estudo 11 heitor villa lobos (1)

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  • 7/21/2019 Estudo 11 Heitor Villa Lobos (1)

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    Anlise das estruturas simtricas noEstudo no11para violo de

    Villa-Lobos

    Ciro Paulo Visconti CanellasEscola de Comunicao e Artes da Univesidade de So Paulo - [email protected]

    Dr. Paulo de Tarso Camargo Cambraia SallesEscola de Comunicao e Artes da Univesidade de So Paulo - [email protected]

    Resumo: Esse trabalho faz parte de uma pesquisa que pretende investigar as estruturas musicaissimtricas aplicadas por Villa-Lobos na composio de seus Estudospara violo. Essa pesquisa estalinhada outras que tambm esto em andamento e que produzem anlises de obras do compositor

    brasileiro utilizando tcnicas e abordagens recentes em que as estruturas simtricas ocupam um papelde destaque.

    Palavras-chave:Villa-Lobos,Estudos para Violo, Anlise Musical, Simetria

    Symmetrical Musical Structures in the Section B of Heitor Villa-Loboss Guitar Etude no 10

    Abstract:This paper is part of a research that aims to investigate the symmetrical musical structuresapplied by Villa-Lobos in the composition of their studies for guitar. This research is aligned withothers which are also in progress and produce analysis of works of Brazilian composer using recenttechniques and analytical approaches. The symmetric structures occupy a prominent role in most ofthese studies.

    Palavras-chave:Villa-Lobos, Guitar Etudes, Musical Analysis, Simmetry

    Segundo a anlise apresentada por Paulo de Tarso Salles em seu livro Villa-Lobos:

    Processos Composicionais, o Estudo no 11 dividido em cinco sees: A-B-C-B-A, em que a

    seo C utiliza um material semelhante ao da seo A (SALLES, 2009: 63). Assim, o Estudo

    apresenta dois grupos de sesses com materiais meldicos e harmnicos bastante distintos: seo

    A - c. 1-14; seo B - c. 15-47; seo C - c. 48-66 (material semelhante ao da seo A); seo B -

    c. 67-89; seo A - c. 85-99. Assim, como o material apresentado na seo C o mesmo da seo

    A, iremos nesse artigo focar-nos apenas na anlise das sees A e B a fim de podermos nos

    aprofundar nas relaes simtricas que surgem nesses dois materiais distintos.

    Seo A

    Dividiremos a seo A em dois trechos que se repetem duas vezes nos primeiros 14

    compassos do Estudo no

    11. O primeiro trecho vai do c. 1 at o primeiro tempo do c. 4 e serepete do c. 8 (com uma anacruse no c. 7) at o primeiro tempo do c. 11. O segundo trecho

    ocorre entre o c. 4 e o c. 7 de depois repetido com algumas modificaes entre o c. 11 e o c. 14.

    Essa diviso pode ser vista na fig. 1.

    Segundo a analise de Salles, a textura da seo A dividida em trs camadas: a

    camada mais aguda formada por tricordes (notas com as hastes para cima na fig. 1); a camada

    central a melodia que ocorre apenas no primeiro trecho e na sua repetio (notas com as hastes

    para baixo na fig. 1); a terceira camada a linha dos baixos (SALLES, 2009: 63).

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    Fig. 1: a seo A do Estudo no 11 dividida em dois trechos que se repetem.

    Analisando o primeiro trecho dessa seo, veremos que ele apresenta uma coleo

    diatnica de notas que segundo Salles estabelece modo elio de Mi (SALLES, 2009: 62).

    Podemos ver nesse trecho como a camada da linha de baixo destaca o intervalo de 4J

    (descendente) entre as notas L e Mi:

    Fig. 2: destaque da linha de baixos do primeiro trecho da seo A.

    Na camada central, a melodia tambm destaca o intervalo de 4J descendente entre as

    notas L e Mi que so respectivamente a primeira e ltima nota. Entre elas, a melodia se

    desenvolve utilizando intervalos de 3m, 2M, 2m e de 5J:

    Fig. 3: a anlise dos intervalos da camada meldica do primeiro trecho.

    Podemos notar que a melodia tende a manter os mesmos intervalos, um salto de tera

    descendente que em seguida retorna para a nota inicial de cada compasso e que desce uma

    segunda para a nota do compasso seguinte (com exceo do salto de 5J do c. 3). Nesse percurso

    meldico a alternncia dos intervalos de 2M e 2m ocorre porque a melodia se mantm restrita

    coleo diatnica, adaptando os intervalos.

