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  • 1. PlotinoPela sua exigncia de ordem, pela sua vocao classificadora, taxinmica, a Potica receber, ao longo do

    tempo e at ao fim da poca clssica, inumerveis sistematizaes. Citemos a primeira em data que no se

    conservou, mas de que o essencial ficou: a de Teofrasto, segundo a qual filosofia, disciplina formal, e retrica,

    ligada matria, ope-se a poesia, onde se afrontam poima e poisis, forma e contedo.

    A esttica neoplatnica luta violentamente contra o aristotelismo, apesar de nela se inspirar numa certa

    medida, e revaloriza Plato. Plotino, com efeito, tira as consequncias extremas da ideia de que o mundo sensvel

    um no- ser ao qual preciso escapar. Longe de se deixar encerrar em esquemas como a simetria ou a

    regularidade, o Belo tudo aquilo que informado por uma Ideia; o Feio tudo aquilo que no o . Portanto, s

    em acto certas coisas so menos conseguidas que outras; em potncia, elas so sempre contidas em formas; desta

    maneira, o Belo, por um lado, aplica-se a tudo o que e, por outro lado, no pode pensar-se seno como algo

    que se apresenta para alm da racionalidade. Existe, portanto, um dinamismo, uma dialctica de fuga em direco

    transparncia e luz; pois o Belo no se deixa sequer apreender onde aparece realmente; ele vem de algures, ele

    a miragem do Uno. Se a beleza consiste mais no brilho da proporo do que na prpria proporo (Plotino,

    Eneidas, VI,vii,22), porque o Belo o inteligvel aprofundado e apreendido na sua relao com o Bem. Ele a

    passagem de um ao outro, o meio termo graas ao qual o Bem se reconhece na Ideia, e o amor no pensamento;

    (...) ele culmina quando o mltiplo transcendido sem que a unidade adivinhada esteja ainda consumada (Jean

    Trouillard).

    Plotino redobra literalmente Plato. Ele destina beleza um papel pr- notico sobre o qual se debruaro

    Eckhart, Shaftesbury, Shopenhauer, Bergson. Alm disso, este informe plotiniano inspirou provavelmente a

    esttica de Bizncio, se admitirmos a definio que prope Grabar: ser ideal a viso que for transparente, ou

    seja, em que os objectos no sejam nem autnomos nem impenetrveis, onde o espao for absorvido, onde a luz

    atravessar sem entraves os objectos slidos e onde o espectador no possa mais discernir os limites que o

    separam do objecto contemplado.

    2. Idade MdiaO cristianismo traz, em primeiro lugar, esttica, a ideia de criao concebida segundo o modelo teolgico.

    Certamente, Deus no precisa de matria para criar; a sua operao, que se realiza fora do tempo, no pode

    comparar-se a nenhuma outra. Mas sobre o artista recai qualquer coisa da dignidade do Acto supremo; donde,

    aquilo que podemos chamar um optimismo esttico, prprio a toda a Idade Mdia (Edgar de Bruyne), e no qual se

    insiste uma vez que se trata de compensar pela arte (e por uma arte essencialmente sagrada) tudo o que a

    mensagem crist contem ao mesmo tempo de inquietante: o sentido do mal, da fealdade e do pecado. A arte est

    subordinada f; ela veicula a esperana, mas tambm a tenso prpria espiritualidade, e esta carrega uma

    tonalidade esttica nova.

    Em segundo lugar, a doutrina crist, mesmo retomando a tese neoplatnica segundo a qual a arte permite

    transcender no s o visvel mas tambm o inteligvel, exige que sejam tomadas em considerao as necessidades

    apologticas. Ao simbolismo herdado de Plotino, justape-se um alegorismo ele tambm inspirado na Antiguidade

    mas interpretado, sob influncia da patrstica, de maneira muito diferente. Os inumerveis mitgrafos gregos,

    principalmente da poca alexandrina, ligavam a alegoria retrica; ela era a seus olhos uma figura, um tropo. O

  • cristianismo v nela uma correspondncia real, e no mais verbal, entre domnios diferentes. O alegorismo

    medieval no se confunde com o simbolismo, mas completa-o. Enfim, o cristianismo aprofunda, num sentido

    metafsico indito, a esttica da proporo e a esttica da luz, e prope-se reuni-las de uma maneira sistemtica.

