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ESTRATÉGIA DE REPRESENTAÇÃO EM PROJETO DE LOGOTIPIA:
LEITURA SEMIÓTICA DA MARCA GRÁFICA UNO/FIAT
Bruno Indalêncio de Campos (UFSC)1 Richard Perassi Luiz de Sousa (UFSC)2
Milton Luiz Horn Vieira (UFSC)3
Resumo
A marca “Uno”, tradicionalmente, representou, desde 1983, um modelo de automóvel produzido pela montadora “Fiat” que, por sua performance de vendas em diferentes versões e, especialmente, na versão “Mille”, é apontado como um caso de sucesso comercial. No ano de 2010, houve o lançamento da nova linha de automóveis, informalmente denominada como “Novo Uno”, cuja publicidade propõe o slogan “Novo Uno. Novo Tudo”. A nova linha de produtos é muito diferente da anterior. Porém, houve a opção por manter o nome da marca, com a alteração do seu logotipo, que é o principal objeto de estudo deste artigo. A teoria Semiótica, primeiramente proposta por Charles Peirce, é aqui adotada para a interpretação do processo de representação do
logotipo.
Palavras-chave: Gestão de Design. Marca de Automóvel. Identidade Gráfico-Visual
1 Graduado em Design Gráfico pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2009). Pós -graduado pelo
curso de Especialização em Gestão do Design pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Mestrando do programa de Mestrado em Design e Expressão Gráfica pela Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Desenho Industrial, com ênfase em Programação Visual. 2 Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001), Me stre
em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1995), Bacharel em Desenho de Propaganda e Licenciado em Artes Plásticas pelo curso de Educação Artística da Universidade Federal de Juiz de Fora (1986). Atua como professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina. 3 Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina (1984), mestrado em
Engenharia Mecânica pela mesma Universidade (1991). Possui especialização em Engenharia Química (cerâmica) pela Universidade de Valencia - Espanha e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (1999). Atualmente é professor associado 2 da Universidade Federal de Santa Catarina.
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APRESENTAÇÃO
Este artigo é produto de estudos e pesquisa desenvolvidos durante o curso de
especialização em Gestão do Design promovido pelo Núcleo de Gestão do
Design (NGD/UFSC), através do programa de Pós-graduação em Design e
Expressão Gráfica (Pós-Design/EGR/UFSC.
Apresenta-se aqui uma leitura semiótica do logotipo da marca “Uno” que,
recentemente, passou a identificar um novo modelo de automóvel, que foi
lançado no ano de 2010, endossado pela marca italiana “Fiat”, que também
representa uma montadora brasileira de veículos.
Atualmente, as marcas gráficas de organizações e produtos globais compõem
e participam da visualidade urbana em todo o mundo, afetando públicos
diversificados com diferentes culturas, religiões, condições sociais ou
econômicas.
Tradicionalmente, uma marca gráfica é representada por um logotipo, como a
imagem de nome da marca grafado de maneira particularizada, ou por um
símbolo gráfico-figurativo, que também é apresentado como imagem
representativa da marca. Assim, a marca gráfica pode ser um logotipo ou um
símbolo, mas, geralmente, é composta pelo conjunto de um logotipo e um
símbolo. Quando apresentado como marca de organização ou produto, o
conjunto com os dois elementos ou apenas um elemento isolado são
denominados como “marca gráfica”, “assinatura visual” ou simplesmente “logo”,
No contexto da área de Design Gráfico, o projeto de um signo ou um conjunto
de signos para representar uma marca é desenvolvido como a parte central do
trabalho de projetação da identidade gráfico-visual da marca.
A marca gráfica, como um logotipo, um símbolo figurativo ou ambos é,
portanto, resultado de um processo de criação bem planejado e direcionado a
objetivos específicos que são: (1) servir de elemento de identificação e
distinção da marca; (2) servir como atestado de origem dos produtos e serviços
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de um fornecedor, e (3) apresentar-se como síntese dos valores da marca, do
produto ou serviço que representa.
