estratÉgias de socializaÇÃo da igreja o papel dos … · demonstram maior solicitude pela...

18
135 ESTRATÉGIAS DE SOCIALIZAÇÃO DA IGREJA: O PAPEL DOS COLÉGIOS CATÓLICOS MASCULINOS NOS ANOS 1920-1950 Miriam Waidenfeld Chaves 1 Resumo A Igreja desempenha um importante papel na sociedade brasileira nos anos 1920-1950, período em que os projetos de desenvolvimento nacional encontram-se ligados às propostas educacionais. Assim, seus colégios podem ser vistos como espaços de fermentação e disseminação de certos valores que deveriam contribuir para a formação de nossa cultura nacional. Nesse sentido, temos como hipótese a ideia de que as revistas escolares de três tradicionais colégios católicos do Rio de Janeiro durante esse momento expressariam os modos de pensar da Igreja no que se refere à sua política de formação de parcela da juventude católica leiga pertencente às frações de grupos de dirigentes. Acreditamos que a posição social de destaque desses jovens no futuro estaria, inclusive, permitindo à Igreja melhores condições de manter-se em uma situação privilegiada no jogo social. Palavras-chave: colégios católicos, Igreja, revistas escolares e socialização Abstract e church played an important role in Brazilian society in the 1920-1950’s, when national development projects were linked to educational proposals. Its schools could be considered places for breeding and spreading of certain values that would contribute to the formation of our national culture. We hypothesize the idea that the publications of three traditional Catholic Schools in Rio de Janeiro at that time would express the philosophy of the Church regarding it’s policy in forming part of the lay Catholic youth’s leading groups. We believe that the prominent position of these young people in the future 1 Profª do PPG em Educação da UFRJ - e-mail: [email protected]

Upload: dinhbao

Post on 22-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

135

ESTRATÉGIAS DE SOCIALIZAÇÃO DA IGREJA: O PAPEL DOS COLÉGIOS CATÓLICOS MASCULINOS NOS ANOS 1920-1950

Miriam Waidenfeld Chaves1

ResumoA Igreja desempenha um importante papel na sociedade brasileira nos anos 1920-1950, período em que os projetos de desenvolvimento nacional encontram-se ligados às propostas educacionais. Assim, seus colégios podem ser vistos como espaços de fermentação e disseminação de certos valores que deveriam contribuir para a formação de nossa cultura nacional. Nesse sentido, temos como hipótese a ideia de que as revistas escolares de três tradicionais colégios católicos do Rio de Janeiro durante esse momento expressariam os modos de pensar da Igreja no que se refere à sua política de formação de parcela da juventude católica leiga pertencente às frações de grupos de dirigentes. Acreditamos que a posição social de destaque desses jovens no futuro estaria, inclusive, permitindo à Igreja melhores condições de manter-se em uma situação privilegiada no jogo social.Palavras-chave: colégios católicos, Igreja, revistas escolares e socialização

AbstractTh e church played an important role in Brazilian society in the 1920-1950’s, when national development projects were linked to educational proposals. Its schools could be considered places for breeding and spreading of certain values that would contribute to the formation of our national culture. We hypothesize the idea that the publications of three traditional Catholic Schools in Rio de Janeiro at that time would express the philosophy of the Church regarding it’s policy in forming part of the lay Catholic youth’s leading groups. We believe that the prominent position of these young people in the future

1 Profª do PPG em Educação da UFRJ - e-mail: [email protected]

136

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

would even allow the Church to remain in a privileged position in the social network of the country.Keywords: Church, catholic schools, school publications and school socialization

INTRODUÇÃO

A Igreja sempre desempenhou um importante papel no campo cultural da sociedade brasileira, principalmente durante os anos 1920-1950, período em que os projetos de desenvolvimento nacional encontram-se intimamente ligados às propostas educacionais. Seus estabelecimentos de ensino, responsáveis pela formação de parcela signifi cativa de nossa elite tanto econômica quanto intelectual, podem ser compreendidos como genuínos espaços de fermentação e disseminação de certos valores, comportamentos e atitudes que, segundo seus dirigentes, deveriam fundamentar a nossa cultura nacional.

Nesse sentido, apesar de a Igreja encontrar-se diretamente ligada às questões suprarracionais – a fé -, enquanto uma instituição social como outra qualquer, teria como objetivo a sua preservação, com base na defesa de seus interesses sociais (MAINWARING, 2004). Sua pedagogia educacional poderia, então, ser entendida como um trabalho de formação de um certo tipo de habitus (BOURDIEU, 1989, p. 59), cujo efeito deveria acarretar a produção e reprodução dos valores, comportamentos e atitudes por ela preconizados.

Portanto, se as escolas selecionadas para esta análise são centenárias, suas histórias encontram-se atravessadas por essa questão. Constituem-se em um locus privilegiado de análise, que objetiva a fabricação de um ideal pedagógico que esteja em sintonia com as crenças da própria ideologia católica.

