estética da máquina na arquitectura contemporânea
TRANSCRIPT
http://repositorio.ulusiada.pt
Universidades Lusíada
Carvalho, Maria de Jesus Mendes de, 1962-
Estética da máquina na arquitecturacontemporâneahttp://hdl.handle.net/11067/1480
Metadata
Issue Date 2015-03-18
Abstract O presente trabalho visa efectuar uma reflexão em torno da arquitecturado século XX, abordando-a de uma maneira inovadora e elegendo amáquina como princípio estruturante e unificador. Esta abordagemnão pretende contradizer ou legitimar nenhuma das correntes artísticasou filosóficas expostas, antes desenvolve um conceito que passa porenquadrar a arquitectura num contexto marcado pela máquina. Nestalógica, a nossa reflexão centra-se no que podemos apelidar de um certoconfronto entre o natu...
Keywords Máquinas - Aspectos estéticos, Sistemas homem-máquina, Espaço(Arquitectura), Arquitectura - Estética - Século 20, Arquitectura -Filosofia - Século 20, Arquitectura moderna - - Século 20
Type doctoralThesis
Peer Reviewed No
Collections [ULL-FAA] Teses
This page was automatically generated in 2018-02-24T14:03:05Z withinformation provided by the Repository
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes
Doutoramento em Arquitectura
Estética da máquina na arquitectura contemporânea
Realizado por: Maria de Jesus Mendes de Carvalho
Orientado por: Prof. Doutor António Jacinto Rodrigues
Constituição do Júri: Presidente: Prof. Doutor Eng. Diamantino Freitas Gomes Durão Director Científico: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Orientador: Prof. Doutor António Jacinto Rodrigues Arguente: Prof. Doutor Arqt. Luís Filipe Ferreira Afonso Arguente: Prof. Doutor Miguel Santiago Fernandes Vogal: Prof. Doutor Arqt. Joaquim Marcelino da Conceição dos Santos Vogal: Prof. Doutor Arqt. Vitor Manuel Canedo Neves
Tese aprovada em:
23 de Junho de 2009
Lisboa
2008
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A
ESTÉTICA DA MÁQUINA NA ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA
MARIA DE JESUS CARVALHO
TESE PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR
LISBOA
2008
II
A G R A D E C I M E N T O S
Em primeiro lugar, pretendo expressar o meu mais profundo agradecimento
ao meu orientador, Professor Doutor Jacinto Rodrigues, não só pela
sabedoria, interesse e disponibilidade com que orientou este trabalho, bem
como pelo incentivo que sempre constituíram os seus comentários e
sugestões, mas, sobretudo, pela dedicação e pela confiança que a sua
pessoa, sempre, depositou na minha faculdade para a prossecução deste
objectivo.
O apoio do meu orientador foi, igualmente, fundamental, na indicação de
livros que, pela leitura e reflexões que neles ou a partir deles me foi possível
fazer, foram determinantes para o desenvolvimento desta tese.
Em termos institucionais, devo ainda uma menção de agradecimento à
Universidade Lusíada de Lisboa, nomeadamente, pelos apoios logísticos
que sempre me proporcionaram.
A apresentação deste trabalho encerra um período de longo trabalho e
aprendizagem. E neste período que foi, principalmente, de formação
pessoal, muitas foram as situações e as pessoas que directa ou
indirectamente contribuíram para o enriquecimento do meu conhecimento,
contudo, quero dedicar um agradecimento especial a todos os familiares,
amigos e colegas que me apoiaram e incentivaram, em particular à
Margarida e ao Pedro.
III
“Pour l’homme produire de l’artificiel est une activité absolument
naturelle”
Ezio Manzine, in Artfacts. Vers une ecologie de L’Environnement Artificiel.
1991, p.44
“Parto em busca de um problema, mas este suscita-me outros”
José Ortega y Gasset in O que é o conhecimento? ,
2002, p.26
IV
V
VI
L I S T A D E I L U S T R A Ç Õ E S
Figura 1:Figura 1:Figura 1:Figura 1: Desenhos de Goethe como resultado da observação da metamorfose da planta arquetípica. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. [s.d.]. Arte e arquitectura de Rudolf Steiner. Lisboa :
Civilização, p.14. Figura 2 : Figura 2 : Figura 2 : Figura 2 : Primeiro Goetheanum. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. [s.d.]. Arte e arquitectura de Rudolf Steiner. Lisboa : Civilização, p.16.
Figura 3:Figura 3:Figura 3:Figura 3: Dupla cúpula do primeiro Goetheanum. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. [s.d.]. Arte e arquitectura de Rudolf Steiner. Lisboa : Civilização, p.17. Figura 4:Figura 4:Figura 4:Figura 4: Comparação entre as estruturas edificadas e a estrutura do corpo humano. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. [s.d.]. Arte e arquitectura de Rudolf Steiner. Lisboa :
Civilização, p.25. Figura 5: Figura 5: Figura 5: Figura 5: Ideia inicial de cobrir o primeiro Goetheanum. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. [s.d.]. Arte e arquitectura de Rudolf Steiner. Lisboa : Civilização, p.16. Figura 6: Figura 6: Figura 6: Figura 6: Casa de Wittgenstein, fotografia do interior, Viena, 1926-1928. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: MONTANER, Josep Maria. 2002. As formas do século XX. Barcelona : Gustavo Gili, p.91. Figura 7:Figura 7:Figura 7:Figura 7: A casa Wittgenstein em Viena, fotografia e alçados. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: AICHER, Otl. 2001. Analógico y digital. Barcelona : Gustavo Gili, p.200. Figura 8: Figura 8: Figura 8: Figura 8: Planta da casa de Wittgenstein. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: MONTANER, Josep Maria. 2002. As formas do século XX. Barcelona : Gustavo Gili, p.91. Figura 9:Figura 9:Figura 9:Figura 9: Esquiço do aeroporto e estação ferroviária (1913- 1914). Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: TISDALL, Caroline, BOZZOLA, Angelo. 1977. Futurism. London : Thames and Hudson, p.121
VII
Figura 10:Figura 10:Figura 10:Figura 10: Projecto para o aeroporto e estação ferroviária (1914). Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://cours.cegep-st-jerome.qc.ca/530-gjb-p.l/sant'eli.htm>
Figura 11Figura 11Figura 11Figura 11 Projecto da cidade do futuro (1914). Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://cours.cegep-st-jerome.qc.ca/530-gjb-p.l/sant'eli.htm> Figura 12:Figura 12:Figura 12:Figura 12: Projecto da cidade do futuro. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://cours.cegep-st-jerome.qc.ca/530-gjb-p.l/sant'eli.htm>
Figura 13:Figura 13:Figura 13:Figura 13: Projecto dos irmãos Vesnin para o Palácio do Trabalho (1923). Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: Bloomfield et al.1996.The Modern Functional Building: Texts and Documents Santa Monica : Institute History, Art and Humanities, p.206. Figura 14:Figura 14:Figura 14:Figura 14: Monumento à Terceira Internacional. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: COLQUHOUN, Alan. 2002. La arquitectura moderna. Barcelona : Gustavo Gili, p.124. Figura 15:Figura 15:Figura 15:Figura 15: Projecto para a tribuna de Lenine, El Lissitzky (1920). Fonte:Fonte:Fonte:Fonte:CURTIS, William. 1996. Modern Architecture, Since 1900. London, eth. Ed. : Phaidon, p.205. Figura 16: Figura 16: Figura 16: Figura 16: Capa de Veshch|/Gegenstand .Object, Lissitzky (1922). Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: FRAMPTON, Kenneth. 2003. História crítica da arquitectura moderna. São Paulo : Martins Fontes, p.158. Figura 17: Figura 17: Figura 17: Figura 17: Projecto de Simbirchev para um restaurante suspenso (1922-23). Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: FRAMPTON, Kenneth. 2003. História crítica da arquitectura moderna. São Paulo : Martins Fontes, p.205. Figura 18: Figura 18: Figura 18: Figura 18: Projecto para o edifício Pravda. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: FRAMPTON, Kenneth. 2003. História crítica da arquitectura moderna. São Paulo : Martins Fontes, p.208. Figura 19Figura 19Figura 19Figura 19: Casa Sommerfeld. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: BAX, Marty. 1991. Bauhaus, Lectures. Notes (1930 -1933). Amsterdam : Architectura & Natura.,p.33. .... Figura 20:Figura 20:Figura 20:Figura 20: Vestíbulo da Casa Sommerfeld FonteFonteFonteFonte: RODRIGUES, Jacinto. 1989. A Bauhaus e o ensino artístico. Lisboa : Editorial
Presença, p.65.
VIII
Figura 21:Figura 21:Figura 21:Figura 21: Casa Am Horn. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: BAX, Marty. 1991, Bauhaus, Lectures. Notes (1930 -1933). Amsterdam :
Architectura & Natura. p. 36. FFFFigura 22:igura 22:igura 22:igura 22: Planta da casa Am Horn. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: OLIVEIRA, Luciane Gonzaga. 2004. Arquitectura Moderna na Alemanha no período 1900 a 1933. Rio de Janeiro : Dissertação de Mestrado, p.132. Disponível na Internet em: <http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-
bin/PRG_0599.EXE/6486_1.PDF?NrOcoSis=17964&CdLinPrg=pt> Figura 23:Figura 23:Figura 23:Figura 23: Edifício da Bauhaus. Fonte: GiIEDION, Sigfried. 1992. Walter Gropius. New York : Dover Publications, p. 124. Figura 24:Figura 24:Figura 24:Figura 24: Vista geral do edifício da Bauhaus. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. 1989. A Bauhaus e o ensino artístico. Lisboa : Editorial Presença, p.65. Figura 25:Figura 25:Figura 25:Figura 25: Edifício da Bauhaus. Fonte: GiIEDION, Sigfried. 1992. Walter Gropius. New York : Dover Publications, p. 127. Figura 26:Figura 26:Figura 26:Figura 26: Maqueta do Palácio dos Sovietes. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. 1988. Arte moderna. São Paulo : Companhia das Letras, p.404. Figura 27:Figura 27:Figura 27:Figura 27: Planta do Palácio dos Sovietes. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. 1989. A Bauhaus e o ensino artístico. Lisboa : Editorial Presença, p.183. Figura 28:Figura 28:Figura 28:Figura 28: Projecto para o Palácio dos Sovietes. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: RODRIGUES, Jacinto. 1989. A Bauhaus e o ensino artístico. Lisboa : Editorial Presença, p.183. Figura 29:Figura 29:Figura 29:Figura 29: Casas dos mestres da Bauhaus. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/fa267/gropius.html> Figura 30:Figura 30:Figura 30:Figura 30:Casas dos mestres da Bauhaus FFFFonte: <onte: <onte: <onte: <http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/fa267/gropius.html>
IX
Figura 31:Figura 31:Figura 31:Figura 31: Casa de aço. Fonte: <Fonte: <Fonte: <Fonte: <http://eng.archinform.net/projekte/1141.htm>
Figura 32:Figura 32:Figura 32:Figura 32: Pavilhão da Alemanha na Exposição de Barcelona. Fonte:<Fonte:<Fonte:<Fonte:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Pavilh%C3%A3o_alem%C3%A3o_na_Feira_Universal_de_Barcelona> Figura 33:Figura 33:Figura 33:Figura 33: Esquiço do interior de Pavilhão da Alemanha na Exposição de Barcelona.
Fonte:<Fonte:<Fonte:<Fonte:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Pavilh%C3%A3o_alem%C3%A3o_na_Feira_Universal_de_Barcelona> Figura 34:Figura 34:Figura 34:Figura 34: Desenhos realizados por Le Corbusier. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.arquitectura.com/historia/protag/corbu/corbu_1/corbu_1.asp> Figura 35:Figura 35:Figura 35:Figura 35: Le Corbusier, Ozenfant e Dermée, os fundadores de L’Esprit Nouveau. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.arquitectura.com/historia/protag/corbu/corbu_1/corbu_1.asp> Figura 36:Figura 36:Figura 36:Figura 36: Capa do primeiro número de L’Espirit Noveau dirigido por Le Corbusier. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: LE CORBUSIER. 1964. Oeuvre complète 1910-1929. Zurich : Edition D’Architecture, p.33. Figura 37:Figura 37:Figura 37:Figura 37: Esqueleto da Casa Dominó (1914). Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: MONTANER, Josep Maria. 2002. As formas do século XX. Barcelona : Gustavo Gili, p.89. Figura 38:Figura 38:Figura 38:Figura 38: Esquiços do Modulor. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. 1988. Arte moderna. São Paulo : Companhia das Letras, p.265. Figura 39:Figura 39:Figura 39:Figura 39: O Modulor uma nova medida. Fonte:<Fonte:<Fonte:<Fonte:<http://www.architektur.tudarmstadt.de/powerhouse/db/248,id_15,s_Papers.sp.fb15> Figura 40:Figura 40:Figura 40:Figura 40: Casa Citrohan (casas em série). FonteFonteFonteFonte:::: Le Corbusier. 2000. Por uma Arquitectura. São Paulo : Editora Perspectiva, p.171. Figura 41:Figura 41:Figura 41:Figura 41: Esquiço da casa Citrohan. FonteFonteFonteFonte:::: Le Corbusier. 2000. Por uma Arquitectura. São Paulo : Editora Perspectiva,
p.172.
X
Figura 42:Figura 42:Figura 42:Figura 42: Interior da casa em série. FonteFonteFonteFonte:::: Le Corbusier. 2000. Por uma Arquitectura. São Paulo : Editora Perspectiva,
p.172. Figura 43:Figura 43:Figura 43:Figura 43: Ville Savoye. FonteFonteFonteFonte:::: <http://www.greatbuildings.com/buildings/Villa_Savoye.html> Figura 44:Figura 44:Figura 44:Figura 44: Plantas da Ville Savoye.
FonteFonteFonteFonte:::: COLQUHOUN, Alan. 2002. La arquitectura moderna. Barcelona : Gustavo Gili, p.150-151. Figura 45Figura 45Figura 45Figura 45: O lugar – Petit Maison FonteFonteFonteFonte:::: <http://www.athenaeum.ch/corbpem0.htm.> Figura 46:Figura 46:Figura 46:Figura 46: O circuito do sol. FonteFonteFonteFonte:::: <http://www.athenaeum.ch/corbpem0.htm.> Figura 47:Figura 47:Figura 47:Figura 47: Esquiços de Le Corbusier. FonteFonteFonteFonte: <: <: <: <http://www.athenaeum.ch/corbpem0.htm.> Figura 48:Figura 48:Figura 48:Figura 48: Maqueta do projecto para o concurso do Palácio dos Sovietes Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. 1988. Arte moderna. São Paulo : Companhia das Letras, p.403. Figura 49:Figura 49:Figura 49:Figura 49: Projecto para o concurso do Palácio dos Sovietes (1913) Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. 1988. Arte moderna. São Paulo : Companhia das Letras, p.403. FiFiFiFigura 50:gura 50:gura 50:gura 50: Corte de um Transatlântico para ilustrar a vida colectiva. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: CURTIS, William J.R. 1987. Le Corbusier; Ideas y formas. Madrid : Hermann Blume, p.173 Figura 51:Figura 51:Figura 51:Figura 51: Planta e Corte da Cisterna de águas pluviais. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: BOESIGER, Willy.1995. Le Corbusier. Oeuvre Complete. Vol. VI. 9. ed. Les Éditions d’architecture. p.29. Figura 52:Figura 52:Figura 52:Figura 52: Exterior da Capela de Notre Dame du Haut. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. 1988. Arte moderna. São Paulo : Companhia das Letras, p.389.
XI
Figura 53:Figura 53:Figura 53:Figura 53: Esquiço da Capela de Notre Dame du Haut. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: BOESIGER, Willy.1995. Le Corbusier. Oeuvre Complete. Vol. VI. 9. ed. Les
Éditions d’architecture. p.17. Figura 54:Figura 54:Figura 54:Figura 54: Planta da Capela de Notre Dame du Haut. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: BOESIGER, Willy.1995. Le Corbusier. Oeuvre Complete. Vol. VI. 9. ed. Les Éditions d’architecture. p.21.
Figura 55:Figura 55:Figura 55:Figura 55: Prairie House. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: WRIGHT, Frank Lloyd. 1991. Frank Lloyd Wright. Nürnberg : Taschen, p.50. Figura 56:Figura 56:Figura 56:Figura 56: Prairie House. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: WRIGHT, Frank Lloyd. 1991. Frank Lloyd Wright. Nürnberg : Taschen, p.50. Figura 5Figura 5Figura 5Figura 57:7:7:7: Projecto para Broadacre City. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: FRAMPTON, Kenneth. 2003. História crítica da arquitectura moderna. São Paulo : Martins Fontes, p.230. Figura 58:Figura 58:Figura 58:Figura 58: Casa Kaufmann. FonteFonteFonteFonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp009.asp.> Figura 59:Figura 59:Figura 59:Figura 59: Casa Kaufmann. FonteFonteFonteFonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp009.asp.> Figura 60:Figura 60:Figura 60:Figura 60: Casa Kaufmann, o natural e o artificial fundem-se em harmonia. Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: WRIGHT, Frank Lloyd. 1991. Frank Lloyd Wright. Nürnberg : Taschen, p.118. Figura 61:Figura 61:Figura 61:Figura 61: Esquiço do Museu Guggenheim de Nova Iorque.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte:<<<<http://www.franklloydwright.org/index.cfm?section=research&action=thework
> Figura 62:Figura 62:Figura 62:Figura 62: Espiral do Museu Guggenheim de Nova Iorque. Fonte: ZEVI, Bruno. 1998. Frank Lloyd Wright. 7ª ed. Barcelona : Gustavo Gili. p.225.
Figura 63:Figura 63:Figura 63:Figura 63: Planta do Sanatório de Paimio. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: HOLMO, Maija, LATHI, Markku. 1998. Alvar Aalto. Helsinki : Rakennustieto, p.41.
XII
Figura 64:Figura 64:Figura 64:Figura 64: Estudos de ângulos de incidência da luz solar na Biblioteca de Viipuri. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: RIBEIRO, Rogério, BJÖRK, Cisela, coord. 1998. Alvar Aalto 1898-100 Catálogo da Exposição. Almada : Câmara Municipal de Almada, p.32. Figura 65:Figura 65:Figura 65:Figura 65: Desenhos de Villa Mairea Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: SCHILDT, Göran. 1986. Alvar Aalto, the decisive years, New York : Rizzoli, p.41.
Figura 66:Figura 66:Figura 66:Figura 66: Entrada de Villa Mairea Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.designboom.com/history/aalto/villa.html.> Figura 67:Figura 67:Figura 67:Figura 67: Pormenor da entrada de Villa Mairea Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.designboom.com/history/aalto/villa.html.> Figura 68:Figura 68:Figura 68:Figura 68: Interior de Villa Mairea Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: SCHILDT, Göran. 1986. Alvar Aalto, the decisive years, New York : Rizzoli, p.41. Figura 69:Figura 69:Figura 69:Figura 69: Pormenores que marcam a relação com a natureza Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: RIBEIRO, Rogério, BJÖRK, Cisela. 1998. Alvar Aalto 1898 100 Catálogo da Exposição. Almada : Câmara Municipal de Almada, p.36. Figura 70:Figura 70:Figura 70:Figura 70: Desenho projectual do templo de Vuoksenniska Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: RIBEIRO, Rogério, BJÖRK, Cisela. 1998. Alvar Aalto 1898 100 Catálogo da Exposição. Almada : Câmara Municipal de Almada, p.56. Figura 71:Figura 71:Figura 71:Figura 71: Templo de Vuoksenniska. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: RIBEIRO, Rogério, BJÖRK, Cisela. 1998. Alvar Aalto 1898 100 Catálogo da Exposição. Almada : Câmara Municipal de Almada, p.56. Figura 72:Figura 72:Figura 72:Figura 72: Interior do templo de Heiling Geiskt-Kirche. Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_01.asp>
Figura 73Figura 73Figura 73Figura 73: Planta do conjunto na Igreja de Santa Maria, em Riola Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_01.asp>
Figura 74Figura 74Figura 74Figura 74: Interior da igreja de Santa Maria.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_01.asp>
XIII
Figura 75Figura 75Figura 75Figura 75: Fachada principal da Igreja de Santa Maria.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_01.asp>
Figura 76Figura 76Figura 76Figura 76: Imagem do filme Tempos Modernos.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_01.asp>
Figura 77Figura 77Figura 77Figura 77: Imagem da casa da família Arpel em O meu Tio.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.rizoma.net/interna.php?id=211&secao=anarquitextura>
Figura 78:Figura 78:Figura 78:Figura 78: Imagem do filme Metropolis de Fritz Lang (1925-1926).
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: WHITFORD, Frank. 1995. Bauhaus. London : Thames and Hudson. Figura 79:Figura 79:Figura 79:Figura 79: Casa Dymaxion (1929).
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: PIROVANO, Carlo. (ed.). 1990. History of Industrial Design, 1910-1990. [s.l.] : Electra, p.329. Figura 80:Figura 80:Figura 80:Figura 80: Wichita house, machine for living (1946).
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: PIROVANO, Carlo. (ed.). 1990. History of Industrial Design, 1910-1990. [s.l.] : Electra, p.330.
Figura 81:Figura 81:Figura 81:Figura 81: Projecto para a grande cúpula transparente para Manhattan (1962).
Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: FRAMPTON, Kenneth. 2003. História crítica da arquitectura moderna. São Paulo : Martins Fontes, p.343.
Figura 82:Figura 82:Figura 82:Figura 82: Centro George Pompidou (1972-77).
Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: FRAMPTON, Kenneth. 2003. História crítica da arquitectura moderna. São Paulo : Martins Fontes, p.347.
Figura 83Figura 83Figura 83Figura 83: Planta das cubic houses.
Fonte: <Fonte: <Fonte: <Fonte: <http://img183.imageshack.us/my.php?image=semttulo1uy5.jpg>
Figura 84:Figura 84:Figura 84:Figura 84: Nova babilónia.
Fonte: <Fonte: <Fonte: <Fonte: <http://www.moskitofilm.nl/?page_id=28>
XIV
Figura 85:Figura 85:Figura 85:Figura 85: Imagem do grupo Archigram.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.rizoma.net/interna.php?id=186&secao=anarquitextura>
Figura 86:Figura 86:Figura 86:Figura 86: Projecto Plug-in-City.
FonteFonteFonteFonte: <http://www.rizoma.net/interna.php?id=186&secao=anarquitextura>
Figura 87:Figura 87:Figura 87:Figura 87: Projecto da cápsula Plug-in-City.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.rizoma.net/interna.php?id=186&secao=anarquitextura>
Figura 88:Figura 88:Figura 88:Figura 88: Projecto Walking City.
Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: FRAMPTON, Kenneth. 2003. História crítica da arquitectura moderna. São Paulo : Martins Fontes, p.342.