De maneira geral, a temática proposta pelo significado do nome ou pela
imagem do símbolo é relacionada aos valores da marca. Mas, além disso, o
formato, as cores e outros aspectos expressivos do logotipo e do símbolo,
também, expressam e representam, de maneira intencional ou acidental, os
valores da marca.
Como em todo conjunto de signos, a potencialidade significativa do conjunto de
elementos visuais, que compõem o logotipo, o símbolo ou o conjunto desses, é
mais ampla do que as pensadas e previstas pelos emissores da marca. Assim,
pode-se perguntar aos emissores e ao designer projetista da marca o que a
marca representa. Todavia, a significação de um logotipo ou de outro símbolo
visual é sempre mais ampla que o previsto, justificando um estudo
interpretativo da marca de acordo com a cultura em que é percebida.
A pesquisa realizada se caracteriza como “Descritiva”, porque “observa,
registra, correlaciona e descreve fatos ou fenômenos de uma determinada
realidade sem manipulá-los” (VALETIM, 2005). Para o desenvolvimento da
pesquisa, foram realizadas as seguintes etapas: (1) estudos exploratórios; (2)
estudos teóricos e (3) pesquisa documental. Assim, foram realizados: (1)
levantamento do material de estudo; (2) revisão teórica, e (3) coleta de
imagens e outros dados na internet.
Os estudos teóricos consideraram especialmente a teoria Semiótica, que foi
primeiramente proposta por Charles Sanders Peirce (1839-1914). Assim, essa
é a principal matriz teórica utilizada na interpretação do logotipo “Uno”, que é a
marca gráfica em estudo.
APONTAMENTOS SOBRE A MARCA “UNO”
As informações a seguir foram pesquisadas na internet, no sítio da revista
Quatro Rodas (2010) e tratam do processo de identificação de diferentes
modelos de automóveis com a utilização do nome “Uno” endossado pela marca
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italiana “Fiat”. O logotipo ou marca gráfica do nome, também, passou por
transformações durante esse processo.
A marca “Fiat” fez o lançamento do automóvel “Uno” (Fig. 1), em 1983, e sua
comercialização aconteceu a partir do ano de 1984, como o primeiro carro
mundial da montadora. O modelo “uno” substituiu o já veterano “Fiat 127” que,
no Brasil, serviu de base para o conhecido modelo “Fiat 147”.
Figura 1: Fiat Uno, modelo 1984. Fonte: Blog Fiat Fictícia (2011).
O projeto inicial foi do designer italiano Giorgetto Giugiaro. Exteriormente, o
automóvel apresentava linhas retas e angulosas, com detalhes inovadores,
como as maçanetas embutidas na versão de duas portas. Assim, o modelo foi
percebido de maneira diferenciada com relação aos concorrentes.
A preocupação com ergonomia e funcionalidade era notada no desenho interior
do carro. Por exemplo, os comandos foram considerados de fácil acesso,
porque eram situados bem próximos ao volante. Além disso, o espaço interno
era privilegiado, já que o teto elevado aumentava a sensação de amplitude.
Em 1984, o lançamento do carro no Brasil dividiu opiniões e seu desenho
diferenciado, com formas retilíneas, não foi imediatamente aprovado pelo gosto
do público consumidor. Entretanto, posteriormente, automóveis da marca “Uno”
tornaram-se populares entre os brasileiros, sendo que essa condição foi
consolidada na década de 1990. A versão “Uno Mille” inaugurou o segmento de
automóveis populares no Brasil e, historicamente, é a marca com maior
número de vendas de carro “zero quilômetro” neste país.
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O modelo “Uno Mille” permaneceu no mercado até o ano de 2009, resistindo
como um produto de forte apelo popular, devido ao bom desempenho e ao
preço acessível.
