnaturaisprotegidasnoespaçourbanoerural
Arranjosterritoriaisprodutivosagrícolas
Asgeografiasdamodernidade:Geografiaegênero-famíliaetrabalho
Assentamentosrurais
Atlasdosconflitosfundiáriosnocampobrasileiro
Cidadeecampo:espaçoetrabalho
Cidadedoagronegócio
Circuitosespaciaisdeproduçãoecírculosdecooperação
Climaeproduçãodoespaçoagrário
Climaeproduçãodoespaçorural
Comunidadesruraisepopulaçõestradicionais
Conservaçãoambientaleturismo
Desenvolvimento
Desenvolvimentoeeconomiasolidária
DesenvolvimentoregionaleGeografiaAgrária
26 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Desenvolvimentoregionaleproduçãodoespaçourbanoerural
Desenvolvimentorural
Desenvolvimentoruralsustentável
Desenvolvimentorural/agrário
Desenvolvimentoterritorial;
Desenvolvimento,ambienteeterritório
Dinâmicadosespaçosagrícolas
Dinâmicasocioespacialdaagropecuária
Dinâmicasocioespacialurbanaeagrária
Dinâmicasterritoriais
DinâmicasterritoriaisagroindustriaisnaAmazôniaOriental
Dinâmicasterritoriaisruraisegestãodomeioambiente
Dinâmicasterritoriais,campesinatoepopulaçõesribeirinhasnaAmazônia
Educaçãogeográficanocampoeimagináriorural
Educação
Espaçoagrárioemovimentossociais
Espaçoagrário
Espaçoruralemovimentossociais
Espaçosocialevínculosterritoriais
Espaçosindustriaiseagroindustriais
Estratégiasdereproduçãoeconômicaesocialdeprodutoresrurais
Estruturafundiária
Etnossustentabilidadeepopulaçõestradicionais
Expansãoagrária
Formaçãosocioespacial:mundoeregiõesdoBrasil
GeografiaAgrária
GeografiaAgráriaedesenvolvimentosustentável
GeografiaAgráriaerural
Geografiadapopulação
Geografiaeeducaçãodocampo
Geografiarural
Geografia,meioambiente,cidadania,desenvolvimentourbanoerural
Geoprocessamentoecadastrorural
Geotecnologiaaplicadaaanálisesocioespacial
Gestãodoespaçoruralemeioambiente
Impactosdasligaçõesurbano-ruralnasmudançasnoespaçoregional
Impactossocioambientaisdoagronegócio
Impactossocioterritoriais
Logísticadeprodutosagrícolasnoterritóriobrasileiro;
Mapeamentodarepresentaçãodocumentaldahistóriadalutapelaterra
Meioambiente,educaçãoemovimentossociaisnocampo
Mídia,Mediações,AmbienteePráticasdeEnsino(MMAPE)
Modelagemdaproduçãovegetal
Modernizaçãoagrícolaeagronegócio
Modernizaçãodocampoedacidade
Movimentoscamponeses:espacialização,territorializaçãoemundialização
Movimentossociaisagráriosetransformaçãodaestruturafundiária
Movimentossociaiseorganizaçõesdelutapelaterra
estUdos aGrários 27
Movimentossociaisnocampo
Multifuncionalidadedoespaçorural
NovasmetodologiasparaoensinodeGeografiaAgrárianoRiodeJaneiro
Ocampo,acidade,ametrópole,oruraleourbanonoBrasil
Odesenvolvimentoterritorialpercebidoapartirdasrelaçõesentreourbanoeorural
OensinodeGeografianocontextodaeducaçãodocampo
Organizaçãodoespaçoagrário
Organizaçãodosespaçosregionalerural/agrícola
Organizaçãoedinâmicadoespaçorural
Organizaçãosocial,instrumentosdeintervençãoegestãopública
Organizaçãosociopolíticanocampo
Osefeitossocioespaciaisdossistemasagroindustriais
Planejamentoedesenvolvimentoemagriculturafamiliar
Planejamentoturísticorural
Pobrezaruralemeioambiente
Políticadedesenvolvimentoterritorial
Políticaspúblicas
Políticaspúblicaseagriculturasustentável
Políticaspúblicas,desenvolvimentoruraleruralidade
Políticaspúblicas,dinâmicaregionaledesenvolvimentoterritorial
Processosdemodernizaçãoagrária
Produçãoanimal
Produçãodoespaçorural
Produçãodoespaçourbano,ruraleregional
Produçãoeorganizaçãodoespaçoagrário
Produçãofamiliar
QuestãoagrárianoBrasil
Questõesfundiárias,modernizaçãodocampoereformaagrária
redes agroindustriais
Reformaagráriaeassentamentosrurais
Reformaagrária,assentamentosruraisedesenvolvimentoterritorial
Relaçõescampo-cidade
Relaçõesdegêneroeterritório
Representaçõesdapaisagemculturalda plantationcanavieiranoNordestedoBrasil
Ruralidadeeurbanidade
Sistemasdeproduçãoagropecuária
Técnica,tempo,espaçoagrário
Territórioemovimentossociais
Território,culturaepoderlocal
Território,desenvolvimentoerelaçãocampo-cidade
Território,economia,trabalhoedesenvolvimentoregional
Territóriosdosaber:estudosdasteoriaseensinodeGeografia
TerritóriosparadigmáticosdaGeografiabrasileira
Transformaçõessocioespaciaisnoruralfluminense
Turismorural
Uso,manejoeconservaçãodosoloedaágua
28 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Observa-sequeavariedadeébastantegrande.Setomarmosal-gunstemasebuscarmos identificarcomoelesestãorefletidosnaslinhasdepesquisa,temosoqueédemonstradonoQuadro1.
Quadro 1–Distribuiçãodaslinhasdepesquisaporgrandestemasreferenciados.
Agrário(a)[18]* Questão;Geografia;reforma;áreadeestudo
Agricultura[9] Conjuntofamiliar;pluriatividade;multifuncionalidade;relacionadaaoambiente;relacionadaàurbanização
Ambiente[10] Meio;relacionadoàagricultura;agrário;desenvolvimentoterritorial;gestãoterritorial;dinâmicaterritorial
Campo[11] Localdetransformação;modernização;relaçãocidade- -campo;educação;movimentossociais
Desenvolvimento[19] Rural;regional;economiasolidária;sustentável;territorial
Modernização[4] Docampo;agrícola;agronegócio;campoecidade;agrária
Rural[28] Relaçãocidade-campo;meio;espaço;desenvolvimento;Geografia;turismo;transformaçõessocioespaciais;populações;assentamentos;imaginário;educação
*Númerodecitaçõesdotemanaslinhasdepesquisa.
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq2009).
Peloquefoidemonstradoatéaqui,pode-seconsiderarorural,oagrárioeodesenvolvimentoexpressõesdefinidorasdaidentidadedaGeografiaAgrária?Elesfiguramentreostermosmaiscitadose,comotais,refletemoconteúdodoqueseriamosestudosemGeo-grafiaAgráriaouosestudosgeográficossobreoagro,disseminadossobdistintasformas,conteúdosequalificações.
Ampliandooescopodeanáliseetrabalhandocomaspalavras--chaveindicadasporcadagrupoemcadalinhadepesquisaemqueatua,aTabela3apresentaafrequênciadealgumaspalavrasencon-tradaseselecionadas,seguindoatrajetóriadoquevemsendoapre-
estUdos aGrários 29
sentadonestetexto,ouseja,sãopalavrasouexpressõesqueexpri-memgenericamenteoagrocomotemadepesquisa.
Tabela 3–Frequênciadaspalavras-chaveselecionadas.
Palavras-chave Frequência
Agricultura 22
Agriculturafamiliar 8
Ambiente 8
Campo 26
Desenvolvimentorural 6
GeografiaAgrária 9
Modernização 9
Movimentossociais 12
Políticaspúblicas 4
Relaçãocidade-campo/campo-cidade 6
Rural 32
Ruralidade 2
Fonte:DiretóriodosGruposdePesquisanoBrasil(CNPq2009).
Rural,campoeagriculturasãoreferênciasrecorrentesequepo-demserparâmetrosparaanálisesfuturas.Asperguntasagorase-riam:oqueéoruralparaaGeografiaAgrária?ComoaagriculturaéestudadanaGeografiaAgráriacontemporânea?Ocampoéaindaumespaçoemorganização?
Diantedaexposiçãoapresentadaqueobjetivoulevantarele-mentospara a caracterizaçãodaGeografiaAgrárianoBrasil etendoemvistaaconsultaaoDiretóriodosGruposdePesquisadoCNPq,entende-senecessárioelaborarumasíntesedoquefoitrabalhado.
Paratanto,recuperou-seumesquemaanalítico(Figura7)pro-postopeloprofessorJoséA.FilizolaDiniz(1984,p.58),noqualeleesboça,comobjetivotipológico,oqueseriaosistemadaagricultu-ra,constituídoporelementosinternoseexternos.
30 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Figura 7–Sistemadaagricultura:elementosinternoseexternos.Fonte:Diniz(1984,p.58).
Do que pudemos levantar e avaliar em relação aos grupos depesquisa, considerando seus nomes, linhas temáticas e palavras--chave,foipossívelconstatarquetodooconteúdotrabalhadoestáexpressonaFigura7.
É inegável que temos hoje naGeografia Agrária brasileiragruposdepesquisapreocupadoscomquestõeseconômicas,po-líticas, ecológicas, demográficas e culturais, e, alémdisso, en-contramos grupos preocupados com os produtores rurais e asproduçõesdestes,bemcomocomo funcionamentodo sistemaagropecuário.
Portanto,ficaclaroque,maisdevinteanosdepoisdapropostadeDiniz(ibidem),osestudosdaagricultura,sobnovaroupagem,realizadospelosgruposdepesquisahoje institucionalizados,re-fletemapreocupaçãocom
[...]umadasatividadesmaiscomplexasnasuperfícieterres-tre.[...]
Inegavelmente,umestudodecaráterespacialpodecontri-buirenormementeparadecifrarseusenigmas,poisnãorestadúvidaquevariáveis essencialmente espaciais, comodistân-
estUdos aGrários 31
cia, padrão, forma, etc., integram o complexo agrário. (ibi-dem,p.15)
Aperguntaquefica:oqueéaGeografiaAgráriabrasileirahoje?Muitasdevemserasrespostasemuitasdevemserasbuscasno
sentidodeobtê-las.Valeapenaessabusca?Comoefetuá-la?
Propondo caminhos
Sem querer, nestemomento, nos aprofundarmos no assunto,masparacompletarmosoraciocíniopercorridoatéaqui,conside-ramos importante traçar possíveis caminhos para avançarmos nadiscussãosobreaGeografiaAgráriabrasileira.
Devemos sempre lembrarque“ospesquisadoresdevemestaratentosparaanaturezadoconhecimentogeradoemseucampodeestudos, assim como os fundamentos que norteiam as investiga-ções” (Theóphilo; Iudécibus, 2005, p.148). Para tanto, podemostomarosgruposdepesquisacomofontedeanálises.Eles,absolu-tamente,nãosãoproduçãocientíficaaseranalisada,bemcomosuaorganização,formaçãoefuncionamento,masosprodutosintelec-tuaisporelesgeradososão.
Referimos-nosaartigos,trabalhoscompletosemanaisdecon-gressos, relatórios de pesquisa, iniciações científicas, dissertaçõesdemestradoetesesdedoutorado.Oarcabouçoparapesquisaéam-ploedistinto,masatingível.
Paraanálisedoobjetoemquestão–aproduçãointelectualdosgruposdepesquisadeGeografiaAgrárianoBrasil–propomosaadaptaçãodomodeloapresentadoporTheóphiloeIudécibus,paraosquais“ageraçãodoconhecimentocientíficoseprocessaemqua-troníveisoupolos:epistemológico,teórico,metodológicoetécni-co”(ibidem).Paraessesautores,os“polossãoconcebidoscomoas-pectosparticularesdoprocessodeconhecimentoeespaçocientíficoconsideradocomoumcampodinâmico,sujeitoàarticulaçãodessasdiferentesinstâncias”(ibidem).
32 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
AFigura8expressaessaconcepção.
Figura 8–Esquemaparadigmáticoparaanálisedostrabalhos:espaçometodológicoquadripolar.Fonte:TheóphiloeIudécibus(2005,p.149).
Umaanálisedaproduçãodosgruposdepesquisasobessaóticapermitiria um aprofundamento dos estudos sobre as abordagensteórico-metodológicasaindanãoefetuadoparaaGeografiaAgráriabrasileira.
Damesma forma, a análise a partir dos elementos internos eexternos apresentadosporDiniz (1984)permitiriaumaavaliaçãodastemáticasdepesquisaquecompõemaslinhasidealizadaspelosgrupos.Definiríamosaquiasescolhasdosgruposemrelaçãoaoste-mas,apontandoinovações,permanênciasepossíveiscaracterísticasdeidentidades.
Sãopropostasde trabalhoparaumgrupoquehá algum tem-pobuscaseconhecereseautoavaliar.Seconseguirmoscongregaremumestudoosgruposdepesquisaquetêmoagrocomotema,hágrandespossibilidadesdedefinirmosaidentidadedessegrupo,contrariandoaafirmativafeitanoEncontroNacionaldeGeografiaAgrária (ENGA)de1996, emDiamantina-MG,que traçavaumfuturonadaprósperoparaanossatãocaraGeografiaAgrária.
estUdos aGrários 33
Referências bibliográficas
DINIZ,J.A.F.Geografia da agricultura.SãoPaulo:Difel,1984.278p.SPÓSITO,E.S.Dinâmicaeconômica,fluxoseeixosdedesenvolvimento.
Avaliaçãodaconstruçãodeumatemática. In:_______. (Org.).Pro-dução do espaço e redefinições regionais:aconstruçãodeumatemática.PresidentePrudente:FCT;UNESP;GAsPERR,2005.p.53-83.
THEÓPHILO,C.R.;IUDÉCIBUS,S.de.Umaanálisecrítico-episte-mológicadaproduçãocientíficaemcontabilidadenoBrasil.UnB Con-tábil(Brasília),v.8,n.2,p.147-175,jul.-dez.2005.
Referências eletrônicas
CNPq.DiretóriodosGruposdePesquisa.Disponívelem:<http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/>.Acessoem:25jun.2009.
QueStõeS políticAS noS eStudoS em GeoGrAfiA AGráriA:
tendênciAS metodolóGicAS e interdiSciplinAridAde póS-1990
Flamarion Dutra Alves1
Este estudo acerca daGeografiaAgrária brasileira produzidapós-1990temcomoreferênciaatesededoutoradodeAlves(2010), quedetalhouaevoluçãoteórico-metodológicadaGeografiaAgrá-riadofinaldadécadade1930até2009.Nessesentido,centraremosasanálisesmetodológicasemperíodorecente,quecompreendeosúltimosvinteanos(1990-2009),emespecialaabordagempolítica,sendoummomentodeafirmações,renovaçõeseprojeçõesdosrefe-renciaismetodológicosnaáreadaGeografia.
Operíodopós-1980naGeografiabrasileiraécomumentedeno-minado,namaioriadaspesquisasrealizadas,de“crítico”,“social”ou“marxista”,econsideradoumparadigmanahistóriadadiscipli-na.Entretanto,osestudosrealizadosporAlves(ibidem)mostramqueaGeografiaAgráriabrasileirapós-1990apresentouumadiver-sidadedematrizesteórico-metodológicas.Naprática,nãosecon-cretizouesseparadigmamarxista,comoocorreucomaGeografiaRegionalClássicaoucomaGeografiaTeoréticaQuantitativa,queapresentavaumatendênciapluralcomváriosenfoquesmetodoló-gicos.ConformeapontaRobertoLobatoCorrêa: “Omovimento
1 ProfessorDoutordaUniversidadeFederaldeAlfenas–InstitutodeCiênciasdaNatureza.MembrodoNúcleodeEstudosAgrários/IGCE/UNESP-RioClaro.Contato:[email protected]
36 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
críticonageografiabrasileira,iniciadoem1978,perdeuofôlegonadécadade1990”(2010,p.65).
Dessamaneira,analisaremosasdiversasformaspormeiodasquais foramconduzidasaspesquisasemGeografiaAgrárianoBrasil, tecendo considerações sobre a abordagem política pre-sentenametodologiadepesquisautilizada.
Aspectos teórico-metodológicos na Geografia Humana e Agrária brasileira pós-1990
ConsiderandooperíododamultiplicidadedeideiaseconcepçõesnaGeografia,apartirdadécadade1990encontramosumateiadepossibilidadesnaspesquisasgeográficas.Talaberturadeopiniões deu-secomodiscursoderenovaçãodaGeografia,umaGeografiaCrítica que objetivava desmascarar as diferenças socioespaciais.Para tanto, foinecessárioutilizardiversasabordagensqueemba-sassemessapostura.
Dessa forma, apluralidadedevisões sobreo espaço reforça atendência demultiplicidademetodológica existente naGeografiaatual,emquequestõescomoacomplexidadedoespaçoeaabor-dagemsistêmicaparaentenderaorganizaçãoespacialouosproces-sosdeproduçãodoespaçoedasformaçõessocioespaciaisestãoemvoganodiscursoepistemológicogeográfico.
Afimdedarcontadetantosvieses,osgeógrafosforamprocuraremoutrasciênciasomarcoteóricoparadesenvolversuaspesquisas,comoéo casodeBernardoMançanoFernandes (1998),que trazparaodebategeográficoquestõesteórico-metodológicaspresentesno estudo dos assentamentos rurais da reforma agrária.O autorentendequeapesquisainterdisciplinarentreFilosofia,Sociologia,HistóriaeLiteraturapodeauxiliaraGeografiaAgrária.Nocasoes-pecíficodoestudodosassentamentosrurais:
A interdisciplinaridadepode ser construídapela interaçãoquepodemosfazercomdiversasáreasdoconhecimento,atra-
estUdos aGrários 37
vésdareflexãofilosóficasobreaconstruçãodosconceitosuti-lizados:sociedade,trabalho,capital,espaço,tempo,território,ambiente,cidade,campo,forma,organização,sujeito,institui-ção, estrutura, processo, produção, relações sociais, transfor-mação,movimento,classe,culturaetc.(ibidem,p.128)
De acordo com Fernandes (ibidem), os conceitos geográficospodem ser interpretados soboutrasnuances eprismasfilosóficosemumapesquisageográfica.Oautoraindacolocaaquestãodain-terdisciplinaridadecomoumabarreiraasersuperadapelosgeógra-fos,poisacompartimentagemdoconhecimento inibeaexpansãodaciência:
[...] para a realizaçãodeum trabalho interdisciplinarnãode-vemosnosintimidarcomopoliciamentointensivoquealguns“teóricos”exercemnas fronteirasdasáreasdoconhecimento.Essaposturaemnadacontribuiparaoprocessodeconstruçãodo conhecimento. [...] É fundamental ler trabalhos de outrasáreasdoconhecimentoquepossamcontribuirparaaconstru-çãodenossasideias.(ibidem,p.129)
Essadefesanamultiplicidadedeideiasdeuotomdasabor-dagensapartirdadécadade1990.Nocenáriodaglobalizaçãoedapós-modernidadedasociedadeatual,entendeu-sequeméto-dose teoriasúnicasnãocondizemcomacomplexidadedasre-laçõeseavelocidadedastransformaçõesqueocorremnoespaçogeográfico.
O espaço rural foi altamente alterado com o incremento detecnologiaseaaproximaçãodasrelaçõesindustriaisemboapartedo campobrasileiro.Essamudança,porém,vemsendo realizadapaulatinamente,apesardeter-seaceleradodepoisde1990.Nessesentido,astemáticassobrearelaçãocampoecidade,ouurbaniza-çãodocampo,vêmganhando forçanodiscursogeográficobrasi-leiro,conformesalientaGláucioMarafon(2009)quandodiscuteacontemporaneidadeeosestudosdoespaçorural.Oautoranalisa
38 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
adiversidadederelaçõessocioespaciaiscongregadasemumaredecomplexadesituações,entreelasarelaçãocampo-cidade:
Configuram-se, então, novas relações entre [o] campo e acidade,comnovasqualidadeseimpressãofortesnapaisagem.Alémdaproduçãoagrícolaedaindustrialização,temosnovasatividadesquedevemseridentificadasparacaracterizarocam-poesuasrelaçõescomacidade.(ibidem,p.330)
Nessecontexto,inúmerasrelaçõessociaisocorremnesseespaçorural.Tais relaçõessãoprocessosgeradoresdeconflitospolíticos,comoéocasodosmovimentossociaisquelutampelareformaagrá-ria.Marafon(ibidem)destacaestemovimentodecomplexidadeque se formanoe transformaoespaço rural apartirdeumelemento quecompõeoespaço:
Acomplexidadedoespaçoruralédecorrentedasprofun-das transformações ocorridas recentemente, e elas são res-ponsáveis pela subordinação desse espaço aos interesses dacidade.Busca-se,então,compreenderessasrelaçõesecomoosmovimentossociaispresentesnocampoestabelecemestraté-gias,nassuasrelaçõescomoEstado,paraqueummaiornú-merodetrabalhadoresruraispassemàcondiçãodeprodutoresrurais.(ibidem)
Naperspectivacampo-cidadeestudadanaGeografia,JoãoRua(2005),aodefiniroespaçocomomultidimensional,entendequearelaçãocampo-cidadeéresultadodemúltiplasrelações,transesca-laresenãohierarquizadasemummovimentohistórico:
Buscandoummétodomultidimensional,pretende-secom-preender o espaço (rural), percebendo-o comoumespaçohí-brido (será explicadomais à frente)plenodepossibilidades eondeexperiências inovadoras (algumascomcaracterísticasderesistência)podemserdesenvolvidas.(ibidem,p.47)
estUdos aGrários 39
Entraemquestãoacomplexidadedoespaço,osavançostecno-lógicos,industriais,eaforçaqueacidadeexercenadinâmicarural.Por isso salientam-se diversas posturas teóricas para tratar desseassunto.DimasPeixinhoetal.(2003)enfocamoestudodoespaçocomoumsistema:
Uma instância espacial deve ser vista como um sistemaquesehierarquizanaformaçãodotodo,nãosendo,portanto,sinônimodeescala,mesmoqueaescalasejaumrecursoparadimensioná-la.Cadainstânciaguardaemsiaspectosquepar-ticularizanasuainteraçãocomotodo.Nessaperspectivaaes-calaservederecursoparafocaradimensãodainstância,masa identidade de cada instância está na função que cada umaexercedentrodosistemaespacial.Portanto,osrecortesespa-ciaisquenosajudamadimensionarosfenômenos,fundamen-taisparaanossaanálise,nãosãoosconstituidoresdasprópriasidentidades.(p.85-86)
AabordagemsistêmicasempreestevepresentenosestudosdeGeografiaAgrária,desdeaGeografiaClássica,nasquestões fun-cionaisdapaisagememrelaçãoaosgênerosdevida,passandopelaGeografiaTeorética, no entendimento da organização do espaçoagrário.Nesteiníciodeséculo,aabordagemsistêmicafundamenta--seemdiferentesbasesteóricasparaexplicarosfenômenosruraiseurbanos,masaquestãodacomplexidadedoespaçoésalientadaporEdgarMorin(2005),sendoessaumabaseteóricaimportantenaabordagemsistêmicaatual.
Com posição teórica semelhante, Limberger (2006) discute aabordagemsistêmicaea teoriadacomplexidadecomoformasdeentenderaorganizaçãoespacialnaGeografia:
ComoaGeografiaestudaaorganizaçãodoespaço,e istoenglobaentenderváriosaspectostantodogeossistemaquantodo sistema socioeconômico e a emergência de sua relação; ecomosesabequetaljunçãoéaindabastantehipotética(por-
40 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
queseseseparaestes“sistemas”;então,seperdeacaracterís-ticasistêmica),enfatiza-seanecessidadedeaprofundamentonas discussões e pesquisas em torno da complexidade destetema.Ouseja,apesardealgumasincompatibilidadesentreoconceitoeapráticadateoriadossistemas,nãosedevedeixarde ladoestaabordagemque tendeamuitocontribuirparaoprogressodaciência,inclusiveeprincipalmente,ageográfica.(ibidem,p.108)
Outro geógrafo que questiona os tipos de enfoques teórico--metodológicoseoobjetodeestudonaGeografiaéPauloCésardaCostaGomes(2005,2009).Paraele,aevoluçãodoobjetodeestudodaGeografiasofreualgumastransformações.Contudo,esseautorsalientaquetodapesquisanecessitadeumaabordagemgeográfica,mesmonaatualidade,quandosediscuteacomplexidadedoespa-çogeográfico.Entretanto,eleconsideraqueaGeografiaestudaasinter-relaçõesemumadeterminadaordemdispersaespacialmente,masnãoemsuatotalidade,umavezqueissoéimpossível:
Nuncachegaremosaenvolvertodososaspectosdamiríadedos elementos inter-relacionadosna composiçãodos sistemasespaciais.Seusdesenhos,emborapossamsertraduzidosemes-quemassimplificadosparafinsdeapresentação,sãooprodutodesofisticadosprocessos.(Gomes,2009,p.26)
CostaGomesreforçaaideiadeordem,oudeordenamentoes-pacial,comosendooenfoquenaspesquisasgeográficas.Apesardamultiplicidadedetemasquepodemedevemsertrabalhadospelogeógrafo,deve-setermuitoclaraaquestãodaordemespacial:
Há,contudo,sempreumaanálisegeográficaquandoocen-trodenossaquestãoéaordemespacial,pouco importandootipodofenômeno,inorgânico,orgânicoousocial,atéporquees-sasfronteirassãodedifícildelimitaçãoemmuitoscasos,quan-dofalamosdenaturezaedesociedade.(ibidem,p.27)
estUdos aGrários 41
Em outro momento, Costa Gomes (2005) analisa o discursomarxistanaperspectivadomaterialismohistórico-dialético e suautilizaçãonaGeografia:
Omaterialismohistóricoedialéticoéométodoquepermiteapassagemda imagemcaóticadorealparaumaestruturara-cional,organizadaeoperacionalizadaemumsistemadepen-samento.Aprimeira etapadestemétodo é, pois, a buscadoselementosessenciaiscomunsqueestruturamoreal[...].Apers-pectivamarxista encontra nométodomaterialista-histórico oinstrumentocapazdeprojetarapercepçãoparaalémdofeno-menológico,fazendosobressairasverdadeirasessênciasescon-didasatrásdasaparências.(p.281-282)
EssadiscussãoépropostaporFlavianaNunes(2006),quetraza importânciadoestudodasrelaçõesedosprocessoseconômicospara as pesquisas emGeografia.Entretanto, a autora deixa claroquetaisanálisessediferenciamdeumaabordagemmarxistaedia-léticadoespaço,naqualoeconômico fazpartedoentendimentohistórico-dialético, sendomuitas vezes o centro da pesquisa.Naabordagem econômica, não necessariamente, faz-se uma análisehistóricaecontraditóriadocapitalismoedascomplexidadesdoes-paçogeográfico,masumaintroduçãodasrelaçõessociaisnapers-pectivaeconômica.
Nunes (2006) ressalta também a predominância de estudoshistórico-dialéticos na área daGeografia no decorrer da décadade1980,dandoespaçoanovasvisõesmetodológicasapartirdadécadade1990:
Paracompreenderestacomplexidade,verifica-se,nosúlti-mosanos,apresençadeumamultiplicidadedeabordagensteó-rico-metodológicasnageografia,caracterizandoummomentodiferenciado em relação aos anos 1980,por exemplo, emquehaviaumapredominânciadosreferenciaisteórico-metodológi-cosdomaterialismohistóricoedialético.(p.186-187)
42 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
ParaNunes (2006), a estrutura teórico-metodológicadaGeo-grafia Econômica esteve pautada no positivismo, passando pelomarxismoepeloviésfenomenológico:
As influências teórico-metodológicas deste projeto identi-ficam-secomasprópriasformasdeentenderageografiaapósacrise dopositivismo: o estruturalismode caráter relativamentemarxista e o humanismo fenomenológico impulsionado pelasfilosofiaspós-modernas,ambosimbuídosdeumsentidocríticoemrelaçãoaocapitalismoimperantee,sobretudo,emrelaçãoàssuasconsequênciasemtodasasescalaseordens.(ibidem,p.189)
Aabordagemeconômicaémuitoútilparaaanálisedoespaçogeográficoedesuasrelaçõeseprocessos:
Paraageografia,oeconômicoéimprescindívelparaenten-deralógicadaorganizaçãodasociedadeapartirdesuasexpres-sõesespaciais.Comoaeconomiamudou,dinamizou-seetor-nou-semaispresentenasdiversasesferasdasrelaçõeshumanasdevidoàmercadorizaçãodetodasasrelações,issoserefletenaordemevivênciaespacial,cobrandoanálisespertinentes.(ibi-dem,p.193)
Apartirdadécadade1990,Nunes(2006)vêumamultiplicida-dedeconcepções teórico-metodológicasnaGeografiaemgeral, etambémnosestudoseconômicos:
[...] apartirdomomentoemqueesse referencial teórico-me-todológico (omaterialismo histórico e dialético) deixa de serhegemônicoesãointroduzidasnovasabordagensnageografia,outrasdimensõesdarealidade,taiscomocultura,gênero,etnia,entreoutras,tambémpassamaservalorizadas.(ibidem,p.195)
Com relação à Geografia contemporânea, Dirce Suertegaray(2009)destacacincoabordagensadotadaspelomovimentodaGeo-
estUdos aGrários 43
grafiaCríticasoboutraperspectiva:GeografiaCultural,GeografiaNeomarxista,GeografiaInstrumental,GeografiafundadanoDe-senvolvimentoSustentável eGeografia fundadanaNaturezaEx-ternalizada,ouseja,amultiplicidadedeconcepçõesganharelevân-cianaspesquisasgeográficas.
Essasdiscussões acercadoespaçoedasmúltiplas abordagenssãoalgumascaracterísticasdageografiaagráriapós-1990,aqualjáfoiestudadaporDarleneFerreira(2002)até1995.Aautoraenten-dequeàGeografiaAgráriaCrítica:
[...] corresponde uma Geografia Agrária preocupada com asquestõessociaiseeconômicasemrelaçãohomem-terraecomasrelaçõesdoshomensdocampoentresiecomaquelesdasci-dades.Essaposiçãoécoerentecomumaliberdadedeexpressãoideológicaconquistadaapósoperíododitatorialecomoacir-ramentodosconflitossociaisnumasituaçãodefechamentodefronteirasàapropriaçãodeterras.Écoerentetambémcompre-ocupaçõesdaordemdosdireitoshumanosedouso (eabuso)dosrecursosnaturais,nummundoquesetecnificaeimediatiza.(p.340)
Aautoradestacaoaumentodaanálisesociológicanosestudosgeográficosdorural,salientandoumadiminuiçãodasabordagensespaciais: “a incorporação de conceitos e teorias sociológicas eeconômicasmarcoupresençanosestudosdadécadade1990.Aquestãoespacial foi suplantadapelo social, ea referênciaagru-pos,sujeitos,classessociais,entidades,lutas,tornou-seevidente”(ibidem,p.333).
Após 1995, não houve levantamentos bibliográficos densossobreo temametodológicoehistoriográficonaáreadaGeografiaAgráriaquefizessemalgumasconstataçõesacercadocenárioatualeapontamentosparaofuturo.Nessesentido,estetextobaseadoemAlves(2010)pretendevisualizarosprincipaisaspectosmetodoló-gicosnaGeografiaAgráriabrasileira,fundamentadosnaproduçãobibliográficapresentenaspublicaçõescientíficasRevista Brasileira
44 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
de Geografia,Boletim Paulista de Geografia,Boletim de Geografia Teorética,Geografia(RioClaro),Boletim Goiano de Geografia,Terra Livre,Geosul,Sociedade & Natureza e Geousp.
Principais abordagens metodológicas na área da Geografia Agrária
Adefinição das abordagensmetodológicas seguiu alguns pres-supostosclassificatórios,natentativadesistematizaromaterialcon-sultado.Tendoemvistaosgrandesmétodosdaciência–indutivo,dedutivo, dialético e fenomenológico –, esforçamo-nos para nãoagruparosartigospesquisadosnesseroldemétodos,masemexpan-dirohorizonteclassificatório,poismuitostextosnãodeixavamclarasassuasbasesteórico-metodológicaseapresentavamumajunçãodeideiasdesconexascomométodoaparentementeprejulgado.
Nessesentido,criaram-sedezoitoabordagensmetodológicas,2 apósasanálisesrealizadas,comointuitodepercorrerotrajetodaGeografia Agrária, contemplando o máximo de concepções. Aclassificaçãodos artigosprimoupela sua inserção emdetermina-da abordagem, apesar demuitos artigos apresentaremmúltiplosaspectosdaabordagemescolhida.Assim,nestecapítulo,enfocare-mosaabordagempolíticacomoumsubcampodaGeografia,con-formelembraCorrêa(2010),salientandosuautilizaçãopós-1990.
Abordagem política nas questões agráriasNeste tipo de abordagem, os trabalhos desenvolvidos se preo-
cupamcomasquestõesrelacionadascomopodereainfluênciadosdiferentesníveisdegovernos(municipal,estadualounacional)nasquestõesterritoriaisdocampo,sejamemrelaçãoàspolíticasdeabas-tecimento,políticasfundiárias,sejamemrelaçãoàspolíticasdepre-servaçãoambiental.
2 ParaconhecertodasasabordagensempregadasnoestudodahistóriadaGeo-grafiaAgráriabrasileira,verAlves(2010).
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RetomandoosclássicosdaGeografia,FredericRatzelintrodu-ziuadiscussãodoEstadonaorganizaçãoterritorialesuasinfluên-ciasnadinâmicadapopulação.Entretanto,naGeografiaAgrária,essaabordagemsedesenvolveránadécadade1980,comostraba-lhosdacorrentecrítica, emvirtudedaconjugaçãode fatoresqueinterferemnasrelaçõessociais.EntretaisfatoresestáaatuaçãodoEstadoedaspolíticaspúblicas.
Arelaçãodepoderémarcantenessasabordagens,eacategoriaterritórioganhaespaçonasbasesconceituaisdaspesquisasagráriasporqueserefereaumespaçointrínseco,delimitadoporrelaçõesdepoderoude identidade.Citamos, aqui,ClaudeRaffestin (1993),RogérioHaesbaert(2004),MarceloSouza(2003),entreoutrosgeó-grafosqueanalisamaquestãoterritorialsobaperspectivadopodernaabordagempolítica.
Convém destacar os estudos sobre políticas públicas para osagricultores,crédito,políticas fundiárias,políticasambientais,ouseja,osimpactosdediferentespolíticasparaodesenvolvimentodoespaçoagrário.
Produção bibliográfica na década de 1990
Nadécadade1990,salienta-seagrandepreocupaçãodosgeó-grafosemdiscutirtemasrelacionadosaquestõespolíticasquein-terferemdiretamentenaorganizaçãoagrária,sejaparaoaumentodaproduçãoagrícola,sejaparadiscutirquestõesfundiárias.Otra-balhodeKohlhepp(1991)mostraaevoluçãodossistemasagrope-cuáriosnoParanádesdeadécadade1960,enfatizandoasdecisõespolíticasnessasmudançasestruturais:
Aexposiçãoaseguirtemporobjetivoaanálisedassuces-sõesdeusodaterranonortedoParanádesdeosanos60,assimcomo a pesquisa de suas causas e consequências.No centrodo interesse encontram-se as transformações de estruturasagroespaciaisdamonoculturadocaféemumamodernização
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agropecuária baseada em uma nova política agrária estatal.(Kohlhepp,1991,p.79)
Esseprocessodemodernizaçãonocampoexpandiuafronteira
agrícolaatingindonovasáreasprodutivas,comooCentro-OesteeaAmazônia.Sobreisso,Machado(1992)analisaoprocessohistóricodeocupaçãodaAmazônia,afronteiraagrícolaeaspolíticasgover-namentaisdeocupaçãoecolonizaçãodoterritórioamazônico:
[...]oproblemamaisgravenafronteiraagrícolaamazônicaéareproduçãodamesmaestruturaeconômicasocialmenteinjus-taquegeraaorganizaçãodoconjuntodoterritóriobrasileiro,reforçadopelodomíniodotransitório,fatocomumàsáreasdeocupação recente, o que permite caracterizá-la como área deinstabilidadee incerteza,aumentandoaspressõessobreapo-pulaçãoalémdolimiardosriscosinerentesaumaocupaçãopio-neira.(ibidem,p.54)
Namesmalinha,MariaSocorroBrito(1995)discuteaspolíticasadotadaspelosórgãosgovernamentais,apartirdadécadade1960,notocanteàocupaçãodousodeterrasnaAmazôniaLegalparafinsagropecuáriosedepovoamento:
Ofatodeessaregiãoterseconstituídoemáreaestratégicadoplanejamentooficial,nocontextodeexpansãodafronteiraderecursosdoPaís,favoreceu[a]mudançadeseupapeldeáreaextrativista, para transformá-la em espaço aberto ao capital,ondeaincorporaçãodeterrasaoprocessoprodutivosedeu,nãosó,pelaimplantaçãodegrandesprojetosagropecuários,comopelacolonizaçãodirigidaepelopovoamentoespontâneo.(Bri-to,1995,p.74)
Ainda sobre a região amazônica, JoséAmaral (1998) apre-sentaosaspectospolíticosesociaisdacolonizaçãorealizadaemRondônia:
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Adimensão espacial envolve trajetórias sociais de regiõesdistintas,sejanosentidorural/rural,sejanosentidorural/ur-bano.Estasmigraçõesestãorecheadasdeconteúdosparticula-res,porémexisteumareciprocidadenasrelações.Ocolonopas-sasimultaneamentepordoisvieses:odadessocializaçãoemsuaregiãodeorigem,eodaressocializaçãonasnovasterras.(p.132)
AindaparaAmaral,oEstadofoidecisivoparaoaumentodascontradições sociais e o acirramento dos conflitos fundiários nosprojetosdecolonizaçãoemRondônia:
OpapeldoEstadoéressaltadocomo“maestro”dosconfli-tossociaisedosprocessossociaisemergentes.Eleexercefun-ções normativas na acumulação e na legitimação e age como“fiocondutor”dosprocessossociais.Intervémdiretamenteemváriasescalasespaciais,estimulandodiversosfluxos,aliviandotensões sociais localizadas e combatendo frontalmente outrosmovimentos.(ibidem,p.135)
Arespeitodasdecisõespolíticasparaodesenvolvimentorural,MariaVargas(1992)mostraaspolíticasdedesenvolvimentoado-tadasparasolucionaroproblemadassecasnoNordesteapartirdadécadade1960:
Naproduçãodoespaçoereproduçãodeseuespaço,o“Po-lígonodasSecas”édefinidoterritorialmentecomoáreasujeitaasecasperiódicas,politicamentecomoáreaproblemaeeconomi-camentecomoáreacarentedemodernização,detransformaçãodesuabaseprodutiva.[...]AintençãodoEstadoemconverterosertãoemterrasagricultáveiscombasenodesenvolvimentodeumaagriculturamoderna,realizadaporagricultoresproprietá-riosenãoporagricultoresposseirosearrendatários,passapelaatuaçãodeagentesnosníveisfederal,estadual,eprincipalmen-telocal,geralmenteatravessadospelojogodasforçassociaisnosseusdiversosníveis.(p.53-54)
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JáotrabalhodeCandiottoeSoares(1996)discuteaspolíticaspúblicasvoltadasparaapráticadoturismoemárearurais,emes-pecialoecoturismo.Osautoresdescrevemosfatoresnaturaiseam-bientaispositivosemumafazendanomunicípiodePrata(MG):
O conhecimento dos aspectos físicos da área pesquisadaparaaatividadeturísticaéfundamentalparasedeterminarcomclarezaotipodeusoemanejodolocal,ouseja,comopodeserexploradaeoquedeveserpreservado,otipodeatividadeeco-nômicaaserdesenvolvida,comointuitodeminimizarosim-pactosnegativos,poisénecessárioparamanteraqualidadedosatrativosàvisitaçãodeturistas,principalmentenoecoturismoeturismorural,quedependemdapreservaçãodanaturezaparaseudesenvolvimentoesustentabilidade.(ibidem,p.65-66)
CyroLisita (1996)mostra a evoluçãoda estrutura agrária emGoiásealigaçãocomaspolíticasvigentesnopaísdesdeaLeideTerrasde1850,passandopeloEstatutodaTerrade1964,atéaspo-líticasrecentesdadécadade1980.
Aquestão fundiária é temadegrandepartedos trabalhos emGeografiaAgrária.Entreosautoresquetrabalhamcomessaabor-dagemdestacam-seBernardoMançanoFernandes(1997),que,pormeiodeestudosempíricoscomoMovimentodosTrabalhadoresRuraisSem-Terra(MST),desenvolveteoriassobreaterritorializa-çãodosassentadossoboviésdopoder,daidentidadeedaconsti-tuiçãopolíticadomovimento.Arespeitodisso,FernandesanalisaaspolíticaseformasjurídicasadotadasnotratodaquestãoagráriaemrelaçãoaoMSTealutapelaterra:
Iniciamosumareflexãoarespeitodeumaquestãoquevemsedestacandonos conflitos fundiários: a judiciarizaçãoda re-formaagrária.DiscutimosasdiferentesrespostasqueoPoderJudiciáriotemdadoàsaçõesdoMovimentodosTrabalhadoresRuraisSem-Terra(MST),comoobjetivodecontribuircomodebatearespeitodaquestãodareformaagrária.(1997,p.34)
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Emoutralinhadeanálise,PauloAlentejano(2000)discutepo-líticasgovernamentaisetextosacadêmicoscomrelaçãoaoconceitodo“novorural”paraocampobrasileiro:
Oobjetivodestetextoéanalisarosprincipaisprocessosdetransformaçãoemcursonoagrobrasileiro,demodoaidentifi-carasnovidadeseaspermanências,permitindoumacompreen-sãodoquehádenovonestemundorural.
Paraisto,analisaremosalgunstextosquebuscamexplicarastransformaçõesemcursonarealidadeagráriabrasileira,assimcomodocumentosgovernamentaiseposicionamentosdeorga-nizaçõesnãogovernamentais(ONGs)edemovimentossociaisarespeitodaquestão.(ibidem,p.87)
Essesestudosenfocamosaspectospolíticosdaquestãoagrária,e muitas vezes estão associados aos aspectos econômicos de taispolíticas. A respeito dessas abordagens, Geraldo Müller (1992)apresenta as consequências damudança de padrão tecnológico eprodutivonaagriculturanadécadade1980,emumaabordagempolítico-econômica:
O subdesenvolvimento no Brasil não radica em sua agri-cultura, em sua agroindústria e em sua indústria, comércio eserviços,mesmoquenestessetores,comoemoutrosdenossavidanacional, tenhamosquesuperardefasagens tecnológicas,organizacionais e institucionais. Nosso subdesenvolvimentose fundana inexistênciade instituições capazesdepermitir atransferênciade fundos intersetoriais,emrelaçãoaosquaisseconsidereosserviçossociaiscomocondiçãoindispensávelparaassegurarocrescimentoeconômicoeumacoesãosocialdinâmi-ca.(Müller,1992,p.46)
Espíndola (1999) analisa as possibilidades de integração dasagroindústriasdooestecatarinenseaomercadosul-americano,emespecialnospaísesparticipantesdoMercosul:
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[...]osgruposagroindustriaisdooestecatarinense,principal-menteSadia,definemsuasestratégiasemfunçãodeumagamadeprodutos,chegandoaumaagressivapolíticadepenetraçãonosmercadosmaisdinâmicos.Comisso,definemsuasestraté-giasnosdiferentesespaçosregionaiseinternacionais.Trata-se,portanto,deumarelaçãointrínsecaentreestruturasdesusten-taçãoprodutivaeestratégiasdinâmicasempresariais.(Espíndo-la,1999,p.136-137)
TemaspolíticosganhamforçanaGeografiacomoumtodoapós1980.NaGeografiaAgrárianãopoderiaserdiferente.Alutapelareformaagráriaeporumamelhordistribuiçãodosrecursosfinan-ceiros entreos agricultores équestão emdebatenaGeografia.Oquedeveser indispensáveldeserressaltadonessaabordageméofoconaquestãoespacial,emcomoaspolíticaspúblicasinterferem,emespecial,naorganizaçãodasociedadeagrária.
Produção bibliográfica no início do século XXI
Indiscutivelmente,apreocupaçãodaGeografiaemexporospro-blemas e as demandasdepolíticas públicaspara a organizaçãodoespaçoagrárioganhourelevonesteiníciodeséculo.Comoumins-trumentoquepodeinterferirdeformadecisiva,tantosocialquantoeconomicamentenavidadosagricultores,asquestõespolíticasdeno-tamocarátercríticoepreocupadocomosocialqueogeógrafoincor-porou.Éconvenienteexaltaressapreocupação,obviamente,quandoassociadaaosprincípiosepressupostosdaciênciageográfica.
Tratando das políticas direcionadas à agricultura familiar,FlaviodosAnjosetal.(2006)discorremsobreapolíticadecré-ditoruraldoProgramaNacionaldeFortalecimentodaAgricul-turaFamiliar(Pronaf)eainadimplêncianoscontratos,revelan-doasdificuldadesencontradasporumaparceladeagricultores.Em outro estudo, Rosângela Hespanhol eVera Costa (2001)
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discorremsobreaimportânciadeordempolítico-econômicodoPronafedosconselhoslocaisnaagriculturafamiliar,situandoocasodosmunicípiosdeAlfredoMarcondeseÁlvaresMachadoemSãoPaulo:
Nesse contexto, deve-se reconhecer, ainda que de formapreliminar,aimportânciaqueoPRONAFInfraestruturaeSer-viçostemassumidoemalgunsmunicípiosqueforamcontem-pladoscomosrecursosdessa linhadefinanciamento,criandocondiçõeseconômicasepolíticasparaqueasassociaçõesdepro-dutoresfamiliaresintervenhamnarealidadelocal,firmando-secomoentidadesaglutinadoraserepresentativasdosagricultoresnas demais instâncias do poder local (prefeiturasmunicipais,Conselhos deDesenvolvimentoRural,Casas daAgricultura,etc.).(Hespanhol;Costa,2001,p.88-89)
AsestratégiasdereproduçãosocialeeconômicadosagricultoresfamiliaresemUrubici(SC)foramdiscutidasporWalquíriaCorrêa(2001).Aautoraapontouaspolíticasdecréditoedeassistênciatéc-nicacomoalternativasparaaculturadamaçã.Paraalgunsautores,essas políticas estão diretamente associadas ao desenvolvimentorural e, inclusive, ao desenvolvimento sustentável. O estudo deLucianoCandiottoeWalquíriaCorrêa (2004)apresentaalgumasatribuiçõesdogovernofederalreferentesaodesenvolvimentoruralsustentávelemrelaçãoàagriculturafamiliar:
Através dos documentos que analisamos, bem como dacomparação entre o discurso do governo sobre o desenvolvi-mentosustentáveledesuasaçõesefetivas–quepraticamentenãoocorreram,emuitasdasqueocorreramnadatêmavercoma sustentabilidade, tantonogovernoFHC, comonogovernoLulaatéentão–,podemosafirmarqueoBrasilestábuscando,únicaeexclusivamente,ocaminhododesenvolvimentosusten-tado.(ibidem,p.278)
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Nalinhadepesquisasobreosassentamentosrurais,JoãoFabri-ni(2002)abordaocontextopolíticoeeconômicodoMSTnafor-maçãoeconstruçãodoterritóriocamponês:
Noprocessodeconstruçãodoterritório,verifica-sequeasco-operativasdespontaramcomoformadeparticipaçãodosassen-tadosenquantosujeitopolítico.Entretanto,éapartirdainclusãoeconômicaeprodutivaqueascooperativasrepresentam,queoMSTentendequeosassentadosvãosetornarsujeitospolíticos.Eainda,écomoseaparticipaçãopolíticaexigisseodesenvolvimen-todeforçasprodutivasparaexistir.(Fabrini,2002,p.91)
Emumaescalaregionaldaspolíticasvoltadasparaaagricultura,ClécioSilva(2001)analisaaspolíticasdedesenvolvimentoruraleagrícolaeuropeias,comoaPolíticaAgrícolaComum(PAC),esuascontribuiçõesparaodesenvolvimentoregional.
Écertoqueaexperiênciaeuropeiadeintegraçãodepolíti-cas rurais no desenvolvimento regional émuito particular nouniversocapitalistaenãopodeapresentarpistasdiretasparaainvestigaçãodeumprocessodeintegraçãoperiféricacomo,porexemplo,oblocoMERCOSUL.Contudo,pode-seextrairal-gunsimportantesaspectosmetodológicos.(Silva,2001,p.70)
Outro trabalhoque segueuma abordagempolítica também édesenvolvidoporClécioSilva(2004),noqualelediscorresobreaspossibilidadesdegestãodasbaciashidrográficasedosrecursoshí-dricoscomopolíticadedesenvolvimentorural.
Fazendoumlevantamentohistóricodaspolíticasaplicadasnocampobrasileirodesde1960atéoiníciodoséculoXXI,CesardeDavideWalquíriaCorrêa(2002)discutemarespeitodessetema:
OpapeldoEstado,comogestordeprojetos,deveserenfa-tizadoquando se analisamosprocessos econômico-sociaisnoespaçoagrário,efetivadosatravésdepolíticaspúblicas:asagrá-
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rias,queenvolvemosprojetosdecolonizaçãoereformaagrária;e as agrícolas,voltadasaocréditoe aospreçosmínimos. (ibi-dem,p.24)
Ocenáriodocampobrasileirodadécadade1960quantoàsdesi-gualdadessocioeconômicaspoucomudouatéoiníciodoséculoXXI.ConformeestudodesenvolvidoporHelenaMesquita(2008),noqualexpressaessadesigualdadeemrelaçãoàspolíticasgovernamentais:
O modelo de desenvolvimento do país, especialmente oqueserefereaocampo,comonoprocessodemodernizaçãodaagricultura,égeradordeconcentraçãoeexclusão.Aestratégiadamodernizaçãoadotada foi claramente conservadora, e tevecomoobjetivobásicooaumentodaproduçãoedaprodutivi-dadeda terra e do trabalho.A forma foi uma renovação tec-nológicacomutilizaçãodeequipamentos, insumos,técnicasemétodosmodernos,eoempregomínimodemãodeobra,comtendênciaàespecializaçãodamesma.(p.135)
UmacríticapontualàspolíticasdosgovernosFHCeLulafoidiscutidaporEduardoScolese(2004),que,pormeiodeumaaná-lisedetextosdejornal,expôsosnúmeroseasinformaçõessobreareformaagráriadogovernoFHCedoiníciodogovernoLula:
[...]aexposição,narradadeformajornalística,sobreosnúme-rosdareformaagrárianosgovernosFernandoHenriqueCar-doso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003 e iníciode2004).Apressãodosmovimentossociaisedospartidosdeoposiçãoataisgovernostemoutiveramcomobaseasmetasdeassentamentos,deixandoaqualidadedosprojetosemsegundoplano.(p.123)
Nomesmotomdecrítica,AriovaldoOliveira(2006)exploraasquestõespolíticasdaocupaçãodoterritórioamazônico,analisandoocrescimentodaproduçãodesojaealutapelareformaagrária:
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Esteartigopretendecontinuarcontribuindoparaadiscussãosobreosignificadodaexpansãodasojasobreaflorestaamazôni-ca,seuestágioeseuscenáriosfuturos.Masestadiscussãonãosecompletaseasquestõesrelativasàgrilagemdasterraspúblicasedevolutasnãoestivessemtambémnaordemdodia.Porisso,aquestãodaexpansãodasojaestárelacionadaaomovimentodosgrileirosdeterrasobreaAmazônia.(Oliveira,2006,p.15)
Emumaperspectiva desenvolvimentista das lavourasmoder-nas,VencovskyeCastillo(2007)discutemaspolíticasdosistemaferroviáriobrasileiroeseuusoparaescoamentodaproduçãoagrí-colanocerradobrasileirosobaégidedoreferencialdeMiltonSan-tosacercadomeiotécnico-científico-informacional:
Para o escoamento da produção de soja dos novos frontsagrícolas,governoseempresasestãofortalecendoaindamaisoscorredoresde transporteeexportação.Estessãoconsideradoscomooespaçodosfluxosquenãoabrangemtodooespaço,ouseja, são subsistemas formados por pontos, linhas emanchas[...]3eutilizadosporpoucos.(p.129)
Essamodernizaçãonocampo,ocorridapelaspolíticasqueseini-ciaramapartirdadécadade1960,transformouaformadoespaçorural,acrescentandonovoselementosaesseespaço,antesintrínsecosdoespaçourbano.Nessesentido,JoselCorrêa,WalquíriaCorrêaeLuciaGerardi(2001)apresentamalgumasdefiniçõessobreoespaçoruraleurbanodeacordocomasleisordinárias,comoaConstituiçãoFederaleoEstatutodaTerra.EssetemaentrarácomintensidadenaGeografiaAgrária,naruralidade,namultifuncionalidadedoespaçoenapluriatividadedosagricultores.Assim,arespeitodamultifun-cionalidadedoespaço rural, IvoElesbão (2008)discorreacercadoprocessodeproduçãodoturismoruralemPortugaldopontodevis-tapolítico.JáoartigodeBernardoFernandeseKarinaPonte(2002)
3 Santos,2002,p.296.
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exploraosproblemaspolíticosdaquestãodaruralidadeedo“novorural”noestudodasvilasruraisnoestadodoParaná:
[...]pretendemosanalisarossignificadoseoscomponentesdoProgramaVilasRuraisdoEstadodoParaná.Paraisso,partire-mosdequestionamentossobreométododeanálisedo“novorural”ebuscaremosrepensarnovosmétodosquepermitamen-tenderasnovas ruralidadesqueestão se configurando.Sendoassim, contribuirá para uma reflexão dos sentidos assumidospelas políticas públicas no Brasil e principalmente dasVilasRurais,oquevemnosentidodeviabilizarcertosinteressesdasclassesdominantes.(p.113)
Assinalamos a seguinte tendência naGeografiaAgrária nesteiníciodeséculo:a inquietaçãodospesquisadorescomaspolíticasgovernamentaisquesubsidiamossistemasagropecuáriosnoBrasil,sejamelesparaareorganizaçãodaestruturafundiária,nocasodosassentamentosrurais,sejamparaaexpansãodasatividadesempre-sariais,comoéocasodasoja.Entreessesdoispolos,começa-seadebaternovaspolíticasdedesenvolvimentoparaocampoquenãosejameminentementeagrícolas.Nessecaso,políticasdirecionadasàpluriatividade.
Considerações finais
Destaca-se o crescimentoda abordagemdequestõespolíticastratadaspelaGeografiaAgrárianesteiníciodeséculo.Ogeógrafotendeadesenvolverpesquisasqueentendamadinâmicaespacialecomoaspolíticaspodeminterferirpositivaenegativamentenessadistribuiçãoeorganizaçãodoespaço, comoéo casodaspolíticasfundiáriasedereformaagrária.Dessaforma,asatividadeseconô-micassãopeçasimportantesnessetipodeanáliseequasesempreestãoassociadasàabordagempolítica.
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Tornam-senecessáriosestudosteóricosqueapontemparaoce-náriofuturodaGeografiaAgráriadiantedacomplexidadedoespaçoedas transformaçõesqueocorrememvelocidades cadavezmaisrápidasedinâmicas, interligandovárioselementosquecompõemaorganizaçãoespacial.Assim,nesteiníciodeséculoXXI,odebateestáemdescobrirmetodologiasquecontemplemessadiversidadederelaçõeseprocessosemumaperspectivageográfica,masnãoiso-ladadasoutrasciências.
Entracomforçaodebatedainterdisciplinaridade,poismuitoscientistasnãoconsideramsuficienteumabaseteóricaepráticaparaexplicarosfenômenosdasociedade.NaGeografia,oempregodereferenciais de outras áreas do conhecimento sempre esteve pre-sente(naGeografiaClássica–asCiênciasNaturais;naGeografiaTeorética–asCiênciasExatas).Noentanto,oenfoquegeográfico(relaçãosociedadexnaturezaeaorganizaçãodoespaço)estevepre-sentenasanálises.Agrandepreocupaçãoserefereàgeograficidadedostrabalhosinterdisciplinares.
Dessaforma,adotamosumaposturacoerentecomasnecessi-dadesdecadapesquisa,masnuncadeixandooenfoquegeográficoemsegundoplano.Aquestãoespacialdeveserabasedequalquerinvestigaçãogeográfica.Aposturadainterdisciplinaridadeéválidaparaaciência,poisaumentaoroldeopçõesnatentativadeexplicarumfenômeno.Entretanto, issodeveocorreràmedidaqueopes-quisadortenhaconhecimentoebasedesuaciênciadeorigem,paraposteriormente extrairnovas ideias e conteúdos emoutra ciênciaaplicando-osnoestudoemquestão.
Um dos grandes problemas da interdisciplinaridade naGeo-grafiaéafaltadebasedogeógrafonaárea,odesconhecimentodosobjetosdeestudo,suascategoriaseconceitosoperatórios,ouseja,muitaspesquisas interdisciplinares realizadasporgeógrafosmes-claminúmerosconceitoseautoresdediversasáreas,masnão fo-calizamoobjetodeanálisegeográfico.Issomuitasvezesacabasetornandoumamontoadodeideiassemconexão.
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A multifuncionAlidAde e A pluriAtividAde como temAS de AnáliSe: o turiSmo rurAl nA
produção do proGrAmA de póS--GrAduAção em GeoGrAfiA dA
uneSp-rio clAro (2001-2010)Elias Júnior Câmara Gomes Sales1
Fadel David Antonio Filho2
O Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) daUniversidadeEstadualPaulistaUNESP-RioClaro,noestadodeSãoPaulo,desdesuacriação,em1976,eposterioriníciodasativi-dades,em1977,tematradiçãodeacolherpesquisadoresdasmaisdiversasáreasedetodasasregiõesdoBrasil,osquaisdesenvol-vempesquisasqueabrangemasmaisvariadastemáticas,sempredecunhogeográfico.
Aolongodosanosdesuaexistência,umnúmerobastanterele-vantedetesesedissertaçõesfoidefendido,eduranteesseperíodoforammuitasastransformaçõesocorridasnarealidadebrasileira,oqueacabourefletindonaproduçãocientífica.Acompanhandoessatrajetóriademudanças,aacademiasedefrontacomanecessidadede buscar compreender as novas problemáticas estabelecidas e,dessamaneira,tentaconstruiroureformular,demodosistemático,oconhecimentosobreasnovastendências.
1 Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP.Núcleo de Estudos Agrários/IGCE/UNESP-Rio Claro. Contato: [email protected]
2 ProfessorDoutordoDepto.deGeografiadoIGCE–UNESP-RioClaro.Pro-fessorOrientadordoPPGG/IGCE/UNESP-RioClaro.Contato:[email protected]
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Entreosdesafiosatuais,aconjunturaqueenvolveomeioruraldespontacomoáreapromissoraparainúmerasinvestigações,tendoemvistaquearelaçãocampo-cidadeerural-urbanomudouefomen-tounovasfunções,alémdaagrícola,paraesseespaço.Nessecontextodestaca-seo turismo,maisespecificamenteo turismorural,oqualtempromovidointensastransformaçõesnoreferidoespaço.
Diantede talperspectiva,estecapítuloapresentaumlevanta-mento bibliográfico utilizando teses e dissertações defendidas noPPGG,nointuitodeapontaroquetemsidopesquisadonosúlti-mosdezanos(2001-2010)sobreturismoruralnaópticadamulti-funcionalidadeedapluriatividade.
Aprimeiraseçãodestecapítulofazreferênciaàpluriatividadeeàmultifuncionalidadecomoelementosrelevantesparaacompreen-sãodanovarealidadevividanoespaçorural,oqualapresentavaria-dasatividadesnãoagrícolas,entreelasoturismo.
Nasegundaparteéapresentadoopanoramadaspesquisasrea-lizadascomatemáticadoturismorural,oquerevelaatendênciainvestigativadosúltimosanos.Essaseçãofoidivididaemduas:emuma,ofocodapesquisaestádiretamenteligadoaoturismorural;aoutraabarcaessecomponentedemaneira indireta,pormeiodeatividadesexercidasnoespaçorural.
Ocapítuloterminacomasconclusõesarespeitodosestudosenvolvendooturismoruralsobaperspectivadamultifuncionali-dadeedapluriatividade,natentativadecontribuircomaelabo-raçãodedocumentaçãocientíficaquepossaservircomobaseparafuturaspesquisas.
Pluriatividade e multifuncionalidade: importantes componentes para a pesquisa sobre turismo rural
Odebate sobremultifuncionalidade e pluriatividade na agri-cultura,queseaprofundounosúltimosanos,propiciaalgumasre-flexõessobreastransformaçõesefetivadasnomeiorural.Carneiro(2002)apontaqueatividadesnãoagrícolassãotidascomoestraté-
estUdos aGrários 63
giasparaareproduçãosocialdegrandepartedasfamíliasquevi-vemnocampo.Diantedessarealidade,oruralassumenovasfun-ções,oquepodesermaisbemcompreendidopormeiodanoçãodemultifuncionalidadedaagricultura.
A partir da abordagem da multifuncionalidade, não se podemaispensarassociedadesruraismeramentesoboaspectoeconô-micoaoreiterarsuacondiçãodefornecedorasdeprodutosagríco-las,formaessadeinserçãonomercado,masaobservaçãodeveserfocadanasmúltiplasfunçõesdosagricultores.
Essanovavisãointegraaagriculturaaprojetosdedesenvolvi-mentolocal,respeitando,assim,adiversidadedasrealidadeslocais,oquelevaaoquestionamentodaexclusividadedomodeloproduti-vista.Porisso,épossíveldizerqueanoçãodemultifuncionalidadedaagriculturasurgenocontextodabuscadesoluçõesparaas“dis-funções”domodeloprodutivistaeinovaaoinduzirumavisãoin-tegradoradasesferassociaisnaanálisedopapeldaagriculturaedaparticipaçãodasfamíliasruraisnodesenvolvimentolocal(ibidem).
Nessemomento,odebatesevoltaparaaquestãodaruralidade,poisCarneiro(1998,p.56)sinalizaque“oespaçoruralnãosedefinemaisexclusivamentepelaatividadeagrícola”,ecomplementaquehá“[...]procuracrescentedeformasdelazereatémesmodemeiosalternativosdevidanocampoporpessoasvindasdacidade”(ibi-dem).Assim,asanálisesquepretendemabordarosestudosruraisdevemseateràheterogeneidadedaestruturadaagriculturafami-liaredasmúltiplasfunçõesdaagricultura,devendorelacioná-laaoutras organizações econômicas para abarcar o desenvolvimentolocal(Carneiro,2002).Oruraljánãopodemaisserentendidocomoestritamenteagrícola,mascomoumcomplexodeatividades.
Peranteastransformaçõesdoespaçorural,oqualdesempenhanovasfunções,opapeldaspolíticaspúblicaséfundamentalparaofortalecimentodo tecidosocialepararevitalizarepotencializaroprocessoderevalorizaçãodoselementosdaculturalocal,jáqueesseespaçoabarcaumacomplexagamadeatividadesquevêmtransfor-mando-o.
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Figura 1–Mudançasnaspolíticasdedesenvolvimentorural.Fonte:Silva;DelGrossi;Campanhola(2002).
Comoconsequência,asnovasatividadesinseridasnomeioruralpodemcontribuirparaamanutençãodohomemnocampoàme-dida que, pormeio da pluriatividade, ele conseguemelhorar suarenda.Ressalta-sequetantomultifuncionalidadequantopluriati-vidadeprovêmdareflexãopolíticasobreaatuaçãopúblicanomeiorural,aqualéanterioraoconhecimentodotema(Carneiro,2002).
Reiterandoqueos espaços campestresvêmsofrendo alteraçõesemsuacomposiçãoporcausadaintroduçãodeatividadesanterior-menterestritas,oumelhordizendo,vinculadasàscidades,Silva,DelGrossi e Campanhola (1997) chamam a atenção ao disponibilizardados sobre a População EconomicamenteAtiva (PEA) em áreastidascomoruraispeloInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE).Essesdadoscomprovamacrescenteurbanizaçãodocampoeocrescimentodeatividadesnãoagrícolasnesseespaço,principal-mentedasvoltadasà indústria,maisprecisamenteàagroindústria,entreasquaissedestacammoradia,turismo,lazereoutrosserviços.
Nessenovoruralbrasileiro,comodefendemosautores,opro-dutordocampoassumeumpapeldiferentedoquedesempenhava
Espaçoruralémultifuncional
•Produçãoagrícolaagroindustrial
•Habitação.•Infraestrutura(transporte,água,energia,comunicação,saúde,educação).
