estudo etnobotânico junto à unidade saúde da família nossa...

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6 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. Recebido para publicação em 24/05/2005 Aceito para publicação em 10/05/2006 Estudo etnobotânico junto à Unidade Saúde da Família Nossa Senhora dos Navegantes: subsídios para o estabelecimento de programa de fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel (Paraná) NEGRELLE, R.R.B. 1 *; TOMAZZONI, M.I. 2 ; CECCON, M.F. 1 ; VALENTE, T.P. 1 1 Laboratório OIKOS, Dep. Botânica, Universidade Federal do Paraná. Cx. P. 19023. Curitiba, PR. CEP 81531-970 2 Curso de Farmácia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. R. Carlos de Carvalho, 3496. Cascavel, Paraná. CEP 85801 – 130. *[email protected] (autor p/ correspondência) RESUMO: Realizou-se estudo etnobotânico visando gerar subsídios para o estabelecimento de programa de uso de fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel/PR. Aplicaram-se entrevistas semi-estruturadas a 50 famílias pertencentes a área de abrangência da Unidade Saúde da Família Nossa Senhora dos Navegantes. Durante as entrevistas, além de informações sobre condições sócio-econômicas dos entrevistados, foram registradas as seguintes informacões sobre as plantas utilizadas: nome comum, parte usada, modo de preparo e administração. Adicionalmente, efetuou-se análise comparativa dos dados obtidos nas entrevistas com os constantes na literatura pertinente, de modo a identificar incongruências e informações complementares. Dentre as famílias entrevistadas, 96% indicaram fazer uso de plantas medicinais em função de conhecimento herdado de antepassados. Um total de 271 citações etnobotânicas foram registradas, englobando 75 morfoespécies, sendo 63 identificadas em nível específico, 7 em nível genérico e 5 não foram associadas a um taxon específico. As espécies citadas em maior número de entrevistas foram Mentha sp. (37 entrevistas) e Cymbopogon citratus (DC) Stapf (30); Rosmarinus officinalis L. (26), Plectranthus neochillus Schlechter (24), Artemisia absinthium L. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) e Tanacetum vulgare L. (22). A maioria dos entrevistados relatou não buscar orientação médica para o uso de plantas medicinais. Isto representa um fator de preocupação que deve ser considerado pelos atores sociais do setor de saúde bem como por aqueles envolvidos na educação comunitária, dado que 80% do total das espécies registradas neste estudo apresentam registro de toxicidade e contra-indicações de uso conforme literatura consultada. Apresentam-se recomendações para diferentes atores envolvidos nesta problemática. Palavras-chave: plantas medicinais, atenção primária à saúde, plantas tóxicas ABSTRACT: Ethnobotanical study near by the Family Health Care Unit of Nossa Senhora dos Navegantes: subsidies for the establishment of the program of phytotherapics in the Public Health System of the municipality Cascavel, Parana State, Brazil. An ethnobotanical survey was carried out aiming to provide basis for the establishment of a phytotherapy program within the Health Care System at Cascavel Municipality (Parana State, Southern Brazil). Semi- structured interviews with 50 families that were registered at the Nossa Senhora Navegantes Family Health Care Unit were performed. During the interview, besides the general information about socio-economic conditions of the interviewee, the following information about the plants used was recorded: vernacular name, part used, preparation and mode of administration. Additionally, a comparative analysis of the interview and literature data was performed, searching inconsistency and complementary information. Ninety six percent the interviewed families reported the phytoterapic usage as a heritage/ familiar knowledge. Two hundred seventy one ethnobotany references were recorded. Seventy five morphospecies were reported, being 63 identified in specific level, 7 in generic level, and 5 that were not associated to a specific taxon. Mentha sp. (37 interviews) and Cymbopogon citratus (DC.) Stapf (30); Rosmarinus officinalis L. (26), Plectranthus neochillus Schlechter (24), Artemisia absinthium L. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) and Tanacetum vulgare L. (22) were the most cited species. The majority of the interviewees indicated that they do not seek medical orientation for the use of medicinal plants. Eighty percent of the recorded species have been reported by the scientific literature as toxic or with usage restrictions. This represents

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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007.

Recebido para publicação em 24/05/2005Aceito para publicação em 10/05/2006

Estudo etnobotânico junto à Unidade Saúde da Família Nossa Senhora dosNavegantes: subsídios para o estabelecimento de programa de fitoterápicos na Rede

Básica de Saúde do Município de Cascavel (Paraná)

NEGRELLE, R.R.B.1*; TOMAZZONI, M.I.

2; CECCON, M.F.

1; VALENTE, T.P.

1

1Laboratório OIKOS, Dep. Botânica, Universidade Federal do Paraná. Cx. P. 19023. Curitiba, PR. CEP 81531-970

2Curso de Farmácia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. R. Carlos de Carvalho, 3496.