A ênfase nos aspectos objetivos, funcionais e econômicos, foi evidenciada com
a versão “Economy”, que apresenta no painel um aparelho denominado
“econômetro”, para indicar se o modo do motorista conduzir o veículo prioriza a
economia de combustível. Todavia, o desgaste estético-simbólico do modelo
“Uno Mille” foi sendo percebido, e em maio de 2010, o lançamento do novo
modelo “Uno” confirmou que houve a percepção da necessidade de
atualização estilística do automóvel. Contudo, o modo como o novo modelo
“Uno” (Fig. 2) foi apresentado e introduzido no mercado indicou o cuidado da
montadora “Fiat”, para não perder o posicionamento conquistado pelo antigo
modelo “Uno Mille”.
Figura 2: Fiat Uno, versão “Way”, modelo 2011.
Fonte: Sítio Revista Mecânica On Line (2011)
Primeiramente, o novo modelo “Uno” foi lançado e vendido na versão de quatro
portas laterais. Somente no final do mês de fevereiro de 2011, depois de
confirmada a aceitação do novo modelo pelo público consumidor, foi
apresentada e passou a ser comercializada a versão de duas portas do novo
modelo “Uno”, com o lançamento do modelo para o ano de 2012.
A comercialização do novo modelo “Uno” com duas portas laterais é uma
indicação da saída do modelo “Mille” do mercado, porque será definitivamente
substituído. Todavia, considera-se que ainda há necessidade de adaptações
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para que o novo modelo possa ser comercializado com preço equivalente ao
modelo anterior.
A TEORIA SEMIÓTICA
Para Santaella (1994, p. 1), Semiótica é “algo nascendo e em processo de
crescimento. Esse algo é uma ciência, um território do saber e do
conhecimento ainda não sedimentado, indagações e investigações em
progresso”.
De maneira objetiva, Niemeyer (2003, p. 19) assinala que “Semiótica (do grego
semeion = signo) é a teoria geral dos signos”, sendo que “signo” “é algo que
representa alguma coisa para alguém em determinada circunstância”. Portanto,
um signo está no lugar de algo, mas não é a própria coisa, porque é apenas
um modo disso ser lembrado por alguém em certo contexto (NIEMEYER,
2003).
No contexto semiótico, signo é considerado como processo, sendo ao mesmo
tempo causa e efeito da significação, ou seja, da associação entre o que é
percebido e o que é relacionado a isso. Diante do mundo, o sujeito intérprete é
levado a construir interpretações, e tais interpretações se organizam nas
chamadas “semioses”, como substituições associativas e operações de
construção do sentido, que acontecem no pensamento. O objeto semiótico
pode ser uma coisa, sensação ou acontecimento.
A noção de processo indica o signo como um conjunto dinâmico de três
componentes: (1) a parte percebida, que é denominada “representamen”; (2) a
parte referida, que é denominada “objeto”, e (3) a parte que relaciona as outras
duas, que é denominada “interpretante. A dinâmica entre as partes se
apresenta como um desdobramento. “Signo é o processo mental das
operações de substituição, a realização da representação, através do engenho
e processamento cerebral, produzindo aquilo que se constitui no que
chamamos de mente ou pensamento” (TURIN, 2007, p. 33).
Peirce propôs a estrutura do signo composta por três tricotomias;
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1. A “primeira tricotomia” caracteriza os tipos de signo com relação ao
“representâmen”, podendo ser: “qualissigno”; “sinssigno”, ou “legissigno”,
correspondendo “às dimensões sintáticas e materiais do produto”
(NIEMEYER, 2003, p. 41).