•Geraçãoderendas:agrícolasenãoagrícolas(ex.:turismo).
•Preservaçãodomeioambienteeculturalocal.
•Descentralização:foconolocal.
Espaçoruraléexclusivamenteagrícola
•Centralidadeagrícolanaspolíticaspúblicas.
•Cuidadocomomeioambientemasaindaligadoàproduçãoagrícola.
•Centralizaçãopolítica.
estUdos aGrários 65
antes.Agora, alémde agricultor, ele exerce tambéma funçãode empreendedor, destinando somente uma parcela de seu tempo detrabalhoàsatividadesprodutivasagrícolas,ochamadopart-time farmer, queemportuguêspodeser traduzidocomoagricultor em tempo parcial (ibidem).No entanto, cabe destacar, como apontaSchneider(2003),queotermopart-time farmermuitasvezeséem-pregadodeformaconfusa.Paraesseautor,acondiçãodeagricultoremtempoparcialpodeserusada,“deformamaisprecisa,parade-finirsituaçõesonde,devidoaotamanhofísicoouaumaopçãodegestão,aunidadeprodutivaécultivadapeloinvestimentodemenosdoqueumanocompletodetrabalho”(Fuller;BrunapudSchnei-der,2003,p.103).Aindanessecontexto,tambémseobservammu-dançasestruturaisnoquedizrespeitoàdivisãodo trabalho,poisnessanovaconjunturadoespaçocampestre,otrabalhonaunidadefamiliarnãoserestringesomenteàsatividadesagrícolas.
Acombinaçãodeatividadesagrícolasenãoagrícolasrealizadaspelosagricultoresatémesmoforadeseusestabelecimentosretra-taumanovarealidadenocampo,apesardealgumasdelasjáteremsidodesenvolvidasemperíodosanteriores,atémesmoporcampo-neses.Comopodemosobservar:
Éprecisorecordarqueoscamponesesnãoeramprodutoresagrícolasespecializados:combinavamatividadesnãoagrícolasdebasesartesanaisdentrodoestabelecimento,envolvendopra-ticamentetodososmembrosdafamílianaproduçãodedoceseconservas,fabricaçãodetecidosrústicos,móveiseutensíliosdi-versos,reparoseampliaçãodasconstruçõesebenfeitorias,etc.Osinalvisívelquenãopodiammaisgarantirasuareproduçãoeraoassalariamentotemporáriofora,queocorriafundamental-menteemunidadesdeproduçãovizinhasporocasiãodacolhei-ta.(Silva;DelGrossi;Campanhola,1997,p.4)
Emboraajunçãodeatividadesnãoagrícolaseagrícolasnãosejaumfatorecente,anovidadeéquealgumasdessasformasdesvincu-ladas domododeprodução agrícola estão se desenvolvendo e ga-
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nhandoimportâncianocampo.Taistransformaçõesdãosuporteaospesquisadoresqueacreditamqueocampoatravessaumanovafase,onovorural,comodefinemSilva,DelGrossieCampanhola(ibidem).
Salvo os questionamentos quanto ao uso da expressão “novorural”,sãoperceptíveisasmudançasnacomposiçãodotrabalhofa-miliarenoespaçoondeestáinseridaadiversificaçãodasatividadesprodutivas.Taldiversidadepodeseridentificadanapesquisarea-lizadapelaAssociaçãoBrasileiradeMarketing Rural,que“mos-trouqueonúmerodeprodutoresruraisqueexercematividadesnãoagrícolasdobrouduranteosanos90.Essenúmeropassoude20%para40%”(Campanhola;Silva,2000,p.146).
Amultifuncionalidadedosespaçosruraisseapresentacadavezmaisassociadaàsatividadesnãoagrícolas,fatoedificadocomopro-cessodeurbanização:
É imprescindível levar-se em conta as atividades ruraisnãoagrícolas,decorrentesdacrescenteurbanizaçãodocampocomo,porexemplo,moradia,oturismorural,eoutrosserviços,alémdeatividadesdepreservaçãodomeioambiente,epeque-nosnegóciosligadosàagropecuáriaintensiva,comoapiscicul-tura,ahorticultura,floricultura,ecriaçãodepequenosanimais,todosembuscadenichospropíciosàsuainserçãoeconômicanomercado.(CarliniJunior;Silva;LisboaFilho,2004,p.9)
Apesardeseacreditarqueousodotermourbanizaçãodocampoéquestionávelcomoformadeexplicaranovarealidadecampestre,corrobora-seaideiadoavançodeváriasatividadessobreocampo,muitasdasquaisjáfaziampartedocotidianodediversosagricul-tores, embora, na atualidade, estejam se destacando e ganhandomaior importância como forma de complementar a renda dessesprodutores.Diantedisso,entende-sequeocampojánãopodeserencaradounicamentecomoagrícola.
As transformaçõespelasquais tempassado,nasúltimasdé-cadas,omeioruralbrasileiro,contribuemparanãoconsiderá-lo
estUdos aGrários 67
essencialmente agrícola.A identificaçãodo rural como agrícolaperdeuosentidoquandomuitasatividades tipicamenteurbanaspassaramaserdesenvolvidasnomeiorural,geralmenteemcom-plementoàsatividadesagrícolas.(Campanhola;Silva,2000,p.145)
Aoentenderqueoagricultoresuafamílianãoestãovinculadossomenteàproduçãoagrícolaerealizamoutrasatividadesparacom-plementararenda,confirma-sequeelesseencontramnacondiçãodepluriativos.
Érecorrenteressaltarqueodebatesobreapluriatividadeébas-tanteamploepor issoutilizou-seoconceitodeSérgioSchneider,queassimaretrata:
Como fenômeno social e econômico presente na estrutu-raagráriade regiõesepaíses,pode-sedefinirapluriatividadecomoumfenômenoatravésdoqualmembrosdasfamíliasquehabitamnomeioruraloptampeloexercíciodediferentesativi-dades,ou,maisrigorosamente,peloexercíciodeatividadesnãoagrícolas,mantendoamoradianocampoeumaligação,inclu-siveprodutiva,comaagriculturaeavidanoespaçorural.Nes-sesentido,aindaquesepossaafirmarqueapluriatividadesejadecorrentedefatoresquelhesãoexógenos,comoomercadodetrabalhonãoagrícola,elapodeserdefinidacomoumapráticaquedependededecisõesindividuaisoufamiliares.(Schneider,2003,p.112)
Definidososparâmetrosadotadosparaacompreensãodamul-tifuncionalidadeedapluriatividade,pôde-seestabelecerafunda-mentaçãoteóricanecessáriaparaaverificaçãodautilizaçãodessasabordagensnastesesedissertaçõesdoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia da Universidade Estadual Paulista – UNESP-RioClaro,tendooturismoruralcomofocodasanálises,umavezqueganhacadavezmaisdestaquenaspesquisasacadêmicasepodeserinvestigadosobaperspectivatantodamultifuncionalidadequantodapluriatividade.
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Paraarealizaçãodapesquisafoifeitoumlevantamentobiblio-gráficoutilizando-seoacervoon-linedabibliotecadaUNESP-RioClaro,etambémmaterial impresso,ondefoifeitaumabuscaportesesedissertaçõesdefendidasentre2001e2010,nointuitodere-tratarosúltimosdezanosdapesquisacientífica sobrea temática“turismorural”.Aseleçãodomateriallevouemconsideraçãootí-tuloeaanálisedoconteúdo.Outrasterminologias,comoturismodeaventura,ecoturismo,pluriatividadeemultifuncionalidade,porexemplo,foramutilizadasparacomplementarainvestigação.
A pesquisa nas teses e dissertações: diferentes abordagens na construção do conhecimento
Aspesquisasexpostasaseguirabordaramatemáticaestudadasobdiversasóticas,utilizando,paratanto,metodologiasdiferencia-das,apesardeoestudodecasoseradotadoportodasastesesedis-sertações como formade fundamentar empiricamente as análisesenvolvendooturismoruraldentrodaperspectivadamultifuncio-nalidadeedapluriatividade.
Caberessaltarque,nolevantamentorealizado,aexpressãotu-rismoruralnemsempreestavaexplícitanostítulos,porém,eraen-contradanosconteúdosdostrabalhos.Outrasterminologiasforamutilizadascomofontedepesquisanaelaboraçãodesteartigo,poisoturismocomportasegmentosdiversificados,comoodeaventura,porexemplo,queutilizamuitasvezesoespaçoruralparasuapráti-ca,promovendonelemudançasestruturaisesociais.Dessamanei-ra,optou-seporanalisartambémtesesedissertaçõesqueapresen-tassememseusconteúdosaspráticasturísticasnomeiorural.
Dessemodo, serão destacadas as abordagens realizadas pelosautores comafinalidadede identificar as especificidadesde cadatrabalho,demonstrandooperfildaspesquisassobreturismoruralrelacionado à noção de multifuncionalidade e de pluriatividade.Paramelhorcompreensão,oresultadodolevantamentofoidividi-doemduaspartes:naprimeira,oturismoruraléofocodapesquisa
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ouestáexplícitonocontexto;nasegunda,oobjetodeestudoéen-contradodeformaindireta.
O turismo rural como foco da pesquisa Em sua dissertação de mestrado,Weissbach (2001) faz uma
apreciaçãosobreoturismo,destacandosuaexpansãoeimportân-ciacomovetordedesenvolvimentoeconômicoesocial.Alémdisso,destacao intensoprocessodeurbanizaçãoerelataqueaspessoasbuscamcadavezmaiscontatocomanaturezaeespaçosdistantesdasatribulaçõesdomeiourbano.Eleindicaoturismoruralcomoopçãodelazerparaessaspessoas,jáquesetratadeumaformaal-ternativaaoturismomassivo,eafirmaseresseumvetordedesen-volvimentoemáreascompotencialidadesespecíficas.Dessaforma,sinalizaqueomunicípiodeCruzAlta(RS)possuipotencialparaessesegmentoturístico.Caracterizandoaáreaestudada,Weissbachfazumaanálisedoaproveitamentodoespaçoruralemtermostu-rísticos,avaliasuaspotencialidadesefazproposiçõesparaaimple-mentaçãodoturismoruraldeformaintegradaàregião.
Tiradentes (2004), ao elaborar sua dissertação, analisa as ati-vidadesturísticasemquatropropriedadesruraisdomunicípiodeAraponga,namicrorregiãodaZonadaMatadeViçosa(MG).Eletentaidentificarasmaisdiversasrealidades,buscandocompreen-derainteraçãodoturismocomaspropriedadesrurais.Destacaqueoobjetivodapesquisafoiavaliarseoturismonoespaçoruralpodeserfatordedesenvolvimentodaspropriedades,asquaisoferecemalgumtipodeofertaturística.OsdadosencontradosporTiraden-tesdemonstraramque as atividades turísticas estão inseridasnaspropriedades rurais, coexistindo com as práticas agropecuárias,demonstrando,mesmoquedemaneiraimplícita,apluriatividade.Porfim,oautorsugerequenoslocaispesquisadosapráticaturísticapodeserconcebidacomoalternativaderenda,desdequerealizadademaneiraplanejada.
AtesedeVale(2005)objetivouentenderadinâmicadoespaçoperiurbano nomunicípio deAraraquara (SP). Procurou tambémdemonstrar a coexistência de atividades urbanas e rurais nesse
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espaço, revelandoqueoprocessodeurbanizaçãoemodernizaçãotecnológicamodificou adinâmica campo-cidade,destacandoqueoruralsofreudiversastransformações,caracterizandoo“novoru-ral”.Oautorchamaaatençãoparaa“novaruralidade”,naqualoturismoruraltempapelrelevantenaaproximaçãodohomemcomanatureza.Atemáticadapluriatividadeécitadadiversasvezesemseutrabalho,jáqueoturismo,atividadetipicamenteurbana,estáinseridonoespaçoruralcomomaisumaalternativaderendaparaasfamíliasagrícolas.Elerelata,noentanto,queemalgunscasos,osespaçosruraisemAraraquarasãousufruídoscomolocaldelazer,enãonecessariamentedeturismo.Porfim,Valeanalisouaplurifun-cionalidadedoespaçourbanoparapromoveracaracterizaçãodaspropriedadesrurais,aagriculturaeasformasdeusoeocupaçãodosolo,emespecialolazerperiurbano.
No intuitodeverificarasconsequênciasdaatividade turísticanoespaçorural,observandoseelapropiciaodesenvolvimentolocalouseapenascontribuiparaocrescimentodeumadadaeconomia,Elesbão (2007) realizouumestudodecasona localidadecitadaeconcluiuqueháumavisãohomogêneaa respeitodo turismoporpartedosmoradoresenvolvidosounãocomaatividade.Segundooautor,oturismonoespaçoruralnãopromoveuumdesenvolvi-mentoefetivoemSãoMartinho,apesardeterproporcionadoumincrementonaeconomia local.Eleacreditaqueo turismoafetaavidadaspessoasdediferentes formas,masdestacaqueamaiorianãosentiumelhoriascomorelativoêxitoalcançadoporessemuni-cípionaáreadoturismorural.Elesbãodestacaqueoturismo,porsisó,nãoéfatordedesenvolvimento,contudo,atribuiimportânciaaelecomoformadefomentarrecursosedesenvolvercapacidadeshumanas.Dessemodo,sinalizaparaanecessidadedeformulaçãodepolíticaspúblicasqueenvolvamaagropecuáriaeoutrasativida-desagroindustriaiscomoalternativasparaodesenvolvimentolocal.
Emoutra tese,Weissbach (2007)descrevequeo espaço ruralconvivecomatividadesagropecuáriasenãoagropecuárias,eentreestasúltimasdestacaoturismoeatividadesvoltadasaolazer.Co-mentatambémsobreopapelfundamentaldasatividadesagrope-
estUdos aGrários 71
cuáriasnaeconomiadopaís;noentanto,fazdistinçãoentreogran-deeopequenoprodutor,aodesvelarqueoprimeirotemvantagenscompetitivasemrelaçãoaosegundoporcausadapolíticadefomen-toaoagronegócio.Oautoranalisaarelaçãodoturismocomoespa-çoruralbrasileiroechamaaatençãoparao“novorural”,utilizandomuitasvezesotermopluriatividadecomoformadeadequaçãodospequenosprodutoresànovarealidadeencontradanoespaçorural.Diantedessalógica,acreditasernecessáriaaelaboraçãodepolíticaspúblicasqueorientemapráticaturísticaeassimbeneficiemospe-quenosprodutorespormeiodeincentivosparaaproveitaraspoten-cialidadesdaRotadasTerras,roteiroturísticolocalizadonoestadodoRioGrandedoSul.
A pesquisa sobre as novas possibilidades do turismo no espaço rural
Algumas teses e dissertações apresentaram a temática do tu-rismoruraldeformaindireta.Mesmoassim,acreditou-sequepo-deriamcontribuirparaadiscussãoumavezqueoutrasformasdepráticasturísticasinseremtransformaçõesnoespaçorural–epordemonstraremnovasdinâmicasexercidasnessemeio.
AdissertaçãodeGalvão(2004)refletesobreaconstituiçãodaPolíticaMunicipal deDesenvolvimento doTurismo SustentávelemBrotas (PMTS), relatandoapreocupação comoplanejamen-todaatividadenessemunicípio,comvistasamaximizarosefeitospositivosemitigarosnegativosadvindosdoturismo.Odetalhere-levantedeseutrabalhoemrelaçãoàpesquisaaquiapresentadaéaconscientizaçãodapopulaçãorural,que,segundoaautora,podeserbeneficiadapela atividade turística, já que osprincipais atrativosturísticosdessemunicípiosituam-seemáreasrurais.
JáMena(2004)estudouarelaçãoclimaeturismoemummuni-cípiodointeriorpaulista.ElarealizoutambémuminventáriodosatrativosturísticoscombasenoPlanoDiretordeTurismoMunici-pal,muitosdessesencontradosemáreasruraisque,segundoaau-tora,emconjuntocomosrecursosclimáticosaliencontrados,sãofavoráveisaodesenvolvimentodoturismosustentável.
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ApesardeofocoprincipaldatesedeBarrocas(2005) ser a re-laçãoentreovisitanteeovisitado,seutrabalhorevelaoprocessodetransformaçãodessemunicípio,oqualtememsuaárearuralosmais relevantesatrativos turísticos,oque implica interferênciasnavidadapopulaçãoruralquehabitaaslocalidadesondeoturis-moépraticado.
OtrabalhodeGrecco(2006)pretendeuanalisarasatividadesli-gadasaoecoturismoemummunicípiolocalizadonaSerradaMan-tiqueira.Suadissertaçãoabordoutemasrelacionadosaosprováveisimpactos ambientais decorrentes da prática turística e utilizou apaisagem,estanamaioriadasvezescomelementosquecaracteri-zamáreasrurais,comocategoriaoperatóriaparasuainvestigação.Oautordescreve,ainda,aimportânciadoenvolvimentodopoderpúblico,dapopulação,da iniciativaprivada, entreoutros,paraodesenvolvimentolocal.
Mamberti(2006)defendeemsuadissertaçãoaideiadequeosmunicípiosdeSilveiras,Areias,SãoJosédoBarreiro,ArapeíeBa-nanal,osquaiscompõemamicrorregiãodeBananal(SP),deveriamtrabalharemconjuntoparaimplementarefortaleceroturismopormeiodoplanejamentoregional,jáquetodostêmcaracterísticaspa-recidas(históricas,geográficasetc.).Entreessascaracterísticasob-servou-sequeelespossuemumapelopaisagísticoeculturalmuitovoltadoaomeiorural,sendoesseumdosdiferenciaisparaaatraçãodeturistas.
Considerações finais
Dessemodo,dadaaimportânciadepesquisasdirecionadasaoturismoesuasvertentes,atemáticaturismoruralfoiescolhidaparapromoverumlevantamentodaspesquisasrealizadasnoPPGGdeRioClaro,cujosresultadospodemosaferiraseguir.
Durante a análise, percebeu-se que tanto multifuncionalida-de comopluriatividade foramabordadasde forma transversalnamaioriadostrabalhos,tendoasegundamaiorparticipaçãonototal
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detrabalhospesquisados,mesmonostrabalhosemqueoturismoruralsurgiademodoimplícito.
Percebeu-se que houve grande heterogeneidade nas investiga-ções,jáqueoturismorural,comofocodaspesquisas,foiabordadodediferentesmaneirasnostrabalhoscitados.Entretanto,nafundamen-taçãoteórica,houvemaioraproximaçãoentreostrabalhos.Termoscomo“pluriatividade”,“novorural”eainserçãodospequenospro-dutoresnomercadocomoformademanutençãodestesedesuasres-pectivasfamíliasnocampoforamutilizadosdemaneirasistemática.
Apesardastesesedissertaçõesquenãofocaramoturismodire-tamentepriorizaremoutrostiposdeanálise,verificou-sequehouvegrandepreocupaçãocomosimpactosadvindosdoturismo,sejameles ambientais,paisagísticos, culturais, entreoutros,que afetama população das localidades rurais. Os autores, em suamaioria,acreditamque o sucessoda atividade está na adoçãode políticaspúblicasquepriorizemoplanejamentocorreto,comparticipaçãosocial,equetenhamcomoobjetivoodesenvolvimentosustentáveldoturismo.
Parafinalizar,enfatiza-sequenouniversodastesesedisserta-çõespesquisadas, apenasduas foramconstituídas com investiga-çõesemescalaregional,sendoasdemaiselaboradascomcasosdeestudoslocais,demonstrandoafragilidadedaspesquisasbrasileirasnocontextodaescalanacional.
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SocioterritoriAlidAde: A inter-relAção culturA-
-território-educAção do cAmpo
Ellen Vieira Santos1
Ana Ivânia Alves Fonseca2
Lucas dos Reis Teixeira3
Ramony Maria da Silva Reis Oliveira4
Emummundoextremamenteglobalizado,noqualsãoimpostosconstantementepadrõeshomogêneosdevida,éindiscutívelopapel quea educação temadquiridodentrodo sistemacapitalista,papelestequeperpassapelaatribuiçãodeumnovosignificadoquedes-configura e desconsidera a cultura, a formação humana e cidadã,constituindo-seemmercadoria.Sendoassim,nestaaldeiaglobalemque o capitalismo tem direcionado um processo civilizatório uni-versaleautoritário,criandoerecriandocondiçõessociaisdevidaetrabalho que alimentam as contradições e injustiças presentes nassociedadescontemporâneas,édefundamentalimportânciafalarda
1 GraduadaemGeografiaeEspecialistaemSociologiaePolíticapelaUniver-sidadeEstadualdeMontesClaros–Unimontes.AssessoradeEducaçãodaFETAEMG.Contato:[email protected].
2 DoutorandapelaUniversidadeEstadualPaulista–UNESP.BolsistadaFape-migecoordenadoradeprojetodoCNPq.CoordenadoradoNúcleodeEstudosePesquisasemGeografiaRural–NEPGeR.Contato:[email protected]
3 GraduadoemGeografiapelasFaculdadesUnidasdoNortedeMinas–FU-NORTE.Especialista emGestãoAmbiental eEcologia –Unimontes.Pro-fessordaredeEstadualdeEducaçãodeMinasGerais.Contato:[email protected]
4 ProfessoradoDepartamentodeComunicaçãoeLetrasdaUniversidadeEsta-dualdeMontesClaros–Unimontes.DoutorandapelaPontifíciaUniversida-deCatólicadeMinasGerais.Contato:[email protected]
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identidade do campo, confrontar o padrão educacional que temoscomoummodelo de educação, que propõe resgatar nas pessoas acondição de sujeitos da própria educação, de fortalecer as políti-cas de território, do desenvolvimento agroecológico e sustentáveldocampo,edereorientarasaçõesdegovernoparaquesejampolí-ticasdeEstado.Sendoassim,aeducaçãodocamposempreesteve eaindaestápautadanasbandeirasdelutadomovimentosindicale estimulaaparticipaçãodascomunidadeslocaisnaconstruçãodeaçõeseducativasque,diantedodesemprego,daprecarizaçãodotrabalhoedaausênciadecondiçõesmateriaisdevidapara todos, tem lutadoporumaeducaçãoquepassapeloprincípioeducativocomformaçãosocialeprofissional,considerandoopensamentodePauloFreireaodizerque:aprender tem sentido quando o aprendizado nos envolve no compromisso de transformar a realidade. Nessesentido,procurou-se,nestecapítulo,evidenciaraculturadospovosdocampo,suaiden-tidade,eapropostadeumaeducaçãodocampoqueconsideresuasespecificidades.Ametodologiaadotadaconsisteemfundamentaçãoteórico-conceitual,organizadaapartirdelevantamentobibliográfi-co,semináriosassistidos,debateseobservaçãoempírica.
Contextualizando o agrário brasileiro
Amodernizaçãoagrícola,alicerçadanosparâmetrosdarevolu-çãoverdenocenárioruralbrasileiro,foiresponsávelpelafunciona-lidadedoslugaresedaspessoas,expropriandomilharesdebrasilei-rosdocampo.Aoperderoseuinstrumentodetrabalho–aterra–,ocamponêspercebe-seencurraladopelaagroindustrializaçãoqueoacorrentaemtodasassuasdimensões.Surgeoutraformadeprodu-çãonocampobrasileiro,caracterizadapelaconcentraçãodeterras,pelo intensousodetecnologias,financiamentoeuso intensivodeinsumosagrícolas.Essaformadeproduçãoagrícolacolocaemriscoaformadeproduzirherdadageraçãoapósgeraçãopelapopulaçãorural,que, comseus costumes e crenças, revela o seumodopar-ticulardeusaraterra.Assim,apolíticaagráriaadotadanoBrasil
estUdos aGrários 79
vemformulandopropostasparaamenizaremascararosconflitosfundiários, aliadasàspolíticaspúblicasdedesenvolvimento ruralsustentado,quefoiresponsávelpela“modernizaçãoedinamizaçãodocampo”.Porissoháaideiadequenãoéprecisoocuparterras,jáquetudoestásendoresolvidocompaciênciaeconversa.
No entanto, a concentração fundiárianoBrasilpossui raízeshistóricas,umavezqueaformaçãoeaocupaçãodoterritórioain-da no período colonial foram realizadas na formade sesmarias.Inicialmentefoiintroduzidaamonoculturadecana-de-açúcare,posteriormente,jánadécadade1970,amonoculturadeeucalip-to,grãos e algodão,ocupandograndes extensõesde terra e comaltaprodutividadedestinadaaoabastecimentodomercadoexter-no.Dessa forma, pequenosprodutores rurais remanescentes dequilombos, índios epopulações tradicionais foramevêmsendoexpropriados de suas terras em função da necessidade de apro-priaçãodenovasterraspelocapitalhegemônico.
Portanto,ouniversoagráriobrasileiropassouevempassandoatéosdiasdehojeporprofundastransformaçõesdeordempolítica,eco-nômica,socioculturale,sobretudo,deordemfundiária,levandoàex-clusãodapossedeterramilharesdecamponeses,alimentandooêxodoruraleosconflitosrurais.Apartirdessarealidadeéensejadacomgran-deforçaa lutapelaconstruçãodeumprojetoeducacionalespecíficoparaocampo.Assim,ospovosdocampotomamconsciênciadequeaeducaçãoéoinstrumentoquelibertaequeécapazderetirarosujeitodaignorância,transformando-oemconstrutordoprópriodestino.
OBrasil é detentor de um rico universo étnico-cultural, pre-sentesecularmentenoseuterritório.Entretanto,asracionalidadescapitalistas incentivadaspelaspolíticasgovernamentaisacirraramaindamaisaquestãoagráriabrasileiraeaexploraçãodosrecursosnaturais.Aimposiçãodessepadrãoculturaldebaseagroindustrialtemencurraladopopulaçõestradicionais,colocandocomosímbo-losdeatrasoassuasculturas,suastradições,e,sobretudo,expro-priado-asdoseu“lugar”5 devivência,bemcomodeseusvalores.
5 Lugar,aqui,éconsideradoumacategoriageográfica,embutidodesentimentodepertencimento,identificação.
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Silva(2000)nãosóconfirma,masenfatizaemseusapontamen-tosqueopovodolugar,constituídoemsuamaioriaporfamíliasdecamponeses,nãofoilevadoemcontanesseprocessodedesenvolvi-mentoeconômico.Ohomemdocampopassaavivenciarfortemen-teaexploraçãosobreele,sejaatravésdaexpropriaçãodesuasterraseapropriaçãodesuaforçadetrabalho,sejaatravésdaapropriaçãodepartedoqueproduz.
SegundoGonçalves (2000), a concentração fundiária foi insti-tuídanopaíspelapolíticadassesmariasaindanoperíodocolonial.Posteriormente,essequadrofoiintensificadopeloadventodaindus-trialização agrícola,dos incentivosgovernamentais soba formadeisençãofiscaledeconcessãodeterraspúblicascolocadasàdisposiçãodeempresáriosqueabraçaramessaideologiamodernizadora.Sendoassim,apartirdadécadade1970,ofomentodeincentivosfiscaisparareflorestamentoeaexpansãodafronteiraagrícolaedapecuáriaex-tensivamudaramapaisagemeavidadequemvivenoedocampo.Porisso,aexpropriaçãodepovosecomunidadestradicionaisprovo-couoquemuitosautoreschamamdesocioterritorialização.
NoentenderdeDayrell(2000),quandooprocessode“desen-volvimento” chega, as populações camponesas, indígenas e qui-lombolas são expropriadasde suas terras, ou seja, do seu instru-mentode trabalhoe subsistência.Comachamadamodernizaçãoagrícola,foramprivilegiadasasoligarquiastradicionaiseossetoresindustriaiseagroindustriaisdasociedade.
Esseconjuntodetransformaçõesnasrelaçõessociaiseprodutivasdesencadeounocampoaslutaspelaposseeusodaterra,fundamen-tadasnaforteresistênciadoscamponeses,queseviamencurraladospelosprojetosagroindustriaisqueseexpandematéosdiasatuais.
Noquedizrespeitoàscaracterísticasdeseusprocessosprodu-tivos,estessãomarcadospelaeconomiadesubsistência,emqueaproduçãoédeterminadaporquestõessingularesligadasàsnecessi-dades versus possibilidades,destacando-seasdificuldadesenfren-tadasporessesgruposnocampoeconômico,sobretudonoqueserefereaoacessoaocréditoeaoreconhecimentodesuasformasdeorganizaçãosocial.
estUdos aGrários 81
Percebe-se, desse modo, que a conjuntura, a reconcentraçãofundiáriaestabelecidaéfatorpreponderantenasrelaçõeshomem--terra,comoagravamentodasituaçãoemvirtudedasdesigualda-desdodesenvolvimentocapitalista.Pode-seinferir,portanto,quealutapeloterritórioéumretratofieldodescontentamentodospovosdocampoedascomunidadestradicionais,refletidonosmovimen-tossociaisesindicaisnalutapelopatrimôniosociocultural,emde-fesanãosódeumpedaçodechão,mastambémporumavidadeequidadedejustiçaeeducaçãoparatodos.
Tecendo conceitos: a socioterritorialidade em questão
O Brasil é um dos países de maior diversidade cultural domundo,noqualexistemcentenasdegruposecomunidadestradi-cionais,queincluem,entreoutros,seringueiros,caboclos,ribeiri-nhos,caiçaras,quebradeirasdecoco,quilombolas,povosindíge-nas,pantaneiros,campeiros,geraizeiros,caatingueirosefaxinais.Entreascaracterísticasquedefinemascomunidadestradicionais,destacam-se: ligação intensa com seus territórios, incluindo seudomíniocognitivo, comprofundosconhecimentos sobre fatoresclimáticos,solos,unidadesvegetacionais;presençadeinstituiçõespolíticasprópriasetradicionais;dependênciadesistemasdepro-duçãovoltadosprincipalmenteparaasubsistência;emanutençãodacoesãosocial.
Mesmo sendo parte integral e formadora da sociedade brasi-leira, essas comunidades vêm, ao longo da história, perdendo osterritóriosporelasocupadoseosdireitosdeacessoeusoderecur-sosnaturais.Issoresultouemêxodoruraleaumentodapobreza,agravadospeladegradaçãoambientaldeseusterritóriosremanes-centes,refletindodiretamentenaqualidadedevidadetaispopula-ções.Comoprincipalcausadessequadropodemoscitarafaltadereconhecimentodaimportânciaeconômica,socialeambientaldasatividadesprodutivaseculturaisdessascomunidades,quetêmsido
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historicamenteexcluídasdaspolíticaspúblicasdepromoçãosocialeeconômicaporseremconsideradas“invisíveis”,“atrasadas”,oumesmoum“obstáculoaodesenvolvimentoeaoaumentodapro-duçãocomercial”.
[...]terrastomadas,exploradas,exauridas;culturastradicionaisque sempreviveramnumarelaçãode sagrada reverênciacomosoloeforamdesalojadaspeloindividualistadisplicente,peloagressorcapitalista.(Shama,1996,p.23)
Tais populações constituem-se em sociedades diversas, tradi-cionais,específicas,queaindamantêmseusprocessosprodutivoscombasenousodeinsumoslocaisenoaproveitamentodaspoten-cialidadesedosecossistemasqueascercam;lutampeloreconheci-mentodeseusdireitossocioculturais,pelaqualidadedevidaeporumaformadeeducaçãoqueatenda,defato,àssuasespecificidadesenecessidades.Arespeitodisso,faz-senecessário
[...]considerarocampocomoespaçoheterogêneo,destacandoadiversidadeeconômicaemfunçãodoengajamentodasfamíliasematividadesagrícolasenãoagrícolas(pluriatividade),apre-sençadefecundosmovimentossociais,amulticulturalidade,asdemandasporeducaçãobásicaeadinâmicaqueseestabelecenocampoapartirdaconvivênciacomosmeiosdecomunicaçãoeaculturaletrada.(Brasil,2002,p.5-6)
Nessesentido,pode-seacrescentarqueéinstituídapelodecreton.6.040,de7defevereirode2007,peloentãopresidentedaRepúbli-caLuizInácioLuladaSilva,aPolíticaNacionaldeDesenvolvimen-toSustentáveldosPovoseComunidadesTradicionais,tendocomoprincipal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dospovosecomunidades tradicionais,comênfasenoreconhecimento,nofortalecimentoenagarantiadeseusdireitosterritoriais,sociais,ambientais,econômicoseculturais,comrespeitoevalorizaçãoàsuaidentidade,àssuasformasdeorganizaçãoeàssuasinstituições.
estUdos aGrários 83
NoBrasil,aideiadequeapenasospovosindígenaspodiamserconsideradosdiferentescomeçaamudarcomaslutasdaspopula-çõestradicionaispresentessecularmentenãosónonortedeMinasGerais,mastambémemtodoopaís.Sãopovosecomunidadestra-dicionais,comoosveredeiros,osvazanteiros,osgeraizeiros,oscaa-tingueiros,osseringueiros,osquilombolas,osindígenasetc.
Como já foidito, asdiferençasdesses grupos étnicos residemnosseussistemasdeproduçãoenassuasmanifestaçõesdemodocoletivo,oquecontradizaproduçãoqueseconhececomoconven-cional,padrão,ouseja,amonocultura,queseestabelecesegundoomodelocapitalista,noqualodonodapropriedadedetémtambémapropriedadedaforçadetrabalhoedosmeiosdeprodução.Paraessesmeios funcionarem,aproduçãotemdegerarprodutos,quegerarãoriqueza,queésempreconcentradanamãodeumaminoria.Oprincípionorteadordocapitalismoéareproduçãodomercado,enquantooprincípiodapopulaçãotradicionaléaproduçãodahu-manidadedaspessoas,aproduçãodohomem,amelhoriadavidada coletividade.A família é aunidadedeprodução; todos traba-lhamparaqueosistemafuncione.
ParaGonçalves(2000),esseprocessodesocioterritorializaçãoéreflexodovetorglobalizadoquefuncionalizaoslugares,nosquaisdeterminadosrecursosexistentesemdeterminadasregiõessãose-lecionados, destacados, abstraídos de totalidade local/regional efuncionalizadospordeterminadosvetoresqueoperamdemodoaignoraressastotalidades,quesãooslugaresdevida.Entreessesre-cursos,nãoseencontrasomenteoterritório,masoprópriohomemdocampo,6seusvalores,suaidentidade;todoumsaberecológicodolugarqueépassadoadiantedeumageraçãoparaoutraaolon-godotempo,perpetuandoumaracionalidadequesevêseriamentetransformadaporessafuncionalidadedelugaresepessoas.Fonseca(2008apudBrandão,1986)explicita,deformapeculiar,essareali-dade,aodizerque:
6 Refere-se,aqui,aoscamponeses,indígenas,quilombolas,geraizeiros,caatin-gueiros,seringueiros...Enfim,aosquereconhecemasipróprioscomopovostradicionais.
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Abuscaporumterritóriofamiliar,umlugardetrabalho,fazcomquefamíliasinteirasdetrabalhadorespercorramlongasesucessivas travessias.O lugar se transforma atravésdapráxisdoshomens,quesãototalmentealienadasaocapital,atravésdaideologiadeumasociedadeurbana,mundializada,tecnificadaeilusoriamente“promissora”.Modifica-seohomem,modifica--seolugar,modifica-seoscenários,aspaisagens,enfim,arela-çãoentreecomanatureza.
Dessa forma, as populações tradicionais são policultores queocupamvários espaçosde acordo com seus conhecimentos sobreo terreno, exercendo múltiplas atividades: agricultura, pecuária,extrativismo.Sãodetentorasdedireitosdiferentesdosquecomu-menteconhecemosequesebaseiamnodireito individualconso-lidadopelomododevidaeuropeu.Elaslutamporseusdireitosdereconhecimento comopovos tradicionais, buscam a retomadadepossedeseusterritórios,umavezquesãodetentorasdeterritório(coletividade)enãodeterras(individualidade).Nessaperspectiva,oterritórioperpassamarcasesignificadosdessapopulação.OutropontoaobservaréaConvenção169criadapelaONU,segundoaqualaspopulaçõestêmdesertratadasdemododiferenciado,bemcomoasaçõesdentrodascomunidadesprecisamlevaremcontaosdireitoscoletivos.
Educação do campo: identidade em construção
[...] Então o (camponês) descobre que tendo sido capaz de transformar a terra, ele é capaz também de transformar a cultura: renasce não mais como objeto dela, mas também como sujeito da história.
Paulo Freire
Nocontextobrasileiro,predominaaideiadeumaculturauniver-sal,deumapadronizaçãodevaloresecomportamentos,segundoaqualamaioriadapopulaçãoquevivenoedocampoéconsideradaa
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parcelaatrasadaedeslocadadasociedademoderna.Esseimagináriodesvalorizaocampoeaeducaçãoqueaelasevincula7noseuesforçodeformaçãohumanadossujeitos,possibilitando-lhesseremsujeitosdessaconstrução.Aconcepçãodessaformamaisampladeeducaçãoencontra-senaLDBn.9394/96,queafirma,emseuartigo1o:
Aeducaçãodeveabrangerosprocessos formativosque sedesenvolvemnavidafamiliar,naconvivênciahumana,notra-balho,nas instituiçõesde ensinoepesquisa,nosmovimentossociais e organizações da sociedade civil e nas manifestaçõesculturais. (Brasil,1996)
Épreciso,porém, ir alémdasperspectivasquanto àspossibi-lidadesdaeducaçãodocampo,8umavezquetemosumasituaçãonacionalproblemáticaqueserefereaocampodaspolíticaspúbli-cas,sobretudonaáreadaeducaçãocomessapropostaespecífica.Adimensãosociopolíticadessarealidaderequeraçõesestratégicasdeenfrentamentoparaotempopresentejuntoaosmovimentossociaise sindicais do campo. Isso significadesenvolver o esforçode (re)construçãoeluta,considerandosuasmúltiplaspráticaseducativas.
Nalegislaçãobrasileira,aeducaçãodocampoétratadacomoeducaçãorural,cujosespaçossãodafloresta,dapecuária,dasmi-
7 “Decidimosutilizaraexpressãocampoenãoamaisusualmeiorural,comoobjetivodeincluir[...]umareflexãosobreosentidoatualdotrabalhocampo-nêsedaslutassociaiseculturaisdosgruposquehojetentamgarantirasobre-vivênciadestetrabalho.Masquandodiscutimosaeducaçãodocampoestamostratandodaeducaçãoquesevoltaaoconjuntodetrabalhadoresetrabalhadorasdocampo,sejamoscamponeses,incluindoosquilombolas,sejamasnaçõesin-dígenas,sejamosdiversostiposdeassalariadosvinculadosàvidaeaotrabalhonomeiorural.”Textoextraídododocumento-basedaConferênciaNacionalporumaEducaçãoBásicadoCampo,realizadaem1998emLuziânia(GO).
8 Aconcepçãodeeducaçãodocamporecuperaavisãodeeducaçãocomoforma-çãohumana,daqualaescolacompõeumaparte;recuperatambémavisãodeeducaçãocomoprocessosocial,doqualsedestacamasrelaçõesentreeducaçãoevidaprodutiva,entreformaçãosocialeculturaeentreeducaçãoehistória.Trata-sedeumprocessodeconstruçãodeumprojetodeeducaçãodostraba-lhadoresetrabalhadorasdocampo,gestadodesdeopontodevistadoscampo-nesesedatrajetóriadelutadesuasorganizações.
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nasedaagricultura.Noentanto,ultrapassa-osao incorporarosespaçospesqueiros,extrativistas,ribeirinhosecaiçaras.Sendoas-sim,ocampopassaaserconsideradoumespaçodeinter-relaçãoentreossereshumanoseaspráticasqueconstroemereconstroemcondiçõesespecíficasdasuaexistênciasocialperpassadapeladi-mensãohumana.
Nessesentido,ocampo,vistocomoespaçoheterogêneo,dotadodemulticulturalidadeedeespecificidades,evidenciaalutaporumaeducaçãoquesejanoedocampo,enãoparaocampo,consideran-do-sequeasDiretrizesOperacionaisparaaEducaçãoBásicanasEscolasdoCampo9contemplem,defato,ospovosdocampo.
OQuadro1retratacomoaeducaçãorural10foitratadanostex-tosconstitucionais:
Quadro 1–Aeducaçãoruralnostextosconstitucionais.
Constituições brasileiras
Educação
1824
HáumaintensadisputadepoderapósaIndependênciadoBrasil.DomPedroI,dopartidodosportugueses,constituídoporcomerciantesefuncionáriospúblicosdealtoescalão,dissolveaAssembleiaConstituintee,em1824,impõeseuprojeto,quesetornounossaprimeiraConstituiçãoequenãodeuadevidaatençãoaoensino,umavezqueoelementoeducaçãonãofoiconsideradomatériadoEstado.Mencionavaapenasagarantiadaeducaçãoprimáriaeacriaçãodecolégiosedeuniversidades.
9 Leiespecíficaparaasescolasdocampo,elaboradaeaprovadapeloConselhoNacional deEducação (CNE) pormeio daResoluçãoCNE/CEBn.1, de 3deabrilde2002,comaparticipaçãodosmovimentossociaisesindicais,bemcomodeuniversidadeseONGs,ehomologadapeloministrodaEducação.
10Expressãoutilizadaparafacilitaroentendimentodoleitorsobreotratamentodadopelopoderpúblicoàeducaçãonasáreasrurais.
(continua)
estUdos aGrários 87
1891
AConstituiçãode1891éresultadodainfluênciadiretadasoligarquiaslatifundiárias,emespecialdoscafeicultores,quequeriamlegitimaroatualregimedepodercentralizadoemsuasmãos(coronelismo).Diantedessequadro,mesmooBrasilsendoconsideradoeminentementeagrário,aeducaçãodocampofoitratadacomtotaldescaso,nãosendomencionadae,éclaro,nãosendoconsiderada.EssemodelodeeducaçãovigentenoBrasilpriorizouosinteressesdametrópole,negandoanascentesociedadebrasileira.
1934
Noartigo149ficaestabelecidoqueaeducaçãoéumdireitodetodosequeoensinoprimáriointegralseriagratuitoedefrequênciaobrigatória.NessaConstituiçãofirma-seaconcepçãodeEstadoeducadorprevendoaconstruçãodoPlanoNacionaldeEducaçãoeenvolvendoaorganizaçãodoensinoemsistemas.Oartigo152atribuíaaoConselhoNacionaldeEducaçãoaelaboraçãodoPlanoNacionaldeEducação,queseriaaprovadopeloPoderLegislativocomsugestõesaogovernodemedidasqueoConselhojulgassenecessárias,bemcomoadistribuiçãoadequadadosfundosespeciais.Jáoartigo156determinavaqueaUniãoeosmunicípiosaplicariamnuncamenosde10%,eosestadoseoDistritoFederal,nuncamenosde20%,dareceitadosimpostosnamanutençãoenodesenvolvimentodosistemaeducacional.Determinava,ainda,quecaberiaàUniãoreservarpelomenos20%doorçamentoàeducaçãonaszonasrurais.Emsíntese,essaConstituiçãoestabeleceaeducaçãocomodeverdafamíliaedaUnião.
1937
EssaConstituiçãosurgeapósogolpedeEstadodeVargas,queinaugurouoEstadoNovo,dandoinícioaumperíododitatorialcominfluênciadoFascismo.Nessaépocadestaca-seapreocupaçãocomoensinoprofissionalizantedevidoaoprocessodeindustrializaçãoquepassouavigorarnoBrasil.Oenfoquedadoaquiaoensinoprofissionalizante,destinadoadeterminadogrupo,ficavaacargodoEstado,significandoassimumprocessodeexclusãoediscriminaçãodoensino,caracterizando--secomorestritivoedeterminador.Destaca-seoartigo132,queprevêperíodosdetrabalhoparaajuventudenocampo,auxiliadoeprotegidopeloEstado.Noentanto,desconsiderava-seoensinonasáreasagrícolas.
(continua)
(continuação)
88 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
1946 InstituicompetênciasparaaUniãolegislarsobreasdiretrizesebasesdaeducaçãonacional.Aeducaçãovolta,nessaConstituição,aconfigurar-sedireitodetodos.Tentava-seconciliarosdoismodelosdesociedade:osnacionalistasdesenvolvimentistaseosprivatistas.ODecreto-lein.9.613,de20deagosto,regulamentaoensinoagrícola.OsetordaeducaçãonogovernoJKfoicontempladocomapenas3,4%dosinvestimentosinicialmenteprevistoseabrangiaumaúnicameta.Aformaçãodepessoaltécnicoeraameta30,queprescreviaaorientaçãodaeducaçãoparaodesenvolvimentoenãosecomprometiacomoensinobásico,quesequerfoicitado.Aeducaçãonadécadade1930,noBrasil,apresentavaumquadrocríticodopontodevistadoacessoedapermanênciadascriançasnaescola,sendotambémprecáriaaofertadeensinopúblicoàpopulação.ALein.4.024,de20dedezembrode1961,fixaasDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional.TalConstituiçãoérevogadapeloAI-4deCasteloBranco.
1967Institucionalizouelegitimouoregimemilitar.OAI-5ampliouopoderpolíticodosmilitares.Em1969foipromulgadaaemendade24dejaneirode1967,quelimitavaaobrigatoriedadedasempresas,inclusiveasagrícolas,comoensinoprimáriogratuitoaosfilhosentre7e14anosdeseusempregados.
1988
EducaçãocomodeverdoEstadoedireitofundamentalsubjetivoreconhecidodapopulaçãobrasileira,independentementederesidirememáreasurbanasoururais,eamparadanateoriadecolaboraçãodosentesfederados.Inova-seaformulaçãodagratuidadedaeducação,assegurando-aemtodososníveisdaredepública,ampliando-aparaoensinomédio,quehaviasidotratadanasconstituiçõesanteriorescomoexceção,eparaoensinosuperior,nuncacontempladoemCartasanteriores.AcriaçãodoServiçoNacionaldeAprendizagemRural(SENAR)reabreadiscussãodaeducaçãodocampo.AsconstituiçõesestaduaiseaLDBabrembrechasparaotratamentodaeducaçãoruralnaperspectivadodireitoàigualdadeedorespeitoàsdiferenças.
Fonte:ConstituiçãoBrasileira.Organização:Santos (2010).
(continuação)
estUdos aGrários 89
Háaindaquesedestacarque,comoreconhecimentodaauto-nomiadosestadoseMunicípios,aeducaçãoficouprejudicada,porcausadaausênciadeumsistemanacionalqueassegurasse,pelaar-ticulaçãoentreosentes federados,umapolíticadeeducaçãoparatodoopaís.Apreocupaçãoeracomademandaoriundadasclassesmédiasemergentes,quetinhamnaeducaçãoescolaroportunidadedeascensãoeinserçãoprocessodeindustrializaçãoentãoemseusprimórdios.Nãohaviaumapropostaquecontemplasseoscampo-neses,umavezquesuarealidadeagrícolaatéentãonãoexigiapre-paronenhum.
AeducaçãoporvoltadoséculoXXpassaaserdiscutidaeavalia-dacomoinstrumentoparaconteramigração(êxodorural)ecomoviaparaelevaraprodutividadenocampo.QuantoàConstituiçãode1934,édiscutívelaorientaçãodotexto;háalgunsqueainterpre-taramcomoumainiciativadeinteriorizaroensino,bemcomobar-rarodomíniodaselites;paraoutros,representavaumaestratégiaparamantersobcontroleconflitossociaisdeabusodepoder.
AConstituição de 1937 se caracterizou como autoritária, re-sultadodosdesejosdegruposdeperpetuarseupoder,poderessecentralizadonoExecutivo.Logo,aorefletirsobreopoderdoEsta-do,percebe-seconvergiremdoiscentrosdeinteresse:adicotomiacentralização/descentralizaçãodaeducaçãonoâmbitodoEstado,questãocentraldaFederaçãobrasileira;eaeducaçãocomonormajurídicadasconstituiçõesbrasileiras.
Contudo,aeducaçãonasdécadasde1980e1990nocontextodaredemocratizaçãobrasileirarecebemaiorimportânciadassocieda-descivilepolítica,passandoaservistacomonormajurídica.
Élamentávelealarmantequeaeducaçãosejaarmadeguerradediversospoderesnaatualsociedadecapitalista,atreladapormuitosaodesenvolvimentoeconômicoemvezdeàcidadaniaeàformaçãohumana.Diantedisso,aeducaçãonassuasdiversasmodalidadesdeensinoperpassa, sobretudo,pelomodelode sociedadevigenteinseridoemumprojetomaior,ideológicoefinanceiro.
Analisandoaconjunturaatualdaeducaçãodocampoemnossasociedade,podemosverificarqueaeducaçãocomoprojetonacional
90 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
devesairdosquintais,derrubarcercas.Osavançosconquistadosdevemserusadoscomolutaecontestaçãoatodatentativaconser-vadoraderetrocesso.Háanecessidadedesermosousados,objeti-vose“radicais”,umavezqueasociedadedehojeestámaistensae,portanto,éumaverdadeiraarenadedisputasdepoder.
Aeducação,comoafirmaaConstituiçãovigente,éumdireitodetodos,porissodeveestaratreladaàdinâmicaqueseapresentahojenobojodasociedadebrasileira:direitoàvida,àterra,àalimentação,aoteto,àidentidade,aoemprego...Enãocomoétratadanaspolíticasdegoverno:comomoedadebarganha,umapolíticacompensatória.
Constata-se,portanto,quemodelospolíticosesociaiscontinuam determinandoaeducaçãoescolarbrasileira,especificamentenocam-po,tendocomodesdobramentosenormeatrasoeducacional,sériasdeficiênciasdaescolapública,quadrocrescentedeprofessoresdes-qualificados emanutenção de uma organização curricular descon-textualizada da realidade dos povos do campo, além de precáriasestruturas física e geograficamente mal distribuídas. Atualmenteasescolasestãosubmetidasaoprocessointensificadodenucleação,oquepropicia,porexemplo,aprecariedadedo transporteescolar.Nesse processo, inúmeras crianças e adolescentes vivem situaçõesdesumanas para estudar, como insegurança, pois passam amaiorpartedotemponaestrada,chegamcansados,comfome,comumabagagemdeinformaçõeseimpressõesqueoslevaaolharaprópriarealidadecomoalgoruimeinferior,ecomeçam,apartirdaí,aabsor-veroutrosvaloresquenãosãomaisosdeseuspaiseavós.
Paraessecenário,queseperpetuanodecorrerdahistória,valeressaltar o protagonismo dos movimentos sociais e sindicais docampoedesuasarticulaçõesnaconstruçãodeumaagendaeduca-cional epolíticaquegarantisse a educaçãodo campo, respaldadapeloartigo28daLDB,quedispõe:
Naofertadeeducaçãobásicaparaapopulaçãorural,ossis-temas de ensino promoverão as adaptações necessárias à suaadequaçãoàspeculiaridadesdavidaruraledecadaregião,es-pecialmente:
estUdos aGrários 91
I–conteúdoscurricularesemetodologiasapropriadasàsreais necessidadeseinteressesdosalunosdazonarural;
II – organização escolar própria, incluindo adequação docalendárioescolaràsfasesdocicloagrícolaeàscondiçõescli-máticas;
III–adequaçãoànaturezadotrabalhonazonarural.
Além desse artigo, descrevemos aqui, neste estudo, outroselementos fundamentaisdaeducaçãodocampo, legalmentede-finidosnasDiretrizesOperacionais para aEducaçãoBásica nasEscolasdoCampo:
I–Aidentidadedaescoladocampo.Artigo 2o–Aescoladocampoprecisaestarinseridanarea-
lidadedomeiorural,nossaberesdacomunidadeenosmovi-mentossociais.
II–Aorganizaçãocurricular(oqueecomoensinarnaes-cola).
Artigos 4o e 5o –Destacam-seos seguinteselementos:ostemasaseremtrabalhadosdevemserligadosaomundodotra-balhoeaodesenvolvimentodocampo;ametodologiatambémdeveseradequadaàrealidadedocampo,resgatandoosmate-riaisdisponíveisnomeioambiente.Essametodologiaresgataariquezadasexperiências,osdiferentesprocedimentosdeensi-no,osváriosrecursosdidáticoseosdiversosespaçosdeapren-dizagem.
III–ResponsabilidadedoPoderPúblicocomrelaçãoàofer-taeducacionaleàregulamentaçãodasdiretrizes.
Artigos 3o, 6o e 7o –O sistemamunicipal deverá ofertareducação infantil e ensino fundamental nas comunidades ru-rais,povoadosounasededomunicípio.
IV–Organizaçãodasescolas.Artigo 7o, parágrafos 1o e 2o –Aescolapodeorganizaras
turmasdediferentesmaneiras (classemultisseriada, ciclo, al-ternânciaouséries)eocalendáriodaescoladocampopodeser
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organizadodeacordocomarealidadedecadalocal,desdequenãoprejudiqueosalunosnaquantidadedosdiasletivos.
V–Gestãodaescola.Artigos 10 e 11–Asfamílias,osmovimentossociaistêm
direitoasseguradodeparticipardadiscussãodofuncionamentodaescola,dapropostapedagógicaedasdiscussõesdousodosrecursos financeiros e sua aplicação. Esta participação podeacontecer em vários espaços, como: Conselho Municipal deEducação, Conselho Escolar, Comitês de Gestão (Caixa Es-colar,Merenda,FUNDEF),nasConferênciasdeEducação,eaindadeoutrasformas,como:movimentosesindicatosparti-ciparemnaelaboraçãodoPlanoMunicipaleEstadualdeEdu-cação.
VI–Formaçãodeprofessores.Artigos 11, 12 e 13 –O sistemade ensinomunicipal ou
estadualdeverágarantiraformaçãodoprofessoradoqueaindanãotemcursonormal(magistério)esuperiorequeoscursosdeformação tenham conhecimentos específicos que contribuamparaqueosprofessorespossamatuarrespeitandoarealidadedocampo.Garantiraformaçãocontinuadaemserviçoeatitulaçãodoprofessoradoleigoqueestáemsaladeaula.
Apartirdesseselementos,pode-secompreenderqueaeducaçãodocampoocorrededuasformas:
A–EducaçãoFormal:sãoaquelasiniciativasdirigidasàes-colarizaçãodapopulaçãonosdiferentesníveisdeensino(infan-til, fundamental,médio, profissional e superior), organizadaspelosistemadeensinopúblico,privadooucomunitário.
B–EducaçãoNãoFormal:sãoaquelasiniciativasdirigidaspara a organização comunitária, produtiva, sindical, política,cultural, religiosa, geralmente organizadas pelosmovimentossociais,sindicais,ONGseoutrasentidadesdasociedadecivil.(Contag,2006)
estUdos aGrários 93
Portanto, a especificidadeda educaçãodo campoé justificadapelofatodeultrapassarosespaçosescolares,poisestápresentenaorganizaçãoprodutivaelúdicadospovosdocampo.Comonosafir-maBrandão(1985):
Ninguémescapadaeducação.Emcasa,narua,naigrejaounaescola,deummodooudemuitos,todosnósenvolvemospe-daçosdavidacomela:paraaprender,paraensinar,paraapren-dereensinar.Parasaber,parafazer,paraserouparaconviver,todososdiasmisturamosavidacomaeducação.Comumaouvárias:educação?Educações.[...]Nãoháumaformaúnicanemumúnicomodelodeeducação;aescolanãoéoúnicolugaremque ela acontece e talveznemsejaomelhor; o ensino escolarnãoéaúnicaprática,eoprofessorprofissionalnãoéseuúnicopraticante.(p.44)
Assim,entendemosqueaeducaçãodocampoédiferenciada,éespecífica,noentanto,nãoéadversáriadasescolasdacidade.Éumaparticularidadedentrodouniversal,pois,naeducaçãodocampo,osaberéconstruídodeformacontextualizada,ouseja,consideraosespaçosearealidadequecercamoeducando,suavida,seutraba-lho,suavivênciasocial,suasmanifestaçõesculturais.
Pode-se inferir, então, que a construção de escolas do camposignificatrazeraescolaparaarealidadenaqualestáinserida:com-binarestudocomtrabalho,comcultura,comorganizaçãocoletiva,composturadetransformaromundo;reconhecerocamponãoape-nascomolugarondesereproduz,mastambémcomolugarondeseproduzPedagogia;comametodologiadahumanizaçãodaspessoasperpassadapeladimensãoeducativadoserhumanocomaterra.
Esse projeto específico de educação do campo é um processoqueforma,fortaleceecultivaidentidade,tendomaneirasdiferentesdeproduzirconhecimento,deolharomundo;diferentesmodosdeconhecerarealidadeeatuarsobreela.Alutaporumaeducaçãodocampoésomadaàlutapelahumanizaçãodasrelaçõesdetrabalho,
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resistêncianaterra,afirmaçãocultural,social,política,pedagógica,demarcadaspelaidentidadeepelosdireitosnegadosaospovosdocampoparaquesearticulem,seorganizemeseassumamcomosu-jeitosconstrutoresdaprópriaeducação.
Porfim,pode-se concluirque éde fundamental importância odesenvolvimento de um processo de formação de educadores(as)queassumamosmesmosprincípiospedagógicosdaeducaçãobásicadocampo,de formaapermitirodesencadeamentodeumproces-soeducativoapartirdareflexãosobreascondiçõesehistóriadetaiseducadoresemformação,assimcomoosvaloreseasconcepçõesdeeducação,dehumanidadeedesociedadequecarregam;ouseja,éim-portantequeaformaçãodoseducadores(as)assumaocurrículocon-textualizadoeapesquisacomoprincípiospedagógicosfundadores.
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estUdos aGrários 95
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pArte 2 interAçõeS eSpAciAiS entre o
rurAl e o urbAno
A conStrução do luGAr do miGrAnte retornAdo: o cASo do
povoAdo norte-mineiro de cipoAl
Adriano Corrêa Maia1
Darlene Aparecida Oliveira Ferreira2
Apartirdadécadade1950,comaurbanizaçãodasociedadebrasileira,aquestãodainteraçãoentreosespaçosruraiseurba-nosfoiumtemaderelevante importânciadentrodaGeografiabrasileira.
Nessesentido,hoje,asdiscussõessobrearelaçãoentreoruraleourbanotêm-sepautadonabuscadasuperaçãodeumaaborda-gemdicotômica,naqualosconceitosderuralidadeseurbanidadestrazemimportanteselementosteóricosparaadinâmicadoespaçogeográficodentrodessarelação(Rua,2002,2005).
Emoutrotexto(Maia;Alves,2009),propomosodebatedeumdesenvolvimentoteóricoparaasanálisesdasinteraçõesentreoru-raleourbanodentrodaGeografia.Estabelecemosarelaçãoentreascategoriasgeográficasdeespaçoe lugar, issoconcatenadocomnossa base empírica: a análise do espaço demigrantes do norte--mineiroemseulugardeorigemedestino,queapresentamemseus
1 Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP.MembrodoNúcleodeEstudosAgrários/IGCE/UNESP-RioClaro.Conta-to:[email protected]
2 ProfessoraAssistenteDoutordoDepto.deGeografiadoIGCE–UNESP-RioClaro.ProfessoraOrientadoradoPPGG–IGCE–UNESP-RioClaro.Mem-brodoNúcleodeEstudosAgrários/IGCE/UNESP-RioClaro.Contato:[email protected]
100 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
espaçosparticularesexpressõesdeurbanidadeseruralidadescujasinter-relaçõescompetemparaahegemonianaconstruçãodolugar.
Assim,entendemosqueasanálisesquerelacionamelementosdoruraledourbanonãopodemserrealizadascomanegligênciadesuasintençõesdialéticas,pois,nasuadinâmica,sãoproduzi-dos elementos que refletem e condicionam o espaço geográfico.Portanto,mediantearelaçãodoconceitodeespaço–comoumatrialética (Soja,2000)dosespaçosabsoluto, relativoe relacional(Harvey,2006)comolugar–pretendemosbuscaracompreensãoprofundaemultifacetadadaexpressãoespacialdarelaçãorural--urbano.Paraacompreensãodolugartemos,portanto,debuscaroentendimentodecomooruraleourbanoconstroemdeformadialéticaesseespaçoparticularpormeiodeelementospolíticos,econômicos, culturais e vivências expressas localmente, sem ja-maisdeixardeladoasrelaçõesestruturaisglobais,nasquaisoru-raleourbanotambémestãoinseridos.
Paraestetextopretendemostrazercomocontribuiçãoteórico--empíricaadiscussãodaquestãodamobilidade(migraçãointernatemporária)e,especificamente,aanáliseda(re)fixaçãodomigrantederetornoque,devoltaaolocaldeorigem,constróiumaespacia-lidadesingular,sendoquearelaçãoentreoruraleourbanovaiserumaestruturadoranaconstruçãodesse“novo-velho”lugar.
Dessemodo, no contexto de fluxos emovimentos populacio-nais(Silva,1999),opropósitodesteestudoérefletirsobreasnovasespacialidadesgeradaspelamobilidade temporária, isto é,vamosprocurarcompreenderomigrantederetornonacondiçãodequemvivenciououtrasespacialidades(urbanidades)eestáregressandoàsuaterranatal(ruralidades).Assim,objetivamosapontaralgumasinterpretaçõespossíveisparaexplicaracondiçãosocioterritorialdequemretornaao seu localnatal ediscutiros espaços construídosporessesmigrantes.
Para tanto, analisamosa construçãodo lugardeumgrupodemigrantestemporáriosemsuaterradeorigem,opovoadodeCi-poal, localizadonomunicípiodeMonteAzul,nonortedeMinasGerais.Taismigrantespassamnovemesesdoanotrabalhandona
estUdos aGrários 101
colheitadalaranjanointeriorpaulista,morandoespecificamentenacidadedeRioClaro.
Inicialmente,discutiremosoespaçodazonaruraldomunicípiodeMonteAzul-MG,especificamenteopovoadodeCipoal.Essaanálisepretendemostrarocontextodesaídadosmigrantestempo-rários.Emseguidaserádiscutidaabaseteóricaquepermiteenten-deroespaçosingularoriundodocontextodamigraçãocomopopu-laçãoemmovimentoeosespaçosporelaproduzidos.Adiscussãoprosseguecomoenfoqueparaaapresentaçãodoperfildotrabalha-dormigrantedonortedeMinasGeraisquevivedecolherlaranjanointeriorpaulista.Otextofinalizaapresentandoasespacialidadesconstatadasporessesmigrantesnasuaterradeorigem,sobretudonasuacondiçãodetransitório.
O espaço do município de Monte Azul e do povoado de Cipoal – o contexto da saída
OmunicípiodeMonteAzul(MG)localiza-senonortedoes-tadodeMinasGerais,navastaáreadacaatinga(polígonodaseca),biomaqueocupaaregiãoNordestedopaís.EssaáreavaidesdeoPiauíatéosopédaSerraGeral,3ecortalongitudinalmenteoterri-tórionorte-mineiro.
OmunicípiodeMonteAzul é constituídoporumapopulaçãodependentedaárearural,comumaurbanizaçãoprecária,ondeain-dustrializaçãopossuiumpapelínfimonasuacomposiçãoeconômica.
Azonaruraldessemunicípioéformada,predominantemente,porpequenaspropriedadeshabitadasporpopulaçõestradicionaisedescendentes,namaioria,demigrantesportugueseseindígenas.Aregiãotemsuahistóriaassociadaàocupaçãocolonialcomacriaçãodegado,seguidadodesenvolvimentodeumaagriculturadiversi-
3 ASerraGeraléumaformaçãorochosaquechegaaatingiremseupontomaiselevadoaalturade1.490meservededivisordeambientesbemdistintos:deumlado,osplatôsechapadasemseucimo;deoutro,adepressãosãofrancisca-naquelambeossopésdaserraeseespraiacomoimensaplanícieatéacalhadorioSãoFrancisco.
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ficadapraticadaporbrancosdeorigemeuropeia,desenvolvendo,apartirdaí,aagriculturacaatingueira.Esta,alémdaproduçãodecarneealimentosbásicos,incorporaocultivodoalgodãoaoseusis-temadeproduçãodealimentos.
Tradicionalmentecultivandoparaoautoabastecimentofamiliar,ospequenosagricultoresfamiliaresdaregiãodeMonteAzulincor-poraramnoséculoXVIIIaculturaalgodoeiraeseucaráternitida-mentecomercial.Foraminfluenciados,comonorestantedosertãonordestino,peloaumentodademandaprovocadapelamecanizaçãodoprocessomanufatureirodaindústriatêxtileuropeiaepelasubs-tituiçãodalãpeloalgodão,bemcomopelaescassezdeprodutoemvirtudedaguerradesecessãonorte-americana.Operíododeaugedaculturadoalgodãoproporcionoucertoconfortofinanceiro,quebeneficiouosagricultoresfamiliaresdaregião,quetinham,alémdarendadaculturaalgodoeira,seussistemastradicionaisdiversos,des-tinadosàproduçãodefibras,àalimentaçãoeàcriaçãodeanimais,associados,porsuavez,aoaproveitamentoalimentaremedicinal.