    A beleza visvel, diz no incio do sc. XIII Guillaume dAvergne, define-se quer pela figura e a posio das partes no

    interior dum todo, quer pela cor, quer por estas duas caractersticas juntas, quer seja quando as justapomos sem

    mais, quer quando consideramos a relao de harmonia que as liga umas s outras. Assim se encontram

    confrontadas a esttica musical e a esttica da cor, mas igualmente as suas transposies metafsicas, a teoria das

    propores ou da composio do mltiplo na unidade e a teoria da luz espiritual como brilho da forma. A sntese

    apresentada no sc. XIII por Alberto o Grande: a proporo a matria, a luz, a determinao formal da

    substncia. Assim, o aristotelismo e o platonismo encontram-se numa coerncia inesperada; a sua unio o

    momento mais alto do pensamento esttico da Idade Mdia.

    3. Renascimento ideia prpria da poca romana de uma decifrao da natureza tida como nica possvel de restituir s

    aparncias a sua estrutura secreta, o esprito da arte gtica tinha oposto o primado da observao das realidades

    fsicas; mas o debate essencial, sobre o funcional e o ornamental, testemunhava, pelo fim da I. Mdia, o carcter

    secundrio, antiquado, da arte como tal, em relao vida contempornea.

    laicizao da arte que procede, primeiro em Florena, o quattrocento; com a pintura de cavalete, o

    naturalismo desloca o campo de aco do artista do invisvel para o visvel, do contemplado ao agido. Se a natureza

    vale pela sua presena e no mais enquanto smbolo de uma transcendncia, ento o interesse manifestado pelas

    superfcies visveis no corre o risco de fazer esquecer Deus; donde o sensualismo e a gratuidade das pesquisas

    plsticas. Contra o aristotelismo de Pdua, uma chama neoplatnica se acende, principalmente em volta de Marsilio

    Ficino; a era dos ludi matematici e da aplicao das sentenas pitagricas. tambm e sobretudo, a poca das

    teorias da perspectiva: assistimos a uma matematizao da arte, que triunfa com Leonardo da Vinci (1452-1519).

    A esttica de Alberti (1404- 1472) particularmente representativa do sincretismo da Renascena italiana:

    nela se misturam, com efeito, as trs componentes essenciais (medieval, neoplatnica e cienticista) do novo

    esprito. Do aristotelismo e do tomismo, Alberti conserva a reduo do problema do Belo a um conhecimento, a

    um saber racional, e a ideia da imitao como participao do criador ao Acto supremo, Natureza naturante. Do

    neoplatonismo, retm o tema da cosmologia dos nmeros. cincia moderna, por fim, ele pede emprestado o

    princpio duma aplicao rigorosa das descobertas da ptica: a primeira parte do De pictura (1435) desenvolve a

    noo de perspectiva; a pintura, para Alberti, no outra coisa que a interseco da pirmide visual segundo uma

    dada distncia, o centro da viso colocado e as luzes dispostas sobre uma determinada superfcie representada

    com arte por meio de linhas e de cores. Do mesmo modo, na segunda parte do tratado, uma tripla dimenso da

    beleza se explana: o que importa, a circunscriptio ou arte do desenho, do trao, do contorno, logo da forma

    plstica como tal; a composio, ou ponderao de agenciamento das massas; a recepo das cores, ou

    estabelecimento dos relevos e do claro-escuro pela utilizao do branco e do negro. Porm, no De re

    aedificatoria (1452), Alberti revela o fundo da sua esttica, com a definio negativa da beleza como concinnitas

    (harmonia): A beleza uma certa convenincia razovel aplicada em todas as partes para o efeito que lhe

    destinamos, de tal forma que no lhe poderamos juntar, retirar ou modificar nada, sem a prejudicar. E s trs

  • categorias j enunciadas no De pictura correspondem, para a arquitectura, as trs exigncias do numerus (procura

    das propores perfeitas), do finitio (arabesco ou arrumao orgnica das massas, da collocatio (ordenao

    rigorosa dos elementos uns em relao aos outros). A forma, que depende do numerus e da collocatio, deve

    tornar-se viva pela finitio: este racionalismo j um classicismo.