Figura 89:Figura 89:Figura 89:Figura 89: Projecto Living Pod de David Green.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.rizoma.net/interna.php?id=186&secao=anarquitextura>
Figura 90:Figura 90:Figura 90:Figura 90: Projecto Cushicle.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.rizoma.net/interna.php?id=186&secao=anarquitextura>
Figura 91:Figura 91:Figura 91:Figura 91: Projecto Suitalonn.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.babot.co.jp/museum/life/wear.html>
Figura 92:Figura 92:Figura 92:Figura 92: Centro Urbano de Kwan em Hong-Kong.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.82.
Figura 93:Figura 93:Figura 93:Figura 93: Escritórios centrais de Telenor em Oslo.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.84.
Figura Figura Figura Figura 94:94:94:94: Urbanização de Hollywood-Orange em Los Angeles.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.86.
XV
Figura 95:Figura 95:Figura 95:Figura 95: Templo budista em Xiyuan.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo
Gili, p.90.
Figura 96:Figura 96:Figura 96:Figura 96: Casa Oak Park Pass.
Fonte:<Fonte:<Fonte:<Fonte:<http://www.arcspace.com/architects/roto/Oak_Pass_House/index.html>
Figura 97:Figura 97:Figura 97:Figura 97: Casa Oak Park Pass.
Fonte:<Fonte:<Fonte:<Fonte:<http://www.arcspace.com/architects/roto/Oak_Pass_House/index.html>
Figura 98:Figura 98:Figura 98:Figura 98: Escola Secundária Diamond Ranch em Pomona.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.94.
Figura 99:Figura 99:Figura 99:Figura 99: Projecto Eden em Corwall.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.32 e104. Figura 100:Figura 100:Figura 100:Figura 100: Projecto Eden em Corwall.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.105.
Figura 101:Figura 101:Figura 101:Figura 101: Projecto Eden em Corwall.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.106.
Figura 102:Figura 102:Figura 102:Figura 102: Esquiço do projecto para a Disney.
Fonte: <http://www.arcspace.com/architects/gehry/disney2/>
Figura 103:Figura 103:Figura 103:Figura 103: Concert Hall da Disney em Los Angeles.
FonteFonteFonteFonte: http://www.arcspace.com/architects/gehry/disney2/
XVI
Figura 104:Figura 104:Figura 104:Figura 104: Planta do Guggenheim de Bilbao.
FonteFonteFonteFonte: BRUGGEN, Coosje Van. 1997. Franck Gerhy Guggenheim Bilbao. New York
: Guggenheim Museum Publication, p.148-149.
Figura 105:Figura 105:Figura 105:Figura 105: Guggenheim de Bilbao.
FonteFonteFonteFonte: http://www.arcspace.com/architects/gehry/disney2/
Figura 106:Figura 106:Figura 106:Figura 106: Mediateca de Sendai.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.153.Gili, p.153.Gili, p.153.Gili, p.153.
Figura 107:Figura 107:Figura 107:Figura 107: Desenvolvimento orgânico da forma que relaciona a arquitectura de Karl Chu com a natureza.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.153.
Figura 108:Figura 108:Figura 108:Figura 108: Na procura de um princípio transcendental, Karl Chu incorpora nos seus desenhos os novos avanços em mecânica quântica.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.138.
Figura 109Figura 109Figura 109Figura 109: A síntese dos princípios cosmogenéticos e a contínua transformação da natureza.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.140.
Figura 110:Figura 110:Figura 110:Figura 110: Investigação sobre semelhanças morfológicas entre construção e concepção, Karl Chu, revoluciona o significado de arquitectura ecológica.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.40.
Figura 111Figura 111Figura 111Figura 111: Hotel New Palace em Noorswijk.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. México : Gustavo Gili, p.143 e 146.
XVII
Figura 112:Figura 112:Figura 112:Figura 112: Pavilhão da água H2O, Nox.
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp222.asp.>
Figura 113:Figura 113:Figura 113:Figura 113: Pavilhão da água salgada, Oosterhuis Associates
Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp222.asp.> Figura 114:Figura 114:Figura 114:Figura 114: Teoria das cordas cósmicas – Superstrings.
FonteFonteFonteFonte: <http://astro.if.ufrgs.br/univ/string/string.htm>
XVIII
L I S T A D E A B R E V I A T U R A S , S I G L A S E
A C R Ó N I M O S
AFK Arbeitsrat für Kunst.
CAD Computer-Aided Design.
CATIA Computer Assisted Three-dimentional Interactive Aplication.
CIAM Congresso Internacional de Arquitectura Moderna.
C.I.E.R.E.C. Centre interdisciplinaire d’études et des recherches sur l’expression contemporaine.
IBM Internacional Business Machines.
MIT Massachusetts Institute of Technology.
NBBJ Atelier de arquitectura e design.
OSA União de arquitectos contemporâneos.
PGM Primeira Guerra Mundial.
RoTo Atelier fundado por Michael Rotondi.
SCF-Arc Southern California Institute of Architecture.
SEG Designação de torre de apartamentos em Viena.
SGM Segunda Guerra Mundial.
Team X Designação como passou a dar-se ao CIAM a partir de 1956.
UFA Universum Film AG.
UFRGS Universidade Federal de Rio Grande do Sul.
XIX
S U M Á R I O
Ficha Catalográfica I Agradecimentos II Epígrafe III Apresentação: Título, resumo e palavras-chave IV Presentation: Title, abstract and keywords V Lista de ilustrações VI Lista de abreviatura, siglas e acrónimos XVIII Sumário XIX 1. Introdução 1 Parte I Binómio Homem MáquinaParte I Binómio Homem MáquinaParte I Binómio Homem MáquinaParte I Binómio Homem Máquina 15 2. O Contexto da máquina no início do século XX 16
2.1. O homem e a máquina 16 2.2. Conceitos contraditórios 30
2.2.1. Evolução técnica 30 2.2.2. Problemática nos meios artísticos 36
3. Tendências emergentes 48 3.1. Organicismo de Steiner 49 3.2. Racionalismo de Wittgenstein 59 3.3. A máquina como elemento de vanguarda 67
3.3.1. Futurismo italiano 67 3.3.2. Construtivismo russo 84
Parte II Paradigma da MáquinaParte II Paradigma da MáquinaParte II Paradigma da MáquinaParte II Paradigma da Máquina 95 4. Em direcção a um novo paradigma 96
4.1. Situação da máquina na Alemanha 96 4.2. A máquina no percurso da Bauhaus 107
4.2.1. O funcionalismo orgânico de Gropius 107 4.2.2. O funcionalismo produtivista de Meyer 132
XX
4.2.3. O funcionalismo formalista de Mies 139 4.3. Le Corbusier 143
4.3.1. Formação pessoal entre a natureza e a técnica 143 4.3.2. L’Esprit Nouveau 150 4.3.3. Modulor - a escala humana adaptada à máquina 156 4.3.4. O fascínio pela máquina 166 4.3.5. A Máquina de habitar – casa 170 4.3.6. A Máquina colectiva – edifícios públicos 178 4.3.7. Machines à emovoir 190
5. Sintonia entre o homem e a máquina 201 5.1. Frank Lloyd Wright 201
5.1.1. Entusiasmo pela máquina 201 5.1.2. A emergência de uma nova estética 210 5.1.3. Fascínio pela natureza 222
5.2. Alvar Aalto, Humanizar a arquitectura 231 5.2.1. A natureza como pretexto 231 5.2.2. O funcionalismo e o homem 236 5.2.3. O ciclo da vida 249
6. Novos conceitos na relação homem/máquina 260 6.1. Crítica ao racionalismo 260 6.2. Sistemas e estruturas 267 6.3. Simbiose entre organismos e máquinas – Archigram 280
Parte III Resolução do Binómio Homem MáquinaParte III Resolução do Binómio Homem MáquinaParte III Resolução do Binómio Homem MáquinaParte III Resolução do Binómio Homem Máquina 291 7. O Digital substitui o analógico 292
7.1. O computador como ferramenta 297 7.2. O computador ao serviço do homem e da natureza 312
8. Reinventar o espaço 328 8.1. CATIA - Frank Gehry 328 8.2. A máquina como pretexto 334
9. Construir o artificial por metodologias sustentadas em processos naturais 336 9.1. Espaço genético – Karl Chu 336
XXI
9.2. Transformação do elemento arquitectónico 342 9.3. Sistemas híbridos 350
10. Conclusão 366
10.1. Reflexões finais 411 11. Bibliografia 415
11.1. Bibliografia específica 415 11.1.1. Publicações de Autor 415 11.1.2. Publicações Periódicas 422 11.1.3. Publicações Electrónicas 423
11.2. Bibliografia geral 426 11.2.1. Publicações de Autor 426 11.2.2. Publicações Periódicas 430 11.2.3. Publicações Electrónicas 431
12. Índice Onomástico 434
1
I N T R O D U Ç Ã O
Este trabalho centra-se na problemática em torno das implicações
que a máquina 1111 e, consequentemente, o fenómeno técnico, tiveram
na arquitectura do século XX, que não sendo novo sofreu alterações
profundas neste período que se pretende estudar.
Assim, com base numa metodologia assente no confronto entre o
homem e a máquina, este trabalho tem como fio condutor a seguinte
questão de investigação: Como pode a arquitectura ser influenciada
pelo fenómeno da máquina e como pode a máquina ser uma
ferramenta fundamental ao serviço do homem?
É possível afirmar que desde a pré-história a essência da natureza
humana se forma num processo que se poderia considerar de contre
nature, um tema que permite uma vasta e complexa multiplicidade de
abordagens mas das quais destacamos o pensamento de Bernard
Stiegler, segundo o qual “l’apparition de l’homme est l’apparition de la
1111 Entendemos o conceito de máquina como o paradigma da artificialidade e o
homem o elemento natural que nos interessa. Assim é fundamental perceber ao
longo do trabalho a relação artificial/natural.
2
technique” (1994, p. 152), pelo que, na perspectiva do autor, o
homem inventa a técnica e é inventado por ela é uma hipótese que
atravessa o pensamento filosófico desde a Grécia antiga até à
filosofia contemporânea.
Efectivamente, a evolução do homem, tal como a arquitectura, nunca
estiveram dependentes apenas do orgânico ou do instintivo, pois do
mesmo modo que o homem constrói um instrumento ou uma arma,
constrói, também, um abrigo e, por certo, desde o tempo em que a
arquitectura não se diferenciava do acto de construir, que se pode
presenciar o processo de artificialização da natureza e constatar a
importância do factor técnico neste processo.
Desta verificação se infere que a importância da máquina é uma
constante que remonta ao início da humanidade e que se estende a
várias áreas do conhecimento, nomeadamente, é possível dizer que
conforme o homem evoluiu na forma como manipula e controla a
natureza, também, na mesma proporção, esses avanços se foram
traduzindo na arquitectura.
Todavia, e apesar da evolução técnica ser permanente no devir da
humanidade, o estabelecimento duma dramática divisão entre o
natural e o artificial, característica da cultura industrial, é um
fenómeno recente e o fim do século XIX testemunhou um conjunto
3
de processos técnicos que transformaram, rápida e profundamente,
as relações do homem com a máquina, e que influenciaram de forma
determinante todo o século XX.
Porém, face às diferenças significativas produzidas ao longo dos
últimos cem anos, em que se passou de uma condição pré industrial
a uma tecnologia digital, o tema escolhido só fazia sentido se
abrangesse todo este século.
Se é um facto que, neste período de um século, os arquitectos
aceitaram a ideia progressista da máquina associada a uma
sociedade fortemente industrializada, torna-se fundamental entender
como esta questão influenciou o seu universo conceptual e como
contribuiu para desenvolver as suas ideias e os seus projectos.
Para esse fim recorreremos a um processo de sistematização em
que a selecção e ordenação, dos autores e obras, obedecerão a
critérios assentes nos processos de concepção que estiveram na
génese e desenvolvimento da ideia original, bem como, nos casos
em que se justifique, dos processos de construção.
Este trabalho parte, assim, da hipótese de que a criatividade artística
do século XX é permeada por um imaginário, a um tempo colectivo e
a outro individual, no qual os princípios das formatações
arquitectónicas se fundem, muitas vezes, num recital de harmonia
4
em que natureza e a técnica contribuem na mesma proporção para o
processo de concepção e de construção.
Esta análise visa, portanto, investigar um conjunto de factos
associados ao conceito da máquina que influenciaram de forma
definitiva a cultura arquitectónica do seu tempo e de tempos futuros,
para o efeito dividimos o trabalho em três partes:
Parte I
Enquadrar na sociedade e na arquitectura o fenómeno da máquina
na transição dos séculos XIX-XX e perceber como no início do século
XX os arquitectos definiram estratégias sustentadas na natureza e na
máquina que influenciaram todo o século XX.
Reflectir de modo sintético as questões relativas ao homem e à
máquina na sociedade.
Perceber o espírito da época no início do século XX, nomeadamente,
verificar o papel da máquina e das novas tecnologias enquanto
fenómenos emergentes na cultura moderna.
Constatar uma certa pressão que a máquina exercia na sociedade e
nos meios artísticos, e a sua consequente inclusão nos pressupostos
da arquitectura.
Compreender a situação de conflito entre o artesanato e a máquina,
5
bem como a posição de alguns artistas como Ruskin e Muthesius.
Reflectir sobre as posturas organicista de Steiner e racionalista de
Wittgenstein.
Demonstrar que a imagem da máquina, na arquitectura, é associada
a movimentos de vanguarda que, por sua vez, perseguiam o culto
duma nova forma e duma outra estética, como foi o caso do
futurismo.
Verificar que, no início do século XX, os mecanismos geradores para
as construções de novas sociedades cruzam-se com a influência da
máquina, como é o caso do construtivismo.
Parte II
Nas obras e arquitectos seleccionados neste capítulo, e nas
interpretações que pretendemos efectuar, vamos tentar oferecer uma
reflexão sobre o universo conceptual e construtivo da arquitectura,
estabelecendo uma relação entre a natureza e a máquina.
A nossa reflexão pretende, ainda, revelar momentos fulcrais em que
a lógica mecânica se ajustou aos processos conceptuais da
arquitectura - numa época em que esta aspirava à máxima
funcionalidade da mesma maneira que a máquina procurava que
todas as partes cumprissem o seu papel na engrenagem - e perceber
o modo como a arquitectura procurava ajustar-se às
6
exigências da função, nem sempre em oposição ao orgânico que,
fortemente influenciado pela metamorfose e pelo crescimento,
privilegiava o natural e o homem.
Desta apreciação vamos, certamente, sentir algumas dicotomias
relativamente ao modo como estes arquitectos se relacionam
intencionalmente com o universo do natural e do artificial.
Assim, para além da descrição e interpretação das tendências
arquitectónicas pretende-se:
Perceber de que modo a Bauhaus enquadrou o paradigma da
máquina e reflectir sobre o percurso da escola entre o funcionalismo
orgânico de Gropius e o funcionalismo técnico de Mies van der Rohe,
constatando a permeabilidade entre estas duas posições, que não
sendo convergentes também não eram divergentes.
Esta análise vai dar particular destaque a Le Corbusier, pois foi ele o
arquitecto que premonitoriamente teve consciência do fenómeno
novo que emergia na sociedade do início do século: o maquinismo.
Para ele era importante aprender com a máquina visto que a
pretendia colocar ao serviço do homem e, no seu percurso, percebe-
se uma preocupação constante com a funcionalidade na arquitectura
7
e com a necessidade de ajustar o espaço às exigências do corpo
humano, associando a casa à ideia de máquina de habitar,2222 pelo que
vamos verificar como no seu trabalho considerou, em simultâneo, a
importância da natureza e o papel da máquina na vida do Homem.
De facto, apesar da arquitectura moderna não demonstrar particular
interesse pelas relações com a natureza, vamos tentar aferir de que
modo é que ela foi protagonista em diversas obras de arquitectura e
perceber como obras nascidas sob o signo do orgânico se
enquadram na mesma artificialidade que caracterizou o movimento
moderno, do qual Frank Lloyd Wright é o paradigma máximo. E
perceber, ainda, de que modo o percurso deste arquitecto foi
influenciado pelas criticas de Mumford. 3333
2222 Esta expressão foi consagrada por Le Corbusier e aparece quase sempre
referenciada a este importante arquitecto francês, sobre o qual iremos dedicar uma
parte importante deste trabalho, embora também tenha influenciado o universo
conceputal de outros arquitectos como iremos constatar.
3333 Sobre o seu trabalho consideramos importante a perspectiva de Francastel (1956,
p. 41): “La machine est à ses yeux, le lieu de rencontre actuel, le dénominateur
commun des individus et des groupes: cités, régions, Etats. Elle a modifié ou
réorienté les désirs, les idées, les moyens d’action et les buts de l’homme. Elle
8
Vamos, ainda, compreender o contexto da obra de Alvar Aalto e a
forte cumplicidade da sua arquitectura com o homem, no que
poderíamos considerar de funcionalismo orgânico e perceber que, de
facto, as questões técnicas também não foram desprezadas.
Neste último capítulo, continuando a problemática entre o homem e
máquina, vamos demonstrar de que modo as formas do mundo
industrial começaram a estender-se à arquitectura e como, a partir da
segunda metade do século XX, passaram a ser repetidas
sistematicamente em muitas obras, ajustando as formas aos mais
diversos materiais, conforme os avanços técnicos o iam permitindo.
Vamos, por isso, constatar como as formas e as tipologias,
inspiradas no mundo da máquina, encontraram referências no mundo
industrial: as fábricas e as refinarias de petróleo eram uma imagem
que se pretendia reproduzir conscientemente, “definitivamente o
paradigma da artificialidade encontrou a sua continuidade na
arquitectura high tech.” (Montaner, 2002, p. 82)
domine, pour le meilleur et pour le pire, sa destinée actuelle. Elle détermine la culture
qui produit et rend utilisables les instruments sans lesquels el n’y a plus de vie ou
d’activité utile sur la planète. Mumford pose ainsi en principe le primat absolu de la
machine sans le discuter. »
9
No entanto, essa situação não implicava que se aceitasse a máquina
incondicionalmente pois desenvolvia-se uma forte crítica que se
estendia, também à sociedade e cujas inquietações atravessavam o
meio filosófico na mesma proporção. Assim, vamos tentar perceber
de que modo esta situação se ajustou à arquitectura,
nomeadamente, a crítica que se desenvolveu relativamente ao
racionalismo, derivava da urgência de criar novos conceitos para o
homem e para o espaço.
As complexas estruturas arquitectónicas multifuncionais, concebidas
e realizadas por meios tecnológicos avançados, povoam o imaginário
dos anos 70, em especial o grupo britânico Archigram. Este grupo
desenvolveu novos conceitos para o acto de habitar, mormente a
casa cápsula, e neste trabalho vamos tentar destrinçar como a forma
e a função estão intimamente ligadas à forma orgânica e à função
mecânica, indissociáveis da ideia de máquina de habitar.
Aliás, do mesmo modo que Le Corbusier, a arquitectura mutante do
grupo Archigram propõe novos espaços considerando o espaço
mínimo, mas agora, ajustado a outra época, assiste-se na
arquitectura, tal como na sociedade, a uma simbiose crescente entre
a natureza humana e a técnica. A arquitectura aparece como uma
segunda pele do corpo humano e, mais próxima do limite da
10
artificialidade, torna-se mais orgânica, perseguindo uma forte
cumplicidade entre a máxima artificialidade e o organismo vivo, em
estreita ligação com as metamorfoses da vida.
Parte III
Na última parte do trabalho, propomo-nos enquadrar de novo o
fenómeno da máquina, mas, agora, na transição do século XX-XXI.
Na realidade, apesar de eventualmente podermos encontrar algum
paralelismo com os fenómenos que ocorreram no início do século XX
existem nesta nova era diferenças significativas óbvias, provocadas
pelos avanços tecnológicos, principalmente porque a máquina
permitiu criar novos conceitos que alteraram profundamente os
valores do espaço, nomeadamente, o ciberespaço. Nesta
perspectiva torna-se urgente perceber novos conceitos, como
arquitectura virtual e as transarquitecturas. 4444
Pretendemos ainda reflectir sobre a problemática da máquina e como
esta pode ser uma ferramenta ao serviço do homem e da natureza,
4444 Por se tratar de um conceito muito abrangente este termo aparece sempre no
plural.
11
selecionando para o efeito alguns trabalhos que possam servir de
paradigma quer pela positiva quer pela negativa.
Nesta ordem de ideias podemos, igualmente, analisar o trabalho de
Marcos Novak e o novo conceito, as transarquitecturas ou a
arquitectura líquida ou, ainda, o pavilhão da Água na Holanda, do
grupo Nox, destinado a albergar uma exposição permanente sobre a
importância da água no planeta Terra, demonstrando que no projecto
foi utilizado um conjunto de procedimentos interactivos mas em que,
contudo, as variáveis são determinadas pela natureza.
Vamos analisar, ainda, os trabalhos de Karl Chu e de John Frazer, e
perceber que os pretextos com que desenvolveram os seus trabalhos
estão assentes em princípios sustentados na evolução de
organismos e constatar que tal como na sociedade, também, na
arquitectura os processos híbridos permitem configurações nunca
antes verificadas.
Vamos, igualmente, procurar entender como os arquitectos utilizam,
nos seus trabalhos, as novas tecnologias e se, efectivamente, a
máquina, agora o computador, se tornou numa ferramenta
fundamental e, neste contexto, destacar o trabalho de Frank Gehry e
a aplicação do sistema CATIA. Por conseguinte, tornar-se-á
necessário indagar até que ponto o arquitecto se deixa conduzir pelo
12
computador ou, ainda, a forma como o computador pode funcionar
como pretexto conceptual.
No âmbito deste trabalho, vamos também investigar de que modo a
natureza e os processos naturais contribuem para os avanços
tecnológicos.
Todavia, perceber de que modo os arquitectos e a sociedade - a
arquitectura não é alheia aos fenómenos sociais antes pelo contrário,
absorve-os e reinventa-os - foram sensíveis à máquina, implica,
igualmente, perceber as correntes filosóficas e os conceitos que se
foram girando em torno do tema e, ainda, reflectir sobre o uso do
computador no ensino da arquitectura e na formação de novos
arquitectos.
Consequentemente, e tratando-se de uma investigação muito
complexa e muito extensa - perceber os fenómenos arquitectónicos,
as metodologias conceptuais, a forma como os arquitectos se
relacionaram com a sua época, se ajustaram aos fenómenos
técnicos e de que modo conseguiram inovar - não se poderiam
abranger todas as obras nem todos os arquitectos, pelo que se optou
apenas pelos que melhor se enquadrariam dentro das questões que
se evocam neste trabalho.
Naturalmente, é importante salientar que apenas se tiveram em
13
consideração os trabalhos que permitiriam estabelecer um fio
condutor dentro do contexto deste trabalho.
Também por essas razões, e por uma questão de extensão do
trabalho, se excluiu o tema da cidade, optando-se por o incluir,
somente, nas situações em que se revela fundamental para se
clarificar o contexto dentro do tema da investigação.
De resto, pretende-se perceber que a evolução e ascensão da
máquina não pode indiciar a destruição da arquitectura, mas o
aprimorar de uma ferramenta que os pessimistas radicais
aconselhariam a abandonar, por entenderem contribuir para
dissimular a essência da arquitectura, uma posição provavelmente
comum a todas as épocas, particularmente nas transições de século,
enquanto que outros, mais optimistas, acreditariam que a resposta
possa estar na vontade e capacidade do homem em conduzir o
trajecto da máquina, por forma a que esta introduza novos dados ou
coordenadas.