Essa situação perdurou durante todo o século XX. Contudo,apartirdoiníciodadécadade1950,umacriseassolouaproduçãodealgodãonaregião,deixandoosagricultoresemsituaçãoprecária,compoucosrecursosparaaobtençãodeummínimoderendimentosquepossibilitasseamanutençãoeconômicadesuaspropriedades.
Nessecontextodeprecariedadeocorrenaregião,apartirdadé-cadade1970,umintensofluxomigratóriopermanenteetemporárioparaoutrasáreasdoBrasilnabuscade“umavidamelhor”.4Pode-seafirmarqueéraraafamíliadeagricultoresdomunicípioeredondezasquenãotenhaalgummembroquetrabalhaoumoranointeriordoestadodeSãoPaulo.Portanto,abuscadeumtrabalhoquepropor-cionemelhoresrendimentosfinanceiroséoprincipalfatordeestímu-loresponsávelpelamigraçãoqueocorreemMonteAzul.
Dentro desse contexto de mobilidade constatado na região(Maia;Alves,2009),temosocasoespecíficodeumgrupodeagri-cultores familiares que possuem suas propriedades em torno do
4 Faladeummigrante.
estUdos aGrários 103
povoadodeCipoal–sudestedomunicípio–,equeimigramanual-menteparaomunicípiodeRioClaro,nointeriorpaulista,paratra-balharnacolheitadelaranja.
Assim,principalmenteocontingentemasculinodeagricultores,quesãoafetadospelafaltadeopçãonaobtençãoderendimentosemsuapropriedadenaregiãonorte-mineira,vivenciamumadiáspora5 “temporária”.
Tomandocomobaseessefenômeno,opropósitodacontinuida-dedotextoestánareflexãosobreasdinâmicasespaciais(asespa-cialidades)produzidasdentrodesseprocesso;as implicaçõesparaomigrantequesedeslocatemporariamentee,noseuretorno,temuma novamaneira de construir o lugar de origemdurante a suareinserçãonesseespaço.
ComoescreveAlmeida(2009),emoutrocontextomigratório,a
[...]diásporaéumfenômenoquepressupõeaterritorialidade,adesterritorializaçãoeareterritorialização,quepodemenvolverumaoumaispessoasealterarrelaçõesentreespaçoetempo.É,pois,pertinentediscuti-lacontemporaneamenteconsiderandoosterritórioscriadosemumespaçoemmovimento[...].(p.210)
Portanto,temosporobjetivoanalisarcomoas“novas”espacia-lidadesestão imbricadasnosprocessosde retornodos imigrantesfocalizados.Paraisso,vamosnosbasearnaexperiênciadeumespa-çorural(ruralidades)particular,queconstituiabaseparaaforma-çãoculturaldogrupodeagricultoresfamiliares,enaspermanênciasqueoespaçourbano(urbanidades)introduznomigrantetemporá-riocatadordelaranja.
Decorrente do exposto até aqui, temos o seguinte questiona-mento: comoacondiçãodeex-migranteo faz reelaborar“outro”espaçoquandodoseuretorno?
Assim,pretendemosresponderaessaquestãolevandoemcon-sideraçãoavisãodessesmigrantessobreseuespaçodeorigem,uma
5 DiásporanosentidocolocadoporHall(2003).
104 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
vezqueoserhumanoatribuivaloresaoslugareseprojetasobreoespaçooseuser.
Migração, espaços móveis e interespacialidade: o lugar como a dialética entre o rural e o urbano
Paraodebatesobreaconstruçãodoespaçodomigrantequere-torna,vamospartirdacategoriaanalíticade lugar.Considerandoo conceitode lugar constituídopelos espaços absoluto, relativo erelacional emsuaexpressão trialética, temosqueele correspondeaumaexpressãosingular,compostaporum“encontrodetrajetó-rias”particulares (Massey,2008)e construídopordiferentes ele-mentos sociopolíticos, sendo,assim,umelementohíbrido (Rose,1994).Aqui,orural(easruralidades)eourbano(easurbanidades)estãonabasedesuaconstituição.
Outroelementoimportanteparaadiscussãoteóricadaespacia-lidadedessesmigrantes temporários é a questãodafluidez espa-çotemporalemsuasrelaçõescomolugardeorigem,umavezqueomigranteretornadovaiconstruí-lodeumamaneiradiferenciada,naqualelementosruraiseurbanosvãoestaremconstantetransfi-guração6(Maffesoli,1995).
Para o desenvolvimento teórico, vamos buscar a contribuiçãodeRetaillé(2010),que,aodiscutiratemáticadafluideznomundocontemporâneo,apresentaumainteressanteconcepçãodeespaço,queseriafluida,masnãodesprovidadesubsistência:o espaço móvel.
L’espace géographique est un espace anthropologique etnonpasseulementunthéâtreniuneabstractionméthodologi-que.Lemouvementdevenant “saillant”, les lieux éphémèresetlesdirectionsincertaines,l’espaceestdevenumobile.C’est--à-direqu’unmêmelieu(croisement)peutsedéplacerdansle
6 OtermotransfiguraçãoaquiadotadoéentendidoconformeoapresentaMaffesoli(1995):“Transfiguraçãoéapassagemdeumafiguraparaaoutra.Alémdisso,elaédeumacertamaneira,mesmoquemínima,próximadapossessão”.Assim,umanaturezapossuídapelohomemtransfigura-se,adquireumaoutradimensão.
estUdos aGrários 105
systèmedesréférencesquisetrouvedémultiplié.C’est-à-direaussiqu’enunmêmesiteetdansunemêmelocalité,plusieurslieuxpeuvent coexister, cequibouleverse lesmodalités de lacoprésence.(p.4)7
DeacordocomRetaillé(ibidem),oespaçomóvelé“umespaçodeusoconstantementerecomposto,comumsistemadedistâncianoqualasmedidasvariamnosmesmosprincípios”.Portanto,osespaçosmóveisconferemumaespacialidadecomplexaaoslugares,apesardeaspropriedadesdesuperfícieedelocalização(osespaçosrelativoserelacionais)seremmantidasconstantes.
Dentrodocasoempírico tratado,aespacialidadecolocadaemcursopelamigraçãoeseuretorno,baseando-nos,ainda,emRetail-lé(ibidem,p.5),seriaoespaçonoqualéimpressaamaneiracomoosmigrantessãocomolugar,atravésde“umacombinaçãodeseutrabalhosobreoespaçoenoespaço”.
Decorrentedessaconcepção,osmigrantesretornadosdopo-voadodeCipoal,emMonteAzul,sãofortesprodutoresdeespa-çosmóveis.Sendoassim,podemospensaradinâmicadamigraçãocomousuáriaereelaboradoradoespaçoedosprocessosdeespa-cialidades.
Amigraçãoéumfenômenoquepromoveumareflexãoso-breasatuaisconcepçõesdesedentarismoedemobilidade,poisambasencerramaideiamaisoumenosabstratadeespaço,bemcomodeesferasidentitáriasedezonasdeproduçãodeevidên-ciasmaisoumenoscompartilhadas.Discutiraimigraçãoimpli-caconsiderarconceitoscomoosdeterritorialidade,desterrito-rializaçãoereterritorialização,quepodemenvolverumapessoaouvárias.(Almeida,2009,p.212)
7 Dofrancês:“Oespaçogeográficoéumespaçoantropológico,enãoapenasumpalcoouumaabstraçãometodológica.Omovimentotornou-se‘importante’,eassimos lugares tomaramdireçõesefêmerase incertas,oespaçotornou-semóvel.Istoé,omesmolocal(cruzamento)podemover-seemumsistemadereferênciasqueémúltiplo.Istoé,emumúnicolocal,lugaresdiferentespodemcoexistir,oqueperturbaascondiçõesdecopresença”(traduçãonossa).
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Tomandocomoexemplooutrosautoresquetambémtratamdes-sarelaçãodefluideznoespaço,8comoMbembé(2005),queserefe-reaumaterritorialidadeitinerante,fluida,múltiplaeplural,9 nossa preocupaçãoaquiérevelaranaturezaeaparticularidadedoespaço--lugaremumcontextoinfluenciadopelamobilidade,pelamigraçãoeporseuretorno.Semdúvida,essadinâmicapelaqualpassaomigran-tetemporáriovaimodificarosentidoeanaturezadolugardeorigem.
OutracontribuiçãoimportanteparaanossaanáliseestánaleituradoconceitodeterritóriopropostaporVanier (2008),quecolocaosterritórioscomoumelementoqueextravasousuasescalasparaalémdeseuslimites,constituindo-seemumespaçointer-territorial.Oau-tor,nocontextodaglobalização,afirmaqueessainter-territorialidadeémotivadapelasalianças,ligaçõesearticulaçõesentreosterritórios,quecriamredescomfluxosentresi.ParaVanier,existemcombina-çõesmúltiplasentreointer-territórioeointraterritório,poisambospodemcompartilharosmesmosterritórios.Entreessasduascatego-rias,amaioriadasvezesatuamconstantemente“entreumpoucodaterritorialidadecom[um]poucodeinter-territorialidade,umpoucodeidentificaçãoaumgrupo,realouprojetado,compoucoexercíciodadiferenciaçãoindividual”(ibidem,p.21).
Decorrentedasquestõesquebuscamosinvestigar,osdesenvol-vimentossobreinter-territorialidadedeVanier(ibidem)edeespa-çosmóveisdeRetaillé (ibidem)contribuemcomoentendimentodaconcepçãodeespaço-lugaradotado,sendoimportanteparaumaleituraapropriadasobreaespacialidadedosmigrantesretornados.
Umdesenvolvimentoanálogopodeservisto,emumcontextourbano,naconstruçãodoespaçoporumgrupodemigrantesper-manentesqueanalisamosemoutromomento(Maia;Alves,2009a,2009b).Tratava-sedeindivíduosoriundosdeumcontextorural10 queconstroememseuespaçourbanoumnovo“ambiente”,entre-
8 ComosãoautoresdalinhafrancesadeGeografia,acategoriaanalíticaqueex-pressaamaioriadosdesenvolvimentosteóricoséadeterritório.
9 MobilidadenoespaçodaporçãonortedaÁfrica.10IndivíduoslocalizadosnonortedeMinasquemigraramparaacidadedeRioClaro,nointeriordeSãoPaulo.
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laçadoentreoscontextosdoespaçorural(origem)edoespaçour-bano(destino).11
Nofatoestudado,constatamosesseentrelaçamentoentreo ru-raleourbanonacomposiçãodesuascasas12noambientecitadino(Maia;Alves,2009b).Napesquisamostramosqueacasaparaomi-granterepresentamaisqueumasimplesconstruçãoparaamoradia:éoambienteemqueelecircunscrevesuavida,seuprojetodevida.
Dessemodo,acasanoambientecitadino,paraomigrantemi-neiro,temumaconfiguraçãoparticular,aqualtraztodasasrelaçõesdoruraldeMinasGeraisparaaperiferiainterioranadeSãoPaulo.Issopodesernotadonocaráterestruturaldiferenciadoemrelaçãoàsdemaiscasasdobairroemquemoram.Sãogeralmenteabertasemsuafachada,sempre“inacabadas”,comvárioscômodosvaziosparareceberoutrosfamiliares,massomentecomumasalaeumacozinha,oqueindicaocaráterespacialtransitóriopresentenolocalelembramuitoaconstituiçãoda“casa”ruraldonorte-mineiro.
Outra característicamarcante presente na “casa” refletida naconstruçãodoespaçourbanoéaposiçãoocupadapelopainasuaconfiguração. A sala sempre tem um lugar reservado e somenteocupadoporele,comumassentamentoespecialdeacessoprivile-giadoaodomíniosobreatelevisão,tendo,emcontrapartida,aco-zinhacomooespaçodedomíniodamulher,queamantémsempreextremamenteasseada,comona“casa”rural.
11Olugar,noespaçourbano,construídoporessesmigrantes,éconstituídopelosespaços(absoluto,relativoerelacional)domundorural,expressosprincipal-menteatravésdasuainteraçãotrialéticacomosespaços(absoluto,relativoerelacional)doambienteurbano.Issoéobservadoclaramentenoespaçovividodiaadiaporessesmigrantes.
12Os trabalhos sobre residência (“house”), casa (“home”), lar (“household”) e omundodomésticosetornaram,defato,umricoterritórioparaoentendimentodosocialedoespacial.Assim,dentrodaGeografia,temosaconsolidaçãodeumcampodeestudo,as“geografiasdacasa”(geographies of home).Dessemodo,ob-servamosqueo“conceitodecasa”podetrazer,dentrodaspesquisasgeográficas,umagrandecontribuiçãoparaaanálisematerialeafetivadoespaço,pormeiodaqualelapoderevelarasformasdepráticascotidianas,experiênciasdevida,rela-çõessociais,memóriaseemoções.Istoé,aanálisedoespaçopodeserapreendidaatravésdossignificadoseexperiênciasvividasnacasa.
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Assim,podemosafirmarquenaconstruçãodoespaçourbano,essesmigrantessustentamoparadoxodoentrelaçamentoentreoruraleourbano.Talfatoécontempladopormeiodaanálisedasua“casa”,aqualestásempre“porfazer”,umavezqueelaéumelementobásicoparaoseuobjetivodevida:oretornoaonorte--mineiro.Então,acasapresenteemRioClaroésempretransitó-ria,mal-acabada,erepresentaumapossibilidadedecapitalização,sendoestasemprereservadaparaumfuturoretorno“àterrinhaládeMinas”.13
Decorrente do panoramamostrado no contexto contemporâ-neo,paraaanálisedarelaçãoentreosespaçosruraleurbano(paraarelaçãocampo-cidade),nãopodemosdeixardeconsiderarasim-bricaçõesentreessesdoisespaçosesuasrespectivasespacialidades.Dessemodo, a fim de obtermos um entendimento do espaço deretornodosmigrantes temporáriosdopovoadodeCipoal, temosdecapturarasurbanidadeseruralidadessingularesdeseusespa-ços(ruraleurbano),poisolugarderetornodosreferidosmigrantesapresentaumadialéticaentreoruraleourbano.
Vou, mas volto logo...
O imigrante é, sobretudo, uma força de trabalho provisória,temporária,emtrânsito(Sayad,1998;Silva,1999).Otrabalhofazsurgiro imigrante,masquandoaparecesuaescassez,édecretadasuanegação,e,assim,“empurra”omigranteparaonãoser,ouparaoserqueera,avoltaparaolocaldeorigem.
Os migrantes entrevistados relataram que, em Monte Azul,tantonacidadecomonazonarural,háfaltadeofertadetrabalho,alémdearemuneraçãonãosercondizentecomasexpectativasparaumamelhoriadevida.Assim,amigraçãoseapresentacomoumasoluçãoparaasituação.
13AmaioriatempropriedadesruraisemMinasGerais.
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AquiemMinaséumavidamuitocustosa,nóssaímosdaquiporquefaltadinheiro,nãotemquemfaznada;nenhumafirmapratrabalhar[...]aítemquesairdolugarnossoprasofrer.Porqueolugarnossonãocresce?Porquenãotemumconforto,nãotemumafirma,nadapragentetrabalhar.Aíficatodomundoàtoa,fazendooquê?Temqueir...(G.)
Nogrupodeagricultorespesquisados,ofluxodemigraçãotem-poráriasedápelacolheitadalaranjanointeriorpaulista,14atividaderealizadaduranteoperíododejunhoafevereiro.
Omercadodetrabalhoémajoritariamentesazonal–absor-vemãodeobraduranteassafras,poisamaiorpartedocultivofoimecanizadaeaterrafoiconcentradaemgrandeslatifúndios.Em período de colheita, migrantes assentam-se em acampa-mentosdentrodasplantas,ouemquartosalugados,principal-mentenascidadesmenoresdaregião.(Rolnik,2004,p.120)
Comaaberturadacontrataçãodemãodeobraparaacolheitadalaranja, aproximadamentequarentahomensmigramdopovoadodeCipoal,nazonaruraldeMonteAzul-MG,localparaoqualre-tornamanualmentenoperíododejaneiro-fevereiro,permanecendoatéjunho-agosto.
Duranteoperíododemigração,ocontadocomasfamíliasquepermanecememMonteAzuléescasso.Uma ligação telefônicaéonerosaparaessestrabalhadoresbraçais.Asaudadeégrande,masauniãodogruponacidade-destinoajudaacamuflarasaudadedoespaçodeorigemeodesconfortodolocaldedestino.
Segundoosentrevistados,ganha-sebemnacolheitadalaranjaemrelaçãoaoquesepodeobteremMonteAzul.Emnovemesesdetrabalhonacolheitapode-seeconomizarum“bomdinheiro”paramanterafamíliaaolongodoano.
14Oiníciodessefluxomigratórioocorreuatravésdaindicaçãodetrabalhoporoutrogrupodemigrantes,quetrabalhavanaconstruçãocivilnacidadedeRioClaro.
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[...]serviçomeiopesado,masgraçasaDeustemasafra; játôcommaisdequatromesesquetôaquienemchegueiatirarR$100,00.Aíassimnãodáprocaravivercomafamília.Sódaquimesmo;entãotemquebuscarlámesmoparaversedápravivercomafamíliaaqui.Temqueirlá,éojeito;éduromaiséojeito.AgentevaiseDeusquiser...(F.)
Tornar-seumimigrantetemporáriotemumcustoelevado,pro-vocaumangustiantesentimentodedesorientação,oumelhor,dedesconstruçãodeumaespacializaçãojáestabelecida.Aescolhadetalalternativa,àsvezesaúnicaoferecida,trazgravesconsequênciasparaavidadomigrante.Rarossãoosquemencionamougostamdecomentarotempovividonointeriorpaulista.
Napróximasafraeunãotôcompropósitodevoltarnão.Agentetemquepararumpouco.Équeseficartrabalhandoco-lhendolaranjatodoano,émuitopesado.Láabarraépesada,não temdiversãonão.É trabalharde sol a sol; a gente saidenoiteechegadetardezinha,escurecendo...(G.)
Apósessaempreitadaheroica,amigraçãoparadetrabalharnacolheitadalaranjaeoretornoparaazonaruraldeMonteAzultrazdiversasmarcas.Na suavolta,F. sente-sedeslocadodas ativida-deslocais:“temumvazio,semnadaparafazer”.NocasodeI.,alongaausênciaofezestranharapaisagemruraldoCipoal,alémdeachar“pequenademais”acidadedeMonteAzul.OentrevistadoL.afirmavaque“no inícioestranhavaatéa securadaqui”, sendoqueL.morouportrêsanosnointeriorpaulista,de2007a2009,econfessouqueretornou“praroçaporquesuavidaestánonortedeMinas”,equeotrabalhocomalaranja“judiavamuito,nãodáprocabracontinuar trabalhandoseguidamentenacolheita,senãoelaquebradevez;sebobear,vaiminguandoatémorrer”.
OsítioMaxixeironãomudounadaduranteaausênciadeD.:asroçascontinuamasmesmas;osfilhospequenoscontinuamnaes-
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cola.AmulhertomoucontadetudoenquantoeleestevecolhendolaranjaemRioClaro.
Agentefaztodoesseesforçopramelhorcriarosfilhosdagente.OD.vaiparaSãoPaulocolherlaranjaeeuficoaquicui-dandoda rocinhaquenós tempro sustentoda casa; tambémcuidodasgalinhasedasvaquinhasquedá leite.É tristeza sóquandoele...masfazeroquê,aquinãotemcomoganhar...(L.)
ApesardeconceberRioClarocomoumlugardifícildeviver,D.afirmaque,sepudesse,levavaamulhereosfilhospararesidirnomunicípiopaulista,porqueachaqueacidadeofereceummaiornúmerodeoportunidadesdetrabalhoparaocasal,alémdeescolademelhorqualidadeparaosfilhos.
Osmigrantes,aoretornaremdatemporadadecolheitadala-ranja,aplicamsuaseconomiasprincipalmentenamanutençãodavidadoméstica:roupaparaafamília,melhoriasnaspropriedades,pagamentodedívidas,compradesementese,emalgunscasos,nosonhodetodomigrante–acompradeumamotocicletaoudeum“carrinhovelho”,queconstituioprincipalsímbolodomigrantebem-sucedido.
Naopiniãocorrentedocírculoderelaçõesqueosenvolve,amigraçãotemporáriaéumelementopositivo,umavezqueper-miteareproduçãodassuaspequenaspropriedadesfamiliaresdemaneiramaistranquila,secomparadaaosoutroshabitantesdaregião.
Outroaspectodecorrentedesseprocessodemobilidadeestáre-fletidoeéreflexodaconstruçãodolugardeorigem.Elesvivemnasuaterranatal,mas,apósamigraçãoeoretorno,adquiriramumacondição sociocultural diferenciada. Segundo ummorador local,elenão émais como“nós”,pois “saiu e voltoudiferente”, “comjeitodehomemdacidade”.
Emsuma,eledeixadeserumsertanejomineiroparasetor-narumsertanejoquemigrouevoltou:sempreumestrangeiro,láoucá.
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O imigrante retornado: novas espacialidades e a dialética entre o rural e o urbano
Tornar-seummigranteretornadosuscitaumcaráterdedeso-rientação socioespacial, oumelhor, transformar o indivíduo emumserem(re)construçãoemumespaçomóvel(Retaillé,2010),umestarentreterritórios(Vanier,2008),noqualocontextourba-no(esuasurbanidades)eorural(esuasruralidades)estãodialeti-camenterelacionados.
[...]alegre,tambémporqueoretornotrazdevoltaolugar.Tris-te,aomesmotempo,porqueolugarnuncaéomesmodeantes,muita coisamudou, o tempodeixou suamarca e quem chegatambémjáéoutro.Aviagem,otrabalho,imprimecicatrizes.(F.)
Decorrentedisso,acondiçãodeserummigranteretornadotemvárias implicações culturais, identitárias, e principalmente espa-ciais.Oimigranteestásempreondenãotemnemacondiçãodeumserlocalnemadeumserestranho;eleocupaafronteiraentreosereonãosersocioespacial.
Migrarénãosermaisdolugardeondenascienãosertambémdolugarondeeuvoucolherlaranja.Nãosouumhomemdaroça,mastambémnãosouumhomemdacidade.Naverdadesouumeternoestrangeiro,tantoláemSãoPaulocomoaquiemMinas.(F.)
Nocasodoimigranteretornado,omeiourbanodointeriorpau-listaeoambienteruraldeMonteAzulatuamconjuntamentenosprocessosdeconstruçãosocialdolugarpresente.Éaconstruçãodeumlugarpormeiodenovastrajetórias15(urbanidades),fornecendonovos“sentidosdelugar”.
Assim,diversasespacialidadesconvergemparaaquelelugar.Éaconstituiçãodeelementosquesuperpõemoespaçourbanocom
15Oestarentreterritóriosdistintos.
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suasurbanidadeseoespaçoruralcomsuasruralidades.Comisso,esse“novo”espaço,olugar,passaaterseusignificadotransfigura-do(“olugarnuncaéomesmodeantes”),reconfiguradonãoapenasnamaterialidade visível e noque émensurável,mas tambémnoconjuntodasrelaçõesquemantémtodaasuavidasocial.Portanto,olugar,atravésdaespecificidadedoespaçorelacional–queincluiosprocessossociais–edosespaçosmateriais(espaçoabsolutoere-lativo),éconstruídoemummovimentoquelevaemcontaosele-mentosdoespaçourbanoeaspermanênciasdoespaçorural.
Asnovasreconfigurações,asquaissãoexperienciadaspelomi-granteretornado,trazemumdesencaixe16domigranteemrelaçãoao lugardeorigem.Suaposição torna-sedúbia,nãopossibilitan-douma sensaçãodepertencimento completo àquele espaço. Issoocorre,principalmente,porqueasurbanidadestrazidasdointeriorpaulistaentramemcontradiçãocomoselementosdomundorural.
Alémdisso,avoltanãoécompensadora;odinheiroépouco,diantedetantoesforço.Eacadaviagemaumentaosofrimentoediminuiorendimento.Emvezdesubirnavida,omigrantedes-ce.Acadaanopareceficarmaispobre–comodizem,migrandoeminguando.ÉprecisoregressaraSãoPaulonapróximasafra,naoutra,naoutraenaoutra.Sempresair,arrumarumdinheirinho,etocararoça.Semisso,omigranteseráobrigadoasairdevez.Sãoosrecursosdeláquepermitemcontinuarfirmesdoladodecá.(F.)
Issosetornaclaronasaçõespraticadasporessesmigrantes,e,consequentemente,sãorefletidasnolugar.Comootempodeper-manênciaemsuapropriedadenonortedeMinasGeraisélimitado,asroçasdessesagricultoresmigrantessãopequenas,secomparadasàsdoshabitanteslocais.Issoocorreprincipalmenteemvirtudeda
16VejamosadefiniçãodeGiddens (1991,p.29):“Pordesencaixeme refiroao‘deslocamento’dasrelaçõessociaisdecontextoslocaisdeinteraçãoesuarees-truturaçãoatravésdeextensõesindefinidasdetempo-espaço”.“Este[desencai-xe]retiraaatividadesocialdoscontextoslocalizados,reorganizandoasrelaçõessociaisatravésdegrandesdistânciastempo-espaciais”(ibidem,p.58).
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ausênciadodonodapropriedade,quenão tem tempohábilpararealizarociclocompletodasculturaslocais.Dessemodo,plantambempouco,paraque,nasuaausência,amulhereosfilhos,aindameninos,possamcuidardaroça.
QuandoeuvoltoaquiparaMinas,nósfazemosaumaro-cinha.Nãopodeplantarmuitoporqueépoucagenteemcasa,enãotemjeitodeplantarmuito[...]Aí,quandovoltaparaRioClarocolherlaranja,éminhamulherquecuida.Sabe,elasem-prefoidaroça,entãosabecomofaz;elaébemcaprichosa.(F.)
Issogeraumadiferenciaçãoespacialentreosmigranteseospe-quenosproprietáriosvizinhos,denunciandomaterialesocialmenteacondiçãodetemporárionaquelelugar.
Assim, a agriculturade subsistênciapraticadana região,paraomigranteretornado,éumelementodescartado,umavezquesuarendaprovémdeoutrafonte.Consequentemente,nasrelaçõesdevizinhança e parentesco, esse migrante é sempre balizado comoumelementoqueextraisuarendadefora,nãosendo,portanto,umigual, pois não tem apreocupação como lugar como“nós”. Suacondiçãoéadeumserque“nãoétotalmentedaquelelugar”.
Esseenvolvimentocomolugaroriginaleaagriculturadesub-sistência transforma muitos ex-agricultores em comerciantes noperíodoquepermanecemnonortedeMinasGerais.Muitos“fa-zemasacola”esaemvendendoroupas,perfumeseaparelhosele-trônicosnaroça,nopovoadodeCipoalearredores,ondeocírculodeparentescoecompadrioalcança.Comisso,observa-seumare-configuraçãodolugar,ondealguns“comerciantes”venderamsuaspropriedadesnaárearuralpararesidirnopovoadodeCipoaleaténacidadedeMonteAzul.
Nocasodomigranteretornado,temosquesuasespacialidadesdointeriorpaulistaedonorte-mineiroestãopresentesnosproces-sosdeconstruçãosocioeconômicadasituaçãopresente,do lugar.Dessaforma,osermigradoconstróiumlugardistintododosquepermaneceram.
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Mastambémnãopodemosconcluirqueesseslugaresdiferen-ciados são suficientes para afirmar que os migrantes retornadosencontram-se entre culturas e, consequentemente, entre-espaços.Evoca-seaquioqueHall(2003)denomina“transcultural”,comouma explicação para a condição cultural domigrante retornado.Umprocessotransculturalenvolveriaa“zonadecontato”,emque“acopresençaespacialetemporaldossujeitosanteriormenteisola-dosporconjunturasgeográficasehistóricasagorasecruzam”(ibi-dem,p.31).
Paranós,essaperspectivaseriamaisapropriadaparadefiniracondiçãodeidentidadecultural,e,consequentemente,deconstru-çãoespacialdolugardosmigrantesretornadosdonortedeMinasGerais.Adespeitodeumacoabitaçãoespacialetemporal,ocruza-mentodaculturaurbanadointeriorpaulistacomaculturaruraldonortedeMinasGeraisocorriaemníveishorizontaisdistintos–mascomumentrelaçamento,integraçãoouinclusãoentreelas.
Considerações finais
Atravésdotextoapresentado,sobreosmigrantesretornadosdopovoadodeCipoal,procuramosmostrarcomooslugarestornam--sepráticaspassageirasde indivíduosegruposqueporelestran-sitam,atuameosreconhecemcomoportadoresdeespacialidadesparticulares.Espaçoesseondeasurbanidadeseruralidadessãoasmatrizesdaconstruçãoparaesseespaço.
Semapretensãodeemitirrespostasdefinitivassobreotema,ob-jetivamoscolocarumentendimentodoespaçocomoumelementodinâmico,firmandoassima concepçãodeentenderespacialidadecomoprocesso.
Posto isso, concluímosqueocontextode reinserçãodosmi-grantestemporáriosemseuslugaresoriginários,aspequenaspro-priedadesdosertãomineiro,criaprocessosdiferenciadosconfor-meainclusãoeaexperiênciaculturalnoespaçodeacolhimentoedemigração.
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1 AcadêmicodocursodeGraduaçãoemGeografiapelaUFPel.BolsistadoPI-BIC/CNPqdoLaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbientaisdaUniversida-deFederaldePelotas.Contato:[email protected]
2 AcadêmicadoscursosdeLicenciaturaeBachareladoemGeografia.MembrodoLaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbientais–LEAA.Contato:[email protected]
3 ProfessoraAssociadaIdaUniversidadeFederaldePelotas.ProfessoraOrien-tadoranoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia–FURG.CoordenadoradoLaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbientais–LEAA/ICH/UFPEL.
120 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
atividaderealizadaforadoperímetrourbano(noespaçoruralquecircundaacidade),enãosomentenaperiferiadacidade.
Apráticadaagriculturaurbanaérealizada,geralmente,empe-quenasáreasdestinadasaoautoconsumodasfamíliasprodutoraseparaavendaempequenaescalanomercadolocal,e,também,porescolaslocalizadasnoperímetrourbanoquedesenvolvemessaati-vidadepormeiodeprojetossociaisedeeducaçãoambiental,bus-candoaconscientizaçãodascriançasarespeitodaimportânciadecultivaropróprioalimento.
Adiferença da agricultura urbana com relação à realizada noespaço rural é justamente o ambiente. Sendo assim, a prática daagriculturaurbana,quecompreendeasdiversasatividadesrelacio-nadasàproduçãodealimentoseàconservaçãodehábitosepráticasrurais–ruralidades–nasperiferiasdoscentrosurbanosrepresen-ta,muitasvezes,umaestratégiadereproduçãosocioterritorialdasfamílias,voltadaparaaproduçãodealimentoseatémesmoparaageraçãodeempregoparaamãodeobrafamiliar.
Aexpansãodoperímetrourbanopormeiodedecisõesnorma-tivasdascâmarasmunicipaisincorporaáreascomcaracterísticasedinâmicasruraisqueadquiremumnovosentidofuncionalparaaurbanização.Esseuso,porsuavez,nãodescaracterizaasáreaspe-riféricasdosítiourbanopelapresençadeatividadesagrícolas,comooscultivoseacriaçãodeanimais.Ofatoéqueaexpansãoterritorialurbanaacontecepelaimplantaçãodeloteamentos,pelaespeculaçãoimobiliáriaepelaorganizaçãourbana–normasediretrizesdousodosolo–domunicípioatravésdoplanodiretor,comonocasodePelotas,oqualvaiestabeleceradireçãodocrescimentourbanoe,consequentemente,quaisáreasserãoincorporadaspelocrescimen-todacidade.Sposito(2006)explicacomoissoocorre:
Os processos de suburbanização transformam, paulati-namente, os arrabaldes da cidade, inicialmente ocupados poratividadesrurais,emespaçosqueiamsetornandosuburbanospara,comodecorrerdotempo,viremaser,defato,urbanos.Esseprocessorelativamentelentoresultavadasomatóriadepe-
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quenasiniciativasindividuais,nãoarticuladasentresi,referen-tesàmudançadousodeumaparceladaterrarural,paraousourbano referente à mudança e/ou desmembramento de umapartedelaparafinsresidenciais[...].(ibidem,p.122)
OmunicípiodePelotasestálocalizadonaporçãosuldoestadodoRioGrandedoSuleocupaumaáreade1.608,77km².Situa-seàsmargensdocanalSãoGonçaloecontacomumapopulaçãode345.181habitantes, segundodadosdo IBGE(2000).Éa terceiramaior população do estado por município, superada apenas porPortoAlegre eCaxias do Sul.Trata-se domunicípio commaiorpopulaçãodaregiãoSuldoestado,exercendoassimumafortehie-rarquia urbana com relação aosmunicípios próximos.Amaioriadapopulação,cercade93,2%doshabitantes(ibidem),éurbana,eapenas6,8%vivemnaárearuraldomunicípio,questãorelevantequandosetratadeanalisarascategoriasruraleurbanaemumlugarondeasfronteirasentrecampoecidadeseconfundem.
O problema da urbanização acentuada e as relações com a agricultura urbana
Decorrente do processo de industrialização e urbanização, oêxodorural,nãosónoBrasil,mastambémemescalamundial,ori-ginouocrescimentodesordenadodascidadeseoaumentodapo-pulaçãourbana,oqueagravouosíndicesdepobrezaededesem-prego.AsconsequênciasdaimplantaçãodomodeloexcludentedaRevoluçãoVerde,responsávelpelamodernizaçãodaagricultura,li-berouigualmenteumcontingenteexpressivodetrabalhadoresedepequenosproprietáriosruraisdasatividadesprodutivasnocampo.RosaeFerreira(2006)explicamque:
Emparte,oaumentodapopulaçãourbanaeocrescimentoterritorialdaáreaurbanizadadomunicípiopodemserexplica-dosporumprocessomaisgeral,emquegrandeparceladapo-
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pulaçãorural–porcontadainstabilidadedascondiçõesdevidanocampo,edaspolíticasdemodernizaçãodaagricultura–sedirigiamparaascidades.(ibidem,p.197)
Adiscussãoquepermeia este estudo é a deque a agriculturaurbanapodeserconcebidacomoalternativaparaosproblemasge-radospelaurbanizaçãoacentuada:umdosmaisevidenteséafaltadeempregonascidadeseaconsequentedificuldadedegeraçãoderenda familiar. Em alguns casos, a prática da agricultura urbanapoderepresentaraúnicapossibilidadedeempregodamãodeobrafamiliaredeobtençãoderendacomacomercializaçãodosexceden-tesagrícolas.ComoexplicamAquinoeAssis(2007):
A urbanização não planejada se apresenta como um dosprincipais problemas da humanidade. A FAO-Sofa (1998) estimaque, para o anode 2015,mais de 26 cidades em todoomundoestarãocommaisde10milhõesdehabitantes.Paraalimentar essapopulaçãodeacordocomaFAO (1998), serianecessário importarpelomenos6.000 toneladasde alimentospordia.Dessacrescenteurbanização,alémdofornecimentodealimentos,resultamoutrosproblemas,comoapreservaçãoam-bientaleaofertadeempregos.(ibidem,p.137)
Oproblemadaurbanização,quandonãoacompanhadadopla-nejamentoedoordenamentoterritorial,produzocrescimentodecidadescomelevadosíndicesdedensidadepopulacional,e,muitasvezes,comdisponibilidadedemãodeobraquenãoconsegueserabsorvidapelomercadodetrabalhourbano-industrial.Aagricul-turaurbana,emcomparaçãocomaagriculturaeminentementeru-ral,destaca-secomoalternativaevidenteempaísessubdesenvolvi-dosparaaspopulaçõesque,muitasvezes,sãoprovenientesdazonaruraleque,pelasuatrajetóriadevida,estabelecemformasdeocu-paçãodosoloedeorganizaçãosocioeconômicafundamentadasnapráticadaproduçãodealimentos.EmcasosdepaísescomooJapão,ondeaquestãoda faltade terras cultiváveis éumproblemapara
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umapopulaçãoquebeiraos130milhõesdepessoas,aagriculturaécomumemgrandescidades:asoluçãoencontrada,nessecaso,foiadestinaçãodeespaçosparaocultivoagrícola,principalmentedarizicultura,nointeriordoperímetrourbano.
AcidadedePelotasestádivididaemsetoresgeoeconômicosdeacordocomasatividadespredominantesporelesdesempenhadasUmdeles é a zona“rururbana”,que sedestacapelapresençadeatividadesprodutivascomcaracterísticasagrícolaseporserlocali-zadaemumespaçointermediárioentreacidadeeocampo.Nessecaso,aagriculturadesenvolvidanadenominadazona“rururbana”édefinidacomourbanaouperiurbana.
Portanto,aZonaNortedacidadedePelotas,maisespecifica-mente,aregiãomacroeconômicadasTrêsVendas,éaáreadefinidapeloIIIPlanoDiretordePelotascomoespaço“rururbano”.Nes-sesespaços,achamadaagriculturaurbanaedemaisatividadesnãoagrícolas,masrelacionadasàsdinâmicasrurais,seinseremnocon-textodaexpansãourbana.Enfim,nocasodePelotas,esseprocessonão é resultadode iniciativas oudepropostasdeplanejamento egestãodoterritório,masexpressãoespontâneadosmoradoresdes-seslocais,porémassumeumanovafuncionalidadeparaessasáreasnoentornodacidadejáconstituída.E,segundoSposito(2006):
Primeiramente, há que se considerar que a cidade crescetransformandoterraruralemterraurbana.Sãopossíveisdese-remloteadasasterrasqueestiveremmaispróximasdacidadejá constituída equepodem,por essa razão, serobjetode ini-ciativas de extensão do perímetro urbano.Nesses termos, noplanopolítico-administrativo, sãopassíveisdeserem loteadasasterrasquecompõemocinturãoqueestáemtornodacidadejáconstituídaecompreendidaporseuperímetrourbanodaci-dade.(p.124)
Historicamente,aáreadeestudofoiincorporadaaoperímetrourbanoprevendoqueocrescimentodacidadesedariaemdireçãoaonorte,equandoissoocorreu,abarcoupropriedadesquemesmo
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localizadasnoperímetrourbano,porumadecisãonormativa,man-têmsuascaracterísticaseatividadesligadasaoruraleàconstituiçãodeexpressõesdaruralidadeemespaçosurbanos.Contudo,existeocasodefamíliasprovenientesdeáreasrurais,tantodePelotasquan-todemunicípiosvizinhos,que,pormotivosdiversos,compraramlotesnosbairrosdaZonaNorteeláseinstalaram,mantendoasati-vidadesagrícolasquejádesempenhavamanteriormente.Noentan-to,agoradentrodoslimitesurbanosdomunicípiodePelotas.
Éimportantedestacarqueexisteumadiversidadedefatoresquepossibilitouaexistênciadeprodutoresdealimentosnoespaçour-banodePelotas.Existemfamíliasquevieramembuscadeempre-go,masque,semsucesso, resolveram,então,permanecerno loteemquejáestavaminstaladas,epassaramadesempenharatividadesagrícolasparaaobtençãodealimentos.E,ainda,casosdefamíliasqueforam“engolidas”peloperímetrourbano.Independentemen-tedomotivo,éinteressantenotarqueessesagricultorestêmumaalternativaàgeraçãoderendaparaassuasnecessidadesbásicas,equeaproximidadecomacidaderepresentaumavantagemnaco-mercializaçãodosseusprodutos.
Os bairros Sanga Funda e Arco-Íris destacam-se pela proxi-midade como centrodePelotas, oúltimodistante apenas6km.Essaproximidadeéfacilitadapelasviasqueligamessesbairrosaocentro.NaavenidaIdelfolsoSimõesLopesNeto,principalviadedestinoaosmesmosbairros,épossívelnotarapresençadelotesuti-lizadoscomatividadesagrícolasao longodaavenida.Percebe-se,então,nesselocal,ocontrasteentreoruraleourbanonoquedizrespeitoàpaisagem.Futuramente,essepodesetornarumproble-mabastantepertinente,emespecialemrelaçãoaobairroArco-Íris,tendoemvistaqueosurgimentodeoutrobairronaquelasproximi-dadesjáépossíveldeserobservado,gerandopreocupaçãoparaosagricultoresurbanos,quetememconflitosdeflagradospelaespecu-laçãoimobiliária.Assim,compreendeSposito(ibidem):
Há, assim,duas cidades: aque já está loteada, edificada eondesevive,eaquelaqueestápotencialmenteprontaparaser
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loteadaporcomporafaixadeterraqueseestendedosarrabal-desdacidadeatéalinhaque,porforçadeleimunicipal,éope-rímetrourbanodacidade.(p.124)
Sendoassim,estetrabalhosejustificaaoproporacompreensãodosprocessospresentesnaorganizaçãosocioterritorialdaagricultu-raurbananaescalado local,maisprecisamentenaZonaNortedacidadedePelotas,ecomoessasformasdeagriculturaconseguemde-sempenharopapeldegeradorderendaesegurançaalimentarparaasfamíliasquevivemesereproduzemsocialmentenesseespaço.
Processo histórico e ruralidade na Zona Norte de Pelotas
Aruralidadepodeserentendidacomoomododevidaligadoin-timamenteaocampoeàspráticasehábitosrurais,ouseja,dedicação,principalmente,àsatividadessocioprodutivasrelacionadasaotraba-lhodafamílianaterra–representaa intimidadedohomemcomanatureza,propiciadagraçasànecessidadedestederetirardaterraasuasobrevivência,e,assim,garantirsuareproduçãobiológicaeso-cial.Entretanto,aruralidadeultrapassaoslimitesdoruralquandosefazpresentenoperímetrourbanodosmunicípios,sendorepresenta-dapelapresença,nesseslocais,dehábitosepráticasrurais.
ParteconsideráveldaZonaNortedacidadedePelotas,atémea-dosdadécadade1970,faziapartedazonaruraldomunicípio,comapresençadealgumaslocalidadesrurais,comoSangaFunda.Po-rém,essaáreafoiincorporadaaoperímetrourbanoprevendoquea urbanização se daria na direção norte, pois em outras direçõesenfrentarialimitaçõesnaturais,como,porexemplo,apresençadocanalSãoGonçaloaosul, impossibilitandoocrescimentourbanonaquelesentido,bemcomoapresençadaLagunadosPatosaleste,tambémrepresentandoumabarreiraàexpansãodacidade.
BuscandoocuparasáreasconsideradaspeloPlanoDiretorcomopassíveisdeexpansãourbana,foiincentivadoosurgimentodelo-
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teamentos,comooParqueResidencialArco-Íris,oConjuntoHa-bitacionalPestano,oBairroGetúlioVargas,aVilaPrincesaeoSí-tioFloresta;porfim,aincorporaçãoaoperímetrourbanodeSangaFundaedobalneáriodoLaranjal.Emmeioaáreasnãoutilizadas(propriedadesvoltadasparaaespeculaçãoimobiliária)encontram--selotesondeaproduçãodealimentoseacriaçãodeanimaisébas-tantepresente,evidenciandoaexistênciadaruralidade,aindaquecontrastandocomumapaisagemurbanaaofundo.
AmanifestaçãodaruralidadepossibilitaàZonaNortedacidadeaconstruçãodeumaidentidadeprópria,aindaqueofuturocrescimen-tourbanopossainterferirnasuamanutenção,ouseja,nasestratégiasde reprodução socioterritorial dosmoradores e agricultores, agorasobacondiçãonormativaurbana.Elesestãovoltadosàmanutençãodeseuslotesprodutivose,principalmente,àcontinuidadedoshábi-tosepráticasligadosàruralidade,entretanto,aproximidadecomocentrourbanoé,aomesmotempo,umavantagemeumaameaçaàpermanênciadasdinâmicassociaiseprodutivasdaagricultura.
Nadécadade1980,segundoRosa(1985),odistrito-sede:
Éomaispopulosoetambémomaispovoadodosdistritos,porquenelese localizaacidade,queconcentra80%dapopu-laçãomunicipal.Napequenazonaruralquecercaaáreaurba-na,existempequenaspropriedadesondesecriagadoleiteiroesecultivamhortigranjeiros.Em1980,aáreado1°distritofoiampliada,coma inclusãodazonadosbalneáriosdoLaranjal.AlgunsdosseuspovoadosruraisdispersossãoasTerrasAltas,aSangaFunda,Dunas,BoaVista,VilaPrincesa,SítioFlorestaeVilaJacobBrod.(p.208;comadaptações)
Então,aindadeacordocomRosa(ibidem),noentornododis-trito-sedeexistiampropriedadesdedicadasàcriaçãodeanimaiseaocultivodealimentos.Hoje,sabe-sequeazonaruralquecercavaaáreaurbana,mencionadapeloautor,fazpartedoespaçourbanodomunicípio, equeospovoados rurais foram transformadosembairros.Esses povoados, que faziamparte do distrito-sede ainda
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na década de 1980, revelam através de sua denominação que sedistinguiamdo restantedacidade,ou seja,mesmo fazendopartedaáreaurbanadomunicípio,eramconsideradosrurais.Graçasaissoépossívelcompreenderque,deacordocomoprocessohistó-ricoquedesencadeouaocupaçãodosolonaZonaNortedacidadedePelotas,estaocorreudeformadiferenciadadasdemaisáreasdoperímetrourbano,eissofundamentalmenteporcontadapresençadeumapopulaçãoquetemcomobaseeconômicaocultivodaterraeacriaçãodeanimais,equemantémtraçossociaiseculturaisqueremetemaomododevidarural.
ApartirdaTabela1,aseguir,épossívelperceberqueodistrito-se-de,ouseja,acidadedePelotas,possuíaumapopulaçãoruraltantoem1970quantoem1980.Eéclaramenteperceptívelocrescimentoacen-tuadodessapopulaçãorural,passandode6.016nadécadade1970para12.115nadécadaseguinte;umcrescimentodemaisde100%emapenasdezanos.Issoseexplicapelofatodeocrescimentodoperíme-trourbanoteragregadoaslocalidadesruraiseassimclassificadoessapopulaçãocomorural,mesmosendoelapertencenteàáreaurbanadePelotas.Etambém,comoépossívelnotarnatabela,houveamigraçãodepessoasdosdemaisdistritosdomunicípioparaacidade,sendoqueemquasetodoseles,aindadeacordocomamesmatabela,apresentamumaquedatantonapopulaçãourbanaquantonarural.
Tabela 1–Populaçãourbanaeruralpordistritonasdécadasde1970e1980.
Distrito 1970 1980Urbana Rural Classificação Urbana Rural Classificação
Urbana Rural Urbana RuralPelotas 150.140 6.016 1° 2° 196.155 12.155 1° 1°arroio do padre 55 5.733 10° 5° 77 5.440 10° 4°CapãodoLeão 2.820 3.884 2° 9° 3.774 2.699 2° 10°Cascata 234 5.832 5° 4° 299 4.824 6° 6°CerritoAlegre 113 3.791 7° 6° 103 4.702 8° 7°Laranjal 692 4.976 3° 10° 2.389 4.588 3° 8°MonteBonito 150 4.976 6° 8° 387 4.529 5° 9°Morro redondo 435 5.972 4° 3° 649 5.147 4° 5°Quilombo 96 6.202 8° 1° 116 5.575 7° 2°SantaSilvana 92 5.276 9° 7° 90 5.488 9° 3°Fonte:Rosa(1985,p.181).
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Atualmente,todohabitantedodistrito-sedeéconsideradour-bano.Oqueanteriormentesediferenciava,mesmoquedentrodoperímetrourbano,équeapopulaçãoruraleurbanahojesóéper-cebidapelasdiferençasnapaisagem,naorganizaçãodoespaçoenomododevidadaspessoas.
Esse processo histórico é importante para entender como sãodefinidososespaçosruraiseurbanosecomoosconceitosde“ru-ralidade”ede“urbanidade”podemtersuasexpressõesempíricasencontradasemdiferentescontextos,ouseja,aruralidadenourba-noeaurbanidadenorural.Comumente,otermoruraléassociadoàsatividadesagrícolasouaochamadosetorprimáriodaeconomia,mas,segundoSaraceno(apudAbramovay,2003),ruralidadeéumconceitodenaturezaterritorialenãosetorial,assimcomonoqueserefereànoçãodeurbano.Omesmoautoracrescentaqueascidadesnãosãodefinidaspelaindústrianemocampopelaagricultura.
Nocasoemquestão,adefiniçãode“rururbano”temumcaráternormativo,nãoconstituindoumacategoriaanalítica,masutilizadaparaclassificarumaáreaemtransição,eporsetratardeumespaçoemtransformação,éentendidocomoumazonaeconômicadiferen-ciadadentroda cidade, classificada segundo as atividades ali de-sempenhadas,asaber:aagriculturaurbana.
Estratégias socioprodutivas da agricultura urbana
Asestratégiassocioprodutivaspresentesnoespaço“rururba-no” pelotense estão intimamente ligadas à possibilidade de ob-tençãodealimentoerendaparaasfamílias.Muniz(2003)explicacomoissoocorre:
Pode-seconsiderar,queosempregoserendasoferecidospelaagriculturaurbanaeperiurbana,tambémsãoresponsáveispelasegurançaalimentar,juntoàpopulaçãodebaixarenda,princi-palmente,nosgrandescentros,ondeoíndicededesempregoémaior.(p.2)
estUdos aGrários 129
Ao fazeruma análisedas característicasda agriculturaque seencontra bastante próxima do centro urbano e, especificamente,comoelasedesenvolvenaZonaNortedacidadedePelotas,nota-seaexistênciadeumaforteligaçãodessesprodutoresurbanoscomacidade.Porsetratarderelaçõesdetrocamaispróximas,essasfa-míliasconsideram-seemvantagememrelaçãoàsqueproduzemnoespaçorural,emboraaáreaparaapráticadaagriculturanacidadesejareduzida.Noperímetrourbano,oespaçoélimitadodevidoaotamanhofísicodoslotese,muitasvezes,corre-seoriscodequeocrescimentourbanoincorporeessasáreasprodutivasporcontadaforteespeculaçãoimobiliária.Aindaassim,asvantagenssãoapon-tadas devido ao fato de que os alimentos que ali são produzidoschegamcommaisfacilidadeaomercadoconsumidorgraçasàsme-noresdistânciaspercorridas,barateandoovalorfinaldoalimentoetornandopossívelobtermelhoresrendimentoscomacomercializa-çãodosprodutos.Muniz(ibidem)acrescentaaindaque:
Asatividadesligadasàagriculturaurbanaeperiurbanapo-demtrazerbenefíciosàcomunidadedevidoaofácilacessoaosmercadosconsumidores,aoarmazenamento,aotransporteeàgeraçãodeempregos.Estasatividadespodemcontribuircomasegurançaalimentardevidoàproximidadecomapopulação,etambém,porqueháumaumentodeprodutosdisponíveis,prin-cipalmente,àspessoasderendamaisbaixa,asquaisirãoincre-mentaravariedadedealimentoseacrescentaràalimentaçãoummaiorvalornutritivo.(p.1-2;comadaptações)
Éinteressanteentenderessaproximidadedosagricultoresurba-noscomacidadeapartirnãosódafacilidadedeatingiromercadolocal,queébastantepróximo,diminuindoassimoscustosdetrans-porteefacilitandoomanejodosprodutosperecíveis,mastambémdapossibilidadedeafamíliacontinuarnoespaçoquelhegarantarendae,aomesmotempo,acessoaosserviçosqueacidadeproporciona.Sendoassim,permite tambémqueosfilhosdessesagricultoreses-tudemna cidade,mantenhamcontatos como centrourbano,mas
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retornemparaacasadiariamente.Dessemodonãohánecessidadededeslocamentostemporáriosoumesmodamigraçãorural-urbanoembuscadeeducaçãoformal.Issoficamaisevidentequandoexisteensinotécnicoousuperiornacidade,comoéocasodePelotas.
Azona“rururbana”dePelotasproduzalimentosdiversificados,que,emsuatotalidade,sãocomercializadosnopróprioperímetrourbanodomunicípio.Alémdeservirparaopróprioconsumofa-miliar,tambémdestina-seaoabastecimentodosmercadoslocais.
As estratégias produtivas variam em cada família, de acordocomsuasnecessidadesecondiçõesdeprodução.Famíliascomlotespequenosproduzemmenos,portanto,arendaémenordoqueasquepossuemlotesmaiores.
Inicialmente, foram entrevistados dois proprietários que pos-suemlotesnobairroSangaFunda,econstatou-sequeapenasumdelespossuimaquinário–comotrator–eprestaserviçosparaasdemais famílias do bairro, arando as terras a serem cultivadas.Tambémseobservouapresençadecaminhõesdepequenoegrandeportenamesmapropriedade,equesãoutilizadosparaotransportedaproduçãoagrícola.Jáooutroagricultorentrevistado,quepos-suiumlotemenor,contrataosserviçosdoprimeiro,oquerevelaadependênciadealgunsagricultoresdotrator,comoéocasodeste,umavezquepossuiapenasumpequenocaminhão.
Apesquisadecamporevelouaindaqueademandadomercadolocaléparcialmenteatendida,umavezqueosalimentosproduzidosnazonaruraltambémabastecemacidade.Comrelaçãoaocomér-cio dos alimentos produzidos no espaço “rururbano”dePelotas,percebe-sequeacomercializaçãodelegumes,frutasehortaliçasérealizada em feiras emdiferentespontosda cidade.Oacesso aospontosdevendaé facilitado,poisaproduçãoeacomercializaçãoestãopróximas,variandoentre3kme5kmdedistânciaumadaoutra,ou,nomáximo,10km.Talproximidadefacilitaa reduçãodocustofinaldoprodutoeassuascondiçõesnoquedizrespeitoàqualidadedosalimentos.
Porém,acriaçãodeanimaisatendeamercadosdiferentes:porexemplo,orebanhobovinodestina-se,prioritariamente,àprodu-
estUdos aGrários 131
çãodeleite,aqualécomercializadacomumagrandecooperativadelaticíniosdomunicípio,queporsuavezseencarregadecolocarnomercadooleiteproduzidonacidade,alémdoqueéproduzidonazonaruraldomunicípio.Existemtambémcasosemqueacriaçãodevacasleiteirasévoltadaprincipalmenteparaopróprioconsumodafamília,masoexcedenteévendidonaprópriaresidência,iden-tificado,muitasvezes,apenasporumaplacadotipo“Vende-selei-te”,erepresentaumaestratégiaparaatrairconsumidoresurbanos,garantindoageraçãoderendacomplementar.
Acriaçãodeoutrostiposdeanimais,comoavesouequinos,sedábasicamenteparaautilizaçãonapropriedade,ondeocavaloser-vedemeiotransporteecomotraçãoanimal,easaveseaproduçãodeovosparaoconsumofamiliar.Noentanto,acriaçãodesuínos,noslotesvisitados,édestinadaàvenda,principalmente,paradoisfrigoríficosinstaladosnoprópriobairroSangaFunda.
Considerações finais
Diantedequestõestãopertinentescomoacompreensãodeca-tegoriasanalíticasenormativasquepermitemoentendimentodefenômenosrelacionadosaoruraleaourbanoéquesepropôsopre-sentetrabalho.Natentativadeassociarasquestõesqueenvolvemomundoruraleasociedadeurbana,oestudoapresentouumacom-preensãoteóricaeempíricaarespeitodoqueocorrecomarealidadedacidadedePelotasedesuaorganizaçãosocioespacial.
Asperspectivasdo“rururbano”pelotensecomofornecedordealimentosparaacidadeeageraçãoderendaparaasfamíliasprodu-torasrepresentamestratégiasdereproduçãosocioterritorialeestãointimamenteligadasàlocalizaçãodosagricultoresurbanos–maispróximosdoconsumidorfinal–,oqueosfavoreceemrelaçãoaosagricultoreslocalizadosnaárearural.Alémdisso,acriaçãodeani-maisatendeaomercadoagroindustrialdeleiteedecarnedaregião.
Entende-se que tais estratégias são resultado de um processohistóricoenormativodeconfiguraçãodoperímetrourbano,que,
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porsuavez,possibilitouquesuaorganizaçãoespacialmantivessecaracterísticas–formasefunções–relacionadasaoespaçorural.Egarantindoaosmoradoresdessasáreas,tantopeloscultivosagríco-lasquantopelacriaçãodeanimais,aproduçãodealimentosparaopróprioconsumoe,ainda,umaalternativaàfaltadeempregosnacidade,porcontadageraçãoderendafamiliar.
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SuAS relAçõeS com o rurAl1
Anete Marília Pereira2
Priscilla Caires Santana Afonso3
Cássio Alexandre da Silva4
Carlos Henrique Silva Alves5
Gerlaine Soares Silveira6
Edvânia Gisele de Souza7
OsestudossobreourbanoeoruralnoBrasilrepresentamumsignificativoreferencialteóricoenvolvendoabordagensemetodo-logiasdiversas, e, emcertoscasos, comresultadospolêmicos.Asmudançasocorridasnocenárionacionalapósadécadade1950in-
1 Opresente trabalho é umdos resultados da pesquisaUrbanização eNovasRuralidadesnoNortedeMinasGerais:RelaçõesentreaPequenaCidadeeoEspaçoRural,desenvolvidanoâmbitodoLaboratóriodeEstudosUrbanoseRurais(LAEUR),noperíodo2008-2010,comoapoiofinanceirodaFundaçãodeAmparoàPesquisadeMinasGerais(FAPEMIG).
2 ProfessoraDoutoradoDepartamentodeGeociênciasedosprogramasdePós--Graduação(Stricto Sensu)emDesenvolvimentoSocialeemHistóriadaUni-versidadeEstadualdeMontesClaros–Unimontes.Contato:[email protected]
3 DoutorandaemGeografiapelaUniversidadeFederaldeUberlândia.Profes-soradoDepartamentodeGeociênciasdaUniversidadeEstadualdeMontesClaros–Unimontes.
4 DoutorandoemGeografiapelaUniversidadeFederaldeUberlândia.ProfessordoDepartamentodeGeociênciasdaUniversidadeEstadualdeMontesClaros–Unimontes.Contato:[email protected]
5 Acadêmico do curso deGraduação emGeografia e bolsista daUnimontes.Contato:[email protected]
6 Acadêmica do curso deGraduação emGeografia e bolsista daUnimontes.Contato:[email protected]
7 AcadêmicadocursodeGraduaçãoemGeografiapelaUnimontes.BolsistadaFapemig.Contato:[email protected]
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duziramaprimaziadasgrandescidadesnosestudosdaGeografiaUrbana,comumenfoquemaisexpressivoparao intraurbanodoqueparaarelaçãocomorural.Muitoseimportantesforamosestu-dosproduzidosnessaperspectiva,porémasáreasnãometropolita-nasmantiveram-sequaseexcluídasdaatençãodospesquisadores.
Essasituaçãocomeçouasermodificadaapartirdomomentoemquealgunscentrosurbanoslocalizadosforadocontextometropo-litano,ascidadesmédias,ganharamdestaqueemâmbitonacional,tantopelocrescimentopopulacionalquantopeladinâmicaeconô-micaquepassaramaapresentar.OcensodoIBGE(2000)mostrouo crescimento das cidadesmédias emumpercentual superior aodasmetrópoles.Entretanto,aspequenascidades,quesãoamaio-rianoterritóriobrasileiro,aindatêmficadoàmargemnosestudosurbanos.AutorescomoSantos(1979,1981),Santos(1989),Fresca(1990),Endlich(1998),Corrêa(1999),Wanderley(2001),OliveiraeSoares (2002) enfatizamque em tais cidades, apesarde agregarpequenaparcela da população total dopaís, por seremmuitas, aanálisedessesespaçosganharelevância.
Diantedoexposto,interessa-noscompreenderopapeldaspe-quenascidadesnosistemaurbanodonortedeMinas Geraisemsuarelaçãodialéticacomaregiãonaqualseinseremecomseuentornorural.Para tanto, realizamosuma revisãoda literatura específica,pesquisadedados secundários evisita amunicípiospreviamenteselecionados,cujapopulaçãourbanaera,segundoocensodoIBGEde2000,inferiora20milhabitantes.
Apoiadosementrevistassemiestruturadas,bemcomoemregis-trosiconográficos,foipossívelobtermosumperfildasáreasvisita-das,pertencentesaosistemaurbanodonortedeMinas Gerais.Emcadacidade,tentamosidentificaroexercíciodasfunçõespropria-menteurbanas,considerando, sobretudo,as ligadasàsatividadessociopolíticaseeconômicas;daintensidadedoprocessodeurbani-zação,quedemodogeralé,nocasodaspequenascidades,imbuí-dodegrandefragilidadeeprecariedade,tantonoqueserefereaosserviçosurbanosquantoàrededecomunicaçãonelesexistentes;dapresençadomundorural,quefoianalisadaatravésdeváriosindi-
estUdos aGrários 137
cadores,comoataxadapopulaçãoruralnoconjuntodapopulaçãomunicipal;dopercentualdetrabalhadoresque,vivendonasáreasurbanas,exercemfunçõesligadasaorural;daproporçãodepessoasocupadasnasatividadesagropecuáriasemrelaçãoaoconjuntodepessoasocupadasnomunicípio;edascondiçõesdevidadapopu-lação, ou seja, omodode vidapredominante.Foramobservadoscomportamentosdapopulaçãoqueexpressamatitudes típicasdomeiorural:oreduzidopovoamento,opredomínioderelaçõesso-ciaisprimárias,bemcomoosrecursosmateriais,sociaiseculturaislocais,alémdadinâmicadasociabilidadelocal,tendoporpremissaosconflitoseasredesderelaçõeslocais,comoassociaçõesdemo-radores,asdiferençassociaiseaconstituiçãoidentitárialocalouaformaçãodeterritóriosderesistência.
Apósessaminuciosacaracterização,buscamosproporumati-pologia das pequenas cidades, baseada na infraestrutura urbanaencontradaenas trajetóriasdedesenvolvimento, identificandoascidadesmaisdinâmicas,asintermediárias,eastipicamenteestag-nadas.Antesdeapresentarmososresultadosdoestudorealizado,consideramos importante apresentar também algumas reflexõesteóricasacercadotemaproposto:aspequenascidades.
Pequenas cidades: um conceito ou uma classificação
Adiscussãoacercadoconceitodepequenacidadenãoé,dopon-todevistateórico,umatarefafácil,poissetratadeumaabstraçãocalcadaprincipalmentenaopçãoteórico-metodológica.Háqueseconsiderar,ainda,adificuldadeatéhojeexistentenaconceituaçãodecidade.Váriosautoressededicaramaessatarefa,oquefaremosaquideformasimplificada,paranãotornarnossaanáliseexaustivaepornãoseresseonossoobjetodeanálise.
Asnormaslegaisquedefinemoqueéumacidadesãobastan-tediferenciadasemváriospaíses.Demodogeral,asdefiniçõesseapoiamnocritériodemográfico.SegundoAbramovay(2000),asor-
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ganizaçõesinternacionaisadotamumparâmetrode20milhabitan-tesparadefinirumalocalidadecomourbana.Nocasobrasileiro,adefiniçãolegaldecidaderemontaaoDecreto-Lein.311/38,segun-dooqual todasas sedesdemunicípios sãoconsideradascidades,independentementedasuadimensãodemográfica.
Consideramos importante, porém, resgatar alguns conceitosmais atuais sobre cidade, como o apresentado porCarlos (2004,p.14),queconsideraacidade“enquantoconstruçãohumana,pro-dutohistóricoesocial,contextonoqualacidadeaparececomotra-balhomaterializado,acumuladoaolongodeumasériedegerações,apartirdarelaçãodasociedadecomanatureza”.
Nessamesmalinhaderaciocínio,RemyeVoye(1992)afirmamque:
Quandopensamosnosurgimentodacidadealgunselemen-tosvêmànossamentecomosejam,aautorreproduçãodeváriosbenssocialmentevalorizados,assimcomoserviços,bemcomoum espaço em que o processo produtivo já assumiu estágiosultraespecializados,refletindoassim,odomíniodosaberfazerlegítimo.Acidadealémdeservistacomoumlugardemercado,étambémcompreendidacomoespaçodaorganizaçãodepro-duçãoedeinfraestrutura.(p.14)
Diante do exposto, a definição de cidade, na atualidade, vaialémdadimensãopopulacional, constituindoumespaçonoqualseestruturamdiversasatividadesquereproduzemasociedade.É,enfim,olugardearticulaçãoentreosdemaisespaços,independen-tementedeseutamanho.
