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11 a 14 de dezembro de 2012 – Campus de Palmas
Estudo Fitoquímico e Avaliação da Capacidade Leishmanicida de Espécies Vegetais
do Cerrado-TO
Jacqueline P. Cursino
1; Márcio G. dos Santos
2
1 Aluno do Curso de Ciências Biológicas; Campus de Porto Nacional; e-mail: [email protected]
“PIBIC/CNPq” 2 Orientador do Curso de Ciências Biológicas; Campus de Porto Nacional; e-mail: [email protected]
RESUMO: O estudo da capacidade de tratamento de doenças por espécies vegetais, utilizadas pela
medicina popular, configura-se em um atalho na pesquisa alternativa para o tratamento de doenças,
neste caso, a leishmanioses. O teste de triagem para avaliação da atividade leishmanicida dos
extratos hidroalcoólicos preparados a partir da entrecasca de Dipterix alata (Vog.) e das folhas de
Sipurana guianensis Aubl. foram testadas in vitro utilizando formas promastigotas de Leishmania
amasonensis. Os extratos foram diluídos em DMSO e posteriormente em meio de cultivo do
parasito nas concentrações de 500 a 0.97 μg/mL, a partir do qual foi analisado qual concentração
foi capaz de deter 100% dos parasitos. A atividade citotóxica foi avaliada em cultura de PEC
(células do exsudato peritonial). A espécie D. alata apresentou eficiência contra 100% das formas
amastigotas na concentração de 125 μg/mL, já a espécie S. Guianenses não apresentou eficiência
em nenhuma das concentrações usadas. Porém, o extrato de D. alata apresentou um considerável
efeito citotóxico, comprometendo sua utilização in vivo. Segundo a literatura, do sub-extrato
diclorometânico de D. alata foi isolado e identificado tritepernóides, isoflavonóides, chalconas,
aurona e compostos fenólicos.
Palavras chaves: triagem; Dipterix alata Vog.; Siparuna guianenses Aubl.OPEN ACCESS
INTRODUÇÃO
As leishmanioses são um grupo de doenças endêmicas causadas por protozoários do gênero
Leishmania, transmitidas através da picada da fêmea de insetos hospedeiros infectados,
flebotomíneos hematófagos (Ordem Díptera, Família Psychodidae, Sub-família Phlebotominae),
manifestando-se sob várias formas clínicas, dependendo da virulência da espécie infectante,
suscetibilidade do hospedeiro e co-infecções.
A droga de primeira escolha é o antimonial pentavalente, Sb+5
, havendo drogas alternativas
como stibugluconato de pentamidina e anfotericina B, utilizadas nas formas rebeldes ao tratamento
convencional.
As dificuldades em relação à terapêutica atual têm conduzido a estudos com o objetivo de
avaliar terapias alternativas, como a fitoterapia (PHILLIPSON; WRIGHT, 1991 a, b). A busca de
novas drogas anti-leishmaniais tem levado a um grande interesse no estudo de medicamentos
tradicionais como origem de protótipos para o desenvolvimento de novos compostos
quimioterápicos com melhor atividade e menos efeitos colaterais (ARAÚJO et al., 1998).
O uso de plantas no tratamento da Leismaniose Tegumentar Americana (LTA) é uma prática
antiga entre as populações das áreas endêmicas ( FOURNET et al., 1992; MOREIRA et al., 1998;
2002). Porém, esses tratamentos são empíricos e pouco se sabe sobre sua real eficácia, uma vez que
a LTA pode ocorrer a cura espontânea das lesões (MARSDEN et al., 1984; COSTA et al., 1990;
ROSSEL et al., 1992; MARSDEN, 1994), o que torna-se necessário estudos científicos sobre essas
plantas para comprovar, ou não, sua real eficácia.
A paisagem do Cerrado possui grande biodiversidade, pouco afetado até a década de 1960,
está desde então crescentemente ameaçado, seja pela instalação de cidades e rodovias, seja pelo
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crescimento das monoculturas, como soja e o arroz, a pecuária intensiva, a carvoaria e o
desmatamento causado pela atividade madeireira e por frequentes queimadas, devido às altas
temperaturas e baixa umidade, quanto ao infortúnio do descuido humano.