Cascavel, Paraná. CEP 85801 – 130. *[email protected] (autor p/ correspondência)

RESUMO: Realizou-se estudo etnobotânico visando gerar subsídios para o estabelecimento deprograma de uso de fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel/PR.Aplicaram-se entrevistas semi-estruturadas a 50 famílias pertencentes a área de abrangência daUnidade Saúde da Família Nossa Senhora dos Navegantes. Durante as entrevistas, além deinformações sobre condições sócio-econômicas dos entrevistados, foram registradas as seguintesinformacões sobre as plantas utilizadas: nome comum, parte usada, modo de preparo eadministração. Adicionalmente, efetuou-se análise comparativa dos dados obtidos nas entrevistascom os constantes na literatura pertinente, de modo a identificar incongruências e informaçõescomplementares. Dentre as famílias entrevistadas, 96% indicaram fazer uso de plantas medicinaisem função de conhecimento herdado de antepassados. Um total de 271 citações etnobotânicasforam registradas, englobando 75 morfoespécies, sendo 63 identificadas em nível específico, 7em nível genérico e 5 não foram associadas a um taxon específico. As espécies citadas emmaior número de entrevistas foram Mentha sp. (37 entrevistas) e Cymbopogon citratus (DC) Stapf(30); Rosmarinus officinalis L. (26), Plectranthus neochillus Schlechter (24), Artemisia absinthiumL. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) e Tanacetum vulgare L. (22). A maioria dos entrevistadosrelatou não buscar orientação médica para o uso de plantas medicinais. Isto representa um fatorde preocupação que deve ser considerado pelos atores sociais do setor de saúde bem como poraqueles envolvidos na educação comunitária, dado que 80% do total das espécies registradasneste estudo apresentam registro de toxicidade e contra-indicações de uso conforme literaturaconsultada. Apresentam-se recomendações para diferentes atores envolvidos nesta problemática.

Palavras-chave : plantas medicinais, atenção primária à saúde, plantas tóxicas

ABSTRACT: Ethnobotanical study near by the Family Health Care Unit of Nossa Senhorados Navegantes: subsidies for the establishment of the program of phytotherapics in thePublic Health System of the municipality Cascavel, Parana State, Brazil. An ethnobotanicalsurvey was carried out aiming to provide basis for the establishment of a phytotherapy programwithin the Health Care System at Cascavel Municipality (Parana State, Southern Brazil). Semi-structured interviews with 50 families that were registered at the Nossa Senhora NavegantesFamily Health Care Unit were performed. During the interview, besides the general informationabout socio-economic conditions of the interviewee, the following information about the plantsused was recorded: vernacular name, part used, preparation and mode of administration. Additionally,a comparative analysis of the interview and literature data was performed, searching inconsistencyand complementary information. Ninety six percent the interviewed families reported the phytoterapicusage as a heritage/ familiar knowledge. Two hundred seventy one ethnobotany references wererecorded. Seventy five morphospecies were reported, being 63 identified in specific level, 7 ingeneric level, and 5 that were not associated to a specific taxon. Mentha sp. (37 interviews) andCymbopogon citratus (DC.) Stapf (30); Rosmarinus officinalis L. (26), Plectranthus neochillusSchlechter (24), Artemisia absinthium L. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) and Tanacetum vulgareL. (22) were the most cited species. The majority of the interviewees indicated that they do notseek medical orientation for the use of medicinal plants. Eighty percent of the recorded specieshave been reported by the scientific literature as toxic or with usage restrictions. This represents

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a factor of risk that should be considered by the Health System and by those involved in thecommunity health education. Recommendations for the different social actors in this scenary arepresented.

Key words : medicinal plants, primary health attention, toxic plants

INTRODUÇÃOA medicina tradicional - conceituada como

práticas baseadas em crenças, sendo parte datradição de cada país, onde passa de uma geração aoutra - tem sido difundida pela Organização Mundialde Saúde (OMS) como um pilar essencial noscuidados primários de saúde (vide World HealthAssembly (WHA) Res. 29.72 -1976; WHA Res. 30.49-1977 e WHA Res. 44.34, 1991). A partir desta base,estabeleceu-se um programa mundial com a finalidadede utilizar e avaliar os métodos da chamada “medicinatradicional” (Akerele, 1988). Adicionalmente, naConferência Internacional de Cuidados Primários emSaúde, sob o tema “Saúde para todos no ano 2000”,foi incentivada a valorização das terapias tradicionais,entre elas a fitoterapia, sendo estas reconhecidascomo recursos possíveis para a viabilização do objetivoproposto, como uma forma mais fácil e economicamenteviável de aumentar a cobertura de atenção primária àsaúde nos países onde a estrutura de serviços éinsuficiente (OMS/UNICEF, 1979). A ConferênciaInternacional sobre Conservação de PlantasMedicinais adotou a Declaração de Chiang Mai“Salvem as Plantas que Salvam Vidas”, colocando asplantas medicinais, o seu uso racional e sustentável esua conservação no cenário político e de interesseda saúde pública (Akerele, 1988).

No Brasil este tema tem sido discutido emdiversas oportunidades desde a 8a ConferênciaNacional de Saúde, quando foi recomendada aintrodução das práticas tradicionais de cura popularno atendimento público de saúde (ConferênciaNacional de Saúde, 1986). Seguindo esta orientação,na 10a Conferência Nacional de Saúde, ocorrida emBrasília em 1996, deliberou-se incorporar as terapiasalternativas e práticas populares no Sistema Únicode Saúde (SUS). Nesta mesma oportunidade,incentivou-se a introdução da fitoterapia e dahomeopatia na assistência farmacêutica pública,propondo-se o emprego de normas para sua utilizaçãoapós ampla discussão com os profissionais de saúdee especialistas (Eldin & Dunford, 2001).