Consideramosimportantedestacarque,tambémnosestudosso-brepequenascidadesnoBrasil,ocritériodereferênciaparasuade-finiçãotemsidootamanhodapopulação,sendoolimiarde20milhabitantesomaisutilizado.Esseparâmetro éutilizadoporórgãosoficiaiscomooInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE)eoInstitutoBrasileirodeAdministraçãoMunicipal(IBAM).Tam-bémécomumanalisá-lassegundoasuainfluêncianocontextolocal,sobaópticadahierarquiaurbana,comoéfeitopeloIBGE.ParaFais-
estUdos aGrários 139
sol(1994),aspequenascidadessãoconsideradascidadessemcentra-lidade,umsegmentoinferior,cujopapelésecundário.
Conforme destacamos no início deste texto, o nosso enten-dimentodepequena cidadevai alémdessespressupostos, apesardetercomopontodepartidaotamanhopopulacional.Buscamosapreender tais espaços apartirdas relaçõesque são estabelecidasnocontextourbano-regionalnoqualseinserem.Nessesentido,adefiniçãodapequenacidadelevaemcontaoseupapelnadivisãoterritorialdotrabalho,dentrodalógicadeproduçãoereproduçãodocapital.Ascidades,pormenoresquesejam,nãoestãoisoladas,háumaredederelaçõesquesematerializaatravésdoscentrosdeconsumo,comercialização,serviços,transporteedistribuição.
CorroboracomnossaanáliseasideiasdeSantos(1979),quandoeledestacaque:
[...]Ascidadeslocaisdispõemdeumaatividadepolarizantee,dadasasfunçõesqueelasexercememprimeironível,podería-mosquasefalardecidadesdesubsistência.[...]Acidadelocaléadimensãomínimaapartirdaqualasaglomeraçõesdeixamde servir às necessidadesda atividadeprimária para servir àsnecessidadesinadiáveisdapopulaçãocomverdadeiraespecia-lizaçãodoespaço.[...]Poderíamosentãodefiniracidadelocalcomoaaglomeraçãocapazderesponderàsnecessidadesvitaismínimas,reaisoucriadas,detodaumapopulação,funçãoes-tanquequeimplicaumavidaderelações.(p.70-71)
O entendimento do significado de pequena cidade implica acompreensãodocotidiano,oslaçosdesociabilidadeeosprocessosde sua construção. Para tanto, faz-se necessária uma análise nãoapenasdeseusindicadoressocioeconômicos,mastambémdapai-sagemurbana,naqualseexpressaomododeapropriaçãoeconfor-maçãodesigual.
Umpontoquenãopoderiadeixardeconstardanossaanáliseencontra respaldo nas palavras de Soares eMelo (2005), quandodestacamque:
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[...]aspequenascidadesnoBrasil,entendidasenquantoes-pacialidadesquecompõematotalidadedoespaçobrasileiro,na condição de partes integrantes e interagentes, sãomar-cadaspeladiversidade.Tal característicapode ser entendi-daapartirdocontexto regionalondeestão inseridas,pelosprocessos promotores de sua gênese bem comono conjun-todesuaformaçãoespacial.Nessesentidoressalta-sequeadefiniçãodeparâmetrosnacionaisrígidosparaclassificaçãoe definição desses espaços pode incorrer em sérios proble-mas, impedindo umamelhor aproximação com a realidadesocioespacial,dadaacomplexidadeediversidadedoespaçobrasileiro.(p.6)
Constatamos, diante dos autores supracitados, a relevânciadasfunções,dasestruturasedosprocessosemummesmomovi-mentoafavordodesenvolvimentosocioespacial.Baseadanessespressupostos,aanálisedaspequenascidadesdonortedeMinasGerais,aquirealizada,propõeumaleituradosespaçosemques-tãonasuatotalidade,apesardassingularidadesquecaracterizamcadacidade.
O perfil das pequenas cidades do norte de Minas Gerais e sua relação com o rural
AregiãonortedeMinasGeraisocupaumaáreade128.602km2,daqualconstam89municípios,conformemostramasfiguras1e2.Trata-sedeumespaçoimbuídodegrandespeculiaridadesdevido,principalmente,àsuaformaçãosocioespacialbaseadanolatifúndiopecuarista,oqueocasionaumpovoamentoesparso.Esseéumdosfatoresqueexplicaporqueseaplicaaexpressão“sertão”aessare-gião.Ribeiro(2005)argumentaqueasáreastidascomosertãosãocaracterísticasdemuitasregiõesdopaís,sendoaelaslegadaaposi-çãodeáreaperiférica,istoé,foradoscentrosdinâmicosdomundomoderno.
estUdos aGrários 141
Figura 1–MinasGerais–Mesorregiõesgeográficas–IBGE1990.
Fonte:<http://www.geominas.mg.gov.br>.Organização:Pereira(2008).
Aolongodasuaformaçãosocioespacial,aregiãonortedeMinasGeraispassouporváriosprocessosdedesestruturação/reestrutura-çãoapartirdaconexãodealgumascidadesdaregiãoàredeurbananacionaledaíaomercadomundialcapitalista.AinserçãodonortedeMinasnoprocessodemodernizaçãodocampoedacidadeocorreudeformamaiscontundenteapartirdemeadosdadécadade1960,quandoaregiãopassouaintegraraáreadaSuperintendênciadeDe-senvolvimentodoNordeste(Sudene).Aregiãonorte-mineirapassouentãoporprocessosqueconduziramadiversastransformaçõesque,porsuavez,estabeleceramnovasurbanidadeseruralidades.
Assimsendo,entendemosqueaorigemdaspequenascidadesdonortedeMinasGeraissedeunocontextodeproduçãodoespaçoregional,tendocomosuporteasatividadesagropastoris.Contudo,astransformaçõesnaestruturaprodutivaadvindasdaSudenenãoprivilegiaram todosos espaços, trazendo,por conseguinte,várias
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implicaçõesnadivisãoterritorialdotrabalho.Nãosedesenvolve-ram novas atividades que garantissem sustentação econômica atodaaregião.Constatamosqueosmunicípiostêmumafrágilur-banização, justamente devido à sua vocação rural. Essa vocação,aliadaaotipodepolíticapública,nãoseadequaàsnecessidadesre-gionaiseacabapor“impedir”oseudesenvolvimentorural.
Partindo do critério demográfico, do total de 89 cidades quecompõemaregião,79podemserconsideradaspequenascidades,porpossuírempopulaçãourbanainferiora20milhabitantes.En-tretanto,elasnãoconstituemumconjuntohomogêneo,poisapre-sentamníveisdedesenvolvimentodiferenciados,assimcomopro-cessosdeurbanizaçãoecaracterísticassociaiseconômicas,sociaiseculturaistambémvariados.
Figura 2–MunicípiosdonortedeMinasGerais.
Fonte:IBGE(2000).Organização:Pereira(2008).
Dopontodevistademográfico,somentePorteirinha,BrasíliadeMinas,Espinosa,Manga,CoraçãodeJesus,Itacarambi,FranciscoSá, Jaíba,MonteAzul eRioPardodeMinas têmentre10mil e
estUdos aGrários 143
20milhabitantesnaáreaurbana.Asdemaiscidadestêmpopula-çãourbanainferiora10milhabitantes,sendoqueSantaCruzdeSalinas,Gameleiras,CônegoMarinho,Glaucilândia,MiravâniaeItacambiratêmmenosdemilhabitantes.
Tabela 1–NortedeMinasGerais–Municípioscompopulaçãourbanainferiora20milhabitantes(2000).
cidade PopulaçãoEm2000
cidade PopulaçãoEm2000
Porteirinha 18.140 lagoa Dos patos 2.902
BrasíliaDeMinas 17.580 catuti 2.900
Espinosa 16.811 Ibiracatu 2.856
Manga 13.972 Cristália 2.595CoraçãoDeJesus 13.948 FranciscoDumont 2.592
Itacarambi 13.304 Japonvar 2.577
FranciscoSá 13.191 Rubelita 2.521
Jaíba 13.148 Guaraciama 2.406
MonteAzul 11.478 Montezuma 2.308
rio pardo De Minas 10.495 Luislândia 2.208
CapitãoEnéas 9.967 Pintópolis 2.204
Mirabela 9.476 PontoChique 2.120
Mato verde 9.349 SãoJoãoDasMissões 2.089
Varzelândia 8.531 Berizal 2.067
Montalvânia 8.473 Fruta De leite 2.042
SãoJoãoDoParaíso 8.231 patis 2.034
ÁguasVermelhas 8.115 Josenópolis 2.020
SãoJoãoDaPonte 7.862 VargemGrandeDoRioPardo 1.977
Jequitaí 5.981 santa Fé De Minas 1.967
SãoRomão 5.169 IcaraíDeMinas 1.942
Ibiaí 5.141 Ninheira 1.942
ClaroDosPoções 5.057 SãoJoãoDaLagoa 1.928
pedras De Maria Da cruz
4.983 OlhosD’água 1.890
lontra 4.954 Juramento 1.873
GrãoMogol 4.831 Mamonas 1.785EngenheiroNavarro 4.714 pai pedro 1.592
(continua)
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cidade PopulaçãoEm2000
cidade PopulaçãoEm2000
DivisaAlegre 4.656 SerranópolisDeMinas 1.567
Ubaí 4.621 SãoJoãoDoPacuí 1.525
Urucuia 4.319 BonitoDeMinas 1.420
Juvenília 4.213 CampoAzul 1.322
NovaPorteirinha 4.182 santo antonio Do retiro 1.257
Riachinho 3.899 Novorizonte 1.242
Matias cardoso 3.743 Indaiabira 1.233
Verdelândia 3.687 SantaCruzDeSalinas 911
CurralDeDentro 3.566 Gameleiras 855
Botumirim 3.306 CônegoMarinho 764
Lassance 3.275 Glaucilândia 763
RiachoDosMachados 3.084 Miravânia 687
ChapadaGaúcha 3.080 Itacambira 656
PadreCarvalho 2.970
Fonte:IBGE(2000).Organização:Pereira(2008).
Comrelaçãoaoperfilintraurbanodascidadesestudadas,verifica-mosemquasetodasumarranjoarquitetônicosimples,compredomí-niodemoradiashorizontalizadas,atividadescomerciaisedepresta-çãodeserviçosnaáreacentral,ondetambémestãolocalizadasapraçaprincipaleaigrejadosantopadroeiro.Essaorganizaçãonãosignificaumahomogeneidade social; ao contrário, refleteumadivisão socialdo espaço, comáreasperiféricas cujosmoradoresnão têmacesso adeterminadosserviçosbásicos,comosaneamentobásico,ruasasfal-tadas,energiaelétrica,entreoutros.Escolasdeensinobásico,postosdesaúdeeescritóriosdealgunsórgãosgovernamentaistambémestãopresentes,normalmentenaáreacentral,emtodasascidadesvisitadas.
Aindaemrelaçãoàestruturaurbana,Pereira(2008)escreveque:
Observamos, em praticamente todas as cidades, o papelimportante que as praças centrais e as igrejas desempenham,pois,naausênciadeoutrosespaçospúblicos,énesteslocaisqueocorremosencontros,asfestaseoutrasmanifestaçõesculturais
(continuação)
estUdos aGrários 145
dapopulação.Avidasocialnessascidadestemnapraçaumim-portantecentrodeconvívio.Notamos,emtodasascidadesvi-sitadas,umapreocupaçãodaadministraçãopúblicaemmanterapraçaprincipal,geralmenteadaigreja,bemcuidada,comosefosseo“cartão-postal”dacidade.(p.6)
Nasvisitasfeitasàscidadesdaregião,encontramosummododevidaquemesclaoruraleourbano,evidenciadonousodotelefonecelularcomomeiodecomunicaçãoedocavalocomomeiodetrans-porte.Sãotraçosdavidaruralnotecidourbano,queseexpressam,entreoutros,pelaocupaçãodapopulaçãoematividadesruraistra-dicionais,pelamanutençãodehábitosligadosaorural,pelapresen-çadoscurraisnosarredoresdascidades,issosemfalarnosanimaisdomésticos,quenormalmenteperambulampelasruas.Sobreesseaspecto,Maia(2005)atestaque:
é combasenasobservações in loco quepodemosafirmarqueavidanessaslocalidades,normalmentedefinidascomopeque-nascidades,está fundadana imbricaçãodocamponacidade,ouaindadeumavidaruralnavidaurbana.Talimbricaçãonãosepodedesvendarapartirunicamentedaanálisedasatividadeseconômicas,masprincipalmentedoconhecimentodos costu-mes,doshábitos,davidacotidianadosseushabitanteseaindado tempo que rege essas localidades. Constata-se que nessaslocalidadesavidaurbanasefazpresentenãopeloquesefazoupeloqueseproduzali,maspeloquevemdefora,pelatelevi-são,pelovideogame,pelo telefone,pelo celular, pelos ônibusoupelosvisitantes.Oquenaverdadeamaioriadoshabitantesfazécuidardoroçado,tiraroupegaroleitenocurral,levarosanimaisparaopastoeànoitecolocaracadeiranacalçadaees-perarohoráriodanovelae/oudojornalnatelevisãoetambémoventochegarparapoderdormir.(p.15-16)
Dopontodevistacultural,percebemosemquase todasasci-dadesaausênciadebibliotecaspúblicas,debancasdejornalere-
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vistas,delivrarias,decentrosculturais.Entretanto,asinformaçõeschegam através da televisão, que em vários lugares depende daantenaparabólicaparasersintonizada.Ainternetsefazpresente,umavezqueháemtodasascidadestelecentroscomunitários.To-dastambémdisponibilizamdetelefoniafixaemóvel.
Quantoàsopçõesdelazer,alémdasjácitadaspraças,háemtodasascidadesvisitadasáreasparaapráticadeesportes(quadras,camposdefutebol,ginásiospoliesportivos)ebares.EmmunicípioscomoSãoJoãodoParaíso,IndaiabiraeRioPardodeMinas,aspraçasforamcitadascomo locaisquecontinuamsendousadosparapromoveroencontrodoshabitantesnosfinaisdesemana.Aaçãorecreativatam-bémseestendeaofutebol,que,alémdeproporcionarmomentosdelazeredescontração,possibilitaainteraçãoentremunicípioscircun-vizinhos,atravésdoscampeonatosorganizadospelapopulação.Asvaquejadaseas festasreligiosasseconvertememoutrasopçõesdelazercomunsnaspequenascidades.Entretanto,épossívelidentificaraincorporaçãodealternativasdelazerqueatéentãoeramespecíficasdos centrosurbanosmaiores.Asmicaretas são exemplosde festasquejápertenciamaocalendárioanualdealgumascidades,comoéocasodeBrasíliadeMinasedeDivisaAlegre,entreoutras.Emalgu-mascidades,comoJuramento,MontezumaeFranciscoDrumont,atividadescomoapescaeobalneáriomereceramdestaque,enquantoemSerranópolisdeMinasfoicitadooturismoecológico,apesardafaltadeinfraestrutura.Éimportantesalientarqueascidadescarecemdeespaçosedeequipamentosurbanosespecíficosdestinadosaativi-dadesderecreaçãoedeculturadapopulação.
O setorde serviçosnaspequenas cidades tambéméprecário,sendopoucasasquecontamcomhospitaiseensinodenívelsupe-rior.Amaioriapossuiapenaspostosdesaúdenosquaisépossívelobter cuidadosbásicos coma saúdee/ou ter acessoa equipesdoProgramaSaúdedaFamília(urbanase/oururais).Existememde-terminadascidadesdaregiãoconsórciosdesaúde,compactosquegarantem,aindaqueparcialmente,oatendimentodemédiacom-plexidade,convergindonoscasosdealtacomplexidadeparaMon-tesClaros,amacrorregiãoemtermosdesaúde.Todasascidades
estUdos aGrários 147
possuemescolasdeensinobásico,sendomuitocomumaexistênciadeescolasnazonarural,principalmenteemmunicípiosdegrandeextensãoterritorialoucomestradasvicinaisdedifícilacesso.
Quanto às atividades econômicas desenvolvidas nas peque-nas cidades da região, percebemos uma baixa dinâmica comer-cial,comprodutosdestinadosaoconsumomaisimediatodapo-pulação, comopadarias,bares, açougues, lojas e supermercados(que,emalgumascidades,sósubstituiram,nonome,asantigas“vendas”8 ou empórios). Alguns centros, como Montalvânia,BrasíliadeMinas,CoraçãodeJesus,MonteAzulePorteirinha,têmumaáreacomercialmaisamplaevariada,commercadosmu-nicipais funcionando regularmente, nos quais são encontradostantoprodutos típicosda região, comohortaliças, rapadura, ca-chaça, goma, farinha, queijos, doces e biscoitos, quantoprodu-tos industrializados.Emalgumascidades,nãoháfeirasemanal,comoéocasodeIbiracatu,Varzelândia,Patis,NovaPorteirinha,Montezuma, Padre Carvalho, Josenópolis, Ubaí, CampoAzul,Mirabela,Luislândia,Itacarambi,BonitodeMinas,entreoutras.Esseéumfatopreocupante,porqueafaltadeumlocalparaco-mercializaraproduçãoafetaopequenoprodutor,quepassaaserexploradopeloatravessadoroudeixadeproduzirbensquepode-riamauferirrendaparaasuafamília.Osprodutoshortifrutigran-jeirossãoosprincipaiscomponentesdasfeiraslivresemalgumascidadesque,mesmonãopossuindootradicionalmercadomuni-cipal,realizamafeiraaossábadosedomingos.
Aoanalisarosaspectoseconômicos,constatamosqueaagrope-cuáriaéabaseeconômicadamaioriadascidades,comexceçãodeVárzeadaPalmaeCapitãoEnéas,quepossuem indústriascomoprincipalatividadeeconômica.Hávariaçõesentreosmunicípios,sendoque emalguns a agricultura familiar émais expressiva, aopassoqueoutrostêmnapecuáriasuaprincipalatividade.Normal-mente,sãoessasduasatividadesquecompõemabasedaeconomia
8 Vendaéumtermoregionalutilizadonaspequenascidadesparaosestabeleci-mentoscomerciaisquevendemdiversasmercadorias,dealimentos,materialdepapelaria,materialdelimpezaautensíliosdomésticos.
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dosmunicípiosanalisados,semdeixarmosdeconsideraroreflores-tamentoeaproduçãodecarvãofontesderecursosemalgumasáre-as(RiachodosMachados,RioPardodeMinas).
Entretanto,essasatividadesnãosãodesenvolvidasde formaagerarempregoerendaparaapopulaçãoeparaosmunicípios.No-tamosque, comexceçãodeCapitãoEnéas,RioPardodeMinas,VárzeadaPalma,BrasíliadeMinas,CoraçãodeJesus,DivisaAle-greeMonteAzul,querecebemimpostos,comooImpostosobreCirculaçãodeMercadoriaseServiços(ICMS),osdemaismunicí-pios dependem quase exclusivamente do Fundo de ParticipaçãodosMunicípios(FPM).Porissoosmunicípiosficamàmercêdosrepassesdeoutrasesferasdagestãopública.Carvalho(2002)cha-maaatençãoparaofatodeque
[...]estespequenosmunicípios,geralmentedebaseeconômicatipicamente rural, não possuemumamassa de contribuintes,quantitativamente equalitativamente capazde lhespossibili-tarumareceitatributáriaexpressiva.[...]Registra-sequeparaamaioriadosmunicípiosbrasileirosaarrecadaçãodoIPTUedoISSédifícildeserrealizada,poisdemandaaconstituiçãoeatu-alizaçãodecadastrosdecontribuinteseacontrataçãodepessoalaltamentequalificado.(p.545)
Como não há uma dinâmica econômica expressiva nas pe-quenas cidades, o comércio não é um grande gerador de em-pregos. Cabe ao setor de serviços abarcar omaior número detrabalhadores. Resta-nos questionar que tipos de serviços sãoesses,poisnãohádúvidadequeo empregopúblico, alémdastransferênciasde recursosdaspolíticascompensatórias (bolsa--família, bolsa-escola, leite pela vida etc.), constitui as princi-paisfontesderendaparaaspopulaçõesdessasregiões.Segundoodepoimentodeváriosentrevistados, taismedidas resolvemanecessidade imediata de parte da população,mas são um ele-mento negativo para omunicípio.Os orçamentosmunicipais,jácarentesderecursos,sãocomprometidoscadavezmaispelo
estUdos aGrários 149
excessodefuncionários,dificultandoarealizaçãodeobrasoudepolíticaspúblicasquepoderiamatenderatodaapopulação.NaspequenascidadesdonortedeMinasGerais,asprefeituras sãoaprincipal fonteempregadora,oquecriaumadependênciadapopulaçãoemrelaçãoàadministração.
Outrodadoquenoschamouaatenção,segundorelatodosen-trevistados,foioelevadonúmerodeaposentadosnosmunicípios,notadamentena zona rural, oque tambémafeta aprodutividadeagrícolatradicional.Todososmunicípios,porém,possueminúme-rasassociaçõescomunitárias,tantonazonaurbanacomonarural,o que é importante para viabilizar projetos comunitários.Talvezsejaesseumdoselementosquecaracterizaavidanaspequenasci-dades:a“solidariedade”atravésdeprocessosdecooperaçãoentreindivíduos.Certamente,éessa“solidariedade”queproduzoutroelementotípicodessasáreas:aresistência.
Quandoquestionadosacercadosprincipaisproblemasexisten-tesnacidade,asrespostasdosentrevistadosindicaramodesempre-gocomosendoomaiorproblema,fatorelacionadoàfracadinâmicaeconômicadessasáreaseàbaixaqualificaçãoprofissionaldapopu-laçãolocal.Asdrogas,atéentãotípicasdosgrandescentros,foramcitadascomoosegundomaissérioproblemadaspequenascidadesvisitadas.Emseguida,mereceramdestaquealgunsproblemasam-bientais,principalmenteafaltaderededeesgoto(emmaisde30%dascidades)eaquestãododestinofinaldolixo,sendooslixõesacéuabertoumapaisagemcomumnaregião.
Outroproblemaquetemsetornadocaracterísticodaregiãoéamigraçãosazonal,queocorrenaentressafra,quandopartedapo-pulaçãosaiparatrabalharemoutrasregiõesdopaís,principalmen-teematividadesqueexigemgrandemãodeobra,comoocortedacana,ascolheitasdecaféelaranja,entreoutras.Essamigraçãoacabacausandoumproblemacaracterísticoderegiõesatingidaspelaseca:agrandequantidadedemulheresqueficam,aschamadas“viúvasdemaridosvivos”ou“viúvasdaseca”.AsmigraçõessazonaismaiscomunssãodeSantoAntôniodoRetiroparaascolheitasdalaranjaeparaocortedacanaemSãoPaulo;deNovoHorizonteparaas
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plantaçõesdecaféecana-de-açúcar;deRiachodosMachadosparaaregiãodoTriânguloMineiroeSãoPauloparaacolheitadecafé,cana-de-açúcarecapim.DosmunicípiosdePaiPedroeVarzelân-diasaemtrabalhadoresparaocortedecanaeparaacolheitadocaféemSãoPaulo,suldeMinasGeraiseTriânguloMineiro,enquantoosmigrantesdeMonteAzulvãoparaacolheitadalaranjaeparaocortedacananosuldeMinasGeraiseemSãoPaulo.Trabalha-dorestambémdeixamMatoVerdeeEspinosaparaocortedacanaeacolheitadalaranjaemSãoPaulo,nosuldeMinasGeraisenoTriânguloMineiro.DeJosenópolis,osmoradoressaemembuscadetrabalhostemporáriosemSãoPaulo,AtibaiaeIlhaBela(traba-lhamemindústriasdemontagemdepiscinas,nacolheitadecaféelaranja,emhotéiserestaurantes).
Sobreamigraçãosazonal,cabeacrescentarque:
[...]comoocapitalismopareceser[...]própriodamodernidade,e asmigrações, próprias do capitalismo, estas podem ser en-tendidascomoumfenômenomoderno,àmedidaqueganhamsignificâncianocapitalismo.Alémdisso,aaceitaçãodequeamodernidadetemsentidoambivalente–destruiçãoecriação–provocanovosdesdobramentosparaareflexãosobreaspráti-casmigratórias, ou seja, épossívelpensarna existênciadessesentidoambivalentecomosendotambémimanentedapráticacotidianadaquelesquemigramtantoemseuslocaisdeorigemquantonoslocaisaquesedestinam.Nessesentido,amigraçãosazonalpodeserentendidacomoasintetizaçãodamodernida-de:porumlado,éalgoquelheépróprio;poroutro,apresentaomesmomovimentointerno.(Botelho,2003,p.3)
Amigraçãodefinitiva tambémcontinuaaocorrer,principal-mentede jovensque saempara estudar enão têmcomovoltar,poisaspequenascidadesnãotêmmercadodetrabalhoparaváriasprofissões.
Adependênciadapopulaçãoemrelaçãoàprefeiturafoicitadaemváriascidadescomosendoumproblema.Decertaforma,en-
estUdos aGrários 151
tendemosessadependênciapodeserconsideradaumvínculoeco-nômico,poisinúmeraspessoassãoempregadaspelaprefeituraou,dealgummodo,dependemdelaparaviver.Asolicitaçãodeisençãodetaxas,compraderemédios,alimentosematerialparaconstruçãosãoalgunsexemplosdessadependência.
Apobreza, problemaque faz parte do discurso regional, estáintrinsecamenterelacionadaàfaltadeempregos,àmigraçãoeàfor-tedependênciadaprefeitura, bemcomoa outrosproblemasqueafetamapopulaçãodaspequenascidades.DeacordocomSantos(1979c),éapartirdaexpansãodasdesigualdadesgeradaspeloacú-mulodocapitalqueapobrezasemanifestadeformamaisintensaeperceptívelnascidades.Alémdaexclusãodoacessoàscondiçõesbásicasdesobrevivência,eleconstataqueapobrezasedáporumaparticipaçãomaioroumenornamodernização.Associadosàpo-breza, podemos elencar outros problemas nosmunicípios visita-dos:faltademoradia;faltadeacessoaserviçosdeeducaçãoesaúde;histórica luta pela posse da terra; endividamento de agricultoresfamiliares;faltadeacessoàágua;precáriascondiçõesdasestradasvicinais;prostituição;violência;persistênciadedoençascomomaldeChagas;aumentodacriminalidade,entreoutros.
Duranteasentrevistas,asecatambémfoiumproblemadesta-cado.Trata-sedeumfenômenoperiódicoeassociadoapráticasdeexploração inadequadas, contribuindo,dessemodo,paraampliarapobreza,amigraçãoeaescassezdeáguapotávelemalgunsmu-nicípios.Écomumoabastecimentonazonaruralatravésdecami-nhões-pipa.
Combasenasucintaanáliseaquiefetuada,podemosafirmarquehá entre as pequenas cidades uma hierarquia, pois centros comoBrasília deMinas,Porteirinha,RioPardodeMinas eCoraçãodeJesuspossuemumamelhorestruturadeserviçosurbanos,maiordi-namismoeconômico,comércioeprestaçãodeserviçosmaisdiver-sificados,polarizandoascidadesdoseuentorno.Constatamosquehácertaestagnaçãonaeconomiadasdemaispequenascidadesestu-dadas,queseaproximammaisdorural,apesardepossuíremequi-pamentosurbanos.Todavia,essasituaçãonãoéexclusivadaregião
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norte-mineira.NoBrasil, cercade4milmunicípios encontram-seestagnadosoudecadentes.Apresentameconomiasfrágeisesemdi-namismo,ocorrendoretraçãoouestabilizaçãodaofertadeemprego,comas administraçõesmunicipais dependendo exclusivamentedoFPM.Semcrescimentoeconômicoesemarrecadaçãode impostosmunicipais, eles não conseguemfinanciar pequenos programas deobras.Lembramos,ainda,queaestagnaçãodagrandemaioriadosmunicípiosbrasileirostemfuncionalidadepolítica,poisasemendasdeorçamento,repasseseconvêniosestaduaisefederaisvêmservindoprincipalmentecomomoedapolítica,e,comisso,osmunicípiosnãoconseguemsuperaraestagnaçãoeconômica.
Considerações finais
Devidoàsinúmerasdiscussõesteóricasemetodológicasquete-mosnopaísacercadoassuntoemestudo,escolhemoso“discurso”dasurbanidadeseruralidadescomofocoprincipaldeanálise,ten-docomorecorteespacialosmunicípiosdonortedeMinasGerais quepossuemcomosedeumapequenacidade.Asconsideraçõesque estabelecemosdiantedametodologiaescolhidaedesenvolvidacon-feremaoestudoumresultadoque“movimenta”juntoapráxiseateoria.Asnovasfunções,estruturaseprocessosqueessesespaçosdinamizam configuram a realidade também movimentada pelosatores,sejamelesdapopulaçãoruralouurbana,comsuasnecessi-dadesdeampliaremelhoraressesespaços.
AspequenascidadesdonortedeMinasGeraispossuemestrei-taligaçãocomoespaçorural,primeiropelaformaçãosocioespacialderivadadapecuária,segundopelofatodeaurbanizaçãoregionalserconcentrada,havendomunicípiosemqueapopulaçãoruralépredominante. Nas áreas urbanas, percebemos vários elementostípicosdorural,domododevidasimples,sempressa,àpráticadeatividadeseconômicasruraisnoespaçourbano.Ousodecarroças,cavalos,eacomercializaçãodeprodutosnasfeiraslocaistambémdemonstramessaaproximação.
estUdos aGrários 153
Nasáreasrurais,encontramosespaçosemqueourbanosefazpresentecomomododevida.Ousodatelefoniamóvel,apresen-çada televisãoedeoutroseletrodomésticoscomprovaessa ideia.Além disso, são desenvolvidas a agricultura irrigada, a pecuáriamelhorada,oagronegócio,aagroindústria,oquedenotaainclusãodepartesdaregiãonamodernizaçãoglobalizada.Entretanto,oquepredominaaindaéaagropecuáriatradicional,carentedetecnolo-giasedecapital.Aagriculturafamiliarenfrentadificuldadesparaseconsolidaregerarosustentodasfamílias.
Sendoafaltadeempregoumdosmaioresproblemasdaspeque-nascidades,pensamosqueabuscadeestratégiaslocaisparaagera-çãodeempregoerenda,quepossambeneficiarapopulação,podeserumaalternativaparaaadministraçãomunicipal,umavezqueelasnãoconseguematenderàdemandapopulacionalporcontadosescassosrecursosprovenientesderepassesfederaiseestaduais.Issocontribuiriatambémparareduziradependênciadapopulaçãoemrelaçãoàprefeitura.Umamaiorparticipaçãodasociedadecivilnagestãomunicipaltambéménecessáriaparaamelhoriadossistemasdeplanejamentoeadministração.Mas,paraisso,apopulaçãotemde estarbeminformadasobreseupapel,oqueaindanãoéumareali-dadenaregião,cujaculturaderivadopaternalismopolítico.
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pArte 3 A dinâmicA do cApitAl
AGroinduStriAl
o deSlocAmento dA AGroindúStriA cAnAvieirA pArA o oeSte do eStAdo de São pAulo
Davi Guilherme Gaspar Ruas1
Enéas Rente Ferreira2
Elias Júnior Câmara Gomes Sales3
Até junho de 2010, o país contava com 432 unidades indus-triaisinscritasnocadastrodoMinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimento(Mapa),sendo166destilariasdeálcool,16usinasprodutorassomentedeaçúcare250usinasprodutorasdeaçúcareálcool(Mapa,2010),distribuídasem23estadosdafederação,con-forme ilustradonaFigura1.SãoPauloconstacom197unidadesindustriais(45,6%donacional),sendoseisunidadesprodutorasdeaçúcar,61unidadesprodutorasdeálcoole130unidadesproduto-rasdeaçúcareálcool.
1 ProfessorDoutordoDTAiSER/CCA/UFSCAR–Araras–NúcleodeEstu-dosAgrários/IGCE/UNESP-RioClaro.Contato:[email protected]
2 ProfessorDoutordoDepto.deGeografiadoIGCE–UNESP-RioClaro.Pro-fessorOrientadordoPPGG–IGCE–UNESP-RioClaro.MembrodoNúcleodeEstudosAgrários/IGCE/UNESP-RioClaro.Contato:[email protected]
3 Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP.Núcleo de Estudos Agrários/IGCE/UNESP-Rio Claro. Contato: [email protected]
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Figura 1 – UnidadesprodutorascadastradasnoDepartamentodaCana-de-açúcareAgroenergiadoMapa.
Fonte:Mapa(2010).
Aprevisãoéqueaté2025opaístenha615usinasdeetanol.EssaexpansãoestásendoaquecidapeloProgramaNacionaldeBiocom-bustíveis,comgrandessubsídiosporpartedogoverno.
ProCana: programa incentivador da desconcentração
OgovernodoestadodeSãoPaulo,4pormeiodaCoordenadoriadeAssistênciaTécnicaIntegral(CATI),pertencenteàSecretariadaAgriculturaeAbastecimento(SAA), tevea iniciativade tentardi-recionarainstalaçãodenovasdestilariasenquadradasnoProálcoolpara a regiãoOeste do estado. Para tanto, elaborou o documento“BasesparaumPlanodeDesenvolvimentoAgrícoladoOestedoEs-tadodeSãoPaulo(Proeste)”,que,dentreseusobjetivos,constavam:
4 Naépoca,oengenheiroPauloSalimMaluferagovernadordeSãoPaulo(de15/3/1979a16/6/1982;eseuvicede15/3/1979a15/3/1983).
estUdos aGrários 161
Aproveitamentodainfraestruturaexistente,semnecessi-dadede investimentospúblicos adicionaispara a sua conse-cução;interiorizaçãododesenvolvimentopelofortalecimentodaseconomiasregionais;epreservareampliaraofertadeali-mentos,bemcomomanteraexpressivaparticipaçãodosetoragropecuário paulista na pauta de exportação. (São Paulo,1980,p.2)
Dentro desse plano, o primeiro programa a ser estabelecidofoi o “ProgramadeExpansão daCanavicultura para aProduçãodeCombustíveldoEstadodeSãoPaulo–ProCana”,queemsuaapresentaçãocoloca:
A Secretaria deAgricultura eAbastecimento, preocupa-da com a possibilidade de expansão desordenada da culturada cana-de-açúcar no Estado de São Paulo e a consequenteocupação de terras utilizadas para a produção de alimentos,resolveupromoveraçãovisandoorientara instalaçãodaque-la culturadestinada àproduçãode álcool em regiões onde acana representaráamelhoropçãoparaas terras susceptíveisàerosão,alémdeconstituirfatorgeradordedesenvolvimentolocalsemdesalojarasexploraçõesexistentesfaceaoatualsis-temadeocupaçãodasregiõesselecionadasparaoprograma.(ibidem,p.3)
Pormeiodessaapresentação,observamosqueoprogramaseba-seianapremissadeque,comasubstituiçãodapecuáriaextensivapeloplantiodecana-de-açúcar,ocorreráumamelhorianodesen-volvimentodaagriculturaregional.Issoéválidoseconsiderarmosqueaocupaçãodemãodeobranaculturadacana-de-açúcar,mes-mosendo sazonal, émaiorquenapecuária, assimcomoamovi-mentaçãoderecursosfinanceirostambémémaior.
Talpreocupaçãoemmelhoraradistribuiçãodaproduçãodeál-coolnoestadodeSãoPaulovemaoencontrodasanálisesfeitasnaépocasobreoProálcool,comocolocadoporBueno(1980):
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UmestudodoConselhoNacionaldePesquisas(CNPq)fazdurascríticasaoabandonodosobjetivossociaisdoProálcool.Osórgãosqueatuamnoprograma,comooBancodoBrasil,oBancoCentraleoMinistériodaIndústriaeComérciorepassamos recursos para os projetos sem se “preocupar comos dese-quilíbriosregionais,comafixaçãodohomemnocampo,como desemprego rural e com amá distribuição da renda”.Esseestudorevelaqueapenasdoisgrandesgrupos(OmettoeBia-gi)ficaramcomnadamenosque41%dosrecursosdestinadosaprojetosparaproduçãodeálcoolde1976a1978,“oquemostraclaramentequeosfinanciamentos são canalizadosprioritaria-mente aos grandes empreendimentos”, diz o Jornal do Brasil (26/08/79).(ibidem,p.22-3)
DentrodoProCana,nãoexistiuumametaclaraedefinidaaseralcançada,somenteaorientaçãoparatrabalhareimplantaracultu-radacana-de-açúcaremáreaprioritáriadoestadodeSãoPaulo.Oprogramaestabelececomoáreadeabrangênciaa regiãoOestedoestado,divididaemduasregiões:aRegiãoPrioritária,com153mu-nicípios,eaRegiãoMarginal,com69municípios.5
QuantoaorestantedaáreadoestadodeSãoPaulo,aconside-ramostradicionalquandotratamosdoProCana.Mesmocomessaregionalização,algumasáreasinternasforamconsideradasinaptasparaocultivodacana,masnãoestãorepresentadasnomapa,poisonossointeresseéanalisarserealmentehouveumdirecionamentoounãonaimplantaçãodenovasunidadesindustriaisnaregião,sesuaparticipaçãosedeuemtodooestado,esenessasáreasnãofo-ramimplantadasdestilariasautônomas.
Sobre ametadeproduçãode álcoolno estadodeSãoPaulo esuaparticipaçãonoglobalbrasileiro,noqualoProCanaseinsere,odocumentosobrerezoneamentodasáreasparaimplantaçãodedes-tilariasdeálcool,elaboradopelaSecretariadaIndústria,Comércio,CiênciaeTecnologia,admite:
5 Onúmerodemunicípiosrefere-seàdivisãopolíticaexistentenoanodoproje-to.Nãoconsideramososdesdobramentosocorridosemanosrecentes.
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Paraefeitosdeplanejamentodaproduçãodeálcoolanívelnacional,estipula-se,nesteprimeiromomento,acapacidadepaulista de produzir 7milhões demetros cúbicos de álcool,em1985,ficandoos acréscimosnadependênciadaproduti-vidadeagrícolaeindustrial.Ressalta-sequeovolumedepro-duçãoaquiassinaladorefere-seaoálcoolaserobtidonalinhadecana-de-açúcarcomacomplementaçãodosorgosacarinonoperíododaentressafra.Nãoestãoenquadradosospossíveisvolumesdeprodução complementardasminidestilariasqueporventuravieremaserinstaladasnoterritóriopaulista.(SãoPaulo,1979a,p.3)
Essasegundacolocaçãodecorredofatodequeogovernopau-listaadvogavanaépocaaimplantaçãodessasunidadesatravésdodocumento“SubsídiosparaoProgramaNacionaldeMini eMi-crodestilariasdeÁlcoolCarburante”(SãoPaulo,1979b),maspou-casmicrodestilariasforamimplantadaseasqueforamnãoconse-guiramcotasparacomercializaroálcoolproduzido,sendoosorgoutilizadosomenteemexperimentos.
Utilizando-sesomentededadosnuméricos,umdositenscons-tantesdaconclusãododocumentoreferenteaoProCana(SãoPau-lo,1980)explicitaque:
Dos65.302km2disponíveisdeterrasaptasdaRegiãoPrio-ritária,seutilizarmosapenas16%paraaimplantaçãodenovaslavouras,teremosumaáreaaproximadade10.000km2,ouseja,1.000.000dehaquecorrespondeaumaáreadecanade750.000haquepoderáproduzir3.000.000m3deálcool,oquerepresen-taquaseumterçodametaestimadapeloPROÁLCOOLpara1985.(ibidem,p.17)
Comaentradadeumnovogovernadoremmarçode1983,hou-veumamudançadeprioridadesnoâmbitodaSecretariadeAgri-cultura, nãomais se cogitando estímulos ao ProCana. Esse pro-gramadedesenvolvimentobaseou-senaatuaçãodosengenheiros
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agrônomosdasCasasdeAgriculturaparaorientaçãotécnica,quan-dosabemosqueosetorsucroalcooleirosempresecaracterizoupelanãoutilizaçãodosórgãosoficiaisdeextensãoporpossuírem,alémdosprópriostécnicos,ostécnicosdascooperativasoudasprópriasindústrias,quedavamassistênciaaosfornecedores.ComoaCATInãopossuíapoderpolíticonemfinanceiroparainterferirnodesen-volvimentodosetor,ogovernodoestadodeSãoPaulocriouumórgãomaisabrangente.
O novo governo paulista tentou criar uma política próprianosetorenergético,etalaçãoteveiníciocomacriaçãodoCon-selhoEstadualdeEnergia(CEE).6UmadasprimeirasmedidastomadapeloConselhofoiaediçãodas“DiretrizesparaaAnálisedeProjetosdoProálcoolnoEstadodeSãoPaulo”(CEE,1984).Essasdiretrizespropunhamumapolíticapara o setor sucroal-cooleiro paulista e reafirmavam as diretrizes estabelecidas noProeste.O documento contém três partes: I –Normas gerais;II–Critériosespecíficos;eIII–Grupodeanálise.Dentrodas“Normasgerais”,oprimeiroitemcoloca:“1.Limitarainstala-çãodenovasunidades ou ampliaçõesdas já existentesna áreadefinidacomonãoprioritáriapeloPROESTE(conformeSAA/GSAAn.777/81),quaisquerquesejamasorigensdosrecursosfinanceirosparaaexecuçãodosprojetos”.
Baseando-senosdadosdeáreapertencentesaestabelecimentosruraispublicadospelaFIBGE (1991) e referentes ao censo agro-pecuário realizado em 1985, observa-se que a Região PrioritáriaabrangeáreamenorqueaprevistanodocumentodoProCana(Ta-bela1).Verifica-sequeaprevisãodealcançar16%daáreaprioritá-riacomcana-de-açúcarsófoirealizadaemumquartodoprevisto.Apesardeocupar14,7%daáreatotalcultivadacomessaculturanoestadodeSãoPaulo(248.801ha),estarepresentavasomente4%daáreaagricultáveldaRegiãoPrioritária.
6 OConselhoEstadualdeEnergiafoicriadopelogovernadorFrancoMontoroem11/5/1983eeracompostoporumcolegiadonoqualtinhamassentomem-brosdoExecutivo,doLegislativoedasociedade.
estUdos aGrários 165
Tabela 1 – Áreatotaleáreacolhidacomcana-de-açúcarnoanode1985,separadaporregiõesdoProCana.
REGIÃOÁrea tOtal Área cOM cana
Ha % Ha %
Prioritária 6.248.903 30,56 248.801 14,68
Marginal 2.098.554 10,27 114.727 6,77
Tradicional 12.097.832 59,17 1.331.466 78,55
SãoPaulo 20.445.289 100,00 1.694.994 100,00
Fonte:FIBGE(1991).Elaboração:Davi G. G. Ruas
CombasenosdadospublicadospelaFIBGE(2008)referentesaocensoagropecuáriorealizadoem2006,observa-sequeaRegiãodoProCana(Tabela2)passoude21,4%daáreacolhidacomcana--de-açúcarnoanode1985para33,4%noanode2006.
Tabela 2–Áreacolhidacomcana-de-açúcarnoanode2006,separadapelasregiõesdoProCanaeTradicional.
REGIÃOÁrea cOM cana
Ha %
procana 1000529 33,46
Tradicional 1989677 66,54
SãoPaulo 2990206 100,00
Fonte:FIBGE(2008).Elaboração:Davi G. G. Ruas
Evolução do número de unidades industriais
AnalisandoaevoluçãodosetorsucroalcooleironoestadodeSãoPauloemcomparaçãocomadaregiãoabrangidapeloProCana,eestudando as unidades industriais já existentes e as enquadradasnaComissãoExecutivaNacionaldoÁlcool(Cenal)paraaregião,anteseapósadatadeabrilde1980,queconstaemtabeladodocu-mento,podemosconcluirsehouveounãoumdirecionamentoemrelaçãoaoestadocomoumtodo.
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Utilizamoscomobaseassafras1970-1971(iníciodonossoestudo),1975-1976(iníciodoProálcool)eoperíododassafrasde1980-1981(lançamentodoProCana)a1985-1986,referenteàmeta definida pelo Proálcool para a produção de 7 bilhõesdelitrosdeálcoolnoestadodeSãoPaulo.Apósesseperíodo,tivemos somente o aumentode criaçãodenovas unidades naregiãonoiníciodesteséculo.Acriaçãodessasnovasunidadesse deu principalmente por empresários que possuíam unida-desnaRegiãoTradicionaleseexpandiramparaaRegiãoOeste doEstado.
Nasafrade1970-1971operaram92usinasnoestadodeSãoPaulo.Dessas,dezusinasestavaminstaladasnaregiãodopro-gramadenominadoProCana, sendo cincona áreaPrioritária ecinconaáreaconsideradaMarginal,enãoexistianenhumades-tilaria autônoma em operação.Na safra de 1975-1976, apenasumadestilariaautônomaoperounoestadodeSãoPaulo,aDes-tilaria SantaMaria (LençóisPaulista), incluídana áreaPriori-táriadoProCana.Nasafrade1980-1981,no iníciodessepro-grama,73usinase16destilariasautônomasoperaramnoestadodeSãoPaulo.Dessas73,quatrooperavamnaáreaPrioritáriaecinconaáreaMarginal,enquantoasoutras65operavamnaáreaTradicional,ou seja,nãoprioritáriapara a instalaçãodenovasunidades. A usina que paralisou suas operações na área PrioritáriafoiaMiranda(Pirajuí).Essesdadoseosdasoutrassafrascom a distribuição das unidades (usinas e destilarias) nas trêsregiõessãoapresentadosnaTabela3.
Verifica-sequehouveumagrandeexpansãononúmerodeuni-dades (destilarias autônomas) que entraram em operação naRe-giãoPrioritárianassafrasde1981-1982(maisquatrounidades)ede1983-1984(maisoitounidades),númerosessesmaioresqueosdaáreaTradicional,queapresentouumcrescimentosuperiornassafrasde1982-1983(maisnoveunidades),1984-1985(maiscincounidades),ede1985-1986(maisoitounidades).
estUdos aGrários 167
Tabela 3 – NúmerodeunidadesqueoperaramnaRegiãodoProCanaenoestadodeSãoPaulode1970-1971a1985-1986.Safrasescolhidas.
saFraREGIÃO tOtal
procana Tradicional SÃOPAULOUsina Dest. Usina Dest. Usina Dest.
1970/71 10 - 82 - 92 -1975/76 9 1 68 - 77 11980/81 8 8 65 8 73 161981/82 9 13 66 10 75 231982/83 9 24 65 19 74 431983/84 9 34 64 25 73 591984/85 9 36 64 30 73 661985/86 9 38 62 38 71 76Fonte:InstitutodoAçúcaredoÁlcool(IAA)Elaboração:Davi G. G. Ruas
Emtermosdenúmerodeunidades,considerandosomenteope-ríododassafrasde1980-1981a1985-1986,aRegiãoPrioritáriafoiaquemaiscresceu,equandolevamosemconsideraçãoaúltimasa-fra,verificamosqueaRegiãoTradicionalapresentouummaiornú-merodeunidadesqueparalisaramaprodução.Talparalisaçãoteve,nagrandemaioria,aparteagrícola transferidaparaumaunidadejáexistente,aumentandoaconcentraçãodaproduçãoemgrandesunidades,fatoessequepodenãoterocorridonaRegiãoPrioritária,poisasunidades,emsuamaiorparte,estãoisoladas.
EnquantonaRegiãoPrioritáriaocorriaoaumentodaproduçãopelaentradadefuncionamentodenovasunidades,naRegiãoTradi-cionalocorriaaconcentraçãodaproduçãonasunidadesjáexistentes.
Diantedessadinâmicadeinstalaçãodeunidadesindustriaisnaregião,utilizamosassafrasde2004-2005a2008-2009(Tabela4)paraefeitodecomparaçãodoqueocorreucomaregião.NaRegiãodoProCanaoperaramnoveusinas e38destilarias autônomasnasafrade1985-1986;jánasafrade2008-2009,operaram54usinase23destilariasautônomas,enquantoquenaáreaTradicionalonú-merodeusinaspassoude62para79,eodedestilariasautônomas,
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de38paradez.Essesnúmeroscaracterizambematransformaçãodasdestilariasautônomasemusinas,deixandodeser,assim,pro-dutorasexclusivasdeálcool.
Tabela 4–NúmerodeunidadesqueoperaramnaRegiãodoProCanaenoestadodeSãoPauloentre2004-2005a2008-2009.Safrasescolhidas.
saFra
REGIÃO tOtal
procana Tradicional SÃOPAULO
Usina Dest. Usina Dest. Usina Dest.
2004/05 43 14 73 7 116 21
2005/06 42 15 76 8 118 23
2006/07 49 18 76 9 125 27
2007/08 50 26 77 13 127 39
2008/09 54 23 79 10 133 33
Fonte:Única(2010).Elaboração:Davi G. G. Ruas
Realmente,noperíodoconsideradocomodoProCana,ocorreuumaexpansãodasdestilariasautônomasnaregiãoconsideradaPrio-ritária.Masnãopodemosdizerquetalexpansãosejadecorrentedoprogramainstituídopelogovernopaulista,poisdaconcepçãodeumprojetoatéainstalaçãodaunidadeindustrialdecorremdequatroacincoanosparaoiníciodaoperação,etodasasunidadesqueentra-ramemoperaçãojátinhamseusprojetosenquadradosnoCenal.
A produção de açúcar
NaTabela5enaFigura2estãoosvolumesdeaçúcarprodu-zidosnoestadodeSãoPaulo,dadosessesseparadospelasregiõesdo ProCana eTradicional.Verifica-se que no período das safrasde 1980-1981 a 1985-1986, a variaçãonaproduçãode açúcarnaRegiãodoProCanafoibeminferioràvariaçãoocorridanaRegiãoTradicionaldoestado.
estUdos aGrários 169
Tabela 5 – ProduçãodeaçúcaremregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emtoneladas,de1970-1971a1985-1986.Safrasescolhidas.
saFraREGIÃO tOtal
procana Tradicional SÃOPAULO
1970/71 185.969 2.250.396 2.436.365
1975/76 268.716 2.600.617 2.869.333
1980/81 386.332 3.456.016 3.842.348
1981/82 365.606 3.549.562 3.915.168
1982/83 474.748 3.825.592 4.300.340
1983/84 510.528 3.831.000 4.341.528
1984/85 511.581 3.594.357 4.105.938
1985/86 403.200 3.012.608 3.415.808
Fonte:InstitutodoAçúcaredoÁlcool(IAA)Elaboração:Davi G. G. Ruas
Figura 2 – ProduçãodeaçúcaremregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emtoneladas.Safrasde1970-1971,1975-1976,1980-1981a1985-1986.
NaTabela6enaFigura3,oquepodemosobservaréumau-mentonaparticipaçãodaproduçãodeaçúcardaRegiãodoProCa-naemrelaçãoàRegiãoTradicional.EnquantoaRegiãodoProCana
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eraresponsávelpor11,8%daproduçãodoestadonasafrade1985-1986,elapassouaserresponsávelpor31,7%.Esseaumentorefleteatransformaçãodasdestilariasautônomasemusinasdeaçúcar.
Tabela 6 – ProduçãodeaçúcaremregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emtoneladas.Safrasde2004-2005a2008-2009.
saFraREGIÃO tOtal
procana Tradicional SÃOPAULO
2004/05 4.413.329 12.081.602 16.494.931
2005/06 4.145.144 12.688.451 16.833.595
2006/07 5.844.848 13.658.184 19.503.032
2007/08 5.869.121 13.238.773 19.107.894
2008/09 6.239.631 13.423.164 19.662.794
Fonte:Única(2010).Elaboração:DaviG.G.Ruas
Figura 3 – ProduçãodeaçúcaremregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emtoneladas.Safrasde2004-2005a2008-2009.
estUdos aGrários 171
A produção de álcool
Aproduçãodeálcoolapresentoucrescimentoemtodooperíodoanalisado (Tabela7 eFigura4)nas regiõesdestacadas.Ocresci-mentoapartirdasafrade1984-1985deu-sepelaexpansãodasuni-dadesjáinstaladasepelaentradaemoperaçãodenovasunidades.
Tabela 7–ProduçãodeálcoolemregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emmetroscúbicos.Safrasescolhidasde1970-1971a1985-1986.
saFraREGIÃO tOtal
procana Tradicional SÃOPAULO
1970/71 36.245 400.468 436.713
1975/76 32.126 330.160 362.286
1980/81 361.917 2.245.978 2.607.895
1981/82 424.289 2.409.353 2.833.642
1982/83 731.525 3.083.249 3.814.774
1983/84 1.195.592 4.195.469 5.391.061
1984/85 1.405.357 4.618.011 6.023.368
1985/86 1.629.590 5.994.411 7.624.001
Fonte:InstitutodoAçúcaredoÁlcool(Anuários1970-1986).Elaboração:DaviG.G.
ruas
172 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
Figura 4 – ProduçãodeálcoolemregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emtoneladas.Safrasde1970-1971,1975-1976,1980-1981a1985-1986.
Seanalisarmosocrescimentonaproduçãodeálcool(safrasde1980-1981a1985-1986),observaremosqueocrescimentonaRegiãodoPro-Canafoide350,2%,enquantonaRegiãoTradicionalfoide166,9%.Emtermos numéricos, a Região do ProCana passou de 361.917m3 para1.629.590m3,enaTradicional,de2.245.978m3para5.994.411m3.
Umdosproblemassurgidoscomafaltadeálcoolem1989estárelacionadoà formacomoosnovosprodutoresdaregiãodeAra-çatuba atuavam, coma faltadematéria-primapara asdestilariasautônomas.Rego(1990),analisandoesseaspecto,coloca:
Proprietáriosdedestilariastêmlucrocomoálcool,masnãoconcebemrepassarparaaproduçãodecanapartedesselucro,como investimento próprio. Considerando as suas atividades como empreendimentos separados e, sem crédito emelhorespreçosparaa cana, afirmamestar subsidiandooálcool.Que-rem,naverdade,queoconjuntodasociedadecontinuepagandoparaqueelesproduzameembolsemoslucros.Porisso,estáfal-
estUdos aGrários 173
tandoálcool.Certamenteestaéumadasmercadoriasmaisca-rasparaasociedadebrasileira,nãosópelossubsídiosoferecidosaosproprietáriosdasdestilarias,comotambémpelocustosocialqueaatividadetrazcomoconsequência,dopontodevistadostrabalhadoresedoespaçoproduzido.(ibidem,p.84)
Nãoestãodisponíveisna literaturamuitasanálisesdoProeste(ProCana)comoprogramadelocalizaçãodeunidadesindustriais,massomenteumacitaçãofeitaporMartins(1991),quetranscreve-mosaseguir:
OPROÁLCOOLfoiinseridonocontextodosobjetivosase-remalcançadosnarevalorizaçãodoOestePaulista.OPROÁL-COOL, na verdade, constitui-se na principal fonte de recursosparaaviabilizaçãodoPROESTE.ACATIelaborouumzonea-mentoondesedeterminoutrêsregiõesparaefeitodeexpansãodacana-de-açúcarnoEstadodeSãoPaulo:prioritária,marginalenãoprioritária.Ofatoéqueessetrabalhoevitouainstalaçãoindiscri-minadadedestilariasdeálcoolnoEstadodeSãoPaulonasregi-õesprodutorasdealimentoseprodutosimportantescomocitrusecafé,evitandoodeslocamentodessasculturaspelacana-de-açúcar.Aomesmotempo,orientouaimplantaçãodeprojetosdeproduçãodeálcoolemzonasdepastagens(localizadasaOestedoEstado),causandocomissoumconsiderávelefeitomultiplicadornodesen-volvimentodetaisregiões.Das56destilariasinstaladasaté19deagostode1982,grandenúmerodelasestãolocalizadasnaáreare-comendadapelozoneamento.(p.500)
Martinscolocaqueforaminstaladas56destilariasnoestadodeSãoPaulo,masnasafrade1982-1983sóoperaram43.Oquepodeter ocorrido é ter-se considerado os projetos enquadrados comodestilarias,apesardemuitasunidadespossuíremmaisdoqueumprojeto,oquesignificavaampliaçãodacapacidadeenão implan-taçãodeindústria.Deve-seressaltarqueessasunidadesjátinhamseusprojetosenquadradosnaCenalantesdacriaçãodoProCana.
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FerreiraeBray (1984),emestudoreferenteàs transformaçõesocorridasnasáreascanavieiraspaulistas,principalmentepeloPro-Cana,colocam:
OPRO-ESTE,atravésdoPROCANA,conformefoianali-sadoanteriormente,mostrounaaparênciaoobjetivodedeslocarasnovasdestilariasdeálcoolparaooestedoEstadodevido:–ànecessidadedeordenaraexpansãodesordenadadaculturadaca-na-de-açúcaremSãoPaulo;–àconsequenteocupaçãodasterrasutilizadasparaaproduçãodealimentospelaagriculturacanaviei-rae,–visandoà instalaçãodacana-de-açúcaremregiõesondeterámelhoropçãoparaasuaexpansãonoEstadodeSãoPaulo.
Entretanto, na essência, o Plano de Desenvolvimento doOestedoEstadodeSãoPauloveiocontribuircomaexpansãodostradicionaisgruposusineirosdolestepaulista,deixandoo“territóriolivre”eevitandoummaiorconflitonadisputadeter-rasentreessesgrupos,comotambémcomosnovosgruposdasdestilariasautônomasqueseinstalassemnasáreascanavieirasdePiracicaba, Sertãozinho/RibeirãoPreto, Jaú eAraraquara.(ibidem,p.109)
Oquerealmenteacorreufoiumadecisãoanteriordoempresa-riadopaulistaemimplantardestilariasautônomasnooestepaulista,poisodocumentodaSociedadedeProdutoresdeAçúcaredeÁl-cool(Sopral)(1975),associaçãoconstituídaem20demaiode1975,jápropunhaqueessadeveriaseraáreaprioritáriaparaainstalaçãodasnovasunidades,quandosugeriaa instalaçãodedestilariasnaregiãodeSãoJosédoRioPreto(30unidades),Araçatuba(24uni-dades)ePresidentePrudente(36unidades),poisnessaslocalidadesexistiammuitasáreasnãoaproveitadase/oucompastagens,oquepermitiagastosmenorescomterras.
Comoadecisãoempresarialjátinhasidotomadanosentidodeimplantarnovasdestilariasemregiõesdeterrasmaisbaratas,con-formepropostonocitadodocumentodaSopral(ibidem),ficaparanósaimpressãodequeoProCanafoiapenasmaisumprogramado
estUdos aGrários 175
governodoestadodeSãoPauloutilizadocomopropaganda,saben-do-sedeantemãooqueiriaacontecer.
NaTabela8enaFigura6podemosobservaraevoluçãonapro-duçãodeálcoolnasregiõesdoProCanaeTradicionalnoperíododassafrasde2004-2005a2008-2009.EnquantoaRegiãodoProCanaproduziu 21,3%do álcool do estadona safra de 1984-1985, na de2008-2009foiresponsávelpelaproduçãode42,2%dototaldoestado.
Tabela 8–ProduçãodeálcoolemregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emmetroscúbicos.Safrasde2004-2005a2008-2009.
saFraREGIÃO tOtal
procana Tradicional SÃOPAULO
2004/05 3.294.657 5.812.800 9.107.457
2005/06 3.435.178 6.550.098 9.985.276
2006/07 4.311.502 6.598.511 10.910.013
2007/08 5.279.428 8.065.779 13.345.207
2008/09 7.059.022 9.663.457 16.722.479
Fonte:Única(2010).Elaboração:DaviG.G.Ruas
Figura 5–ProduçãodeálcoolemregiõesdoProCana,doestadodeSãoPaulo,emmetroscúbicos.Safrasde2004-2005a2008-2009.
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Considerações finais
AmetadoProálcoolparaoestadodeSãoPaulofoide7bilhõesdelitrosnasafrade1985-1986,quetambémfoiatingidaapesardanãoinstalaçãodetodasasdestilariasenquadradasedaparalisaçãodeoutras.Entretanto,nãoseconseguiuatingirtotalmenteametadoProCana,tendoocorridoumamaiorconcentraçãodaproduçãodeálcoolnasáreastradicionaisdoCentro-Lestepaulista.
Amaioriadasunidadesindustriaisinstaladascomodestilariasautônomasefinanciadasdentrodoprogramadoálcoolsetransfor-mouemusinas,istoé,reequipouasunidadesindustriaiscomequi-pamentosparaaproduçãodeaçúcar,mudandoacaracterísticadedestilariasautônomasparausinas,sendoqueoaçúcarpassouaseraprincipalatividade,deixandooálcoolemsegundoplano.
AscrisesobservadaspelafaltadeálcoolqueocorreramnoBrasildesdeacriaçãodoProálcoolatéosdiasdehojedeveram-seàeleva-çãodopreçodoaçúcarnomercadointernacional,umavezqueosusineirospreferemproduziraçúcarparaexportaraproduzirálcoolparaoabastecimentointerno.
TalfatoseagravoudepoisdaextinçãodoInstitutodoAçúcaredoÁlcool(IAA),quecontrolavaosetorestipulandocotasdepro-dução. Semessa obrigatoriedade, asunidades industriais ficaramlivres para tomar as próprias decisões sobre o que produzir, nãosendomaisobrigadasaseguirumplanejamentoglobalparaosetor.
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IAA–COORDENADORIADEPLANEJAMENTO,PROGRAMA-ÇÃOEORÇAMENTO.DIVISÃODEESTATÍSTICA.Resultado final das safras de 1948/49 a 1983/84: produção de açúcar por tipo.RiodeJaneiro,1983.36p.
__________.Produção de açúcar: por regiões, unidades da federação e usinas segundo os diferentes tipos, safra de 1983/84.RiodeJaneiro,1984.14p.
__________.Produção de álcool: por regiões, unidades da federação e des-tilarias segundo os diferentes tipos, safra de 1983/84.Riode Janeiro,1984.17p.
__________.Canas moídas: por regiões, unidades da federação e fábricas segundo os diferentes tipos, safra de 1984/85.RiodeJaneiro,1985.19p.
__________.Produção de açúcar: por regiões e unidades da federação e usinas segundo os diferentes tipos, safra de 1984/85.RiodeJaneiro,1985.14p.
__________.Produção de álcool: por regiões, unidades da federação e des-tilarias segundo os diferentes tipos, safra de 1984/85.Riode Janeiro,1985.17p.
__________.Produção de açúcar: por regiões e unidades da federação e usinas segundo os diferentes tipos, safra de 1985/86.RiodeJaneiro,1986.9p.
__________.Produção de álcool: por regiões, unidades da federação e des-tilarias segundo os diferentes tipos, safra de 1985/86.Riode Janeiro,1986.10p.
178 Darlene a. De O. Ferreira • enéas r. Ferreira • aDrianO C. Maia
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estUdos aGrários 179
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reGiõeS competitivAS e modernizAção AGrícolA:
dA cAfeiculturA trAdicionAl à cAfeiculturA científicA
GlobAlizAdA
Samuel Frederico1
Estecapítuloanalisa,demaneiraaindapreliminar,aemergên-ciadacafeiculturacientíficaglobalizadaeaconstituiçãoderegiõescompetitivasdocafénoterritóriobrasileiro.Umdeseusprincipaisobjetivosécontribuirparaasubstantivaçãodosconceitosdeagri-cultura científica globalizada (Santos, 2000) e região competitiva(Castillo,2008b;Castillo;Frederico,2010)comocomponentesdeumateoriaprocessual(Santos,1988)maisampla.
DesdeaúltimadécadadoséculoXX,ainserçãoefetivadaforma-çãosocioespacialbrasileiranoatualperíododaglobalização(Santos,2000)–comaadoçãodepolíticasdecunhoneoliberal,adifusãodasnovastecnologiasdainformaçãoeopredomíniodalógicafinanceiranaesferapúblicaeprivada–tempromovidoumamaiorvinculaçãodedeterminadosprodutoseregiõesaomercadomundializado.
As políticas de reforço às exportações, dentro da lógica das“vantagens comparativas”, para atender, sobretudo, ao nexo fi-nanceiro da economia (pagamento dos juros da dívida pública),têmacentuado,entreoutros,aespecializaçãoregionalemprodutosagroexportadores.
1 ProfessorAssistenteDoutordoDepto.deGeografiadoIGCE–UNESP-RioClaro.Contato:[email protected]
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Nocasodocafé,apesardenãosermaisoprincipalprodutodeexportaçãobrasileiro,situaçãoqueprevaleceuatéadécadade1960,equeatualmenterepresentaapenas2%dovalortotaldasexporta-çõesdopaís,diversasregiõesaindacontinuamquaseexclusivamen-tevoltadasparaasuaprodução.Trata-sederegiõescompetitivasdocafé,caracterizadaspelareuniãodefatoresprodutivosdeordemtécnicaenormativaquelhesconfereumainserçãoproeminentenosmercadosinternacionais,masquetambémastornavulneráveisde-vidoàregulaçãopolíticaexterna.