2. A “segunda tricotomia” caracteriza os tipos de signo com relação ao
“objeto”, podendo ser: “ícone”; “índice”, ou “símbolo”, de acordo com “o
modo como o signo se refere àquilo que ele representa” (NIEMEYER, 2003,
p. 36), demarcando a dimensão semântica do signo. O signo icônico se
caracteriza por relação de semelhança, entre o que é percebido e o que é
representado. O signo indicial ocorre por relação de contiguidade ou causa
e efeito, entre o que é percebido e o que é representado. O signo simbólico
decorre de uma convenção, que relaciona o que é percebido com o que é
representado. Ícones, índices e símbolos não existem de maneira
independente, porque são dimensões do processo de construção de um
mesmo signo. Ao mesmo tempo, todo signo é ícone, porque é semelhante a
alguma coisa; índice, porque é contíguo a alguma coisa, e símbolo, porque
é convencionado como representante de alguma coisa. Todavia, as coisas
com as quais o signo se relaciona como ícone, índice e símbolo não são
necessariamente as mesmas.
3. A “terceira tricotomia” caracteriza as possibilidades interpretativas do signo
e se estabelece com relação ao “interpretante”, podendo ser: “rema”;
“dicente”, ou “argumento”. Assim, “rema” representa um primeiro nível de
impressões e dúvidas, decorrentes de um contato inicial com o novo.
“Dicente” remete ao pensamento que constata a existência de algo
independente da representação. “Argumento” é produto de afirmações
interpretativas a respeito do observado, devido à aplicação de regras e
certezas culturais a respeito do objeto em questão (NIEMEYER, 2003).
Peirce propôs três categorias fenomenológicas: (1) “primeiridade”; (2)
“secundidade”, e (3) “terceiridade”. Concordando com Santaella (1994),
considera-se que a primeiridade abriga as sensações e sentimentos como
aspectos próprios do sujeito que percebe o signo, sendo motivadas por
características estético-sintáticas do “representâmen”, definindo sua
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iconicidade. A secundidade se estabelece através da relação de contiguidade
entre o “representâmen” e o “objeto” do signo, indicando os aspectos do signo
que se estabelecem externamente, com relação às sensações vivenciadas pelo
sujeito. A terceiridade é determinada pelo acervo dos códigos culturais que
estabelecem de maneira convencional as relações entre as sensações do
sujeito (primeiridade) e as expressões da realidade externa (secundidade).
DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO SEMIÓTICA DO NOVO LOGOTIPO
“UNO”
A respeito do logotipo da marca “Uno”, considera-se que a relação entre o
produto e sua marca gráfica é estabelecida por recorrência de aspectos
formais. Isso diferencia o logotipo do novo “Uno” de outras marcas de veículos,
que enfatizam a associação de valores simbólicos da cultura em geral aos
produtos que representam. Além disso, corrobora a ideia que o design do novo
modelo do automóvel “Uno” foi prioritariamente projetado para atender à
necessidade de atualização estético-simbólica de um produto que,
historicamente, é um sucesso de mercado.
Aspectos descritivos
Houve uma reportagem da revista “Quatro Rodas”, que foi veiculada na internet
em maio de 2010, sobre o lançamento de produtos com o novo modelo “Uno”.
Trata-se de uma publicação comercial, mas com longa tradição e prestígio na
área automobilística. Na reportagem, há a afirmação de que tudo é novo com
relação ao modelo “Uno Mille”. Pois, “em comum com o veterano popular, o
Novo Uno tem apenas o nome. Trata-se de um projeto completamente novo”
(QUATRO RODAS, 2010). O conceito adotado é publicitariamente resumido na
expressão: “Novo Uno. Novo Tudo”. Inclusive, há referências indicando
mudanças em aspectos tecnológicos, relacionados ao desempenho do
automóvel. Todavia, a ênfase da reportagem recai sobre os aspectos formais
de seu design, reforçando que são a configuração externa ou interna e a
visualidade que diferenciam totalmente o novo modelo com relação ao antigo.
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“Os traços retilíneos são a principal característica do Uno, sendo que a grade
dianteira – sem efeito funcional, diga-se de passagem – traduz a tendência de
estilo batizada pela Fiat como „round square‟” (QUATRO RODAS, 2010).