Considerando a diversidade da flora do Cerrado bem como o imensurável potencial de
produtos naturais bioativos da mesma e, concomitantemente, as devastações que estão ocorrendo
nesse bioma, torna-se necessário o seu estudo, visto que existe a possibilidade da cura de várias
doenças, como a leishmaniose, ser produzida por alguma planta que pode estar sendo ameaçada de
extinção, como é o caso das espécies vegetais Dipteryx alata Vog. e Siparuna guianensis Aubl.,
conhecidas popularmente como baru e negramina, respectivamente, plantas encontradas no
Cerrado, ameaçadas de extinção que tiveram sua atividade leismanicida (triagem), e citotoxidade
testadas neste trabalho.
MATERIAIS E MÉTODOS
Preparação dos extratos vegetais hidroalcoólicos
O material vegetal foi seco à uma temperatura média de 600C durante sete dias, em seguida
triturado e posteriormente dissolvido em solução etanólica (etanol/água 70/30, v/v). Após três dias
a solução foi filtrada e concentrada em Evaporador Rotativo (MARCONI, Mod. MA120-TH),
posteriormente o extrato bruto foi liofilizado (LIOTOP/ Mod. L101) por cerca de 24 horas até
obtenção do extrato em pó.
Atividade leishmanicida (Triagem dos compostos)
Os extratos vegetais foram enviados para o Laboratório de Imunomodulação e Protozoologia
da FIOCRUZ – Rio de Janeiro, onde foi realizado os procedimentos para o teste de triagem frente
às formas promastigotas do parasita L. amazonensis.
Inicialmente foi calculada a concentração necessária para preparar uma solução com o dobro
da maior concentração da solução de teste (ST), 125 μg/mL, sendo o dobro 500μg/mL, a partir do
qual foi pesado quantidade referente à concentração 100 vezes mais concentrada, 50 mg , e diluído
em 1 mL de DMSO. Para realização da triagem os extratos foram diluídos na proporção 1:100, isto
é, 10 μL da solução DMSO em 990 μL de meio. Essa solução foi utilizada para a realização das
diluições seriadas, o que resultou nas seguintes concentrações: 500 μg/mL, 250 μg/mL, 125 μg/mL,
60.5 μg/mL, 31.25 μg/mL , 15.62 μg/mL, 7.81 μg/mL, 3.90 μg/mL, 1.95 μg/mL e 0.97 μg/mL.
Como droga de referência, utilizou-se a Anfotericina B, em diluição seriada a partir do
dobro da concentração referente ao IC50 (concentração inibitória de 50% dos parasitos). Como
controle utilizou-se 100 μL de meio e 100 μL de cultura, e nos poços Branco 200 μL de meio
diluídos em triplicata.
Para a realização do preparo da cultura foi feito a contagem de formas promastigota entre 2
a 4 dias de passagem. Foram utilizadas as culturas de 106 parasitos por mL, pipetou-se 100 μL da
cultura de promastigota com 106
por mL em cada poço exceto nos poços Branco.
A placa foi mantida em estufa BOD a 24ºC durante 24 horas. Após esse período, cada poço
foi observado em microscópio invertido, sendo classificados de acordo com a mortalidade dos
parasitos. Foi identificado em qual concentração os extratos foram capazes de matar 100% dos
parasitos.
Atividade citotóxica in vitro
Camundongos foram estimulados pela inoculação intraperitoneal de 3 mL de tioglicolato de
sódio. Foram injetados 5,0 mL de solução salina tamponada com fosfatos (PBS) estéril em pH 7,2 e
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a 4°C na região do peritônio na porção mediana superior do abdome. As células coletadas foram
centrifugados a 2000 rmp por 5 min, e posteriormente lavadas com 5mL de PBS (pH 7,2) e
centrifugadas a 2000rpm por 5 minutos à temperatura ambiente. As células sedimentadas foram
ressuspendidas em 1,0 mL de meio de cultura RPMI-1640 Completo (RPMI-1640-C) e ajustadas à
concentração de 5x106células/mL .