Este texto, com base nas afi rmações acima, divide-se em três partes. Enquanto a primeira, por meio do conceito de “educação total” (FAGUER, 1997), tem como fi nalidade discutir as razões pelas quais os colégios aqui investigados se posicionam como um grupo de escolas à parte das demais escolas da cidade, a segunda procura salientar que a Igreja, frente às mudanças sociais, políticas e culturais dos anos 1920-1950, experimenta formas variadas de sobrevivência, dando margem para que a socialização efetuada por seus colégios seja marcada

137

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

por essas diferenciações. Por último, chamar-se-á a atenção para o fato de que, apesar das variações acima apontadas, algumas estratégias de formação mantêm-se as mesmas. Ao fi xarem uma autoimagem que combina tradição, autoridade e infl uência, estariam reforçando o seu próprio sentimento de prestígio em relação aos outros estabelecimentos de ensino e, também, contribuindo para o estabelecimento do ethos católico em seu público escolar.

As revistas escolares Echos, A Alvorada e A Vitória Colegial, respectivamente editadas pelos Colégios São José, São Bento e Santo Inácio, são a fonte deste estudo. Ao se detectar que comportamentos e atitudes eram valorizados pelos reitores, professores e alunos que nelas escreviam, é possível obter-se alguma pista sobre os modos de atuação da Igreja no que se refere à sua política de formação de parcela da juventude católica leiga pertencente às frações de grupos de dirigentes que, ao se encontrarem nos postos dominantes da divisão social do trabalho, estariam garantindo à própria Igreja melhores condições de manter-se em uma posição privilegiada no jogo social.

Permite, enfi m, uma compreensão mais apurada sobre o universo escolar dos colégios católicos masculinos, fatia de nossa realidade educacional ainda pouco explorada pelas pesquisas oriundas do campo da História da Educação.

A “EDUCAÇÃO TOTAL”: AS RAZÕES DA SUPERIORIDADE SOCIAL E MORAL

A função educativa da Igreja tem se transformado em um

de seus principais objetivos, permitindo que ela se defi na como uma instância pedagógica por excelência. Seus estabelecimentos de ensino, cientes dessa sua missão, reafi rmam em alto e bom som que nenhuma instituição humana, nenhum governo, nenhum país demonstram maior solicitude pela educação do que o catolicismo (“A Igreja e a educação”, A Alvorada, set. de 1932, p. 123).

De acordo com essa afi rmação, sua ação pedagógica assume uma supremacia que, ao mesmo tempo em que a posiciona acima do Estado, da família e da sociedade, também a coloca frente a uma responsabilidade que obriga seus colégios a executar um programa educacional que esteja em harmonia com suas exigências.

138

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

No Brasil, as escolas católicas se estabelecem ao longo do século XIX. Através de suas congregações religiosas, muitas vezes aqui fi xadas desde os tempos da colônia, iniciam um trabalho de escolarização preconizado pelo próprio Estado.

Percebe-se aí a vocação educacional da Igreja brasileira. Em sintonia com as novas demandas sociais, procura ampliar seu raio de ação com base na escolarização da juventude, grupo social que de forma cada vez mais acelerada inicia a produção de seus próprios modos de estar no mundo, precisando, então, segundo a geração adulta da época, ser rapidamente socializado, para não ter a oportunidade de incorrer em uma vida de erros e desacertos (PASSERINI, 1996, p. 319).

Entretanto, seu público alvo serão os fi lhos das famílias pertencentes às frações das elites católicas. Acredita que, por meio de sua educação escolar, poderá infl uenciar parcela da sociedade que, a partir do advento da república, se laiciza, afastando-se cada vez mais dos valores cristãos. O acirramento das disputas ideológicas e a concorrência cada vez maior com outras religiões dão margem para que suas escolas se transformem em importantes espaços de produção e disseminação de sua fi losofi a, contribuindo, sobremaneira, para sua manutenção em uma posição privilegiada no jogo pelo poder.

A “educação total” (FAGUER, 1997) será uma das estratégias utilizadas por seus estabelecimentos de ensino. Com o intuito de formar uma nova geração, através de mecanismos duradouros de inculcação, passam a oferecer para aqueles que ali se encontram capital intelectual, capital moral e capital social.

Esse modelo de educação, ao fomentar maneiras de perceber o mundo e de se relacionar, também se ancora na similitude que deve existir entre as propriedades sociais das famílias dos alunos e o tipo de socialização escolar efetivado pelos colégios católicos (PEROSA, 2008, p. 65). Ao mesmo tempo em que reforçam os valores familiares, se transformam em competentes espaços de sociabilidade, que têm como objetivo manter por meio de um tempo integral o controle sobre a vida de seus alunos (FAGUER, p. 24).

Os métodos de transmissão de conhecimentos de ordem cognitiva utilizados, a educação de modos de comportamento, um público escolar oriundo de famílias de dirigentes e o fato de

139

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

pertencerem à mais pura linhagem dos colégios católicos garantem a posição de destaque desses estabelecimentos de ensino em relação às demais escolas da cidade. Contribuem para a reprodução de sua situação privilegiada e, consequentemente, possibilitam que a Igreja desponte como uma das mais relevantes instituições educacionais.