A partir destas recomendações, gerou-se umcrescente interesse de gestores municipais de saúdena implantação de programas de fitoterapia emunidades de saúde como alternativa medicamentosade vários municipios brasileiros, como por exemplo,Vitória (ES), Curitiba (PR); Londrina (PR), Campinas(SP) e João Pessoa (PE); entre outros. Para a quase

totalidade destes Municípios, os resultados daimplantação do programa são avaliados comosatisfatórios tanto para os profissionais como paraos usuários do Sistema Público de Saúde. NoMunicípio de Vitória, chegou-se a obter uma economiaem torno de 300% na produção própria demedicamentos fitoterápicos cientificamentecomprovados (Espírito Santo, 2003). Em Curitiba,81,90% das unidades de saúde já faziam a utilizaçãoda fitoterapia como opção terapêutica em2001(Curitiba, 2003).

Entretanto, como apontado por Leite (2000),o interesse por parte de gestores municipais naimplantação de programas de uso de fitoterápicos naatenção primária à saúde, muitas vezes apareceassociado apenas à concepção de que esta é umaopção para suprir a falta de medicamentos naimpossibilidade de disponibilização destes, já que namaioria das vezes contabilizam-se os ganhos emcustos gerados pela utilização dos fitoterápicos. Paraesta autora, além da viabilidade econômica e da açãoterapêutica que tem sido comprovada para muitasdas plantas utilizadas popularmente, a fitoterapiarepresenta parte importante da cultura de um povoque não pode ser desconsiderada. Assim, a utilizaçãode plantas medicinais tem sido muitas vezesconsiderada como um fato desvinculado daassistência à saúde como um todo e vista comosimples medicação. No entanto, segundo Hufford(1997), sistema de saúde que adota a fitoterapia deveincorporar um conjunto de atitudes, valores e crençasque constituem uma filosofia de vida e não meramenteuma porção de remédios.

Neste contexto, o saber popular poderia serutilizado como base para a pesquisa científica sobreplantas medicinais, contribuindo com os profissionaisda área de saúde no sentido de buscar subsídiospara a introdução de espécies em programas defitoterapia na rede de atendimento básico de saúde.Poderia ainda contribuir para o sistema local de saúdee ajudar a desenvolver o potencial econômico inerenteàs plantas de valor medicinal (Akerele, 1988).

Assim como as plantas podem representarremédios poderosos e eficazes, o risco de intoxicaçãocausada pelo uso indevido das mesmas, deve sersempre levado em consideração. A observância àsdosagens prescritas e o cuidado na identificaçãoprecisa do material utilizado pode evitar uma série deacidentes (Lorenzi & Matos, 2002). Desta forma, a

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identificação das plantas utilizadas pela população,a fonte de obtenção destas e indicações de uso,poderiam revelar possíveis problemas existentesnesse processo, ao mesmo tempo poderiam indicara potencialidade existente nas comunidades paraproduzir localmente plantas medicinais a seremutilizadas na rede municipal de saúde.

O uso de ervas medicinais, muitas delascultivadas no próprio quintal, é uma prática secularbaseada no conhecimento popular e transmitidaoralmente, na maior parte das situações. Numapopulação com baixo acesso a medicamentos,agregar garantias científicas a essa práticaterapêutica poderia trazer diversas vantagens. Destaforma, a implantação de um programa de produção,cultivo, elaboração e distribuição de plantasmedicinais na atenção básica à saúde poderia garantirà população o acesso a medicamentos, diminuindocustos e valorizando o saber popular.

Especificamente para o Município deCascavel, o modelo de atenção à saúde desenvolvidoprioritariamente caracteriza-se pelo atendimentoclínico medicamentoso, centrado no tratamento/curade doenças. Em virtude deste modelo apresentarsérias limitações, buscou-se alterá-lo de forma aincorporar a esse a prática de vigilância à saúdebaseado no perfil epidemiológico da população local.Para tanto, como uma das estratégias para o alcancedesse objetivo, o município aderiu à implantação doPrograma de Agentes Comunitários de Saúde e doPrograma Saúde da Família, os quais se caracterizampela identificação precoce das condições de risconas quais as famílias estão inseridas, dando ênfasena prevenção de doenças (Tomazzoni, 2004).

Desde então, a equipe de saúde local veminteragindo com a comunidade nos cuidados básicose educação para a conquista da saúde. Suas açõesestão direcionadas ao núcleo familiar com especialatenção aos grupos de maior risco de adoecer oumorrer, dentro de uma base territorial definida. Asações a serem realizadas pela equipe de saúdebaseiam-se nos problemas e potencialidades desaúde identificados nos territórios, contribuindo paraa construção e a consolidação de um modeloassistencial em saúde que atenda as necessidadesdos indivíduos de forma integral. Neste contexto, ainserção de um programa de uso fitoterápicos na RedeBásica de Saúde do Município tem sido visualizadacomo uma alternativa bastante atrativa e promissoratanto para o gestor quanto para para os profissionaise usuários do Sistema Público de Saúde, comoapontado em Tomazzoni (2004).