    Na camada mais aguda desse mesmo trecho observamos os tricordes 3-8, 3-4 e 3-9.

    A disposio das notas desses tricordes tambm destaca o intervalo de quarta que nessa camada

    aparece harmnico (sentido vertical). Deve-se destacar que a quarta formada no primeiro

    tetracorde aumentada (D e F#), enquanto as demais so justas. Alm das quartas, observa-se

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    trs intervalos de 3M (nos dois primeiros e no ltimo tricorde), dois intervalos de 2M (no

    primeiro e no terceiro tricorde) e dois intervalos de 2m (no segundo e no quarto tricordes) na

    harmonia dessa camada. Assim, como na camada da melodia, os tricordes dessa camada tendem

    a utilizar os mesmos intervalos harmnicos (sobreposio de segundas e teras que somam uma

    quarta). Esses intervalos alternam as suas qualidades por serem montados com notas da mesma

    coleo diatnica. Deve-se destacar que a soma das notas desses quatro tricordes resultam em

    uma gama completa da coleo diatnica utilizada nesse trecho, essa gama fica restrita a um

    intervalo de 8J:

    Fig. 4: as notas dos tricordes do primeiro trecho formam a coleo diatnica.

    Assim, em apenas quatro compassos Villa-Lobos esgota todas as notas da coleo

    diatnica e dessa maneira, utiliza todas as classes de intervalos. Destacamos que essa variedade

    de intervalos s ocorre porque esse trecho fica rigidamente restrito uma coleo diatnica.

    Nota-se como o intervalo de 4J destacado nesse primeiro trecho. Ele aparece nas trs camadas

    em pontos importantes, sendo operado por simetria translacional (nas transposies) e por

    simetria rotacional (na alternncia dos sentidos horizontal e vertical entre as camadas). Ser essematerial exposto no primeiro trecho da seo A que ser reexposto em toda a seo C, com um

    tratamento tcnico e textural diferente do utilizado nessa primeira seo.

    No segundo trecho da seo A a camada central praticamente omitida, restrita

    duplicao da nota Mi do baixo uma oitava acima. Nesse trecho a coleo diatnica que havia

    sido estabelecida no trecho anterior quebrada pela entrada das notas Sib (na camada dos

    baixos) e D# (no primeiro dos tricordes de cada compasso desse trecho). Essa quebra da

    coleo funciona de duas maneiras na seo A. Na primeira vez que surge, do c. 4 ao c. 7, ela

    estabelece uma tenso que impulsiona a volta da coleo diatnica que acontece na repetio doprimeiro trecho a partir do c. 8. Da segunda vez, do c. 11 ao 14, esse trecho funciona como uma

    ponte de ligao entre as sees A e B.

    Enquanto as camadas do primeiro trecho so ritmicamente independentes, notamos

    nesse trecho que uma imitao rtmica da camada dos baixos feita pela camada dos tricordes

    em que uma semnima em tempo fraco sempre sucedida por uma nota longa em tempo forte1:

    Fig. 5: a imitao rtmica que a camada aguda faz da camada dos baixos.

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    Os dois tricordes da camada mais aguda so montados com a fixao do intervalo de

    4J que formado pelas notas Si e Mi, tocadas com a primeira e a segunda corda solta, e o

    movimento cromtico de D# para D natural, feito na terceira corda. Esse movimento

    cromtico transforma o tricorde 3-7 num tricorde 3-4 em todos os compassos desse trecho.

    Enquanto a camada dos baixos utiliza os saltos de 4J no primeiro trecho queanalisamos da seo A, no segundo trecho esses saltos ficam restritos aos saltos de trtono. O

    trtono que havia aparecido no trecho anterior como um coadjuvante na camada mais aguda, na

    conformao dos intervalos de quarta coleo diatnica, surge nesse segundo trecho como

    material essencial. Da maneira que a nota Sib colocada entre as duas notas Mi dispostas em um

    intervalo de 8J, o trtono se destaca como a diviso simtrica da 8J em sua mdia geomtrica.

    Isso ocorre porque a altura da nota Sib a altura da nota Mi multiplicada por !2, como afirma

    Paulo Tin: a expresso !2 representa o trtono, a diviso da oitava em duas partes

    iguais (TIN, 2013: 8).

    Fig. 6: na camada dos baixos, o trtono aparece como a diviso simtrica da 8J.