Essa distinção ainda se constrói com base na homogeneidade dos próprios colégios e, por conseguinte, de seu público. A crença nos valores cristãos, a observância de regras comuns e o mesmo estilo de vida permitem que se perpetue um sentimento de superioridade tanto social quanto moral nesse grupo restrito de colégios. Possibilita, até mesmo, que aqueles que neles estudam se percebam e também sejam reconhecidos como membros de uma “boa sociedade” (ELIAS, 2000).

Esse sentimento já anteriormente forjado nas famílias e reproduzido pelos colégios católicos, ao reforçar aprendizagens de maneiras de ser, constituídas a partir de afi nidades entre iguais, determinaria, inclusive, que seu público se subjugasse a certos padrões específi cos de controle e produção do afeto (p. 26), que teria no mundo espiritual o ambiente mais favorável para sua expressão.

Entretanto, um aprofundamento sobre a relação de exceção experimentada por esse grupo de escolas e seu público indica que essa experiência ocorre de forma variada, dependendo da especifi cidade de cada escola e, consequentemente, de quem a frequenta. Ou seja, apesar da homogeneidade, os grupos que compõem os colégios católicos se organizam de maneira heterogênea segundo as convicções e a posição social de cada congregação, pressupondo, assim, uma operacionalização também variada do capital tanto intelectual quanto moral e social. Além disso, o projeto de futuro das famílias que têm seus fi lhos nessas escolas também varia em função dos diversos elementos associados à classe social de origem da família: capital econômico, capital social, trajetória familiar, etc (PAIXÃO, 2007, p. 236).

De acordo com essas características, as revistas escolares dos colégios investigados transformam-se em um rico manancial de análise, de onde se pode apreender de que forma essa “educação total” é operacionalizada. Indicam a presença de uma “pedagogia do homem total” (FAGUER, 1997), que deveria

140

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

encarregar-se do aluno durante todo o tempo que passe longe da família, de tal modo que permaneça, pelo menos de maneira indireta, sob a infl uência familiar, sendo os docentes encarregados de um trabalho de transmissão do saber escolar, essencialmente fundado sobre a aquisição de “hábitos”, assim como de transmissão de valores educativos aos quais os pais estão apegados (p. 25 e 26).

Além desses aspectos, as revistas ainda explicitam outra propriedade desse tipo de educação. Revelam a intenção de relacionar “senso de responsabilidade” e “dedicação aos outros” (p. 33), permitindo, inclusive, a internalização de algumas qualidades intrínsecas necessárias à aquisição de um determinado sentimento de superioridade.

O escotismo, os retiros espirituais, as Cruzadas Eucarísticas e a prática do assistencialismo, por exemplo, ao incentivarem determinadas atividades, estariam dando margem para que seus praticantes desenvolvessem certas habilidades que os distinguiriam dos demais jovens pertencentes a outros grupos sociais. Os tornariam, segundo a educação católica, mais bondosos, próximos de Deus, inteligentes e sadios, enfi m, homens com mais caráter:

O escotismo é o cadinho que, na infância, prepara o caráter do futuro homem. Desenvolvendo a criança intelectual, física e moralmente, educa-a sem cansá-la (A Alvorada, agosto de 1932, p. 103).

A Cruzada dá à criança uma formação que ela deverá conservar durante toda a vida a fi m de ser um perfeito cristão... nos colégios não deveria faltar a Cruzada Eucarística que tanto colabora para a formação das elites entre os alunos (A Vitória Colegial, abril de 1952, p. 20).

Características da educação dos colégios selecionados, a transmissão dos conhecimentos de ordem cognitiva juntamente com a prática do esporte também contribuiriam para essa formação. Ultrapassam os espaços da simples sala de aula por meio da constituição nas escolas de “Clubes Literários”, “Academias de Arte”, torneios esportivos, viagens e passeios pedagógicos. Garantem que lazer e trabalho intelectual, brincadeira e estudo estejam amplamente conectados, criando um certo gosto (BOURDIEU, 2007) que acaba por desconsiderar todas as formas

141

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

(consideradas em determinado momento como) inferiores da atividade intelectual (ou artística)...(p. 460).

Portanto, é possível compreender os sentidos do artigo escrito por Oscar Carvalho, aluno do Colégio Santo Inácio na década de 1950. Constata-se que, entre o teatro clássico e o teatro de revista, tenha escolhido o primeiro numa clara tentativa de chamar a atenção para a decadência de nossa cultura, que, “sem critério”, passa a reverenciar um tipo de arte desprovida de senso estético e moral:

È bem lamentável que num país como o nosso, onde não falta o gênio artístico do povo, existam tão poucas empresas que se possam denominar boas. Muito dos bons teatros em nossas cidades foram transformados em cinemas. E por que tal abandono de Molière e Shakespeare? Estará o povo indiferente à arte? Infelizmente sim, estamos numa era de indiferentismo e superfi cialidade.O próprio teatro de Revista está decadente, porque seus espetáculos são fracos, desprovidos de senso artístico e – o pior – de senso moral e povoado de obscenidades e de baixa ironia (A Vitória Colegial, junho de 1950, p. 6).