Nesta perspectiva, o presente estudo tevecomo objetivo ampliar o conhecimento sobre a relaçãoda comunidade de Cascavel com o uso de plantasmedicinais, visando gerar subsídios para oplanejamento e introdução do uso de fitoterápicos na

Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel/PR. Especificamente, visou-se realizar estudoetnobotânico de modo a identificar a utilização deplantas medicinais na realidade da população da áreade abrangência do projeto, contemplando: a)Identificação de espécies ainda não citadas naliteratura como medicinais ampliando o escopo daspossibilidades fitoterapêuticas; b) Comparação doemprego de plantas medicinais pela populaçãoestudada com o descrito na literatura, de modo aidentificar incongruências e riscos de utilizaçãoinapropriada; c) a partir da análise dos dados obtidos,apresentar recomendações a distintos atores sociaisvisando subsidiar o planejamento e introdução do usode fitoterápicos na Rede Básica de Saúde doMunicípio de Cascavel/ PR.

MATERIAL E MÉTODO

Local do estudoO estudo foi desenvolvido em Cascavel,

município localizado no Terceiro Planalto, na regiãoextrema do Oeste Paranaense (24º 58' Sul; 53º e 26'Oeste). Este Município conta com 266.604 milhabitantes (IBGE, 2004), sendo a maioria desteconcentrado na área urbana. Cerca de 93% destecontingente populacional é constituído basicamentepor migrantes gaúchos e catarinenses, predominandoa cultura italiana, alemã, polonesa e portuguesa.

Em Cascavel, a rede pública de saúde queoferece serviços na atenção primária é composta por31 Unidades de Saúde, sendo 23 na área urbana e 8na área rural. Dentre estas, para o desenvolvimentodesta pesquisa, selecionou-se a Unidade de Saúdeda Família (USF) Nossa Senhora dos Navegantes,localizada no Distrito de São João, distanteaproximadamente 15 Km do perímetro urbano. EstaUnidade de Saúde foi implantada em junho de 2002,com o objetivo de oferecer serviços de saúde 8 horaspor dia, dentro da lógica do Programa Saúde da Famíliaque consiste no desenvolvimento de estratégia quebusca atribuir maior capacidade de resposta àsnecessidades básicas de saúde da população de suaárea de abrangência. Adicionalmente, busca gerarnovas políticas setoriais, afirmando aindissociabilidade entre os trabalhos clínicos e apromoção da saúde conforme apontado em Brasil(2001).

A escolha desta USF para a realização destapesquisa deveu-se a esta comunidade de usuáriospossuir residência fixa e apresentar interesse pelotema “fitoterapia”, demonstrado por liderançascomunitárias no desenvolvimento de trabalhosanteriores em prol do resgate e valorização da culturadaquela população, conforme Tomazzoni (2004).

A área de abrangência da USF Nossa

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Senhora de Navegantes, corresponde a 12comunidades rurais denominadas: Alto Bom Retiro;Jangadinha; Cerro Verde; Nossa Senhora dosNavegantes; Rio Diamante; Peroba; Gramadinho; RioQuarenta e Sete; Jangada; Rio Saltinho; JangadaTaborda e São Mateus. No total, esta USF prestaatendimento a 1550 habitantes, distribuídos em 452famílias. A densidade populacional entre ascomunidades é bastante diversificada sendoGramadinho o maior núcleo populacional com 71familias e Rio Saltinho o menor (8 famílias). A maiorparte da população atendida pela USF é representadapor indivíduos adultos (> 21 e < 60 anos) (59,74%). Orestante dessa população está configurado por10,77% de bebês (< 1 ano), 22,33% de criança,adolescentes e jovens (1 até 21 anos) e 7,16% deindivíduos idosos (> 60 anos).

Durante o desenvolvimento dessa pesquisa,a USF contava com a seguinte equipe de profissionais:1 médico clínico geral; 1 enfermeiro; 1 assistentesocial; 1 cirurgião dentista; 2 auxiliares deenfermagem; 1 técnico em higiene bucal; 1 auxiliarde cirurgião dentista; 6 agentes comunitários desaúde; 1 motorista e 1 zeladora.

População amostralO universo amostral correspondeu a 50

famílias que foram identificadas como usuárias daUSF Nossa Senhora de Navegantes e selecionadaspela técnica de amostragem estratificada proporcionalconforme Costa Neto (1977). Nesta técnica adeterminação do tamanho da amostra é definida pelaproporção do número de famílias da população versusa quantidade de famílias em cada estrato (cadacomunidade). Desta forma, de um total de 452 famílias,selecionou-se 50 distribuidas proporcionalmente emrelação ao número de famílias registradas porcomunidade da área de abrangência desta USF. Noâmbito de cada comunidade, estas famílias foramselecionadas aleatóriamente, por meio de sorteiosimples. A entrevista foi realizada com o membro dafamília que estava presente e se disponibilizava paratal atividade.