    Seo B

    A seo B doEstudo no11ocorre entre os c. 15 e 47 e assim como a seo anterior

    tambm apresenta uma textura dividida em camadas. Contudo, essa seo apresenta apenas duas

    camadas que utilizam sempre do mesmo intervalo de 3M. Uma dessas camadas formada pelo

    intervalo de 3M sempre com as notas Sol e Si (notadas com a haste para cima) tocadas na

    segunda e terceira corda solta em ritmo constante de colcheias. Essa camada invariante funcionacomo um pano de fundo sobre o qual surge uma outra camada que tambm utiliza apenas

    intervalos de 3M, porm esses intervalos so formados com diversas notas e so digitados na

    terceira e quarta corda (notas com a haste para baixo) em ritmos diversos. Chamaremos essa

    segunda camada de camada principal. O fluxo dessas duas camadas por vezes interrompido

    pela ao rpida de arpejos tocados em ritmo de quilteras de semicolcheia. Iremos primeiro

    analisar o material das duas camadas sobrepostas e depois analisaremos os arpejos em separado.

    Dividiremos a seo B em quatro trechos: o primeiro vai do c. 17 ao 24, o segundo

    do c. 25 ao 34, o terceiro vai do c. 36 ao 39 e o quarto do c. 40 ao 47. Essa diviso baseada nomaterial utilizado na camada principal que muda de conjunto a cada um desses trechos:

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    Fig 7: primeiro trecho da seo B - c. 17 a 24.

    No primeiro trecho da seo B a camada do pano de fundo permanece com as notas

    Sol e Si enquanto a camada principal utiliza variados intervalos de 3M. Se separarmos as notas

    da camada principal veremos que os intervalos de 3M se distribuem equidistantemente em

    intervalos de um tom. Assim, somando todas as notas dessa camada veremos que formam o

    conjunto 6-35, uma coleo de tons inteiros WT1. Essa coleo possui simetria inversiva e

    portanto apresenta um palndromo em sua sequncia intervalar2:

    Fig 8: os intervalos da camada principal desse primeiro trecho formam a coleo de tons inteiros.

    No prximo trecho (c. 25 ao 34), a camada de pano de fundo permanece inalterada.

    Contudo, na camada principal, apesar de continuar com os intervalos de tera maior, h uma

    mudana de coleo:

    Fig 8: segundo trecho da seo B - c. 25 a 34.

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    Se organizarmos os intervalos de 3M em sequncia, como fizemos no trecho

    anterior, veremos como eles formam o conjunto 5-21 com a forma normal [11,0,3,4,7] que um

    subconjunto de 6-20, a coleo hexatnica HEX3,4. A coleo hexatnica tambm possui simetria

    inversiva e uma relao palindrmica em seus intervalos.

    Fig 9: os intervalos da camada principal do segundo trecho formam a coleo hexatnica.

    No trecho seguinte (c. 36 a 39), a camada principal troca de conjunto a cada

    compasso. No c. 36 as teras dessa camada formam mais uma vez o conjunto 5-21 que aqui est

    transposto um tom abaixo ao do trecho anterior, com a forma normal [9,10,1,2,5]. Outra

    transposio desse mesmo conjunto aparece nessa camada no c. 38 e 39, com a forma normal

    [4,5,8,9,0]. Assim, esses compassos se relacionam com o primeiro trecho da seo B:

    Fig.10: terceiro trecho da sesso B - c. 36 a 39.

    No c. 37 um novo conjunto se apresenta na camada principal, o conjunto 6-43. Assim

    como o conjunto 5-21, o conjunto 6-43 no possui simetria mas um subconjunto de uma

    coleo simtrica, a escala cigana (conjunto 7-22). A escala cigana, assim como a coleo de

    tons inteiros e a coleo hexatnica, possui a simetria inversiva:

    Fig.11: conjunto formado pelas notas do c. 37

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    No ltimo trecho da seo B (c. 40 a 47), h um retorno da frase que aparece entre os

    c. 21 e 22 do primeiro trecho. Dessa maneira, esse ltimo trecho utiliza a mesma coleo de tons

    inteiros (WT1) que j foi mostrada na fig. 8.

    Em todos os compassos quinrios do Estudo no 11 (c. 19, 23, 27, 31, 34 e 39)

    aparecem arpejos de dois acordes. Esses acordes so as nicas estruturas da seo B que no so

    formadas exclusivamente por teras maiores. Contudo, se somarmos as notas desses dois acordes

    obteremos novamente o conjunto 5-21:

    Fig. 12: o conjunto 5-21, formado pela soma das notas dos arpejos da seo B.