Destes considerandos ressalta a necessidade de trazer para a ordem
do dia a discussão em torno das questões éticas relativas à máquina,
razão pela qual, neste trabalho, se procura reflectir sobre os
diferentes contributos de vários arquitectos, ao longo do século XX,
pretendendo-se evidenciar não todos os trabalhos, como já
14
referimos, mas os que mais se destacaram pela capacidade de
englobar quer a dimensão humana, quer a dimensão técnica, pois
cremos ser por ambas que passa a verdadeira arquitectura.
Neste sentido, esta investigação parte da hipótese de que quanto
melhor tiver sido, no passado, a relação entre o natural e o artificial,
melhor terão sido os resultados obtidos nas obras de arquitectura, e
que provavelmente será esse o caminho a seguir no futuro.
15
P A R T E I
B I N Ó M I O H O M E M M Á Q U I N A
16
2 . O C O N T E X T O D A M Á Q U I N A N O I N Í C I O D O
S É C U L O X X
2 . 1 . O H O M E M E A M Á Q U I N A
Quando se analisam as questões relativas ao natural e ao artificial
rapidamente se infere que o processo de artificialização da natureza
está presente desde a formação do homem e das primeiras
sociedades, pelo que uma investigação sobre as relações entre o
homem e a arquitectura passa, muito, por compreender uma vontade
expressa do homem, desde os tempos mais remotos, em controlar e
transformar a natureza, constatando-se, assim, que a arquitectura é,
sempre, o resultado de um processo de artificialização da natureza.
É nesta perspectiva que, a partir duma análise do trabalho de
historiadores e investigadores relativamente à história, teoria e crítica
de arquitectura, se pode tentar estabelecer um paralelismo com os
trabalhos de antropologia relativos à evolução do homem e provar
que os processos que acompanharam a evolução, nunca estiveram
dependentes apenas do orgânico ou do instintivo, conforme o
17
defende André Lemos (2003) com base no trabalho de Moscovici, 5555
no livro La Société Contre Nature, em que prova que em nenhuma
fase da sua evolução, o homem esteve dependente somente do
orgânico ou do instintivo, mostrando que a sociedade e o homem
evoluem num constante processo de artificialização, podendo-se,
assim, defenir a máquina entendida como uma extensão das
componentes inatas do ser humano.
Nesta nossa análise pretendemos, igualmente, demonstrar que, tal
como no caso do homem, também a arquitectura nunca esteve
dependente apenas do orgânico ou do instintivo, pois da mesma
forma que o primeiro homem constrói um instrumento ou uma arma,
num processo de afirmação e de defesa contra a natureza, constrói,
também, um abrigo, e isto ainda no tempo em que a arquitectura não
se diferenciava do acto de construir.
Importa, por isso, fazer uma breve retrospecção que fundamente a
convicção de que a máquina e a arquitectura sempre estiveram
5555 Moscovi tem um percurso científico muito rico e diversificado, contribuiu para a
refundação da psicologia social na Europa e mostrou a contemporaneidade dos
fundadores da sociologia de hoje, tendo, ainda, avançado perspectivas inovadoras
para a construção da antropologia das sociedades contemporâneas.
18
associadas desde a mais remota antiguidade, como é o caso dos
construtores megalíticos das pirâmides que utilizaram a tecnologia
mais avançada da sua época, um completo sistema de organização
social apelidado por Mumford (1969, capítulos 8 e 9), de mega
máquina, que tornou possível, mediante recursos mecânicos
relativamente primitivos, a contrução de obras colossais.
O que nos permite, também, concluir que do mesmo modo, que
quando se estuda a origem da arquitectura, se pode entender o
papel fundamental da técnica, pode-se, também, de igual forma,
equacionar o facto do fenómeno técnico ser, também, a primeira
característica do fenómeno arquitectónico.
Intenta-se, pois, nesta reflexão dissecar o problema do artificial –
tecknè e do natural - phusis na arquitectura contemporânea de
maneira a descodificar esta dicotomia, já que na arquitectura, tal
como na sociedade, não existem como entidades isoladas.
Por um lado, a palavra grega technè significa habilidade prática ou
técnica, e dela derivaram essencialmente sinónimos de arte,
significativos da habilidade através da qual é possível obter
voluntariamente um determinado resultado. Esta habilidade pode
resultar da experiência simples e da imitação, do conhecimento das
regras de acções codificadas ou de um conhecimento científico.
19
Diferente da actividade artística, propriamente dita, cuja finalidade é
meramente estética, a técnica visa a utilidade e a eficácia. De uma
forma simplista, pode-se afirmar que da obra de arte, em geral, não
se espera nem se exige funcionalidade, ao contrário da arquitectura,
que implica funcionalidade.
E ainda que a técnica seja, cada vez mais, objecto de numerosas
reflexões e que as suas consequências, na vida quotidiana,
despertem inúmeras inquietações e condicionem o domínio da
natureza pelo homem, é um facto que vários especialistas, nesta
matéria, defendem a propensão do homem para a técnica como um
critério essencial da humanidade.
Na verdade, depois de Aristóteles, muitos filósofos analisaram a
associação recíproca entre a inteligência do homem e o fabrico de
utensílios que permitem transformar a matéria em seu proveito. O
fabrico de utensílios ou de abrigos supõe, efectivamente, que se
represente mentalmente a acção a concretizar, criando a forma do
utensílio ou do abrigo mais apropriado à natureza envolvente.
A técnica, tal como a linguagem, aparece, assim, indissociável do
pensamento, logo indissociável da humanidade e se o homem faz
parte da natureza, as relações com ela são, desde a origem,
fortemente dependentes do utensílio, do abrigo ou da arquitectura,
20
pelo que se pode afirmar que se a partir de um conjunto de utensílios
se pode desenvolver uma máquina, pode-se, igualmente, dizer que
uma máquina, em sentido lato, é uma forma desenvolvida a partir de
um conjunto de mecanismos, de modo a produzir um determinado
efeito, apenas com um estímulo inicial.
Por outro lado, a palavra grega phusis significa natureza, algo que se
pode reproduzir e que é comum associar-se a organismo, um ser
organizado, constituído por órgãos diferenciados e interdependentes,
definidos por uma ou várias funções específicas.
Inspirada na natureza, a teoria organicista é frequentemente
associada à sociedade e à comunidade como um todo e à sua
relação com as suas partes - os indivíduos que as determinam, em
analogia com um organismo vivo em que as partes não se
manifestam isoladas das relações que têm entre elas.
Assim, o organicismo opõe-se simultaneamente aos seres
inanimados e às máquinas. Contrariamente aos seres inanimados, o
organismo é um ser organizado que se constitui numa totalidade
unificada de órgãos independentes, com relações de
interdependência, dotado de uma certa autonomia variável segundo
um determinado grau de complexidade e que comporta um princípio
de movimento interno.
21
O natural e a máquina pode remeter-nos para um outro conceito - o
sistema, que pela sua autoregulação e a sua estrutura interna podem
ser comparados com seres vivos e podem ser entendidos como
máquinas, este carácter duplo que os sistemas assumem vai ser
particularmente abordado ao longo do trabalho.
Não se pretendendo fazer história e não sendo esta uma prioridade
do trabalho parece-nos, no entanto, oportuno recuar ao século XVII
para enquadrar o fascínio do homem pela máquina.
A partir do século XVII, a máquina vai servir de modelo à física
científica e pode-se dizer que toda a natureza foi como que
assimilada por uma gigantesca máquina, numa lógica de onde, em
geral, não se excluem o corpo humano nem os fenómenos
biológicos. Neste novo mundo máquina, a natureza torna-se racional,
independente da experiência sensível e, em princípio, pode ser
completamente dominada.
Apesar, de frequentemente, se opor a máquina à natureza e ao ser
vivo, em particular, colocando de um lado as estruturas mecânicas e
do outro a espontaneidade dos seres vivos, é interessante entender
22
porque recusava Decartes 6666 essa oposição. Ele classifica o corpo
humano como a mais perfeita das máquinas que funciona por
impulsos naturais, mas defende que as consequências dos instintos
e desejos podem ser sempre controlados ou alterados pela mente.
Segundo este filósofo, os animais e as plantas podem explicar-se
através das leis gerais da mecânica, a única diferença reside na sua
complexidade, pois os animais são máquinas, infinitamente mais
sofisticadas do que qualquer uma que o homem poderá alguma vez
realizar. Mas se Decartes recusa opor a máquina ao ser vivo, é para
introduzir um dualismo ainda maior - a oposição entre um
comportamento mecânico e uma conduta racional. No texto que se
segue Decartes (1990, apud, Clément, 1997, p.91 e 92) 7777 vai
fundamentar essa ideia:
6666 Na obra deste filósofo o Mundo supõe, como em qualquer máquina, uma
inteligência criadora que só pode ser Deus, considerando a perfeição do objecto
criado.
7777 DESCARTES, R. 1990. Discours de la méthode (1637) V P. Paris : Hatier, p.64 -
65
23
(…) a demonstrar que se existissem máquinas que tivessem os
órgãos e a figura de um macaco ou de qualquer outro animal
irracional, não teríamos nenhum meio de reconhecer que elas
eram de natureza diferente desses animais, ao passo que, se
existissem algumas que se parecessem com os nossos corpos
e imitassem as nossas acções com maior perfeição possível,
teríamos sempre duas maneiras muito seguras para
reconhecer que elas não seriam, todavia, verdadeiramente
homens. A primeira é que nunca poderiam utilizar palavras
nem outros sinais como nós fazemos, para comunicar aos
outros os nossos pensamentos.
Na mesma linha de raciocínio o filósofo refere, ainda:
Pois pode bem conceber-se que uma máquina seja feita de
modo a articular palavras e até algumas a propósito das
acções corporais que causarão alguma mudança nos seus
órgãos, como por exemplo, se a tocam em qualquer sítio, ela
pergunte o que querem dizer-lhe, ou que grite quando a
afectam, ou coisas semelhantes, mas não que ela as organize
de maneira diferente, para responder ao sentido de tudo o que
se diga na sua presença, como os homens, mesmo os mais
imbecis, podem fazer. A segunda é que, mesmo que fizessem
24
várias coisas, tão bem ou mesmo melhor do que qualquer de
nós, falhariam indubitavelmente noutras, através das quais
descobriríamos que não agiam através do conhecimento, mas
apenas pela disposição dos seus órgãos. Pois, enquanto a
razão é um instrumento universal que pode ser utilizado em
toda a espécie de situações, estes órgãos necessitam de uma
disposição especial para cada acção particular; donde se pode
concluir que é impossível haver numa máquina diversidade
suficiente para fazer agir em todas as circunstâncias da vida,
da mesma maneira como a razão nos faz agir.”
Decartes parecia estar aqui numa estratégia antecipada,
relativamente ao que viria a ser o futuro da relação homem-máquina.
A propósito desta oposição entre o mecânico e o racional e para
tentar entender o modo como estes factores influenciaram a vida do
homem e a arquitectura, disciplina à qual esta relação não é
indiferente, uma vez que depende, na mesma proporção, da
capacidade artística e da tecnologia.
Por seu lado, o mundo clássico, associou a ideia do arquitecto à de
técnico que organizava o trabalho humano. Para Vitrúvio, arquitecto
e engenheiro romano que deixou um conjunto de documentos muito
importantes na sua obra De architectura, o único tratado europeu do
25
período greco-romano que chegou aos nossos dias, não existia
qualquer diferenciação entre o arquitecto e o engenheiro, um
conceito que perdurou até à época moderna.
No entanto, durante a Idade Média, a obra de Vitrúvio não foi
devidamente valorizada pois a arquitectura era considerada como
uma espécie de artesanato, que deveria ser aprendida através da
prática de arquitectos experientes, e entendia-se a classificação das
actividades humanas e de ensino de modo diferente do da
Antiguidade.
O Renascimento, em particular, veio alterar a posição social de cada
uma das artes, e a pintura e a escultura que eram, até então,
consideradas como pormenores da arquitectura tornaram-se actos
independentes.
Desde essa época, houve múltiplas tentativas de normalizar as
disciplinas que se estabelecem como Belas Artes. Especialmente
marcante é a tradução da obra de Vitrúvio por Charles Perrault,
publicada em 1694, um marco na tentativa de aproximar a
26
arquitectura de uma lógica técnico – científica. 8888 A separação, até
então inexistente, entre as artes e as ciências, foi consequência de
um processo de tensão entre os antigos e os modernos. Durante o
século XVIII, ela dá forma ao chamado sistema moderno de artes,
que consistia em agrupar as actividades humanas cujos mistérios
não se podiam quantificar. As Belas Artes, que teriam o prazer como
fim, são separadas das artes híbridas, em que o prazer e a utilidade
se misturam. O primeiro grupo incluía obras de arte onde não se
espera funcionalidade, como a pintura e a escultura, e o segundo
abarcava a arquitectura onde a funcionalidade é fundamental, pois se
uma obra arquitectónica não cumpre esse aspecto pode-se assumir
que se trata de uma obra falhada.
Na verdade, os aspectos funcionais associados aos estéticos e
técnicos condicionaram a arquitectura e colocaram-na entre as belas
artes e as engenharias, o que provocou uma classificação dúbia no
8888 No primeiro impacto, esta tentativa fracassou, pois a influência de Perrault na
arquitectura não foi grande, no entanto, o facto mais importante foi ter iniciado um
processo de debate como se pode verificar no seu livro Parrallèles des Anciens et
des Moderne en ce qui regarde les Arts et les Science (1688-1697).
27
âmbito destas duas profissões, e apesar de não se pretender
constituir, nesta retrospectiva, a história de como a profissão se
bifurcou na vertente estética e técnica, convém referir um marco
importante que foi a fundação em França, em 1795, da Escola
Politécnica para formar engenheiros, algo completamente distinto da
Escola de Belas Artes, cuja missão era ensinar os futuros
arquitectos.
Todo o século XIX esteve condicionado por uma polémica em que as
rivalidades profissionais se cruzavam com as correntes de
pensamento e com os conflitos políticos e culturais, e muitos
arquitectos tentaram procurar um estilo da época, reproduzindo ou
não a variante da história, enquanto que os engenheiros enobreciam
as suas construções com uma mistura ecléctica e valorizavam a
vertente técnica.
Pareceu-nos oportuno enquadrar, agora, esta questão entre o
arquitecto e o engenheiro pois, como se irá perceber a polémica
estende-se ao século XX, e ao longo deste trabalho vamos constatar
a importância da engenharia no processo conceptual da arquitectura.
Na sociedade da época existia já uma grande aceitação da
importância do progresso científico e técnico, no entanto podemos
afirmar que a adesão não podia ser considerada total, porque se era
28
um facto que as máquinas eliminariam a parte mais penosa do
trabalho humano, permitindo aumentar a riqueza dos povos, e
contribuindo de forma particular para o desenvolvimento da
sociedade, a verdade é que esta assunção não era partilhada por
todos da mesma maneira, e, paralelamente, existia também uma
critica feroz à máquina, que se vinha desenvolvendo desde a
influência do romantismo.
O romantismo negava a máquina por entender que esta se opunha
ao sentido da vida e da criação, desenvolvendo a linha de
pensamento que, ainda nos nossos dias, continua a povoar reflexões
sobre a sociedade e sobre a vida do homem, perspectivando uma
humanidade alienada pela máquina que, contudo, é fruto da sua
própria criação.
Conforme vamos verificar ao longo do desenvolvimento deste trabalho
vários ramos do conhecimento continuaram a fazer da máquina um
princípio fundamental para entender o mundo. Segundo Eduardo
Subirats (1987, p. 53) a máquina é, assim, uma peça fundamental na
cultura ocidental, defendendo inclusive que:
(…) desde Descartes la máquina ha sido concebida en la historia
de la cultura occidental como la expresión máxima y el medio
decisivo del poder humano sobre la naturaleza y, en
29
consecuencia, como un instrumento emancipador.
Por exemplo, para Francastel (1956, p. 15):
Comme toute les autres formes de l’activité humaine, l’art a été
profondément influencé depuis un siècle par le développement
immense d’une civilisation mécanique. (…) Une idée très
généralement admise est que le fait dominant de notre époque
consiste dans la détermination soudaine et absolue par la
machine des conditions de l’existence humaine.
É esta valorização dos diferentes ramos da ciência e da arte
relativamente à máquina, que nos obriga a uma reflexão mais
profunda sobre o desenvolvimento que ao longo do século XX, a
máquina teve, e continua a ter, na evolução do homem e em
particular na arquitectura ao longo do século XX.
30
2 . 2 . C O N C E I T O S C O N T R A D I T Ó R I O S
2 . 2 . 1 . E V O L U Ç Ã O T É C N I C A
A partir da segunda metade do século XIX, o processo evolutivo de
artificialização da natureza ganha uma dimensão especial, e um
conjunto de transformações, nomeadamente o fascínio pela
máquina, aponta, decididamente, para uma cisão entre o natural e o
artificial. De facto, se é certo que o natural e o mecânico nem sempre
foram antagónicos e que houve épocas na história da humanidade
em que se identificavam em paralelo, mais difícil é precisar quando
estes dois conceitos se tornaram, efectivamente, antagónicos, como,
aliás, é comprovado pela posição de alguns autores
contemporâneos.
Na opinião de Mumford (1969a, capítulos 1), os grandes progressos
técnicos começaram a cristalizar por volta do século XVI, devido à
dissociação do anímico e do mecânico, questionando, este autor, se
a maior dificuldade encontrada no processo desta dissociação não
seria a persistência na maneira de pensar animista.
Já Montaner (2002, p. 22), por exemplo, defende que este fenómeno,
que caracterizou particularmente grande parte da cultura industrial, é
mais recente: “no séc. XIX com o predomínio do racionalismo
31
positivista, provocou nos países industriais europeus uma cisão entre
o artificial e o natural, uma contraposição irreconciliável entre a
indústria e a agricultura”.
Apesar de não se poder precisar um momento especifico no qual
este processo de dissociação se verificou, facto que não nos parece
de relevância excepcional para a nossa análise, vamos optar por
situar a problemática no final do século XIX e no início do século XX,
época em que o factor técnico foi determinante na relação entre o
homem e a natureza. Efectivamente, a evolução técnica foi um
elemento fundamental na forma de pensar e de construir o espaço e
foi determinante na afirmação da arquitectura relativamente à
natureza, afirmação esta que decorre do modo como o homem
manipula as matérias construtivas.
No final de século XIX surge um novo elemento construtivo – o
betão9999, que vai determinar de forma irreversível a relação entre o
homem e a técnica. Este material, considerado novo, já tinha sido
9999 Este material tinha sido aplicado pelos romanos e foi uma técnica de construção
muito importante a partir do século I d.c. contudo caiu no esquecimento e só voltou a
ser divulgado por volta de 1800 no livro de Rodelet, Art de Bâtir.
32
aplicado anteriormente e voltou a ser redescoberto em França, no
entanto as suas possibilidades permitiram-lhe, desde logo, uma
rápida divulgação e a partir de 1832, são efectuadas várias patentes
relativas a combinações que apontavam para o betão armado.
O impacto deste material foi enorme, construíram-se estruturas de
grandes vãos, até então impensáveis, o espaço ganhou uma nova
dimensão e os edifícios adquiriram uma grande leveza. As novas
possibilidades do betão, combinadas ou não com ferro, traziam para
a ribalta a figura do engenheiro e, segundo François Coignet, a
Exposição Internacional de 1855 confirmava que o cimento, o betão
e o ferro estavam destinados a substituir a pedra.
Sem dúvida que a utilização do betão, na arquitectura, foi
notoriamente um dos aspectos mais importantes no processo de
habitar, já que as possibilidades técnicas deste novo elemento
construtivo determinam a relação entre o homem e o espaço. Com
efeito, a arquitectura do século XX não se pode definir sem se
perceberem as possibilidades espaciais produzidas a partir do
emprego do betão que veio instituir um conceito revolucionário e de
vanguarda. Este material permitia a produção em quantidade a
custos reduzidos, possibilitava criar elementos pré-fabricados que
facilitavam o processo de execução, vencia grandes áreas com
33
estruturas simples, consolidava a ideia da construção tecnicamente
funcional e, fundamentalmente, permitia através das características
estruturais e da sua plasticidade, associar o trabalho criativo do
homem à ideia de máquina.
Mas se por um lado o progresso técnico era uma constante, e se os
avanços tecnológicos se iam sobrepondo às técnicas tradicionais ou
artesanais, é preciso constatar que por outro lado existia, também,
um movimento forte que apontava em sentido contrário.
Na realidade, em paralelo com o desenvolvimento técnico do século
XIX, o organicismo assumia-se como uma doutrina que compara as
formas de organização e de funcionamento das sociedades com as
dos seres vivos, e que formulado a partir da ideia de organismo,
considera a vida como um resultado organizado, estabelecendo
analogias com os organismos vivos, em oposição aos seres
inanimados e às máquinas.
Por conseguinte, a arquitectura orgânica procura as formas do
mundo orgânico, dos organismos vivos presentes na natureza e
estabelece sempre, uma analogia com a vida, procurando sobretudo,
“imitar a necessidade de adaptação, crescimento e desenvolvimento
das formas da natureza.” (Montaner, 2002, p.20)
Importa notar que apesar de alguns arquitectos e teóricos
34
contemporâneos caracterizarem de modos perfeitamente distintos o
organicismo e o maquinismo, como por exemplo Montaner que
dedica a primeira e a segunda parte da sua obra As formas do século
XX, respectivamente, a organismos e a máquinas, não podemos
entender estes dois temas como simplesmente antagónicos. Por
exemplo Collins (1970, p.161) em Los Ideales de la Arquitectura
Moderna, su evolucion (1750-1950) na terceira parte dedicada ao
Funcionalismo, considera nos dois primeiros capítulos: la analogía
biológica, como uma das ideias na doutrina arquitectónica que se
começou a desenvolver por volta de 1750 10101010 e a analogia mecânica,
como uma doutrina utilizada durante o século XIX:
De las diversas analogías utilizadas durante o siglo pasado para
aclarar los principios de una nueva arquitectura, probablemente
la única que tuvo una importancia igual a la analogía biológica
fue la analogía establecida entre edificios y máquinas.
10101010 Esta época foi também marcada por importantes livros cientificos: “Species
Plantarum de Linneo (1753), en el que todo el reino vegetal se clasificaba con pares
de nombres o estilos de acuerdo com la disposición de los órganos reproductivos de
la hembra , y La Histoire Naturelle de Buffon (1947), vasto compendio general de las
leyes que gobiernan el universo.” (Collins, 1970, p.151)
35
As manifestações arquitectónicas são, sempre, meios de
transmissão cultural e, neste sentido, são testemunhos
inquestionáveis dos ideais do trabalho artístico da sociedade, da
época e dos contextos culturais em que foram produzidos.