Por fi m, as revistas mostram que essas práticas educacionais se veem, ainda, mais facilmente perpetuadas, na medida em que se desenvolvem através de laços de amizade e redes de sociabilidade que se mantêm, mesmo após a dissolução da etapa escolar. As associações de ex-alunos são um exemplo bastante rico. Procuram demonstrar por meio de seus artigos que seus membros, ao conservarem as mesmas relações de amizade na vida adulta, terão garantido tradição, história e, consequentemente, distinção, características fundamentais para a sua reprodução enquanto frações dos grupos dominantes.

Por se constituírem em um dos métodos mais efi cientes de perpetuação de um certo estilo de vida, as revistas, anuários ou boletins dessas associações, ao publicarem notícias – casamentos, nascimentos, prêmios, condecorações e promoções alcançadas – sobre as posições sociais atuais dos antigos alunos, indicando-os como pertencentes à “boa sociedade”, apenas confi rmam o próprio augúrio que a educação desses colégios lhes reserva:

142

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

Nossos caros antigos alunos conservam suas convicções religiosas, praticam seus deveres de cristãos, honram seus mestres, são chefes de família exemplares, tornando-se alguns verdadeiros apóstolos do bem. Muitos que conhecemos ocupam lugares de destaque e cargos de responsabilidade na sociedade. (Echos, 1929, p.25).

Esse sentimento ainda é reforçado pelos próprios colégios que, centenários, legariam ao seu público e às famílias seu nome, ou seja, capital simbólico. Garantiriam reputação social, honra e senso de família, predicados essenciais para as famílias católicas pertencentes à sociedade dos anos 1920-1950 que, ao se encontrar em franca modernização, colocava em risco os próprios valores dessas famílias de católicos (SAINT MARTIN, 2002, p. 134).

DUAS IGREJAS: DUAS IDEOLOGIAS EDUCACIONAIS

Período privilegiado de nossa história, os anos 1920-1950 têm a educação como o centro das discussões políticas do país, tornando-se inviável pensar-se um projeto nacional sem um projeto educacional, questão que a partir daquele momento em diante limita-se a um confl ito de interesses entre tecnocratas, donos de escolas, professores e estudantes. Cada qual apenas agindo de acordo com seus interesses particulares e sem uma percepção mais ampla quanto ao papel que a educação deveria desempenhar em nossa sociedade (SCHWARTZMAN et alli, 2000, p. 281 e 282).

Ao mesmo tempo, esses anos representam um período de amplas transformações na história do Brasil, pressupondo diferentes ações da Igreja, que de forma variada procura perpetuar-se no cenário nacional. Consequentemente, se nos anos de 1920-1930 aproxima-se em demasia do Estado devido às ligações entre Getúlio Vargas e Dom Sebastião Leme, líder da hierarquia católica, e ainda produz uma elite que teria como função revitalizar a sua presença dentro da esfera política e social, já durante 1940-1950 a competição com outras religiões e o declínio do monopólio religioso católico a obriga a re-estruturar suas relações com a sociedade, bem como a coloca frente à necessidade de desenvolver uma missão pastoral mais sistemática, por meio da modernização de suas práticas e da elaboração de um projeto de formação de líderes pastorais (MAINWARING, 2004).

143

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

Emoldurada por esse cenário, a Igreja, que durante séculos garantiu para si o monopólio do ensino - nas escolas paroquiais, mais tarde pequenas escolas, nos colégios e nas universidades - transformando-se em um verdadeiro centro de produção e disseminação cultural, através da Encíclica sobre a educação, editada em 1929, passa a ter sua história ligada à construção dos sistemas de ensino modernos (FOULQUIÉ, 1957).

Seus colégios em solo brasileiro se estruturam com base nas determinações da alta hierarquia católica, e ao mesmo tempo se tornam fi éis divulgadores de seu projeto pedagógico. Entretanto, ele se produz em sintonia com as movimentações que a própria Igreja desenvolve no interior do nosso campo político, religioso e cultural, pressupondo, portanto, pequenas ondas de oscilações em suas estratégias de formação. Ou seja, defendemos a hipótese de que a ação socializadora dos colégios católicos se encontraria circunscrita às demandas sociais, políticas e religiosas da Igreja, que, desse modo, introduziria no seu projeto pedagógico certas questões que em determinada conjuntura gostaria de “discutir” com os jovens oriundos dos seus colégios católicos.