Oartigopropõeumaperiodizaçãodastransformaçõesdeordemtécnicaepolíticadacafeicultura,relacionando-ascomasucessãodosmeiosgeográficosnoterritóriobrasileiropara,emseguida,teceral-gumasconsideraçõessobreasatuaisregiõescompetitivasdocafé.
Da cafeicultura tradicional à cafeicultura científica globalizada
Acafeiculturabrasileiracompletou,nesteiníciodeséculoXXI,seu bicentenário. Mais do que qualquer outro produto, o caféacompanhoudepertoasconsecutivasdivisões territoriaisdo tra-balho,quecriarameforamcondicionadas,demaneiracontraditó-ria,pelasucessãoecoexistênciadosmeiosgeográficosnoterritóriobrasileiro.Aprodução cafeeira foi umadas principais atividadesresponsáveispelamecanizaçãodoterritórioemmeadosdoséculoXIX,assimcomogerouasdivisasnecessáriasparaasuaindustriali-zação(viasubstituiçãodeimportações)emodernizaçãonasegundametadedoséculoXX.
Muitas são as propostas de periodização da cafeicultura bra-sileiraemundial.Amaioriadelasrefere-seaoscicloseconômicosdocafé,enfatizandoasalteraçõesnamãodeobraempregada(es-crava, colonato, trabalhadores temporários), na regulamentaçãodo mercado nacional e internacional (maior ou menor interven-cionismoestatal)enaproduçãoemsidocafé(ciclosdemaioroumenorprodução).Entreasprincipaisperiodizaçõesdestacam-seas
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realizadasporDelfimNetto(1981),referentesaosciclosdospreçosinternacionaisdocafé;porBacha(1988),sobreasmodificaçõesnocomérciointernacionaldaquantidadeproduzidaedaspolíticasdogovernobrasileiroparaacafeicultura;porSaes(1995),comrelaçãoàracionalidadeeconômicadaregulamentaçãobrasileiradomerca-docafeeiro;porCano(1998),sobreasregiõescafeeiraseaformaçãodocomplexocafeeiropaulista;e,emumaperspectivamaisampla,apropostadeDavironePonte(2007)combasenaregulaçãoegover-nançada“cadeiadevalormundial”docafé.
Essaspropostasdeperiodizaçãosãofrutíferasparaacompreen-sãodastransformaçõesdeordemeconômica,políticaenormativadaproduçãocafeeira,masdesconsideram,emgrandeparte,a“ma-terialidadeeodinamismodoterritório”,istoé,atécnica,entendidademaneiraindissociável,“comoformasdefazereregularavida”,etambémcomo“objetosgeográficos”(Santos;Silveira,2001,p.26).Dessaforma,propõe-sepensaraevoluçãodacafeiculturabrasileiraparalelamenteàsmudançasnouso,organizaçãoeregulaçãodoter-ritóriobrasileiro,ouseja,comoaquantidade,aqualidade,adistri-buição,aarticulação,ousoeanormatizaçãodossistemastécnicospresentesnoterritórioautorizamecondicionamasaçõesnessaárea.
Asucessãodosmeiosgeográficos(ibidem)permiteumaperio-dizaçãodaformaçãodoterritóriobrasileirotomadaemumsentidomaisamplo,assimcomodesuassituaçõesgeográficasparticulares,comoamodernizaçãoeaespecializaçãoregionaldacafeicultura.Acadaperíodo,aindissociabilidadedasvariáveisdeordemtécnicaepolíticatransformaoterritóriocomoumtodo,assimcomoacafei-culturadeformaparticular.
Diante dessa proposta teórico-metodológica, também propo-mos subdividir a história da cafeicultura brasileira em três mo-mentos:umprimeirograndeperíodo,quevaido iníciodoséculoXIXatéadécadade1960,denominado“cafeiculturatradicional”,quesecaracterizapelapassagemdomeionaturalparaomeiotéc-nico,comodeslocamentodacafeiculturadoValedoParaíba(flu-minenseepaulista)principalmenteparaooestepaulistaeonorte- -paranaense;umsegundoperíodo,entreasdécadasde1960e1980,
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caracterizadoporuma“cafeiculturamoderna”epelasuaexpansão,sobretudo,nosuldeMinasGeraisenoTriânguloMineiro;e,porfim,aemergência,apartirdaúltimadécadadoséculoXX,deuma“cafeiculturacientíficaglobalizada”easuaconsolidaçãoemalgu-masregiõesprodutoras tradicionais,alémdaexpansãoparaáreasdefronteiraagrícolamoderna,comoooestedaBahia.
Cafeicultura tradicional e tecnificação do território
Aprimeira fase caracteriza-se por um longo período, que vaidesde a implantação da produção cafeeira em solos brasileiros, apartirdoiníciodoséculoXIX,atéasinovaçõestécnico-científicasdadécadade1960.Asprimeirasplantaçõessignificativasdecaféem territóriobrasileiro (Taunay, 1945) localizaram-senoValedoParaíba fluminense, composterior deslocamento para aZona daMatamineira,oEspíritoSantoeSãoPaulo(Cano,2002).
Trata-sedeumacafeiculturaquesedifundiasobreummeiona-tural,istoé,comescassezdeinstrumentostécnicos,cujascondiçõesnaturais(clima,relevo,solos,hidrografia)seimpunhamcomoumlimitanteàsaçõeshumanas.Aprecariedadedossistemastécnicosdisponíveiseafaltadeumamaiorracionalizaçãodosmétodospro-dutivospromoviamrapidamenteoesgotamentodossolos,tornan-doacafeiculturaumaatividadeitinerante.
Naquelemomento,asmelhoriasdastécnicasprodutivasocor-riamporordemdoacaso(OrtegayGasset,1963),portentativaseerrosdosfazendeiros,que“procuravamcriarummododeproduziradequado à realidadebrasileira” (Argollo, 2004,p.25).Ousodemãodeobraescravaeotransportefeitoportropasdemuareslimi-tavam,respectivamente,odesenvolvimentodomercadoconsumi-doreaocupaçãodeterrasinteriores–localizadasamaisde100kmdosportosexportadores(AraújoFilho,1956).
Apartirdasdécadasde1870-1880,ocafétorna-seomotordodesenvolvimento capitalista brasileiro, decorrente da crescentedemanda do mercado internacional e do expressivo crescimento
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da produção interna (Silva, 1986). Naquele momento, a produ-çãocafeeirasedeslocadoValedoParaíbaparaoplanaltoocidentalpaulistaesofreprofundastransformações:apassagemdotrabalhoescravoparaotrabalhoassalariado,comaincorporaçãodecolonoseuropeus;amecanização,aindaqueparcial,dasoperaçõesdebe-neficiamento;acriaçãodeumsistemadefinanciamentoecomer-cialização(casasdeexportaçãoebancos);aconstruçãodeferroviaseportos;acriaçãodenovascidades;eaocupaçãodenovasterras.
ComodenotaSilveira(2007),asegundametadedoséculoXIXmarcaaemergênciadoespaçomecanizado:“[...]sãoaslógicaseostemposhumanosimpondo-seànaturezacomaemergênciadesu-cessivosmeios técnicos, todos incompletamente realizados, todosincompletamentedifundidos”(ibidem).
Adifusãosistêmicadastécnicasdamáquinacircunscritasàpro-dução cafeeira (secadores, classificadores, lavadores, limpadores)exigiumelhoriasnostratosculturais(curvasdenível,espaçamen-to,adubação),alteraçõesnaarquiteturadasfazendas(terreirosdealvenaria,casademáquinas)eaproliferaçãodesistemastécnicosque funcionavam como prolongamentos (próteses) do território,comoaenergiaelétrica,otelégrafo,asferroviaseosportos.Todooterritóriocircunscritopelaproduçãocafeeirasemecaniza,segundoMonbeig (1984,p.88);éo triunfodo“metaledovapor”sobrea“madeiraeaágua”.
Aconstruçãodaredeferroviáriapaulista,associadaaosnovosprocedimentosdebeneficiamentodocafé,permitiuaexpansãodasplantações,que,segundoMonbeig(ibidem),sedifundiamemvá-riasfrentesedeformadifusa,acompanhandoasfaixasdeterraroxapelointeriorpaulistaenorte-paranaense.
Aexpansãoconcomitantedasplantaçõesedasferroviasfezsur-gir novas cidades, fazendo-se confundir, segundoMonbeig (ibi-dem,p.338), “a geografiadas cidades com a das comunicações”.Aslocalizadasempontosestratégicosdamalhaferroviáriapaulista(queadentravaos estadosdeMinasGerais eParaná)passaramadeterocontrolesobreoespaçoregional,dandoorigemaumaem-brionáriaredeurbana.
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Comodemonstradopordiversosautores(Furtado,1976;Cano,1998;Silva,1986),acafeiculturapaulistaforneceuoexcedenteneces-sárioparaamodernizaçãodaeconomiaedoterritório,estimulandoaindustrialização(aindaque“restrita”),aurbanização,odesenvolvi-mentodosistemafinanceiroedeserviços,aimigração(mãodeobraassalariadaequalificada),acriaçãoderedesdetransporteecomunica-ção(momentopreliminardaintegraçãoterritorialbrasileira),eacon-formaçãodeSãoPaulocomoumaemergentemetrópoleindustrial.
Cafeicultura moderna e a integração do território
Apartirdasdécadasde1960-1970,aagriculturabrasileiraso-freu profundas transformações com a difusão de novos sistemastécnicoseapresençasignificativadoEstadocomoprincipalarti-culadorefinanciadordesuamodernização.Taisalteraçõesestavaminseridasdentrodeumcontextomaiordetecnificaçãoecientificiza-çãodoterritório(Santos,1994).Anovasituaçãogeográfica(Silvei-ra,1999)secaracterizavapeladifusãodeumapsicoesfera(Santos,1997)pautadanaideologiadoconsumo,docrescimentoeconômicoedodesenvolvimentismo;edeumatecnoesfera(ibidem)pormeiodaconstruçãodemacrossistemastécnicos(rodovias,portos,usinashidrelétricas, infraestruturas urbanas, sistemas de comunicaçãoetc.)quepossibilitouumamaiorfluidezegradativaintegraçãodoterritóriobrasileiro.
No caso da cafeicultura, até a década de 1950, segundo Silva(1994, p.17), as intervenções estatais erammuitomais “políticaspúblicasparaamanutençãodarenda”dosgrandesprodutoresdoque um planejamento sistemático demodernização da produçãoembasescientíficas.ArelaçãosealteracomacriaçãodoInstitutoBrasileirodoCafé(IBC)em1952,edosAcordosInternacionaisdoCafé(AIC)entre1962e1989,quetinhamcomoobjetivosprinci-pais,respectivamente,regularemodernizaracafeiculturabrasilei-raeregulamentarocomérciointernacionaldecaféatravésdoesta-belecimentodecotasepreçosdeexportaçãoeimportação.
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Ocafé,aindanadécadade1970,eraoprincipalprodutobra-sileiro de exportação, responsável direto pela geração das divisasnecessárias à industrialização (via substituição de importações).Apesardassucessivassuperproduções, recorrentesdesdeo iníciodoséculoXX,oEstado,pormeiodoIBC,patrocinouumapolíticademodernizaçãoeracionalizaçãodacafeiculturabrasileiracomointuitodeaumentaraprodutividadeeasexportações.
Para tanto foram erradicados, entre as décadas de 1960-1970,cerca de 2 bilhões de cafeeiros tradicionais (variedadesBourbon eComum),e substituídospelasvariedades (MundoNovoeCatuaí)dealtorendimentoesensíveisaousodeinsumosquímicosemecâ-nicos.OsnovoscultivaresforamdesenvolvidospeloInstitutoAgro-nômicodeCampinas(IAC),comfinanciamentodegrandesempre-sas nacionais e multinacionais (Fundação Rockfeller, Shell Mex,StandardOil,AndersonClayton,MoinhoSantista,Serrana,Manahetc.),dentrodocontextodaadoçãodoparadigmadaRevoluçãoVer-de(Porto-Gonçalves,2006),daformaçãodoscomplexosagroindus-triais(Müller,1989;Kageyamaetal.,1990),edainternalizaçãodasindústriasdebensdecapitaleinsumosagrícolas(Sorj,1980).
Aracionalizaçãodepartesignificativadaagriculturabrasileira,naqueleperíodo,levouaoaprofundamentodaespecializaçãoregio-nal,promovendoumdeslocamentodaproduçãocafeeiraparano-vasáreas.ElamigraparaosuldeMinasGeraiseocerradomineiro(Triângulo/AltoParanaíba)emsubstituiçãoàvegetaçãooriginal,àsáreasdepastagemeàsculturasdesubsistência,edeixa,emparte,os tradicionaisestadosprodutoresdeParanáeSãoPaulo (Bacha,1988).Noprimeiro,asfortesgeadasde1975,queafetaram100%doscafezais,eaexpansãodasoja,maisrentável,foramasprincipaiscausasdesuasubstituição;nocasopaulista,acafeiculturadeulugaràexpansãodalaranjaedacana-de-açúcar.
SegundoSilva(1994),opadrãodemodernizaçãodacafeiculturabrasileira,denominadodemodelotecnológicoprodutivista(1960-1990),seesgotanofinaldadécadade1980.Oideáriododesenvol-vimentismo,dominanteatéentão,cedelugaraosideáriosdacom-petitividadeedasustentabilidadeambiental(Gorz,2004;Castillo,
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2008b).Acafeiculturamoderna,fortementereguladapeloEstado,paulatinamenteésubstituídaporumacafeiculturacientíficagloba-lizada,pautadaemumamaioreficiênciaprodutiva,comreduçãodecustos,diferenciaçãoprodutiva,usodomarketingeinserçãocom-petitivaeaindamaissubordinadaaosmercadosinternacionais.
Cafeicultura científica globalizada e especialização regional produtiva
Comaglobalização,acafeiculturabrasileirapassoua terumareferênciaplanetária,incorporandoaodiscursoeàpráticaosideá-riosdecompetitividadeedesustentabilidade(Castillo,2008b).Acompetitividaderefere-seàeficiênciaprodutivaeàinserçãoproe-minentedaproduçãonosmercadosinternacionais.Jáasustentabi-lidadederiva,nocasodacafeicultura,dasexigênciasdepartedosconsumidoresdospaísescentraiscomrelaçãoàadoçãodeformasdeprodução“socialmentejustas”e“ambientalmenteadequadas”(Souza,2006).
Osideáriosdominantesdoatualperíodoinduziramamudançasnoparadigmaprodutivo.Aumacafeiculturamoderna,herdeiradoparadigmadaRevoluçãoVerdeefortementereguladapeloEstado,sucedeu-se uma cafeicultura científica globalizada, caracterizadaporgrandestransformaçõesdeordempolíticaetécnica.
Asalteraçõespolítico-normativasresultaramnadiminuiçãodaintervençãoestatal,comaextinçãodoInstitutoBrasileirodoCafée dosAcordos Internacionais doCafé, promovendo a desregula-mentaçãodaprodução edomercado cafeeiro.Apartir de então,asgrandesempresastorrefadoras,sediadasnospaísesconsumido-res,estruturaram-seemverdadeirosoligopóliosnavendadocaféprocessado,emoligopsônios,nacompradogrãoverde (Daviron;Ponte,2007).Alémdaregulaçãodasempresas,osprodutorestam-bémse tornaramrefénsdasespeculaçõesfinanceiras,decorrentesda transformaçãodascommoditiesagrícolasemderivativos,oquetempromovidofortesoscilaçõesnospreços(Herrerosetal.,2010).
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Àsalteraçõesdeordempolíticasomam-setambémasinovaçõestécnicas, como intuitodeaumentar aprodutividadee adequaraproduçãoàsexigênciasdosmercadosinternacionais.Entreasino-vaçõesdestacam-se:aproduçãodecafésdiferenciados(expressos,gourmets,orgânico),comrastreamentoeorigemcontrolada;ode-senvolvimentodenovastécnicasdemanejoedevariedadesresis-tentesapragasedoenças,quediminuemousodeagrotóxicos,comoobjetivodediminuiroscustosdeproduçãoeatenderàsexigênciasdos consumidores dos países importadores; o uso de imagens desatéliteeadisseminaçãodeestaçõesclimáticasparaozoneamentoagroclimático,omonitoramentodoclima,eparaaprevisãodesa-fras;odesenvolvimentodabiotecnologiacomoProjetoGenoma,acriaçãodecafeeiroshíbridos,aconstruçãodomapacitogenéticodocaféeousodemarcadoresmolecularesparaidentificarograudeparentescodasplantas;acafeiculturairrigada,comsoftwareseequipamentosqueotimizamousodaáguaegerenciamaaplica-çãodefertilizantesededefensivos;asnovastecnologiaseequipa-mentosparacolheitaepós-colheita;adiversificaçãodosprodutosderivadosdocafé(cosméticos,sorvetes,bebidasdiversasetc.)eaimportânciadomarketingedalogística.
Aemergênciadacafeiculturacientíficaglobalizadaseexpressageograficamentepeloaprofundamentodaespecializaçãoprodutivaregional.Asregiõescafeeiras,quenaturalmentesediferenciampe-lassuascaracterísticasclimáticasemorfológicas–queinterferemdiretamentenaqualidadedabebida–,passaramasedistinguirain-damaiscomodesenvolvimentodesistemastécnicosenormativosadaptadosàssuasparticularidadesprodutivasefisiográficas.
Acafeiculturacientíficaglobalizadaexigeareuniãode fatoresprodutivosqueconferemcompetitividadenãosóàsempresaseaosprodutores,mastambémaoslugares,regiõeseterritórios(Castillo;Frederico,2010).Agrandedensidadetécnicaeinformacional(San-tos,1996),istoé,apresençadesistemastécnicosperformantes(Si-mondon,1958)eacapacidadedearticulaçãoemrede(Dias,1995;2005),sãoatributosessenciaisparaqueasregiõescafeeirassetor-nemcompetitivas.
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Aanáliseda cafeiculturapermite verificar comoos comparti-mentos regionais não só nãomorreram com a globalização,mastambémcomosemultiplicaramcomasobreposiçãoeacoexistênciadediversostiposderegião.Próximodasregiõescompetitivas,atre-ladasàcafeiculturacientíficaglobalizada,convivemoutrostiposderegião,comoas“histórico-culturais”easadministrativas.
Emdeterminadasáreasháumaregiãomorfoclimática,propíciaàcafeicultura, seconstruiuumaregiãohistórica,de fortevínculodeidentidade(Haesbaert,1996)comocultivocentenáriodocafé.Mais recentemente,muitas dessas regiões, pormeio de decisõespolíticas, foramdelimitadasepassarama recebercertificaçõesdeorigem(CafédoCerrado,CafédoSuldeMinas,CafédasMatasdeMinasetc.),configurando-secomoregiõesadministrativas.Aosrecortesmencionados,convivemesearticulamasregiõescompeti-tivasdocafé,quesebeneficiamdascaracterísticasfísicas,culturaise institucionais herdadas para se inserir demaneira proeminentenosmercadosinternacionais.
A constituição de regiões competitivas do café
Asnoçõesderegiãoeseuato,aregionalização,sãonitidamen-tepolissêmicas(Haesbaert,2010).Degêneseincerta,queremeteàAntiguidadeclássica,otermoregiãoestáligadofundamentalmenteàideiadequeasuperfícieterrestreéconstituídaporáreasdiferentesentresi(Corrêa,1987).Asdiversasformasdecompartimentagemdaregião,sejamelasdecunhonatural,histórico-cultural,adminis-trativooueconômico,sãoconstantementerecriadas,coexistem,sesobrepõemesearticulamacadamomentodadivisãoterritorialdotrabalho.Ribeiro(2004)eCôrrea(ibidem)concordamqueexistemdiferentesmaneirasdeseregionalizar,equetodaselassãomeiosparaconhecerarealidade,deacordocomosobjetivoseaçõespre-tendidas.Diantedetalperspectiva,afirmamos,apoiadoemSantos(1985),quearegiãonãodesapareceu;oquetemosdefazeréguar-daraideiaeredefini-laàluzdopresente.
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Anoçãoderegiãocompetitivavincula-seaoprocessoconjuntode“globalizaçãoe fragmentação, istoé,de individualizaçãoe re-gionalização”(Santos,1999,p.16),queocorredeformaparalelaecontraditória.Nopresente,aexacerbaçãodaespecializaçãoregio-nalprodutivacaracterizaumtipoderegiãofuncionalaosmercadosinternacionais (Santos, 1985), que reúne uma grande densidadetécnica enormativaque lhe confere grausdiferenciadosde com-petitividadeparadeterminadosprodutos e agentes.ParaCastillo(2008a),trata-sedaexpressãogeográficadaproduçãonoatualpe-ríododaglobalização.
Para melhor compreender a ideia de região competitiva, de-monstrandosuapertinência,coerênciaeoperacionalidade(Silvei-ra,2000)comoinstrumentodeanálisedeimportanteseventosdoatualperíodo, afirmamosque: (a) as regiões competitivas coexis-tem,searticulamesesobrepõemaoutrostiposderegião(Castillo;Frederico,2010);(b)oconceitopossuiumafiliaçãonateoriasocialcríticaederivadacompreensãodeespaçogeográficocomoumains-tânciasocial(Santos,1996);(c)otermonãotemcomoobjetivodarsustentaçãoaosideáriosdecompetitividadeededesenvolvimentolocalpropaladosnaacademiaecolocadosempráticaporgestorespúblicos e empresas (Brandão,2007); (d) as regiões competitivassãoverdadeiros“espaços luminosos” (Santos;Silveira,2001)queseopõemaorestantedaformaçãosocioespacial(Santos,1977);(e)seus limites sãoconstantementemutáveis,decorrentesda relaçãocontraditória entreo“tamanhodoacontecer”eas“rugosidades”(Silveira,2003);(f)oobjetivoéapreenderaregiãocomofato,nãocomoferramenta,nostermosutilizadosporRibeiro(2004).
Asregiõescompetitivasdocaféapresentamdiferentesgrausdecompetitividade.Aocontráriodamaioriadascommoditiesagrícolas– cujaproduçãoépadronizadaemuitosimilarentreasregiões–,aca-feiculturapossuicaracterísticasdistintasdeacordocomaregiãopro-dutora.Entreasprincipaisdiferençasdestacam-se:avariedadecul-tivada(ConilonouArábica);aqualidadedabebida;opoderdistintodosagentesenvolvidos(cooperativas,associações,tradings,corre-toresetc.);amaioroumenorconcentraçãodaestruturafundiária;
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a intensidadedamecanização;astécnicasdemanejo(cultivo,co-lheitaepós-colheita); aquantidadedemãodeobrautilizada;eaimportânciadacafeiculturanaeconomiaurbanaeregional.
OBrasiléoprincipalprodutormundialdecafé,comcercade30%daproduçãomundialna safrade2009-2010 (Conab,2011);étambémomaiorexportador,compoucomaisde30milhõesdesacasembarcadasem2009.Omercadointernoéosegundomaiordomundo,tendoalcançadoamarcade19,1milhõesdesacascon-sumidasem2010(Abic,2011).
OpaíséprodutordasvariedadesdecaféArábica(Coffea arabica L.)eRobusta/Conillon(Coffea canephora L.).Aprimeiravarieda-decaracteriza-sepelaproduçãodecafésmaisfinos,demaiorsabor,comprodutividademenorecustosmaiores,quandocomparadaàvariedadeRobusta.Esta, por sua vez, é utilizadaprincipalmentecomomatéria-primaparaocafésolúvelenacomposiçãode blends.
Nasafrade2009-2010,oestadodeMinasGeraisrespondeupormetadedaprodução(50,3%),seguidopeloEspíritoSanto(23,1%),SãoPaulo(10,3%)edemaisestadosprodutores,tradicionaisoudeáreasdefronteiraagrícola,comoBahia,RondôniaeMatoGrosso.Entreasprincipaisregiões,osuldeMinasGeraisdestaca-secomoamaiorprodutora, com20%daproduçãonacional, seguidapelonortedoEspíritoSanto(14%),ZonadaMata-MG(11%),Triângu-loMineiro(8%),eoutrasregiõesdosestadosdoEspíritoSanto,SãoPaulo,BahiaeRondônia(PAM/IBGE,2011).
Em uma tentativa de classificação, propomos uma tipologiadasregiõescafeeiras:aprimeiracaracteriza-sepelopredomíniodocultivodavariedadeArábica (cultivaresMundoNovoeCatuaí),dapequenapropriedade eda colheitamanual, com forte atuaçãodascooperativasdeprodutores,responsávelpelaproduçãodeca-fésfinos em regiõesde relevoondulado e altitudes acimade 700m.Entre as regiõesque assumemessas característicasdestacam--seosuldeMinasGerais,aZonadaMata(MG)eadeMogiana(SP);asegundatipologiacaracteriza-setambémpelaproduçãodecaféArábica,masempropriedadesmaiores,comousointensivodeinsumosquímicosemecanização(colheita,tratosculturaiseirriga-
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ção),comforteorganizaçãodosprodutoresemassociações,relevoplanoealtitudesmenores,eentreasprincipaisregiõesdestacam-seoTriânguloMineiroeooestedaBahia;oúltimotipodiferencia-sedosanteriorespelopredomíniodaproduçãodavariedadeRobusta,empequenaspropriedadesecomcolheitamanual,responsávelpelaproduçãodecafésdequalidadeinferior,mascommaiorprodutivi-dade,eentreasregiõesprodutorasdestacam-seonortedoEspíritoSanto,osuldaBahiaeolestedeRondônia.
Apesardassingularidadesregionais,aproduçãocafeeiraapre-sentaalgunsaspectoscomuns,destacadamente:ainserçãopredo-minantenosmercadosinternacionaiscomocommodity;aconside-rávelparceladaproduçãodestinadaàexportação;abuscaporumalogísticaeficientedeprodução;apresençadeatividadesagrícolasintensivas em capital e tecnologia; a subordinação dos pequenosprodutores às grandes empresas torrefadoras, exportadoras e deinsumosagrícolas;aconstituiçãodecidades funcionaisaocampomoderno(Santos,1993);eofatodepromoverumelevadograudeespecializaçãoprodutiva emalgumasporçõesdo territórionacio-nal,expressandoumadivisãoterritorialdotrabalhoqueseafirmacomorespostaaoimperativodacompetitividade.
Considerações finais
Emsuma,oaprofundamentodaespecializaçãoprodutiva,me-dianteaconstituiçãoderegiõescompetitivasagrícolas,éumadasprincipaisexpressõesdaformaçãosocioespacialbrasileiranoatualperíododaglobalização.Essas regiões, aomesmo tempoque sãocompetitivas, também se tornam extremamente vulneráveis emvirtudedafaltadepodersobrearegulaçãodaprópriaprodução.Acompetitividadeeavulnerabilidadesocial,econômicaeterritorialsãoasduasfacesdeummesmofenômeno.
Osmunicípiosenvolvidosnaproduçãotornam-sefuncionaisàcafeiculturamoderna,aumentandosuavulnerabilidadecomrela-ção a determinaçõespolíticas distantes (dependênciados agentes
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externoseoseupapelnofornecimentodeinsumosquímicosebio-tecnológicos,nacomercialização,nocrédito,notransporte,noar-mazenamentoenaregulaçãodospreços).Assimcomoacompetiti-vidade,avulnerabilidadetambémseexpressaterritorialmentepormeiodasformas-conteúdo,quesecaracterizamcomorugosidades(Santos,1996),dificultandoeencarecendoreconversõesprodutivasnocampoenacidade.Esse tipoespecíficodevulnerabilidadefoidenominandoporCastillo(2008a)de“vulnerabilidadeterritorial”.
Em uma tentativa de se contrapor à lógica das commodities e atenuar a vulnerabilidade econômica, social e territorial, gruposde produtores vêm tentando diferenciar-se qualitativamente emfunção de especificidades locais. A produção orgânica, a práticado“comérciojusto”eoscertificadosdeindicaçãodeprocedênciaedenominaçãodeorigemagregamvaloràproduçãoearticulampe-quenosprodutoresdiretamenteaosconsumidoresfinais,eliminadoasgrandesempresasintermediárias.Asnovasformasdeproduzirecomercializarassumem,contraditoriamente,característicasdeumaespéciedeanticommodity.
Em vez de regiões competitivas, os exemplos anteriores de-monstramqueoterritóriobrasileirocarecede“regiõescooperati-vas”,quevalorizemadiversidadeeconômica,culturalegeográficadopaísequeprimempelacomplementaridadeprodutivaregional(Araújo,2000)epelomaiordinamismodomercadointerno(Fur-tado,1992).Nocasodacafeiculturabrasileira,devem-seaproveitarasuaqualidadeegrandediversidaderegional,epromoverpolíti-casqueaproximemospequenosprodutoresdoconsumidorfinal,beneficiando-sedofatodeomercadoconsumidorbrasileirodecaféserosegundomaiordomundoeestaremfrancaexpansão.
ComoasseveramDavironePonte(2007),oscafeicultoresnãodevemserestringirapenasavenderosatributosmateriaisdocafé(sabor,aroma,aparênciadosgrãos);elesdevemagregarvaloràpro-dução, comercializando também as peculiaridades simbólicas (omododevidadosprodutoresetrabalhadores,aidentidadeehistó-riaregional,apreservaçãoambientaleasrelaçõessocioeconômicasmais justas) edeprestaçãode serviços (as atividades turísticas, a
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ambiência), comoo fazemas grandes empresas torrefadoras e osbares-café.
Adiminuiçãodosintermediáriosentreosprodutoreseoconsu-midorfinal,aagregaçãodevalor(sobretudocomrelaçãoaosatri-butossimbólicosedeprestaçãodeserviços)eofortalecimentodomercadointernosãofatoresimprescindíveisparaasobrevivênciaeinserçãoprodutivadospequenosemédiosprodutoresagropecuá-rioseumamenorvulnerabilidaderegionalàssucessivascrisesdaeconomiamundial.
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pAiSAGem e turiSmo nA reGião dAS cueStAS pAuliStAS
João Carlos Geraldo1
Oturismovemsendoapontadocomoumaalternativaparaospequenosproprietáriosrurais,inserindooruralnosetordeservi-ços,visandoàobtençãoderendaextraparaalémdaexploraçãopri-máriada terra.Aosedefiniremalgunsparâmetrosbásicosparaapesquisa,aindaemandamento,procurou-secomodiferencialana-lisarpropriedadesdeportediferentedodepequenaspropriedadesfamiliares,padrãomaisusualnessetipodeestudosdecaso.
Emboapartedaspropriedadesselecionasparaobjetosdeaná-liseoprocessodeexploraçãoturística jáseencontraconsolidado,tendosidoinstaladonoiníciodadécadade1990e,emalgumasde-las,mesmoemperíodoanterior. Seusproprietáriosoptarampelaimplantaçãodoturismocomofonteadicionalderenda,soluçãoquecontribuicomofatordepreservaçãodeseupatrimôniofamiliar.
Sãodezobjetosao todo,espalhadospelosmunicípiosdeAra-raquara,Brotas,Dourado,SantaLúcia,SãoCarloseTorrinha.Adefiniçãodeumacategoriaqueenglobasseessaspropriedadesemumasóunidadedeanáliseapresentou-secomoadificuldademe-
1 Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP.DocentedoDepartamentodeCiênciasBiológicasedaSaúde–CBS–doCen-troUniversitáriodeAraraquara–UNIARA.MembrodoNúcleodeEstudosAgrários/IGCE/UNESP-RioClaro.Contato:[email protected]
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todológica inicial, jáque elasnão sãopróximas enemsepoderiaconsiderar as unidades administrativas estaduais fator de agre-gação,umavezqueestãoespalhadaspor seismunicípiosperten-centesaduasRegiõesAdministrativasetrêsRegiõesdeGovernodiferentes (Figura 1). Para resolver tal problema optou-se, comofatoragregadoredeidentificação,pelapresençadacuesta,mesmoqueosmunicípiosdeAraraquaraeSantaLúciaestejamsituadosjánoseureverso.Apesardessefato,hápenetraçãodefímbriasdessaunidadegeomorfológicapeloespaçodosdoismunicípios,gerandoocupaçãoepaisagenssimilaresàsdosdemais.Apresençadelinhasdecuestas,dissimétricasecomdiferentesgrausdedegradação,for-neceumadasmaismarcantescaracterísticaspaisagísticasdaregião,jáquepeladiversidadedealtitudesepelamovimentaçãonorelevopossibilitamosurgimentodevalesecachoeiras,alémdosmorrostestemunhos,muitosdegrandebelezacênica.Essefatoveioafavo-receraexploraçãoturística,principalmentenosegmentodosespor-tesradicaisedeaventura.
Estecapítulonão temcomofocoarealizaçãodeumaanálisedetalhadadaspaisagensencontradasna região,masaexposiçãoda relaçãoentreelaseaexploração turística,quersejamdeori-gemnatural, quer sejam resultantesdosprocessoshistóricosdeocupação,jáqueorecursopaisagísticocaracteriza-secomoabaseda implantaçãodo turismoruralnaárea.Emparalelo sãoapre-sentados alguns resultados preliminares da pesquisa ainda emandamento.
Caracterização geral da área
De acordo com o mapa das unidades geomorfológicas doInstitutoBrasileiro deGeografia eEstatística (IBGE, 2008), osmunicípiospertencemàunidadedenominadaPatamarOrientaldaBaciadoParaná, limítrofea lestecomaDepressãoPeriféricaPaulista,eaoeste,comabordadoPlanaltoCentraldaBaciadoParaná.AraraquaraeSantaLúciaestãolocalizadosnessaúltimaunidade(Figura2).
estUdos aGrários 201
Dopontodevistaclimático,deacordocomoMonteiro(1972),aregiãodelimitadaapresenta-sesobinfluênciademassasequatoriaisetropicais.Emescalaregionaloclimaédotipotropical,alterna-damentesecoeúmido,comgrandeparticipaçãodamassaTropicalAtlântica(TA).Acaracterísticafundamentaldessesetorclimáticoéaexistênciadeumperíodosecomuitonítido,emqueafrequên-ciadachuvadiminuiconsideravelmentenosentidodosparalelos,constituindoaáreade invernomaissecodoestadodeSãoPaulo.Emdecorrênciadessacaracterística–baixadisponibilidadehídri-cana estação seca–, os segmentosdo turismo ligados aos cursosd’águanaregiãoapresentamumarelativasazonalidade.Emoutroextremo,oexcessodechuvasnoverãotambémpodeviracompro-meterasatividadesturísticas,asquais,nagrandemaioria,sãorea-lizadasemáreasabertas.
Figura 1–Regiõesadministrativasealocalizaçãodosmunicípios.Fonte:JoãoCarlosGeraldo(2011).
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Figura 2–Unidadesderelevoealocalizaçãodosmunicípios.Fonte:JoãoCarlosGeraldo(2011).
Aimplantaçãodaatividadeturísticaemmeioruralnaregiãonãoéuniformenemteveumcronogramaunificado.Umadasproprie-dadespioneirasaadotaroturismoruralfoiaFazendaBelaVista,emDourado,noiníciodosanos1980,comoalternativaàobtençãodeganhosqueaatividadeleiteirajánãolheproporcionava(LattereAssessoria,2008).
NocasodeBrotas,cidadedereferêncianacionalnosegmentodoturismodeaventura,asatividadestiveraminícionaprimeirame-tadedadécadade1990,decorrentes tantodealgumas iniciativasdemoradoreslocaisemrelaçãoàconservaçãoambiental,quantodanecessidadedeencontraralternativasparaasituaçãoeconômicalo-cal,deestagnação.Osetoragrícolabaseadonapecuária,cultivodeeucaliptoecanaviaisnãoconseguiaoferecerempregosefixarapo-pulaçãonocampo.Mesmoapopulaçãourbanaperdiaseusjovensparaoutraslocalidades,emigradosembuscademelhorescondiçõesdeescolaridadee/oudetrabalho(OliveiraJunior,2003).
Ascaracterísticasambientaisdosmunicípios,assentadossobreáreade recargade aquífero, com relevomovimentadode cuestas
estUdos aGrários 203
epresençadecerrado lato sensu,disponibilizavamumavariedaderazoáveldeatrativosepaisagensparaoentãonascentefilãodotu-rismo“ecológico”.Nãocustalembrarque,nessaépoca,asquestõesambientaisalcançaramagrandemídia,principalmenteemdecor-rênciadaEco-92, a conferênciadasNaçõesUnidasparadiscutirquestõesreferentesaomeioambienteocorridanoRiodeJaneiro.
Notocanteaoaspectodaevoluçãohistórica,osmunicípiosnosquaisselocalizamaspropriedadesanalisadassedesenvolveramnodecorrerdaexpansãodafranjapioneiradocafé,nasegundametadedoséculoXIX,apesardejáhaveralgumaocupaçãoincipientean-terior.Antesdaexpansãodalavouracafeeirahavia,naregião,ati-vidadespastorisealgumaproduçãocanavieira,maso“ouroverde”as substituiu inexoravelmente,principalmenteapósa chegadadaferrovia(Monbeig,1984;Benincasa,2003).
SegundooestudoclássicodeMonbeig(ibidem),ascaracterísti-casdacuesta,alémdenãoteremsidoumobstáculosérioàocupa-ção,vieramatémesmoafavorecê-la,jáqueospatamaresdorelevocontribuíramparaafixaçãodaspovoaçõesemsuamarcharumoàincorporaçãodenovasterrasàslavourascafeeiras.
Comacrisedocafénadécadade1930,houvedirecionamentosparaoutrasculturas,mas,deacordocomBenincasa(2003),somen-teapartirdadécadade1970,comacriaçãodoProgramaProálcoolealgumasoutraspolíticasdeindustrialização,équepartedoprestí-giodoperíodocafeeirocomeçouaserrecuperadanaregião.
Apesardealgunsmunicípios, comoAraraquara eSãoCarlos,teremdesenvolvidoatividades industriaisedeserviços,osoutrospequenosmunicípiospermanecerameconomicamentedependen-tesdaproduçãoagrícola.Quantoàrendacomoturismo,Brotasé,provavelmente,omunicípioquemais lucracomaatividade,masaindaassimtemsuabaseprodutivanaproduçãoagropecuária.
Oquadroderelativaestagnaçãoeconômica,associadoàscaracte-rísticasfisiográficas,podetercontribuídoparaaconservaçãodepartedaspaisagensnaturaisnaregião,asquaisvieramaser,posteriormen-te, umdos principais recursos domodelo de turismo implantado.Asencostaspedregosascomcachoeiras,nãosendoasmelhoresáre-
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asparaplantio,evelhasfazendasdescapitalizadasquenãotiveramcondiçõesdemodernizar-se,substituindototalmenteopatrimônioarquitetônicopornovasinstalações,resultaramemumcenáriocomcaracterísticasexcelentesaseremexploradasturisticamente.
As paisagensmoldadas pela citricultura já o estão há tempos,principalmenteemAraraquaraenoseuentorno,umavezquealiseencontrainstaladaumadasmaioresprodutorasdesucoconcentradodomundo,aCutrale.NocasodeBrotas,ocultivocomercialdalaran-jafoiintroduzidonodecorrerdaprimeirametadedadécadade1980,ocupando,noinício,asáreasdesolosarenososmaispobres,anterior-mente recobertospor cerradoe/oudedicadosàpecuária extensiva(OliveiraJunior,2003).2DeacordocomosdadosdoProjetoLUPA2007/2008(Cati,2011),omunicípiocontacomaquintamaioráreadelaranjaisdoestado,sendoqueAraraquaraeSãoCarlosocupama35a e a 37aposições,respectivamente.Osdemaismunicípiosdoes-tudonãoconstamentreosmaioresexpoentesnaproduçãodecitros.
Aslavourasdecana-de-açúcar,quejáfazempartedapaisagemdaregiãodesdeoséculoXVIII,retomamcomforçanosanos1970,conforme já foiditoaqui, e, atualmente,dominamavista, sendomarcante a presença da agroindústria sucroalcooleira em quasetodaaáreaestudada.Emtermosestatísticos,Araraquaraocupaa8ªposiçãoeSãoCarlosa26ªentreosmunicípioscomasmaioresáreasocupadaspelacananoestadodeSãoPaulo(Cati,2011).
Entreosmunicípios,ocupandoa45aposição,apenasSãoCarlosaparecenalistagemdosmaioresbovinocultoresdeleitedoestado.Asáreasrecobertasporcerradoe“campossujos”daregião,ante-riormenteutilizadasparaapecuária,vêmdiminuindodemaneiraprogressiva, senãoquasedesaparecendo, havendo a transferênciadaatividadeparaosestadosdoNorteedoCentro-Oestedopaís.Nãoéfatoincomumprodutoresruraislocaisadquiriremterrasnes-sasregiõesearrendaremsuaspropriedadespaulistasparaoplantiodecana-de-açúcar.3
2 Observaçõesempíricasdoautor,baseadasemanotaçõesemcadernetadecam-poehistóricodevidacomomoradordaregião.
3 Observaçõesempíricasdoautor,baseadasemanotaçõesemcadernetadecam-poeemhistóricodevidacomomoradordaregião.
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Outrapaisagemmarcante,nosentidodaextensãoqueocupa,éasilviculturadeeucaliptoepinus,principalmenteparafornecimentodematéria-primaparaaindústriadepapeleceluloseque,desdeadécadade1970,temexpandidosuaárea.Impulsionadospelane-cessidade demadeira para abastecimento do setor de construçãocivil, novosplantios de eucalipto vêmocasionandoumaondadetransformação nas paisagens rurais locais. Mesmo propriedadesqueexploramoturismotêmparcelasdesuasterrasocupadascomplantaçõesdeeucaliptooumesmodecana.4NocasodeTorrinhaháapresençadaindústriadeextraçãodeóleoessencial,pelaqualomunicípiotemsidoconhecidocomoopioneironoBrasilnaexplo-raçãocomercialdasfolhasdeeucaliptoparaobtençãodoproduto(Folha de Torrinha,2007).
Odifícilmomentoeconômicodasdécadasde1980e1990le-vou àbuscadeprodutos alternativosporpartedeproprietáriosrurais e a exploração turística tempossibilitado incrementonosrendimentos,apesardenemtodosoconseguirem,jáqueaativida-dedependedealgunspré-requisitosparasuaimplantação,comorecursosnaturais,paisagísticosedecapitalparainvestimentoeminstalaçõeseequipamentos.Háatualmente,entreaspropriedadesestudadas,umaofertadeatrativosdiferenciados,comoesportesradicaisedeaventura,caminhadasecavalgadasportrilhas,visitasàsfazendashistóricas,turismopedagógico,entreoutros.Nocasobrotense,ocarro-chefedaatividadetemsidoaexploraçãodetri-lhasparacachoeiraseesportesligadosàscorredeirasdorioJacaréPepira.Opróprionomedomunicípioestáligadoàscaracterísti-cashidrográficasneledisponíveis(OliveiraJunior,2003).
4 Ibidem.
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Figura 3–Linhadecuesta(fundo)comlaranjaisemprimeiroplano,emBrotas(2010).Foto:JoãoCarlosGeraldo
Figura 4–Talhõesdeeucalipto.Emprimeiroplano,asinalizaçãoturísticarodoviáriadaSP-225,emBrotas.Foto:JoãoCarlosGeraldo
Há,noentanto,umapressãomuitograndesobreaspaisagensexistentes,jáqueasmonoculturasdecana,laranjaeasilviculturatêmexpandidosuasáreasdeplantio.Existeoconflitodeinteresses
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entre o tradeturísticoeaagroindústria,cujosprodutoresestãomaisinteressadosnaexploraçãointensadoterritóriodoquenaconserva-çãodeáreasrecobertaspormatasepaisagensdevalorcênico.Outraquestãopertinenterelaciona-seàspossíveismudançasnoCódigoFlorestalBrasileiro,pois,deacordocomaproposta,podehaverre-duçãonasáreasdeProteçãoPermanente,favorecendoadescaracte-rizaçãodaspaisagenslocais.
Figura 5–RioJacaréPepira,emBrotas.Vistaaéreadotrechoondesepraticarafting,comcanaviaisàesquerdaelaranjaisàdireitadafoto.Foto:JúdeFrancisco(2005)
Caracterização das propriedades
Comodiferencialparaarealizaçãodesteestudodecasointen-tou-seaanálisedepropriedadesqueincorporaramaatividadetu-rísticaaoseucotidianoprodutivo,masqueapresentamtamanhomédioougrande,diferentedopadrãousualdochamadoturismorural,instaladoempequenaspropriedadesfamiliares.Ascaracte-rísticaselencadasparaessaseleçãoforamofatodepertenceremafamílias,nãoagruposeconômicosouempresas;estarem,emsua
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maioria,emmãosdomesmogrupofamiliarháalgumasgerações;não se caracterizarem como pequenas propriedades familiaresprodutorasdealimentos;eporestaremlocalizadasemumaáreacomcaracterísticasfísicas,históricasesocioeconômicassimilares.Tambéminfluiuemsuaescolhaumpreconhecimento,porpartedopesquisador,tantodaregião,demaneirageral,quantoporjáhavervisitadoaquasemaioriadelas,emépocaanterioràelabora-çãodoprojeto.
Quadro 1–Objetosdeestudoesuascaracterísticasturísticasbásicas
Propriedade Localidade Produtos oferecidos
HotelFazendaSaltoGrande
AraraquaraHospedagem,cavalgadas,trilhas,eventoseconvenções.
Fazenda-hotelAreiaqueCanta
Brotas
Turismodeaventura,ecoturismo,eventoseconvenções,hospedagem.
PrimaveradaSerraTurismodeaventura,ecoturismo,trilhasparajipeehospedagem.
RecantodasCachoeiras
Turismodeaventura,ecoturismoecavalgadas.
FazendaBelaVista
Dourado
Turismohistórico-pedagógico,ecoturismoedeaventuras,cavalgadas,hospedagem.
SantaClaraEcoResortHospedagem,eventoseconvenções,ecoturismoedeaventuras,cavalgadas.
FazendaPinhal
SãoCarlos
Turismohistórico-pedagógico(turismocultural),cavalgadas,trilhas.
Fazenda santa Maria doMonjolinho
Turismohistórico-pedagógico(turismocultural),ecoturismoedeaventuras.
FazendaAtalaia SantaLúciaTurismohistórico-pedagógico(turismocultural).
Fazenda-hotelValeverde
TorrinhaHospedagem,eventoseconvenções,turismodeaventura,trilhasecavalgadas.
Fonte:Sitesdaspropriedades.Organização:JoãoCarlosGeraldo(2011).
estUdos aGrários 209
Conforme dito anteriormente, essas propriedades não se en-quadramnomodelo tradicionalde turismorural,principalmentenomodeloeuropeuoudaspropriedadesdaregiãoserranadoRioGrandedoSuleserrascapixabas,praticadoemsuamaioriaporpe-quenasunidadesdeproduçãofamiliarcomoformadeincrementoderendimentos.Apesardisso,amaioriadelastemestadonasmãosdasmesmasfamíliasporváriasgerações,apesardehaverexceções.
Nemtodasessaspropriedadescontamcomamesmaáreaorigi-nal,comoaFazendaPinhal,quesurgiucomoumagrandesesmarianostemposdoImpério.ÉocasodoRecantodasCachoeiras,emBro-tas,comapenas24ha.Seutamanhoéresultadodoparcelamentoporquestõeshereditárias,tendosidodesmembradadaFazendaRoseira,grandepropriedadedoperíodocafeeiro,masquepermanece,aindaquefracionada,nasmãosdamesmafamília.Outracaracterísticaaserdestacadanestecasoespecíficoéofatodeapropriedadesesustentarexclusivamentecomosrendimentosdaatividadeturística.
OsQuadros2e3sãoumaprimeiratentativadeclassificaçãodaspropriedadesemestudo,reunindo-asemduascategorias,emumaaproximaçãoinicial,deacordocomseuramodeatividadeprincipaledemaisprodutosturísticosoferecidos.
Quadro 2–Propriedadesqueexploramrecursospaisagísticoseam-bientais
Propriedade Atrativos/Atividades Localização
HotelFazendaSaltoGrandeHospedagem,cavalgadas,trilhas,eventoseconvenções.
Araraquara
Fazenda-hotelAreiaquecanta
Turismodeaventura,ecoturismo,eventoseconvenções,hospedagem.
BrotasPrimaveradaSerraTurismodeaventura,ecoturismo,trilhasparajipeehospedagem.
RecantodasCachoeirasTurismodeaventura,ecoturismoedeaventuras,cavalgadas.
(continua)
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SantaClaraEco-ResortHospedagem,eventoseconvenções,ecoturismoedeaventuras,cavalgadas.
Dourado
Fazenda-hotelValeVerdeHospedagem,eventoseconvenções,turismodeaventura,trilhasecavalgadas.
Torrinha
Fonte:Sitesdaspropriedades.Organização:JoãoCarlosGeraldo(2011).
Quadro 3–Propriedadesqueexploramrecursospaisagísticos,ambientaisehistórico-arquitetônicos
Propriedade Atrativos/Atividades Localização
FazendaBelaVista
Turismohistórico- -pedagógico,ecoturismoedeaventuras,cavalgadas,hospedagem.
Dourado
FazendaAtalaiaTurismohistórico- -pedagógico.
SantaLúcia
FazendaPinhalTurismohistórico- -pedagógico,cavalgadas,trilhaseconvenções.
SãoCarlosFazenda santa Maria do Monjolinho
Turismohistórico- -pedagógico,ecoturismoedeaventuras.
Fonte:Sitesdaspropriedades.Organização:JoãoCarlosGeraldo(2011).
Comoépossívelobservar,algumaspropriedadescontamcomatrativosemodalidadesturísticasdiversas,oferecendováriospro-dutosdiferentes, sendoque aúnicaque apresenta estritamente amodalidadedeturismohistórico-pedagógico(oucultural)éaFa-zendaAtalaia,emSantaLúcia.
Porcausadeseupatrimôniohistórico-arquitetônicorepresenta-tivodoperíodocafeeiroemuitobempreservado,aAtalaiafoiuti-lizada,em2002,comocenárioparaEsperança,telenoveladeépocadaRedeGlobodeTelevisão.TambémasfazendasPinhaleSantaMariadoMonjolinho,emSãoCarlos,eBelaVista,emDourado,
(continuação)
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desenvolveram-senodecorrerdomesmoperíodoeconômico,ofe-recendopaisagenshistórico-culturaissemelhantes,apesardeasca-racterísticasarquitetônicasseremdistintas(Benincasa,2003).
AFazendaBelaVista,apesardenãocontarcompatrimôniohistó-ricotãosignificativoebemconservadoquantoasdemaisdoQuadro3,dopontodevistaarquitetônico,pertenceadescendentesdafamíliadeWashingtonLuísefoipioneiranaimplantaçãodeturismocomhospe-dagememmeioruralnaregião,em1982(LattereAssessoria,2008).
AFazendaPinhal teve seupatrimônio tombado em1981peloConselhodoPatrimônioHistórico,ArtísticoeTurísticodoEstadodeSãoPaulo(Condephaat).TambémfoideclaradaPatrimônioHis-tóricoeArtísticoNacionalpeloatualInstitutodoPatrimônioHistó-ricoeArtísticoNacional(IPHAN)em1987(Carvalhosa,2005).ASantaMariadoMonjolinhoestáemprocessodetombamentopeloCondephaateéconsideradapatrimôniohistóricodomunicípiodeSãoCarlospeloConselhoMunicipaldeDefesadoPatrimônioArtís-ticoeAmbientaldeSãoCarlos(Condephasc).5
Figura 6–FazendaAtalaia,SantaLúcia.Casarãocomterreiroparasecagemdocaféemprimeiroplano.Foto:JoãoCarlosGeraldo
5 Disponível em: <www.saocarlos.sp.gov.br/>; <http://ecoviagem.uol.com.br/>.Acessoem:3fev.2011.
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Figura 7–FazendaPinhal,SãoCarlos.Detalhedobalcãofrontaleescadadeacessoaojardimlateral.Foto:JoãoCarlosGeraldo
Entre as propriedades analisadas, há outras que apresentampatrimônioarquitetônicodoperíodocafeeiro,porémnãoestãotãoconservadasoucompletas,oujáestão,mesmo,bastantemodifica-das.NocasodaFazendaSaltoGrande,nãosepraticaamodalidade deturismohistórico-pedagógico,apesardesuasedeestarbemcon-servada.Sãoutilizadoscomoequipamentosturísticosaantigatulhaeoterreirodecafé,adaptadosparasediar,respectivamente,restau-ranteseestacionamentoparaosvisitantes.
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Figura 8–FazendaSantaMariadoMonjolinho,SãoCarlos.Fachada.Foto:JoãoCarlosGeraldo
EmpropriedadescomoaValeVerdeePrimaveradaSerra,tam-bém foram readaptados antigos equipamentos da época cafeeira,sendo-lhesatribuídosnovosusos:tulhas,terreirosecolôniasofere-cemlocaispararestaurantes,equipamentosdelazerehospedagem,respectivamente.
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Figura 9–PrimaveradaSerra,Brotas.Terreirosdecaféetulhaadaptados.
Foto:JoãoCarlosGeraldo
Emtermosdehistóricodeuso,aFazendaTamanduá(AreiaqueCanta)temtrajetóriadiferenciadadasdemais,jáquefoiconstruídaporimigrantesitalianos,passoupordiversasfasesprodutivas(açú-car,arroz,café,feijão,milho),e,nafaseanterioràimplantaçãodoturismorural,foiprodutoradeleitetipoB.6
Pelofatodenãoterpertencidoagrandesprodutoresdecaféeporterpassadopelaproduçãodediversosprodutosagropecuá-rios ao longo do tempo, o patrimônio não apresentava grandeinteressearquitetônico.Osequipamentosturísticos instalados,visandoatenderàsnecessidadesdosvisitantes,apresentamca-racterísticas diversas do padrão de construção rural anterior,bemmaissingelo.
6 Disponívelem:<www.areiaquecanta.com.br>.Acessoem:3fev.2011.
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Figura 10–SantaClaraEcoResort,Dourado.Lagocomtirolesaedeck.Foto:JoãoCarlosGeraldo
Paraarealizaçãodeatividadescomoturismodeaventuraees-portesradicais,nasfazendasondesãopraticados,foraminstaladosequipamentos,comotrilhasparajipe,circuitosdearvorismoemi-rantes, entre outros.Apesar de algumasdessas práticas exigiremaltoníveldesegurançaeempregodetecnologia,nogeral,asestru-turassãoconstruídasemestilorústico,utilizandomateriaiscomomadeira,tijolosaparenteserochasnativas,afimdeseharmoniza-remcomoentornorural.
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Figura 11–RecantodasCachoeiras,emBrotas.Mirantesobreacuesta.Foto:JoãoCarlosGeraldo
Figura 12–FazendaBelaVista,emDourado.Equipamentosparaarvorismo.Foto:JoãoCarlosGeraldo
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Umfatoaserdestacadoéqueaintroduçãodoconceitodearvo-rismonoBrasilsedeunaregiãoem2001,emBrotas,sendodifun-didoportodoopaísapartirdeentão.7
Dopontodevistadosrecursospaisagísticosnaturais,comojáfoiditoaqui,aexistênciadascuestasgeraumrelevomovimentado,comapresençamarcantedemuitasnascentes,riosecachoeiras,osquaissãoaproveitadosparadiversasatividades,comorafting,esca-ladas,banhos,entreoutras.Astrilhasparacaminhada(trekking)ecavalgadastambémfazemusodessaspaisagensdemorroseescar-pasrochosasemseusroteiros,sendoimprescindíveisparaodesen-volvimentodoturismonaregião.
Figura 13–FazendaBelaVista,emDourado.Vistaapartirdotopodacuesta.Foto: JoãoCarlosGeraldo
7 Disponívelem:<http://www.alaya.com.br/a-alaya>.Acessoem:7fev.2011.
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Figura 14–RelevoruiniformeàsmargensdarodoviaSP-255,emBrotas.Foto:JoãoCarlosGeraldo
Figura 15–RecantodasCachoeiras,emBrotas.Vistaapartirdotopoda cuesta.Àesquerda,orestaurante,voltadoparaamesmavista.Foto:LuizC.Surian
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Oqueseprocuroufazeraqui foiumabrevecaracterizaçãodopotencialpaisagísticodisponívelesuautilizaçãopelasproprieda-des,semquetenhasepretendidoesgotaroassunto.
O que motiva um turista a buscar o turismo rural?
Nãoéopropósitodestetextodiscutiroqueéoruralnaatualida-de,masnãodeixadeserimportanteavaliarqueruraléesse,procura-dopeloturistacitadino.
Aincorporaçãodoturismoaomundoruralteriasuasorigensnaprática de se hospedar em áreas rurais devido, principalmente, aofatodeessaspropriedadesnãocontaremcomequipamentosdestina-dosàfunção,porcontadabaixadensidadedepopulação,masaindaassimcontaremcompaisagensatrativas.Essabuscaporpaisagensdocampoteriafeitoqueproprietáriosabrissemsuasfazendasaosvia-jantes,dando-lhespouso.Originalmente,essaspropriedadesforamdenominadasfarm houses,eatualmenterecebemonomedeworking farm,working ranch,guest farm,ranch resort,lodge resort,entreoutras,sendoapráticaaindacomumnaEuropa,Argentina,Uruguai,NovaZelândiaemesmonoBrasil(Portuguez,1998).
Comomodalidade, o turismo rural é razoavelmente novo noBrasil,emcomparaçãocomoutrasformasdeexploraçãoturística,tendoseumarcoinicialnorecebimentodevisitantespelafazendaPedrasBrancas,nomunicípiodeLages(SC),noanode1986.Essapropriedade oferecia pernoite e participação nas lidas cotidianas,paraqueosvisitantespudessempassarumdianocampo,viven-ciando omodo de vida rural. A partir da experiência de Lages,iniciativasdeturismoemespaçosruraisseimplantarampordiver-saslocalidadesdopaís,comoRiodeJaneiro,SãoPauloeEspíritoSanto,sendoquenesteúltimo, iniciadaaindanadécadade1980,inspirou-senomodelodeagroturismoexistentenonortedaItália(Selva,1998;Portuguez,2001;Rodrigues,2001).
Oespaçoruralrepresentaumimportantecomponentenavidadaspessoas,mesmoparaasquenãovivemoudependamdireta-
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mentedele,masqueoimaginamcomoumlocalsemasatribulaçõesdacidade,maissaudávelerenovadordasenergiasdespendidasnotrabalhoevidaurbanos(Weissbach,2007).Deformadiretaouin-direta,oruralfazpartedoimagináriodocitadino,apresentando-secomoumíconediferentedosdocotidianourbano.
Oolhar do turista, segundoUrry (1996), se direcionaparaaspectosdapaisagemquelheproporcionemumcontatodistin-to da experiência diária, tanto no campo quanto na cidade. JáparaCatai(2005,p.12-13),entreospossíveismotivadoresdes-seolharvoltadoparapaisagensrurais,estariaumatentativade“resgatede vínculos familiares, históricos e culturais”. Seria oreencontrodasraízes,doslaçoscomocampo,rompidoscomoêxodorural,masaindapresentesnamemóriapessoalounashis-tóriasdefamília.
Com o crescente grau de urbanização da populaçãomundial,édifícilpreverseessemotivadorsesustentaránaspróximasgera-ções,essencialmenteurbanasesemlaçoscomocampo.Ouseriaoturismoemmeioruralexatamenteumaformade“preservação”dessabusca,dessavisão,mistadesentimentosaudosistaedeidea-lizaçãodavidanocampo?
Osmotivosqueincentivamaspessoasasairdeseuespaçocoti-dianopodemserdeordemdiversa,mas,paraKrippendorf(1989),aviagemcomoalívioaotrabalhoextenuanteéumanecessidadedavidamoderna,sendoqueasociedadecontemporâneaprojetaessedescansoparaoexterior,criandoumapolarizaçãoentreomorareolazer,evidenciadanafórmula“trabalharemoraraqui–descan-saralém”(ibidem,p.41).
Anoçãodequeo contato comanatureza éde alguma formabenéficaaoserhumanoeàsuasaúdeé,paraUlrich(apudWilson;Kellert,1993),umacrençabastanteespalhadae jávelha,depelomenosdoisséculos,sendoque
[...]emváriospaíses,aideiadequeaexposiçãoànaturezapro-piciabem-estarpsicológico,reduzosestressesdavidaurbana,epromovesaúdefísicatemfeitopartedajustificativaparase
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proporcionarparqueseoutrasformasnascidadesepreserva-çãodeambientesselvagensparausopúblico.(ibidem,p.73)
Masatéquepontoabuscade“contato”comanaturezanãose-ria,também,umaprojeçãodomercadoturístico,estandoaspessoasdespreparadasparaessaconvivência?Háalgunsrelatosinteressan-tesdehóspedesdehotéisruraisquenãoconseguemconvivercomoquasesilêncionoturno,muitodiferentedosruídossemprepre-sentesnanoiteurbana.Ou,porcertoreceioquantoaosruídosdeinsetoseanimaisnoturnos,hávisitantesquepreferempassarodiaematividadesnocampo,masdormirnacidade.8
Outroaspectointeressanteaserdestacadoéodomodelodetu-rismoruralencontrado:aindaécedo,pelafaltadedadosconclusi-vos,paraafirmarquenãoexistaprocura,naregião,porumturismoruralnosmoldesdospraticadosempequenaspropriedadesfamilia-res,comonopadrãoeuropeu,maspossivelmenteosclientesdessaspropriedadesanalisadasnãodevemparticipardelidasprodutivas,emumarealinteraçãocomasatividadescotidianasdocampo.
Oquelevapessoas,moradorasdeambienteurbano,aprocurarocampo,nãoéumconsensoentreautores.ParaGrolleuapudOli-veira(1997,p.3-4)oschamadosclientes(turistas)queprocuramoturismoruralclassificam-seemcincotipos:
• Os produtos do êxodo rural:sãoosquetiveramdesairdocampoembuscadetrabalho.
• Os iniciados:pessoasqueconhecemocampoequeadmi-ramsuascaracterísticas.
• Os excursionistas:pessoasqueprocuramconhecerlugaresdiferentes,monumentos,construçõesetc.
• Os farofeiros:denominaçãopejorativadadaàclientelatu-rísticaquevivepróximoao campo (duas a trêshorasdeônibus)equecostumapassarodiaemumlocaldeinteres-seturísticorural,como,porexemplo,umparqueecológi-co,umacachoeira,umarepresaetc.
8 ObtidajuntoafuncionáriosdaFazendaBelaVista,em2008.
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• A nova clientela do turismo rural:formadaporprofissionaisdenívelsuperior,quecostumamtirarfériasregularescomsuasfamílias.
DeacordocomCatai(2005,p.13)háumasériedemotivospelosquaisopúblicobuscariaoturismorural:
• proximidadecomanatureza;• convíviocomdiferentesestilosdevida;• contatocomtarefasdiáriasdocampo;• resgatedevínculosfamiliares,históricoseculturais;• mudançadeambiente;• contatocomlugaresdebelezanaturalecultural;• qualidadedahospedagemdiferenciadaenãomassificada;• conhecimentoeapreciaçãodaculináriatípica;• contatocomatividadesdelazer.
JáparaTalavera(2000,p.155),hádoisgrupostípicosdeturistasrurais:“oprimeirointeressadopeloentornofísicoepelasatividadesdesportivo-recreativasqueaípossamserealizar,eosegundo,atraído pelaculturalocalpropriamentedita”.
Ficaexplícita,nosdoisprimeirosautores,aideiadequepelosmenosemumaparceladopúblicoquebuscaoturismoruralexis-tecertofundoouexperiênciaruralpretérita.Essepúblicoprocurareatarousereaproximardeumavivênciapassadadavidanocam-po,suaprópriaoudegeraçõesascendentesnãomuitodistantes.JáparaTalavera(ibidem),podehaverumaatraçãopelomododevidado campo,mashá tambémumdeslocamento embuscade ativi-dadesdelazeraserrealizadasemmeionãourbano,semquehaja,necessariamente,umpassadoruralparaessaspessoas.