É facilmente percebida e também foi repetidamente citada a semelhança entre
as formas adotadas no design do automóvel (Fig. 2 e 3) e as formas adotadas
no design do logotipo de sua marca (Fig. 4). As formas definidoras do produto e
do logotipo são os retângulos com ângulos arredondados. “As referências ao
quadrado aparecem por todos os lados, desde o desenho das rodas da versão
Attractive até o logotipo do carro, que reproduz o formato da grade frontal. Na
traseira, as lanternas em posição elevada recorrem novamente ao tema
„quadrado arredondado‟” (QUATRO RODAS, 2010).
Figura 3: O formato retangular arredondado nas formas do automóvel. Fonte: adaptação do autor
Visualmente, portanto, há analogia ou relação icônica, que é determinada na
semelhança entre formas recorrentes na aparência do automóvel (Fig. 2 e 4) e
nas formas que configuram o logotipo (Fig. 4).
Figura 4: Logotipo do Novo Fiat Uno
Fonte: vetorização do autor.
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No logotipo da marca, compondo o nome “uno”, as letras são circunscritas por
três formas retangulares vazadas, com ângulos arredondados e linhas largas.
Cada uma das letras do nome aparece no interior de uma das formas vazadas.
A fonte tipográfica apresenta traços largos e sem serifas.
A configuração das três letras segue uma rígida matriz gráfica, que é
completamente expressa na letra “O”. Portanto, as letras “U” e “N” são
compostas de acordo com estrutura padronizada, sendo que essas duas letras
repetem o mesmo desenho em posição invertida. A sobreposição das duas
primeiras letras, “U” e “N”, recompõe a matriz expressa na letra final “O”.
O logotipo também é apresentado em outras versões, com tratamentos gráficos
diferenciados, havendo versões que simulam tridimensionalidade e
tratamentos, sugerindo as formas e as letras modeladas em materiais como
acrílico ou metal (Fig. 5).
Figura 5: Representação tridimensional do logotipo da marca “Uno”. Fonte: Sítio Auto Foz Veículos (2011), www.autofoz.com.br
Na prática de marcação dos produtos da marca, o logotipo pode ser moldado
em metal (Fig. 6), plástico ou outros materiais e aplicado em diferentes partes
do veículo ou de outros produtos relacionados ao automóvel.
Figura 6: Aplicações do logotipo tridimensional da marca “Uno” na superfície externa de automóveis.
Fonte: Imagens fotográficas produzidas pelo autor.
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Oficialmente, como foi consagrado na tradição de marcação de automóveis, o
logotipo é apresentado na parte traseira do automóvel, do lado esquerdo de
quem observa o produto.
Aspectos interpretativos
É interessante a comparação entre a imagem lateral do modelo antigo do
automóvel e do modelo novo do automóvel, porque ambos são identificados
com marca “Uno” (Fig. 7). No âmbito da categoria de “primeiridade”, proposta
pela teoria Semiótica como foi descrita anteriormente, a visão do modelo antigo
promove sensações que sugerem um veículo mais leve e transparente, mais
frágil, mais amplo, com certa inclinação para frente, sugerindo também rapidez.
Por sua vez, também no âmbito da “primeiridade”, relacionando sensações e
sentimentos, a visão do modelo novo promove sensações que sugerem um
veículo mais forte e robusto, mais pesado e compacto, bem postado sobre as
quatro rodas e mais aderente ao solo. Assim, as qualidades visuais do modelo
antigo sugerem leveza, amplitude, fragilidade e rapidez, enquanto as
qualidades visuais do modelo novo sugerem força, robustez, opacidade,
estabilidade e segurança.
Figura 7: Imagens laterais de modelos da marca “Uno”.
Fonte: adaptação do autor.