A IGREJA CONSERVADORA

Durante os anos 1920-1930, o cenário político brasileiro encontra-se em franca transformação. Se durante os anos 1920 ocorre a Semana de Arte Moderna e a fundação do Partido Comunista e da Associação Brasileira de Educação, indicando a emergência de uma nação mais ativa e participativa, na década seguinte, com a organização da Ação Integralista Brasileira e da Aliança Libertadora Nacional, constitui-se uma cena política mais polarizada, exigindo que as forças sociais assumam posições cada vez mais explícitas. De um lado defende-se “Deus, Pátria e Família”, e do outro aposta-se na democracia, no anti-imperialismo e na luta antilatifundiária e antifacista, respectivamente.

Nesse caso, apesar de na prática esse debate encontrar-se bastante matizado, a Igreja, representada por sua cúpula, não tem dúvidas em optar pelo projeto integralista. E para que permaneça na disputa e aumente seu raio de ação sobre a sociedade brasileira, resolve fundar durante as décadas de 1920 e 1930 o Centro Dom Vital, a revista A Ordem, a Ação Católica, os Círculos Operários

144

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

e a Liga Eleitoral Católica. Com isso, direciona o voto de seus fi éis, intensifi ca suas atividades em torno da educação, do trabalho social, da vida familiar, da liturgia e da espiritualidade.

Seus colégios tornam-se verdadeiros espaços de disseminação de suas ideias, e suas revistas escolares se transformam em efi cientes veículos de divulgação dessas ideias. Seus artigos, através da reafi rmação da mensagem religiosa, criticam o liberalismo, o socialismo e o positivismo. Também defendem a opinião de que o comunismo é o maior dos males,[que] dissolve a família, suprime a liberdade, anula o direito e degrada a alta função do Estado (A Alvorada, 1935, p. 100).

Nesse sentido, a socialização dos jovens católicos dos colégios analisados durante os anos 1920-1930 pressupõe uma “educação total” (FAGUER, 1997), que, além de se defi nir segundo os princípios anteriormente expostos, também se caracteriza por um tipo de ação pedagógica que implica a formação de uma determinada visão de mundo em sintonia com a própria luta política travada pela Igreja naquele período. Supõe a formação de uma liderança que mais tarde possa atuar a favor de seus interesses sociais.

A IGREJA ASSISTENCIALISTA

O pós-guerra e o fi m da ditadura varguista em meados dos anos 1940 inaugura uma nova etapa na história do Brasil, que passa a ser constituída de modo mais complexo. E se os intelectuais, artistas e estudantes são incorporados ao jogo político de forma mais efi caz, os trabalhadores do campo, cansados das promessas, também procuram se inserir nessa luta política por meio da organização das Ligas Camponesas, movimento responsável por um nível de mobilização do campo nunca antes imaginado.

Além disso, a urbanização, a industrialização e a tecnologia indicam novas opções para a sociedade brasileira, instigando-a a buscar outras referências para a sua vida. Ao mesmo tempo, esse fenômeno da metropolização (SEVCENKO, 2008) pressupõe a existência de uma nação que busca de forma cada vez mais explícita romper com as noções tradicionais de hierarquia e de autoridade (p. 607).

145

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

Esses novos ventos impulsionam a transformação da Igreja, que se sente obrigada a olhar para a sociedade brasileira a partir de outro ponto de vista. Assim, inicia um trabalho pastoral mais intenso que, através da adoção de uma política mais popular, dá margem para que sua evangelização seja pautada por uma intensa atividade em prol da justiça social (MAINWARING, 2004, p. 52). A fundação da Juventude Universitária Católica na década de 1950, inclusive, procura colocar em prática essa política. Busca estabelecer um elo entre os próprios estudantes, os princípios do catolicismo e o movimento social.

Seus colégios, novamente, tornam-se cenário privilegiado de implementação dessa política ; e, ao procurarem reforçar a opção acima descrita, tentam desenvolver certas atividades assistencialistas em seu público escolar que, desse modo, prestaria ajuda aos mais necessitados, bem como desenvolveria um ascetismo religioso que o posicionaria em um lugar de destaque social.

Nesse sentido, a socialização dos jovens católicos nas décadas de 1940-1950 pode ser descrita como uma educação integral, que tinha como uma de suas características principais a formação de um ethos moral que pressupunha o assistencialismo e a ajuda missionária. Acreditava-se que, através das Missões, a fé se irradiaria por terras e povos distantes (A Vitória Colegial, 1950, p. 7), possibilitando o próprio aumento da penetração social da Igreja.

Acima de tudo, essa postura acabaria por contribuir para que a Igreja conservadora e aristocrática desse lugar a uma Igreja mais popular e vinculada aos interesses dos mais necessitados.

A REPRODUÇÃO DA DISTINÇÃO

Além das posições variadas da Igreja acima descritas, as particularidades de cada congregação também evocam diferenças entre os colégios. Cada um deles, ancorado em sua história, traça seu próprio caminho.

A presença dos jesuítas no Brasil data de 1567, ano em que criam o Colégio dos Jesuítas, tendo o padre Manoel da Nóbrega como seu primeiro reitor. São expulsos do Brasil em 1759, retornam em 1814, mas apenas em 1900, no Flamengo, é que fundam uma pequena escola primária, onde ensinam música e preparam para a primeira comunhão.