    Mas igualmente um humanismo: em De statua (1434), Alberti insiste sobre a necessidade de executar os

    trabalhos de forma que eles paream aos espectadores o mais parecidos possvel com os corpos verdadeiros

    criados pela natureza; e, destes corpos, o que deve ser mais fielmente representado, uma vez que o mais

    nobre, o corpo humano: Eu recolhi, escreve Alberti, as suas propores e as suas medidas; comparei-as e

    considerando os extremos mximo e mnimo, tirei uma mediana proporcional que me pareceu a mais louvvel. A

    arte, a partir de ento, trata o homem e no mais Deus.

    4. DescartesO fim do Renascimento marcado pelo misticismo (Sta. Teresa de vila, S. Joo da Cruz) ou o estranho

    (Paracelso, Bohme); por poticas da violncia (como a da destruio da ordem em Drer), pela austeridade inicial

    da Contra-Reforma, depois pelo maneirismo e enfim pelo barroco. O classicismo s se impe no sc. XVII,

    primeiro dominado pelas artes poticas inspiradas em Aristteles depois consciente de si prprio em Descartes.

    No que este tenha constitudo uma esttica: a estrutura do seu sistema no lhe permitia talvez fazer coincidir no

    homem a percepo e o julgamento, e assim dar realmente conta da atitude humana em face da arte. Mas a sua

    filosofia, que pretende generalizar o recurso razo para fundar o conjunto das cincias, no deixa de englobar a

    arte nesta generalizao. Por parcial e provisria que seja, a esttica cartesiana, que comea por um relativismo,

    acaba num racionalismo: uma vez que as definies de arte e de Belo devem poder submeter-se, da mesma

    maneira que a Natureza, a uma regra da razo que permite operar a deduo. Assim se encontra fundamentado o

    esforo de Boileau para identificar o Belo e o Verdadeiro no reportar a uma origem comum racional as artes e

    as cincias, ao mesmo tempo que enuncia a tentativa de Batteux: As Belas-Artes reduzidas a um mesmo princpio,

    ou seja, o da unidade na multiplicidade; mas este princpio compreende tambm a exigncia puramente terica,

    geomtrica, duma abordagem das figuras particulares sob um mesmo esquema geral e gerador ou,

    sociologicamente falando, a reduo de vrios tipos de conhecimento caractersticos de uma poca, a um nico

    conjunto de convenes simples. Lessing (Laocoonte, 1756) escalpeliza estes emaranhados: trata-se antes de mais,

    de nunca confundir o partido da razo com o da insero histrica; mas Dubos (Reflexes crticas sobre a poesia e

    sobre a pintura, 1719) desenvolve a teoria das condies geogrficas, climticas do aparecimento da obra de

    arte, mostrando assim a via no s a Montesquieu, mas tambm esttica cientfica do sc XIX.

    Pela sua preocupao de fundar na razo a cincia, Descartes no havia apenas desencadeado uma

    racionalizao da esttica. A sua pesquisa de tal fundamento reenviava para o cogito, ou seja, para a afirmao da

    certeza do sujeito como garantia de toda a objectividade e para a ideia de que o julgamento supe a

    concordncia da vontade. Que a arte, enquanto spcimen do Ser, dependa do sujeito desde que este esteja

    certo daquilo que afirma, quer dizer que a descrio da conscincia esttica tem maior importncia que a das obras

    em si; Que a esttica passa a pertencer esfera da psicologia e no mais da ontologia tal a consequncia

    capital, que pesar de forma decisiva sobre todos os desenvolvimento posteriores. O esprito de requinte ope-

    se, segundo Pascal, ao esprito de geometria; de forma comparvel, Roger de Piles (1635-1709) se mostra defensor