Os logotipos da marca em cada um dos modelos apresentados mantêm uma
relação icônica com as formas dos automóveis que identificam e qualificam
(Fig. 8). Assim, com relação a sensações e sentimentos no âmbito da categoria
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semiótica de “primeiridade”, a imagem do logotipo “Uno Mille” sugere rapidez e
leveza. A sensação de rapidez decorre da inclinação de suas formas e a
sensação de leveza é sugerida pelo fino contorno que desenha a tipografia das
palavras, especialmente, da palavra “Mille” (Fig. 8).
Por sua vez, a imagem do logotipo “Uno” sugere estabilidade, força e
segurança. A sensação de estabilidade decorre da ortogonalidade das formas,
que se mostram perfeitamente paralelas e perpendiculares em todas as
direções. A sensação de estabilidade aliada à percepção das linhas largas das
letras e das formas que as circunscrevem sugerem força. A sensação de
segurança é decorrente das sensações de estabilidade e força associadas à
sensação de proteção sugerida pela situação das letras abrigadas pelas formas
que as circunscrevem (Fig. 8).
Figura 8: Imagens dos logotipos dos modelos da marca “Uno”. Fonte: adaptação do autor.
Do modo geral, a cultura como o campo das significações já estabeleceu
relações básicas para todos os elementos que foram percebidos ao longo da
história. Algumas dessas relações permanecem restritas aos acervos de
culturas específicas. Mas, depois da consolidação da cultura de consumo,
através da comunicação de massa, há um vasto acervo de associações de
amplitude global, que participa do repertório comum do público consumidor.
Assim, mesmo considerando que o novo modelo da marca “Uno” seja
decorrente de um projeto único, que foi lançado como legitima novidade junto
ao público, a cultura de consumo e a cultura em geral oferecem recursos para
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a categorização simbólica do automóvel, de acordo com parâmetros já
existentes.
Na teoria Semiótica, as associações ou convenções culturais configuram a
categoria fenomenológica da “terceiridade”. Por exemplo, essas associações
permitem ao observador identificar alguns rabiscos feitos com caneta sobre
papel, primeiramente, como desenho, figura ou palavra e, em seguida, como
representação de um objeto ou de um ser vivo. Contudo, materialmente, no
âmbito da “secundidade”, o desenho é apenas um conjunto de restos de tinta
depositados pelo uso da caneta sobre uma folha de papel.
Na reportagem já citada (QUATRO RODAS, 2010), considera-se que “o
desenho de linhas modernas e irreverentes (do novo automóvel da marca
„Uno‟) lembra a fórmula do Kia Soul, classificado pela montadora sul-coreana
como „carro-design‟” 4. Do mesmo modo, é possível considerar que, pela
ausência de certo tipo de formalidade e de certos aspectos ou de elementos
indicativos de luxo, ambos os modelos de automóveis apresentados e
associados à marca “Uno” (Fig. 7), além de serem símbolos das marcas “Uno”
e “Fiat”, também, são símbolos de automóveis populares, com algum valor
agregado, por detalhes que sugerem esportividade.
A sugestão de esportividade aparece mais claramente nas rodas do modelo
antigo, como é apresentado na imagem anterior (Fig. 7), apesar do estilo geral
do automóvel ser mais coerentemente categorizado como “carro popular de
passeio”. Todavia, no modelo novo (Fig. 7), todo o desenho do automóvel
sugere um tipo de esportividade. O caráter esportivo, entretanto, não é
relacionado aos esportes de velocidade, porque propõe sutis relações com
esportes de força e resistência, que são denominados como “radicais”. O
automóvel é apresentado como um carro popular de passeio, cujas linhas
lembram os automóveis do tipo “fora de estrada”. Isso ocorre, especialmente,
porque a parte abaixo da linha dos vidros do automóvel é mais larga ou maior
que a parte de cima, reforçando a sensação de peso e de estabilidade.
4 Kia Soul é a marca de um automóvel da empresa sul-coreana “Kia Motors”, cuja representação
brasileira é identificada como“Kia Motors do Brasil”.