146

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

Em julho de 1903, os padres se mudam para Botafogo, outro bairro da zona sul, onde começa a funcionar o Externato Santo Inácio. No ano de 1943, passa a se chamar Colégio Santo Inácio, e em 1956 é criado o Curso Primário.

A chegada dos beneditinos ao Rio de Janeiro confunde-se com a história da cidade. Também desenvolvem um trabalho de catequese, e em 1858 fundam o Colégio de São Bento em uma região central onde a própria cidade teve sua origem.

Primeiramente, constitui-se enquanto um externato, funcionando nas dependências do Mosteiro. É gratuito até 1915; a partir desta data, criam-se dois tipos de escola: a velha escola, que passa a receber contribuições, e uma nova, fundada para oferecer serviços gratuitos. Inicia um regime de internato, que é mantido até 1922 ; e em 1928 o colégio passa a admitir alunos em tempo integral.

Os maristas fi xam-se no Rio de Janeiro em 1735, inaugurando o Seminário Diocesano de São José, próprio para a carreira eclesiástica. Em 1881, o Curso Preparatório para o Seminário transfere-se para o Rio Comprido, tradicional bairro da zona norte, e é equiparado ao Ginásio Nacional.

Em 1902, o tradicional educandário passa a obedecer à orientação pedagógica dos Irmãos Maristas e tem início a sua trajetória enquanto internato e externato.

Através dessa pequena síntese, percebe-se que a história das congregações e dos colégios compõe-se juntamente com o nascimento da própria nação, o que faz com que, acima das peculiaridades, se autodefi nam como guardiões dos mais genuínos valores nacionais. Daí a crença da Igreja como uma instituição que tem como princípio se responsabilizar pela educação do país.

Portanto, pode-se afi rmar que nem as diferentes conjunturas exigindo ações pedagógicas específi cas nem a singularidade de cada congregação eliminam a hipótese de se pensar a existência de um solo comum que tenha como fi nalidade incutir em seus fi éis os mesmos sentimentos e atitudes.

AS REVISTAS ESCOLARES: EXPRESSÃO DE UM ETHOS

A Vitória Colegial, publicada pelo Colégio Santo Inácio na década de 1950, A Alvorada, escrita pelo Colégio de São Bento nos anos de 1920/1930, e a Echos, editada durante a década de

147

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

1920 pelo Colégio São José, são a fonte de expressão das intenções acima expostas.

Apesar da periodicidade entre elas não ser coincidente, é possível notar que teriam como meta contribuir para o desenvolvimento da vida associativa da comunidade escolar, assim como também colaborar com o ensino, na medida em que estimulariam a escrita dos alunos que eram incentivados a desenvolver suas opiniões, argumentação e ideias através dos artigos que liam/escreviam.

Suas edições muitas vezes atravessam décadas, dando uma demonstração clara de força e vigor. Talvez desejassem deixar registrado aquilo que almejavam que fosse lembrado no futuro e que hoje pode ser traduzido como um exemplo do pensamento da Igreja e de suas formas de educação pedagógica.

ESTRATÉGIAS DE SOCIALIZAÇÃO: TRADIÇÃO, AUTORIDADE E INFLUÊNCIA

As revistas, de fácil manuseio – medem 21cmx15cm -, impressas em gráfi cas da cidade e recheadas de fotografi as, demonstram esmero e sofi sticação.

As capas e contracapas já confi rmam os efeitos que as revistas querem causar em seus leitores. Explicitam os próprios valores que os colégios desejam fi xar em seu público escolar: tradição, autoridade e infl uência.

As da revista Echos até 1923 são inspiradas em pinturas antigas, com desenhos de fl ores, folhas de parreiras e colunas de mármore que servem para emoldurar o desenho da capa, que ainda contém o nome do periódico e do colégio escrito em letras góticas. Já as capas dos anos seguintes, enquanto no alto da página mantêm as fl ores, as folhas e os nomes da revista e da escola em letras desenhadas, abaixo passam a exibir uma foto imponente da escola ou dos alunos na frente dela.

A sobriedade é o princípio que caracteriza as próximas páginas introdutórias, tratando, inclusive, de chamar a atenção para a linhagem da escola: na primeira, à esquerda, dentro de um pergaminho desenhado, encontram-se escritos em uma “respeitosa homenagem”, ou “aff ectueux hommage”, os nomes dos Bispos e Arcebispos do Rio de Janeiro e da alta hierarquia marista –

148

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

congregação que dirige o Colégio São José. À direita da mesma página a foto de Sua Santidade o Papa Pio XI. Na seguinte, tem-se a foto de D. Joaquim Arcoverde, e na terceira delas a fi gura de Dom Sebastião Leme e demais autoridades católicas.