NaópticadeGonçaloRibeiroTelles, engenheiro agrônomoearquiteto paisagista português, falando sobre o turismo rural emPortugal,omundourbano
[...] olha para omundo rural de variadíssimasmaneiras: unscom saudades, porque se lembramda sua terra; outros como
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umsítioótimoparasepassearemerendar,eoutroscomoalgoqueémiserável.Sãoastrêsvistasurbanas.9
O turismo rural como estratégia para o produtor rural
Há,segundoCavaco(2000),umacriseemgrandepartedoes-paçoruraldomundoocidental,geradapelaperdadesignificadoemrelaçãoàempregabilidade,obtençãode rendimentos,à satisfaçãodas necessidades familiares básicas e à ocupação do território.Aagriculturanãotemconseguidocompetircomadiversificaçãoeco-nômicaeacriaçãodenovasoportunidadesdetrabalho,perdendo,assim,o seucaráterdefixadordohomemnocampo.Comoumaalternativa para esse esvaziamento do campo, principalmente naEuropa,estimula-seoturismocomoreabilitadordessasáreasagrí-colasdeprimidaseconomicamente(Vaccari,2006).
Oturismoruraltornou-se,então,umaestratégiadesobrevivên-cia,sendoadotadocomoopçãopormuitasfamíliasdeproprietáriosruraiscomofatordecontribuiçãoparaaobtençãodemaioresrendi-mentos,acrescentandoumafontederendaextraàsatividadesagrí-colasjápraticadasesempredependentesdasoscilaçõesdepreçoedosmercados.Aexploraçãodosrecursospaisagísticosehistórico--culturaisdocampopodecolaborarcomoincrementonosganhosdesuaspropriedades,implantandoeoperandosetoresdeserviços,comoosdehospedagemealimentação,emumaáreaemquetradi-cionalmenteelesnãoestavampresentes.
Alémdopontodevistadasobrevivênciamaterialdosproprie-tários,aodesempenharopapeldeatividadequepossibilitaformasalternativase/oucomplementaresnageraçãoderendaparaosha-bitantesdomeiorural,aatividadeturísticapode,também,repre-sentarumaformaderesistênciaepreservaçãodosvaloresculturais
9 EntrevistaconcedidaaLuisChaveseMariadoRosárioAranha.Pessoaselu-gares,Lisboa, II Série,n.16,4-5jan.-fev.2004.
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edomododevida,contribuindo,ainda,paraavalorizaçãodoterri-tórioecomofatordeproteçãoeconservaçãodomeioambienteedopatrimônionatural,históricoeculturaldomeiorural(Campanho-la;Silva,2000;Catai,2005).
Dopontodevistaacadêmico,segundoWeissbach(2007),apar-tirdadécadade1990,aideiadequeoruralsejaummundovoltadoexclusivamenteparaaspráticasagrícolasvaisendoabandonadaeoespaçoruralpassaaoferecerpossibilidadesdeempregoegera-çãode rendamais amplas.Outrosbens, não tangíveis, passamaservalorizados,dandooportunidadea“novasformasdeocupaçãoeobtençãoderendimentosaotrabalhadorrural”(ibidem,p.28).
Aatividadeturísticaseencaixa,então,nomodelodo“novoru-ral”,propostoporSilva(1997).
Nãohaveria,então,umadivisãonítida,umcortepreciso,separan-doaspaisagensurbanasdasrurais.Asfronteirasdefinidasentreelasvãodesaparecendoemrazãodarapideznosdeslocamentosedagera-çãoconstantedenovastecnologiasnomundocontemporâneo,mistu-randoenãodiferenciandoasfronteirasentreosmodosou“estilos”devida,entreosmodosdeproduzir,morar,vestir-se,alimentar-se.
Considerações finais
Dadoofatodeapesquisaaindaestaremandamento,oquesepodeinferirsobreaimplantaçãodoturismoruralnaregiãoaindaépouco.
Omodelodeturismopraticadonessaspropriedadesemestudopossivelmentenempossa serconsiderado turismorural,deacor-do com osmodelos existentes, já que os padrões de atividades emeiosdehospedagemnãoseenquadramnoformatode lidacomasatividadescotidianasdocampo,nemcomopadrãosimplesderecebimento. As instalações hoteleiras, apesar de utilizarem, emparte,asantigascolôniasdetrabalhadoresresidentesoumesmoascasas-sede,sãoequipadascomserviçoseaparelhadasparaatenderàsnecessidadeseexigênciasdehóspedesurbanos,acostumadosapadrõesdeexigênciadiferentesda“vidasimplesdocampo”.
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Mesmoessaconcepçãodevidasimplificada,emuniãocomanatureza, também não corresponde, ou satisfaz apenas parcial-mente, à realidade domeio rural paulista, em grande parte do-minadopelo agronegócio.Esse aspecto, de fato, é umdosmaisimportantesparaaefetivaçãodapesquisa,jáqueháumaaparentecontradiçãoentreaocupaçãovoltadaparaaproduçãodecommo-ditiesparaomercadoglobaleaconservaçãodosrecursospaisagís-ticosenaturais,asersolucionada.
Aindanãoestãoefetivadasasentrevistascomademanda,masoperfilinicialdetectadoemvisitasnãoéodeumvisitantequeestejaembuscaderealizaratividades“trabalhosas”,masdeumhóspedeexigen-tenotocanteapadrõesdeatendimentoedeserviços“urbanos”.
Ascaracterísticasdomodelodeturismoruralvigenteemoutraspartesdomundo,notadamenteo europeu,noqual ovisitante seinserenocontextoda lidadocampo,atéomomentonãosecon-seguiram observar nessas propriedades, nas quais são oferecidoslazer,aventuraouhistória,masdificilmentearealinteraçãocomasatividades cotidianasdeumapropriedade rural.Hospedar-se emumafazendaéestarnela,nãonecessariamentevivenciá-lacomotal.Quantodarealidadecotidianadeumapropriedaderuralumturistaconseguecaptarempoucosdias?
Tambémseobserva,demaneiraempírica,quenemtodososmu-nicípiospróximosaosanalisados,apesardedisporemdecaracterís-ticaserecursosfísicosepaisagísticossemelhantes,degrandevalorparaaexploraçãoturística,desenvolveramaatividadeouobtiveramosmesmosresultadoscomela.Oquelevaarefletirsobreofatodequeapenasosrecursospaisagísticosnaturaise/ouculturaisnãosãosuficientesparaimplantaredesenvolveraatividadeturísticarural.
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pArte 4 AS diStintAS fAceS dA peQuenA
propriedAde
um olhAr Sobre A dinâmicA dA AGriculturA fAmiliAr no projeto jAíbA: novoS conceitoS dentro
de um velho projeto Ana Ivânia Alves Fonseca1
Lílian Damares de Almeida Silva2
Leonardo Ferreira Gomes3
Genilda do Rosário Alves4
Nasúltimasdécadas,oruralnorte-mineirovemapresentandorelativasmodificações, tantona formaquantonoconceito.Nessecontexto, faz-se necessário o estudo dessas novas abordagens nomaior projeto de irrigação em área contínua daAmérica Latina,oProjetoJaíba.Esseprojetotevesuaconcepçãocomasprimeirasiniciativasgovernamentaisdeocupaçãoplanejadanaregiãodeno-minadaMatadaJaíba,entreosriosSãoFranciscoeVerdeGrande.Masfoinadécadade1970quedefatocomeçouaser implemen-tado.Trata-sedeummegaempreendimentoqueatéosdiasatuaisaindanãotrouxeoretornoesperado.Demaneirageral,pode-seno-tarumacontradição;dificilmenteháumconsensoquandose fala
1 DoutorandapelaUniversidadeEstadualPaulista–UNESP.BolsistadaFape-migecoordenadoradeprojetodoCNPq.CoordenadoradoNúcleodeEstudosePesquisasemGeografiaRural–NEPGeR.Contato:[email protected]
2 AcadêmicadoCursodeGeografiadaUniversidadeEstadualdeMontesClaro– Unimontes.MembrodoNúcleodeEstudosePesquisasemGeografiaRural– NEPGeR.
3 AcadêmicodoCursodeGeografiadaUniversidadeEstadualdeMontesClaro– Unimontes.MembrodoNúcleodeEstudosePesquisasemGeografiaRural– NEPGeR.
4 ProfessoraEspecialistadoDepartamentodeEstágiosePráticasEscolaresdaUniversidadeEstadualdeMontesClaros–Unimontes.MembrodoNúcleodeEstudosePesquisasemGeografiaRural–NEPGeR.
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deProjetoJaíba.Contudo,nestetexto,abordaremosainserçãodaagriculturafamiliaremtalprojeto.
A inserção do Projeto Jaíba no norte de Minas Gerais
A macrorregião norte-mineira, maior região administrativadoestadodeMinasGerais,temporcaracterísticasmarcantesumclimadealtas temperaturas,comprecipitações irregularese solocarente de correção, produtividade agrícola baixa e aplicação detécnicasdefasadas,comáreassemi-industrializadasoudenenhu-ma industrialização.Énessecenárioque sedáa implantaçãodoprojetoe,comaatuaçãodogoverno,pormeiodoSegundoPlanoNacional de Desenvolvimento, são criadas diversas instituiçõesparaatuarnaárea.SegundoaCompanhiadeDesenvolvimentodosValesdoSãoFranciscoedoParaíba(Codevasf),oProjetoJaíbati-nhacomopropostadesenvolveraagriculturadeirrigaçãoemumaáreade100milha,consolidando-se,assim,comoomaiorproje-todeirrigaçãodaAméricaLatina.Detodaaextensãodoprojeto,inicialmente 32mil ha seriam destinados à agricultura familiar.Portanto, a sua conclusão,nos termosdescritos,materializariaodesenvolvimentodaregião,atraindoinvestimentosegerandoumaboacotadeempregoserenda.
Entretanto,oqueseobservaéqueatéosdiasatuaisoretornoaindanãofoiopropostoinicialmente.Dadooscinquentaanosdeexistênciaeaenormesomaderecursosaplicadosparaa suaexe-cução, é importante que façamos uma análise das viabilidades eperspectivasdaagriculturafamiliarnesseprojeto.Aconjunturadoprojetoéqueele foidivididoemquatroetapas, sendoaprimeiradestinadaaoassentamentodecolonos5eàagriculturafamiliar.Jáasdemaisetapas(II,III,IV)seriamdestinadasaosmédiosegrandesempresários.AEtapa I,destinadaaos colonos, já está concluída,
5 Oscolonosnestapesquisasãoentendidoscomoagricultoresfamiliares.
estUdos aGrários 235
pelomenosemtermosestruturais:nessaáreaencontram-seapro-ximadamente1.800famíliasassentadas,segundoaCodevasf,masépossível localizardentrodela lotesabandonados,arrendadosoualugados.Asáreasabandonadas,segundoinformações,sedãoporfaltadeaptidãodealgunscolonosparaaagricultura.Contudo,ementrevistacomoscolonoseregistrosdepesquisassobreessemesmotema,pode-seconstatarquealémdoproblemadafaltadeaptidãoparalidarcomaterra,amaioriadoscolonosqueabandonaramseuslotesalegouafaltadeassistência(técnica,financeiraelogística)deórgãosgovernamentais.Issoapontaparaoutroproblema:oproces-soseletivoexecutadopelaFundaçãoRuralMineira(Ruralminas),quecontemploucomlotesdeterradesdeprofessoresecomercian-tesaprofissionaisliberais,cujointeresseportalaquisiçãosópodeserexplicadopelaatividadeespeculativa.
Outraproblemáticasedácomreferênciaaotitulardolote.Estetemumprazodevinteanosparaopagamentodaterraeestanãopodeser vendida, arrendada ou alugada antes da posse definitiva, que se dá após a quitação da dívida com o governo. Observamos que,mesmojátendopassadososvinteanosparapagamentototaldasterras,muitoscolonosaindanãoconseguiramsaldaressadívida,oquegeraumasériedeirregularidadeseilegalidade,tantonotocan-teàvendadelotescomoquantoaoseuarrendamento.Oarrenda-mentoécomum,eoquemaispreocupanasuafrequênciaéofatodeincidirnaEtapaIdestinadaàagriculturafamiliar,sendoarrendadosdoisoumaislotesvizinhospormédiasegrandesempresasemumprocessodeproletarizaçãodopequenoprodutor,queemconcorrên-ciacomagrandepropriedadeeaagroindústria,sucumbeàforçadograndecapitalpornãodispordetécnicaeestruturaparaatingirumaproduçãocompetitiva(KautskyapudAlves,2009).
Entreos lotesativosnaEtapa I,grandepartenãoatingeumaproduçãosuficienteparagarantirumpadrãodevidadignoàfamíliaqueoocupa,vistoaprecariedadedasmoradiasquepodeserobser-vadanaFigura1.OprojetopreviaaconstruçãodecasasparaosagricultoresdaEtapaI,oquenãoocorreu,porém,durantea suaimplantação. Assim, os moradores foram construindo suas mo-
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radias conforme suas condições financeiras permitiam. Algumastêmumaboaestrutura,masoutrasseassemelhamaosbarracosdasfavelasnosgrandescentros, comopudemosobservarnamoradiadoSr.Rufino,àesquerdanaFigura1.Noestágioatualdoprojetoestãosendocontempladasmoradias.Entretanto,percebemosqueasmesmasnãoatendemàsfamílias,poissãohabitaçõespequenas,comcercade21m²,contendoapenasdoiscômodosmaisumpe-queno banheiro e o número demembros por unidade familiar égeralmentedecincooumaispessoas.Paraessaconstrução,osmo-radorescontempladosterãodepagarcercade12milreais.ComopodeserobservadonaFigura1àdireita,casaconstruídapelaCo-devasf;àesquerda,casaconstruídapelosagricultores.
Figura 1–Àdireita,casaconstruídapelaCodevasf;aesquerdacasaconstruídapelosagricultores.
Ainadimplênciacomosbancos,alémdasaltascontasdeáguaeenergiaelétrica,geramainsatisfaçãodosprodutoresqueseveempresosaenormesdívidas.UmsérioproblemaencontradohojenoProjetoJaíbaéafaltadeáguapotávelparaconsumohumano.Asfamíliastêmutilizadoaáguadoscanaisemsuasnecessidadesbá-sicas.Aáguaéfervidaedepoisutilizadanobanho,nahigienedoslareseatémesmonopreparodosalimentoseparabeber.Oqueé
estUdos aGrários 237
umagrandecontradição,vistoqueosagricultorestêmdepagartrêscontasdeágua:umapelaáguatratadapelaCompanhiadeSanea-mentodeMinasGerais (Copasa), outrapela águados canais e aterceirapelaáguadospoçosartesianosexistentesnoprojeto.Diantedetalestrutura,éincongruenteafaltadeáguatratadaparaosagri-cultores,comosepodepercebernaFigura2.
Figura 2–Moradoradoprojetoretirandoáguadocanalparausodoméstico.
A tendênciapara asmonoculturas (principalmente a fruticul-tura)podeserfatordeterminanteparaasunidadesdeproduçãofa-miliar,poisessaatividadetendeaatenderaomercadoexternoouametrópolesnacionaisemumgraudeexigênciasuperioraomercadolocal,requerendodoagricultorfamiliartécnicasemaquináriosdequenãodispõe.Alémdisso,háodescartedosprodutosquenãoatingemopadrãodequalidadeesperadoetambémoproblemadaperecibilidade.Esses fatores,aliadosàproduçãoemgrandeesca-la,desestimulamavariedadedeprodução,queéamolamestradaagriculturafamiliar,quetemcomoumadesuasprincipaiscarac-terísticas a diversidade da produção nas pequenas propriedades.
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Afruticulturaprecisadeescoamentoedecomercializaçãorápida,masadistânciaemqueaáreaprodutivaseencontradosgrandescentrosfavoreceaaçãodoatravessador,minimizandoassimarendadoprodutor.Tudoapontaparaofavorecimentodagrandeproprie-dade,evidentementepriorizadanessemegaprojeto.
Tendoemvistatodooatrasosofridopeloprojeto,játendosidogastaaquantiainvestidade470milhõesdedólareseestandocon-cretizadaapenasaEtapaIepartedaEtapaII,pareceprevisívelodesvirtuamento sofrido na área destinada à agricultura familiarque,demaneiradistorcida,éocupadapormédiosegrandesprodu-tores,produzindoassimmonoculturascomobanana,limão,pinha,atemoiaetc.AsituaçãoemqueseencontraaagriculturafamiliaratualmentenoProjetoJaíbademonstraclaramentequeaconcep-çãodoprojetoestavamaispreocupadaematenderàdemandaex-pansionistadocapitalpormeioda territorialização,deixandoemsegundoplanoodesenvolvimentodaquelemodelo.
ParaOliveira(2000),oProjetoJaíbaéuminvestimentoparapro-moverodesenvolvimentodonortedeMinas,sendoesteaexecuçãoemúltima instânciadeumplanodedesenvolvimentomacroeco-nômicoconcebidonosmoldesnorte-americanos,ondesecriaramos famososbelts6oucinturões.Entretanto,não foram levadasemcontaaspeculiaridadesregionaisdeumapopulaçãopraticantedeumaagriculturairrigadaempequenosmódulossemapoiotécnicoconstanteeapoiofinanceirosuficiente.Cadaagricultorrecebeuumlotecomáreadecincohectares.Seforobtidaumaaltaprodutivida-de,coisaaqueoagricultorlocalnãoestáacostumado,entãoentramtodas as implicações citadas anteriormente, comoo problemadoescoamentodaproduçãoetodososoutrosentraves.Aquestãodoapoiofinanceiroépreemente,poisagrandedificuldadeemmanteraproduçãocomqualidadequepossaentrarnomercadoemcon-
6 Essanomenclaturavemdoinglêsedenominaextensasfaixasdeterrasagrí-colasocupadaspormonocultivoaltamentemecanizadosnosEstadosUnidos,estabelecidosdeacordocomasnecessidadesdomercadoconsumidor.Osprin-cipaissãooCorn Belt(milho),o Cotton Belt(algodão)eoWheat Belt(trigo).OSun Belt(CinturãodoSol)apresentaprincipalmenteproduçãodefrutascomousodeirrigação.EssemodelofoiexportadoparaoBrasil.
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corrênciacomosdemaisgerainadimplência.Alémdoproblemadaevasãonaáreadaagriculturafamiliarparaasgrandesempresas,aspessoastêmdeixadodeproduzirparasetornarempregadosassala-riadasdaáreaempresarial,principalmenteosjovens,quecadavezmaisprocuramasgrandesempresaspeloretornofinanceiro.Nãoháincentivoparaquepermaneçamnosestabelecimentosfamiliareseajudemnodesenvolvimentodestes.
Breve histórico do Projeto Jaíba
AofazermosumlevantamentohistóricodaimplantaçãodoPro-jetoJaíbanaregião,percebemosabasedesuaestruturaemprojetospensadosnosEstadosUnidos.SegundoRodrigues(2000),em1933foicriadapelopresidenteamericanoJ.D.Roosevelt,novaledorioTennessee,umaagênciade fomentoparaoplanejamentodabaciadesserio.Essemodelovisavaintegraraçõesdepolíticasagrícolasdeágua e energia.Combasenesseprojeto, essaproposta foi adotadapelaComissãoEconômica paraAméricaLatina eCaribe (Cepal),comoobjetivodeestabelecerasrelaçõeseconômicasentreoscentroseaperiferianoâmbitodadivisãointernacionaldotrabalho.Nessesentido, as políticas brasileiras encaminharam-se para a execuçãodeprojetosquepriorizavamoatendimentodeáreasmaispobresdopaís,comnecessidadedapresençadoEstado,calcadanapolíticadodesenvolvimentoestatal,dadoomomentohistóricoepolíticopeloqualpassavaopaís.
ForamcriadasalgumassuperintendênciaseórgãosdefomentocomoaCompanhiaHidrelétricadoSãoFrancisco(Chesf),aSupe-rintendênciadoValedoSãoFrancisco(Suvale),aSuperintendênciadoDesenvolvimentodoNordeste(Sudene),aSuperintendênciadoDesenvolvimento daAmazônia (Sudam), entre outras. Assim, oBrasilpassaa fazerpartedapolíticade intervençãonaeconomia.Edapremissadequeháumatendênciadequasetodososprogra-maspúblicoscaminharemnadireçãoda“territorialização”dassuasaçõese,emmenorgrau,deconstruírempolíticasterritoriais.Com
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isso,nasegundametadedadécadade1950,onortedeMinasGe-raispassaafazerpartedaáreadeatuaçãodaSudenee,posterior-mente,daCodevasf.
A dinâmica atual do Projeto Jaíba
Essa região,objetodaaçãodoProjeto Jaíba,éconhecidapelapobrezaqueassolaapopulação,peloclimacaracterizadopeladis-tribuiçãoirregulardasprecipitaçõesepeloisolamentodosgrandescentros.Dessaforma,parasairdaestagnaçãoemqueseencontra,principalmente na área destinada aos colonos, é necessária a in-tervenção governamental demaneiramais incisiva, sem a qual aagriculturafamiliarestarádestinadaaofracasso,bemcomoaáreadestinadaàmesmaseráredirecionadaàfruticulturaexploradapelograndecapitalprivado.
Dadaadimensãodoprojetoeaáreadestinadaàagriculturafa-miliar, torna-se importanteo estudoagricultura familiarna área,poisentendemosquecomoProjetoJaíbahouveumamutaçãodes-segrupo,comobemexpressaWanderley:
A agricultura familiar não é uma categoria social recente,nemaelacorrespondeumacategoriaanalíticanovanasociolo-giarural.Noentanto,suautilização,comosignificadoeabran-gênciaquelhetemsidoatribuídonosúltimosanos,noBrasil,assumearesdenovidadeerenovação.(Wanderley,2001,p.21)
Écomesses aresdenovidadeque amultifuncionalidadevemcontribuir com o estudo da agricultura, possibilitando umame-lhoranálisedoprojetonaatualidade.SegundoSoares(2001,p.42),“no conceito de multifuncionalidade identificam-se as seguintesfunções-chave da agricultura familiar: contribuição à segurançaalimentar, função social, função ambiental e função econômica”.Aindaconformeafirmaoautor,asegurançaalimentarsignificaga-rantiratodosoacessoaalimentosbásicos,contribuindoparauma
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existênciadignaemumcontextodedesenvolvimento integraldapessoa humana. No que se refere à função ambiental, podemosprever a conservação dos solos e das águas, manejo sustentáveldabiodiversidade edaproduçãodebiomassa, cujo valorpara asgerações presentes e futuras é incalculável. Em relação à funçãoeconômica,aagricultura familiar,segundooestudodoINCRA/FAO1999(apudSoares,2001),apesardeocuparsomente30,5%daáreaerecebersomente25,3%dofinanciamentodaprodução,elaéresponsávelpor37,9%dovalorbrutodaproduçãoagropecuárianacional(VPB),enasregiõesNorteeSul,maisde50%doVPBéproduzidoemestabelecimentosfamiliares.Como,defato,ofinan-ciamentoruralnoBrasiléumindicativodaprofundadesigualdadeexistentenosetor,poisestecontinuasendoprivilégiodaagriculturapatronal,quealémdesocialmenteinjustaeconcentradoradeterraerendaéeconomicamenteineficiente.
Noquedizrespeitoàfunçãosocial,sabe-sequeosetorpatronalruraléumdospioresempregadoresdopaís.Alémdedesrespeitarosdireitossociaisetrabalhistasdosassalariadosrurais,segundoCarvalho(2005,p.51),“asgrandesunidadessãoresponsáveisporapenas2,5%dos empregosoupoucomaisde420milpostosdetrabalho”. No entanto, a agricultura familiar, apesar de repre-sentar apenas 30% da área, é responsável por 76,9% do pessoal ocupado.Diantedisso, observamos a contradiçãoque existenomeioruralbrasileiro,pois,mesmocomtodaaprecariedadeàqualestásubmetido,oagricultor familiar temsidomaiseficienteemtodososaspectossecomparadoaoagricultorpatronal.Utilizare-mosaquiosconceitosdamultifuncionalidademencionadosante-riormenteparacompreenderaatualidadedaagriculturafamiliarnoProjetoJaíba.Paratanto,énecessárioquealgunspontossejamelucidadosparaummelhorentendimentodocontextoemquesedáasuaimplantação.Constatamosempesquisasanterioresqueaagriculturanoempreendimentopassapordiversosproblemas.UmdospontosmaiscríticoscolocadosporalgunsmoradoresdoprojetoeemlevantamentosfeitosnascidadescircunvizinhasdeMatiasCardoso, Jaíba, Itacarambi eManga, é o relacionado ao
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grandeproblemadoprojetoquesecaracterizounaformadeas-sentamentodosprimeiroscolonos.SegundoaCodevasf,coubeàFundaçãoRuralMineira(Ruralminas)aseleçãodosassentados.Inicialmente,foirealizadoumcadastronoqualpuderamseins-creverpessoasdetodoopaíscomexperiêncianaagricultura.Ofatodeterexperiêncianaagriculturanãofoi,porém,condiçãosine qua nonparaqueoscolonosfossemassentados.
Segundo relatosorais,váriaspessoasassentadasnão tinhamomenorvínculocomaterra.Issopossibilitouumaretiradademuitosdos assentadosnofinaldedois anosde assentamento.A faltadeapoiogovernamentaleonãocultivodaterracomeçaramaserumproblemaparaasfamíliasqueforamassentadas.ConformeAraújoetal.(2008),asfrentesdeassentamentoforamimplantadasesuasorigenseramasmaisdiversas,tantonoqueserefereaoterritóriocomoàsatividadesprofissionais.Outrosproblemassãovivencia-dospelaagriculturafamiliareestãorelacionadosàsquestõesdade-sorganizaçãosocialedabaixaparticipação,queinfluenciamdiretaenegativamenteacomercializaçãoeoacessoaocrédito.Alémdomais,comopassardosanos,odistanciamentodosgovernosfazqueomodeloatéentãoimplantadosejarepensado.
Nesse sentido,nos apoiamos emAbramovay (1992).Oautorafirmaqueaagricultura familiaraltamente integradaaomercadoécapazdeincorporarosprincipaisavançostécnicoseresponderàspolíticasgovernamentais.Aquiloqueera,antesdetudo,ummododevida,converteu-seemumaprofissão,emumaformadetrabalho,oquevemcaracterizandoapluriatividade.7Paraesseautor,sendoesseambientefavorávelecontandocomoapoiodoEstado,aagri-culturafamiliarpreencheráumasériederequisitos,entreosquais:forneceralimentosbaratos edeboaqualidadeparaa sociedadee
7 “[...]refere-seasituaçõessociaisemqueosindivíduosquecompõemumafamí-liacomdomicílioruralpassamasededicaraoexercíciodeumconjuntovariadodeatividadeseconômicaseprodutivas,nãonecessariamenteligadasàagricul-turaouaocultivodaterra,ecadavezmenosexecutadasdentrodaunidadedeprodução.Aocontráriodoquesepoderiasupor,estanãoéumarealidadeconfi-nadaaoespaçoruraldepaísesricosedesenvolvidos”(Schneider,2003).
estUdos aGrários 243
reproduzir-secomoumaformasocialengajadanosmecanismosdedesenvolvimentorural.Nessesentido,percebemos,nointeriordoprojeto,umagrandedesconexãorealparaoidealdentrodosparâ-metrosdamultifuncionalidade,poisemnenhummomentoopro-jetoprevêomercadointerno.Umagrandequestãoécomoinseriressemododeproduzir emumaeconomia agroexportadora, vistoqueessestrabalhadoresnãopossuematécnicanemomodeloparaessaeconomiademercadointernacional.Umdospontosnegativospercebidosnoprojetoéexatamentenoescoamentodamercadoriacompreçosjustosparaoprodutor,poisafiguradoatravessador8 é facilmentecitadapelosagricultores.Foramobservadas,nointeriordoprojeto,áreascomproduçãoeficiente.Entretanto,ospequenosprodutorestêmsuarendacomprometidaporfaltadeescoamentoecomercializaçãodamercadoria.NaáreadeproduçãodeceboladaprodutoraAnaAmélia, aproduçãonoanode2010nãopôde serescoadaporfaltadeumalogísticacapazdeatendê-los,resultandoemdesperdíciodaproduçãoenadesvalorizaçãodamercadoria,quefoivendidaabaixopreçoparaatravessadores.
OpensamentodeAbramovay(1992)ficaevidenciadoquando
expressaque“Sequisermoscombaterapobreza,precisamos,emprimeirolugar,permitiraelevaçãodacapacidadedeinvestimentodosmaispobres.Alémdisso, énecessáriomelhorar sua inserçãoemmercadosquesejamcadavezmaisdinâmicosecompetitivos”.Oprodutornemsempreédotadodeconhecimentosmatemáticoseeconômicos.Cadaprodutorsabequantoplantouequantoespe-raproduzir,masnão existe apreocupação em saber a somades-sas produções, e também o interesse em capacitar os produtores
8 Apreocupaçãodoatravessadorécompraramercadoriaenãoproduzi-la.Suacompraestábaseadaunicamenteemobtençãodolucro,quandoelechegaemumapropriedadeelejásabeopreçoquepodepagaraosprodutores,porqueeletemainformaçãodopreçopeloqualvaiconseguirvender.Ficasabendorapi-damentequandoopreçocomeçaavariar,sejanaalta,sejanabaixa,eénessasfasesqueeleganhamais.Estáemconstantecontatocomseuscompradores,busca informaçõessobreassafras, faztelefonemas,enfim,mantém-se infor-mado.Antesdeacolheitacomeçar,elejásabeastendênciasdospreços.
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paraqueelesadministremdeformaeficienteoseuestabelecimen-to.Apesardeoprojetocontarcom1.800famíliasnaEtapaI,nãoexistenenhumaescolaespecializadanaáreaagrícolaparaatenderaessademanda.Dentrodessasproblemáticas,percebemosqueosprincípiossocial,econômicoeasegurançaalimentar,previstosnamultifuncionalidade,estãosendoatendidosparcialmente.
ParaRodrigues (2000), odesenvolvimentonão é algo espontâ-neo,dadopelalivreevoluçãodasforçasdemercado,pelamãoinvi-sível.Eleéalcançadoviaplanejamentoestatal.Nãosepodemnegarosresultadospositivosdamecanizaçãoedairrigaçãonaagricultura,poisestesaumentamaprodutividade,protegemoutornampossívelaconvivênciacomasadversidadesclimáticas,aumentandoasopor-tunidadesdeempregoerenda.Alémdessesbenefícios,issopropiciaumincrementonocomérciolocal,comoestabelecimentodeforne-cedoresdeinsumosedeequipamentosagrícolas.Possibilitatambémaimplantaçãodaagroindústriaparaobeneficiamentodaprodução,poisestaatingeoupoderáatingiraaltaprodutividade,aumentandooexcedentedaagriculturafamiliarounasáreasempresariais.Dessamaneira,aagriculturairrigada,sejaelaempequenaougrandeescala,nãopodeserapontadacomoumfatornegativo,poiselevaovolumedaproduçãoporhectareeagrega,emseuentorno,umaumentodacomposiçãoorgânicadocapital.ComoafirmaRodrigues(2002),“as-simoprocessodedesenvolvimentoregionalpressupõeaelevaçãodaescalaemquesedáaproduçãoeconsequentementeaevoluçãodasforçasprodutivas”.Aagriculturairrigadapodecontribuirparaisso.
Considerações finais
AoanalisarmosoProjetoJaíba,percebemosquesetratadeumprojeto pensado em uma época em que as questões ambientais etambém a segurança alimentar não eram prioridade. Os estudosrealizadosapontamparaumadistorçãodamultifuncionalidadenaagricultura familiarpraticadanoProjetoJaíba.Existemos fatoresque comprovam a presença das funções-chave; estas, porém, não
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ocorrememsuatotalidade,vistoqueoprojetofoimoldadoemummodeloarcaicoquenãoconseguiuacompanharasmudançasnoce-nárioatualdevidoàgrandedemoradesuaconstrução.ParaRodri-gues(2000),asmaioresdificuldadesencontradaspelosprodutoresestão ligadas ao transporte e armazenamento, preçodosprodutoseàsaltastaxasdejuros,bemcomoàsdificuldadesparaaprovaçãodecrédito,aosvaloreselevadosdastarifasdeáguaeenergia(ambasforam revistas, serão implantados relógios noturnos), também aocustodosinsumosfertilizantesedefensivos.
Observa-sequetãosomenteoacessoàterraeàirrigaçãonãosãosuficientesparaoêxitodesseempreendimento.Fatorescomotecno-logia empregada, sementes de boa qualidade, assistência técnica eeficiente,tratosculturais,financiamento,condiçõesdevenda,entreoutros,nãopodemestarausentes.Énecessáriaumaforteintervençãoestatalarticuladanostrêsníveisdaadministração,nosentidodere-estruturaroprogramaestabelecidoparaaagriculturafamiliar,eesseprogramadeverá ser capazdedar condiçõesquefixemopequenoprodutornocampo.Aagriculturafamiliarécomprovadamenteaquemaisempregamãodeobra;suareduçãooufalênciaestáintimamenteligadaaoaumentodeumamassadesempregadaouàformaçãodeumcontingentedemãodeobrabaratanocampoounacidade.
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inteGrAção Ao mercAdo e produção pArA o AutoconSumo: eStrAtéGiAS SocioprodutivAS nA AGriculturA fAmiliAr de fAvilA,
em cAnGuçu (rS)Lucimára dos Santos de Moura1
Giancarla Salamoni2
Emvirtudedamodernizaçãodaagricultura,apartirdasdéca-dasde1960-1970,omeioagrícoladoRioGrandedoSulpassouporprofundastransformações,oqueenglobaomunicípiodeCan-guçu,maisprecisamente,alocalidadedeFavila,focodesteestudo.Oselementostípicosdaagriculturafamiliar,comoasferramentasmanuais,aadubaçãoorgânica,atraçãoanimal,entreoutros,foramsendosubstituídospornovastécnicasepráticasdeprodução,prin-cipalmentetratores,adubosquímicoseagrotóxicos.Nesseperíodo,porcausadastransformaçõestécnicaseprodutivasqueocorreram,muitosagricultoresfamiliaresinseriram-senadinâmicadomerca-do,poisessaeraumaformadegarantiravendadesuaprodução.
Noentanto,mesmocomaintegraçãoaomercado,aproduçãoparaautoconsumocontinuasendoumaestratégiadereproduçãosocialen-treasunidadesfamiliares.DeacordocomGrisaeSchneider(2008),aproduçãodealimentosparaoconsumodomésticofazpartedeum
1 MestrandaemGeografiapelaUniversidadeFederaldoRioGrande–FURG.IntegrantedogrupodeEstudosAgrárioseAmbientais–LEAA–UFPel–edoNúcleodeEstudosAgrárioseCulturais–FURG–UCHI–PPGEO.
2 ProfessoraAssociadaIdaUniversidadeFederaldePelotas.ProfessoraOrien-tadoranoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia–FURG.CoordenadoradoLaboratóriodeEstudosAgrários eAmbientais –LEAA/ICH/UFPEL.Contato:[email protected]
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mododeorganizaraproduçãoquecaracterizaasociabilidadeeaiden-tidade cultural desses agricultores.Dessa forma, este trabalho temcomoobjetivocentraldemonstrarqueemFavilaaagriculturafamiliarpassaporumprocessodemercantilizaçãodaprodução,resultadodaintegraçãodosagricultoresfamiliaresaoscomplexosagroindustriais,principalmentenaproduçãodofumoe,emmenorproporção,nadeleite,equeissogeroumodificaçõesnasestratégiasdereproduçãoso-cialdasfamílias.Pretende-seapresentar,ainda,aorganizaçãointer-nadasunidadesfamiliaresapartirdeelementossociais,técnicosedeprodução,alémdeidentificarastransformaçõessobreaproduçãodealimentosapartirdaintroduçãodoscultivoscomerciais.
Dessaforma,oqueseverificanalocalidadeemestudoéapro-duçãovoltadaparaomercado,poisalémdeosagricultoresprodu-ziremparaoautoconsumo,elescomercializampartedaprodução,penetrando, assim,nessasunidades, nas relações capitalistas deproduçãoquevisam fazerparteda sociedademoderna, alémdeteracessoaumconjuntodebensmateriaiseculturais,transfor-mando-seemumprodutoreconsumidordemercadorias.
Nessecontexto,osagricultoresfamiliaresintensificamoritmodetrabalhonosprodutosquesãodestinadosaomercado,dandopreferência aos “cultivos comerciais”, e se especializamnapro-duçãodestinadaàcomercialização.Nessesentido,aproduçãodealimentosvoltadapara o consumoda família edos animaisdo-mésticosficarelegadaasegundoplano.Apesardisso,emFavilaépossívelidentificaraproduçãoparaoconsumodomésticocombi-nadaàproduçãomercantil,poisessaéumaformadeosagricul-toresfamiliaresproduziremalimentosparaoseuconsumoenãoprecisaremadquirirtaisprodutosforadasunidadesdeprodução.
A associação da produção mercantil com a produção para autoconsumo
AagriculturanoRioGrandedoSul, ao longodo tempo, tempassadoporimportanteseprofundastransformações.Pode-sedi-
estUdos aGrários 249
zer,então,queaagriculturaseredesenhaesereorganizaàmedidaquenovosatoressociais,múltiplosfatoreseconômicosepolíticossemanifestametransformamaorganizaçãosocioprodutivanoespa-çorural.Entreessesfatoresdestaca-se,principalmente,aexpansãodocapital sobreaagricultura,aqual,nasdécadasde1960-1970,encontra-se representada pelamodernização da agricultura, ou achamada“RevoluçãoVerde”,quecorrespondeàdifusãoeadoçãodo“pacote”de insumos industriais, como fertilizantesquímicos,agrotóxicos, sementes e mudas, mecanização, além de créditos,obrasde infraestrutura, serviçosdeextensãoe treinamento,alémdareorganizaçãodosmercadosagrícolas(Ploeg,2006).
AindadeacordocomPloeg(ibidem),amodernizaçãodaagri-cultura implicouoaumentosignificativodaescaladeproduçãoereduçãonaabsorçãodetrabalhoagrícola,alémdeumatecnologiadirigidaaumaintensificaçãoprodutivaquetomouolugardasfor-masdeintensificaçãofundamentadasnotrabalho.
Silva (1998, p.22) afirma que a modernização da agriculturacontribuiuparaque“ocapitaltenhanoprogressotécnico,quenadamais é do que uma das facetas do seu próprio desenvolvimento,a chavedoprocessode subordinaçãoda terrae,porextensão,daprópria natureza”.A expansãodamodernização, principalmentenaproduçãofamiliar,deu-seinter-relacionadaàatuaçãodoscom-plexos agroindustriais, cooperativas ou redes de comercialização.Dessaforma,aproduçãoestásubordinadaàobtençãodeinsumosecréditosoudefornecimentodematérias-primas.Assim,muitodosagricultoresfamiliarestransformaram-seemprodutorestecnologi-camentemodernos,porém,nemporissoperderamsuascaracterís-ticasdeprodutoresfamiliares.(Gerardi;Salamoni,1994).
À medida, porém, que a produção familiar se moderniza e,consequentemente,sevinculaaosprocessosdemercantilizaçãodaprodução,de especializaçãodas atividades edemodernizaçãodoprocessoprodutivo,verifica-seumatendênciaaprivilegiaromo-vimentodesubordinaçãoenegaravalidadedaspesquisasquere-conhecema importânciadeummovimento internoàunidadedeproduçãofamiliar(Wanderley,2010).
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E, conformeMontoya eGuilhoto (2001), a agricultura dei-xoude serumsetoreconômicodistintoepassoua se integraràdinâmica da produção industrial, conhecida como ComplexosAgroindustriais (CAIs), que se formaram e se consolidaramnadécadade1970.
Nessesentido,PoltroniérieSouza(1989)apresentamaorgani-zaçãoeaformadecomercializaçãodosprodutoresqueseintegramaosCAIs:
Aprópriaagriculturapassouporumprocessoderedefiniçãodesuasfunções,segundoos“modosdeprodução”desenvolvi-dospelohomem;dessaforma,passouaseconstituircadavezmaisemummercadoparaosprodutosindustrializadoseasal-teraçõesnaformadeorganizaraproduçãosãoagoraexternasaosetoragrícola.(p.47)
O processo demodernização promoveu a integração entre aagricultura eo segmentodas indústriasdemáquinas e insumosagrícolaseasagroindústrias.Dessaforma,aagriculturafamiliaradaptou-seaessasnovasmudançasemuitosagricultoresseinte-graramaoscomplexosagroindustriais,porrepresentarumaformadegarantiadevendadesuaproduçãoparaomercado.
Noentanto,mesmocoma integração,osagricultores fami-liares não deixaram de produzir os alimentos historicamentecultivadospelas famílias,pois isso essamodalidade representaapreservaçãodaidentidadecultural–pormeiodamanutençãodesaberesherdadosdosantepassados–,alémdesignificarumamaiorautonomianoabastecimentointernodasunidadesfami-liareseumamenordependênciaemrelaçãoaomercadodessesprodutos.Dessaforma,percebe-sequemesmocomastransfor-maçõesqueocorreramcomamodernização,estasnãoproduzi-ramumarupturatotaledefinitivacomasformastradicionaisdeorganização dos sistemas agrícolas, baseados na diversificaçãodeprodutosparaoconsumodomésticocombinadacomaespe-cializaçãoparaomercado.
estUdos aGrários 251
Ainda,GerardieSalamoni(2004)afirmamquemesmotendohavidograndestransformaçõesnasunidadesprodutivasfamilia-res,aquestãodocaráterfamiliardotrabalhopermanecenaagri-cultura,aliadoadeterminadasmodalidadesdeproduçãoautôno-mas domercado que são estratégias internas do grupo familiarparapermanecercomoagentesativosnocontextodoespaçorural.
Assim,aproduçãoparaoautoconsumoque,conformeGazollaeSchneider(2007,p.90),édefinidacomo“aquelaparceladapro-duçãoanimal,vegetaloutransformaçãocaseira,quefoiproduzidapelosmembrosdeumafamíliaequeéutilizadanaalimentaçãodogrupodomésticocorrespondentedeacordocomassuasnecessida-des”,continuapresentenaorganizaçãointernadasunidadespro-dutivasfamiliares,assimcomoaproduçãomercantil,poisfoiafor-maqueessaspessoasencontraramparasereproduzireconômicaesocialmente.JáOrtega(1995)defineautoconsumocomo:
[...] serían las actividades agrícolas de subsistência o las re-paracionese incluso laconstrucciónde lavivienda,emdefi-nitiva,todasaquellasactividadesquesustituyenocompletanelrepertoriodenecesidadesdelgrupocuandonopuedensersatisfechasatravésdelmercado.(ibidem,p.69)
Essa produção para o autoconsumo, também denominadaconsumodoméstico,édefinidacomoaparceladaproduçãopro-duzidapelafamíliaedestinadaaoconsumointernodasunidadesprodutivas,eoquecaracterizaasuapermanênciaéoseuvalordeusoenãoovalordetroca(Schneider;Grisa,2008).
Estratégias socioprodutivas da agricultura familiar de Favila, em Canguçu (RS)
OmunicípiodeCanguçupossuía,em2006,52.245habitantes,edesses,60,32%residiamnomeiorural,deacordocomoInstitu-toTécnicodePesquisaeAssessoria(ITEPA)(2006).Omunicípio
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destaca-senaproduçãodepêssego,milho,feijão,fumo,batatain-glesa,soja,leite,alémdacriaçãodebovinos,aves,suínoseovinos.
Canguçuécaracterizadopelapresençadepropriedadesdeca-ráter familiar,nasquais trabalhamosmembrosda famíliaeque,eventualmente,recebemauxíliodeterceiros–sejapelaajudamú-tua (relaçõesnão remuneradasde trabalho), sejapelacontrataçãodetrabalhadoresassalariadostemporários,principalmentenospe-ríodosdesafra.
AagriculturafamiliardeFavila–1osubdistritodeCanguçu– caracteriza-se pela produção agrícola diversificada, destacando--seprodutos comoo fumo, a soja, a cebola, omilho, a ervilha, abatata-inglesa, a batata-doce, o feijão, os hortifrutigranjeiros e oleite,alémdacriaçãoanimal,comobovinos,equinos,aves,suínoseovinos,maspassaporumprocessodetransformaçãodevidoàinte-graçãodosprodutoresaoscomplexosagroindustriais.Dessaforma,aproduçãonalocalidadeemestudoestáorientadaporumalógicaespecífica,explicadaporPloeg(2006)daseguinteforma:
[...]umapartedaproduçãoévendida,aoutrapodeserconsu-midadiretamentepelafamília,eumaterceirapartedaproduçãototalpoderáalimentaropróximociclodeprodução:oresultadodacoproduçãopodefortalecerabasederecursossobreaqualestá fundada (e assimcontribuir indiretamentepara a criaçãodeumaautonomiaaindamaior).Oimportanteéqueoprocessodeproduçãovenhaaserestruturadodetalformaqueviabilizeasobrevivênciaebusque,aomesmotempo,umareproduçãoaolongodotempo.(p.22)
Dessa maneira, para compreender o grau de mercantilizaçãodaproduçãoemFavila,foramselecionadososprincipaisprodutosparaoautoconsumoeparaacomercialização.ATabela1mostraqueosprodutostípicosdemercadosãoofumoeasoja,comercia-lizadosviacomplexosagroindustriais;100%dasfamíliasosdesti-namàcomercialização,assimcomoo leite,que temvendamaiordoqueparaoconsumoem70%dasfamílias.Dessaforma,oagri-
estUdos aGrários 253
cultorfamiliardependedasflutuaçõesedascondiçõesdetrocadomercado,nãosabendoqueremuneraçãoiráobtercomavendadaprodução,nemospreçosdevendaearentabilidadedaprodução.Assim,osagricultoresficamàmercêdascondiçõesexternasàsuni-dadesprodutivasparadefinirquerendimentomonetárioteráparafazerfrenteaoconsumofamiliaratravésdacompradessesprodutos(Gazolla;Schneider,2007).
Tabela 1–ProdutosparaconsumoeparacomercializaçãoentreasfamíliasdeFavila,emCanguçu(RS).
Produtos Consumo (%) Venda (%) Total (%)
Fumo 0 100 100
Cebola 80 20 100
soja 0 100 100
Milho 91,66* 8,34 100
Batatainglesa 100 0 100
Feijão 71,42 28,58 100
Hortifrutigranjeiros 100 0 100
leite 30 70 100
*Incluioconsumocomoalimentodiretopelasfamíliaseoconsumocomoraçãoanimal.
Fonte:Pesquisadecampo(2009).
Osprodutostípicosparaoconsumodasfamíliasnalocalidadeemestudosãoabatata-inglesaeoshortifrutigranjeiros,dosquais100%daproduçãosãodestinadosaoconsumoimediatodasfamí-lias,seguidospelomilho,com91,66%,pelacebola,com80%,epelofeijão,com71,42%doautoconsumo.Abatata-inglesa,oshortifru-tigranjeiros,acebolaeo feijãodestinadosaoconsumodomésticoindicamquesetratadeprodutostipicamenteutilizadosnadietaali-mentardogrupofamiliar,emboraalgunsdessesalimentosjásejamdestinadosàvenda.
Dessaforma,oagricultorproduzindoopróprioalimentopassaaterumamaiorautonomia,oquemelhorasuarendapelofatodenãoprecisarcomprarnomercadodeterminadosprodutosparaasuaali-
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mentação,ouseja,reduzadependênciaeasubordinaçãoaomercado,alémdegarantirasegurançaalimentardafamíliaaolongodoproces-soprodutivoanual,porparticipardetodooprocessoprodutivo.
Aproduçãodofumoedasoja,querepresentamoscultivosemi-nentementecomerciais,fazqueasfamíliasdeFavilaintensifiquemoritmodetrabalho,dandopreferênciaaessescultivos,comercia-lizadosexclusivamentepela integraçãoaoscomplexosagroindus-triais.Porém,osprodutosparaoautoconsumo,comoabatata-in-glesa,ofeijão,acebola,omilhoeoshortifrutigranjeirosassumemacondiçãodecultivoscomplementares:
Otempodetrabalho,amãodeobradisponíveleosrecur-sosprodutivossãoreorganizadosemfunçãodoscultivosco-merciaiseestesdisputamespaçocomoautoconsumo,condi-cionando-oaumafunçãodecomplementaridade.(Schneider;Grisa,2008,p.488)
Noentanto,mesmodandopreferênciaaoscultivoscomerciais,osagricultoresfamiliaresdeFavilanãodeixamdeproduzirosalimentosparaopróprioconsumo,conformefoiexpostonaTabela1,poisessaproduçãorefere-seaumaformafamiliardeorganizarosistemaagrí-cola,alémdefazerpartedeumrepertórioculturaledepreservaçãodaidentidadedosagricultores.Afamíliaestabeleceestratégiasquevisamnãosomenteàsobrevivênciaimediata(emcurtoprazo),mastambémàgarantiadereproduçãodasgeraçõesseguintes.
Nestamesmadireção,Gazolla (2006) afirmaqueosprodutospara autoconsumo são fundamentais para as unidades familiaresporpropiciaremumaalternativaentreconsumoevenda,alémdeoagricultorpossuirumamaiorautonomiaperanteamercantiliza-çãodoprocessoprodutivoedopróprioconsumodealimentos,pelofatodestesseremproduzidospelaprópriafamília.
Alémdoscultivosagrícolastípicosparaconsumo,nalocalidadedaFavilaépossívelencontraroutroselementosquefazempartedaproduçãoparaoconsumodomésticodogrupofamiliar,relaciona-dosaocriatórioanimal(Tabela2).
estUdos aGrários 255
Asaves,ossuínoseosovinossãodestinadosexclusivamenteparaoautoconsumo.Osbovinos,alémdeseremusadoscomotraçãoani-mal,servemtambémparaoconsumodaprópriafamília;jáosequi-nossãoutilizadosexclusivamentecomoforçadetrabalho,paraexe-cutartarefasnaproduçãoagrícola,principalmentenoslocaisondeoterrenoémuitoíngremeeimpossibilitaautilizaçãodotrator.
Tabela 2–CriaçãoanimalparaconsumoentreasfamíliasdeFavila,emCanguçu(RS).
Tipos de criação Número de famíliasNúmero total de
cabeças
Bovinos 15 121
Equinos 07 07
Aves 15 550
Suínos 13 90
Ovinos 02 09
Fonte:Pesquisadecampo(2009).
No entanto, mesmo mantendo características dos sistemasagrícolas tradicionaisnaproduçãoparaoautoconsumo,osagri-cultoresfamiliaresestãosemodernizandoeseespecializandoemdeterminadosprodutoscomerciaise,dessamaneira,precisamseadaptar às exigências domercado em relação à regularidade daoferta e à padronização da produção.Nesse caso, amoderniza-çãoocorre,principalmente,atravésdousodemaquináriose in-sumos,maisprecisamente tratores, adubaçãoquímica e agrotó-xicos.Assim,oselementoscaracterísticosdapequenaagriculturadecaráterfamiliar,comoaenxada,acarroçaeacolheitamanualestãosendosubstituídospornovaspráticasemeiosdeprodução (Schneider;Grisa,2008).
NaTabela3épossívelperceberqueosagricultoresestãopas-sandoporumprocessodemodernizaçãonoquese refereàutili-zaçãodesementesselecionadas, insumos industriais (fertilizantese agrotóxicos) e à mecanização. Segundo Ehlers (1999), tal mo-
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dernização fundamenta-senamelhoriadaprodutividadeagrícolapormeiodasubstituiçãodeprodutoslocaisoutradicionaisporumconjuntodepráticastecnológicas,istoé,devariedadesvegetaisme-lhoradas,queexigemfertilizantesquímicos,agrotóxicoscommaiorpoderbiocidaemecanização.
Autilizaçãodefertilizantesquímicoseagrotóxicosentreosagri-cultoresocorreporque,dosquinzeentrevistados,quatorzeplantamfumo,eessecultivoexigeautilizaçãodetaisinsumos.Porém,todososprodutoresdeclararamquenãoutilizamprodutosquímicosnoscultivosdestinadosaoautoconsumo.
Tabela 3–ElementosdamodernizaçãodaagriculturadeFavila,emCanguçu(RS).
Tipos Número de famílias que utilizam
Mecânicaprópria 07
Fertilizantesquímicos 15
Fungicidas,inseticidas 14
Herbicida 15
Calcário 15
Sementesemudas 15
Fonte:Pesquisadecampo(2009).
Nesse contexto, é possível perceber que a modernizaçãoatingiu tambémo universo da agricultura familiar,muito em-bora não tenha sido adotado por todos os agricultores, o quecaracteriza a diversidade de formas de organização socioespa-cial da produção familiar no agro brasileiro.No entanto, per-mite afirmar que, apesar damercantilização da produção e daconsequentemodernizaçãodoprocessoprodutivo,nãoocorreodesaparecimento da autonomia namobilização e conversão derecursos econômicos e na utilizaçãode saberes tradicionais nointeriordasunidadesprodutivas.
Assim,épossívelidentificarasestratégiassociaiseprodutivasvoltadasparaaconstruçãoefortalecimentodaautonomiaesuapar-
estUdos aGrários 257
ticularinteraçãocomoprocessodemercantilizaçãoeexternaliza-çãodaprodução,sobretudoporqueessasestratégiaspodemlevar,entreoutrosresultados,aumaumentonaabsorçãodotrabalhoenarentabilidadedasatividades,adespeitoeparaalémdopoderdepadronizaçãoeconômica,socialetecnológicaexercidonãosomen-teporagentesdefornecimentodeinsumoseprocessamentoeco-mercializaçãodeprodutosagropecuários,mas,ainda,pordiversasagênciasestataisecooperativas(Norder,2006).
Outro aspecto importante referente à agricultura familiar é aformacomoapropriedadefoiadquirida,poisissorefletequeessetipodeagricultura,mesmosendofamiliar,podesedesenvolveresereproduzirsocialeeconomicamente.Muitosagricultoresconse-guiramadquirir suapropriedadeatravésde compra e, emmenorproporção,pormeiodeherança,epermanecercomoagricultoresfamiliares(Tabela4).
No entanto, apropriedadeda terrapara os agricultores fami-liaresdeFavilanãosignificaapenasum“espaçode trabalhoedeprodução,massimumespaçodevidacapazdeguardaramemóriadafamília”(Wanderley,2009,p.173).
JáPaulinoeAlmeida(2010,p.40)afirmamque“aterracampo-nesanãoéapenasterradetrabalho,elaétambémmoradadevida,lugardosanimaisdeestimação,dopomar,dahortaedojardim,éaterradafartura,ondeogrupofamiliarsereproduzpormeiodoautoconsumo”.
Portanto,verifica-sequenalocalidadeemestudo,apropriedadeseconstituicomoumespaçodeproduçãoapartirderealidadeseco-nômicas,sociaisepolíticas,etambémcomoumespaçodevidaque,segundoWanderley(2010)significaque:
O território épercebido comoumespaçodevidadeumasociedadelocal,quetemumahistória,umadinâmicasocialin-ternaeredesdeintegraçãocomoconjuntodasociedadenaqualestainserida.Trata-se,nestecaso,deperceberoterritóriocomoainserçãoespacialdamemóriacoletivaecomoumareferênciaidentitáriaforte.(ibidem,p.232)
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Dessaforma,épossívelperceberqueafamíliaestabeleceestra-tégiasquevisam,alémdasobrevivência imediatadogrupofami-liar,àgarantiadereproduçãodaspróximasgerações.Essarepro-duçãodas gerações futuras é garantida pela sucessãohereditária,conformeexplicamAnjoseCaldas(2006):
A sucessão na agricultura familiar envolve não apenas atransferênciadeumpatrimônioedecapitalimobilizadoaolon-godassucessivasgerações,masdeumverdadeirocódigocul-turalqueorientaescolhaseprocedimentosdirigidosagarantircomque,pelomenos,umdossucessorespossareproduzirasi-tuaçãooriginal.(p.187)
Noqueserefereàformadeobtençãodasterrasentreosagricul-toresfamiliares,épossívelverificarquequasemetadedasproprie-dadesfoiadquiridasomente,porcompra,representando46,66%;já26,67%foramadquiridaspormeiodeherança;e26,67%atravésdecompracombinadacomherança.
Tabela 4–FormadeobtençãodasterrasentreosagricultoresfamiliaresdeFavila,emCanguçu(RS).
CategoriasNúmero de
PropriedadesNúmero de Hectares
Compra 07 143Herança 04 88Compra+Herança 04 –Fonte:Pesquisadecampo(2009).
Dessemodo,aagriculturanalocalidadeemestudocaracteriza--seporserpraticadaempropriedadesdecaráterfamiliar,commé-diaaproximadade15hadedimensãofísica,sendocalculadasape-nasasterrasadquiridasporcompraouherança,ouseja,aspróprias.Osagricultoresplantamnessasterrastantoosprodutosqueserãodestinadosàgeraçãoderenda(comercialização)quantoosquese-rãodestinadosaoconsumodoméstico.
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Considerações finais
AagriculturadoRioGrandedoSulpassoupormodificaçõessociais, produtivas e econômicas a partir dos anos 1970. EssastransformaçõesocorreramtambémcomosagricultoresfamiliaresdeFavila, nomunicípiodeCanguçu-RS, e as suas estratégiasdereproduçãosocialpassaramacombinarosprodutoshistoricamen-teproduzidosquesedestinamaoautoconsumocomosprodutosquenãosãoexclusivosparaoconsumoimediatodogrupofamiliar;alémdisso,seintegraramaoscomplexosagroindustriaispormeiodedeterminadosprodutos,comoofumo,oleiteeasoja.
Mesmoassim,osagricultorescontinuaramcultivandoospro-dutosdestinadosaoautoconsumoporseremfundamentaisparaasunidadesfamiliares,poispermitemumamaiorautonomiadoagri-cultordiantedacomercializaçãoedopróprioconsumodealimen-tos,alémdepropiciarumamaiorsegurançaalimentarpelofatodeeleterparticipadodetodooprocessoprodutivo.Eainda:osprodu-tores familiaresdeFavilaficammenosvulneráveisàdependênciaeàsubordinaçãodasempresase indústriasparaasquaisvendemparte de sua produção, visto que não dependem exclusivamentedelasparacomprarosalimentosbásicosàsuaalimentação,alémdepreservarasuaidentidade.
Assim,épossívelevidenciarqueaproduçãoparaoautoconsu-moéde fundamental importânciaparaamanutençãoda família,garantindoaosagricultoresumarendanãomonetáriaeumamaiorestabilidade econômica.Também, a agricultura familiar assumeumpapelrelevante,sendoresponsávelporgrandepartedaprodu-çãodealimentosnopaís,emespecialparaoconsumofamiliar.
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AGroecoloGiA e SuAS relAçõeS com A educAção AmbientAl:
A QueStão do lixo doméStico e AGrícolA
Lânderson Antória Barros1
Glauber Sudo Cabana2
Giancarla Salamoni3
Adão José Vital da Costa4
Opresente capítulo trata sobre aquestãodo lixodoméstico eagrícolanascolôniasMaciel eSãoManoel,nodistritodeRincãodaCruz,pertencenteaomunicípiodePelotas-RS,ebuscamostrarasalternativasadvindasdaagroecologiaparaagestãodo lixonaspropriedadesrurais,principalmentenoquedizrespeitoàgeraçãoderesíduosorgânicos,àreciclagemeàminimizaçãodosimpactossobreoambiente.Emrelaçãoaousodeagrotóxicoseàconsequenteproduçãodelixoagrícola,demonstra-sequeaagroecologiarepre-sentaumrompimentocomadependênciados insumosexternos,sendoumsuportenãosóparaamanutençãodaagriculturafami-
1 AcadêmicodocursodeLicenciaturaemGeografiadaUniversidadeFederaldePelotas.BolsistadoLaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbientais–LEAA.Contato:[email protected]
2 AcadêmicodoCursodeLicenciaturaemGeografiapelaUniversidadeFederaldePelotas–UFPEL.MembrodoLaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbien-tais–LEAA.Contato:[email protected]
3 ProfessoraAssociadaIdaUniversidadeFederaldePelotas.ProfessoraOrien-tadoranoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia–FURG.CoordenadoradoLaboratóriodeEstudosAgrários eAmbientais –LEAA/ICH/UFPEL.Contato:[email protected]
4 DoutoremCiênciaspelaFaculdadedeAgronomiaEliseuMacieldaUniversi-dadeFederaldePelotas–UFPEL.ProfessorassistentedaUniversidadeFede-raldePelotas.Contato:[email protected]
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liar,mas tambémuma importante alternativapara apreservaçãodoambiente,umavezquenãoutilizaprodutostóxicos,oquepos-sibilitaaoagricultorforneceralimentosmaissaudáveisedemelhorqualidadetantoparaosprópriosprodutoresruraisquantoparaosconsumidoresurbanos.
Essasdiscussões têmganhadodestaqueatualmenteemvirtude doaumentosignificativodosíndicesdedegradaçãoambientaldecor-rentedousodosinsumosquímicosedaproduçãodelixo.Odescarteemlocalinapropriadoeodesperdícionoaproveitamentoderesídu-osorgânicoseinorgânicos(faltadereciclagem),somadosaousodeagrotóxicos,sãoosprincipaistemasabordadosnotrabalho.
A modernização da agricultura brasileira
Oespaçoagráriobrasileiro,apartirdadécadade1960,passouporprofundastransformaçõesemvirtudedoprocessodemoderni-zaçãodaagricultura,tambémchamadodeRevoluçãoVerde.Essemodelodeproduçãoagrícolatraçounovosobjetivosparaaagricul-tura,osquaisinterferiramdiretamentenasdinâmicassociaisrela-cionadasaoprodutorrural,poiscomamodernizaçãoocorreuumaumentonadependênciadosprodutores emrelaçãoaos insumosexternos,alémdeumaumentonaconcorrênciadosprodutos,entreoutrosinúmerosimpactostantoeconômicos,sociais,quantocultu-raiseambientais.
Essamudançanomodeloprodutivoagrícolaocorreuparalela-menteàformaçãoeàconsolidaçãodoscomplexosagroindustriais,fortalecendoomovimentodemodernizaçãonasformasdeprodu-çãoecontribuindoparaoaumentodadependênciaeconômicadoagricultordosrecursosfinanceirosedosmercadosexternos.Areor-ganizaçãodaagriculturabrasileira,dessemodo,visousomenteaoaumentodaprodutividade,semlevaremcontaasustentabilidadedosrecursosnaturais.
Juntamentecomesseprocesso,asaçõesdaspolíticaspúblicasnosentido de difundir amodernização buscavam auxiliar, principal-
estUdos aGrários 265
mente, os produtores que possuíamumaprodução voltada para aexportaçãoeofornecimentodematérias-primasparaoscomplexosagroindustriais.Hespanhol(2007)reforçaessaideiaafirmandoque:
Amodernizaçãodaagricultura,desencadeadanopaísnosanosde1950,tornou-seexpressivaprincipalmenteapartirdainstituiçãodoSistemaNacionaldeCréditoRural(SNCR),noanode1965.Ogovernofederalalémdefornecercréditoruralsubsidiadoaosmédiosegrandesprodutoresruraisparainves-timento,comercializaçãoecusteiodaproduçãorealizadaembases técnicasmodernas, construiu emodernizouarmazéns,apoiouaexpansãodocooperativismoempresarial,crioufaci-lidadesparaainstalaçãodeindústriasquímicasemecânicaseestimulouaimplantaçãoeexpansãodeagroindústriasproces-sadorasdematérias-primasprovenientesdocampo.(p.274)
Diantedetaispremissas,percebe-sequeessemodelodeproduçãoagrícola,baseadonamodernizaçãoenareorganizaçãodoespaçoagrá-riobrasileiro,nãoestádiretamenterelacionadoaodesenvolvimentoru-ral,poisparaquesepossaconsiderarquetaistransformaçõesopromo-vessem,algunsaspectoscomoinfraestrutura,tecnologiaeamelhoriadobem-estardosprodutoresdeveriamestarrelacionadosàsmudançasnabasetécnica.Pelocontrário,duranteoprocessodemodernizaçãodaagriculturabrasileira,sóaumentaramasdesigualdadessocioeconômi-caseosdesequilíbriosambientaisnoespaçoagráriobrasileiro.
Os benefícios decorrentes da RevoluçãoVerde foram extrema-menteconcentradosporpoucosagricultores,vistoqueaaplicaçãodosrecursossedeudeformadesigualeexcludente,favorecendoosgran-desproprietáriosquecontrolavamgrandepartedasterrasdopaís.Emcontrapartida,talmodeloprodutivofoiadotadodeformaparcialpeloagricultordebasefamiliar,quenãoconseguiudispordecréditoparamodernizar suaprodução, visando integrar-se aomercadourbano--industrial.Logo,muitosprodutoresruraisquenãoseadequaramàspolíticasagrícolasdopaísdeixaramocamporumoàsgrandescidadesnabuscadenovasoportunidadesemelhorescondiçõesdevida.