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Por analogia icônica, o logotipo da marca associado ao novo modelo do
produto (Fig. 4 e 8), além de ser símbolo do automóvel e da marca “Fiat”,
também simboliza estabilidade, força e segurança. Mas, não sugere leveza e
velocidade, simbolizando performances que requerem força, proteção e
determinação. O conjunto sequencial de três peças retangulares com ângulos
arredondados, que circunscrevem as letras do nome, propõe associações com
elos de correntes ou partes mecânicas de uma esteira rolante, como as que
impulsionam alguns tipos de tratores e outras máquinas automotivas.
Há relações icônicas no processo de associação entre o “representamen” do
signo e o seu “objeto” que, neste caso, relaciona o logotipo “Uno” com o novo
automóvel representado pela marca. Assim, além de ser um signo
convencionado, o símbolo gráfico da marca “Uno” pode ser associado ao
objeto representado, que é o automóvel, também, por relação icônica ou
semelhança visual. Isso possibilita a identidade entre os sentidos expressos
pela configuração do logotipo e pela configuração do automóvel, reiterando os
valores simbólicos do produto.
Em outras situações, percebe-se relações diferentes, porque são metafóricas
e, portanto, não icônicas. Por exemplo, no centro do brasão da marca “Ferrari”
(Fig. 9), há a imagem de um cavalo preto em posição de salto.
Figura 9: Brasão e logotipo da marca “Ferrari” de automóveis.
Fonte: Blog Raphael Freire (2011), www. freireraphael.com
Os “objetos” representados por esse signo, também, são automóveis e não são
cavalos. Portanto, não há uma relação de semelhança, icônica ou analógica
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entre o “objeto” representado no logotipo da marca, que é o cavalo, e o “objeto”
representado pela marca, que é o carro. Todavia, o desenho no centro do
brasão representa um cavalo que, devido a aspectos específicos de sua
configuração, sugere agilidade, sofisticação e elegância, indicando os valores
marcantes que são atribuídos também aos automóveis representados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As montadoras promovem mudanças em seus automóveis, demarcando
anualmente o lançamento de novas versões de seus produtos. Às vezes, essas
mudanças são parcimoniosas e, outra vezes, são mais radicais, alterando
parcialmente o conceito do produto. Inclusive, há momentos em que certas
marcas de automóveis são retiradas de linha e substituídas por outras marcas
e modelos.
A mudança radical dos produtos e do logotipo da marca “Uno”, entretanto,
caracteriza um caso interessante. Pois, praticamente, foi criada uma nova linha
de produtos. Mas, com a clara intenção de manutenção da marca. Isso é
justificado pelo sucesso alcançado pela marca no mercado de carros
populares. Um sucesso devido à relação custo-benefício, considerando-se as
qualidades dos automóveis e os preços acessíveis, que foram oferecidos ao
público consumidor.
De acordo com as considerações a respeito do novo modelo e de suas versões
e, também, considerando-se a expressão publicitária adotada: “novo Uno. Novo
Tudo”, percebe-se o investimento feito na renovação dos produtos,
especialmente, na sua reconfiguração visual. Porém, percebe-se; também, a
intenção de garantir a permanência da marca.
Os produtos e o logotipo da marca foram mudados. Mas, mantiveram-se o
nome da marca e o seu posicionamento. Além disso, pelo menos
temporariamente, foram mantidas as versões do produto anteriormente
consagrado, com a marca “Mille”. A palavra italiana “mille” é equivalente à
palavra “mil” em língua portuguesa e servia para adjetivar antigas versões de
mil cilindradas dos carros da marca “Uno”.
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Houve, portanto, a intenção de manter os produtos anteriores, com um nome
historicamente associado à marca “Uno”, convivendo em paralelo ao
lançamento e ao início das vendas da nova linha de produtos “Uno”. Isso
evidencia a previsão dos riscos envolvidos nas mudanças promovidas. Mas,
também, indica que há a necessidade de mudança. Diante do sucesso da
marca, a mudança mostrou-se temerária. Assim, as mudanças promovidas
permitem pensar que foram prioritariamente motivadas pelo obsolescência
estético-simbólica dos produtos e do posicionamento da marca “Uno”.