Assim, torna-se necessário estudar algumas obras e autores numa
análise comparativa entre épocas e contextos culturais diferentes,
enquadrando-os com conceitos ideológicos e perceber como
influenciaram o universo da arquitectura.
36
2 . 2 . 2 . P R O B L E M Á T I C A N O S M E I O S A R T Í S T I C O S
Assim, apesar deste estudo não se referir ao século XIX, em
particular, parece-nos pertinente explorar a problemática instalada,
no final daquele século, relativamente ao fenómeno máquina na
sociedade, nomeadamente, analisar a posição de alguns autores,
como é o caso de Ruskin e Morris.
Ruskin foi um polémico escritor que defendia a ideia de uma vida
baseada na simplicidade e isenta de vícios. Classificava
negativamente a máquina e o que ela representava, referia-se “às
cidades industrializadas do seu tempo, nas quais do seu ponto de
vista, a felicidade do Homem sucumbe por entre as fábricas e o ruído
da máquina” (Spinozzi, 2006, p. 231) 11111111, e revoltava-se contra as
consequências negativas do desempenho de tarefas executadas de
forma mecânica que, em sua opinião, contribuíam para a infelicidade
dos trabalhadores e para a decadência das sociedades.
11111111 Tradução livre: Spinozzi, Paola, Art and Aesthetics in Utopia: William Morris’s
Response to the Challenge of the People, in Marinela Freitas e Fátima Vieira Utopia
Matlers: Theory Politics Literature and the Arts.
37
Esta ideia já estava presente, uns anos antes, no capítulo The Nature
of Gothic incluído no The Stones of Venice 12121212 (1851-1853), uma obra
em cuja primeira edição se apelava, de forma persuasiva, à
importância da preservação das obras de arquitectura. Contudo, no
prefácio da terceira edição, Morris (1800) lamenta que tal não esteja
a acontecer e, em The Seven Lamps of Architecture, no prefácio de
uma das várias edições percebe-se um total desencanto decorrente
do facto das heranças arquitectónicas continuarem a não serem
preservadas de modo digno.
Ruskin, para além de escritor, tinha também estudado pintura e
arquitectura, era membro do Brotherhood, 13131313 e foi um dos primeiros a
compreender que os fundamentos da arte, na sociedade, estavam
muito fragilizados com a revolução industrial, pois entendia a obra de
arte, e em particular a arquitectura, como uma expressão da
12121212 Esta obra de Ruskin apresenta-se como resultado de um trabalho rigoroso e
refere as dificuldades que o autor teve em caracterizar os edifícios de Veneza, uma
vez que a maior parte tinham sido alvo de sucessivas restaurações que por vezes
aboliram por completo o seu traço original.
13131313 Os objectivos deste grupo pré-rafaelita, fundado em 1848, consistiam em alcançar
o sentido de beleza que caracterizava épocas passadas.
38
mentalidade humana, defendendo a arquitectura de outros tempos
como uma força vital, semelhante ao poder renovador da natureza.
O facto de ser professor na Universidade de Oxford influenciou toda
uma geração de estudantes e Matteson, por exemplo, apoiado nas
teorias defendidas por Ruskin, sublinha essa ideia num trabalho
sobre estética e ética da arquitectura. (Matteson, 2002)
A atitude de Ruskin, fortemente ligada à estética, fazia com que
defendesse a importância da arte e da beleza numa sociedade que
considerava fortemente industrializada e que, por via dessa situação,
instituía a fealdade na vida quotidiana dos cidadãos. Os motivos de
Ruskin para esta aversão à máquina eram, assim, essencialmente de
natureza estética, de defesa convicta da importância da beleza e da
arte, e o seu trabalho foi fundamental para criar uma situação de
compromisso entre uma realidade complexa, que a arte enfrentava, e
a sua total emancipação como fenómeno artístico.
Ruskin foi um dos primeiros a criticar as estações de caminho de
ferro e o Palácio de Cristal, símbolos da nova era, e só aceitava a
ideia de que as máquinas podiam ser necessárias e úteis como os
“escravos que serviram para poupar trabalho ao homem, para uma
39
autêntica economia de trabalho, mais pesado e exaustivo” 14141414. (Crane,
1892 apud Pevsner, 1936, p.27)
Nesta postura vislumbra-se uma certa abertura para a aceitação da
máquina, no entanto não nos podemos esquecer que as suas ideias
confluem com as de Henry Moore, um dos poucos artistas do século
XX que manteve uma posição assumidamente humanista e de forte
relação com a natureza, recusando a postura do artista intelectual e
valorizando o artista artesão, pois, na perspectiva de Moore, não se
podia executar uma escultura sem o prazer da arte, sem o prazer de
sentir os materiais.
Esta era uma posição também partilhada por William Morris que se
preocupava com as consequências da revolução industrial,
principalmente, com o desaparecimento do artesanato e com o
protagonismo do trabalho mecânico em detrimento do prazer do
trabalho manual.
Morris desvalorizava a posição do artista intelectual e as formas de
inspiração, enquadradas em determinados período de tempo: “Toda
essa história de inspiração é puro disparate”, dizia ele: “não existe tal
14141414 CRANE, Walter. 1892. The Cleims of Decorative Art. London : [s.n.] .p.65.
40
coisa o que importa é o trabalho manual”.15151515 (Mackail, 1899 apud
Pevsner, 1936, p.23).
Morris culpava a massificação industrial e a redução do trabalho
individual pela degradação do património arquitectónico e, nesse
âmbito, integrou a Society for the Protection of Ancient Buildings, que
defendia uma cumplicidade idêntica para a vida e para a arquitectura,
que se pretendiam ambas afastadas da máquina. Contudo, na área
da arquitectura, Morris estava mais preocupado com a integração
urbana dos edifícios do que propriamente com as suas
características formais.16161616
15151515 Mackail, J. W. 1899. The Life of William Morris. London, p.186. Reeditado nos
World’s Classies, 1950. Em 1910-1915 May Morris publicou Collected Works,
acrescentando-lhe dois volumes de bibliografia: William Morris Artist, Writer,
Socialist, 1936. As cartas de Morris foram publicadas em 1950, por P. Henderson,
London. As palestras de Morris foram reeditadas em 1992,The Complete Work’s of
William Morris.
16161616 Sobre este assunto Margarida Barata, conclui com base na Introdução de William
Morris: A Life of Our Time de Chris Miele que os ensaios de Morris se baseavam,
sobretudo, em emoções e não em fundamentações teóricas, talvez pela deficiência
de conhecimentos arquitectónicos, embora nos seus tempos de juventude se tenha
interessado pelo estudo da arquitectura.
41
Morris rejeitava os valores da era industrial que caracterizavam o
período vitoriano e defendia que a arte devia ser partilhada por todos
como um bem essencial, colocando uma questão relativa ao destino
da arte no século XX: “Que interesse pode ter a arte se não puder
ser acessível a todos?”17171717, (Mackail, 1899 apud Pevsner, 1936, p.22)
pois para ele a arte não devia ser um privilégio dos ricos. No livro
The Prospects of Architecture in Civilization (1881) apresentou as
suas ideias e proclamou que todos, sem excepção, deviam ter direito
a uma habitação digna e a usufruir da beleza e da funcionalidade dos
objectos de uso comum.
A sua percepção de arte derivava do conhecimento que possuía do
trabalho medieval, que surgia para ele como modelo de autenticidade
e de inspiração. Esta arte, influenciada pelo artesanato gótico,
conduzia, no entanto, a um novo conceito: “a verdadeira arte deve
ser feita pelo povo e para o povo, como uma bênção para quem a faz
e para quem a desfruta” 18181818 (Morris, 1914 apud Pevsner, 1936, p.23),
17171717 MACKAIL, J. W.. 1899. The Life of William Morris. London : [s.n]. p.99.
18181818 MORRIS, William. 1992. The Collected Works of William Morris. XXII, London :
Thomas Press. p. 47, 50, 58, 73, 80.
42
Nota-se nesta posição uma postura inovadora que reflecte as suas
ideologias socialistas, embora, na prática, a arte pelo povo e para o
povo na prática não se traduzisse numa situação linear e
apresentasse algumas contradições que decorriam, sobretudo, do
facto de parecer impossível uma arte economicamente viável.
Mas o trabalho de Morris não se limitou ao plano teórico e com a
fundação da firma Morris; Marshall & Faulkner vai-se assistir ao início
de uma nova etapa na arte ocidental, já que, neste espaço, se
reuniam várias áreas associadas às belas artes, pintura, gravura,
mobiliário e metais, que desenvolveram todo um trabalho com efeitos
positivos e inovadores nos diversos ramos da produção comercial.
Apesar de Morris ter considerado ao longo da sua vida “a máquina
seu inimigo fidigal: a produção mecânica como condição de vida é
um mal absoluto” 19191919 (Morris, 1914 apud Pevsner, 1936, p.26),
percebe-se nos seus últimos discursos uma atitude mais cautelosa e,
de certa forma, oposta aos seus discursos iniciais, chegando mesmo
a afirmar que devíamos tornar-nos “senhores das nossas máquinas e
usá-las como instrumentos para conseguir melhores condições de
19191919 CRANE, Walter. 1892. The Cleims of Decorative Art. London : [s.n.]. p.335-336.
43
vida”20202020 (Morris, 1914 apud Pevsner, 1936, p.26). Esta aparente
contradição pode ser interpretada de diferentes ângulos porque se
Morris, por um lado, teve consciência de que o design era importante
na melhoria da qualidade de vida, um aspecto relacionado com a
função prática e a dimensão material, por outro lado, também, não
desprezou a função estética na sua dimensão espiritual.
Note-se mais uma vez que as ideias de Morris não eram partilhadas
por todos e que existiam diferenças significativas no entendimento
que se fazia da máquina. Na época existiam já algumas posições
que se aproximavam do que viria a ser a realidade do futuro,
nomeadamente, por parte de Lewis Day e de John Sedding Day,
conhecido arquitecto da escola revivalista gótica. Lewis Day era um
contemporâneo de Morris que, em 1882, com uma postura
completamente diferente da dele, relativamente à máquina, afirmava:
“Quer queiramos quer não, as máquinas, os motores a vapor e a
electricidade tanto quanto agora podemos saber, virão a ter qualquer
coisa que ver com a futura arte decorativa”. Este desenhador
industrial entendia que: “O público praticamente já decidira que
20202020 CRANE, Walter. 1892. The Cleims of Decorative Art. London : [s.n.]. p.179.
44
preferira o trabalho mecânico (...) por mais que protestemos que ele
escolheu mal, nunca conseguiremos que nos prestem grande
atenção”. 21212121 (Day, 1882 apud Pevsner, 1936, p.28).
Continuando a fundamentação deste ponto de vista, Sedding,22222222
(1893 apud Pevsner, 1936, p.28-29), dez anos mais tarde, viria a
exprimir uma posição idêntica:
Não devemos pensar que deixarão de usar as máquinas. É
impossível organizar a manufactura em qualquer outra base.
Vale mais reconhecermos isto de maneira inequívoca (...) do
que revoltarmo-nos contra um facto real e inevitável.
Como temos vindo a comprovar coexistiram, nesta altura, ideias com
diferenças significativas relativamente ao modo como se abordava o
tema da máquina, no entanto todas elas foram veículos, igualmente
importantes, de transmissão cultural e todas elas influenciaram o
futuro da arte e da arquitectura.
21212121 DAY, Lewis. 1882. Every–day Art: Short Essays on the Arts Not so Fine. London :
[s.n.].
22222222 SEDDING, John Day. 1893. Art and Handicraft. London : [s.n].
45
Na época, muitos seguidores de Morris mantiveram uma idêntica
atitude negativa em relação aos modernos modelos de produção. O
movimento Arts and Crafts,23232323 defendia a renovação do artesanato
artístico, em particular, um dos representantes desta orientação,
Walter Crane, o mais conhecido dos discípulos de Morris, também
recusava a produção mecânica, pois, para ele “a verdadeira base, as
verdadeiras raízes estão no trabalho manual” 24242424 (Pevsner, 1936,
p.26), tal como Morris tinha referido anteriormente.
Outro seguidor de Morris e Crane, Ashbee, entendia que o trabalho
manual era a condição essencial da cultura artística, quer da
arquitectura quer das outras artes, pelo que todos os objectos
deviam ser produzidos em boas condições, sendo que, para ele, a
23232323 Ideologia que surge na Grã Bretanha, como resposta ao efeito da industrialização
que tratava o trabalhador como um autómato, provocando a degradação da
qualidade dos objectos, a finalidade consistia em adaptar os objectos às funções, a
característica estilística derivava de formas simples através de motivos lineares e
orgânicos e as fontes de inspiração eram a arte gótica, formas naturais de plantas e
de animais.
24242424 Este tema foi amplamente debatido em 1888, na primeira exposição conforme se
pode comprovar no catálogo da Arts and Crafts Exihibition Society. p.7.
46
arte para o uso quotidiano não podia ser barata, e Ashbee, mais
original e reformador do que Crane, irá fundar a Guild and School of
Handieraft.
A escola irá divulgavar as suas ideias e apesar da sua postura ser,
nalguns aspectos, ainda mais influenciada pelo artesanato medieval
do que a de Morris, existe uma atitude aparentemente mais
progressista. Se analisarmos os discursos de Ashbee, pode-se
observar uma evolução relativamente ao modo como entendia a
produção mecânica, apresentando, no início, uma atitude quase
idêntica à de Morris e Crane, “não repudiamos a máquina”25252525
(Ashbee, 1901, apud Pevsner, 1936, p.27) e advogavando
“acolhemo-la até muito bem. Desejamos simplesmente que ela seja
dominada”, para alguns anos depois, em 1910, romper com as suas
ligações a Ruskin e Morris, ao escrever dois livros em que manifesta
uma posição mais disponível para acolher o fenómeno mecânico: “a
civilização moderna depende da máquina e não é possível a
qualquer sistema que dependa da máquina, encorajar ou favorecer o
25252525 ASBHEE, Charles. 1901. Endeavour towards the Teachings of J. Ruskin and W.
Morris. London : [s.n.]. p.47.
47
ensino das artes deixar de reconhecer este facto”. 26262626 (Ashbee, 1911
apud Pevsner, 1936, p.28)
Nesta fase de transição do século, é interessante notar a importância
da máquina no fenómeno artístico, em geral, e um facto
inquestionável é que, independentemente de uma maior ou menor
adesão ou mesmo de renúncia total, a máquina esteve presente nos
discursos e nas doutrinas, reflectindo-se como fenómeno emergente
na sociedade.
Constatamos que, até aqui, a influência inglesa, nesta fase de
transição em que o fenómeno da máquina emerge na sociedade e
influencia os acontecimentos ao nível da arquitectura e da arte, foi
fundamental, no entanto, após a morte de William Morris, os
principais acontecimentos vão se desenvolver no continente e nos
Estados Unidos da América.
26262626 ASBHEE, Charles. 1911 Should We Stop Art Teachings Art? London. p.4. ,
ASBHEE, Charles. 1917. Where the Great City Stands. London. [s.n.]. p. 3.
48
3 . T E N D Ê N C I A S E M E R G E N T E S
Na transição do século percebemos que em torno do tema da
máquina desenvolveram-se várias posições, relativamente ao modo
como ela marcou a arquitectura do século XX.
Os que valorizaram as questões do natural não desprezando a
técnica, pois foi através de elementos naturais que surgiram os
pretextos com que construíram as suas formas orgânicas, como é o
caso de Steiner, e os valorizaram uma vertente mais funcional e mais
racionalista, numa total analogia com a máquina, como é o caso de
Wittgenstein. A máquina surgia, ainda, associada a movimentos de
vanguarda, como foi o caso do futurismo italiano e do construtivismo
russo.
Nesta análise, como já foi referido, pretende-se demonstrar que a
arquitectura nunca esteve, apenas, dependente ou do orgânico ou do
mecânico, sendo bastante interessante notar que apesar de muitos
autores se preocuparem com a integração da máquina na arte e com
as consequências operativas desse processo de integração,
nomeadamente, com a problemática do artista, nem todos
partilharam das mesmas preocupações, o que não impediu a
construção de um trabalho efectivamente válido.
49
3 . 1 . O O R G A N I C I S M O D E S T E I N E R
Veremos a seguir o trabalho de Rudolf Steiner (1861-1925), cujas
ideias contrastam com as da maioria dos seus contemporâneos, na
medida em que valorizam as formas do mundo orgânico e dos
organismos vivos, procurando estabelecer uma analogia entre a
arquitectura e a natureza, e em que as características da natureza
são entendidas na sua plenitude: adaptação ao meio, crescimento e
desenvolvimento.
Apesar da sua formação técnica em engenharia, Steiner interessava-
se pela filosofia e pela literatura, em particular pela obra de Goethe 27272727
27272727 Figura importante da literatura alemã (1749-1832), um dos líderes do movimento
literário romântico alemão, desenvolveu trabalhos na área da botânica. O seu
Figura 1
Desenhos de Goethe como resultado da observação da metamorfose da planta arquetípica.
50
(1749-1832), figura da literatura alemã e mundial a viver em Weimer,
e que Steiner chega a considerar, numa conferência, “Goethe, pai da
nova estética”. (Rodrigues, [s.d.], p.14)
A investigação sobre a obra de Goethe,28282828 nomeadamente, a
observação das plantas, das cores e o grande interesse por um
conhecimento interdisciplinar influenciou de forma determinante o
trabalho de Steiner e os seus projectos, compostos por formas
orgânicas, apresentavam analogias com organismos vivos onde se
percebiam princípios de organização interna e tipos de
funcionamento de corpos vivos.
trabalho estendeu-se a várias áreas e a sua análise fenomenológica não se resumia
à botânica, mas também à teoria do conhecimento, entre outras.
28282828 Segundo Collins (1970, p. 152): “Goethe, que en sus tiempos era tan famoso
científico como poeta, inventó en la miesma época la palabra morfología. Siendo
poeta, entendió el término morfología con un sentido mucho más amplio que el que
damos hoy (cuando los temas a estudiar se limitan a la comparación relación de
estruturas vivientes y su desarrollo, incluyendo las formas inanimadas como los
minerales. Esto (…), fue un elemento de confusión en la analogía biológica, pues,
desde sus inicios, no se sabía si la morfología se referia a estruturas vivientes, o a
estruturas de crecimento.”
51
Efectivamente, a observação do fenómeno da vida e a metamorfose
dos seres vivos era indispensável ao processo artístico de Steiner,
um princípio que vai presidir ao desenvolvimento do seu trabalho e
que, baseado na postura filosófica e anti-mecanicista de Goethe, se
opunha ao conceito mecânico que implicaria, sempre, um processo
estimulado a partir de impulsos exteriores.
Do mesmo modo que outros contemporâneos discutiam o paradigma
da máquina, Steiner considerava o homem o elemento fundamental
do universo e é com base nesta teoria que cria o movimento cultural,
a Antroposófia, que significa a sabedoria do homem enquanto ser
composto de corpo, alma e espírito.
A Antroposofia propunha um entendimento do ser humano e do
cosmos, incentivando o trabalho de meditação e de percepção do
mundo consciente, para que os conhecimentos antroposóficos
pudessem contribuir para a redescoberta das fontes espirituais que a
ciência, entretanto, tinha esquecido.
52
Steiner deu conferências nas maiores cidades da Europa e em 1924
fundou, na Suiça, o movimento Antroposófico Universal, 29292929 para
todos os que se preocupassem com a vida anímica, dos indivíduos
ou da sociedade, com base num profundo conhecimento do mundo
espiritual.
Na Suíça, Steiner constrói entre 1913 e 1920, o primeiro de dois
Goetheanum, um edifício de componente fortemente plástica,
destinado a albergar a Sociedade Antroposófica Geral, instituição
que comportava a Universidade Livre e a Ciência Espiritual, com
sede no Dornach. Os edifícios foram projectados por Steiner, tendo o
mais importante sido chamado de Goetheanum que, inicialmente, era
em madeira mas que após um incêndio na noite de S. Silvestre em
1923, foi reconstruído em betão armado.
Os Goetheanums eram inspirados no princípio da metamorfose e no
descobrimento da planta primária, como aparecia nos textos
científicos de Goethe, e nos dois projectos percebia-se claramente
29292929 A partir desta época, esta ciência espiritual foi aplicada a diversas áreas, na
medicina antroposófica, na pedagogia Waldorf, na euritmia, na terapia artística e na
arquitectura entre outras.
Figura 2
Primeiro Goetheanum.
Figura 3
Dupla cúpula do primeiro Goetheanum.
53
uma linguagem orgânica. O primeiro era composto por duas cúpulas
interligadas, de tamanhos diferentes, assentes em dois cilindros e
uma plataforma. O segundo, também projectado por Steiner, foi
inaugurado em 1928, já depois da sua morte, e assemelhava-se a
um grande organismo vivo integrado na envolvente, e reflectia
formas expressionistas. Próximo do edifício central, na zona de
intervenção urbanística, existe uma série de edifícios, como a Casa
Duldeck, com uma forma idêntica à do Goetheanum, a Casa de Vidro
e a Fábrica de Calefação, que também apresentam formas orgânicas
e holísticas, na mesma linguagem do Geotheanum.
Nos Geotheanums percebe-se a metodologia de Goethe que tanto
intrigava Steiner, “Goethe via claramente que um organismo não
podia ser um objecto inanimado, pois, ele contém algo mais do que
as forças da natureza inorgânica.” (Rodrigues, [s.d.], p.28)
Assim, segundo este autor, Goethe procura no reino vegetal o
princípio activo que tanto intrigava Descartes:
No domínio da natureza o essencial é a ideia de vida. Quer
dizer a observação do organismo vivo integral e não as suas
partes inanimadas (...) o cadáver não é o animal inteiro. Falta-
lhes neste caso, uma parte capital, a parte essencial: a vida.
(Rodrigues, [s.d.], p. 29)
54
Em ambos os Goetheanums, percebe-se uma analogia biológica que
vai para além das imagens formais, pois cada parte do edifício tinha
sentido em relação ao todo, ao mesmo tempo que cada parte se
metamorfoseava em outra, tanto em planta como em volume, ou
mesmo nos detalhes.
A admiração profunda pela obra de Goethe, e voltamos a insistir na
observação das plantas, nas cores e no grande interesse pelo
conhecimento interdisciplinar, povoa, constantemente, o trabalho de
Steiner. Os seus projectos, como já referimos também, eram
compostos por formas orgânicas e apresentavam analogias com
organismos vivos, nas quais se percebiam princípios de organização
interna e tipos de funcionamento de corpos vivos; no entanto, isto
não quer dizer que desprezasse as questões técnicas e construtivas,
ou até, a sua formação de engenheiro na Escola Politécnica de
Viena.
Aliás, podemos verificar estas duas vertentes, técnica e orgânica,
desde o início da sua vida profissional, como é o caso do projecto de
Johannesbau em Munique, que comportava vários modelos
experimentais e cujo “projecto inicial nasce essencialmente de uma
Figura 4
Comparação entre as estruturas edificadas e a estrutura do corpo humano.