    Como vimos, praticamente todo o material da sesso B doEstudo no11 formado

    por intervalos de teras maiores. Se dispormos esses intervalos em uma sequncia do grave para

    o agudo respeitando a altura em que surgem ao longo da seo3, observaremos que so onze

    teras maiores, e que a nica ausente a tera entre F# e L#. Nota-se como essa tera omitidamapeia todas as demais por ser a mdia geomtrica entre cada par:

    Fig. 13: disposio dos intervalos de teras maiores que so utilizados na seo B.

    Concluso

    A anlise das duas primeiras sees doEstudo no11 mostra duas maneiras diferentes

    de utilizao das estruturas musicais. Na seo A, Villa-Lobos optou por uma nica coleo

    diatnica (definida por Salles como modo elio de Mi), e a rigidez dessa escolha resultou numa

    enorme variedade de intervalos musicais, pois tanto a melodia quanto os acordes foram

    adaptados essa coleo.

    Na seo B, o compositor escolheu pela utilizao exclusiva do intervalo de 3M, e a

    rigidez dessa escolha gerou a situao inversa da seo anterior, ou seja, o surgimento de

    conjuntos e colees diversos (todos eles com simetria inversiva).

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    As operaes de simetria - translao (nas transposies dos intervalos de tera),

    rotao (na troca de eixos entre melodia e harmonia) e reflexo (nos conjuntos de simetria

    inversiva) - surgem nas duas sees como parte da escrita para violo utilizada pelo compositor.

    Outra caracterstica que tem se revelado comum na composio dos 12 Estudos a

    da subtrao de um elemento da estrutura que est sendo usada. Vimos essa aplicao nos

    conjuntos 5-21 e 6-23 que so obtidos com a subtrao de uma nota das escalas hexatnica e

    cigana respectivamente, assim como na subtrao de apenas um intervalo de 3M (F# e L#) do

    total cromtico (demonstrado na fig. 13), gerando o espelhamento entre todos os intervalos. Essa

    mesma tendncia j foi observada em outrosEstudosno decorrer de nossa pesquisa.

    Bibliografia

    MEIRINHOS, Eduardo.Fontes manuscritas e impressas dos 12 Estudos para violo de Heitor

    Villa-Lobos. So Paulo, 1997. 386 pginas. Dissertao de Mestrado em Msica. Universidadede So Paulo.

    PEREIRA, Marco.Heitor Villa-Lobos: sua obra para violo. Braslia: Musi Med, 1984.

    STRAUS, Joseph. Introduction to post-tonal theory (third edition). New Jersey: Prentice Hall,2005.

    SALLES, Paulo de Tarso. Villa-Lobos: processos composicionais. Campinas: Editora daUnicamp, 2009.

    TIN, Paulo Jos de Siqueira.Modos e Temperamentos: Sistemas e Processos Modais. XXIIICONGRESSO DA ANPPOM, 2013, Natal. Anais ANPPOM 2013.

    VISCONTI, Ciro; SALLES, Paulo de Tarso. Estruturas musicais simtricas na seo B doEstudo No10 para violo de Heitor Villa-Lobos. In: XXII CONGRESSO DA ANPPOM, 2012,Joo Pessoa. Anais ANPPOM 2012, 2012a. p. 1015-1022.

    VISCONTI, Ciro; SALLES, Paulo de Tarso. Simetria e palndromos no Estudo No1 para violode Villa-Lobos. In: XXIII Congresso da ANPPOM, 2012, Natal. Anais ANPPOM 2013.

    VILLA-LOBOS, Heitor. Villa-Lobos: collected works for solo guitar. Frana: Max Eschig, 1990.

    WEYL, Herman. Simetria. Traduo: Victor Baranauskas - So Paulo: Edusp, 1997.

    Notas:

    II Jornada Acadmica Discente PPGMUS ECA/USP

    1Na passagem do c. 5 para o c. 6 a semnima substituda por duas colcheias.

    2Em nosso artigo Simetria e palndromos no Estudo No1 para violo de Villa-Lobos, publicado nos anais daANPPOM de 2013, exploramos a relao palindrmica dos intervalos dos conjuntos que possui a simetria inversiva.

    3A 3M formada pelas notas D e Mi a nica que aparece em oitavas diferentes, e por isso ela foi repetida na fig.13.