As mudanças foram promovidas para atualizar os aspectos simbólicos da
marca, procurando garantir e estender a longevidade de seu sucesso no
mercado, sem abandonar imediatamente a formulação que promoveu o êxito
da marca até o presente momento.
A perspectiva proposta aponta um conjunto de questões semióticas, nas
mudanças promovidas nos produtos e no posicionamento da marca “Uno”. O
automóvel no modelo antigo (fig. 1 e 7) é símbolo de tradição, modernismo e
sucesso, expressando os seguintes valores: racionalidade no projeto, rapidez e
leveza no desempenho, como carro de passeio popular que pode ser
apresentado com detalhes esportivos. O automóvel no modelo novo (Fig. 2 e 7)
é símbolo de inovação, pós-modernismo e ousadia, expressando os seguintes
valores: passionalidade no projeto, estabilidade, força e segurança, como carro
de passeio popular com linhas esportivas associadas aos esportes do tipo “fora
de estrada”.
Em parte, a simbologia dos modelos, que se estabelece na categoriaSemiótica
de “terceiridade”, porque depende das convenções culturais, não se confirma
no âmbito da “secundidade”, mas são motivadas por sensações e sentimentos,
que caracterizam o âmbito da “primeiridade”. Os automóve is do modelo antigo
(Fig. 1 e 7) foram considerados em relação de contiguidade, que é
característica da “secundidade”, com aspectos que indicam leveza e agilidade.
Pois, sua direção leve e seu tamanho reduzido, permitem desembaraço e
rapidez de deslocamento nos espaços urbanos. Todavia, a relação entre força
e esportividade radical, que é proposta na visualidade dos automóveis do
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modelo novo (Fig. 2 e 7), provavelmente, não será confirmada na prática,
caracterizando-se como efeito típico de “primeiridade”.
O desenho do logotipo em estudo (fig. 4) é um símbolo convencionado da
marca e das novas versões de seus automóveis, caracterizando-se como “legi-
signo”, devido a sua relação simbólico-convencional e arbitrária com seu
objeto. Assim, promove no nível simbólico de “terceiridade” um interpretante do
tipo “argumento”. Todavia, a visualidade das formas do logotipo estabelece
analogias com as formas dos automóveis os quais representa. Isso motiva a
associação entre o símbolo e os produtos que representa, quali ficando a
convenção com aspectos analógicos ou de semelhança. Sob essa relação
icônica com seu objeto, o logotipo em estudo é caracterizado como
“qualissigno” que, no âmbito da categoria semiótica de “primeiridade”,
promovendo sensações e sentimentos, que reforçam as sugestões de
estabilidade, força e segurança, entre outras. Assim, a visão das formas do
logotipo promove no nível da estético de “primeiridade” um interpretante do tipo
“remático”.
Há, portanto, uma dupla estratégia de representação, na relação entre o
logotipo em estudo (Fig. 4) e os automóveis que representa (Fig. 2 e 7). No
nível lógico de “terceiridade”, o logotipo é convencionalmente e
publicitariamente relacionado ao nome “Uno” e aos novos automóveis da
marca, estabelecendo a relação simbólico-arbitrária por convenção cultural. No
nível analógico ou estético de “primeiridade”, há associação por semelhança de
sensações entre a visualidade do logotipo e a visualidade do automóveis
representados, determinando um aspecto motivador e propondo um
interpretante remático, que reforça analogicamente a relação arbitrada entre o
logotipo e os produtos que essa representa.
40 V Seminário Leitura de Imagens para a Educação: múltiplas mídias
Florianópolis 17 de agosto de 2012
REFERÊNCIAS
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TURIN, Roti Mielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paolo:
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