55
dinâmica vinda do interior”. Segundo Hartmann 30303030 (1973, apud
Rodrigues, s.d, p.16), Steiner desejava que “o edifício ficasse todo
coberto com terra onde nascesse erva”, contudo, em simultâneo com
a vertente orgânica, este projecto apresenta, também, uma
componente técnica e científica muito forte, pois a sua concretização
implicava a construção de uma cúpula que cobria um auditório único
para mil pessoas, uma verdadeira inovação tecnológica para a
época. Este projecto revelou-se deveras importante já que os
modelos experimentais que concretizou, foram determinantes para a
concepção formal e funcional do Goetheanum.
Apesar das obras mais conhecidas de Steiner serem o primeiro e o
segundo Geotheanums, existem outros edifícios onde se verificam
relações interessantes entre a forma como conciliava a organicidade
plástica e os factores técnicos. Podemos, inclusive, constatar que
sem os avanços tecnológicos que aconteciam um pouco por todo o
lado, o carácter orgânico das suas formas seria provavelmente
impossível de concretizar, pelo que vamos referir, ainda, outros
projectos que reflectem estas duas vertentes.
30303030 HARTMANN, Georg. 1973. Les vitraux du Goetheanum. Dornach : Philosophisch
Anthrposophischer Verlag. p.10
Figura 5
Ideia inicial de cobrir o primeiro Goetheanum.
56
Com efeito, no ano do início da construção do primeiro Goetheanum,
Steiner projecta o Euritmeu, desenvolvendo uma linguagem
perfeitamente distinta. Neste projecto, ele vai experimentar novas
técnicas e o betão possibilita-lhe uma plasticidade completamente
diferente da utilizada no primeiro Geotheanum, construído em
madeira, e consegue, assim, uma obra em que a organicidade e a
funcionalidade técnica se cruzam reciprocamente.
No ano seguinte, constrói a Glass Haus que a partir de uma lógica
decorrente das proporções históricas, apresenta uma linguagem
plástica específica, marcada por uma forte componente orgânica,
onde está presente a ideia global da obra, controlando-se os
detalhes de todas as partes como, por exemplo, das portas e dos
respectivos fechos.
Duma forma geral, podemos afirmar que a obra de Steiner é
influenciada por analogias com os seres vivos e pelos seus
conhecimentos interdisciplinares, contudo, as suas obras para além
de proporcionarem ao homem um lugar para habitar - a função
existencial da arquitectura, proporcionam também uma perfeita
adequação entre a forma e a função reflectindo, ainda, a
57
funcionalidade técnica. 31313131Isto mesmo, pode-se constatar na Casa
Armazém de Livros, projectada em 1913, um edifício de formas
simples em que o projecto estava determinado pela função e os
próprios conceitos eram gerados pela especificidade do programa.
Outros exemplos, do que acabamos de referir, são as três habitações
Euritmistas de 1921, pois combinam um programa funcional com
uma linguagem plástica. “São edificações de carácter utilitário mas
que pela sua forma explicitariam emblematicamente a arte do
movimento de que se ocupavam os utentes”. (Rodrigues, [s.d]., 22)
Apesar de Steiner não ter manifestado particular interesse pelas
questões inerentes ao fenómeno da máquina e aos processos de
produção industrial que lhe estavam associados, como o caso da
estandardização, é importante referir que a casa Ita Wegman é um
31313131 Segundo Collins (1970, p.153): “Cuando se aplicó la analogia biológica a la teoria
del arte, el problema de forma y función se dejó de lado centrándose el interés en el
modo de crecimiento de las formas, más que en la manera como trabajan” e
corrobora com as ideias de Coleridge relativamente á oposição entre a forma
mecânica sempre resultante de um processo de premeditação: “La forma orgánica,
por outro lado, es innata, se forma al desarrollarse desde dentro, y la totalidad de su
desarrollo es lo mismo que la perfección de su forma exterior”. (1970, p.154)
58
exemplo que reflecte a integração de um processo de
estandardização no processo de concepção, numa simbiose perfeita
e pouco comum para a época. De facto este projecto propunha um
edifício, organizado em peças desmontáveis, cuja montagem foi
efectuada num estaleiro, possibilitando um processo muito rápido de
edificação que demorou menos de dois meses.
Em 1886, Rudolf Steiner aborda as questões relacionadas com o
estudo da natureza, explorando uma multiplicidade de
conhecimentos e fazendo uma relação entre a prática, a teoria e arte,
numa forma global de pensamento a que Jacinto Rodrigues chamou
intuição imaginativa, um conceito que derivava de um modo de
expressão artística, denominado Gezant Kunst Werk que significava
a Obra de Arte Total, e que Wagner vai mais tarde utilizar para
explicar a multiplicidade de linguagens simultâneas numa obra de
arte, como expressão global da imagem do homem: pensamento,
sentimento e vontade.
Assim, Steiner foi um dos artístas que marcou o panorama
arquitectónico ao longo do século, com repercussões que ainda hoje
perduram, como teremos oportunidade de provar no
desenvolvimento deste trabalho.
59
3 . 2 . R A C I O N A L I S M O D E W I T T G E N S T E I N
A relação de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) com a arquitectura,
apesar de apenas ter construído uma casa, 32323232 justifica-se
plenamente, neste trabalho, na medida em que aquela construção
está de tal maneira ligada à sua filosofia, que a podemos considerar
uma obra decisiva na arquitectura do início do século. Efectivamente,
existe uma relação estreita entre a sua arquitectura e a sua filosofia
para além da simples coincidência de apenas ter construído uma
casa e de, também, apenas ter editado uma obra, em vida, mas que
contribuiu para revolucionar a filosofia, tal como a casa de Viena
revolucionou a arquitectura.
Wittgenstein durante toda a vida trabalhou com máquinas, em 1906
entra para Techinsche Hochschule de Berlim e dois anos mais tarde
para Universidade de Manchester para se especializar em
aeronáutica, chegando mesmo a desenhar um motor a reacção.
32323232 Embora se refira sempre que Wittgenstein só construiu uma casa, ele construiu
também, uma pequena casa em madeira tradicional na Noruega, o seu pequeno
refúgio, para se dedicar ao estudo da lógica, onde viveu entre 1913 e 1914.
60
Contudo, rapidamente, abandona esta vertente técnica, ainda que
mais tarde venha a retomá-la de modo particular aquando da
construção da casa para a irmã, e passa a dedicar-se à matemática,
ingressando na Universidade de Cambridge para estudar lógica com
o filósofo Bertrand Russell. É desta relação entre lógica e filosofia
que vai nascer, em 1921, o seu Tractatus Logico-Philosophicus 33333333
que, embora constasse apenas de algumas páginas, rapidamente
alcançou um grande prestígio e, ainda hoje, continua a fascinar os
filósofos.
Numa primeira leitura do Tractatus poderá pensar-se que
Wittgenstein pretende acabar com a ética, com a religião e com a
filosofia,34343434 tal como na casa parece pretender acabar com o modo
33333333 Escreveu esta obra em 1918 nas trincheiras da guerra em Itália e dedicou-a a um
matemático David Pinsent um estudante que se tornou seu grande amigo e que
morre antes de a obra estar concluída.
34343434 Wittgenstein exerce uma grande influência sobre o Círculo de Viena (a que nunca
pertenceu) e sobre o neopositivismo lógico. O seu projecto consistia em basear a
ciência numa linguagem inteiramente redutível a formulações de observações
directas, e denunciar na metafísica um conjunto de preposições não significantes por
serem experimentalmente inverificáveis....
61
antigo de pensar a arquitectura, libertando-a de estilos e da história,
contudo, numa leitura mais atenta da obra, percebe-se que tenta
preservar a intriga em torno da vida e de tudo o que as palavras não
conseguem descrever.
Tal como na casa, procura e especula em torno da vida e do modo
original de habitar o espaço, procurando dentro da casa a
racionalidade perdida na arquitectura.
Enquanto que no tratado a linguagem e os seus limites são o tema
central, na casa existe também um conjunto de sinais que servem
como manifesto para expressar modos de pensar e de sentir, sendo
que no limite despir a casa do supérfluo é o voltar às origens no
modo do homem habitar o espaço.
No tratado, a linguagem de pensamento referida por Wittgenstein é
comum a todos os homens, independentemente da sua origem e
cultura, já que a realidade ou o mundo são entendidos como
universalmente partilhados pela humanidade e, portanto, apenas têm
um único significado.
O tratado assume uma concepção universal do homem, desprezando
não apenas a história mas, igualmente, as diferentes culturas, tal
como se verifica na casa, e embora sabendo que isto é bastante
ambicioso, podemos considerar que para o mundo ocidental talvez
62
existisse a possibilidade de conceber uma casa de um modo
universal.
É curioso, no entanto, notar que a partir de 1929, Wittgenstein
abandona esta ideia de matriz universal comum a todos os homens,
e fá-la depender cada vez mais da cultura a que está ligada, um
conceito que podemos considerar como o tema de fundo presente na
segunda fase de Wittgenstein.35353535
O projecto da casa de Margarethe Stonborough, irmã de Wittgenstein
situada em Kundmanngasse 19, e que se atribui ao filósofo foi, na
verdade, entregue a um jovem arquitecto Erich Engelmann, 36363636 um
amigo da família, mas como Wittgenstein tinha participado em
conversa nos primeiros esboços, Engelmann vai posteriormente
35353535 A partir de 1930, inicia uma nova fase na filosofia que será consagrada na sua
obra intitulada Investigações Filosóficas, publicada postumamente em 1953, e que
vai exercer uma grande influência sobre a filosofia analítica em geral.
36363636 Discípulo de Adolf Loos, contudo, esta casa veio a revelar-se pelo seu aspecto
anti ornamento, ainda, muito mais radical do que as obras de Loos. Para Loos, o
importante não era o processo de fabricação, se era feito à mão ou à máquina, o
que interessava era a qualidade do produto e se de facto expressava os valores
culturais da época.
Figura 6
Casa de Wittgenstein, fotografia do interior, Viena, (1926-1928).
63
convidá-lo a participar na construção, por lhe parecer que ele
entendia melhor as intenções da irmã. Assim e apesar da proposta já
estar definida quando entrou no processo de construção, a influência
Wittgenstein foi tão grande que ele foi considerado o arquitecto da
casa.
A casa Kundmanngasse foi construída entre as duas filosofias, ou
entre o que se considera ser as duas fases de Wittgenstein, entre o
Tratactus e o Philosophical Investigations, num período no qual
Wittgenstein se tinha afastado da investigação filosófica, Montaner
(2002, p.90) sustenta que:
A casa reflecte a mente clara e ordenadora de Wittgenstein,
preocupado pela conexão entre todos os elementos
inferiores, sem deixar nada isolado, ressaltando com
extrema claridade as estruturas construtivas, espaciais e
mecânicas. Como uma grande máquina, o volume da casa
propriamente dita se eleva por cima de uma imensa
plataforma que ocupa toda a extensão de lote e onde estão
situados a garagem, os depósitos e as instalações, sobre o
qual repousa o jardim elevado.
A construção enquadra-se na ideia de residência da alta burguesia,
espaço de encontro da burguesia com os artistas da cidade. No piso
Figura 7
A casa Wittgenstein em Viena, fotografia e alçados.
64
inferior percebe-se perfeitamente essa situação. 37373737 A casa constitui-
se em corpos construtivos claros e autónomos, encaixados uns nos
outros de telhado plano, sem qualquer ornamentação, sem cornijas
sem balanços, apenas terminados com grandes terraços. A planta
apresenta a forma de um “T” e desenvolve-se em torno de um corpo
central, em torno deste organizam-se diferentes cubos que se lêem
de forma clara e inequívoca. As portas e as janelas eram construídas
em aço e foram especialmente desenhadas para a casa, e os
pormenores foram desenhados em tubo cilindrico curvado, uma
inovação para a época, muito utilizada posteriormente.
Se voltarmos ao Tratactus verificámos que é já perceptível a vontade
de redução ao mínimo essencial, a sua célebre frase: o que se pode
dizer, pode-se dizer claramente, reflecte o posicionamento do
filósofo. De facto, a casa também não tem nada de supérfluo e
apresenta aspectos que se podem, mesmo, relacionar quer com o
racionalismo quer com o futurismo, estaríamos aqui a considerar o
37373737 No piso inferior existe uma sala para concertos íntimos, um salão, uma sala de
jantar, dois terraços e um hall, e um quarto, provavelmente para a dona da casa. O
piso intermédio é o piso dos quartos e dos aposentos do pessoal de serviço, e o
terceiro piso destina-se aos filhos e ao o pessoal dedicado à educação dos mesmos.
Figura 8
Planta da casa de Wittgenstein.
65
que podemos apelidar dum manifesto de vanguarda, na mesma linha
de raciocínio que Montaner (2002, p.90):
Além de ser uma autêntica casa máquina, também é um
mecanismo lógico, um circuito eléctrico baseado em duas
possibilidades, aberta e fechada, um discurso de lógica
filosófica articulado a partir de frases centrais e estruturas
construtivas essenciais. Uma obra manifesto que se
aproxima ao limite minimalista da forma arquitectónica, além
do qual só existe estrutura construção e engenharia.
Em síntese, podemos assumir que Wittgenstein projecta uma
arquitectura despojada, é como se pretendesse um regresso às
origens, uma libertação dos estilos e das decorações precedentes,
eliminando o supérfluo em perfeita analogia com uma máquina, na
qual não existem peças a mais, mas apenas as estritamente
necessárias ao seu correcto funcionamento.
O despojamento é de tal forma evidente que uma outra irmã de
Wittgenstein chegou mesmo a considerar que a lógica se tinha
transformado em pedra, e efectivamente, mais tarde, Wittgenstein
escreveria “la lógica como lenguaje ideal en el espacio sin aire,
recomendando la plática de la filosofía en la lenguaje corriente.”
(Aicher, 1992, p.203)
66
Segundo Aicher (1992, p.204), o Tractatus refere a estrutura da
forma e da série formal em conexão com a formulação do propósito
principal, pelo que “la relación interna que ordena una serie, es
equivalente a la operación mediante la cual un miembro se origina a
partir de otro.”
Para este autor seria interessante entender esta relação como um
principio matemático, contudo nós, no âmbito da temática deste
trabalho, preferimos entendê-la como uma vertente de procura
relativamente ao organismo, em que cada parte funciona em
conexão com as outras, em que cada parte se origina a partir de
outra.
Não há a menor dúvida que a arquitectura de Wittgenstein
denunciava a sua filosofia e aponta para a ideia de máquina de
habitar, todavia, verificamos também que a simplicidade da qualidade
espacial da sua casa obedece a uma racionalidade e a uma ordem
clara que, no entanto, não desprezam a vida humana.
67
3 . 3 . A M Á Q U I N A C O M O E L E M E N T O D E
V A N G U A R D A
3 . 3 . 1 . F U T U R I S M O I T A L I A N O
O futurismo, enquanto movimento, foi consolidado como tal no início
do século XX, em Milão, com o escritor Filippo Tommaso Marinetti,
considerado il nuovi poeti futuristi, a publicar as suas ideias na
primeira página do jornal parisiense Le Figaro, em Fevereiro de
1909, e a constituírem um manifesto que “(...) era un himno de
alabanza a la mecanización total de la vida” (Colquhoun, 2002, p.99),
e que continha ideias que influenciaram e perturbaram artistas em
todo o mundo.
Com efeito, o futurismo foi o primeiro movimento artístico que
colocou a máquina numa posição de excelência, defendendo a
abolição de tudo o que pudesse relacionar-se com influências
tradicionais e propondo uma cultura para o povo, totalmente nova,
baseada num conceito inovador – a máquina.
Na perspectiva deste movimento a máquina passa a ser o novo
símbolo, uma invenção maravilhosa produzida pelo homem que,
68
conforme referido no ponto quatro do manifesto, apela a “uma beleza
nova: a beleza da velocidade”, 38383838 um conceito que vai fazer com que
as forças mecânicas sejam temas frequentes dos primeiros trabalhos
futuristas.
Marinetti, grande impulsionador do movimento, explica as suas ideias
baseado neste conceito inovador e proclama:
A máquina: síntese dos maiores esforços cerebrais da
humanidade. A máquina equivalente mecânico, orgânico do
globo terrestre. A máquina novo corpo quase vivo quase
humano que multiplica o nosso. A máquina produto e
consequência que por sua vez produz infinitas consequências
e modificações na sensibilidade, no espírito e na vida. Não há
salvação, portanto, fora da estética da máquina e do esplendor
geométrico que nós, os futuristas, pregamos e glorificamos há
dezasseis anos. A estética da máquina tem por elementos a
força, a velocidade, a luz, a ordem, a disciplina, o método, a
concisão essencial e a síntese, a feliz precisão das
38383838 Este manifesto foi publicado no jornal Le Figaro em 20 de Fevereiro de 1909,
pode ser consultado na Internet em http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_futurista.
69
engrenagens, a concorrência das energias para uma única
trajectória. (Esthetica Futurista, 1916)
Este texto vai marcar definitivamente a posição do manifesto futurista
e em 1911, no volume Le futurisme, o escritor homenageia O
Homem multiplicado e O Reino da Maquina, realizando-se um pouco
por todo o lado, nesse ano e no seguinte, Exposições Futuristas em
que se percebia a exaltação da máquina.
Na verdade Marinetti trabalhava em colaboração com um pequeno
grupo de escritores e artistas, da área da pintura e da música, e
juntos publicaram um conjunto de manifestos que influenciaram de
forma inquestionável os grupos de vanguarda que se seguiram.
Entre estes inovadores encontramos nomes como Carlo Carrà, Luigi
Russolo, Gino Severini, Giacomo Balla, Umberto Boccioni que em
1910, publicam O manifesto da pintura futurista. 39393939
Deste importante grupo de futuristas destacam-se Boccioni e Balla,
artistas que basearam o seu trabalho no dinamismo plástico,
39393939 Este documento de Umberto Boccioni, Manifesto técnico da pintura futurista foi
mais tarde reimpresso.
70
incorporando um léxico de formas facilmente associadas ao
movimento, à velocidade, à vida moderna e à violência.
Para Balla o conceito de dinamismo tem como base a repetição
rítmica do movimento relativamente ao espaço que, também, está
em movimento, sendo o movimento a velocidade, “a velocidade que
se relaciona com o objecto que se move e o espaço em que ele se
move”. (Argan, 1988, p.441)
Os temas fundamentais para Boccioni desenvolvem-se em
ambientes dinâmicos, em que o observador se envolve com a vida
moderna e cuja referência principal é a máquina. O corpo,
influenciado pelo impulso da velocidade, deforma-se até ao limite da
elasticidade e o artista estuda os efeitos físicos da velocidade na
forma do corpo humano, pretendendo erguer um monumento que
simboliza o Homem da civilização mecânica, um hino ao homem em
perfeita sintonia com a máquina. Este tema é explorado, também, por
Balla em Automóvel e Ruído 40404040,,,, mas de uma forma diferente, com a
máquina a ser concebida para cumprir o seu papel: ser veloz, com as
suas formas dinâmicas a serem absorvidas pela dinâmica do espaço.
40404040 Aquarela, tinta sobre tela 0.71x1,00m, Amesterdão, Stedelijk Museum.
71
Podemos, pois, concluir que os futuristas rejeitaram a arte do
passado e entraram na era moderna, aderindo de forma entusiasta à
máquina, numa nova vertente estética que para além da sua
influência na pintura, na escultura e noutros géneros artísticos,
também se reflectiu na arquitectura, ainda que de forma menos
intensa.
Segundo Allan Colquhoun, (2002,p.110), escreveram-se dois
manifestos de arquitectura futurista no início de 1914: o primeiro
pertencia à vertente romana e foi efectuado pelo jovem Eurico
Prampolini, o segundo por Boccioni, apenas publicado em 1960,
aparentemente porque naquele mesmo ano, em Junho, foi publicado
outro manifesto do mesmo tipo por Antonio Sant’Elia.
Antonio Sant’Elia é considerado o arquitecto futurista por excelência
e quando se tenta investigar este movimento, dificilmente
encontramos outro nome com igual destaque. Sant’Elia estudou em
Milão e Bolonha e abriu um atelier em Milão, cidade fortemente
marcada pelo factor industrial e que acolheu o movimento futurista,
tendo o arquitecto feito parte da academia de Brera onde conheceu o
também arquitecto Mario Chiattone, os pintores Carlo Carrà e Achille
Figura 9
Esquiço para aeroporto e estação ferroviária, 1913-14.
72
Funi e onde vai adquirir, com Guiseppe Mentessi, uma técnica de
desenho que utilizará na sua obra. 41414141 Sant’Elia juntou-se ao
Movimento Futurista aquando da exposição Nuove Tendenze, em
que apresentou um conjunto de desenhos em perspectiva que
representavam a sua arquitectura de futuro, contudo, a relação entre
estes desenhos e o movimento futurista continua a ser objecto de
polémica para historiadores e investigadores.
No Manifesto da arquitectura futurista Sant’Elia expressou
sinteticamente as ideias expressas no catálogo da exposição,
conhecida como Messagio, 42424242 no entanto, é interessante notar que se
o texto se identifica de forma plena com as ideias do movimento, os
desenhos nem sempre apresentam a mesma coerência, situação
41414141 O chamado desenho do barroco tardio que se reflectia num sistema de
perspectivas oblíquas (scena per angolo). Os desenhos de Sant’ Elia têm igualmente
semelhanças com o trabalho desenvolvido por estudantes da Akademie der
Bildende Künstre na Áustria (a Wagners-chule, ou escola de Otto Wagner),
nomeadamente, no desenho da torre de Emil Hoppe (1902).
42424242 Sobre esta exposição em Da Costa Meyer, Esther. 1995. The Work of Antonio
Sant’Elia: Retreat into Future. New Haven : Yale University Press. p. 211.(O capítulo
V apresenta a história detalha do manifesto).
Figura 10
Projecto para aeroporto e estação ferroviária (1914).
73
que segundo alguns autores se deve ao convívio com Boccioni e
Marinetti, chegando mesmo a especular-se a intervenção destes
futuristas na execução do manifesto.
Efectivamente, o carácter estático dos volumes e a monumentalidade
(provocada pela posição exterior do observador) expressos nos
registos deixados por Sant’Elia, contrariam a caducidade, o efémero,
a necessidade constante de renovação, condições fundamentais
para o sucesso da arquitectura futurista.
In the early manifestos, as in the paintings, the cityis a
backdrop on to which the dynamism of Futurism life is
projected, and isolated building are singled out to symbolize
the modern age. (Tisdall, 1977, p.121)
A arquitectura futurista propunha um novo conceito que procurava
dar resposta às novas exigências da vida moderna e criar uma nova
sensibilidade, uma nova estética, em ruptura decisiva com a
continuidade história. Nesta alteração, que se impunha, era
necessário utilizar os novos recursos da ciência e da técnica em
conjunto com os novos materiais e os novos conhecimentos, que
permitiam construções mais ligeiras, mais plásticas, mais dinâmicas.