As capas da A Alvorada também podem ser analisadas como símbolo de tradição e autoridade. Principalmente as dos anos 1935 e 1936 demonstram a forma excepcional como o colégio se autopercebe: nelas é estampado um desenho da escola sobre nuvens e, logo abaixo, ao que tudo indica, um outro da igreja e do mosteiro. Esse todo se encontra envolto em uma coroa de louro, onde no alto se lê em latim Veritati et Virtuti. Abaixo, um pergaminho, servindo de base, tem à esquerda um tinteiro e uma pena, e à direita, um globo terrestre. Ao pé da página ainda há desenhado o símbolo da escola sobre a inscrição “Orgão Ofi cial do Ginásio de S. Bento”, Rio de Janeiro, Brasil, desejando mostrar que a revista tem o aval da direção do colégio.

Em contraposição a esse estilo, as capas da A Vitória Colegial, apesar de resguardarem certos elementos religiosos, tais como a presença, em close, de Cristo, Nossa Senhora e Santo Inácio, em sua maioria são compostas por fotografi as dos próprios alunos, seus principais personagens. Ainda que raro, em outras já aparece o nosso índio e também crianças negras, num claro reconhecimento de que o mundo também é composto por outros povos. Na contracapa, o nome do impresso no alto e abaixo o dizer “Periódico dos alunos do Colégio Santo Inácio”, o nome do diretor e do vice-diretor – padres – responsáveis, demonstrando que, apesar de a revista ser “dos alunos”, a direção do colégio é que tem as suas rédeas.

Esses expedientes de forma variada não só ligam os impressos às escolas e às suas respectivas ordens religiosas, como também as engrandecem. A utilização de Cristo, Nossa Senhora, o latim, a coroa de louro e as folhas de parreira, por exemplo, expressam as bases em que se assentam os valores cultuados pelos colégios. Funcionam, portanto, como uma forma de fixar visualmente as suas próprias raízes.

Outro aspecto relevante das capas ou contracapas é que, de forma diferenciada, procuram explicitar o poder da direção na editoração das revistas, numa clara demonstração de que se trata de uma publicação autorizada: ostentam na contracapa o nome

149

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

e as fotos de toda a hierarquia religiosa; têm como “diretor” e “vice-diretor” de uma revista que se defi ne como um “periódico de alunos” os próprios padres, ou simplesmente acrescentam o termo “ofi cial” à inscrição “Orgão Ofi cial do Colégio de São Bento”. Assim, a “educação total” prevê que tudo aquilo que é produzido nas escolas precisa ser mantido sob a vigilância de seus reitores, a fi m de que sua infl uência se estenda de modo integral a todos aqueles que estejam a ela submetidos.

O passado dos colégios, suas histórias e origens, ao investi-los de autoridade, os fi xam enquanto instituições de ensino exemplares que têm as suas forças constituídas em sua própria tradição. Portanto, os artigos sobre os fundadores dos colégios e das respectivas congregações funcionariam como uma forma de enaltecer essa posição de exceção. “Beatifi cação do Padre Champagnat”, publicado na Echos de 1920, “São Bento – adolescente”, escrito para a edição de março de 1923 da “A Alvorada”, e “Anchieta na fundação do Rio de Janeiro”, de junho de 1956 para “A Vitória Colegial”, mostram que esses homens santos encontram-se ligados aos seus respectivos colégios através de sua origem, e que por esta razão os alunos deveriam se sentir orgulhosos, já que teriam tão ilustres antepassados compondo a história de seu colégio.

“A origem do teatro”, “A poesia brasileira antes do Romantismo” e “Páginas fi losófi cas”, publicados na revista A Alvorada, e “Beethoven”, “O teatro”, “Machado de Assis” e o “O gênio de Leonardo da Vinci”, escritos para A Vitória Colegial, demonstram o quanto certo conhecimento dito “desinteressado” compunha o universo educacional do autor/leitor dos impressos das escolas católicas investigadas. Confi rmam a necessidade de se manter a tradição sobre um tipo de educação que privilegiava uma certa erudição necessária à elite dirigente católica.

O requinte dessa postura atinge o seu limite com o artigo em francês, “Le Rev. Frère Diogène, Superieur dês Frères Maristes”, de duas páginas, publicado na revista Echos de 1920.

Entretanto, o aluno autor/leitor dessas revistas, para estar em condições de produzi-las e consumi-las, deveria, segundo o professor José Piragibe, do Colégio de São Bento, seguir à risca as suas recomendações publicadas no sugestivo artigo “O Trabalho

150

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

intelectual”. Nele, enumera seis regras que “o trabalhador intelectual” deveria obedecer para alcançar o seu intento:

Não pensarás, estou certo, que se mencionam aqui todas as regras a que deve obedecer o trabalhador intelectual. Mando-te apenas as fundamentais, donde decorrem ou que inspiram muitas outras que o operário intelectual descobrirá sem intervenção de conselheiros...Daí a primeira regra, ler. (Edição de jun/jul, 1922, p..56)

Conclui-se, sem nenhum embargo, que as escolas em pauta formam “intelectuais”, ou melhor, uma elite cultural que mais tarde irá comandar a nação.