  • do verdadeiro singular contra o verdadeiro ideal dum Le Brun (1619-1690). tambm a uma definio sensvel do

    estilo que chega o padre Andr (Ensaio sobre o Belo, 1741): Eu chamo estilo uma certa continuidade de

    expresses e de solues to sustentadas ao longo duma mesma obra, que todas as partes parecem ser traos

    dum mesmo pincel ou, se considerarmos o discurso como uma espcie de msica natural, um certo encadear de

    palavras que formam em conjunto acordes, de onde resulta para o ouvido uma harmonia agradvel. E ao

    primado do sentimento sobre a razo que preciso concluir segundo Dubos: O atractivo principal da poesia e da

    pintura provm das imitaes que elas sabem fazer de objectos capazes de nos interessar; sendo assim, os

    poemas e os quadros no sero boas obras seno na proporo em que nos emocionam e nos cativam; desta

    forma o melhor julgamento o dos no especialistas: As pessoas da profisso em geral julgam mal, apesar dos

    seus raciocnios examinados em particular serem frequentemente justos, mas fazem deles um uso para o qual os

    raciocnios no foram feitos. Querer julgar um poema ou um quadro por meio da discusso, querer medir um

    crculo com uma rgua. Diderot, defendendo o natural sobre o teatral, invoca o critrio clssico do verosmil para

    dar melhor a experimentar ao espectador um sentimento, mesmo que fictcio; de maneira que a emoo e o

    pattico, a sensibilidade e a observao de si prprio se tornam finalmente as antteses fortes do racional e do

    equilbrio da obra clssica. Mas de Inglaterra, com o primado de Hume da imaginao sobre a razo, e da

    Alemanha, com a teoria do Gefuhl que desenvolvem Sulzer (Origem dos sentimentos agradveis ou desagradveis,

    1751) e Winckelmann (Histria da arte na Antiguidade, 1764) que surge o recuo da razo: de agora em diante, a

    experincia individual conta mais, no julgamento do gosto, que a universalidade racional; deste modo preparamo-

    nos para admitir a esttica romntica da interioridade, dos estados de alma e dos choques qualitativos que a arte

    provoca no sujeito.

    insurreio cartesiana da subjectividade e a todos os desenvolvimentos no cartesianos que ela

    despoleta no sc. XVIII, dois elementos vm juntar-se entretanto, e que inflectem decisivamente a pesquisa

    esttica propriamente dita. Em primeiro lugar, Shaftesbury (1671-1713), seguido por Hutcheson (1694-1746) e

    Henry Home (1696-1782), tematiza a intuio e o gnio numa doutrina da apreenso esttica imediata do que h

    de sublime no Todo; h, particularmente em Shaftesbury, uma resurgncia platnica que obriga a meditar

    novamente sobre a equao do Belo e do Bem, e a situar a esttica em relao com a tica e o sensvel.

    Em segundo lugar, a filosofia anti-cartesiana de Leibniz (1646-1716) reserva esttica um lugar central no

    sistema do mundo: pois o universo reflecte a harmonia interior da mnade e isso torna o artista capaz de

    conhecer o sistema do mundo, e dele imitar alguma coisa atravs procedimentos arquitectnicos, cada esprito

    sendo como uma pequena divindade no seu departamento.

    Em resposta a Leibniz, Baumgarten elabora, numa obra precisamente intitulada Aesthetica (1750), a noo

    de uma faculdade esttica prpria do sujeito humano. Esta faculdade, denominada cognitio sensitiva perfecta,

    definida como intermediria entre a sensao (obscura, confusa) e o intelecto (claro, distinto). Assim, em relao

    ao platonismo dum Shaftesbury, por exemplo, o Belo no mais situado para l como potncia unificadora deste,

    e por isso revelao intuitiva do Todo ou do Uno; pelo contrrio, ele encontra-se aqum do inteligvel como

    princpio de unificao imitando o do inteligvel. Apesar da lei interior da intuio esttica ser um analogon

    rationis, ela no menos independente que a razo conceptual: ela ultrapassa-a e no lhe est minimamente

    sujeita (no existe tirania, dir Baumgarten, de uma em relao outra, mas antes harmonia entre elas as duas), e

    isto precisamente porque ela no menos lgica. Que exista, portanto, uma Razo esttica, com o mesmo valor

    de uma Razo gnoseolgica, e mesmo que a Razo no seu conjunto comporte uma e a outra, eis o que era

  • preciso para, por um lado, levar fundao da esttica como disciplina autnoma e, por outro, constituio de

    uma nova filosofia, verdadeiramente antropolgica, que d conta da Razo que se humaniza e se limita pela

    sensibilidade. De qualquer forma, a sensibilidade no to liberada como ela legitimada: de alguma forma ela

    continua condicionada pelo ideal de um conhecimento puro. No significa a insurreio do desejo ou da paixo,

    mas designa uma aspirao a uma verdadeira vida da Razo.