Sant’Elia desenvolvia, assim, uma visão antecipada da arquitectura
do futuro que não era compatível com as grandes catedrais, com os
74
grandes monumentos ou com qualquer outro edifício clássico ou
tradicional mas que se ajustava aos novos monumentos do futuro: as
centrais hidroeléctricas, as estações ferroviárias, as zonas portuárias.
Estes novos edifícios eram estruturas não ornamentadas onde o
cimento, o vidro e o ferro determinavam o seu valor estético; o
edifício e a cidade funcionariam como uma enorme máquina em que
cada peça cumpria a sua função – habitar. Sant’Elia foi,
eventualmente, o primeiro arquitecto a considerar a casa como uma
máquina de habitar, para ele a cidade devia ser concebida como “un
immense chantier bruyant, agile, mobile, dynamique dans toutes ses
parties, et la maison moderne comparable à une machine
gigantesque”. (Janulardo, 2003)
Provavelmente porque morreu cedo, a obra construída de Sant’Elia
resume-se apenas a três construções pequenas, a um conjunto de
desenhos relativos a projectos vários, a estudos de fachada e a
perspectivas de forte componente utópica, no entanto, são
suficientemente ricos para que Colquhoun (2002,p. 98) tenha
classificado os desenhos deste arquitecto em três classes.
Na primeira classe, as primeiras perspectivas foram executadas até
1913, e não tinham qualquer tipo de ornamentação, pareciam
esboços inacabados e apresentavam títulos genéricos como Edifício
75
moderno, Monumento ou Construção industrial. Estes registos
tinham sido influenciados por fotografias de silos de grão norte
americanos, incluídos por Gropius em Jahrbuch des Deutschen
Werkbundes.
Na segunda classe, foram agrupados os desenhos de formas,
também elas abstractas e que se adaptavam a edifícios do tipo
industrial, nomeadamente a central hidroeléctrica, um edifício que
reflectia a rápida industrialização a que se assistia no princípio do
século XX.
Por fim, numa terceira classe, existe outro conjunto de desenhos com
o nome La Città Nuova. Estes são muito detalhados e elaborados, e
as perspectivas já não são confundidas com esboços e revelam-se
como desenhos efectivamente terminados. Reconhecemos nestes
desenhos uma cidade do futuro, os pisos inferiores são atravessados
por uma rede de túneis, viadutos e pontes que fazem as ligações a
vários níveis. Os desenhos apresentam, tal como o nome indica, uma
cidade da qual desapareceram todos os vestígios da natureza e onde
predominam os sistemas de comunicação horizontais e verticais,
com atravessamentos elevados que dinamizam o espaço exterior,
numa linguagem de futuro complementada com torres verticais e
elevadores, e com a zona habitacional a aparecer encaixada nesta
Figura 11
Projecto da cidade do futuro.
76
estrutura, lembrando uma imagem duma central hidroeléctrica.
Neste modelo de cidade, Sant’Elia utilizou referências de outros
modelos, nomeadamente as ilustrações populares do futuro de Nova
York, a Maison à Gradins (1912) de Henri Sauvage em Paris, e o
projecto Ferdinandsbrücke (1905) de Otto Wagner, conquanto que
estes últimos registos apresentem uma visão mais tradicional, com
uma vivência urbana menos futurista do que a de Sant’Elia, onde não
faltam as árvores e as pessoas, o que não deixa de ser curioso, pois,
apesar de se tratar de um registo de infra-estruturas de transportes
para Viena, não se considerou qualquer meio de transporte.
Para Antonio Sant’Elia o problema da arquitectura futurista impunha
um novo modelo de arquitectura que ele vai sintetizar num
documento, que redigiu e publicou em Julho de 1914, e no qual
defende a necessidade de combater e de desprezar:
1. Toda la pseuda-arquitectura de vanguardia, austríaca,
húngara, alemana y norte americana;
2. Toda la arquitectura clásica, solemne, hierática,
escenográfica, decorativa, monumental, agraciada y
agradable;
3. El embalsamamiento, la reconstrucción, la reproducción de
los monumentos y los palacios antiguos;
Figura 12
Projectos da cidade do futuro.
77
4. Las líneas perpendiculares y horizontales, las formas
cúbicas y piramidales, que son estáticas, pesadas,
oprimentes y absolutamente ajenas a nuestra novísima
sensibilidad;
5. El uso de materiales macizos, voluminosos, duraderos,
anticuados y costosos. 43434343 (apud, 1999, Agustín Mancebo)
É interessante notar neste articulado de princípios uma vontade
expressa de romper com todo um conjunto de convenções e
cânones, oriundos de postulados anteriores comummente aceites,
sendo evidente uma intenção de ruptura que, efectivamente,
podemos enquadrar no conjunto de premissas aos quais se
associam todos os conceitos de vanguarda. Mas Sant’Elia não
pretende apenas romper com os códigos do passado, já que é,
igualmente, manifesta a sua intenção de promover uma busca
deliberada pela originalidade, uma procura de uma outra estética e,
substancialmente, o cultivo de uma nova forma que, sustentada pela
43434343 Esta e outras partes do Manifesto podem ser consultadas na Internet em
http://www.uclm.es/cdce/sin/sin6/1elia.htm.
78
imagem da máquina, promovesse a mecanização da vida e a ideia
da velocidade.
Assim, defende também a necessidade de proclamar:
1. che l’architettura futurista è l’architettura del calcolo,
dell’audacia temeraria e della semplicità; l’architettura del
cemento armado, del ferro, del vetro, del cartone, dell fibra
tessile e di tutti quei surrogati del legno, della pietra e del
matonne che permettono do ottenere il massimo della elasticità
e della leggerezza;
2. che l’architettura futurista non è per questo un’arida
combinazione di praticità e di utilità, ma rimane arte, cioè
sintesi, espressione;
3. che le linee oblique e quelle ellitiche sono dinamiche, per la
loro stessa natura, hanno uma potenxa emotiva superiore a
quelle perpendicolare e delle orizzontali, e che non vi può
essere un’architettura dinamicamente integratice all’infuori di
esse;
4. che, la decorazione come qualche cosa di sovrapposto
all’architettura, è un assurdo, e che soltanto dall’uso e dalla
disposizione original del materiale greggio o nudo o
79
violentemente colorato, dipende il valore decorativo
dell’architettura futurista;
5. che, come gli antichi trassero ispirazione dell’arte dagli
elementi della natura, noi – materialmente e spiritualmente
artificiali – dobbiamo trovare quell’inspirazione negli elementi
del nuovisimo mondo meccanico che abbiamo creato, di cui
l’archittetura deve essere la più bella espressione, la sintesi più
completa, l’integrazzione artistica più efficace;
6. l’architettura come arte della forma degli edifici secondo
criteri prestabiliti è finita;
7. per architettura si deve intendere lo sforzo di armonizzare
com libertà e com grande audacia, l’ambiente com l’uomo, cioè
rendere il mondo delle cose uma proiezione diretta del mondo
dello spirito;
8. da un’architettura così concepita non può nascere nessuna
abitudine plastica e lineare, perché i caratteri fondamentali
dell’architettura futurista saranno la caducità e la transitorietà.
Le case durarenno neno di noi Ogni generazione dovrà
fabbricarsi de sua città. Questo costante rinnivamento
dell’ambiente architettonico contribuirà alla vittoria del
Futurismo, che già si afferma com le Parole in libertà, il
80
Dinamismo plastico, la Musica sensa quadratura e l’Arte dei
rumori, e pel quale lottiamo senza tregua contro la viliaccheria
passatista. 44444444
Mais uma vez encontramos nesta estratégia de Sant’Elia a intenção
de abolir as técnicas construtivas antigas, bem como toda a
sabedoria artesã ancestralmente acumulada pelos mestres e
arquitectos ocidentais, propondo-se em definitivo a troca do dogma
pela construção de algo novo e inédito. Decididamente, Sant’Elia
estava claramente numa estratégia de antecipação relativamente ao
fenómeno da máquina, no entanto, o seu desejo de comunicar as
suas ideias confrontava-se com o facto de romper totalmente com os
cânones tradicionais, o que à partida dificultava a compreensão e a
comunicação com a sociedade da época, situação que caracteriza
todos os movimentos de vanguarda.
Como já afirmámos, anteriormente, na obra de Antonio Sant’Elia
percebe-se uma visão de casa e de cidade enquanto máquina de
44444444 SANT’ELIA, Antonio. Manfiesto dell’architettura futurista. In La arquitectura
futurista [em linha]. [S.l.] : [s.n.], [s.d.] [referência de 25 de Novembro de 2006].
Disponível na Internet em: <http://www.sant-elia.net/forme.htm>.
81
habitar, fortemente marcada por uma interpretação poética pois, à
semelhança de outros futuristas, ele partilha do conceito de beleza
dinâmica. O futurismo desenvolve-se, assim, em torno de um espaço
dinâmico, tentando captar a velocidade das figuras e dos objectos
em movimento no espaço, podendo-se afirmar que o artista futurista,
como já tivemos oportunidade de ver em Boccini e Balla, não está
interessado em captar o objecto propriamente dito, o seu interesse
foca-se na plasticidade da velocidade descrita no espaço.
Este conceito, porém, não foi suficientemente trabalhado na obra de
Sant’Elia, o que pode ser explicado por falta de oportunidade já que,
em 1916, ingressou no exército italiano e morreu durante a I Guerra
Mundial, sem possibilidade de dar continuidade ao seu trabalho que,
mesmo assim, é marcado por uma forte componente utópica e é
verdadeiramente direccionado para o futuro.
O futurismo inclui-se, portanto, nos modelos gerais da noção de
vanguarda defendida por muitos historiadores, críticos e teóricos de
arte, visto que, por um lado, existem uma série de fenómenos de
ruptura com a tradição e com o passado e, também, uma busca
deliberada da originalidade e, por outro lado, é manifesto o carácter
de progresso inovador e de oposição relativamente à sensibilidade
da época. No entanto a partir desta época e apesar de muitos
82
arquitectos procurarem uma racionalidade sustentada na era da
máquina, verificou-se que em Itália, curiosamente, neste país as
obras de arquitectura, de uma forma geral, apontavam para uma
linguagem baseada em valores estéticos do classicismo italiano,
pese embora as primeiras obras de Terragni poderem apontar para
algumas referências a temas industriais.
O tema da máquina contaminava, assim, a sociedade da época e
nos Estados Unidos aparecia, igualmente, associado à ideia de
movimento e de velocidade, surgindo, a seguir à Grande Depressão,
um novo conceito, o Styling, 45454545 baseado na aerodinâmica, tema
45454545 Este novo conceito equivalia aos princípios do funcionalismo europeu e teve
como protagonista o francês Raymond Loewy que emigrou para os Estados Unidos
e aí desenvolveu diversos trabalhos ao nível do design industrial, ficando conhecido
pelo nariz de tubarão na locomotiva de Baldwin’s. Na verdade podemos dizer que o
Styling que era, frequentemente, classificado de forma pejorativa contaminava a vida
do homem nas sociedades urbanas.Neste processo o novo papel do design
industrial foi fundamental: “(...) durante os anos quarenta e cinquenta um americano
médio podia passar todo o dia rodeado por produtos modernizados por Loewy, o
aparelho de barbear Schik, o tubo da pasta de dentes Pepsodent, o carro
Sudebaker, o pacote de cigarros Lucky Strike, as máquinas da Coca-Cola, e ao final
do dia, a lata de Cerveja Carling Black Laber” Tradução livre: (Bayley, 1992, p.261)
83
recorrente de uma sociedade fortemente influenciada pela tecnologia
e pela investigação cientifica.
Veremos mais adiante que estas características se repetirão em
outras vanguardas, como no caso do Movimento Archigram, nos
anos 60 e 70, em que certos desenhos parecem recuperar o
imaginário de Sant’Elia.
84
3 . 3 . 2 . O C O N S T R U T I V I S M O R U S S O
Nos primeiros trinta anos do século XX, surgiram por toda a Europa
várias correntes de vanguarda que questionavam a função social do
artista e a sua relação com os meios de produção industrial. Mesmo
na Rússia, que no princípio do século continuava a viver sob um
regime feudal, o artesanato dava lugar ao trabalho mecanizado e, por
conseguinte, a lógica da máquina ia-se convertendo num modelo
para arte e, nomeadamente, para a arquitectura. Paradoxalmente e
ao contrário do que se passava no Ocidente, em que existia uma
clara oposição entre os que defendiam a máquina e os que
manifestavam alguma preocupação relativamente a ela, na Rússia,
os movimentos a favor da arte industrial eram coincidentes com os
das belas artes.
Na verdade, neste país, os artistas tinham participado activamente
na revolução de 1917 e, consequentemente, começou a desenhar-se
85
uma certa articulação entre a arquitectura e o poder político, 46464646
culminando em 1921, com a viragem para uma nova política
económica que, por sua vez, criava a oportunidade dos artistas e dos
intelectuais repensarem um novo modo de vida para o novo homem.
Estavam assim lançadas as premissas para construir um novo
mundo em várias vertentes: política, social, económica e, sobretudo,
artística.
Emocionados por los espectáculos mecânicos de la vida
moderna mecanizada, los construtivistas sustituyen los
elementos naturales de la antiga pintura por los de las
máquinas, por naturalezas muertas donde las peras, las
manzanas y los vasos de vino por bielas o engraganajes.47474747
(Ozenfant y Jeanneret, 1994, p.208)
46464646 O país encontrava-se numa situação de pobreza extrema, agravada pela Primeira
Guerra Mundial e pela Guerra Civil, e os revolucionários defendiam que uma vida
nova só poderia ser possível em novas cidades.
47474747 Texto de Ozenfant Sur les écoles cubistes et post-cubistes, in Journal de
Psychologie Normale e Pathologique, 1926.
Figura 13
Projecto dos irmãos Vesnin para o Palácio do Trabalho (1923).
86
A ideia de futuro passava, assim, por um imaginário sustentado
numa reflexão teórica em que o desenvolvimento industrial era
acompanhado pelo desenvolvimento das velhas cidades. Toda a
geração de artistas, designada como de esquerda, rejeitava os
modelos do passado e experimentava novas formas para transformar
a vida e a cidade e, concretamente no campo teórico, artistas como
Moïse Guinzburg ensaiavam formas arquitectónicas que se
revelassem compatíveis com os valores da nova sociedade.
Entretanto, a partir de 1915, o Suprematismo e o Construtivismo são
duas correntes que se inserem num grande movimento de vanguarda
ideológica e revolucionária. Estas duas correntes, no entanto,
passaram por um conjunto de etapas e se, no início, o
Suprematismo, associado à figura de Kasimir Maverich e marcado
por cores puras, formas básicas e abstracção geométrica, reduzia a
realidade a duas dimensões, mais tarde passou para as três
dimensões, conceptualizando os Proun, designação que derivava da
abreviatura em russo de projectos para a afirmação do novo,
projectos de arquitectura de cariz utópico. Em contraponto, o
construtivismo experimentava formas leves, construídas em malhas
de ferro, alumínio e zinco, de aparência etérea que pareciam
competir com as leis da gravidade.
87
Efectivamente, no início, o construtivismo tinha uma componente
escultórica derivada da collage e quando evoluiu para a construção
de objectos tridimensionais, utilizando materiais como ferro, a
madeira o vidro e o aço, desenvolveu-os no sentido de acentuar a
noção de estrutura e de movimento no espaço, conseguindo-o
através de tensões e de forças em equilíbrio, em substituição das
clássicas massas sólidas e estáticas.
O monumento à Terceira Internacional Comunista, de Tatlin 48484848 (1919-
1920), a localizar junto ao rio Neva, San Petersburgo, é considerado
o paradigma do construtivismo soviético. O projecto consistia numa
torre inclinada que, com cerca de quatrocentos metros de altura,
devia expressar formas inéditas de um novo tempo, sendo que o
conjunto era composto por três volumes, que rodariam sobre o seu
próprio eixo, e que simbolizariam o poder e os serviços de
informação, toda uma estrutura que representava “una fusión de
48484848 A reconstrução da maqueta (3m de altura e 1,60 de diâmetro) encontra-se no
Museu de Arte Moderna de Estocolmo.
Figura 14
Monumento à Terceira Internacional.
88
forma cubo futurista e estrutura casi racional” 49494949 (Colquhoun, 2005,
p.123).
Não obstante, é interessante constatar que Tatlin utilizou para esta
estrutura a “forma de espiral de crescimento da concha de caracol,
neste caso conformada por traços rectilíneos” (Montaner, 2002, p.
24), provando que as formas do mundo orgânico podem conviver
harmoniosamente com o imaginário do mundo da máquina.
Importa reter que o principal objectivo do construtivismo era que os
objectos artísticos fossem construídos a partir de materiais pré-
existentes, utilizando-se todas as técnicas possíveis de maneira a
desenvolver uma linguagem formal baseada em elementos
geométricos e clareza técnica.
Assim, as ideias do construtivismo na área do urbanismo incidiam na
construção de edifícios com características muito específicas, a que
49494949 O termo cubo futurismo foi utilizado pela primeira vez em 1913, por Korney
Chukovsky (1882-1969), referindo-se a um grupo de poetas vanguardistas do qual
faziam parte Vladimir Mayakovsky e o pintor David Burlyuk, pelo que o termo foi
adoptado pelos pintores progressistas e está associado à pintura russa do período
compreendido entre 1912 e 1915.
89
chamavam de condensadores sociais 50505050, e que procuravam criar um
novo conceito para a sociedade, enfim livre, numa atitude estética
influenciada pelo sentido de funcionalismo 51515151 e de utilitarismo, que
viria a marcar uma boa parte da produção artística soviética, daquela
época.
Apesar disso, o construtivismo apresentava um grande contraste
relativamente ao racionalismo, pois para aquela vanguarda a
essência da arte não assentava sobre o princípio da forma mas sim,
sobre o princípio da construção.
Na verdade, o Primeiro Grupo de Acção Construtivista fazia uma
leitura mais ampla do conceito de vanguarda da obra, que passava
pela ideia de construção e daí o terem preferido chamar-lhe arte da
produção, já que o artista-construtor era o artista “que combinaría en
una sola persona las habilidades del artista y del engeneiro”
50505050 Também conhecidos como palácios para os operários tratavam-se de espaços de
lazer, clubes para trabalhadores e dispunham de alojamentos comuns.
51515151 O funcionalismo foi uma corrente arquitectónica que se desenvolveu na Europa e
no Mundo Ocidental na segunda metade do século XX, e cujas ideias fundamentais
foram sintetizadas por Louis Sullivan na sua célebre frase form follows function.
Figura 15
Projecto para a tribuna de Lenine, El Lissitzky (1920).
90
(Colquhoun, 2005, p.123), assim, a principal preocupação centrava-
se no papel do artista no seio da economia industrial, preocupação
essa também partilhada pelos artistas do Ocidente.
No entanto, temos de assinalar que, tirando algumas excepções,
sobretudo na pintura, fotografia e artes gráficas, os projectos de
renovação urbana nunca chegaram a ser realizados.
Quando se refere o ideal construtivista parece-nos obrigatório
nomear El Lissitzky, 52525252 figura importante da vanguarda russa,
colaborador de Malvich, de quem era amigo e discípulo no
desenvolvimento do Suprematismo, que prosseguiu toda a sua
carreira orientado pelo princípio de que o artista pode ser um agente
de mudança, aliás, princípio esse que resumiu numa expressão
criação orientada para um objectivo, e que vai ter enorme influência
no panorama artístico, quer nacional quer internacionalmente.
52525252 Nos seus trabalhos propunha uma atitude construtivista que procurava uma
aproximação das abordagens metafísica do suprematismo e materialista do
construtivismo russo, interessou-se particularmente pelo futurismo italiano e pelo
cubismo francês.
91
Em 1920, em Moscovo, foi fundada a Vjutemas - Escola Superior de
Oficinas Técnicas e Artísticas – com o intuito de formar artistas para
a indústria e para a transformação cultural do país. Esta escola, que
incluía no seu corpo docente o teórico construtivista Borís Arvatov,
Rodchenko e El Lissitzky, tornou-se logo num lugar de divulgação
das ideias do Construtivismo e, realmente, muitos objectos foram
construídos, embora poucos tenham entrado em linha de produção,
pois não existia uma experiência fabril sustentável. Pontualmente,
esse trabalho concretizou-se em projecto de edifícios, como é o caso
do restaurante suspenso de Simbirchev, com uma estrutura arrojada
para as capacidades da engenharia da época. Por certo, os
Vjutemas com a sua experiência de inovação assumiram, na Rússia,
uma importância idêntica à da Bauhaus, na Alemanha, tendo mesmo
existido ligações entre as duas escolas, nomeadamente, através de
Kandinsky e de El Lissitzky.
Mais tarde, em 1925 e também em Moscovo, foi fundada a OSA, um
grupo onde, para além dos arquitectos que tinham trabalhado na
Bauhaus, existiam, igualmente, teóricos e desenhadores de objectos
industriais, fotógrafos e professores, todos membros que se
classificavam de construtivistas.
Com efeito, o principal objectivo deste movimento, liderado
Figura 16
Capa de Veshch/Gegenstand, Object, Lissitzky (1922)
Figura 17
Projecto de Simbirchev para um restaurante suspenso, (1922-23).
92
intelectualmente por Moiséi Guínzburg e Alezandr Vesnín e que já se
manifestara um pouco antes da Revolução Russa, passava por
conciliar o homem com a máquina e o trabalho industrial com a
criatividade pessoal.
Para estes arquitectos, a casa e o urbanismo eram os principais
instrumentos dos ideais socialistas, e Guínzburg concebeu para
Narkomfín (1928-1929), um conjunto de apartamentos, baseados em
princípios vanguardistas onde ensaiou a área mínima, adoptando
uma imagem com grandes afinidades com a arquitectura moderna e
com a ideia de máquina de habitar defendida por Le Corbusier, pese
embora estas casas não terem sido bem aceites pelo governo de
Estaline e pelas famílias que não estavam, ainda, preparadas para
habitar um espaço tão racional quanto aquele.
Guínsburg teve, ainda assim, oportunidade de ensaiar um outro
modelo, igualmente inspirado em Le Corbusier, e projectou para
Magnitogorsk, 53535353 em 1928, uma das novas cidades projectadas na
primeira parte do Plano Quinquenal, um conjunto de casas em
53535353 Estes projectos baseavam-se nas teorias do sociólogo Mijaíl Ojitóvich que
defendia uma relação equilibrada entre a vida rural e a vida urbana.
93
madeira, assentes sobre pilotis, também com fortes influências nos
princípios de Le Corbusier.
Podemos ainda referir outros projectos marcantes de arquitectura
construtivista que espelham os mesmos princípios de vanguarda,
como é o caso do projecto para o concurso da sede do jornal Pravda
(1924) em Moscovo, dos irmãos Vesnin, que segundo Colquhoun
(2002, p.128):
Este proyecto es una máquina informativa transparente en la
que la estructura y el equipamiento del edificio, junto con sus
accesorios mediáticos, se convierten en vehículos para la
retórica y la propaganda. El edificio se ha convertido en el
signo de su propia función.