As três revistas ainda fazem questão de manter o seu quadro de honra. Ali se encontra inscrito o nome, a média e a foto dos melhores alunos e, também, daqueles que com sucesso entraram para a universidade ou Escola Naval.

“Panthéon”, “Quadro de Honra” e “Guarda de Honra” são respectivamente as colunas das revistas Echos, A Alvorada e A Vitória Colegial. Responsáveis por dar visibilidade aos melhores alunos, esses espaços, ao mesmo tempo em que enaltecem os estudantes que cumpriram com os seus deveres, diferenciando-os dos demais e fazendo-os se sentirem orgulhosos de si mesmos, também têm a função de infl uenciar os demais alunos, fazendo-os se inspirarem nesses mesmos comportamentos.

Esses exemplos mostram que a educação desses colégios implica mais do que a simples instrução. Pressupõe a formação intelectual, cultural e espiritual necessária para garantir de modo efi caz a “educação total” das elites católicas que, desse modo, estariam aptas para alcançar os altos postos da sociedade brasileira e infl uenciá-la de acordo com os valores defendidos pela nossa Igreja.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dos anos 1920-1950 o delineamento do projeto nacional brasileiro se constitui a partir de uma série de tensões e disputas sociais. Seus agentes, agrupados segundo interesses convergentes, circulam no interior de uma arena política que se complexifi ca, à medida que a própria nação vai se tornando cada vez mais fragmentada e heterogênea social e culturalmente.

151

Educ. foco, Juiz de Fora,v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Estratégias de socialização da Igreja: o papel dos colégios católicos masculinos nos anos 1920-1950

A Igreja, uma das instituições mais importantes do período, procurará de forma variada manter-se no jogo social, atuando de acordo com as circunstâncias locais, bem como segundo as exigências da alta hierarquia romana. Terá a difícil tarefa de combinar prática litúrgica e religiosa com projeto político e social.

Nesse sentido, o papel de seus intelectuais leigos será fundamental, principalmente porque nessa época as relações entre política, cultura, educação e intelectuais (PÉCAUT, 1990) intensifi ca-se, exigindo que os vários grupos no poder defi nam estratégias, a fi m de que seu projeto nacional seja aquele que irá alinhavar a própria política, cultura e educação brasileiras.

Portanto, se durante esse período a criação de diversas associações e revistas - Centro Dom Vital, Ação Católica e Liga Eleitoral Católica, Juventude Universitária Católica e A Ordem – cumpriu explicitamente esse intento, acreditamos que o peso educacional de seus estabelecimentos de ensino também tenha contribuído para esse fi m. Partimos da hipótese que sua ação pedagógica intensiva tenha socializado parcela importante das elites jovens católicas, tornandos, de forma variada, competentes disseminadores de sua mensagem tanto religiosa quanto política. Entendemos que os discursos presentes em suas revistas escolares indicam determinadas formas de socialização que, em última instância, estariam cumprindo o papel de tornar seus leitores/alunos verdadeiros escudeiros de suas mensagens, cuja produção encontra-se assentada nas próprias bases da Igreja católica.

REFERÊNCIAS

A Alvorada. Rio de Janeiro, sem editora, exemplares de 1922-1928; 1932, 1933, 1935 e 1936.

A Vitoria Colegial. Rio de Janeiro: Editora Carioca, exemplares de 1950 - 1959.

BOURDIEU, P. A distinção.. São Paulo: Edusp, 2007. -----------------------. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

Echos. Rio de Janeiro, sem editora, exemplares de 1920-1930.

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

152

Educ. foco, Juiz de Fora,

v. 15, n. 2, p. 135-152, set 2010/fev 2011

Miriam Waidenfeld Chaves

FAGUER, Jean-Pierre. Os efeitos de uma “educação total”: um colégio jesuíta, 1960. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 18, n. 58, pp. 9-53, 1997. FOULQUIÉ, Paul. A Igreja e a educação. Rio de Janeiro: Agir, 1957.

MAINWARING, Scott. Igreja católica e política no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004.

PAIXÃO, Lea Pinheiro. Socialização a escola. In: PAIXÃO, Lea Pinheiro & ZAGO, Nadir (orgs). Sociologia da Educação. Pesquisa e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 2007.

PASSERINI, Luisa. A juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni & SCHMITT, Jean-Claude (orgs.). História dos jovens. A época contemporânea (Vol.2). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 319-382

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. Entre o povo e a nação. São Paulo: Ed. Ática, 1990.

PEROSA, Graziela. Educação diferenciada e trajetórias profi ssionais femininas. Tempo Social, vol. 20, n. 1, pp. 51-68, 2008.

SAINT MARTIN, M. Coesão e diversifi cação: os descendentes da nobreza na França, no fi nal do século XX. Mana, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 2, p. 127-149, out. 2002.

SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena M. e COSTA, Vanda M. R. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

SEVCENKO, N. A capital irradiante: técnica, ritmos & ritos do Rio. In: SEVCENKO, N. (org.) História da vida privada no Brasil. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 513-619.

Data de recebimento - março/2010Data de aceite - junho/2010