    5. Kant possvel, a partir de Baumgarten, descobrir o sentido da pesquisa kantiana. Este, na Crtica do Juzo (1790),

    comea por desmentir, maneira de Dubos, que seja possvel fixar uma regra segundo a qual qualquer um

    poderia ser capaz de reconhecer a beleza numa coisa. O juzo esttico , portanto, subjectivo; um juzo

    reflexivo, susceptvel de variar de um sujeito a outro, e que se ope por isso ao juzo lgico, determinante, que

    repousa sobre conceitos, invarivel. O prazer, eminentemente cambiante, o nico critrio do Belo? Sim, na

    condio de no esquecermos que aquilo que agrada no uma matria sensvel, mas a forma que reveste esta

    matria. O prazer , portanto, desinteressado, no diz respeito ao contedo, s suscita em ns concordncia. E, se

    h prazer, porque se pem de acordo em mim, a imaginao e o entendimento, sem que o entendimento

    domine como no juzo de conhecimento, a imaginao.

    Porque que o juzo de gosto, que exclusivamente subjectivo, pode assim pretender universalidade?

    Porque em todos os homens as condies subjectivas da faculdade de julgar so as mesmas; sem tal, os homens

    no poderiam comunicar entre si as suas representaes e os seus conhecimentos. Donde a afirmao: belo o

    que agrada universalmente sem conceito.

    O eu no pode portanto enunciar a regra geral qual o objecto belo seria susceptvel de servir de

    exemplo; a beleza implica em si uma legalidade sem lei. E a finalidade que o Belo persegue imanente prpria

    forma: no supe nenhum fim que possa estar fora do objecto; , portanto, uma finalidade sem fim.

    A partir daqui, no so as regras nem as prescries, mas apenas aquilo que no pode ser apreendido com a ajuda

    de regras ou conceitos, quer dizer, o substrato suprassensvel de todas as nossas faculdades, que serve de norma

    subjectiva. Este substrato, a Ideia esttica que nos revela o livre jogo da imaginao, e que no poderia tornar-se

    conhecimento, pois ela intuio qual no corresponde nenhum conceito. Vemos aqui em que medida a Crtica

    do Juzo chamada a equilibrar, em Kant, a Crtica da razo pura: pois uma ideia terica da razo, por seu lado, no

    pode vir a ser conhecimento j que ela conceito ao qual no corresponde nenhuma intuio.

    No existe em tudo isto seno uma esttica do espectador que apenas concerne o Belo natural. Como pode

    acontecer que o homem consiga criar objectos que se prestam ao nosso juzo de gosto? A faculdade de

    representar as Ideias estticas o gnio. Mas o gnio ele prprio um presente da natureza: portanto a

    natureza que se revela na e pela arte; e ela nunca se revela to bem como na arte, na unicidade das obras do

    gnio. Assim, a arte deve ter a aparncia da natureza, apesar de termos conscincia que se trata de arte; e, se o

    interesse que dispensamos arte no prova necessariamente que estejamos prximos do bem moral, o interesse

    pelo Belo natural, em contrapartida, sempre o sinal distintivo de uma alma boa. O Belo finalmente o smbolo

    da moralidade, mas s o quando esta se dedica natureza.

    Isto permite compreender a importncia do papel dado por Kant ao sublime: estado estritamente

    subjectivo, obriga-nos a pensar subjectivamente a natureza na sua totalidade, como a apresentao de uma coisa

  • suprassensvel, sem que possamos realizar objectivamente esta apresentao.