No total, a amostra populacional englobouindivíduos entre 19 e mais de 70 anos, sendo 82 %destes do sexo feminino (Tabela 1). Com relação àescolaridade, apenas 2% dos entrevistados referiramter concluído o ensino médio, 2% não eramalfabetizados e 10% informaram apenas saber ler eescrever. No que diz respeito à religião, 92%informaram ser católicos. Quanto à procedência, 94%indicaram ser da região Sul, sendo que destes, 50%do estado do Paraná. Quanto ao tempo depermanência na comunidade, 62% dos indivíduosamostrados explicitaram residir há mais de 10 anosna mesma localidade e 18% informaram residir hámais de 30 anos. Quando perguntados sobre a

profissão, 58% declararam serem agricultores e 30%eram donas de casa (“do lar”).

TABELA 1. Incidência de indivíduos representativosde diferentes faixas etárias em levantamentoetnobotânico realizado junto aos usuários da Unidadede Saúde da Família Na Sra dos Navegantes, Cascavel-PR (dez. 2003 a fev. 2004).

Coleta de dadosPara descrição das características da

amostra populacional, assim como para coleta deinformações sobre as espécies vegetais utilizadasna terapêutica popular, executou-se pesquisaexploratório-descritiva envolvendo levantamentobibliográfico e levantamento junto às comunidadesalvo. A coleta de dados foi realizada no período dedezembro 2003 a fevereiro de 2004.

A abordagem feita aos entrevistados foi emforma de diálogo seguindo um roteiro básico que foipreviamente avaliado por meio de pré-teste, em doisaspectos fundamentais: a validade e a confiabilidade.Além da informação sobre a identificação pessoal(nome completo, endereço, idade, sexo, escolaridade),durante o diálogo foram anotados dados etnobotânicos(plantas medicinais utilizadas, modo de uso, finalidadee fonte de obtenção deste conhecimento). A coletadestes dados se deu de modo informal, possibilitandouma maior flexibilidade no contato entre entrevistadore entrevistado.

Após apresentação e explanação inicialacerca do objetivo da pesquisa, e desde que tivessehavido concordância em participar do estudo proposto,a entrevista era iniciada. No decorrer da entrevistaquando se fez necessário foram feitas algumasintervenções pertinentes a fim de solicitaresclarecimento de aspectos importantes relacionadosao objetivo da pesquisa. Finalizada a entrevista, foiprocedido relato da comunicação verbal de todas asquestões abordadas pelo entrevistado. A opção poresta forma de registro teve como objetivo evitar oconstrangimento do entrevistado frente ao uso de

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gravador, que poderia contribuir para a omissão deinformações importantes.

Para facilitar a aproximação e por entenderque o entrevistado se sentiria mais seguro com apresença de uma pessoa que já lhe fosse familiar, foisolicitado, durante a entrevista, o acompanhamentodo Agente Comunitário de Saúde responsável pelavisita domiciliar mensal àquela família. Isto possibilitouestabelecer um vínculo de confiança entre oentrevistador e o entrevistado o que foi fundamentalpara o aprofundamento dos aspectos pesquisados.

A duração de cada entrevista variou de acordocom cada entrevistado, dependendo da suadisponibilidade e número de citações apresentadas,chegando ao máximo de 2 horas e mínimo de 40minutos.

Realizou-se adicionalmente a coleta eherborização das plantas citadas. O material coletado,a partir da citação do nome vulgar, foi agrupado emmorfoespécies com base em semelhançasmorfológicas as quais foram identificadas em nível deespécie, sempre que possível. A identificação domaterial coletado seguiu os padrões da taxonomiaclássica, feita com base em caracteres morfológicosflorais e utilizando-se, quando possível, váriosexemplares. As determinações foram efetuadas pelosautores através de chaves analíticas e comparaçõescom materiais depositados no Herbário UPCB doDepartamento de Botânica da Universidade Federaldo Paraná.

Análise de dadosAs indicações de uso popular foram

substituídas por têrmos técnicos correspondentes,como por exemplo, para “contra febre” utilizou-se“antipirético”; “para dor de dente” utilizou-se“odontálgico”; “para pedra nos rins” utilizou-se“litolítico”. No caso da indicação ser “ serve para tudo”utilizou-se o têrmo “genérico”.

As informações etnobotânicas coletadasforam analisadas comparativamente ao exposto emdistintas fontes impressas e eletrônicas, no sentidode identificar incongruências quanto à indicações deusos e também riscos de utilização inapropriada.Entre as fontes consultadas, cita-se: USFDA (2005);PLANTAMED (2005); HERBMED (2005); Martins etal. (2000); Conceição (1987); Teske & Trentini (1997);Almeida (1993); Albuquerque (1990) e Corrêa (1984).

RESULTADO E DISCUSSÃOA quase totalidade (96%) dos indivíduos

entrevistados (n = 50), independentemente de sexoou idade, indicou fazer uso de plantas medicinais,eventual (54%) ou freqüentemente (46%), quandoutilizam remédios caseiros. 86% dos entrevistadosindicaram o cultivo doméstico de plantas medicinais

que utiliza. Além desta fonte de obtenção, tambémforam indicados o comércio (farmácia - 6%), amigos(42%) e a Pastoral da Saúde (6%).