Ou ainda o pavilhão da URSS na Exposição Internacional das Artes
Decorativas de Paris (1925) de Konstantin Melnikov, um projecto que
Montaner (2002 p.74) considera:
(...) uma arquitectura composta por formas dinâmicas e
matemáticas, que parte de metáforas maquinistas, mostra a
montagem das peças, expressa o movimento das partes
estruturais e busca, em ultima instância, criar uma forma de
arte que possa ser produzida em série.
Figura 18
Projecto para o edifício Pravda.
94
No âmbito do nosso trabalho é pertinente referir a importância do
construtivismo na sua busca por novos modos de pensar a forma e
de metaforizar a máquina. Este movimento, lançado em Moscovo por
Vladimir Tatlin e Alexander Rodchenco, El Lissitzky e Naum Gabo,
disseminou as suas ideias pelo ocidente no início os anos 20,
influenciando o urbanismo, a arquitectura, o design e as artes visuais
e se, na sua fase inicial, se regista a influência dos Futuristas e do
Suprematismo, por sua vez, fora da Rússia, são os construtivistas
que vão exercer enorme influência na Bauhaus, através de Moholy-
Nagy e El Lissitzky, no De Stijl, 54545454 através de El Lissitzky e, de uma
forma geral, na arquitectura do Movimento Moderno. Com este
movimento que continuou a influenciar épocas futuras encerramos a
primeira parte deste trabalho, percebendo que as quatro vertentes
apontadas neste capítulo, influenciaram toda a arquitectura do séc.
XX.
54545454 A origem deste movimento holandês está relacionada com Theo van Doesburg e
apesar das suas obras iniciais serem marcadas pelo impressionismo, fauvismo e
expressionismo, a sua ligação a Mondrian converteu o seu trabalho à abstracção, à
introdução de elementos geométricos e às cores primárias.
95
P A R T E I I
P A R A D I G M A D A M Á Q U I N A
96
4 . E M D I R E C Ç Ã O A U M N O V O P A R A D I G M A
4 . 1 . S I T U A Ç Ã O D A M Á Q U I N A N A A L E M A N H A
A máquina emergia, igualmente, na sociedade alemã e neste
processo uma figura de relevo foi Hermann Muthesius, pois esteve,
entre 1896 e 1903, na embaixada da Alemanha em Londres, e
promoveu a união artística entre os dois países. Quando regressou à
Alemanha estava convencido da importância do bom senso e da
simplicidade na arquitectura e na arte, contudo, enquanto em
Inglaterra se defendia a qualidade da produção artesanal, Muthesius
entendia que esses conceitos estéticos deviam ser aplicados à
produção industrial, confiando na utilização da máquina, e,
rapidamente, assumiu a liderança de uma nova tendência, a
Sachlichkeit, que coincidiu com a ascensão da Arte Nova na
Alemanha.
Na Alemanha, Muthesius além de propôr um novo conceito para a
arquitectura e para as artes inglesas, a Sachlichkeit, que significa ao
mesmo tempo pertinente, apropriado e objectivo, também solicita ao
artista moderno uma pura e perfeita utilidade. Para ele, apenas os
objectos feitos à máquina são produzidos de acordo com o espírito
da época, “são eles os únicos que podem resolver o problema da
97
criação de um novo estilo um Maschinenstil”. 55555555 (Muthesius, 1901,
apud, Pevsner, 1937, p.37) Na sua opinião, os exemplos já faziam
parte do quotidiano da época, pois por todo o lado proliferavam
estações de caminho de ferro, pavilhões de exposição, pontes e
navios a vapor, e se já faziam parte do imaginário colectivo, então as
formas deviam ser determinadas, apenas, pelos fins a que se
destinavam:
O progresso futuro só pode, portanto, ser imaginado em função
de uma rigorosa Sachlichkeit e de uma rejeição total de toda a
decoração que seja meramente justaposta. Os edifícios e os
objectos de uso comum que forem feitos de acordo com estes
princípios serão dotados de uma elegância perfeita, que tem
origem na adequação e (...) na concisão. 56 (Muthesius, 1902,
apud, Pevsner, 1937, p.38)
55555555 MUTHESIUS, Hermann. 1901. Kunst und Maschine. [S.l.] : Dekorative Kunst, ix.
p.141 e seg.
56565656 MUTHESIUS, Hermann. 1902. Stilarchitectur und Baukunst. Mülheim-Ruhr : [s.n.]
p. 50, 51 e 53.
98
Neste período, era por demais evidente o fascínio pela máquina,
tema que ocupava artistas de várias vertentes, como é o caso de
Hermann Obrist, que escreveu em 1903, sobre os navios a vapor: “a
beleza dos seus poderosos e colossais, mas tranquilos, contornos
(...) a sua maravilhosa utilidade, a sua elegância, suavidade e
esplendor”:57575757 (Obrist, 1903, apud Pevsner, 1936, p.39) Outros
autores acompanham a ideia de Muthesius, por exemplo, Wilhelm
Schäfer, escritor e poeta, propunha a Sachliche Ausbildung para
todas as formas e, por isso, promovia uma expansão deste estilo
moderno em diferentes níveis da sociedade. Podemos, ainda, referir
a posição de Friedrich Naumann que enquanto político se preocupa,
sobretudo, com os aspectos sociais da arquitectura e da arte, o que o
levou desde muito cedo a apaixonar-se pela máquina e que,
provavelmente inspirado em Muthesius, refere também os barcos,
pontes, gasómetros, estações de caminho de ferro, e mercados
cobertos como os nossos novos edifícios, considerando, assim:
(…) a construção em ferro a maior experiência artística do
nosso tempo porque aqui não há aplicação da arte à
57575757 OBRIST, Hermann. 1903. Neue Möglicheiten in der bildenden. Kunstwart, xvi, II
parte. p.21.
99
construção, nem há decoração medida à força, nem afectação.
Aqui há criação destinada ao uso prático (...) há possibilidades
até agora inexprimíveis. Estão alteradas todas as noções de
espaço, de peso e de sustentação. 58585858 (Naumann, 1904, apud,
Pevsner, 1936, p.40)
Ao longo do trabalho, iremos constatar que estas questões de
espaço peso e sustentação, que consideramos pertinentes, se
podem articular noutro contexto.
Mas este fascínio não era de modo algum generalizado e outras
figuras, igualmente importantes da intelectualidade alemã, como
Oswald Spengler, Martin Heidegger e Ernst Jünger, repudiavam
radicalmente a máquina.
Efectivamente, existia um movimento ludetista 59595959 que estava contra a
inovação tecnológica, numa atitude de resistência à mudança
58585858 NAUMANN, Friedrich. 1904. Die Kunst im Zeitalter der machine. XVII, II Parte.
[S.l.] : Kunstwart. p.323.
59595959 Este termo refere-se originalmente a uma série de motins levados a cabo por
alguns membros deste grupo já antes da revolução industrial, no Reino Unido este
fenómeno data de 1830.
100
derivada de diversas razões, a principal das quais tem a ver com a
ameaça de desumanização que esta inovação implicava.
Importa esclarecer que a reforma artística na Alemanha estava
desde o início assente na identidade nacional e os que participaram,
nesta reforma, sentiram essa dicotomia que separava a vontade de
retorno às origens pré-industriais da vontade de modernização para
acompanhar o progresso comercial. A reforma cultural teve origem
no movimento alemão Arts and Crafts (Kunstcgwerbe) e, na
sequência desta situação, Muthesius, numa conferência em 1907,
desaconselhou os artífices e industriais alemães de continuarem a
imitar os modelos antigos. Este discurso provocou graves discussões
nas sociedades comerciais e, no fim desse ano, um grupo de
fabricantes, em colaboração com alguns arquitectos, artistas e
escritores, fundaram a Deutsche Werkbund. 60606060 Esta associação
pretendia demonstrar que era possível um elevado nível de
60606060 Esta associação de trabalho alemã, fundada em 1907, por um grupo de
arquitectos, designers e empresários que tinham estado de algum modo ligados a
Jugendstil (arte nova alemã), contribuiu com a sua industrialização para o
reconhecimento da arte e da técnica alemãs, retirando à Inglaterra a liderança
industrial mundial.
101
qualidade na produção industrial, reconhecendo no design, a
inteligência, e na máquina, uma ferramenta fundamental de trabalho.
A Werkbund dividia-se entre os partidários de Muthesius e os de
Henry Van de Velde, um arquitecto belga que ensinava em Weimer e
que tinha bastante influência sobre os seus colegas alemães, mais
preocupados com as características conceptuais da produção
artesanal da Arte Nova. Van de Velde rejeitava os Arts and Crafts, 61616161
criticava a arte de Morris e fazia a apologia da beleza da máquina: “A
acção dos seus braços de ferro”, proclamou ele, “criará beleza desde
que seja a beleza que os guie”. 62626262 (1902, apud Pevsner, 1936, p.33)
Aliás, com o mesmo ponto de vista, já em 1900 afirmava: “Porque
razão hão-de os artistas que constroem palácios de pedra merecer
mais consideração do que os que constroem de metal?” (1903, apud
61616161 Esta sua posição está expressa em dois volumes que resumem as suas
conferências entre 1902 e 1903, Die Kunstgewerbe Laienpredigten e, Die
Renaissance im Modernen Kunstgewerbe.
62626262 VELDE, Henry Van de. 1902. Die Kunstgewerbe Laienpredigten. Leipzing : [s.n.].
p. 36.
102
Pevsner, 1936, p.33) “Os engenheiros são elementos básicos do
novo estilo”. 63636363
Contudo a posição de Muthesius 64646464 (apud, Pevsner, 1936, p. 41-42)
acabaria por prevalecer, pois a sociedade tinha como intenção:
(…) reunir os melhores representantes da arte, da industria,
dos ofícios, e do comércio, de conjugar todos os esforços para
a produção do trabalho industrial de alta qualidade e construir
uma plataforma de união para todos aqueles que quisessem e
fossem capazes de trabalhar para conseguir uma qualidade
superior.
A Qualität era definida não apenas como “trabalho bem feito e para
durar, ou emprego de materiais perfeitos e autênticos”, mas também
como “a possibilidade de se atingir um todo orgânico que fosse
sachlich, nobre e assim, se quiserem, tornado artístico” 65656565, e desde o
63636363 VELDE, Henry Van de. 1903. Die Renaissance im Modernen Kunstgewerbe.
Leipzing : [s.n.]. p.30.
64646464 VELDE, Henry Van de. 1903. Die Renaissance im Modernen Kunstgewerbe.
Leipzing : [s.n.]. p.30.
65656565 Werkbund, Berlim, citada in Jahre Deutscher e in Die Form VIII. 1932. p.302.
103
início que se percebe que a Werkbund não se opunha, de todo, à
produção mecânica, tanto que no discurso inaugural da primeira
reunião anual, o arquitecto Theodor Fischer 66666666 (1907, apud Pevsner,
1936, p. 42) afirmou:
Não há nenhuma linha divisória nítida entre a ferramenta e a
máquina. É possível uma produção de grande nível, quer com
ferramentas quer com máquinas, desde que o homem domine
a máquina e faça dela uma ferramenta. (...) A culpa da
produção inferior não cabe às máquinas em si mas à nossa
incapacidade de as manejar adequadamente.
E do mesmo modo acreditava que:
(…) o mal não vem da produção em massa ou da divisão do
trabalho, mas do facto da indústria ter perdido a noção de
finalidade, que é conseguir uma qualidade superior, e de não
sentir o dever de servir a comunidade, mas sim o direito de ser
o tirano da nossa época.67676767 (1907, apud, Pevsner, 1936, p.42)
66666666 Werkbund, Berlim, 1932, citada in Jahre Deutscher e in Die Form VIII. p.324.
67676767 Werkbund, Berlim, 1932, citada in Jahre Deutscher e in Die Form VIII, p.310.
104
Sem dúvida, o papel da Werkdund foi muito importante, pois
contribuiu com a sua indústria para o reconhecimento mundial da
arte e da técnica alemãs, retirando a liderança à Inglaterra. A
Werkbund tinha como intenção provar que era possível obter um
elevado nível de qualidade na produção industrial utilizando a
máquina como ferramenta e, neste processo, este principio foi
fundamental para divulgar as ideias do Movimento Moderno, tendo o
sucesso sido de tal forma imediato que, rapidamente, outras escolas
artísticas colocaram de lado os métodos medievais, das antigas
corporações de ofícios alemães e admitiram os progressos
modernistas.
Apesar desta vertente progressista ser comum e de se instalar um
pouco por toda a parte, existiam diferenças significativas no modo
como se aceitava a arte mecânica nas estratégias pedagógicas, e
que eram originadas pelo facto da postura dos vários directores e
professores ser, também, diferente.
Esta situação, de forma análoga verificava-se na Deutsche
Werkbund, ainda que um dos objectivos fosse desenvolver e acelerar
diversas iniciativas de integração da arte na indústria, à escala
105
nacional. Logo na primeira reunião anual percebeu-se que existiam
algumas divergências, por um lado Muthesius 68686868 (apud, Pevsner,
1936, p.43) principal figura da associação, defendia que:
A arquitectura e toda a esfera de actividades da Werkbund
tendem para a estandardização. Só a estandardização pode
restituir ao artista a importância universal que este possuía em
épocas de civilização harmoniosa. Só através da
estandardização (...) como salutar concentração de forças,
pode criar-se um gosto aceite por todos e digno de confiança.
Ao contrário, Van de Velde (apud, Pevsner, 1936, p.44)69696969 defendia a
beleza da máquina e o individualismo:
Enquanto houver artistas na Werkbund eles protestarão contra
todos os cânones impostos e toda a estandardização. O artista
é essencial e intimamente um individualista apaixonado, um
criador espontâneo. Nunca ele se submeterá de livre vontade a
uma disciplina que o ponha na dependência de um cânone ou
de uma norma.
68686868 Werkbund, Berlim, 1932, citada in Jahre Deutscher e in Die Form VIII, p. 316-317.
69696969 Werkbund, Berlim, 1932, citada in Jahre Deutscher e in Die Form VIII, p.94.
106
No seio desta duas questões emerge uma posição híbrida, Gropius,
na época membro da Werkbund, vivia a disputa entre os que
seguiram a tendência industrial de Muthesius e os que se mantinham
numa tendência mais artesanal, no espírito de Henry van de Velde.
Em 1909, numa postura mais próxima de Muthesius, elaborou um
memorando sobre a estandardização e a produção em massa de
casas pequenas e respectivas metodologias de produção. Mais
tarde, na qualidade de director, Gropius reorganizou o programa da
escola artística de Weimer com uma vertente modernista, e de 1914
a 1919, conciliou o melhor de ambas as vertentes, num programa
que foi o Manifesto da Bauhaus.
107
4 . 2 . A M Á Q U I N A N O P E R C U R S O D A B A U H A U S 70707070
4 . 2 . 1 . F U N C I O N A L I S M O O R G Â N I C O D E G R O P I U S
Nos anos de crise do pós guerra, Gropius foi nomeado director da
escola de Van de Velde e reuniu as escolas de Belas Artes e a
escola de Artes Aplicadas e, assim, as duas escolas de arte de
Weimer fundiram-se numa só sendo-lhes atribuído o nome de
Staatliches Bauhaus. Na fase inicial, a escola tinha, também, muito
em comum com as antigas corporações medievais, compostas por
mestres e por aprendizes e era marcada por uma estratégia
ideológica próxima da linha do expressionismo, desenvolvendo uma
forte oposição à máquina.
70707070 Do mesmo modo que Jacinto Rodrigues e Wingler consideramos para a Bauhaus
três momentos distintos: 1913 - 1928, em Weimer com a direcção de Walter Gropius,
(em 1923 foi transferida para Dessau); 1928 - 1930 sobre a direcção de Hannes
Meyer e de 1930 - 1932, com Mies van der Rohe (a escola é encerrada em Dessau
e transferida para Berlim). Porém, Marty Bax considerou dentro do primeiro período,
ainda, duas fases o expressiomismo (1912 - 1922) e art and tecnique, a new unity
(1922 - 1925).
108
No início da sua formação, os aprendizes passavam por uma fase de
contacto directo com elementos do mundo material, botânico e
zoológico, como uma iniciação à sensibilidade; numa fase intermédia
estabeleciam relações com as formas elementares e, depois,
passavam à aprendizagem dos processos de construção, da
composição das cores, dos instrumentos e ferramentas e, por fim, a
um estudo generalizado da natureza, onde tomavam contacto com
os materiais de construção, como a argila, a pedra, a madeira, o
metal e os vidros; só após esta fase final da sua formação, adquiriam
conhecimentos de engenharia que lhes permitia receberem o
diploma de Mestre da Bauhaus.
Nota-se nesta estratégia um forte compromisso entre o factor
orgânico e o factor técnico, numa relação crescente que pretendia,
primeiro, o domínio dos elementos naturais e só depois dos
tecnológicos, o que reflecte bem as fundamentações teóricas e
práticas da escola.
De facto, Gropius preconizava uma escola não hierárquica, assente
em princípios de pesquisa e de colaboração entre alunos e mestres,
e acreditava que o progresso devia basear-se na educação e na
democracia, quer na escola quer na sociedade, defendendo que o
lugar dos artistas, cuja tarefa social era o ensino, deveria ser na
109
escola. Entre os seus colaboradores tinha os melhores artistas, como
por exemplo Klee, Kandinsky, Moholy-Navy e Itten, e segundo
Jacinto Rodrigues. (1989, p.96):
A escola procurava a simbiose do artista e do artesão: A
Bauhaus não quer apenas formar artesãos, mas sim uma elite
de criadores. Esta elite deverá no entanto trabalhar os
materiais com as suas próprias mãos e servir como servem os
operários.
Todavia, esta proposta de Gropius para socializar a arte não foi bem
aceite pela maioria dos artistas europeus, mas, segundo ele isso
poderia ser ultrapassado através de um profícuo trabalho em prol do
novo espírito da construção.
Um projecto importante, desta fase inicial da Bauhaus, é a casa
Sommerfeld, pois expressa uma estética baseada na metamorfose
da vida que reflecte as intenções programáticas da escola. A madeira
era, nesse período, considerada como o material mais propício à vida
e esta casa, construída a partir de troncos, aproveitando deste
material orgânico toda a sua expressividade estética, insere-se na
estratégia pedagógica que tinha como centro unificador a
arquitectura e comprova, ainda, a influência dos princípios de Rudolf
Steiner, na Bauhaus.
Figura 19
Casa Sommerfeld.
Figura 20
Vestibulo da Casa Sommerfeld.
110
This structure was the first example of the new functionalism in
Germany. The internal arrangement was determined by an
efficient use of space in a minimal living area, the furnishings
were parctical, hygienic and functional, and the white exterior
was meant to convey that same effect. (Bax, 1991, p.35)
Gropius acreditava que tal como noutros tempos a arte se uniu ao
artesanato, também, nesta era da máquina, estavam reunidas as
condições para a arte se unir à produção industrial, pois “Gropius no
dudaba de que la máquina podía ser espiritualizada por medio del
arte, y abogaba por una arquitectura del racionalismo técnico (...)”
(Colquhoun, 2002, p.68), e, duma forma geral, podemos dizer que do
ponto de vista técnico se procurava encontrar a forma padrão com o
predomínio de formas geométricas.
Como já vimos, Gropius, por um lado, era a favor da integração da
concepção no processo de produção, conforme defendido por
Muthesius, e por outro defendia, também, o individualismo de Van de
Velde; no fundo, pretendia fazer a integração destes dois factores
que tinham causado grande discussão na primeira reunião da
Werkbund mas, no entanto, isso não o colocava em perfeita sintonia
com Muthesius.
Efectivamente, na prática, a situação era bem diferente e, enquanto
111
Muthesius era apoiado pelo meio empresarial e governamental, que
fazia o controle da actividade artística, Gropius, pelo contrário, era
implacável, e defendia que o artista devia ser livre de qualquer
influência política. No entanto, “ambos creían que el artista (o el
arquitecto como artista) era por entonces un intelectual que tenía
encomendada la misión de inventar las formas de la era de la
máquina, considerada ésta como una totalidad cultural.” (Colquhoun,
2002, p.68)
Em 1919, Gropius, Adolf Behne e Bruno Taut criaram a Arbeitsrat für
Kunst, um sindicato de artistas à semelhança dos trabalhadores
soviéticos da revolução. Este sindicato de forte vertente
expressionista, tinha na sua direcção Gropius que organizou uma
exposição de Arquitectos Desconhecidos. Esta exposição tinha sido
proposta por Taut antes da sua demissão e, embora, apontasse para
a participação exclusiva de arquitectos, na realidade, abrangia,
também, participantes de outras vertentes artísticas, no que
podemos descrever como uma integração de todas as artes debaixo
da alçada da arquitectura.
As obras apresentadas na exposição, que ocorreu no gabinete
gráfico de J. B. Neumann, tinham como objectivo a recusa da
arquitectura funcional, em oposição ao conceito Sachlich da
112
Werkdund. Muitas considerações foram feitas por vários artistas
relativamente aos trabalhos apresentados na exposição, contudo, no
contexto desta abordagem, parece-nos interessante classificá-las, do
mesmo modo que Colquhoun, em duas categorias: uma linguagem
naturalista e uma linguagem anti-naturalista, parecendo,
respectivamente, derivadas de desenhos infantis, ou então,
manipuladas a partir de imagens estereotipadas de arquitectura, em
formas festivas e fantásticas, um pouco incongruentes, mas em todo
o caso revelando no seu conjunto, mais uma vez, o modo como o
natural e o artificial proporcionam analogias muito interessantes.
Como temos vindo a analisar o tema da máquina gerou várias
posturas contraditórias e verifica-se que alguns autores que
começaram por rejeitá-la acabaram por ter posições mais tolerantes
ao longo das suas vidas. É interessante verificar que mesmo os que
eram antimáquina, ou cuja empatia por ela era menor, começaram a
absorver o novo espírito emergente muito mais depressa, como se
pode verificar com Adolf Behne, importante crítico, defensor do
expressionismo 71717171 e figura importante do AFK que, em 1919,
71717171 Antes da primeira guerra mundial, o expressionismo na literatura e na pintura
apresentava características bem definidas e manifestava-se em grupos como Die
113
defendia no seu livro Die Wiederkehr der Kunsti, uma postura contra
a máquina e, pouco tempo depois, em 1922, altera a sua posição,
apresentando num artigo, Arte, Artesanato e Tecnologia, apresenta
uma outra ideia, completamente diversa da inicial, onde se defende
que a máquina possibilitava a divisão do trabalho e, assim, tornava-
se mais fácil para o trabalhador entender a sua função na sociedade
fortemente industrializada, um novo conceito para Behne mas similar
ao de Gropius no seu discurso Arte e construção industrial, de 1911.
Estas diferentes posturas originaram e aprofundaram conflitos
internos na Bauhaus e conduziram, em 1922, à substituição do pintor
suíço Johannes Itten por Moholy-Navy, um construtivista húngaro.