    6. HegelA Crtica do juzo abre a era moderna da esttica. sobretudo por causa dos ensinamentos de Kant que

    Goethe pode ver no Belo o Urphanomenon (o fenmeno primeiro) e que Schiller encontra na arte uma

    potncia infinita, susceptvel de abarcar, no ilimitado do jogo, todas as tentativas humanas isto graas limitao

    recproca do instinto sensvel e do instinto formal, da vida e da forma (Cartas sobre a educao esttica do

    homem, 1795). Da mesma forma, Schlegel considera a ironia afirmao de uma fora capaz de ultrapassar a

    distino entre srio e no-srio, entre finito e infinito, e de dar acesso a uma poesia transcendental como o

    imperativo categrico do gnio.

    Mas, sobretudo, a esttica de Schelling (Sistema do idealismo transcendental, Bruno, Filosofia da arte,

    Relao entre as artes figurativas e as artes da natureza, 1800-1807) liberta tudo o que a Crtica do juzo continha

    de implicitamente metafsico. Para Schelling a arte revela o Absoluto: nele se sintetizam e se ultrapassam o terico

    e o prtico, pois ela a actividade suprema do eu, inconsciente como a Natureza e consciente como o Esprito.

    Por um lado, portanto, a arte prende- nos Natureza e reconcilia-a com o Esprito; por outro, a arte superior

    filosofia, porque ela representa o Absoluto na Ideia, enquanto a filosofia s o pode oferecer no seu reflexo; da

    mesma forma, a relao da cincia e do gnio acidental, enquanto que a relao da arte e do gnio constitutiva

    e necessria. Na verdade, no h seno uma s obra de arte absoluta que pode existir em diferentes exemplares,

    mas que nica, que no pode ainda existir na sua forma original. Daqui resulta a ideia de um devir da filosofia:

    esta desligou-se da poesia, mas est destinada a voltar a ela um dia, sob a forma de uma nova mitologia.

    Hegel pensa igualmente que existe um devir, histrico e lgico ao mesmo tempo, do Absoluto; mas a arte

    deve interessar-se por este devir. preciso por isso que ela surja da Natureza, e que represente, em relao a esta,

    qualquer coisa de ideal: ela revelao do Absoluto sob a forma intuitiva, pura apario; porm, ela uma forma

    menos elevada do Esprito, se a comparar-mos religio e filosofia, uma vez que apenas nesta o Absoluto

    regressa a ele prprio. Vemos como a Ideia de um desenvolvimento histrico da arte constitui um desvio da

    posio de Schelling: pois Hegel ter necessariamente de concluir pela morte da arte, para que a religio e a

    filosofia existam. por isso que a arte, no seu mais elevado destino, e continua para ns um passado. Daqui a

    afirmao que s um certo crculo e um certo grau de verdade capaz de ser exposto no elemento da obra de

    arte: quer dizer, uma verdade que possa ser transportada para o sensvel, e a aparecer adequada, como os deuses

    helnicos...A beleza , portanto, a apario sensvel da Ideia: enquanto tal, ela requer a obra de arte e Hegel

    rejeita o Belo natural.

    As segunda e terceira partes da esttica de Hegel sero consagradas diviso e ao sistema das diferentes

    artes. Num primeiro momento, o do simbolismo, da mitologia, da arte oriental e, sob o plano da classificao

    sistemtica das artes, o da arquitectura -, a relao entre a Ideia e a forma sensvel procurado mas ainda no

    atingido. No segundo momento, o do classicismo, da arte grega e da escultura, a obra torna-se o acto do Ideal, ela

    atinge de forma determinada a unidade da Ideia e da forma. No terceiro momento, o do romantismo, da arte

    moderna no sistema da pintura, da msica e da poesia -, o infinito a Ideia s podem actualizar-se no infinito da

    intuio, nesta mobilidade que (...), a cada instante, ameaa e dissolve toda a forma concreta. Sucede-lhe um

    desequilbrio e um declnio: o contedo a subjectividade da Ideia excede a forma e reclama,

  • consequentemente, formas mais elevadas, irredutveis aos Objectos sensveis e finitos, para se poder exprimir; a

    Ideia torna-se consciente de si prpria, e a morte da arte.

    Assim, em prol de uma perspectiva essencialmente histrica, a Natureza, que exaltavam Kant e Schielling,

    encontra-se com Hegel desqualificada; e a sua esttica , em definitivo, mais uma filosofia da arte do que uma

    teoria do Belo.