Nenhum entrevistado indicou a utilização deplantas medicinais sob orientação médica. Referenciaramo uso como advindo de indicação de amigos e parentes(92%), livros especializados (2%), autoconhecimento(8%), muitas vezes reunindo todas estas alternativas.Um padrão de respostas semelhante foi obtido comrelação à dosagem, evidenciando-se que a maioriasegue recomendações de amigos e parentes (54%).Dentre os entrevistados, 10% relataram não seimportar com a dosagem “uma vez que planta nãofaz mal à saúde”. A totalidade dos entrevistados nãoapresentou registro de casos de envenenamento ouintoxicação por plantas na família. Isto tanto podeser devido à real falta de ocorrência destes processosno âmbito da comunidade pesquisada como poderepresentar não relação, por parte destes entrevistados,entre causa e efeito durante um episódio indesejávelocorrido no passado .

Um total de 271 citações etnobotânicas foramregistradas junto aos entrevistados, englobando 75morfoespécies, sendo 63 identificadas em nívelespecífico, 7 em nível genérico, 5 não foram associadasa um taxon específico (Tabela 2). A maioria dosentrevistados citou mais de uma espécie da qual fazuso medicinal. A média de citações de plantasmedicinais por questionário foi de 6,36 (valor máximo =22, valor mínimo = 0, moda = 4).

A família Asteraceae foi a que englobou maiornúmero de espécies citadas (16 spp), seguida porLabiateae (14 spp), Amaranthaceae (4 spp),Verbenaceae (3 spp) e Apiaceae, Juglandaceae,Malvaceae, Rutaceae e Zingiberaceae (2 spp). Asdemais famílias tiveram apenas citação de umaespécie cada, integralizando 30,6% do totalamostrado.

As espécies citadas em maior número deentrevistas foram Mentha sp. (37 entrevistas) eCymbopogon citratus (DC) Stapf. – capim limão (30).Outras espécies citadas em relativamente expressivonúmero de questionários foram: Rosmarinus officinalisL. (26), Plectranthus neochillus Schltr. (24), Artemisiaabsinthium L. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) eTanacetum vulgare L. (22) (Tabela 2).

Foram registradas 40 propriedadesterapêuticas distintas relacionadas ao uso domésticodas espécies citadas, ressaltando-se que muitosentrevistados mencionaram buscar assistênciamédica em casos de enfermidades consideradas maisgraves. As propriedades terapêuticas mais freqüentementecitadas foram: digestiva (76%), calmante (43%),antigripal (37%), analgésica (30%), antibiótica (22%),diurética (20%) e hipotensora (20%). A grande maioriadas espécies (35) estava associada a apenas umaindicação de uso. As demais foram associadas desde

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Para a quase totalidade das espéciescitadas, o chá foi a forma de uso referenciada pelosentrevistados. Para apenas 2 espécies – Menthaviridis (L.) L. e Solidago chinensis Meyen- indicou-sea tintura como única forma de emprego e, nestescasos, associado a atividade analgésica e/ouemoliente para tratamento externo de machucaduras.Em poucos outros casos, citou-se adicionalmenteao emprego do chá o uso da mesma planta paraemplastro (p.ex. Aloe vera L.) ou como erva-desidratada misturada ao chimarrão (p.ex. Lavandulasp.). A dose administrada variou de acordo com aindicação, desde uma dose diária até várias ingestõesou aplicações por dia.

Na maior parte das citações (96%), indicou-se exclusivamente a folha como parte utilizada nopreparo do chá ou outra forma de uso. A folhajuntamente com o caule assim como casca, flor, seiva,semente e raiz configuram-se entre outras partesmenos freqüentemente citadas como utilizadas pelosentrevistados (Tabela 2). Com relação ao uso dasplantas, mesmo estas sendo cultivadas pelosentrevistados, verificou-se que nem sempre estessouberam informar com precisão sobre sua indicaçãoterapêutica, informando que “ouviram falar que faziabem para esta ou aquela doença”. Muitos tinham aplanta na horta ou quintal, mas não tinham certezada sua indicação.

A partir da bibliografia consultada, pode-seaveriguar que aproximadamente 80% das plantas,citadas como de uso terapêutico pela população,apresenta algum tipo de toxicidade ou contra-indicação de uso (Tabela 2). Vale salientar que estaporcentagem pode estar subestimada em virtude denão haver informação disponível para várias dasespécies citadas. A ausência de informação nãonecessariamente significa ausência de toxicidade oucontra-indicação, mas pode estar associada à faltade estudos a esse respeito. Considere-se também,que dada à insuficiência de estudos farmacológicose toxicológicos específicos para grande parte destasespécies, a indicação de toxicidade pode estar sendosuperestimada por ser advinda apenas de indicaçãoempírica. De qualquer modo, evidencia-se a carênciade estudos específicos a esse respeito assim comoa necessidade de alertar potenciais usuários sobreessa possibilidade de toxicidade e efeitos colaterais.