Para o ensaio de citotoxidade foi utilizado o método de MTT de acordo com o descrito por
Mosmann (1983). 100 μL de suspensões de PEC foram adicionados em placas de 96 cavidades
(Corning), durante uma hora. Posteriormente foi feita a reposição do meio RPMI-C acrescentando
100 µL em cada poço e depois 100 μL do extrato bruto em diferentes concentrações: 8 mg/mL, 2
mg/mL, 1 mg/mL, 0,5 mg/mL, 0,25 mg/mL, 0,125 mg/mL, 0,0625mg/mL, 0,03125 mg/mL,
0,015625 mg/mL, e 100 μL de meio de cultura RPMI-1640. As placas foram incubadas em estufa a
370C com 5% de CO2 e após 24 horas descartou-se o sobrenadante e adicionou-se 100 μL de
solução de MTT (AcrossOrganics) sobre a cultura celular a 0,5 mg/mL em RPMI-1640, retornado
assim à estufa a 370C com 5% de CO2 durante 3 horas. A leitura foi feita em espectrofotômetro
UV/Visível (MultiskanAscent, LabsystemsResearch Tech. Div., Helsinki, Finland) a 540nm com
filtro de referência a 620nm (MOSMANN, 1983). A concentração inibitória que reduz 50% da
viabilidade celular foi calculado através da equação da reta gerada (GraphPadPrism5) quantificada
por regressão linear (concentração X viabilidade celular) com limite de confiança de 95%.
RESULTADOS E DISCURSÃO
A atividade leishmanicida de extratos vegetais tem sido demonstrada por muitos
investigadores. O entusiasmo em relação ao uso de plantas medicinais e seus extratos na assistência
à saúde podem ser entendidos pela sua aceitabilidade, derivada da inserção cultural e pela atual
disponibilidade desses recursos, ao contrário do que ocorre com outros medicamentos, que na sua
maioria são dependentes de matéria-prima e tecnologias externas (SCHENKEL et al., 1985;
SIMÕES et al., 1986).
Neste trabalho foi realizado apenas uma triagem para identificação de atividade
leishmanicida das plantas em estudo, de modo que ao final do teste, identificou-se as concentração
capaz de inibir 100% das formas promastigotas de Leishmania amazonensis em um período de 24
horas. Sendo que, os extratos da entrecasca de D. alata e das folhas de S. guianensis, apresentaram
as concentrações tóxicas para os parasitos de 125 μg/mL e >500 μg/mL, respectivamente.
A espécie vegetal D. alata apresentou um melhor resultado, visto que nem mesmo a maior
concentração usada de S. guianensis para a avaliação foi capaz de deter 100% dos parasitos.
Quanto a citotoxidade a espécie D. alata Vog. apresentou uma concentração tóxica
necessária para matar 50% de células do exsudato peritonial de 0,249 ± 0,018 mg/L.
Comparando as citotoxidades da espécie D. alata em g/L, temos: citotoxidade para PEC (IC
50), 0,000249g/L e citotoxidade para 100% das promastigotas, 0,125g/L.
Segundo a literatura, foi isolado e identificado do sub-extrato diclorometânico da espécie D.
alata, quatro triterpenóides do tipo lupano, nove isoflavonas, uma chalcona, uma aurona e três
compostos fenólicos (PUEBLA et al., 2010).
Os resultados do presente trabalho demonstram que mesmo o extrato da espécie D. alata
apresentando uma citotoxidade considerável para o parasito, a concentração necessária para inibi-lo
é altamente tóxica para os macrófagos, de modo que a utilização desta planta in vivo torna-se
problemática uma vez que iria comprometer as células sadias.
Produtos naturais têm um grande potencial na pesquisa por novos e seletivos agentes para o
tratamento de importantes doenças causadas por protozoários (WRIGHT; PHILLIPSON, 1990).
Apesar dos estudos nesta área estarem crescendo cada vez mais, ainda existe muitas plantas a serem
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avaliadas.
LITERATURA CITADA
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AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e tecnológico- CNPq- Brasil, Laboratório de Imunomodulação e Protozoologia –
FIOCRUZ – Rio de Janeiro, RJ, e Laboratório de Patologia Molecular – Universidade Estadual do
Maranhão, São Luis, MA.