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Alémdosfatorescitadosanteriormente,omodelodamodernaagriculturatambémpromoveuumasériedeimpactosambientais,pois,viaderegra,aproduçãoestáalicerçadanamonocultura,fa-cilitandoaproliferaçãodedoençasnasplantas,eparaconter taisproblemas,sãoutilizadosinsumosquímicos–osbiocidas–,que,alémdeaumentaremgrandeescalaocustodaprodução,agridemdiretamenteabiodiversidade,empobrecendoosolo,contaminandoosrecursoshídricos,ascadeiasalimentares,ostrabalhadoresruraiseosconsumidoresdessesprodutos.
Além dos problemas citados, diversos estudos comprovaramagrandequantidadedeenergiautilizadaparaaproduçãoagrícolaconvencional oumoderna.Apartir dadécada 1980, oBrasil en-frentouumagrandecriseeconômica,diminuindodrasticamenteosinvestimentosquefinanciavamesseprocessodemodernizaçãonaagricultura.Paralelamente,aRevoluçãoVerdepassouasofrerdu-rascríticasporpartedosambientalistasedosmovimentossociais,pelofatodesuaspráticasgeraremimpactosnegativosaoambiente,demonstrando,assim,ainsustentabilidadeimpostaporessemode-lodedesenvolvimentodaagricultura.
Emcontrapartida,paraqueumsistemaagrícolasejasustentável,énecessárioqueeletenhaefeitosmínimosnoambienteequepreserveafertilidadedosolo,bemcomopermitaamanutençãodabiodiversidadeedaqualidadedaságuasedoar(Darolt,2002).Aorganizaçãodessesistemaprodutivosósetornaviávelapósumbreveestudosobreolocalemqueiráserinstaladooagroecossistema,poisatémesmosistemasagrícolasorgânicospodemserdegradadosaolongodotempo.Nessesentido,osprincípiosdaagroecologiapodemrepresentarumadasal-ternativasparaaconstruçãodepráticassustentáveisnaagricultura.
A agroecologia como alternativa à agricultura convencional ou moderna
SegundoSalamonieGerardi(2001),emmeadosdosanos1980,começaramasurgirosprimeirosdiagnósticossobreosresultados
estUdos aGrários 267
damodernizaçãoda agricultura: era chegada ahorade avaliar asdécadas de progresso técnico e, paradoxalmente, de fracasso dosprojetosdedesenvolvimentosocioeconômico,eainda,adeteriora-çãoambientaldosespaçosrurais.
Nessemomento,otermodesenvolvimentosustentávelcomeçaaserdifundidoentreestudiososepesquisadoresdediversasáreasdoconhecimento.Apartirdetaisdiscussões,inicia-seaconstruçãodanoçãodeagriculturasustentável,umsistemaquetemporobje-tivosamanutençãodaproduçãoe,aomesmotempo,adiminuiçãodosimpactosgeradosporessaatividade,tantonoâmbitoambientalquantonasdimensõessocial,cultural,econômicaeespacial.
Taispreocupaçõesacercadasustentabilidadeagrícolasedão,se-gundoEhlers(1999),apartirdasconstantespressõesdasociedadesobreaspolíticasgovernamentaisdedesenvolvimentoquegeravamproblemassociaiseambientais,e,principalmente,doagravamentodos problemas ambientais provocados pela agriculturamoderna,comoerosão,contaminaçãodosrecursoshídricos,edestruiçãodafaunaedaflora.
Apartirdisso,entende-seporsustentávelosistemaprodutivoquenãocomprometaoecossistemafuturo,ouseja,aproduçãodeveserobtidacombaseemalgumas limitações,buscandoreduziraomáximo os impactos gerados pela atividade, afetando omínimopossíveloambiente,conservandoassimosolo,aáguaeabiodiver-sidadedosagroecossistemaslocais.
SegundoSachs(1993),aoplanejarmosodesenvolvimento,de-vemosconsiderarcincodimensõesdesustentabilidade:social;eco-nômica;ecológica;espacial;ecultural.Esseconceitopropostopeloautorvisaaoequilíbriodarelaçãoentreohomemeanatureza,rea-lizandoajunçãodediversasáreasdaciêncianabuscadepropostasparaumdesenvolvimentosatisfatório,sejaemrelaçãoaosresulta-doseconômicos,sejatendoemvistaosimpactosecológicos,sociaiseculturais.
Asdiscussõesreferentesàsustentabilidadeagrícolachamamaten-çãoparaareduçãodeinúmerosproblemasdecorrentesdoprocessodemodernizaçãodaagricultura,indicandoanecessidadedereorientara
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produçãobaseadanamonoculturaparafortalecerossistemasdepro-duçãodealimentosdebasefamiliar.Emsíntese,asustentabilidadenaagriculturapodeserentendida,segundoSalamonieGerardi (2001),como amanutenção da produção, sob restrições de conservação dabasedosrecursosnaturaisemqueestáassentada(ouseja,semdegra-dação),alémdeobedeceraoscritériosdeviabilidadeeconômicaedeequidadesocialnadistribuiçãodosseusbenefíciosecustos.
Diante dos aspectos observados anteriormente, seguidos daproblemáticacausadapelaRevoluçãoVerde,aparecemnovaspráti-casagrícolasquerejeitamosmétodosutilizadosnaagriculturadita“convencional”. Entre tais métodos o paradigma agroecológicosurgecomoumabaseepistemológicadoconhecimentoeaplicabi-lidadenaagricultura,destacando-seporutilizarprincípiosecoló-gicos na construção de agroecossistemas sustentáveis. ConformeGliessman(2001),aagroecologiaéumafusãodaagronomia(ciên-ciaqueestudaespecificamenteosmétodosagrícolas)comaecolo-gia(ciênciaqueestudaossistemasnaturaisemtodooseuâmbito),constituindoumaabordageminterdisciplinar.ParaAltieri(2000):
Trata-sedeumanovaabordagemqueintegraosprincípiosagronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão eavaliaçãodoefeitodastecnologiassobreossistemasagrícolaseasociedadecomoumtodo.Elautilizaosagroecossistemascomounidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional – genética,agronomia,edafologia–incluindodimensõesecológi-cas,sociaiseculturais.(p.18)
A agroecologia busca uma aproximação com a natureza dosagroecossistemas, destacando-se no contexto de uma agriculturasustentável,poisbusca reduzirosdanosdaspráticasagrícolasaoambiente e, aomesmo tempo, fortaleceroprodutor ruralnoquediz respeito à sua autonomia, tanto em relação àdependênciadeinsumosexternosquantoaoreconhecimentodossaberesculturais.
Apartirdesseselementos,percebe-sequeaagroecologiapautasuaspráticasnoequilíbriodasrelaçõesdohomemedanatureza,
estUdos aGrários 269
utilizando,segundoAltieri(2000),apreservaçãoeaampliaçãodabiodiversidadedosagroecossistemascomoprincípiosparaprodu-ziraautorregulaçãoeasustentabilidadedaagricultura.Nessecon-texto,aagroecologiapartedoestudodeumtodo,enãosomentedepartes,comograndepartedastécnicasditasmodernasquebuscamumestudoparticularizadodocultivo.SegundoGliessman(2001):
Aprendemosmuitosdetalhesapartirdaespecializaçãoedeumfocoestreitosobreorendimentodoscomponentescultiva-dosdossistemasagrícolas,masépreciso,também,desenvolverformasde compreensãode toda aunidadeprodutiva agrícola(etodosistemaalimentar)paraentendermosplenamenteasus-tentabilidadeagrícolaeimplementarmospráticassustentáveisdemanejo.(p.440)
Aagroecologiapartedodebatesobreinterdisciplinaridade,poisutilizaossabereslocaisepopularesjuntamentecomoconhecimen-tocientífico,sendoconsideradoumparadigmaemergente,queva-loriza o trabalhodo agricultor e todos os conhecimentosque sãopassadosdegeraçãoageraçãonaconstruçãoemanejodosagroe-cossistemas,aomesmotempoquebuscaalternativassustentáveisparaosinúmerosproblemasrelacionadosaomeioambiente.Sendoassim,elaascendenodebateacercadodesenvolvimentorural.
Diantedisso,aagroecologiaeaeducaçãoambientalestãointi-mamenterelacionadas,poisestaúltima,alémdepromoveracons-cientizaçãosobreaimportânciadoconsumodeprodutossaudáveis,também aborda questões relacionadas à produção e ao consumoconscientes,demonstrandoanecessidadedepreservaçãodoecos-sistemaenvolvidonoprocessodeproduçãodosgênerosalimentí-ciose,concomitantemente,tambémvalorizaamanutençãodaagri-culturafamiliardebaseecológicanoespaçorural.Dessaforma,aagroecologiafirma-se,portanto,comumduplopapel tantocomoparadigmacientíficoquantocomomovimentopolítico,conformeafirmaGliessman(ibidem):
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Aagroecologiaproporcionaoconhecimentoeametodologianecessários para desenvolver uma agricultura que é ambiental-menteconsistente,altamenteprodutivaeeconomicamenteviável.Elaabreaportaparaodesenvolvimentodenovosparadigmasdaagricultura,emparteporquecortapelaraizadistinçãoentreapro-duçãodeconhecimentoesuaaplicação.Valorizaoconhecimentolocaleempíricodosagricultores,asocializaçãodesseconhecimen-toesuaaplicaçãoaoobjetivocomumdasustentabilidade.(p.56)
Aagroecologiapreconizaousodemétodosepráticasdiferencia-dasdaRevoluçãoVerdenãoapenasnoquetangeàstecnologiasdi-tasmodernaseaosinsumosquímicos,mastambémnoqueserefereàabordagemdeaspectossocioeconômicos,demandasdepesquisaeextensãoeparticipaçãodacomunidadelocal.EssasdistinçõesentreaagroecologiaeaRevoluçãoVerdepodemserobservadasnoQua-dro1,propostoporAltieri(2000):
Quadro 1–ComparaçãoentreastecnologiasdaRevoluçãoVerdeedaagroecologia.
Características Revolução Verde AgroecologiaTécnicasCultivos afetados Trigo,milho,arrozetc. Todososcultivos.Áreas afetadas Nasuamaioria,áreas
plantadaseirrigáveis.Todasasáreas,especialmenteasmarginais(dependentesdachuva,encostasemdeclive).
Sistema de cultivo dominante
Monocultivosgeneticamenteuniformes.
Policultivosgeneticamenteheterogêneos.
Insumos predominantes Agroquímicos,maquinário;altadependênciadeinsumosexternosedecombustívelfóssil.
Fixaçãodenitrogênio,controlebiológicodepragas,corretivosorgânicos;grandedependênciaderecursoslocaisrenováveis.
AmbientaisImpactos e riscos à saúde Nenhum. Nenhum.Cultivos deslocados Namaioria,variedades
tradicionaiseraçaslocais.Nenhum.
EconômicasCustos das pesquisas Relativamentealtos. Relativamentebaixos.
(continua)
estUdos aGrários 271
Necessidades financeiras Altas.Todososinsumosdevemseradquiridosnomercado.
Baixas.Amaioriadosinsumosestádisponívelnolocal.
Retorno financeiro Alto.Resultadosrápidos.Altaprodutividadedamãodeobra.
Médio.Precisadeumdeterminadoperíodoparaobterresultadosmaissignificativos.Baixaamédiaprodutividadedemãodeobra.
InstitucionaisDesenvolvimento tecnológico Setorsemipúblico,
empresasprivadas.Namaioria,empresaspúblicas;grandeenvolvimentodeONGs.
SocioculturaisCapacitações necessárias à pesquisa
Cultivoconvencionaleoutrasdisciplinasdeciênciasagrícolas.
Ecologiaeespecializaçõesmultidisciplinares.
Participação Baixa(namaioria,métodosdecimaparabaixo).Utilizadosparadeterminarosobstáculosàadoçãodastecnologias.
Alta.Socialmenteativadora,induzaoenvolvimentodacomunidade.
Integração cultural Muitobaixa. Alta.Usoextensivodeconhecimentotradicionaledeformaslocaisdeorganização.
Fonte:Altieri(ibidem,p.34-35).
Portanto,osconceitosadotadospelaabordagemagroecológica
demonstramqueépossívelaconstruçãodeumaagriculturasus-tentável combase na recuperação dos saberes populares aliada àvalorizaçãodos recursos existentes no interior das unidadespro-dutivas.Ainda, a tomadade consciênciados agricultores sobre aimportânciadaproduçãodealimentosbons,limposejustos,podegarantir o processo de transição dométodo convencional para oagroecológico.
Cabesalientarqueatransiçãopodeserlenta,pois,namaioriadasvezes,aterraestácontaminadapelosinsumosquímicos;alémdisso,asmudançasnas formasdemanejoutilizadasnossistemasagrícolasnecessitamdetempoedeauxíliodosserviçosdepesquisa
(continuação)
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eextensãorural.Porisso,édegrandeimportânciaopapeldaspo-líticaspúblicasqueincentivemessetipodeproduçãoe,aomesmotempo,promovamumreconhecimentomaiordaagroecologiaedofortalecimentodaagriculturafamiliar.
A questão do lixo doméstico e agrícola: um estudo de caso
Ageraçãodelixopodeserconsideradaumaquestãosocioam-biental,poisalémdeestarrelacionadaàsaúdepública,umavezque fazpartedosaneamentobásico, juntocomo tratamentodaáguaedoesgoto,temrepercussõessobreapreservaçãoe/oucon-servaçãodosrecursosnaturais,principalmente,noquetangeaosmananciaishídricos.
Emumadimensãomaisabrangente,sabe-sequeo lixohojeéumdos grandes problemas a ser enfrentado, principalmente nospaísessubdesenvolvidos,ondegrandepartedapopulaçãocarecedeinformaçõeseorientaçõesadequadasparaagestãodolixoproduzi-do,naspalavrasdeDiammond(2005):
Osproblemasambientaisqueenfrentamoshojeemdiain-cluemasmesmasoitoameaçasqueminaramassociedadesdopassadoequatronovasameaças:mudançasclimáticasprovo-cadaspelohomem,acúmulodeprodutosquímicostóxicosnoambiente, carênciadeenergiaeutilização totaldacapacidadefotossintéticadoplaneta.Amaioriadessas12ameaçasacredita--se,setornarácríticaemâmbitomundialnaspróximasdécadas:ouresolvemososproblemasatélá,ouosproblemasirãominarnãoapenasàSomália,comotambémàssociedadesdoPrimeiroMundo.(p.19e22;adaptado)
Emlinhasgerais,conformeD’AlmeidaeVilhena(2000),apro-duçãodelixonomundoésubdivididaemtrêscategorias:reciclável(30%),degradável(50%),eos20%restantes,obrigatoriamente,de-
estUdos aGrários 273
vemserdepositadosemlocaispreviamenteescolhidosparaacons-truçãodeaterros sanitáriosdeacordocoma legislaçãoambientalvigenteemcadapaís.
Olixorecicláveléo“lixoquenãoélixo”,ouseja,éomaterialquenãosedecompõe,comoplástico,metal,vidro, lataetc.Essesresíduos,quandoreutilizados,permitemeconomiadeenergia(todaaquelaconsumidanaprodução)e,depoisdecomercializados,auxi-liammuitasfamílias(catadores)nageraçãoderenda.Emalgumascidades brasileiras existem cooperativas de catadores que traba-lham exclusivamente com a atividade de reciclagemde lixo. Po-rém,oproblemadolixopoderiasermaisrapidamenteresolvidoseapopulaçãocolaborassecomaseparaçãodolixodoméstico,comoacontecenamaioriadospaísesdesenvolvidos.
Segundo Kiehl (1985), o lixo degradável, que corresponde acercade50%dototaldolixogerado,édestinadoàcompostagem.Oprincipalsubprodutodessetipodelixoésuatransformaçãoemaduboorgânico,utilizado emhortas agroecológicas e jardins.Os20%restantescorrespondemaolixoquenãotemreutilização.Esteé,necessariamente,depositadoematerrossanitáriosedeveserre-cobertoporterraecompactadopormáquinas,evitandoacontami-naçãodosolo,dolençolfreático,aproliferaçãodeinsetosetc.
Aconservaçãodoambientee,consequentemente,daqualidadedevida,temsidoumapreocupaçãodasociedadejáháalgumtempo.Comisso,intensifica-seademandaporatividadesqueestimulemodesenvolvimentodeumaconsciênciaambientalnãosóecológica,dopontodevistadanatureza,mastambémvisandoàsquestõesso-ciais,culturaiseeconômicasrelacionadasàexistênciadohomem.Dessaforma,umasupostasociedadesustentávelpressupõeacríticaàsrelaçõessociaisedeprodução,tantoaotipodevaloratribuídoànaturezaquantoaousodosrecursosnaturais(Amâncio,2005).
Osproblemascausadospeloaquecimentoglobaleoaumentopopulacionalobrigaramomundoarefletirsobreanecessidadedebuscaralternativasquevisemàdiminuiçãodetaisdanos.Ocenárioémuitopreocupanteedeveserlevadoasério,poisasconsequênciasatingirãoatodos,semdistinção.
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Amodernizaçãodaagriculturaeoconsequentedesenvolvimen-totécnicogeraramoaumentodadegradaçãoambientalporcausadousoindiscriminadodeagrotóxicosefertilizantesquímicos,eatémesmodoempregodemaquinárioagrícola,semomanejoadequa-doerecomendadotecnicamente.Esseconjuntodefatorestemcau-sadograndesdanosaosanimais,àsplantas,àságuaseaoprópriohomem,chegandoaumpatamardeinsustentabilidadeemquetalavançotecnológiconecessitaserrepensadodemaneiracrítica,afimde garantir, inclusive, a própriamanutenção comomediador dasrelaçõesentresociedadeenatureza.
Sabe-sequesomenteaeducaçãoambientalnãoresolveráoscom-plexos problemas ambientais planetários, no entanto, pode influirdecisivamenteparaissoquandoformacidadãosconscientesdosseusdireitosedeveres.Apartirdodespertardaconsciênciaedoconheci-mentosobreaproblemáticaglobal,poderãoocorrermudançastantonosistemadeproduçãoquantonodeconsumo,quesenãotêmresul-tadosimediatos,visíveis,tambémnãoserãosemefeitosconcretos.
A transiçãodaagriculturaconvencionalparaadebaseagroe-cológicaenquadra-senoroldealternativasparaumamudançanasrelaçõesentresociedadeenatureza,poisalémdeforneceralimentosmaissaudáveisedemelhorqualidade,aindaajudanainclusãoso-cialdotrabalhadorruralenapreservaçãoeconservaçãodasrique-zasnaturais.
Para estudar o sistemada agricultura, torna-senecessáriode-limitar as “fronteiras” do que é definido comoum sistemanestapesquisa.Considera-sequeapropriedade rural familiarpode serentendidacomoumsistemabásicodeanálise,entretanto,diversoedotadoderelações/interações,endógenaseexógenas,nasquaisoprodutor, suaunidadedeproduçãoesua famíliaconstituemaspartescentraisdainvestigação.Valendo-sederacionalidadessocio-econômicasdistintas, osprodutores fazemescolhasdiferentesnoqueserefereaotrabalhofamiliar,àorganizaçãoprodutiva,àsprá-ticasagrícolaseàstécnicasutilizadas;portanto,nemtodosadotamasmesmasformasdeexploraçãodosecossistemas,oqueresultaemagroecossistemasdiversificados.
estUdos aGrários 275
Para a delimitaçãoda área de estudo, foi utilizada comobasecartográficaadivisãodistritaldomunicípiodePelotas(RS).Paraestecapítulo, foiescolhidocomoáreadeanáliseo8odistrito,de-nominadoRincãodaCruz,oqualrepresentaaregiãocolonialdoreferidomunicípio,comumaorganizaçãodosistemadeagriculturatipicamentedebase familiar (Figura1).E,mais especificamente,foramselecionadasduascolôniaslocalizadasnessedistrito:ColôniaMacieleColôniaSãoManoel,respectivamente,representativasdaproduçãodepêssegoedefumo.
Figura 1–LocalizaçãodomunicípioedodistritodoRincãodaCruz.Fonte:LaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbientais(2009).
Paraconfrontarateoriadaeducaçãoambientaledasustentabi-lidadecomaspráticassocioprodutivasdosagricultores, realizou--setrabalhodecamponoqualforamcoletadosdadoseinformaçõesprimárias, pormeio de entrevistas, nas colôniasMaciel (48 pro-priedades rurais) e SãoManoel (43propriedades rurais) sobre asseguintesquestões:destinodosdiversostiposdelixo(lixodomés-tico–secoeorgânico;lixoagrícola–embalagensdeagrotóxicos)esobrealavagemdasembalagensdeagrotóxicosedosequipamentosagrícolasutilizadospelosagricultores.
Quandoquestionados sobre o destinodo lixo secoproduzidonassuaspropriedades,osentrevistadosdaColôniaMacielderamas seguintes respostas: 53,19% fazem a coleta seletiva; 34,04%queimam;2,13%descartamemqualquerlugar;e10,64%realizam
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outraspráticas. JánaColôniaSãoManoel, 47,37% fazema cole-taseletiva;40,36%queimam;8,77%enterram;1,75%descartaemqualquerlugar;e1,75%realizaoutraspráticasdedestinaçãoparaolixoreciclável.
Naáreaondefoirealizadaapresentepesquisa,porserumes-paçorural,observa-sequeagestãodolixoapresentaalgumaspar-ticularidades,como:adeficiêncianosistemadecoletadolixosecooureciclável,poisoserviçoérealizadoapenasumavezporsemananesseslocais.Muitosagricultoresafirmamteraderidoaesseservi-ço,executadopelopoderpúblicomunicipal,naexpectativadeco-laborarcomapreservaçãodanaturezaeamanutençãodapaisagem,principalmentenoquedizrespeitoaosrecursoshídricos(arroios,sangasenascentes),poisalémdoabastecimentodeáguaparaocon-sumodoméstico,estessãoutilizadosparaatividadesdeturismonoespaçorural.
Aoseremquestionadossobreodestinodolixoorgânicopro-duzidonassuaspropriedadesrurais,naColôniaMacielosentre-vistados deram as seguintes respostas: 57,14% reaproveitam naalimentaçãoanimal;6,12%enterramoujogamemalgumlocalnaprópriapropriedade;34,70%usamcomoadubação;e2,04%rea-lizamoutraspráticas.NaColôniaSãoManoel,57,41%reaprovei-tamnaalimentaçãoanimal;25,92%enterramoujogamemalgumlocalnaprópriapropriedade;e16,67%usamcomoadubação.
Emrelaçãoaodestinodasembalagensdeagrotóxicosutilizadasnassuaspropriedades,osentrevistadosdaColôniaMacielrespon-deramoseguinte:48,84%entregamparaasempresas(fumageiras);2,32%enterram;4,65%realizamaqueima;4,65%fazemodescar-teemqualquer lugar;27,91%nãoutilizamagrotóxicos;e11,63%entregamparaasubprefeitura.JánaColôniaSãoManoel,ospro-prietáriosderamasseguintesrespostas:35,30%entregamparaasempresas(fumageiras);1,96%reutilizaparaoutrosfins;5,89%rea-lizamaqueima;19,60%nãoutilizamagrotóxicos;e37,25%entre-gamparaasubprefeitura.
Aoanalisaragestãodolixoagrícolanascolôniasabordadas(Fi-gura2),verificou-sequeamaioriadosproprietáriosentregaasem-
estUdos aGrários 277
balagensdeagrotóxicosouparaasubprefeituraouparaasempresasfumageiras;porém,umapequenaparcela,porfaltadeinformaçãoe/oupordescaso,queima,enterraouasdescartaemqualquerlugardapropriedade.
Figura 2–Lixoagrícoladepositadoemmataciliar.Fonte:Pesquisadecampo(2009).
Apesar de estarmos vivendo emuma época na qual a grandemaioriadapopulaçãotemacessoàcoletadelixo,especialmentenocasodoscentrosurbanos,nasentrevistaspercebe-sequeumaparteconsideráveldosmoradoresdaárearuralaindamantémoshábitosdeseusantepassados,comoenterrarolixo,queimá-lo,descartá-loacéuaberto,entreoutros.
Duranteotrabalhodecampoforamencontradasembalagensdeagrotóxicosemmeioàmataciliareemlocaisondeolixoéqueimadoe/oudepositadoparaserdecompostonaturalmente.Provavelmen-teessasações insustentáveisocorramporcausada faltade infor-maçãoentreosproprietáriosrurais,assuasfamíliaseainstituiçãoescolarsobreadinâmicadosrecursosrenováveisenãorenováveis,
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afimdequeanaturezapossaatenderàsdemandasdasociedade,ouseja,àsfuturasgerações.Caberessaltarque,dependendodomate-rialdepositado,comoplásticos,anaturezapodelevaratéquatro-centosanosparadecompô-lo,portanto,denadaadiantaenterrarolixoseelenãofordegradável.
Emcontrapartida,encontram-seprodutoresquereaproveitamolixodemaneiraecologicamentecorreta,comoéocasodolixoorgâ-nico,reutilizadopormaisdametadedosprodutoresruraisresidentesnasduascolôniasanalisadas.Nessecaso,osresíduossãousadosnaalimentaçãodosanimaisdomésticoseumaparcelasignificativatam-bémoreutilizacomoaduboorgânico,nocultivodehortaliçasefrutas.
Aos entrevistados das colôniasMaciel e SãoManoel foi per-guntadocomoerafeitaalavagemdasembalagensdosagrotóxicosutilizadasporelesnassuasrespectivaspropriedades.NaColôniaMaciel,75,86%fazematríplice lavagemeoreaproveitamentodaáguanaaplicaçãodalavoura;6,90%fazem,nomáximo,umalava-gem;17,24%fazematríplicelavagemecolocamaáguaemumlocalqueconsideramnãorepresentarriscosambientais.NaColôniaSãoManoel,72,22%fazematríplicelavagemeoreaproveitamentodaáguanaaplicaçãodalavoura;25,00%fazematríplicelavagemeco-locamaáguaemumlocalqueconsideramnãorepresentarriscosambientais;e2,78%nãofazematríplicelavagem,apenasrealizamaqueimadasembalagens.
Emrelaçãoàlavagemdasembalagensdeagrotóxicos,pode-seperceber nas entrevistas realizadas que amaioria dos produtoresruraisexecutaa tríplice lavagemereutilizaaáguada lavagemnapulverizaçãodalavoura.Porém,umaminoriafazatríplicelavagemedescartaaáguaemlugaresqueachaprópriosparadepositaraáguautilizada,desperdiçandoasobradoprodutoepodendocontaminarosolo,alémdolençolfreáticoeoscursosd’águaadjacentes.
Diantedisso,percebe-sequeaeducaçãoambientalnãodeveserfeita sóemespaços fechadoscomoa saladeaula,mas tambémapartirdeanálisesin locodaspráticassociais.Devem-seidentificarosprincipaisproblemasda comunidade, traduzindoa linguagemcientíficaparaacompreensãodetodos,estimulandoopensamento
estUdos aGrários 279
crítico,transmitindoosconhecimentosnecessáriosetrazendopos-sibilidades concretas para a solução dos problemas encontrados.ParaReigota(2004):
Oconhecimentoproporcionadopelaciênciaepelasculturasmilenares sobreomeioambientedeve serdemocratizado.Aspessoasdevemteracessoaele.Assim,EducaçãoAmbientalnãodevetransmitirsóoconhecimentocientífico,mastodotipodeconhecimentoquepermitaumamelhoratuaçãofrenteaospro-blemasambientais.(p.32)
Considerações finais: teoria versus realidade
Norecorteterritorialestudado,épossívelidentificarproblemasrelacionadosàsustentabilidadedosrecursoshídricos,poisnasco-lôniasMacieleSãoManoelaorganizaçãosocioespacialdaagricul-turafamiliartemcomoprincipaisprodutoscomerciaisofumoeopêssego,cultivosqueutilizamagrotóxicosdemaneiraintensiva.
Os produtores, na maioria das vezes, não têm preocupaçõesquantoàprópriasaúdeeadasuafamília,nemquantoàpreservaçãodosrecursoshídricos,pois,porestaremintegradosaoscomplexosagroindustriais,nosquaisgrandesempresas,comoas fumageirastransnacionais, impõemaadoçãodepacotestecnológicosnopro-cessoprodutivo,retiramaautonomiadosagricultoressobreautili-zaçãodosrecursosdisponíveisnapropriedade,principalmentenoqueserefereàterraeàágua.DeacordocomLeff(1998):
Osaberambientalemergedesdeumespaçodeexclusãoge-radonodesenvolvimentodasciências,centradasemseusobjetosdeconhecimento,equeproduzodesconhecimentodeprocessoscomplexosqueescapamàexplicaçãodestasdisciplinas.(p.124)
O ideário proposto na educação ambiental é que seja utiliza-do ummétodo participativo e interdisciplinar entre os distintos
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camposdoconhecimento,inserindonoescopodeestudoasvariá-veis econômicas, culturais, sociais e ambientais como dimensõesconstituintesdarelaçãosociedadeversusnatureza.Aoadotaressaperspectiva,busca-serompercomavisãofragmentadadarealida-de,levandoaoentendimentodetodososenvolvidosnosprocessosprodutivos a abordagem sistêmicadeque ohomeme anaturezaprecisamestabelecerumarelaçãodereciprocidade,equeasobre-vivênciadaraçahumanadependeúnicaeexclusivamentedaformacomoanaturezaétratada,poisohomemcriouumaincrívelhabili-dadedemanipulá-la,colocando-seemposiçãosuperioràdomeionatural,comoafirmaMiltonSantos(2002):
Ahistóriadaschamadasrelaçõesentresociedadesenature-zaé,emtodososlugareshabitados,adasubstituiçãodomeionatural,dadoaumadeterminadasociedade,porummeiocadavezmaisartificializado,istoé,sucessivamenteinstrumentaliza-doporessamesmasociedade.(ibidem,p.33)
Assim,entende-sequeaagroecologiaeaeducaçãoambientalestão intimamente relacionadas, pois ambas adotam como eixonorteador as cinco dimensões de sustentabilidade: social, eco-nômica, ecológica, espacial e cultural,promovendo, assim,umaabordagemmuitoamplaequepodeserutilizadaemdiversoscon-textosnasociedade,inserindotaispreocupaçõestantonoâmbitosocialcomoambiental.
Combasenasconcepçõesapresentadas,pode-seperceberqueaagroecologiavemseconstituindoemumparadigmaemergentecapazdecontraporopadrãodeprodução“convencional”,impostopelaRevoluçãoVerde.Dentrodessaperspectiva,aagroecologiaas-socia-sediretamenteàsquestõesrelacionadasaodesenvolvimentoruralsustentável,sendopossívelaproduçãodealimentossaudáveise,aomesmotempo,reduzindoosimpactosnegativosgeradospelaatividadeagrícola.Opotencialdoparadigmaagroecológicorefere--setantoàsmudançasnocenárioprodutivodaagriculturaquantoàreproduçãosocialdosprodutoresfamiliares.
estUdos aGrários 281
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reformA AGráriA e A reorGAnizAção do território: o
cASo do ASSentAmento 24 de novembro em cApão
do leão (rS)Veridiana Soares Ribeiro1
Giancarla Salamoni2
Aorealizarmosumaanálisedaquestãoagráriabrasileira,épossí-velidentificarsignificativastransformações,sejapelaadoçãodeno-vastécnicasadvindasdamodernizaçãodaagricultura,sejapormeiodenovas formasdeorganizaçãodoespaçorural,comoéocasodapolítica pública da reforma agrária. Esse processo, que reorganizaasformasdeusoeapropriaçãodaterra,tambéminserenoterritóriosujeitosqueestavamexcluídosdoacessoàterra,deflagrandonovasdinâmicasprodutivaseestratégiasdereproduçãosocial.
Emmeioàdiscussãosobreaquestãoagráriabrasileira,torna-sedeextremaimportânciaaabordagemdoconceitodeterritório,ouseja,aformacomoassociedadesruraisforamseapropriandodosterritóriose(re)criandodiversaseheterogêneasterritorialidades.Apartirdacompreensãodoterritório,podemosanalisaressasformasdeapropriação,sejamasbaseadasnaagriculturapatronal,sejamas
1 MestrandaemGeografiapelaUniversidadeFederaldoRioGrande–FURG.IntegrantedogrupoEstudosAgrárioseAmbientais–LEAA–UFPel.Conta-to:[email protected]
2 ProfessoraAssociadaIdaUniversidadeFederaldePelotas.ProfessoraOrien-tadoranoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia–FURG.CoordenadoradoLaboratóriodeEstudosAgrários eAmbientais –LEAA/ICH/UFPEL.Contato:[email protected]
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baseadasnaorganizaçãosocioprodutivafamiliar.3Nestasúltimas,a construçãodo território representao lugardeviver,produzir econstruirum futuro.Dessemodo,o conceitode territóriopara acompreensãodaquestãoagráriabrasileirasemostramuitoimpor-tante,pois,conformeSantoseSilveira(2001,p.20):“Oterritório,vistocomounidadeediversidade,éumaquestãocentraldahistóriahumanaedecadapaíseconstituiopanodefundodoestudodassuasdiversasetapasedomomentoatual”.
Adiscussãoquepermeiaesseestudogiraemtornodasnovasconfiguraçõesterritoriaisqueareformaagráriapossibilita,ouseja,dasnovasterritorialidadescriadasapartirdoassentamentorural.Viaderegra,umterritório,anteriormenteestruturadopelapresen-çadagrandepropriedadepatronal,fragmenta-seemlotesnosas-sentamentosformadosporfamíliasorganizadascombasenaagri-culturafamiliarquealivãoviver,produzireconstruirseufuturonoespaçorural.
Areformaagráriaaquiéanalisadanoseuâmbitosocioespacial,buscando identificar quem são os sujeitos que personificam a lutapelaterra,quaissuasorigensetrajetórias,comosedãoasrelaçõesdeorganizaçãosocial,econômica,políticaeculturalnosassentamentos.Trata-sedecompreenderdequeformaessesfatoresseconstituememlimitesoupossibilidadesparaodesenvolvimentodosterritóriosreorganizadospelosassentamentosdareformaagrária.
Sendoassim,estetrabalhosejustificaaopermitiraanáliseeacom-preensãodosterritóriosreorganizadospelareformaagrárianocampobrasileiro,constituídospelosassentamentose,apartirdisso,estabe-leceros limiteseaspossibilidadesdodesenvolvimentoterritorialnoassentamento24deNovembro,nomunicípiodeCapãodoLeão(RS).
3 DeacordocomorelatóriodaFAO/INCRA(1994),naagriculturafamiliar,otrabalhoeagestãoestãointimamenteligados,apresentamadireçãodoprocessoprodutivoasseguradadiretamentepelosproprietários,possuemênfasenadiver-sificaçãoeasseguramênfasenadurabilidadedosrecursosnaturaisenaqualidadedevida.Eotrabalhoassalariado,nomodelofamiliar,écomplementar.Porém,naagriculturapatronal,existeumacompletaseparaçãoentregestãoetrabalho;trata-sedeumaorganizaçãocentralizada,comênfasenaespecializaçãoeemprá-ticasagrícolaspadronizáveis.Eotrabalhoassalariadoépredominante.
estUdos aGrários 285
Abuscapelasuperaçãodasdesigualdadessociaisnocampoe,consequentemente, a luta de milhares de agricultores familiarescamponeses, representados pelos movimentos sociais do campo,perpassaaquestãodoterritório,vistoqueoMovimentodosTra-balhadoresRuraisSem-terra(MST)évistocomoummovimentosocioterritorial,conformeafirmaFernandes(2001).
Oquedeveserressaltadaaquiéaimportânciadacompreensãodo conceitode territóriopara o entendimentodos territórios reor-ganizadospela reformaagrária.Bemcomocompreenderqueessesterritóriossãomúltiplosequeapresentamumadiversidadedeterri-torialidadesquesãoefetivadas,noassentamento,pelosassentados.
Breve histórico do assentamento 24 de Novembro
Oassentamento24deNovembro,conformeFigura1,seapre-sentacomopeculiardianteaosdemaisprojetosdereformaagrária,pois a área é de propriedade daUniversidadeFederal dePelotas(UFPel), oficialmente denominadaCentroAgropecuário da Pal-ma,conhecidocomoFazendadaPalma.Temáreade1.500ha,sen-doqueoassentamentocorrespondeaapenas442desseshectares.
Asfamíliasqueconstituemoassentamentochegaramaolocalem12demarçode1992,dataestrategicamenteplanejadapelosagricul-tores,umavezqueoentãopresidentedaRepública,FernandoCollordeMello,estarianaregiãoparaaberturadacolheitadearroz,e,dessaforma,apressãopelareformaagráriateriamaiorrepercussão,tantonaimprensaquantoperanteaopiniãopúblicaemgeral.
Asfamíliaspermaneceramacampadasnaáreaporumperíododeoitomeses.CaberessaltarqueessasfamíliasjáviviamháalgumtempoemacampamentosdoMST:primeironomunicípiodeCruzAlta;logoapós,acamparamemduasáreasdistintasnomunicípiodeBagé,deondevieram,atéchegaràFazendadaPalmaem1992.OacampamentodeBagéeracompostoporcercadeduzentasfamí-liasdetrabalhadoressem-terra,eas26famíliasqueconstituíramoassentamentoinicialmenteforamdefinidasporsorteio.
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ApósoitomesesacampadosnaFazendadaPalma,umcontratodecomodatofoiestabelecidoentreaUFPeleas26famíliassortea-das,queformavamaAssociaçãodoAssentamentodaPalma.DeacordocomWizniewsky(2001):
Laopciónporel“contratodecomodato”serelacionaconelhechode laUniversidadno tenía la intencióndedonaral Ins-titutoNacionaldeColonizaciónyReformaAgraria (INCRA),de formadefinitiva, las 442hectaresparaque sepudiera esta-blecerunasentamientoderesponsabilidadestatal.El“contratodecomodato”concedealosasentadoselderechodedisfrutardelatierra,delasestructurasydelosrecursosnaturales,asícomodehacerconstruccionesymejorarlasestructurasexistentes;endefinitiva,elasentadotienelibertadeneldesarrollodesusactivi-dadesagrícolasyganaderas.Eneltérminodecontratonopareceexistirunaideaclaradeloquepuedasucederenelfuturo,yaquepuedesertransformadoenasentamientodelINCRA,obien,trasindemnizaciónporlasestructurasconstruidas,serdesignadoslosasentadosotroasentamiento.El“contratodecomodato”sehizoconlaasociacióndeasentados,esdecir,engrupoynodeformaindividualizada,loquesignificaqueelcomodatofuefirmadore-presentandoalacolectividaddelasentamiento.(p.434)
Percebe-se que tanto para as famílias assentadas quanto paraauniversidade, assim comopara ospesquisadores envolvidosnoprojetodeassentamento,4ofuturodaquelasfamíliaseraindefinido,poisnãohaviagarantiasdequeoassentamentoserialegalizadopeloInstitutoNacionaldeColonizaçãoeReformaAgrária (INCRA),ouseasfamíliasdeveriamserassentadasemoutraáreadoestadodoRioGrandedoSul.
4 Nocontratode comodato constamdeterminadas cláusulas a ser cumpridastantopelauniversidadequantopelas famílias assentadas.Entre as cláusulasrelativasàuniversidadeestavaocomprometimentodepesquisadoreseprofes-soresda instituiçãoprestaremassistênciaàs famílias,visandoaodesenvolvi-mentodoassentamento.
estUdos aGrários 287
Ocontratodecomodatofinalizouem2007;comissoasfamíliasassentadasviram-sediantedeumasituaçãodeindefiniçãoreferenteàsnormatizaçõeslegaisdecontinuidadenolocal,comotambémàelaboraçãodeprojetosfuturos.Atualmente,5doisanosjásepassa-ramdofimdocontratodecomodatoeasfamíliasaindapermane-cemnoassentamento,ondeesperamsualegalizaçãopeloINCRA,poisdesdeofimdocontratovêmsofrendoprocessosjurídicosquetêmporobjetivoexpropriá-lasdaáreaocupada.
Entretanto,nãodeixamdecontinuarsuasvidascomomorado-rasefetivasdaquelelugar,independentementedofimdocontratodecomodato.Pormeiodepesquisadecampo,épossívelperceberofortesentimentodepertencimentoao lugarporpartedasfamí-liasassentadas,que,inclusive,relatamnãoimaginarnempretendersairdolocalcasoocontratonãosejarenovadoouoassentamentonãosejalegalizadopeloINCRA.
Figura 1 – MapadelocalizaçãodoassentamentoFonte:AdaptadodeIBGE(2009)edeWizniewsky(2001)
5 Asinformaçõessãoreferentesaoanode2009.
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As abordagens sobre o território
Oterritório éumconceito-chaveda ciênciageográfica, junta-mentecomosconceitosdeespaço,região,paisagemelugar.Éin-terpretadodediferentesmaneirasporautoresecorrentesgeográ-ficas,umavezquecadaumabordadiferentesaspectos,daescalaglobalounacional,àescalado local/lugar,porém,emcomum,oreconhecimentodaexistênciademúltiplosterritórioseterritoria-lidades.Deformageral,oterritóriopodeserconsideradoaapro-priação do espaço por um determinado grupo social, delimitadoporrelaçõesdepoder,comoresultadodainteraçãoentreasrelaçõessociaisestabelecidasemdeterminadoespaçoaolongodotempo,eocontroledesseespaço.
Haesbaert(2008)apresentaopontodepartidaparacompreen-sãodanoçãodeterritório:
Desdeaorigem,oterritórionascecomumaduplaconota-ção, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tãopróximode terra-territoriumquantode terreo-territor (terror,aterrorizar),ouseja, temavercomdominação(jurídico-polí-tica)daterraecomainspiraçãodoterror,domedo–especial-menteparaaquelesquecomestadominação,ficamalijadosdaterra,ouno“territorium”sãoimpedidosdeentrar.Aomesmotempo,porextensão,podemosdizerque,paraaquelesquetêmo privilégio de usufruí-lo, o território inspira a identificação(positiva)eaefetiva“apropriação”.(p.19-20)
Compreende-se, assim, que o território pode ser percebidotanto emumaperspectivamaterial quanto emumaperspectivasimbólica,ficandoclaroquenãoháterritóriosemessadupladi-mensão.Aperspectivamaterialéentendida,principalmente,pelarepresentação político-administrativa do espaço, como tambémeconômica,eaperspectivasimbólicaérepresentadapelosvalorese significadosqueosgruposhumanos imprimemnoespaço, fa-zendodeleumterritório.
estUdos aGrários 289
Aindareconhecendoaimportânciadaidentidadenaconstruçãodos territórios,Haesbaert (2007,p.38)dizque“nãohá territóriosemalgumtipodeidentificaçãoevaloraçãosimbólica(positivaounegativa)doespaçopelosseushabitantes”.
Souza(1995,p.78),porsuavez,enfatizaasrelaçõesdepoderqueenvolvemoterritório.Segundoele:“oterritórioéfundamentalmenteumespaçodefinidoporeapartirderelaçõesdepoder”.Massobrees-sasrelaçõesdepoderconsidera-se,nestetrabalho,principalmentenocontextodareformaagrária,anoçãoapresentadaporHaesbaert(2007):
Numainterpretaçãodebasefoucaultiana,opoderseestendeportodasasesferas/escalasdasociedade,permitindotambémreaçõesdetodaordem,desdeosmicroterritóriosderesistênciado nosso cotidiano até as redes planetárias dos movimentoscontraglobalizadores.(p.37)
Compreende-se,dessaforma,osmicroterritóriosderesistênciaapresentados por Haesbaert como os territórios (re)organizadospelareformaagrária,ouseja,opróprioassentamentoconfiguradoapartirdasrelaçõessociais,produtivaseculturais;emoutraspala-vras,asformasdesociabilidadecamponesa.
Territorialização, desterritorialização e reterritorialização
Nadiscussãosobreanoçãodeterritório,odebateemtornodosconceitosdeterritorialização,desterritorializaçãoereterritorializa-çãomostra-se imprescindível,principalmenteporcontadas rela-çõesdessesprocessos coma reforma agrária.Haesbaert (ibidem)apresenta uma importante contribuição para a compreensão dosentidodadesterritorialização:
Parauns,porexemplo,desterritorializaçãoestáligadaàfra-gilidadecrescentedas fronteiras, especialmentedas fronteiras
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estatais – o território, aí, é, sobretudo, um território político.Paraoutros,desterritorializaçãoestáligadaàhibridizaçãocul-turalqueimpedeoreconhecimentodeidentidadesclaramentedefinidas–oterritórioaquié,antesdetudo,umterritóriosim-bólico,ouumespaçodereferênciaparaaconstruçãodeidenti-dades.(ibidem,p.35)
Percebe-se que o conceito de território, assim como a noçãode desterritorialização, estará sempre associado à dimensão dadaaoterritórioemsi,sejaelamaterialousimbólica.Diantedisso,adesterritorializaçãopodesercompreendidacomoumprocessoquedeterminadosgrupossociaisenfrentam,porrazõesdiversas,dese-remdeslocadosdeseusterritóriospara,emseguida,fixarem-seemoutroterritório,efetivandoentãoareterritorialização.
Nesseprocessodadesterritorializaçãoàreterritorialização,terri-tóriosflutuantesoutransitóriospodemserconstruídosporessesgru-possociais.Pode-secompreenderaideiadeterritóriosflutuantesapartirdatrajetóriadalutapelaterra.Nessecaso,considera-sequeostrabalhadoressem-terra,aoseremexcluídosdoprocessoprodutivo,tornam-sedesterritorializadosdapropriedadedaterra,masnemporissodeixamdeconstruireorganizarterritóriosaolongodositinerá-riosda reformaagrária.Pensandodesdeomomentoemquedeci-demingressarnosmovimentossociais,navidanosacampamentose,posteriormente,naterritorializaçãonosassentamentosdereformaagrária,épossívelreconhecermúltiplosterritóriosvividosporessestrabalhadoressem-terra,territóriosflutuantesqueforamconstruídosemcadamomentodoprocessodareformaagrária.
Comojáfoimencionadoaqui,asfamíliasdoassentamento24deNovembro,afimdeconcretizarseuacessoàterra,organizaramumprimeiroacampamentonomunicípiodeCruzAlta.Logoapós,novos territórios foramconstruídosnosdoisacampamentoscria-dosnomunicípiodeBagé,e,finalmente,asfamíliasacamparamnaatual área do assentamento, naFazendadaPalma, nomunicípiodeCapãodoLeão.Aotodo,foramquatroanosvivendoemacam-pamentosdoMST,fazendopressãojuntoaoEstadopelareforma
estUdos aGrários 291
agrária.As famílias relatamque a vida nos acampamentos era/émuito difícil, pois viviam/em em precárias condições materiais,masmantinham/êm o desejo de conquistar umpedaço de terra,superandotodasasdificuldadesvividascotidianamentenessester-ritóriostransitórios.
Diantedissoevidenciam-se,nosterritórioshabitadosporessasfamílias,desdeoingressonomovimento–comoprimeiroacampa-mento–atéaefetivaçãodoassentamento,múltiplosterritóriosqueforamconstruídosporelasembuscadaterritorializaçãoefetivanoassentamento.SobreessesmúltiplosterritóriosconstruídosSouza(1995)afirmaque:
Territóriosexistemesãoconstruídos(edesconstruídos)nasmaisdiversasescalas,damaisacanhada(p.ex.,umarua)àinter-nacional(p.ex.,aáreaformadapeloconjuntodosterritóriosdospaíses-membrosdaOrganizaçãodoTratadodoAtlânticoNorte– OTAN); territórios são construídos (e desconstruídos) dentrodeescalastemporaisasmaisdiferentes:séculos,décadas,anos,meses ou dias, territórios podem ter um caráter permanente,mastambémpodemterumaexistênciaperiódica,cíclica.(p.81)
Oautoraindacomplementa:
Territórios,quesãonofundoantesrelaçõessociaisprojeta-dasnoespaçoqueespaçosconcretos[...],podem,[...]formar-seedissolver-se,constituir-seedissipar-sedemodorelativamenterápido(aoinvésdeumaescalatemporaldeséculosoudécadas,pódem ser simplesmente anos oumesmomeses, semanas oudias),serantesinstáveisqueestáveis,oumesmoterexistênciaregular,masapenasperiódica,ouseja,emalgunsmomentos– eistoapesardequeosubstratoespacialpermaneceoupodeper-maneceromesmo.(ibidem,p.87;adaptado)
Apartirdessaconcepçãodeterritóriosflutuantese,consequen-temente, dos múltiplos territórios habitados pelos trabalhadores
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ruraissem-terra,vemàtonaodebateemtornodamultiterritoria-lidade.Esseconceitosurgecomoumarespostaaoconceitodedes-territorialização,ouseja,gruposhumanosnãosãonecessariamentedesterritorializados,masconstroemevivemmultiterritorialidades.Haesbaert(2007)contribuiparaesseentendimento:
Naverdade,muitomaisdoqueperderemvínculosdeiden-tificaçãocomespaçosdeterminados,“desterritorializando-se”,omaiscomuméqueaspessoaseosgrupossociaisdesenvolvamconcomitantemente,vínculosidentitárioscommaisdeumter-ritórioaomesmotempo,oucomterritóriosqueemsimesmosmanifestamcaracterísticasmuitomaisinstáveis,múltiplase/ouhíbridas.Trata-seassimdeumclaroprocessode“multiterrito-rialização”,sejadeformasucessiva,vivenciando-sealternada-mentedistintosterritórios,sejadeformasimultânea,tantonosentidodeapropriar-sedeumespaçomarcadopelamultiplici-dadecultural,quantonosentidode“acessar”eexercerinfluên-cia sobre distintos territórios (via ciberespaço, notadamente).(ibidem,p.49)
Acredita-sequeos trabalhadores rurais sem-terra configurama chamadamultiterritorialidademuitomais que uma desterrito-rialização,poisnãonecessariamenteperdemseus territórios,maspassamahabitarmúltiplosterritóriosembuscadaterritorialização.Nessecaso,oacessoàterraéoquepodeseevidenciarnashistóriasdevidadasfamíliasdoassentamento24deNovembro.
Territorialidades da reforma agrária: a organização do assentamento 24 de Novembro
Apartirdacompreensãodaquestãoagráriaexistenteemnossopaís,dapolíticapúblicadereformaagráriaedanoçãodeterritório,percebemosqueoúltimovemsendotransformadoapartirdosas-sentamentosruraisqueconcretizamoprocessodelutapelaterra.
estUdos aGrários 293
Éprecisoreconhecer,nosterritóriosreorganizadospelareformaagrária,osmúltiplosterritóriosconstruídos,asmultiterritorialida-desmanifestadas,comotambémasrelaçõesdepoderqueexistemnointeriordosassentamentos,relaçõesessasqueefetivamacons-truçãodeumterritório.ParaHaesbaert(2004):
Enquanto “continuum” dentro de um processo de domi-naçãoe/ouapropriação,oterritórioeaterritorializaçãodevemsertrabalhadosnamultiplicidadedesuasmanifestações–queétambéme,sobretudo,multiplicidadedepoderes,nelesincorpo-radosatravésdosmúltiplosagentes/sujeitosenvolvidos.Assim,devemosprimeiramentedistinguirosterritóriosdeacordocomossujeitosqueosconstroem,sejamelesindivíduos,gruposso-ciais,oEstado,empresas,instituiçõescomoaIgrejaetc.(p.21)
Apartir do pensamento deHaesbaert (ibidem), torna-se evi-denteanecessidadedeadotaraperspectivadosmúltiplosterritó-riosedamultiterritorialidade,emvistadamultiplicidadedemani-festaçõesqueseapresentamnosassentamentosdareformaagrária,sejaapartirdadiversidadesocial,culturaleétnicadossujeitosquecompõemoassentamento,sejapelasrelaçõesdepodereinfluênciaexercidaspelopróprioEstado(Incra)nointeriordosassentamen-tos.DeacordocomLeite(2003):
Apresençados assentamentos enquantounidades territo-riaiseadministrativas,novas referênciasparaaspolíticaspú-blicas, traz em simodificaçõesna zona rural emque eles sãoimplantados, resultando numa ampliação das demandas deinfraestruturaeempressãosobreospoderespolíticoslocais,es-taduaisefederal,redimensionandootemadoacessoàspolíticaspúblicas.([s.p.])
Nocasodoassentamento24deNovembro,aUniversidadeFe-deraldePelotas,proprietáriadaáreadoassentamento,éresponsávelpormanifestarnesseterritóriooutrasrelaçõesdepoderparaalémdas
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relaçõesexistentesemqualqueroutroassentamentodereformaagrá-ria,umavezqueocontratodecomodatofoirealizadoentreauniver-sidadeeasfamílias,travandoumarelaçãoporvezesconflituosa.
Éevidenteo fatodequeo assentamento introduzno territórionovasformas,funções,estruturaseprocessos.Namaioriadoscasos,umterritóriovoltadoparaaagriculturacapitalistaagroexportadoraétransformadoemumterritóriovoltadoparaaagriculturafamiliar.No assentamento estudado, um território pertencente a uma uni-versidadepública,queseapresentavaimprodutivo,e,portanto,nãocumpriasuafunçãosocial,deulugaraumterritóriovoltadoparaaagriculturafamiliarcamponesa.ButheCorrêa(2006)esclarecemosignificadodoassentamentoparaasfamíliassem-terra:
O acesso à terra indica uma reterritorialização,materiali-zandoarecriaçãodolugarapartirdainserçãodenovoselemen-tos eperspectivasnoespaço rural.O lugar incorporaonovo,especialmentenoquediz respeitoàs técnicas,modificandoaspráticassociais.Assim,osassentadosconstroemumnovoter-ritórioapartirdamudançadasrelaçõesestabelecidasnestees-paço,promovendoumrearranjonoprocessoprodutivo,diver-sificandoaproduçãoeintroduzindonovasatividades.(ibidem,p.154-155;adaptado)
Conforme são assentados, os trabalhadores rurais sem-terrapassamporumprocessodereterritorialização,oqualprevêacons-truçãodeumnovoterritório,formadoporsujeitoscomdiferentesorigens e trajetóriasdevida.Enfim, adiversidade cultural confi-guraoassentamentoapartirdaheterogeneidade/alteridaderumoaumprojetocoletivoefundamentadonasidentidadesterritoriaisqueresultamdesseprocesso;emúltimaanálise,dasrelaçõesentresociedadeenatureza.ParaSouza(1995):
aocupaçãodo territórioévistacomoalgogeradorde raízeseidentidade:umgruponãopodemaissercompreendidosemoseuterritório,nosentidodequeaidentidadesocioculturaldas
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pessoasestariainarredavelmenteligadaaosatributosdoespa-çoconcreto(natureza,patrimônioarquitetônico,“paisagem”).(ibidem,p.84)
Ainda,sobreosignificadodaterritorializaçãonoassentamentopelasfamíliassem-terra,Medeiros(2007)esclarece:
Oassentamentonãoéapenasumprocessoouprogramanoespaço;é,acimadetudo,umprocessodeproduçãonoespaçoqueocorreatravésdaapropriaçãoeusodessenovoespaçopelosassentados. Estesmodificam o espaço do assentamento e es-tabelecemrelaçõescomelemarcadas,aolongodotempo,pormudançasnomododeproduziredeseorganizarsocialmente.Oespaçoétransformado.(p.174)
Então,umavezqueosgrupossociaisestãoterritorializados,deacordocomSouza(1995),novasidentidadessãocriadasnoassen-tamentoapartirdarelaçãodepertencimentocomaqueleterritórioconquistado,ouatémesmoapartirdarelaçãodeapropriaçãoda-queleterritórioondepassaramavivereproduzir.Territorialidadescamponesassãoconstruídasnoterritórioqueanteriormenteeraumespaçoimprodutivo.Alvesetal.(2007,p.93)afirmamque“[...]oassentamentoruraléaterritorializaçãomaterializadaeasrelaçõescamponesas, a territorialidadeexistente e concreta”.Ainda sobreterritorialidade,Haesbaert(2004)explicaque:
além de incorporar uma dimensão estritamente política, dizrespeito tambémàs relações econômicas e culturais,pois estáintimamenteligadaaomodocomoaspessoasutilizamaterra,comoelasprópriasseorganizamnoespaçoecomoelasdãosig-nificadoaolugar.(p.21)
O assentamento 24 deNovembro representa a expressão dasterritorialidadescamponesaspormeiodasdiversasestratégiasuti-lizadaspelasfamíliasparagarantirsuareproduçãosocial.
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Atualmente, o assentamento apresenta uma organizaçãosocioprodutivabaseadanaagriculturafamiliar,emquecadafamília,emseulote,produzindividualmente.Essasituaçãonãoeraamesmanoiníciodoassentamento,poistodasas26famíliastinhamsuapro-duçãoorganizadacoletivamenteeassimformavamaAssociaçãodosAgricultoresdaPalma,quepordiversosmotivosnãoduroumaisdoqueumperíododedoisanos.Loneretal.(1996)explicamcomosedavaessaorganizaçãocoletivaentreos1993e1994:
Provavelmente, esta situação – excepcional em termos deassentamentosdecolonossemterra– tenhacondicionadoemmuito as expectativas destes colonos quando vieram se esta-beleceraqui. Inicialmente, tudofoipensadoparaser feitoemtermoscoletivosemuitoatéhojeassimcontinua:porexemplo,acozinhaécoletiva,oqueéjustificadopelofatodequehaveriamenosdesperdício,alémdoqueretiraumpesadotrabalhodascostasdasmulheres.Existeumprojetodelavanderiacoletiva,e um setorde consertode roupas, tambémcoletivo.Coletivaaindasepretendequesejaacreche,oqueliberariaamãedoscuidadoscomascriançasenquantotrabalha.(p.73)
Percebe-sequeoprojetocoletivoapresentava-sebemorganiza-doepromissor,nosentidodegarantirmelhorescondiçõesdevidaàs famílias assentadas.Ementrevista,ummorador relatouque aassociaçãoconseguiuadquiriralgumasmáquinaseequipamentosagrícolasparafacilitaraprodução,oque,individualmente,setor-navaextremamentedifícil,emfunçãodafaltadecapitalnecessárioparaaquisiçãodetaisequipamentos.
Entretanto, por diversos fatores, os projetos individuais decadafamíliasobressaírameaorganizaçãocoletivadoassentamen-totevefim.Caberessaltaraquiqueaprópriadivisãodoslotesfoifeita em função da desagregação da associação, na qual os pró-priosassentadosfizeramamediçãodaárea,distribuindolotesdemesmotamanhoparacadafamília–emtornode20hacadaum.Asprimeirasfamíliasadeixaraassociaçãoforamasprimeirasa
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ocuparoslotesindividuais;dessaforma,asfamíliasqueperma-neceramatéofimdaassociaçãoficaramcomos lotesqueaindaestavamdesocupados.
Aprodução familiar, em cada lote, apresenta-sede formadi-versificada. Entre os principais produtos cultivados no assenta-mentoparaacomercializaçãoestãopepino,morango,ovos,meleleite.Essesprodutossãoresponsáveispelaformaçãodarendaqueabasteceapropriedade,sobretudooleite,que,deacordocomtodasasfamíliasentrevistadas,éaprincipalatividadegeradoraderenda.Algumasjáforamprodutorasdefumo,porém,entreasfamíliasen-trevistadas,atualmentenenhumamantémessecultivoemseulote.
Osassentadosapresentamcertaautonomiaemrelaçãoàcomer-cialização dos produtos que cultivam, pois são vendidos aos su-permercadosecomérciosatacadistasdaregião.Algunsprodutos,comoomorango,évendidodiretamenteaoconsumidoremfeiraslivres.EssasituaçãoépropiciadapelofatodeoassentamentoestarlocalizadopróximoàsáreasurbanasdosmunicípiosdePelotasedeCapãodoLeão.
Cabe ressaltar a importânciada organização social dos assen-tados em torno de projetos associativistas, principalmente paraviabilizaracomercializaçãodosexcedentesdaproduçãoagrícola.ConformeesclarecemButheCorrêa(2006):
Qualquer assentamento, com o simples ato de ser criado,altera as relações de poder local.Mesmo que haja adesão aomodeloprodutivista,oassentamentopromoveumrearranjodoprocessoprodutivo,aproduçãosediversificaenovasatividadessãointroduzidas.Alémdisso,pode-seconstituiroassociativis-moeseformarcooperativas.Essesfatores,emconjunto,afetamadinâmicadocomérciolocal,amovimentaçãobancária,aarre-cadaçãomunicipal,entreoutros.(p.163)
Entretanto, a produção de leite está submetida aos Comple-xosAgroindustriais(CAI’s),poisacomercializaçãoérealizadavia CooperativaSul-RiograndensedeLaticíniosLtda.(Cosulati).Essa
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integraçãoaosCAI’spode representar aperdadeautonomiadosagricultores no que diz respeito à comercialização dos produtos,pois a produção deve seguir normas técnicas estabelecidas pelaindústriaeosvalorespagosaoproduto,muitasvezes,nãocobremsequeroscustosdeprodução.Alémdisso,ovalordamãodeobrafamiliarnãoécontabilizadopeloagricultornomomentodavendado seuproduto,porém,a indústria incorporaessevalor aopreçofinalpagopeloconsumidor.Issorepresentaumaformadeexplora-çãodotrabalhodoagricultorfamiliarcamponês.
Sobre a criaçãode animaisnos lotes, encontra-se a criaçãodegado para a produção de leite em todas as famílias pesquisadas.Tambémemtodososlotesestápresenteacriaçãodegalinhascai-pirasparaoconsumodaprópriafamília(carneeovos).E,ainda,acriaçãodesuínosestápresenteemtrêsdasfamíliasentrevistadas,umaproduçãoquesedestinatantoaoautoconsumoquantoàco-mercialização.
Noquedizrespeitoàsmaquinaseimplementosagrícolasutili-zadospelosassentadosnaprodução,todasasfamíliasentrevistadasutilizamboisecavalosparaauxiliarnastarefasprodutivas,ouseja,fazemusoda tração animal,poisnãopossuemmaquináriospró-prios.Quandonecessitamdessesmaquinários,comotratores,ara-dos,entreoutros,utilizamosequipamentosdaprefeituradeCapãodoLeão,quealugaomaquinárioparaosagricultores,cobrandoumdeterminadovalorporhoradeuso.
Quantoàutilizaçãodefertilizantes,osentrevistadosafirmaramqueusamadubosorgânicos,umavezque,alémdeforneceralimen-tosmaissaudáveis,nãonecessitamderecursosfinanceirosparaad-quiri-los,poissãoproduzidosnoprópriolote.Algunsassentadosaindautilizamocasionalmenteadubosquímicos, inseticidas,her-bicidasefungicidas.Sobreaautonomianousodosrecursos,Ploeg(2006)complementa:
[...]oprocessodeproduçãonomododeproduçãocamponêsétipicamenteestruturadosobre(esimultaneamenteinclui)umareproduçãorelativamenteautônomaehistoricamentegaranti-
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da.Cadaciclodeproduçãoéconstruídoapartirdosrecursosproduzidosereproduzidosnosciclosanteriores.Assim,entramno processo de produção como valores de uso, como instru-mentoseobjetosdetrabalho,quesãoutilizadosparaproduzirmercadoriase,aomesmotempo,parareproduziraunidadedeprodução.(p.25)
AassistênciatécnicaprestadaàsfamíliasérealizadapelaEm-presa deAssistênciaTecnológica e ExtensãoRural/RS (Emater)emtodososlotesdoassentamento.Deacordocomosrelatosdasfamílias,emboranocontratodecomodatoconstequeaassistênciatécnicaaserprestadaàsfamíliasdeveserdaUFPel,atualmenteissonãoocorre,diferentementedosprimeirosanoslogoapósainstala-çãodoassentamento.
Assimcomoamaioriados trabalhadoresruraissem-terraqueformamoMST,osassentadosprovêmdoespaçorural,ouseja,têmsuasorigensnaagricultura familiar.Das sete famílias entrevista-das,apenasduasviviamemocupaçõesnaáreaurbanaantesdein-gressarnomovimento;asdemaistrabalhavamnaagriculturacomoparceirasoumeeiras.
Sabe-sequegrandepartedosassentamentosexistentesnoes-tadodoRioGrandedoSuléformadaporfamíliasprovenientesdonorteedonoroestedoestado,comopodeserverificadonosassen-tamentos localizadosmais ao sul.E essa situaçãonão édiferentenoassentamento24deNovembro.Entreosmunicípiosdeorigemdosassentadospode-secitar:RondaAlta,Nonoai,ErvalSeco,Ere-chim,Palmitinho,RodeioBonitoeSeberi.