Dentre as espécies com indicação detoxicidade ou contra-indicação de uso, ressalta-se

que aproximadamente 26% constam na literaturacomo abortivas e/ou não recomendadas durante agravidez ou lactação (p.ex. Foeniculum vulgare Mill;Rosmarinus officinalis L.). Cerca de 20 espéciescitadas pelos usuários são indutoras de reaçãoalérgica e/ou fotossensibilização dérmica (p.ex.Artemisa vulgaris L.; Salvia officinalis L.). Váriasoutras espécies são referenciadas na literatura comopromotoras de hepatotoxicidade aguda (p.ex.Chelidonium majus L.- indutora de hepatite aguda,conforme Pittler & Ernst, 2003); degeneração dosistema nervoso, alucinações e convulsões (p.ex.Artemisia absinthium L.), forte ação depressora dosistema nervoso central (p.ex. Mentha suaveolensEhrl, segundo Moreno et al., 2002) e de formação detumores malígnos na bexiga e fígado (p.ex.Symphytum officinale, conforme Sousa et al., 1991).A ingestão do chá desta última espécie, e tambémde Tanacetum vulgare L., de Passiflora (folha) e dePetiveria alliacea, é totalmente desaconselhada faceà alta toxicidade destas (Conceição, 1987; Martinset al.; 2000; UFSDA, 2005).

Também, registraram-se algumas discrepânciasentre as indicações de uso, forma de preparo edosagem registrados junto à comunidade estudadae os citados na bibliografia consultada (Tabela 2).Neste aspecto, salientam-se aquelas cuja indicaçãode uso e/ou parte usada difere da registrada naliteratura consultada, como por exemplo, Artemisiaalba Turra (com várias indicações de uso, exceto“calmante”); Celosia cristata (extrato alcoólico dassementes referenciado como com atividade anti-glicêmica em Vetrichelvan et al., 2002); Pfaffiaglomerata (Spreng.) Pederson ( o extrato aquoso daraiz é citado por Freitas et al. (2004) comopotencialmente protetor da mucosa gástrica entreoutras e, segundo Sanches et al. (2001), o extratometanólico da raíz apresenta atividade anti-hiperglicemiante).

As indicações discrepantes tanto podem sernovas e corretas formas de uso quanto podemrepresentar erros frequentemente cometidos quandoda identificação de determinada espécie. Este errode identificação pode estar associado ao uso donome vulgar dado que este não é um indicador seguroda correta identificação de uma espécie. Váriasespécies botânicas, muitas vezes de gêneros e/oufamílias distintas, são referenciadas por um mesmonome vulgar sem no entanto terem os mesmosprincípios ativos, como por exemplo “erva cidreira” –nome vulgar referenciado tanto para Cymbopogoncitratus (DC) Stapf (Poaceae) quanto para Lippia alba(Mill) N.Br. (Verbenaceae) e Melissa officinalis L.(Labiateae).

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TABELA 2. Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005).

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TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.)

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TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.)

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TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.)

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TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.)

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TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.)

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TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.)

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TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel,Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, senão citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nasfontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.)

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Adicionalmente, ao analisar-se a relaçãonome vulgar versus espécie identificada observa-seque os entrevistados podem estar utilizando demaneira inadvertida determinadas espécies que sãomorfologicamente semelhantes a outras corretamenteindicadas como medicinais. Ao avaliar-se asindicações de usos das espécies citadas, isto pareceestar acontecendo com várias espécies, como porexemplo, Artemisia alba Turra (em lugar de A.absinthium L.), Plectranthus neochilus Schltr.(emlugar de Plectranthus barbatus Andrews).

Por outro lado, várias espécies citadasapresentam indicação científica de usos importantesque não foram mencionados pela populaçãoentrevistada, como por exemplo Ficus carica L.(aitividade imunoestimulante registrada por Dai et al.,2000; atividade anti-cancerígena, identificada por Yin& Chen, 1997 e Meng et al., 1996); Juglans regia L.(segundo Erdemoglu et al., 2003, o extrato etanólicoda folha apresentou atividade antinflamatória emestudos pré-clínicos; extrato aquoso potencialmentehipoglicemiante, conforme Sachdewa et al., 2003) eHibiscus rosasinensis L. (anticarcinogênico, segundoSharma et al., 2004 e Sharma & Sarvat, 2004; tônico capilar,conforme Adhirajan et al., 2003; anticolesteremiante ehipoglicemiante, de acordo com Sachdewa &Khemani, 2003 e Sachdewa et al., 2003).

No transcorrer do presente estudo, percebeu-se que a utilização de plantas na terapia popular, pelacomunidade de usuários da USF Na Sra dosNavegantes é bastante difundida e presente. Atransferência do conhecimento botânico nestacomunidade, aparentemente, segue os padrões decomunidades tradicionais, não havendo indicativos debloqueios ou rupturas neste processo na populaçãoavaliada. Entretanto, o uso sem orientação médicaapropriada é um fator de preocupação que deve serconsiderado pelos atores sociais do setor de saúdebem como por aqueles envolvidos na educaçãocomunitária, dada a incidência de espécies comregistro de toxicidade e contra-indicações de uso.Assim como as plantas podem representar remédiospoderosos e eficazes, o risco de intoxicação causadapelo uso indevido das mesmas, deve ser semprelevado em consideração. A observância às dosagensprescritas e o cuidado na identificação precisa domaterial utilizado pode evitar uma série de acidentescomo apontado por Lorenzi & Matos (2002).

A falsa idéia de que tudo que é “natural ébom”, ou mais especificamente como indicado pelosentrevistados de que “planta não faz mal à saúde”,deve ser esclarecida junto à comunidade de usuáriosda USF assim com de outros locais. Estudosepidemiológicos em várias partes do mundo têmdemonstrado que certos produtos naturais podemrepresentar, cumulativamente, risco carcinogênicoaos humanos (Falk, 2000). Alguns ésteres presentes

em muitas das Euphorbiaceae que são utilizadascomo medicinais são potentes mitogênicos que foramdetectados como agentes causadores de câncernasofaringeal e câncer esofágico (USFDA, 2005).Toxinas pirrolozidínicas mutagênicas, encontradas nochá de confrei e em várias outras ervas medicinais,foram detectadas como hepatocarcinogênicas emratos e causadoras de cirrose hepática e outraspatologias em humanos (Schoental, 1968; Ames etal., 1990). Várias espécies medicinais estãoassociadas a grave hepatoxicidade, como explicitadoem Pittler & Ernst (2003).

A não consonância das indicações de uso,forma de preparo e dosagem registrados junto àcomunidade estudada em relação àquelas citadasna bibliografia consultada, deve servir também dereferencial para estudos adicionais no sentido deampliar as possibilidades de uso das espéciesindicadas ou mesmo comprovar a ineficácia ouimpropriedade da citada utilização.

RecomendaçõesConsidera-se relevante para o Serviço

Público de Saúde do município de Cascavel, a adoçãodo uso de plantas medicinais como uma soluçãoprática para os problemas básicos de saúde. Aimplantação desta prática, além de promover melhoriada qualidade de saúde integral da população envolvida,valoriza o saber popular, reforçando laços sociais eculturais. Um projeto desta natureza poderia serimplantado de forma gradativa, em uma perspectivainterdisciplinar e com participação comunitária,seguindo as diretrizes do documento elaborado em2001 pelo Ministério da Saúde, que autoriza a práticade uso de fitoterápicos no sistema público de saúde.

Nesta perspectiva e frente aos resultadosobtidos, apresenta-se um conjunto de recomendaçõesa distintos atores sociais relacionados ao SistemaPúblico de Saúde e uso de plantas medicinais doMunicípio de Cascavel:

- Gestor Municipal de Saúdea) Discutir a problemática associada ao uso

de fitoterápicos junto ao Conselho Municipal deSaúde.

b) Promover cursos de capacitação paraadequada utilização de fitoterápicos pelos profissionaisde saúde envolvidos na atenção básica à saúde.

c) Gerar programas de divulgação sobre usoadequado e indevido de plantas medicinais.

d) Elaborar material informativo que possaser distribuído à população.

e) Elaborar estratégias de intervençãopertinentes ao problema diagnosticado.

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- Profissionais de Saúdea) Buscar capacitação para promover

adequada orientação sobre plantas medicinaisprincipalmente em relação a dosagens, interações,formas de preparo.

b) Buscar conhecer contra-indicações ereações adversas das plantas usualmenteempregadas pelos usuários.

c) Realizar atividades educativas junto aosgrupos organizados das comunidades de abrangênciada USF onde atuam.

d) Promover discussões relativas ao temacom a equipe interdisciplinar da USF e com oConselho Local de Saúde.

e) Valorizar o saber popular e a cultura local.

- Usuáriosa) Evitar o uso de plantas somente com base

no nome vulgar.b) Buscar a correta identificação botânica e

informações sobre uso das plantas.c) Usar plantas medicinais sob orientação

de um profissional de saúde.d) Cultivar as plantas medicinais em locais

apropriados para o consumo.e) Buscar informações sobre contra-

indicações e toxicidade das plantas.f) Participar dos grupos de atividades

educativas da USF, sobre o uso de fitoterápicos.

- Pesquisadoresa) Realizar pesquisas no sentido de

preencher as lacunas de conhecimento existentes emrelação às plantas aqui relatadas e outras de usopopular comum e corrente.

b) Divulgar informações cientificas sobre usoadequado, toxicologia e contra- indicações de uso deplantas medicinais em veículos de fácil entendimentopela população em geral.

c) Desenvolver projetos de extensãorelacionados ao uso de fitoterápicos em parceria coma Secretaria de Saúde Municipal.

AGRADECIMENTOOs autores agradecem a comunidade usuária

da USF Na Sra dos Navegantes, localizada no Distritode São João em Cascavel (Paraná), peladisponibilidade em participar desta pesquisa.Agradecem também a Dra Maria de Lourdes Centa,Dra Solange Ribas Zaniolo; Dra Lia Rieck; Dra VanildeCitadini-Zanette e aos revisores anônimos pela leituracrítica e valiosas sugestões apresentadas.

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