Éunânime entre os assentados o fatode terem ingressadonoMSTcomodesejodepossuirumpedaçodeterrapara“produzirparasi,comosseus,noquelhespertence”(Wanderley,1989), ou seja,oprojetodevidacamponês.Ainda,entreasfamíliasquees-tavamnaáreaurbanaantesdeacamparnaregiãoaquiestudada,odesejovaimaisalémdesópossuirumpedaçodeterra:avontadedelaséderetornarparaocampo,deondeforamexpulsaspelabuscademelhorescondiçõesdevidanacidade.
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Alémdeficaremumperíodosignificativovivendoem“barracos”mesmo estando assentadas, as famílias ficaram um períodomaioraindasemluzelétrica.Oassentamentopassouaterredeelétricaemtodasaspropriedadessomenteapartirde2002,pormeiodoprogra-magovernamental“LuzparaTodos”.Percebe-se,então,aprecarie-dadeemqueviveramessasfamíliasemdezanosdeassentamento.
Emrelaçãoàdisponibilidadedeáguaparausodoméstico,osas-sentadosutilizamáguaretiradadeumpoçoartesianolocalizadonaáreadaEmpresaBrasileiradePesquisaAgropecuária(Embrapa).Foramfeitasváriastentativasdeconstruirpoçosartesianosparaoabastecimentodomésticodoslotes,mastodassemsucesso,poisaáguaseapresentavaimprópriaparaoconsumohumano.Parades-sedentarosanimaisdomésticoséutilizadaáguadeaçudes.
Quantoàscaracterísticassociais,entreasfamíliasentrevistadas,onúmerodefilhosébastantesignificativo,oquegaranteareprodu-çãodaagriculturafamiliar,jáqueestadependedotrabalhodetodaafamília.Emapenasduasfamíliasnãohaviafilhos;emumadelaso assentadovivia sozinho em seu lote; enaoutra o casalmoravasozinho,semosfilhos.
No que diz respeito à escolaridade, amaioria dos assentadosnãopossuioprimeirograucompleto.Contudo,todososfilhosqueestãoemidadeescolar,estãofrequentandoaescola,ealgunscur-samoensinomédionoConjuntoAgrotécnicoViscondedaGraça(CAVG), estabelecimento vinculado à Universidade Federal dePelotasevoltadoparaoensinotécnicoagrícola.Tambémháfilhosdeassentadosquefrequentamauniversidadeoujáestãoformadosemcursosuperior.
Quanto às relações sociais de trabalho, pode-se dizer que sãoestritamente familiares. Entretanto, duas famílias afirmaram játercontratadotrabalhador temporário.Umadessas famílias fezacontrataçãonaépocaemqueproduziafumo,e,emdeterminadosperíodosdaprodução,comoéocasodasafra,complementouamãodeobrafamiliarcomtrabalhoextra.Asegundafamíliarealizouacontrataçãonaépocaemqueproduziapepinosparaaindústriadeconservase,portanto,necessitavademãodeobraextrafamiliar.
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Considerações finais
Considera-seaquioassentamentocomoumaformaderecons-truiroespaçoruralbrasileiro,quehistoricamentefoimarcadopelapresençadagrandepropriedadedaterra.Principalmentenosenti-dodedaroportunidadedoacessoàterraaquemfoiexcluídopelascondiçõeshistóricasvividasnocampo,possibilitandoo fortaleci-mentodaagriculturavoltadaàlógicafamiliareàproduçãodeali-mentosparaomercadointerno.
O assentamento 24deNovembrodomunicípiodeCapãodoLeão (RS), foco deste trabalho, representa mais um dos assen-tamentosquepermiteoacessoà terraporpartedeagricultoreseagricultorasque,pordiversosfatores,foramexpropriadosdesuasterras.Oassentamentopermitiu,antesdetudo,amelhoriadaqua-lidadedevidadasfamíliasassentadas.Emrelatos,osentrevistadosrevelamquecomaoportunidadedeacessoàterradosconseguemgarantir um futuro para os filhos, buscando para estes uma vidadignacomoagricultores.
Percebe-sequeosmodosdevidacamponesesexistentesnoas-sentamento24denovembro,resultantesdasmúltiplasrelaçõesqueosagricultoresassentadosestabelecemcomomeio,configuramasterritorialidades camponesas.O território, que antes configuravaumafazendaimprodutiva,deulugaraoassentamentodemuitasfa-míliasqueviramaliaoportunidadedegarantiroacessoàterraedereproduzir-sesocial,econômicaeculturalmente.
Diantedisso,énecessárioreconhecerastransformaçõesnaes-truturadosmunicípiosemqueosassentamentosinseremosmodosde vida e territorialidades camponesas, transformações essas quebeneficiamtantoas famíliasassentadasquantoapopulação local,sejaelaurbanaourural.
Ficaclaroosignificadodapolíticadereformaagráriaedecons-trução de territórios em assentamentos rurais em nosso país, ouseja,aefetivaçãodeumasociedadedemocrática,quebuscagarantirosdireitosdetrabalhadoresbrasileirosapartirdaaplicaçãodaspo-líticaspúblicasexistentes.
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eStrAtéGiAS e orGAnizAção dAS populAçõeS trAdicionAiS no norte
de minAS GerAiS
Ana Ivânia Alves Fonseca1
Genilda do Rosário Alves2
Eduardo Charles Barbosa Ayres3
Vanessa Fonseca4
Aagroecologiaéumaciênciaqueresgataoconhecimentoagrí-colatradicionaljádesprezadopelaagriculturamoderna,segundooqual, em suaprática, énecessárioumserhumanomais cons-ciente,comatitudesdecoexistênciaenãodeexploraçãoparacomanatureza(Altieri,1989).AagroecologiaseapresentanoBrasilcomoumaformaderesistênciacontraadevastadoraondamoder-nizadoraecontraaexpropriaçãocompletadosagricultores(Ca-nuto,1998).Aagriculturafamiliardebaseagroecológicadeverápriorizaroresgatedaproduçãodealimentossaudáveissemcom-prometeradinâmicadanatureza.Éimportanterepensarummododeproduziralimentostendocomoprincípioocuidadocomtodas
1 DoutorandapelaUniversidadeEstadualPaulista–UNESP.BolsistadaFape-migecoordenadoradeprojetodoCNPq.CoordenadoradoNúcleodeEstudosePesquisasemGeografiaRural–NEPGeR.Contato:[email protected]
2 ProfessoraEspecialistadoDepartamentodeEstágiosePráticasEscolaresdaUniversidadeEstadualdeMontesClaros–Unimontes.MembrodoNúcleodeEstudosePesquisasemGeografiaRural–NEPGeR.
3 AgrônomoeMestreemAdministraçãopelaUniversidadeFederaldeLavras– UFLA.Membro doNúcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar –ICA/UFMG.BolsistadoCNPq.
4 AcadêmicadeZootecniadaUniversidadeFederaldeMinasGerais–UFMG.Membro do Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar – ICA/UFMG.BolsistadoCNPq.
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as formasdevida.Aagricultura familiar, aliadaà agroecologia,possuiopotencialdeumdesenvolvimentoruralmaissustentáveledeumasociedademaissoberana.Estecapítulotemcomoobjeti-vofazerasprimeirasanálisessobreaagroecologiapraticadapelaspopulaçõestradicionaisnonortedeMinasGeraisdentrodo“Pro-jetodePesquisaemAgroecologia:UmEstudoSobreAgroecolo-giaeaAgriculturaFamiliarnasPopulaçõesTradicionaisdoNortedeMinas”,financiadopeloCNPqepeloMinistériodoDesenvol-vimentoAgrário,eexecutadopeloDepartamentodeGeociênciasdaUniversidadeEstadualdeMontesClaros (Unimontes). para tanto,entendemosqueomelhormétodoparaainvestigaçãoseráo da pesquisa-ação,naqualosesforçosseconcentramnoregistro,noentendimentoenaperspectivahistóricaeatualdacomunidadeedoseumododeprodução
Agroecologia: uma breve abordagem teórica
Aagroecologiaconsisteemumapropostaalternativadeagricul-turafamiliarsustentável,socialmentejustaeviáveldopontodevis-taeconômico.Otermoagroecologiacomeçaasermaisexploradoapartirde1970,massuapráticaéantigaesignificacuidardoam-bienteedaspessoasqueseocupamdaagricultura.Aagroecologiatambémagrega conhecimentos e saberespopulares e tradicionaisprovenientesdasexperiênciasdeagricultoresfamiliaresdecomu-nidadesindígenasecamponesas.ParaGuterres(2006):
A abordagemagroecológicapropõemudançasprofundasnos sistemas e nas formas de produção.Na base dessamu-dança está a filosofia de se produzir de acordo com as leis easdinâmicasqueregemosecossistemas–umaproduçãocome não contra a natureza. Propõe, portanto, novas formas deapropriaçãodosrecursosnaturaisquedevemsematerializaremestratégiasetecnologiascondizentescomafilosofia-base.(p.92)
estUdos aGrários 307
Nessesentido,aagroecologiapodeservistacomoumaaborda-gemda agriculturaque sebaseianasdinâmicasdanatureza, nasquais o que acontece é uma sucessão natural de eventos, permi-tindo,assim,quehajaafertilidadedosolosemousodefertilizan-tesquímicosequesecultivesemousodeagrotóxicos.Primavesi(2008)destacaquedeveexistirumajunçãodofazeragroecológicoedosabertradicionalepopular:
AEcologiaserefereaosistemanaturaldecadalocal,envol-vendoosolo,oclima,osseresvivos,bemcomoasinter-relaçõesentreessestrêscomponentes.Trabalharecologicamentesignificamanejarosrecursosnaturaisrespeitandoateiadavida.Semprequeosmanejosagrícolassãorealizadosconformeascaracterísti-caslocaisdoambiente,alterando-asomínimopossível,opoten-cialnaturaldossoloséaproveitado.Poressarazão,aAgroecolo-giadependemuitodasabedoriadecadaagricultordesenvolvidaapartirdesuasexperiênciaseobservaçõeslocais.(p.9)
Sendoassim,aagroecologiatendeadependermuitodasabedo-riadoagricultorfamiliardesenvolvidaapartirdesuasexperiênciaseobservaçõeslocais.Comotempo,esseagricultorfamiliarcomeçaaproduzirmelhorqueaagriculturaconvencionaleganhaautocon-fiança.Eéassimqueelesedácontadequeéprodutordealimentosjuntocomanatureza,equerespeitaas leisdestaeacreditaemsimesmo(ibidem).
No entanto, as práticas agroecológicas podem ser entendidascomopráticasderesistênciadaagriculturafamiliarperanteopro-cessodeexclusãonomeiorural,bemcomodahomogeneizaçãodasáreasdecultivo.Ossistemasorgânicosdeproduçãoagropecuáriaeindustrialsãodefinidosnalegislaçãobrasileira,pelaInstruçãoNor-mativan.7/99,comoaquelesque:
Adotam tecnologias que otimizam o uso de recursos na-turaise socioeconômicos, respeitandoa integridadecultural etendoporobjetivoaautossustentaçãonotempoenoespaço,a
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maximizaçãodosbenefíciossociais,aminimizaçãodadepen-dênciadeenergiasnãorenováveiseaeliminaçãodoempregodeagrotóxicoseoutrosinsumosartificiaistóxicos,organismosge-neticamentemodificadosouradiaçõesionizantesemqualquerfasedoprocessodeprodução,armazenamentoedeconsumo,privilegiandoapreservaçãodasaúdeambientalehumana,asse-gurandoatransparênciaemtodososestágiosdaproduçãoedatransformação.(Stringheta;Muniz,2003,p.16-17)
Empraticamentetodoomundovemsedesenvolvendoumapro-duçãoagroecológica.OBrasilestáemterceirolugarnesseranking deproduçãoorgânica.ComdestaqueparaosestadosdeMinasGe-rais,SãoPaulo,Paraná,RioGrandedoSuleEspíritoSanto,comcercade70%dessaprodução.
Omercadoparaessetipodeproduto,porém,aindaémuitores-trito,poisatendeaumsegmentoespecíficodeconsumidoresquesedispõemapagarmaispelosprodutosorgânicos.Ospreçosdosprodutosagroecológicos,geralmentemaiselevados,sãodefinidostambémemfunçãodoqueosconsumidoresestãodispostosapagarpelaqualidadedessetipodeproduto.
Apesardaexpansãoverificadanosúltimostempos,aproduçãoagroecológicaaindaocupaespaçospoucosignificativosnocenárioagropecuárioealimentarnoBrasil enomundo,poisesse tipodemercadosedesenvolvelentamente,emboratenhagrandepotencial.
ParaLimaeCarmo(2006),ovalordoprodutoorgânicopagopeloconsumidorbrasileiroéconsideradoumobstáculoaodesen-volvimentodaproduçãoagroecológica,eoprodutorconsideraqueopreçopraticadolevaàelitizaçãodoconsumoe,consequentemen-te,àexclusãodoconsumidordemenorpoderaquisitivo.
Os sistemas agrícolas familiares e a agroecologia
Chapadasegrotas,terra,águaevegetaçãofazempartedalógi-cadeusoeocupaçãoagrícoladaspopulaçõesruraisnoValedoJe-
estUdos aGrários 309
quitinhonha,nonortedeMinasGerais.Ribeiro(1996)eGalizoni(2007)notaramqueosistemade lavourapraticadonasgrotas,aolongodosanos,pelaspopulaçõesruraisdoAltoJequitinhonha,ba-seava-senosistemadecoivara,tambémchamadoderoçadetoco,querepõea fertilidadeda terrapormeiodopousioflorestal.5 se-gundoGalizoni(ibidem),nessesistemadecultivaraterra,afamílialavradora“preparaumterrenopararoçarerealizaoplantionessaáreapor2a3anos;apósessetempooterrenoépostoem‘descansoparaenfaxinar’,eafamíliaentãopreparanovaglebaparanovaroça,eassimciclicamente”6(ibidem,p.31).
Oconhecimentosobreas terraseosistemaagrícolapraticadopeloslavradoresdoJequitinhonhaéressaltadocomoumaarteporRibeiro(1996):
Acombinaçãodetodoesteconhecimentodemeioambienteéumatécnica,ajustadaàterraeplantadeformarumprodutocultural: a roça de toco.Examinando com cuidado e respeitoquemerece,pode-severqueelanãoéumaignorância;éconhe-cimento,umapesquisa,umasabedoria:umaarte.Astécnicasderoçacriadaspeloslavradoresfazempartedoseunotávelpa-trimôniocultural,aoladodoartesanato,folclore,histórias.SãoprodutosmaisnobresdessasgrotasdoJequitinhonha.(p.31)
Portanto,alémdoaspectoprodutivo,aschapadasegrotassãoelementos culturais na vida dos agricultores doAlto Jequitinho-nha.Suaimportânciacomofatorprodutivoéquetudooquenãoéproduzidonagrota,achapadaofereceevice-versa.Arelevânciacultural é que o conhecimento e a ocupação desses ambientes setransformamemumaartedelidarcomanatureza,construindoes-pecificidadesentreessapopulaçãoeoambiente.
5 Sobrepousioflorestal,consultarBuserup(1987),Dubois(1996).6 Osperíodosdepousioeusodosterrenosporlavradorespodemvariaremfun-çãodadisponibilidadedeáreascomfertilidadenaturaleoestadodeconserva-çãodessasáreas, requerendoperíodosmais longosoumaiscurtosdepousio(Ribeiro,1996;Buserup,1987).
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Apartirdadécadade1970,porém,comosprojetosdereflores-tamentoemlargaescalanaregião,ocorreuumprocessodetomadadasterrasdechapadasdascomunidadesrurais.Essesprojetosapre-sentaramresultadoseconômicos insignificantesdopontovistadageraçãodeempregoerendaparaapopulaçãolocal(Calixto,2006).
Atradicional formadeproduçãoagrícoladoAltoJequitinho-nha, baseada na roça de toco e no aproveitamento dos diversosambientes,viu-seemcrise.Primeiro,pelanecessidadedereduzirosperíodosdepousio; segundo,por terdedividir aspoucas ter-rasférteisdasgrotascomogadoquedesciadaschapadas,expulsopeloseucaliptais,ocupandoáreasqueanteseramparaaproduçãodealimentos,equeagoradestinam-seaocultivodepastagem,oca-sionando pisoteio e degradação do solo; e terceiro, por perder aschapadasqueforamhistoricamenteutilizadascomoáreasdecoletaextrativista(Ribeiro,1996;Calixto,2006;Galizoni,2007).
Alémdisso, o aumento e a pressãopopulacional nas áreas degrotaexigiamsistemasdecultivomaisintensivosemáreasreparti-dasecadavezmenores.Esseprocesso,aolongodosanos,provocouconsequênciasprodutivassobrea terra,agravandoaproduçãodealimentosparaoabastecimentofamiliareocomércio.
NosterrenosdosagricultoresfamiliaresdoAltoJequitinhonha,asatividadesprodutivassãominuciosamentepensadasealocadasnaorganizaçãoprodutiva.Acriaçãodegalinhaseporcostemlu-gargarantidonosquintaisdasfamílias,poiséatividadequemereceatençãoconstanteeficaprincipalmenteaoscuidadosdamulheredosfilhos,assimcomoospomares.Próximaàcasatambémestási-tuadaahortacaseira,quecomplementaaalimentaçãodasfamíliaseestásobaresponsabilidadedamulherquedeterminaaumentarounãoonúmerodecanteiroseavariedadedehortaliças,conformeadisponibilidadedeáguanoterreno(Noronha,2003).
Plantaçõesdemilhoedefeijãosãocultivosdeáreasmaisfér-teis,deterrenosplanosounão,masgeralmentelocalizadospróxi-mosàsmargensdoscórregos.Amandioca,acanaeoabacaxisãoplantadosemáreaspredeterminadaspelasuaaridezefertilidadeintermediária.Essassãoatividadesdemaiorvolumedeprodução
estUdos aGrários 311
e trabalho, e que ocupammaiores áreas e demandam amão deobradetodaafamília.
Ogado,geralmentemaisrústico,tambémfazpartedasativida-desagrícolas,comofornecedordeleite,oucomumenteencontradocomoelementoestratégicodereservamonetáriaecomercializaçãonosmomentosdenecessidadedafamília,sejaparafazerumtrata-mentodesaúde,parafazerumaviagem,sejaparaaumentaropa-trimônio;enfim,ogadotambémcompõeorepertóriodeestratégiasdereproduçãodaagriculturafamiliarnoAltoJequitinhonha(No-ronha,2003).
Asáreasdepastagens,geralmentelocalizadasemterrasdeboaaintermediáriafertilidade,determinamaquantidadedegadopos-síveldesercriada.Alémdisso,aescassezdeáguaporaproxima-damenteoitomesesdoano,demarçoaoutubro,querepresentaoperíododeseca,écrucialnadecisãodeterounãoogadoeemquequantidade.
Aépocada secaémarcadapelamoagemdacana-de-açúcarepelaproduçãodefarinhademandioca.Oprocessamentodospro-dutosagrícolas,porexemplo,cana,mandiocaemilho,é feitoemestruturaparticularoudeusocomunitário,gerenciadapelaprópriacomunidadeemantidacomrecursosadvindosdapercentagemdeprodução,retidaparaconsertosnaestruturaenomaquinárioqueprocessaosprodutos.
Afartaproduçãodecachaça,rapadura,farinhas,doces,fubádemilho e outros produtos atribui jornadas de trabalho e ocupaçãoàspopulaçõesdomeioruralnoperíododeentressafra;alémdisso,essaproduçãocompõeasfeiraslivresmunicipais,abastecendotan-toasfamíliasurbanasquantoasrurais.
AsfeiraslivresfazempartedaculturalocaldoAltoJequitinho-nha, sendo realizadasprincipalmente aos sábados. Sãopontosdeconvergênciaesocializaçãoentreapopulaçãoruraleurbana.Alémdisso, as feiras livres constituem uma importante alternativa derendaparaasfamíliasrurais.
Ribeiro et al. (2007), analisandoasdimensõesdas feiras li-vresnoJequitinhonha,percebemqueelastêmimportantepapel
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nageraçãodeocupaçãoparaaspopulaçõesruraiserespondem,em média, por 70% do abastecimento da população urbana.Tambéminfluenciamdiretamenteasvendasnocomérciolocal,que,emalgunssetores,chegama terumaumentoentre25%e30%namovimentação financeira, pois as receitas conseguidaspelos feirantessãoutilizadasnacompradeoutrosprodutosnocomérciourbano.
Essecenáriodediversidadeefartura,quesetemnasgrotasdoAltodoJequitinhonha,temestimuladoasociedadeeasorganiza-çõeslocaisapensarempropostasviáveisparaomeiorural,valo-rizando o saber tradicional das populações rurais, respeitando adinâmicadeusoemanejodosrecursosnaturaispelosagricultoresfamiliares, conservando a biodiversidade e desenvolvendo tecno-logiasadequadasàscondições locais,alémdepreservarestilosdevida,aliandoproduçãoeconservaçãoambiental.
Saberes e estratégias
Aexploração familiar, segundoLamarche (1993,p.15), “cor-respondeaumaunidadedeproduçãoagrícolaondepropriedadeetrabalhoestãointimamenteligadosàfamília”.Ouseja,éumauni-dadedetrabalhonaqualafamíliaparticipanaprodução.Chayanov(1974),emsuaanálisesobreaorganizaçãodaunidadedomésticadeexploraçãocamponesa,atribuiàcapacidadedetrabalhodafamíliaumfatordefinidordograudeexploraçãodosdemaisfatoresdepro-dução:terraecapital.
Algumaspeculiaridadessobreaorganizaçãodaunidadeeconô-micacampesinasãodescritasporChayanov(ibidem):
1. nãohádistinção entre trabalhador e empresário, que secombinamnumasópessoa;
2.ointeressedocamponêscomotrabalhadorprevalecesobreseus interesses como empresário, na hora de arrendar ouvendersuasterras;
estUdos aGrários 313
3.apesardeapresentarbaixasrendasdeproduçãoemrelaçãoàspropriedadesprivadasedegrandeextensão,asunida-descamponesasabsorvemmaiorquantidadedeforçadetrabalhoereduzemodesempregosazonal;
4.percebe-seumarelaçãodequantomenoraáreadeterradisponível,maiorovolumedeatividadesartesanaisparaocomércio.(p.30-32)
Dois aspectos são considerados por esse autor estimuladoresparaqueocamponêsbusqueoutrasatividadesforadaagricultura:oprimeirodizrespeitoàliberaçãodaforçadetrabalhofamiliaremperíodosdeinatividadenotrabalhoagrícola;osegundorefere-seàssituaçõesdemercadomais favoráveisemtermosde remuneraçãoparaatividadesnãoagrícolasemcomparaçãocomatividadesagrí-colasquelevamoscamponesesaaproveitaremtalsituação.
As estratégias familiares,quequase sempre resultamemes-tratégia agroecológica, representam as ações desenvolvidas porcada famíliaparaassegurara reproduçãoeaexploraçãodesuasunidades de produção. Segundo Schultz (1965), além de terra,trabalhoecapital,inclui-senoroldefatoresdeproduçãooestadodeconhecimentooutécnicasdeprodução,poisfazpartedocapi-talmaterial,daexperiênciaedosconhecimentostécnicosdeumacomunidade.
Quanto ao saber, Schultz (ibidem) classifica de trêsmaneirasdiferentesaformacomonovosconhecimentosenovashabilidadespodemseradquiridos.Aprimeiraépormeiodatentativaedoerro,umtipodeensinamentoconsagradopelo tempoeadquiridopelaexperiência;asegundaformaépelo treinamentonotrabalho,emqueoaprendizadopodeacontecerpormeiodeempresas,entidadespúblicasouseradquiridopelosprópriosagricultores;eoterceirométododeaprendizadoéainstrução,consideradopeloautoromaiseficientealongoprazo,equeé,acimadetudo,uminvestimentoemcapitalhumano.
Estratégiasdeaprendizado,reproduçãoeorganização interna,pormeiodacombinaçãodasatividadesentremembrosdaunidade
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familiar,sãoanalisadasedescritasporHeredia(1979)daseguinteforma:
Ascriançascomeçamatrabalharnoroçadoapartirdos10anos.De6ou7anosatéos10participamdeatividadesligadasacasa[...]Opaiéquemorganizaasatividadesaseremfeitasnoroçado,enquantoamãeéaencarregadadaorganizaçãodastarefasqueserelacionamcomacasa.(p.39)
SegundoHeredia(ibidem),oterrenoestádivididoentrecasaeroçado.7Acasaincluioterreiro,eambossãodestinadosaativida-desespecíficasdasmulheres,comolavarlouça,cuidardeaves,por-cosecabras,fazerahigienedascrianças,plantaralgumasárvoresfrutíferas,comobananeirasemamoeiros.Aproduçãodefarinhaéatividadedoshomensedasmulheres;contudo,negociarevenderprodutosnafeirasãotarefasdohomem.
Oaprendizadoéconstantenatrajetóriadevidadaspopulaçõesrurais,tendoiníciodesdequeseassumemasprimeirasincumbên-ciasno ambientedoméstico,passando-se a incorporar gradativa-mente atividadesde todo o terreno, afinando-se como ambientenatural emque sevive, relacionando-seo âmbito familiar comocomunitário,passandoaexerceratividadesdevendaenegociação,conhecendo-se,enfim,osrecursosnaturaisdequedispõemedeci-dindosobreoscultivoseascriações.
Essemundodeobservaçãoepráticarefinaasabedoriadepopu-laçõesquevivemnocampoedesenvolvemsignificadosajustadosàsuarealidade,dandociênciaàsatividadesdociclorural.Trata-sedeumsistemadeconhecimentoque,paraBrandão(1986),serevelaemumestilodesignificaçãoapropriada,quenãoépadrão,masqueequivaleàrelaçãoemtornodaproduçãodosaberpopular,nafiltra-gemeincorporaçãodeconhecimentosquemodelamaspráticasdos
7 Otermoroçadoserveparadesignaroconjuntodecultivosadotadopelosagri-cultorescomoumaestratégiaemfunçãodapequenaquantidadedeterradispo-nível,eque,adaptadoàscondiçõeslocais,permiterealizarváriascolheitasparaconsumodiretoouvendadurantemaiorperíododoano(Heredia,1979).
estUdos aGrários 315
lavradoresemumalógicaespecíficaquegerasistemasdecondutaemdimensõessociais,culturaisepolíticas,estabelecendodinâmi-caspopularesdesabedoriaemodosdevidapeculiares.
NoAltoJequitinhonhaenonortedeMinas,aclassificaçãopopu-larsobreostiposdesolofazdosagricultoresquevivemaligrandesconhecedoresdoscultivosquemelhorseadaptamaseusterrenos.Asplantasnativassãoexcelentesindicadoresdefertilidadedaterraparaosagricultores,alémdeseremfornecedorasdefrutos,lenha,recursosmedicinais,madeiraparaconstruçõesrurais,entreoutrasfunções.8
Alémdoaspectovegetal,aspopulaçõesruraisdessasregiõesapren-deramaavaliaroestadodeconservaçãodasterrasantesdesedecidi-remsobreoseuuso.Umaterrapeladaéumaterracansada,umaterradaqualnãosaimato,umaterraquenãotemvegetação;mesmosendoumaterradecultura,éumaterrafraca,ondenãoconvémoplantio.
Decidirsobreasáreasondesevãoplantarcana,milho,mandio-ca,abacaxiexigeapuradoconhecimentosobreoambienteemqueasfamíliasruraisaprenderamaconviverdiantedadiversidadeemsuasunidadesdeprodução.Assim,Ribeiroetal.(2005)relatamque:
parasercompletoumterrenofamiliarcarecedemuitostiposdeterras – alta, baixa, quente, fria, dura,mole,mais barrenta ouarenosa,maisbravaoumaismansa–quesãousadastantoparaproduziralimentosdiferentesnummesmoambientequantoparaproduziromesmoalimentoemambientesdiferentes[...].Con-sorciamplantasadaptadaseresistentes,comomandiocaebatata--docenosubsolo,feijão-de-arranque,abóboraefeijão-catadornoprimeiroandar,milho,anduequiabonosegundoandar.(p.87)
Énessecontextodeambienteepopulaçãoqueseinseremnovosolharessobreosaber localnoexercíciodacompreensãoda lógicacotidianadosagricultores,dosquaisseexigeminterpretaçõescadavezmaiscautelosasacercadeintervençõesnomeiorural.
8 SobreclassificaçãoeusodeplantasnoAltoJequitinhonha,consultarCalixto(2002),Chiodi(2006),Santos(2006).
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Asmigraçõestambémfazempartedocotidianodosagricultoresdessasregiões,cujodestinoédiverso.AlgunsmigramparaaregiãonoroestedeMinas,conhecidaporsertão,ondeseocupamemativi-dadescarvoeiras.OutrostêmcomodestinoosuldeMinasGerais,onde trabalham nas colheitas de café.Outrosmigram para BeloHorizonte, e outros, ainda, para o litoral doEspírito Santo, paratrabalhar como vendedores ambulantes.Mas o principal destinodessesagricultoressãoaslavourasdecana-de-açúcarnoestadodeSãoPaulo,ondeseocupamduranteosmesesdeabriladezembro.
SegundoRibeiro (1993), a terra é um fator que determina assaídas e a permanência dos lavradores. O autor, porém, destacaaastúciaeo jogodecombinações familiaresnasdecisõesdeseusmembrossobreamigração:
aofinaldeumperíodo,nocomeçodaidadeadulta,asoluçãodeumasériedetramaslevaorapazaumadecisão.Astramasdater-ra,daherança,docasamento,doassalariamento,dafamília,vãosendoresolvidaspelotempoecircunstâncias.Daívemadecisão:irparaocortedecanaouficarnoJequitinhonha.(ibidem,p.29)
Heredia(1979),Woortmann(1990)eRibeiro(1993)percebemamigraçãocomopartedaspráticasdereproduçãodosagricultoresfamiliares,eanalisaramamigraçãosazonal,9comumentrealgunsmembrosmasculinosdasfamíliasrurais,comoumaatividadecui-dadosamente planejada, pois ocorre geralmente nos períodos demenostrabalhonaslavouras,oquepermiteasaídadosmembrossemcomprometerasatividadesprodutivas.
Amigraçãodefinitivaocorreemfunçãodoatualestadodefrag-mentação em que se encontram os terrenos, que não suportammaisseremrepartidos.Paraosfilhosqueficam,amigraçãosazonalcumprepapelimportantenoprocessodepatrimonializaçãoeper-
9 QuantoaostiposdemigraçãoqueocorremnoJequitinhonha,podemsersazo-nais–quandoosagricultoresviajameretornamtodososanosparasuafamília–,oupodemserdefinitivas–quandoostrabalhadoresmudamparaoutrare-giãoedeixamdeirevirtodososanosRibeiro(1993).
estUdos aGrários 317
manênciadoagricultorfamiliar,sejaparaaquisiçãodegado,novosterrenos,equipamentos,sejaparaconstruçãodecasa,unidadesdebeneficiamentoeoutros(Ribeiro,1993).
Woortmann(1990)atribuiàmigraçãooaprendizadodostraba-lhadoresruraissobreinovaçõesagrícolasapreendidasquepoderãoounão serusadas, experimentadasou adaptadas às suasnecessi-dadesquandoostrabalhadoresretornaremàsunidadesdeprodu-çãofamiliar.Reforçaatradiçãodaposiçãohierárquicadochefedafamíliaaointroduzirainovação,porquequasesempreeleéoufoimigrante. Portanto, com relação aos processos técnicos, o autordescreveque“amigraçãoéumaprendizadodeprocessosdetraba-lhomodernos,incorporados,semprequepossível,àspráticaspro-dutivasdositiante”(ibidem,p.51).
Assim,aexperiênciadamigração,sejacomoaprendizado,des-cobrindo novas técnicas, seja como patrimonialização, buscandonovasfontesderecursosfinanceiros,fazpartedashistóriasdostra-balhadoresruraisdoAltoJequitinhonhaedonortedeMinasGe-rais,queaproveitamessasoportunidades,apartirdeumasériedecombinações,parapotencializareprosperarasatividadesemsuasunidadesdeexploraçãofamiliar.Alémdaagriculturaedamigra-ção,acrescentam-seosnegóciosaomundodosagricultores.
Os negócios realizados pelos sitiantes mineiros são descritoscomocatiraporRibeiroeGalizoni(2007),tratando-sedaformadegestãodebenserecursosfamiliarescomoumaestratégiasignifica-tivanasuapatrimonialização:
Éumadasinstituiçõesmaissólidasdomeioruralmineiro.Trata-seda trocade animaisporbensde consumo,produtosagrícolas,dinheirooupoucodecadaevice-versa[...]emMi-nasGeraisserveparadisporbenssemserventia,trocaromiúdopeloremediadoeestepelograúdo,paraencorpar,aospoucos,osbensquecompõemopatrimôniofamiliar.(p.69)
Acatiraéreveladacomoumaarteparticular,desabereseha-bilidadesespecíficosnastransaçõesdecompra,vendaoutrocade
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produtos,consolidandorelaçõessociaisnomeiorural.Percebe-sequeváriossãooscenários,alicercesecaminhosquereforçamatra-diçãodasaçõesdosagricultoresnoambiente social, econômicoenatural noqual estão inseridos e noqual construíram estratégiasparaseestabelecer.
Portanto, a compreensãodas estratégias e da organizaçãodosgrupos sociais nomeio rural exige a ruptura de preconceitos emrelaçãoàscomunidades.Acharquearusticidadesignificaatrasoémanter-sealheioàcompreensãodapráticadoagricultor.Aaparen-tesimplicidadenapráticaagrícolaenavidadaspopulaçõesruraisguardaumconjuntode saberesquedeve ser levadoemcontanaproposiçãodeprogramasdedesenvolvimentoparaomeiorural.
Pensando o futuro
Assim,MinasGerais,oValedorioJequitinhonhaeonortedeMinassecaracterizamporummosaicodeculturas,marcadopeloprocessodeocupação,pelasdiferentescaracterísticasambientaisaolongodocursodosrios,veredasechapadas,ofertandoeregrandorecursosnaturaisquemoldaramestilosdevidapeculiaresdaspo-pulaçõeslocais,recheadosporumariquezadesabereseestratégiasnoconvíviocomanatureza.Énessecenárioquenospropusemosarealizarnossaspesquisas,dasquaisapresentamosalgumasconside-raçõesiniciais,emqueomododevidaeosfazeresagroecológicossãoabaseparaanáliseediscussãojuntoàsinstituiçõesecomunida-destradicionais.
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reprodução e permAnênciA dA AGriculturA fAmiliAr:
um eStudo de cASo no município de lAjeAdo (rS)
Juliana Cristina Franz1
Carlos Vinícius da Silva Pinto2
Giancarla Salamoni3
Estecapítulopropõeumaabordagemdascategoriasdeanálisedoespaçoparaacompreensãodoespaçonoqualasociedadeopera,afimdecompreenderasociedadeespacializada.Oestudoseespe-cificanatemáticadaagriculturafamiliar,analisandoamultifuncio-nalidadedoespaçorural.
Partindodessaspremissas,apresenta-seumestudodecasonomunicípiodeLajeado(RS),considerandoassuasparticularidadesparaareproduçãoepermanênciadosegmentodaagriculturafami-liarnocontextosocioprodutivonaescaladolocal.
1 AcadêmicadoscursosdeLicenciaturaeBachareladoemGeografia.MembrodoLaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbientais–LEAA.Contato:[email protected]
2 AcadêmicodocursodeGraduaçãoemGeografiapelaUFPel.BolsistadoPI-BIC/CNPqdoLaboratóriodeEstudosAgrárioseAmbientaisdaUniversida-deFederaldePelotas.Contato:[email protected]
3 ProfessoraAssociadaIdaUniversidadeFederaldePelotas.ProfessoraOrien-tadoranoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia–FURG.CoordenadoradoLaboratóriodeEstudosAgrários eAmbientais –LEAA/ICH/UFPEL.Contato:[email protected]
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Abordagem geográfica no estudo das várias funções do espaço
AGeografiatomaasociedadecomoobjetodeestudoe,apartirda relação sociedade e natureza, busca compreender a organiza-çãosocioespacialemdiversasescalasdeanálise,desdealocalatéamundial,istoé,estudaoespaçoqueimpõeasuarealidade,naqualasociedadeopera.Assim,comoescreveSantos(1985):
[...]paraestudaroespaço,cumpreapreendersuarelaçãocomasociedade,poiséestaqueditaacompreensãodosefeitosdosprocessos(tempoemudança)eespecificaasnoçõesdeforma,funçãoeestrutura,elementosfundamentaisparaanossacom-preensãodaproduçãodeespaço.(p.49)
Aorganizaçãoespacialouasuaevoluçãopodesercompreendi-danatotalidadepormeiodacompreensãodarelaçãodialéticaentreascategoriasanalíticasdoespaço,asaber:forma,função,estruturaeprocesso.Issoporquesemprequeasociedadesofreumamudan-ça,asformasassumemnovasfunções,eacabaseconstituindoumanovaorganizaçãoespacial(Santos,1985,2004).
AindacombaseemSantos(2004),aformaécorrespondenteaoaspectovisível,aaparênciadosistemadeobjetos;afunçãorelacio-na-seàatividadeouàtarefaaserdesenvolvidapeloobjetocriado,eestepossuiumaspectoexterior–aforma.Existeumarelaçãodiretaentreformaefunção,naqualdeterminadaformaécriadaparade-sempenharumaoumaisfunçõese,consequentemente,nãoexistefunçãosemumaformacorrespondente,eessasduascategoriassãoresponsáveisporespacializarasrelaçõespresentesnaorganizaçãosocioespacial.
Entretanto,aanálisesomentedasduascategoriasnãoésuficien-teparaabarcararealidadesocialehistórica.Paratanto,considera--se também a estrutura que se refere àmaneira como os objetosestãoorganizados,edecomoestesse inter-relacionam,represen-tandoanaturezasocialeeconômicadeumadeterminadasociedade
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emummomentodotempo.Jáoprocessopodeserdefinidocomoumaaçãoqueserealizacontinuamenteque implicatempoemu-dança, sendoumaestruturaemmovimentode transformação.E,apartirdaanálisedasquatrocategoriasanalíticasemconjunto,épossíveldiscutirosfenômenosespaciaisemsuatotalidade(SantosapudCorrêa,1990).
Na realidade, nenhuma das categorias pode existir separada-mente;éasuautilizaçãocombinadaqueécapazdenosfornecerumquadroda“totalidadeemseumovimento”(Santos,2004,p.56).
Santos(ibidem)aindaobservaqueatravésdascategoriasnaanáli-sedoespaçochega-seàimagemdaseletividadehistóricaegeográficaqueocorrenadistribuiçãosobreoespaço,correspondendoàsneces-sidadessociaiseàspossibilidadesemumdeterminadoperíodohistó-rico.Issoaomesmotempoquetambémédeterminadapelasformasjáexistentes,quejáportavamumafuncionalidadeespecífica.
Diantedoexposto,epartindodoentendimentodascategoriasdeanálisedoespaço,busca-secompreenderamultifuncionalidadedoespaçorural,esuasrelaçõescomaagriculturafamiliar,emumestudodecasonomunicípiodeLajeado(RS).
A agricultura familiar e a multifuncionalidade do espaço
Inicialmente, tomam-se como marco teórico os estudos deChayanov(1974)paracompreenderadistribuiçãodosrecursoster-ra,trabalhoecapitalnointeriordasunidadesprodutivasagrícolasfamiliares,asquais, segundooautor, sãoguiadasporumaracio-nalidadeoulógicaparticular(camponesa),oquetornaasproprie-dadesfamiliaresumelementofundamentalparaofuncionamentodaeconomiaeparaaorganizaçãodoespaçonasdiferentesescalas(ChayanovapudGerardi;Salamoni,1994).
Chayanovpartedoprincípiodeque,paracompreenderaagri-culturafamiliar,éprecisoconsiderar,alémdaorganizaçãointerna,ascondiçõesexternasnasquaisasunidadesprodutivasestãoenvol-
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vidas,taiscomo:acomercializaçãodaprodução,aexpansãourba-no-industrialeamodernizaçãodosprocessostécnico-produtivos.
Dessemodo, o agricultor familiar representa um segmentosocial que estabelece relações específicas com a sociedade queo envolve,poispossuiumaelevada coesão social interna e suaorganizaçãoorienta-sedacombinaçãodeelementoscomopro-dução,consumo,sociabilidade,herançaculturaleajudamútuaentreoscomponentesdamesmacomunidaderural.Alémdisso,existeumadinâmicademográficafamiliarenvolvidanoproces-soprodutivo,naqualasatividadesdesenvolvidaspelosagricul-toresvisamaocumprimentodasnecessidadesdafamília,exigin-dooesforçomáximodetodososmembrosnastarefas,existindoapenasumahierarquiafamiliaremtornodoprocessoprodutivo(Salamoni,1992).
Wanderley(apudSalamoni,1992),aoconsideraracontribuiçãodeChayanov(ibidem)defendequeaproduçãofamiliarcamponesanãorepresentaalgoresidualeatrasadodiantedocapitalismo,pois,segundoaautora,éoprópriocapitalquegeraumespaçoparaare-produçãodaproduçãofamiliar,queatuanas“brechas”dosistemacapitalistaecontribuiparaaexpansãodediversossegmentospro-dutivos–docomércioàindústria.Salamoniaindaexplicaque:
OqueestápressupostoportrásdaideiadeM.N.B.Wan-derley,éofatodequeaeconomianãoédual,masrepresentaumúnicosistema,ondecadaumadaspartesestáarticuladaaotodo,servindo,dealgumaforma,àexpansãodocapital,estandoaele,porconseguinte,subordinadas.(ibidem,p.141;adaptado)
Medeiros (2007) expõeque as unidadesdeprodução familiarbuscamsereproduzirtantosocialquantoeconomicamente,orga-nizandoerealizandoaproduçãopormeiodaforçadetrabalhofa-miliar.E,aoanalisaramodernizaçãoagrícolanoBrasil,observaserperceptíveloaumentodosíndicesdeprodutividade,tantodaterraquantodotrabalhonaagricultura.Entretanto,sobaóticadobem--estardapopulação,percebequeosresultadoseconômicossemos-
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traminsuficientesparagarantirodesenvolvimentoemtodasassuasdimensões(social,cultural,econômica,ambientaleterritorial).
Aexpansãodoprocessodemodernizaçãoapartirdoqualapro-dução, a comercialização, a transformação e a distribuição estãointer-relacionadasocorre,principalmente,atravésdaintegraçãodaagriculturaaosComplexosAgroindustriais(CAI’s),àscooperati-vasouàsredesdecomercialização.Nessescasos,aproduçãofami-liar está subordinadaàsdemandasdo capitalurbano-industrial eosagricultoresincorporaminovaçõestecnológicas(químicas,me-cânicasebiológicas),masnemporissoperdemsuacaracterísticadeprodutoresfamiliares(Salamoni,1992).
Diante disso, a produção familiar sobrevive e se reproduz nointerior da economia capitalista de caráter industrial em virtudededuascondições: aprimeira, emrelaçãoaoprodutor estar aptoaproduzirparaomercado, considerandoapropriedadedos seusmeiosdeprodução;asegunda,notocanteaoatendimentodasne-cessidadessociaisporbenseserviçosproduzidospelosagricultoresfamiliares,queapresentamumademandaexpressivanomercado.
Apartirdo reconhecimentoda importânciadaagricultura fa-miliarcomocategoriaanalíticaesocial,busca-seestenderoestudoemdireçãoàcompreensãodamultifuncionalidadedoespaçorural,considerandoasdiversasfunçõesdesempenhadasporessesegmen-tosocialnocontextodosespaçosruraisnaatualidade.
As dinâmicas de reprodução das famílias rurais representamadiversidadede formase funçõespresentesnaconfiguraçãoenaconstrução social dos territórios nos quais estão inseridas, bemcomorefletemasmúltiplasfunçõesdesenvolvidaspelaagriculturanocontextosocioprodutivolocal.Assim,torna-sepossívelobser-varapartirdaperspectivadasociedade,queestaráigualmenteen-volvida,medianteaperspectivadamultifuncionalidade,quandosetratardefocaraagriculturafamiliar(Carneiro;Maluf,2003).
Anoçãodemultifuncionalidadedaagriculturasurgiupararealçarseupapelparaalémdaproduçãodealimentosefibraseparaampliaranoçãodeagricultorparaalémdanoçãoeconômicaeprodutiva.Aideiademultifuncionalidadeda agricultura jáhavia sidodiscutida
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naECO-92,realizadanoRiodeJaneiro,em1992,mas,foiem1998queaOrganizaçãoparaCooperaçãoeDesenvolvimentoEconômico(OCDE),ligadaàUniãoEuropeia,apresentouasbasesconceituaisenormativasquerelacionavamagricultura,segurançaalimentarede-senvolvimentosustentável(Watanabe;Schmidt,2008).
Dessaforma,aagriculturafamiliarapresentaumcunhomulti-funcional,primeiro,nosentidodecontribuirparaasegurançaali-mentardasfamíliasruraisedasociedadeemgeral.Issopormeiodaproduçãodeautoconsumoedacomercializaçãodosexcedentesparaosmercadoslocaiseregionais,eainda,nadimensãosocioeco-nômica,pormeiodoempregodamãodeobrafamiliarnasunidadesprodutivas,evitandooêxodoeapobrezarurais.
Alémdisso,aagriculturafamiliardesempenhatambémumafun-ção ambiental,depreservação e conservaçãodos recursosnaturais(água,solo,mataseflorestas),edapaisagemruralrelacionadaàses-pecificidadesdosecossistemaseagroecossistemasemqueselocaliza.
Conformeseobservanoconceitodemultifuncionalidade,pre-sentenorelatório“DeclarationofAgriculturalMinistersCommit-tee”daOCDE,apudSoares(2000-2001):
Alémde sua funçãoprimária deproduçãodefibras e ali-mentos,aatividadeagrícolapodetambémmoldarapaisagem,proverbenefíciosambientaistaiscomo:conservaçãodossolos,gestãosustentáveldosrecursosnaturaisrenováveisepreserva-çãodabiodiversidadeecontribuirparaaviabilidadesocioeco-nômicaemváriasáreasrurais[...]Aagriculturaémultifuncio-nalquandotemumaouváriasfunçõesadicionadasaoseupapelprimáriodeproduçãodefibrasealimentos.(ibidem,p.41)
Paralelamente,apermanênciadetradiçõesepráticasculturaispermiteaosagricultores familiares aproduçãodebense serviçosquevalorizamadimensãoterritorialdorural,aqualpodeseren-tendidacomoexpressãodaruralidadelocal.Ouseja,amanutençãodo tecido social e cultural, osmodosde vida e as relações comanatureza,asociabilidadecomfamiliaresevizinhos,eatémesmoa
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especificidadenaformadeproduçãodealimentosparaoconsumodaprópriafamíliapodemrepresentarumadasestratégiasderepro-duçãodaagriculturafamiliar.
A agricultura familiar pode ser também considerada mul-tifuncional partindo-se do princípio de que a perspectiva nãopodeserapenasprodutivistaoueconômica,poisapropriedadeéaomesmotempoumespaçodeprodução,trabalho,moradiaevidadosagricultoresedesuasfamílias.Nessesentido,aspro-priedadesfamiliaressão,simultaneamente,arealizaçãodasre-lações sociais de produção e tambémdos projetos de vida dasfamílias – dessa forma, ela é tanto multidimensional quantomultifuncional.
Pode-se considerar, ainda, a multifuncionalidade o conjuntodecontribuiçõesdaagriculturaparaodesenvolvimentoeconômi-coesocialdentrodaunidadeprodutivaagrícola(Carneiro;Maluf,2003). Além disso, na análise damultifuncionalidade do espaçorural,éprecisoconsideraroutrasdimensõesrelacionadasàagricul-turafamiliar,comoopapeldaspolíticaspúblicas.SegundoSoares(2000-2001):
ÉbomsalientarquegrandepartedainsegurançaalimentardoBrasil provémda inviabilizaçãoda agricultura familiar.Odescasohistóricocomessesetordaagriculturasejaatravésdafaltadefinanciamentoadequado,faltadeinfraestruturadepro-duçãoecomercialização,ausênciadepolíticaspúblicasdesaúdeeeducação,levaàsaídaaceleradadeagricultoresdocampoparaacidade.(p.44)
Sabourin (2008), ao tratar das políticas públicas relacionadasaoreconhecimentodamultifuncionalidadenaagriculturafamiliar,enalteceaimportânciadelasparaacontinuidadedasfunçõessociaiseculturaisqueseencontramcadavezmaisameaçadasemexpres-sarseusvaloresdebase,issoconsiderandoo“avançodaeconomiade livrecâmbio”(ibidem,p.6).Eomesmoautoralertaqueessasexperiênciasforamconstruídashistóricaesocialmenteaolongodo
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tempo,portanto,devemserincorporadasaosprojetosdedesenvol-vimentolocal,sobpenadeverfracassadasaspolíticaspúblicas.
Sendo assim, a multifuncionalidade não é só do interesse doagricultor, mas também do coletivo, como argumenta Sabourin(ibidem,p.7):“essesdispositivosasseguramomanejoderecursosque interessamaomesmotempoaproduçãoagropecuáriaparaogrupoefunçõesambientais,sociais,culturais,eeconômicasdein-teressepúblicooucoletivo”.
Dessaforma,percebe-sequeafunçãoeconômicanaagricul-tura familiar não se sedimenta sobre amaximização do lucro,masnoatendimentodasnecessidadesdafamília(autoconsumo)enamanutençãodaspotencialidadesprodutivassobreopatri-môniofamiliar,istoé,aterra.Alémdisso,tambémévalorizadaadimensãocultural, issopelapluralidadedevaloresexistenteseque,muitasvezes,podemserincorporadosnageraçãodebenssimbólicose imateriaispresentesnotipodeproduçãoagrícola,aindanoque se refere àmanutençãodepráticas (alimentação,festas,religiãoedialetos)herdadasdosantepassados(Carneiro;Maluf,2003).
O reconhecimento da multifuncionalidade da agriculturapeloEstado,emsuasdiversasescalasdegovernança,nãopodeperderdevistaaspráticasnãomercantisjáassumidasdeformavoluntária pelos agricultores, ou seja, a valorizaçãodo “tecidosocialruraledasestruturaslocaiscapazesdeassegurarumma-nejo gratuito e compartilhado desses recursos emanter os va-loreshumanosassimproduzidos”(Beduschi;Abramovay,2003apudSabourin,2008,p.7).
A organização socioespacial do município de Lajeado (RS)
Emvistadaimportânciadosegmentodaagriculturafamiliarnaagriculturabrasileiraedastransformaçõespelasquaisvempassan-doao longodo tempo,este trabalhobuscarelacionaropapelde-
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sempenhadopelaagriculturafamiliaremumestudodecasosobreaorganizaçãosocioespacialdomunicípiodeLajeado,noRioGrandedoSul,edecomoosagricultoresfamiliarespermanecemativosnoprocessoprodutivoatéosdiasatuais.
Esseinteressesedáporcausadapeculiaridadeexistentenadi-nâmicaterritorialmunicipal,umavezquevemocorrendoumaex-pansãogradativadoperímetrourbanosobreoespaçorurale,con-sequentemente,interferenasexpressõesdaruralidadedoreferidolocal,umavezqueaáreaestritamenteruraljáseencontrabastantediminuta.Osloteamentosurbanosrestringem-secadavezmaisaoperímetrorural,modificandoasformasdeorganizaçãodaagricul-tura,cujaformaçãohistórico-espacialocorreufundamentadasobreasbasesdaagriculturadecaráterfamiliar.
Diantedessecontexto,entende-sequeoruralprecisaservalo-rizadopelapluralidadedevaloresefunçõesquepossuiedesempe-nha,bemcomodeve-sereconhecerqueosegmentodaagriculturafamiliar é um importante ator social no processo de desenvolvi-mentoterritoriallocal.Sendoassim,asexpressõesdaruralidade,asquaistranscendemoslimitesterritoriaisdaproduçãoagrícola,pre-cisamsercompreendidasnoescopodasestratégiasdereproduçãoemanutençãodaagriculturafamiliar.
Omunicípioemquestão–Lajeado–situa-senaporçãocentro--lestedoestadodoRioGrandedoSuleestáinseridonaregiãodoValedoTaquari.
SegundooDecreton.40.349,de11deoutubrode2000,quees-tabeleceumaregionalizaçãoqueservedereferênciaparaasestru-turaspolítico-administrativasdosórgãosdoPoderExecutivo,essadivisãoregionalfoiestabelecidatendoemvista:
Anecessidadedeunificaresforçoseadequarprocedimentosatravésdacooperaçãoentreasestruturasadministrativasregio-nais,afimderacionalizarousodosrecursospúblicosemaximi-zarosresultadospelaaçãoconjuntaeplanejadadosórgãosdegoverno.(RioGrandedoSul,2000,p.1)
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AlocalizaçãogeográficadomunicípiodeLajeadoestáentreascoordenadasde29°46’delatitudesule51°96’delongitudeoeste,abrangendoumaáreatotalde90,41km².EssacidadeestáinseridanobiomadaMataAtlânticaedista117kmdacapitalgaúcha,PortoAlegre(IBGE,2007).
O espaço rural vem sendo urbanizado pormeio de decisõespolítico-administrativasdaCâmaradeVereadores,corroboradaspeloPoderExecutivomunicipal,afimderegularizarosloteamen-tosurbanosque jávinhamse implantandodemaneira irregularnessasáreas,etambémcomoformadeprevenirumcrescimentoestrutural da cidadede formamais ordenada (Figura 1).Tendoemvistaadensidadepopulacionaldo localidade,umdosmuni-cípioscomumadasmaioresdensidadesdemográficasdoestadodoRioGrandedoSulsegundooIBGE(ibidem)–749,71hab/km²–,opoderpúblicovemregulamentandosistematicamenteoordenamentoterritorialdomunicípiocombasenaexpansãofísicadoperímetrourbano.
Figura 1–LoteamentoslocalizadosnoperímetrodeexpansãourbanadeLajeado(RS).
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Alémdisso,caberessaltarqueasmedidasadotadaspelopoderpúblicomunicipalrepresentamumaformadegarantiraintegri-dadedoterritórioapartirdatransformaçãodosdistritosembair-rosurbanos,umavezquede1990a1996,dezdistritosseemanci-paramdeLajeado,constituindosetenovosmunicípios.E,desde2001,adivisãoterritorialdomunicípioéconstituídaapenaspelodistrito-sede, que tem uma área territorial bastante restrita, decercade90km²(IBGE,2007).
Aespeculaçãofinanceiraéoutrofatorquevemincentivandoaurbanizaçãomediante a valorizaçãodos terrenos, oque esti-mulaosagricultoresalotearassuaspropriedades.Naáreaqueestásendourbanizada,énítidaaproximidadeentreestabeleci-mentos rurais com os loteamentos urbanos (Figuras 2 e 3).Oespaçoestritamenteagrícolacadavezperdemaisárea,porcausado crescimento populacional significativo que vem ocorrendonosúltimosanosequesetornavisívelatravésdaanáliseempí-ricafeitanosbairrosurbanos,osquaiserampredominantemen-te formados por estabelecimentos rurais. Atualmente, muitaspropriedades rurais são fracionadas em lotes com a finalidadedecriaçãodebairrosresidenciaisparareceberapopulaçãoquemigraparaomunicípioembuscadasoportunidadesdetrabalhooferecidas pelo polo industrial de Lajeado, com influência nocontextoregionaldoValedoTaquari.
Nomunicípio,existeapenasumalocalidadedenominadaru-ral,pormeiodedeterminaçãopolítico-administrativadaCâma-raMunicipal,entretanto,osestabelecimentosruraiscontinuamdesenvolvendo atividades agrícolas no perímetro consideradourbano.Essesestabelecimentos,porsuavez,continuamapagaro ImpostoTerritorialRural (ITR), quando a área excede 1hae ficacomprovadaaexistênciadeatividadesagrícolas, confor-meprevistonoCódigoTributárioMunicipal.SegundoosdadosdisponíveisnoIBGE(ibidem),aestimativadapopulaçãoparaoanode2009nomunicípiodeLajeadoerade72.208habitantes.
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Figuras 2 e 3–PaisagemruralpresentenazonaurbanadeLajeado(RS).
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NaformaçãodoProdutoInternoBruto(PIB)domunicípiodeLajeado, considerando a participação de cada umdos setores daeconomiaapresentadopeloIBGE(ibidem),percebe-seapequenaparticipaçãomonetáriadosetordaagropecuária,ouseja,essesetorcorrespondeaaproximadamente1,15%naformaçãodoPIBmuni-cipal.Jáemnívelestadual(RioGrandedoSul),essemesmosetorcorrespondeacercade7,075%doPIBdoestado.
EssadiminutaparceladeparticipaçãodaproduçãoagrícolanoPIBlajeadensepodeserassociadaàpequenaáreaocupada,atual-mente,pelaagriculturastricto senso,bemcomopelofatodeapro-duçãonãoserdestinadaintegralmenteparaacomercialização,masparaoautoconsumodasfamíliasrurais.
AtravésdoPlanoDiretordoMunicípiodeLajeado,quevisaaodesenvolvimento integradoda localidade, omunicípio édivididoemzonasdeusodosolourbano.Edentrodoperímetrourbanosãovisíveisasáreasdestinadasparaouso,preferencialmente,deativi-dadesagrícolas,conformepodeservistonomapadisponibilizadopelaprefeituradacidade(Figura4).
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Figura 4–ZoneamentodosolourbanodeLajeado(RS).
Fonte:PrefeituraMunicipaldeLajeado(RS)(2009).
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Estratégias de reprodução da agricultura familiar no município de Lajeado: considerações finais preliminares
Nocontextobrasileiro,aproduçãofamiliarnaagriculturaassu-mediversasformaseadotadiferentesalternativasdereproduçãoso-cioespacialnoqueserefereàproduçãodealimentoseàgeraçãodeempregos,entreoutros,bemcomonaadoçãodoprocessodemoder-nizaçãodaagriculturaedaintegraçãoaoComplexoAgroindustrial.
Sabe-sequeaagriculturafamiliarestáenvolvidaemumareali-dadecomplexa,equeasuamanutençãoefuncionalidadeultrapas-samadimensãoeconômicadageraçãoderendaoude lucro.Issoporqueseapresentacomoummododevidabaseadoemdiversasestratégiasdereproduçãosocial,equevisaadiferentesobjetivos,istoé,oobjetivodaagriculturafamiliarnãoéaacumulaçãodeca-pital,masareproduçãofamiliareamanutençãodapropriedade.
Issopodeserpercebidonasdiversasatividadesquedesempenhanocontextomaisamplodoespaçorural,comoafunçãoambientaldepreservaçãodosrecursostantopaisagísticosquantonaturais;afunçãosocialemrelaçãoaoempregodemãodeobra;areproduçãodepráticasculturaiseformasparticularesdesociabilidadenocampo,entreoutras.
Pormeiodesteestudodecaso,busca-seidentificaropapelmul-tifuncionaldesempenhadopelaagricultura familiarnaorganizaçãoespacialdomunicípiogaúchodeLajeado.Alémdisso,aoreconheceradiversidadededinâmicassocioprodutivasdessesegmentodaagri-cultura,tenta-secompreenderasformasdereproduçãodasfamíliasrurais,asquaispermanecemnocontextoruralmesmodiantedaspe-culiaridadesdoordenamentoterritorialencontradasnomunicípio.
Emvistadapluralidadede formasde trabalhoedeproduçãodesempenhadaspor esse segmentonaagriculturabrasileira edastransformaçõespelasquaisvêmpassandoaolongodotempo,sejapela integraçãocomosegmentourbano-industrial,sejapelopro-cessorecentedemodernizaçãodaagricultura,comamecanizaçãoeousodeinsumosquímicos(aduboseagrotóxicos),ouainda,pelasrelaçõesquemantêmcomasagroindústrias,responsáveispelopro-
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cessamentoedistribuiçãodoexcedentedaprodução,équemuitasmudançassãopercebidasnasdinâmicasdereproduçãodaagricul-turafamiliarlocal.
Osagricultoresfamiliares,parasemanteremativosnocontex-tosocioprodutivolocal,recorremaoutrasatividades,podendoserelasagrícolasounão,buscandoareproduçãobiológicaesocialdafamília.Pormeiodapluriatividade,osagricultoresencontramal-ternativasparacomplementararendafamiliarexercendofunçõesnãoagrícolasforadoestabelecimento,porém,continuamseidenti-ficandocomoagricultores.Nessecaso,arendaextraéinvestidanaprópriaagricultura,oupode,ainda,viracomplementarosrendi-mentosfamiliares,afimdemanterafamílianoespaçoruralapartirdapermanênciadopatrimôniofundiário–apropriedadedaterra.Paraos agricultores consolidados economicamente, apluralidadedefunçõessignificaapossibilidadedediversificarosriscosafimdemelhorarorendimentofamiliar(Carneiro;Maluf,2003).
Entreasalternativasdereproduçãodaagriculturafamiliar,presen-tesdemaneirasignificativanomunicípiodeLajeado,estãoasagroin-dústrias familiares, como as de produção de embutidos, “schmier”(geleia),processamentoindustrialdeovosdegalinhaedecodorna,en-treoutras.Sãoperceptíveisasperspectivasdedesenvolvimentodessasatividades,sendoumaopçãoparaapermanênciadosjovensnomeiorural,que,emgeral,vãoemboraembuscade“melhoresoportunida-des”nacidade.Issoporqueosagricultores,namaioriadasvezes,seveemameaçadospelaurbanizaçãodeáreasantesestritamenterurais.
Asrelaçõesentreoruraleourbanotambémpodemserrepresenta-daspelaintegraçãodaagriculturafamiliaràsagroindústrias,responsá-veispeloarmazenamento,processamentoindustrialedistribuiçãodosbensprocessados.Alémdeoruralsetornar,emgrandeparte,depen-dentedaindústriaamontante,ouseja,atravésdaindustrializaçãodaagricultura,aindústriasetornoufornecedoradeinsumosparaasativi-dadesagrícolas,enessainter-relaçãoindústria-agricultura-indústriaéqueseformamosComplexosAgroindustriais(CAI’s).
OsCAI’spresentesnomunicípiorepresentamaprincipalfon-te geradora de renda para as famílias de agricultores integrados.
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Salienta-sequeduasgrandesempresaspossuemsedenomunicí-pio,ambasadotamosistemadeintegraçãoformalcomoagricultor,sendoespecializadasnoabatedeavesesuínos.Apresençadessasindústriasestimulaacriaçãodeavese suínosnãoapenasnomu-nicípio,mas tambémemescala regional.Alémdisso,promove adifusãoeaadoçãodamodernizaçãoagrícolapormeiodoscontratosformaisdeintegraçãoprodutor-indústria.Osagricultoresperdememparteasuaautonomiasobreoprocessosocioprodutivo,poises-tãosubmetidosàsexigênciasdossegmentosindustriais.
NosCAI’socorre,decertamaneira,asubordinaçãodotrabalhoagrícolaaocapitalismo,alémdesereafirmarainterdependênciadourbanocomoruralevice-versa.Aquisecaracterizaumacontradi-çãonoprocessodeformaçãodessescomplexos,porqueaomesmotempoquesubordinamaagriculturafamiliaraosditamesdopro-cessourbano-industrial, tambémproporcionamalternativas paraa sua reproduçãosocial comoprodutores familiares,bemcomoapossibilidadedepermanêncianocampo.
Em Lajeado, os agricultores familiares integrados aos CAI’spermanecememsituaçãodedependênciaemdoissentidos,istoé,emrelaçãoàempresafornecedoradeinsumosecomaindústriadebeneficiamentodeprodutosdeorigemanimal.Esseprocessopro-moveadiminuiçãodaautonomianaproduçãoegestãodosrecursos(terra,trabalhoecapital)naspropriedadesrurais.
Entre as diversas formas de sociabilidade presenciadas nocontextodaagriculturafamiliarnomunicípiodeLajeado,pode--secitaraajudamútuaentreasfamíliasrurais.Eainda,quantoà questão cultural como forte elemento de coesão social entreos agricultores familiares descendentes de imigrantes alemães,encontra-seousododialetoalemão,bastantepresenteentreasfamíliasrurais.
Enfim,comesteestudodecasonomunicípiodeLajeado,bus-cou-secompreenderaimportânciadaagriculturafamiliarnaorgani-zaçãosocioespacialdomunicípio,considerandosuaspeculiaridades,alémdeidentificarasformasdereproduçãosocialepermanêncianoespaçorurallocal.
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soBre o liVro
Formato: 14 x 21 cm
Mancha: 23,7 x 42,5 paicas
Tipologia: horley old style 10,5/14
1a edição: 2011
eQUiPe de realiZaÇÃo
Coordenação Geral
Kalima editores
9 7 8 8 5 7 9 8 3 2 2 4 6
ISBN 978-85-7983-224-6