Esta alteração produziu uma mudança significativa, principalmente
no que concerne o ensino da arte, tendo a escola passado a
apresentar um perfil mais racionalista, com uma vertente técnica
Bruche e Der Blaue Reiter, contudo na arquitectura nota-se um atraso relativamente
às outras artes, resultante de uma enorme crise na sociedade alemã e nesta fase,
encontramos pouco exemplos, apenas alguma obras de Hans Poelzig-Torre de
Possen (1910) e de Max Berg, em especial, Fahrhunderthalle de Breslau. No
entanto depois da Primeira Guerra Mundial, a arquitectura expressionista está
associada a movimentos visionários e de vanguarda que dão origem a diversos
projectos utópicos.
114
mais marcada, inclusive com Moholy-Navy a valorizar o trabalho com
materiais industriais da era da maquina, explorando assim novos
materiais como o vidro e o aço.
De facto, registavam-se diferenças significativas entre as ideias
daqueles dois professores, que foram equiparadas por Colquhoun às
que existiam entre os racionalistas e os construtivistas na vanguarda
russa, nomeadamente, Itten baseava-se em “princípios psicológicos
formalistas”, enquanto que Moholy-Navy privilegiava “técnicas
mecánicas de montaje”, (Colquhoun, 2002, p.161) defendendo assim
o principio da construção em vez do principio da forma.
Esta abordagem, também, está patente no texto de Albers,
companheiro de Moholy, que definia os princípios do curso:
(...) Buscaba el desarrollo de un lenguaje visual nuevo y
contemporáneo (...) y esto, con el tiempo, llevó a pasar del
énfasis en expresión personal (...) a un uso más racional,
económico y estructural del propio material (...); hablando en
términos pictóricos, del collage al montaje. (Banham, 1989,
p.286)
Esta nova tendência da escola vai acentuar-se com a transferência,
por razões políticas, da Bauhaus para Dessau, visto que neste
processo se deu uma troca do corpo docente e a escola adquiriu
115
uma nova teoria estética que valorizava, ainda mais, a componente
técnica, privilegiando a união entre arte e técnica, conforme
testemunha Gropius:
(:..) los talleres de la Bauhaus son esencialmente laboratorios
en los que se desarrollan e se mejoran cuidadosamente
productos adecuados para su producción en serie y típicos de
nuestro tiempo. (Colquhoun, 2002, p.162)
Um outro aspecto importante no processo de transformação da
Bauhaus, que contribuiu para um impulso da técnica, apontando para
uma mudança de paradigma, foi a primeira exposição em 1923, com
o tema Arte e tecnologia, uma nova unidade; Gropius tinha um
programa de forte cariz arquitectónico que, para além de conciliar
arte e tecnologia, propunha, também, a divulgação da arquitectura
internacional com uma intenção específica, a união entre a arte e a
tecnologia, visando uma arquitectura mais funcional.
In order to design a thing so that it will function correctly, we
[first] have to investigate its nature. The elements aiding the
study of the nature of a thing are not only the laws of
machanics, statics, optics ans acoustics, but also the laws of
proportion. These are a matter of the world of the intellect. In
order to achieve precision here, we must consciously seek to
116
make the personal factor more objective, but every work of art
carries the signature of its creator. (Bax, 1991, p.39)
Conforme podemos constatar neste texto, é evidente uma vontade
de mudança, espelhada no principal elemento da exposição, a casa
modelo da exposição Haus Am Horn, projecto de Georg Muche, sob
a direcção de Adolf Meyer e que era a primeira casa de um projecto
urbanístico, projectado por Gropius e Forbat de apoio à escola.
Neste projecto, também, podemos encontrar analogias entre habitat
naturais do mundo organico – as colmeias e a ideia de máquina de
habitar.
The planning at Am Horn is also historically significant because
it provided for a limited number of typical houses which, with the
development of mass production, allowed a variable, so-called
honeycomb construction. As early as 1922, Gropuius labelled
these typical houses machine for living in. (Klotz, 1989, p.54)
A casa organizava-se numa área de 12.7x12.7 (m) de forma simples,
com o objectivo de simplificar as tarefas na habitação, reduzindo ao
máximo os espaços de circulação e privilegiando os espaços mais
funcionais, de modo a mecanizar as funções associadas ao acto de
habitar, com destaque para a cozinha onde foram introduzidos novos
conceitos.
Figura 22
Planta da casa Am Horn.
Figura 21
Casa Am Horn.
117
Gropius stated that the aim of the house was to achieve the
greatest comfort with the greatest economy by the application
of the best craftsmanship and the best distribution of space in
form, size and artculation. Gropius went on: In each room
function is important, e. g. the kitchen is the most pratical and
simple of kitchens – but is not possible to use it as a dining
room as well. Each room has its own definite character which
suits its purpose. (Whitford, 1984, p.143)
Na construção da casa Am Horn foram utilizados aos processos
inovadores para a época e a sua edificação demorou apenas quatro
meses.
Apesar da casa apontar para a construção em série, facto que era
uma inovação para a época, este processo não podia ser
reproduzido de forma simples, pois foram utilizados materiais muito
caros, no entanto, a sua construção foi um marco importante no
modo de entender a arquitectura e sobre ela escreveram vários
autores, como Jacinto Rodrigues (1989, p.94) que refere que “esta
experiência da Casa de Am Horn mostra, apesar da limitações
tecnológicas existentes, uma influência cada vez mais forte do
modelo urbano-industrial.”
A viragem na metodologia da escola estava prestes a iniciar-se e se
118
até aqui, se privilegiavam as aptidões manuais e a criação orgânica,
contudo a partir da exposição de 1923, percebe-se um percurso
orientado, no sentido de solucionar o binómio arte/artesanato, o que
parecia irreversível começava, agora, a ser promovido:
“craftsmanship’s and industry, art and technology thoughts and
feelings”. (Fiedler, 1995, p.147)
Neste momento de viragem, outro aspecto importante a considerar
na exposição de 1923, para além da Casa Am Horn, foi a exibição
das fotomontagens de Metropolis, de Paul Citroën, discípulo intimo
de Itten, no que se poderá entender como uma visão antecipada da
cidade do futuro, um mundo dominado pela máquina em que
gigantescos edifícios são habitados por seres solitários. Esta obra
dilacerante lançava pistas definitivas sobre as cidades imaginárias do
futuro e das utopias urbanas, um tema que serviu de inspiração para
as cidades futuristas que povoariam, a partir daqui, o imaginário
cinematográfico, provando que era possível estabelecer, também,
uma relação entre o cinema e a arquitectura.
O recurso à tecnologia passou, desta forma, a ser incentivado, mas
sem se negligenciarem os princípios da criatividade e individualidade
artísticas. A escola manteve-se no centro da cultura comunitária
procurando humanizar a máquina e, assim, alcançar uma
119
interdependência activa, nova e eficaz, entre todos os processos de
criação artística, que conduzisse a um equilíbrio renovado na
sociedade.
In the instructional programme, the second highest goal
mentioned now has: pratical experimental work for
housebuildind and furnishing. Development of standard models
for industry and crafts. For this purpose, a pratical experimental
department was set up. (Bax, 1991, p.45)
A transferência da Bauhaus para Dessau implicou, igualmente, a
construção de um novo edifício. “This location was chosen in part
because the city, faced with a great shortage of housing, was
receptive to Gropius ideas about mechanization and rationalization of
housing construction”. (Bax, 1991, p.42)
Gropius, com a colaboração de mestres e alunos, construiu a obra
mais importante do funcionalismo racionalista alemão e um marco na
arquitectura moderna, sendo que foi fundamental o processo
didáctico que acompanhou o processo de concepção e construção
do edifício. The objective was to give artistic design a more scientific
basis by providing additional thecnical knowledge. (Bax, 1991, p.47)
No entanto, importa aqui notar que este projecto considera as
questões técnicas, o homem e sua função social, numa dimensão
Figura 23
Edifício da Bauhaus.
120
holística que no contexto da nossa problemática nos obriga a
reflectir:
Com efeito o edifício da Bauhaus, antes de ser um organismo
arquitectónico e urbanístico, é um organismo social. É uma
proposta para uma plataforma nova da sociedade que liga num
edifício único nó operativo educar-aprender e produzir, pensar e
fazer, a obra do artista a actividade do homem e da máquina 72727272
(Busignani, 1978, apud, Rodrigues, 1989, p.134)
No edifício da Bauhaus, em Dessau, a planta foi projectada em
sintonia com o moderno, o edifício abre-se ao exterior através de
grandes planos envidraçados, com o duplo objectivo de ventilar e
eliminar os laboratórios e, em simultâneo, de abrir a escola ao
exterior. Pretendia-se uma comunidade democrática onde a escola
assumisse o papel fundamental de comunicação com o exterior, tal
como Gropius idealizava, um espaço que articulasse o trabalho e o
lazer numa harmonia perfeita. Neste sentido, podemos
inclusivamente considerá-la a máquina perfeita: Argan faz uma
descrição da escola que aponta claramente para uma máquina, um
72727272 BUSIGNANI, Alberto. 1978. Walter Gropius. Florença : Jansoni. p.25-26.
Figura 24
Vista geral do edifício da Bauhaus.
121
dispositivo mecânico (ou orgânico) que desempenha a tarefa social,
o ensino, precisando de uma fonte de energia que, neste caso, seria
o factor humano.
Apesar da máquina não ser um modelo formal da arquitectura
moderna, Argan, com base nos testemunhos de Gropius, descreve o
edifício principal e os edifícios adjacentes como uma enorme
máquina e, efectivamente, na descrição dos volumes, não faltam
associações a partes específicas da máquina, conforme podemos
constatar:
(…) Essa rotação ideal entendida como rotura de equilíbrio
estático e início de movimento é confiada a um sistema de
forças (a tensão interna é recíproca da massa, explica Gropius),
que de desenvolve a partir da situação espacial e da entidade
dos blocos. O eixo de rotação encontra-se no corpo central, que
tem maior desenvolvimento em altura, a galeria longa e baixa
não é senão um braço da alavanca, cuja extensão é
proporcional ao corpo da direita. O equilíbrio dinâmico do
conjunto baseia-se no facto de que a massa maior do corpo da
esquerda, directamente articulado ao eixo, encontra
correspondência na maior extensão dos corpos da direita.
(Argan, 1988, p.392)
Figura 25
Edifício da Bauhaus.
122
Este conceito estético foi também aplicado mais tarde, depois de
Gropius sair da Bauhaus (1931), no projecto apresentado para o
palácio dos Sovietes em Moscovo e, se analisarmos a interpretação
de Argan, verificamos que não faltam alusões a um complexo
engenho mecânico com as suas engrenagens, pois a solução formal
de Gropius aponta para uma analogia final com a máquina, estando
carregada de significados simbólicos, num edifício constituído,
conforme refere Argan (1988, p.402), por:
(…) massas circulares ou orbitais, girando em torno de um
eixo, como se fosse o elemento de um complexo engenho
mecânico (...) a forma possui um sentido simbólico: o palácio
dos sovietes é o motor da revolução, e o aspecto maquínico é
uma provável alusão à conquista proletária do sistema
industrial.
Aliás, é interessante referir, igualmente, que os edifícios
apresentados por outros dois concorrentes, mais propriamente os
projectos de Liubetkin e de Le Corbusier, partilhavam do mesmo
espírito, não deixando dúvidas que a máquina estava, rapidamente, a
Figura 26
Maqueta Palácio dos Sovietes.
Figura 27
Planta do Palácio dos Sovietes.
Figura 28
Projecto para o Palácio dos Sovietes.
123
ganhar terreno no universo conceptual dos arquitectos.
De regresso à Bauhaus há a referir que nas suas imediações, junto
de um pequeno bosque, foram construídos seis alojamentos para
professores, também, dignos de registo. Nestes espaços
habitacionais, Gropius cria módulos susceptíveis de serem
embutidos ou combinados de múltiplas maneiras, articulando
estandardização e variedade de formas, numa organização interior
que obedece a um estrito racionalismo lógico funcional. Pode-se
dizer que, no seguimento da Casa Am Horn, a experiência da casa
de espaço mínimo prosseguia com o máximo de rigor. Assim, a
instalação da cozinha, a organização dos armários embutidos dentro
das paredes, o aproveitamento de todos os espaços, constituem sem
dúvida uma obra de grande rigor funcionalista.
Gropius stated that the aim of the house was to achieve the
greatest comfort with the greatest economy by the application
of the best craftsmanship and the best distribution of space in
form, size and artculation. Gropius went on: In each room
function is important, e. g. the kitchen is the most pratical and
simple of kitchens – but is not possible to use it as a dining
room as well. Each room has its own definite character which
suits its purpose. (Whitford, 1984, p.143)
Figura 29
Casas dos Mestres da Bauhaus.
124
Outro exemplo de racionalização, no qual a Bauhaus participou, foi a
experiência do conjunto habitacional de Törten, em 1926-28, em que
as habitações unifamiliares se organizavam em plantas simples, com
4 ou 5 compartimentos, e com as casas a serem construídas
segundo uma linha de montagem que permitiu uma grande rapidez
de execução e de instalação e, consequentemente, uma redução de
custos.
Neste projecto de habitações unifamiliares, é interessante constatar
que ao conceito de racionalização e planeamento, muito associado à
mecanização do processo, existia, também, uma forte componente
ligada à natureza. Efectivamente, um dos objectivos era fixar as
populações à actividade agrícola, como complemento ao trabalho
mecanizado, proporcionando-lhes uma relação com a natureza e
valorizando os valores humanos, tão prementes na sociedade alemã.
Todavia, se o conceito de vida passava por criar uma harmonia entre
o rural e o industrial, em que as pequenas habitações se articulavam
organicamente no território, esta não era uma situação previsível a
curto prazo, pois o contexto político da Alemanha apontava em
sentido contrário, pelo que o maior contributo deste trabalho, nascido
da Bauhaus, pode radicar na “noção de espaço mínimo, da chamada
Figura 30
Casas dos Mestres da Bauhaus
125
vivenda mínima”, conforme refere Jacinto Rodrigues (1989, p.38).
Há ainda a salientar que um dos aspectos mais importantes deste
projecto foi o modo como se processaram, ao nível técnico, os
trabalhos de execução. Com base numa boa programação,
equacionando questões da ordem metodológica e financeira, a obra
foi programada e faseada para aumentar o rendimento e, para isso,
foram colocados estaleiros no local, as técnicas tiveram como
objectivo reduzir o transporte de materiais volumosos, foram
efectuadas unidades de construção de paredes em painéis, ou seja,
foram criados todos os procedimentos para racionalizar os trabalhos.
Este trabalho, em cooperação com a Sociedade de Investigação do
Governo para a construção de Casas Económicas, permitiu que
rapidamente se construíssem as casas, contudo, veio a verificar-se
que este sistema, altamente racionalizado, não tinha diminuído os
custos do modo que era suposto; não obstante, temos de reconhecer
que foi um processo muito importante para a arquitectura e para o
urbanismo moderno.
Outro exemplo, neste bairro de Törten, que nos interessa apresentar
neste estudo, por o considerarmos um contributo particular que
marca a emergência do novo paradigma na forma do homem habitar
o espaço, foi o projecto de Carl Fieger. É uma casa cheia de
126
funcionalidade racionalista e a sua linguagem arquitectónica, muito
cuidada, transforma-a num exemplo de grande qualidade formal.
Ainda no mesmo bairro, aparece a casa de Georg Muche e Richard
Paulick que, ao contrário da anterior que apontava claramente para
um modelo de máquina de habitar, aproveitou a evolução técnica
para edificar uma casa experimental em aço e que provava a sua
dependência do orgânico, já que Muche pretendia realizar uma
habitação de crescimento variável como os organismos e com
unidades de pré-fabricação industrial em forma de módulos:
The customary house is built on a floor plan, fixed in the
organization of its rooms. This would be correct if the number of
family members always remained the same and if the space
requiremened remained unchangerd. But the family is a flexible
organism, and its numbers increase or decrease wiyh the time.
Hence, the floor plan must be worked out in such a way that
enlargement or diminution is possible as a natural arrangement,
without having to demolish building units (…) (Wingler, 1993, p.
417)
Nesta fase, é importante referir os conflitos ideológicos existentes na
sociedade alemã, com a vanguarda a dividir-se entre os
funcionalistas e os racionalistas. Segundo Behne, os funcionalistas
Figura 31
Casa de aço.
127
poderiam ser chamados de organicistas, contudo, o sentido atribuído
não tinha como base o artista reprodutor da natureza, ou as leis da
natureza, mas sim, o entender o edifício como a extensão do corpo
humano, aplicado a uma função particular, e incapaz de se adaptar a
situações mais abrangentes, exactamente ao contrário do
preconizado pelos racionalistas, “Si el funcionalista busca la mayor
adecuación posible a la finalidad más especializada posible, el
racionalista busca la mayor conformidad a distintas situaciones. Los
funcionalistas son individualistas, mientras que los racionalistas
asumen su responsabilidad con la sociedad”. 73737373 (Doesburg, 1990,
apud, Colquhoun, 2002, p.169)
Um outro aspecto, indissociável da transição entre os métodos de
fabricação artesanais e industriais, foi a construção, promovida pela
Werkbund, do Bairro Weissenhof, que ficou conhecido como símbolo
da arquitectura progressista. Na realidade, a Werkbund estava
interessada em promover a pré-fabricação e, assim, pediu a Mies
Van Der Rohe para urbanizar, em Stuttgard, um bairro com sessenta
habitações destinado a alojar famílias com poucos recursos
73737373 DOESBURG, Van. 1990. On European Architecture: Complete Essays from Het
Bouwbedrijf, 1924-1931. Basilea/Boston : Birkbäuser, p.88-95.
128
económicos, e, neste caso, a industrialização do processo de
construção já iria permitir reduzir, de facto, o custo de construção.
Para o efeito, em que o modo principal seria a pré-fabricação, foram
convidados vários arquitectos de diferentes países, tendo Gropius
participado com duas casas e, nas suas intenções, podemos
perceber a ideia geral do grupo.
The most interesting of the experiements carried out under the
Weimer Republic was the Weissenhof Housing Project for the
Werkbund Exhibition at Stuttgard. In his two detached houses
Gropius again caoncentrated upon the techniques of building
constrution – this time upon dry wall conbstruction: light steel
franmework, with wall panels of compressed cork covered with
sheets of asbests cement. (Giedion, 1992a, p.75)
Além da colaboração de Gropius, esta experiência tem uma relação
particular com a Bauhaus porque no bairro existia, igualmente, um
prédio de habitação de Mies van der Rohe, futuro director da
Bauhaus. Esta obra é particularmente importante pois concretizava
uma aproximação entre a arquitectura e a tecnologia industrial
derivada do edifício colectivo de Mies se desenvolver a partir de uma
estrutura de aço e das paredes se constituírem em painéis de
revestimento pré-fabricados.
129
Nesta época, Mies van der Rohe era director da Werkbund e assistiu-
se a uma mudança nítida. Giedion (1992, p.598-599) faz notar que:
The Weissenhof Housing Settlement gives evidence of two
great changes: the change from handricraft methods of
construction to industrialization, and the premonition of a new
way of live. (…) The Weissenhof Housing Settlement is
dominated by Mies van der Rohe’s steel-framed apartement
house. (…) Many architectural critics found the continuous steel
suports that ran freely through the houses of Mies van der Rohe
and Le Corbusier very unsightly. It seems that it is especially
difficult for the architect to free himself from the appearance of
traditional structural methods in wich the walls were the bearing
members of the house.
A partir de 1925, o esquema urbanístico assenta essencialmente na
casa unifamiliar, integrada no quarteirão em grandes conjuntos, a
arquitectura pretende, assim, resolver aspectos sociais da vida
urbana.
Conforme temos verificado, o modelo de meados dos anos 20, do
ponto de vista do urbanismo, construía-se, neste caso, com base na
cidade-jardim, na casa muito mecanizada, implantada numa base
orgânica mas em que a casa resolvia problemas funcionais, um
130
conceito imortalizado por Le Corbusier na famosa frase: a casa como
máquina de habitar; no entanto, ainda se constata muito respeito
pela envolvente, ou seja, perdura o confronto entre estas duas
vertentes: a casa mecanizada e o exterior natural orgânico. Contudo
previa-se uma mudança no quadro e a máquina estava prestes a
tornar-se num modelo unitário, as mega-estruturas urbanas
sobrepunham-se ao modelo de cidade-jardim; num processo que
Jacinto Rodrigues (1989, p.147) considerou:
Um salto tecnológico para permitir à casa máquina de habitar
tornar-se cidade máquina, se possível integrada numa mega-
estrutura ou em várias implantações ritmadas de modo a
aproveitarem espaços e sol.
Um projecto que vai reflectir essa nova fase de transição é o modelo
urbano para Spandau-Haselhurst – Berlim de 1929, que considerava,
além de um conjunto de casas habitacionais entre dois e cinco
andares, um edifício de doze andares que constituíram um exemplo
do que viriam a ser as cidades máquina do futuro.
É interessante constatar que com este projecto, que ganhou o
primeiro prémio, Gropius estava aqui com uma posição bem mais
permeável, entre o natural e o mecânico, do que aquela que tinha
aquando da formação da Bauhaus, mas continuando a revelar a
131
mesma sensibilidade para com o orgânico, do qual o fenómeno
humano é o paradigma por excelência, conferindo à sua obra uma
importante dimensão poética que faz dela um exemplo na
arquitectura mundial.
Com a emigração de Gropius para a América, devido à perseguição
nazi, a Bauhaus mudou-se para Berlim e Hannes Meyer assumiu a
direcção da escola até 1933, e a escola seguiu um novo rumo.
No entanto, após a saída de Gropius da direcção da escola, o
espiritualismo de que a Bauhaus estivera imbuída foi irradiado,
e o mundo da produção instituiu-se como objectivo principal.
(Barata, 2007, p.22)
132
4 . 2 . 2 . F U N C I O N A L I S M O P R O D U T I V I S T A D E
M E Y E R
As ideias de Meyer eram próximas das defendidas pela esquerda
construtivista, defendendo a arquitectura com um modelo técnico
produtivo que apontava para algumas linhas de continuidade com o
passado da Bauhaus, e que pelo seu rigor matemático, apontava,
também, para a linha formal de Wittgenstein. O trabalho deste
director, talvez o menos conhecido da Bauhaus, foi durante muito
tempo explicado, apenas, pelas suas tendências políticas e, mais
recentemente, associado a uma vertente funcional do funcionalismo
produtivista, contudo, não podemos esquecer que, inicialmente, os
seus projectos reflectiam um neoclassicismo característico do
movimento suíço da cidade jardim, no qual teve uma participação
activa.74747474
74747474 Estas motivações teriam surgido por volta de 1912, 1913, quando fez uma viagem
de estudo a Inglaterra, onde teve oportunidade de contactos com o movimento da
cidade jardim e com as cooperativas de habitação de Londres e Birmingham, e só
mais tarde aderiria aos princípios do movimento moderno.
133
Nos três anos em que assumiu a direcção da escola, Meyer tentou
substituir a estrutura pedagógica introduzindo novos temas, como a
psicologia, a sociologia e a economia e valorizando a racionalidade,
o materialismo e o ensino científico. Os seus princípios baseavam-se
quer no profundo conhecimento da construção, numa vertente
técnica, quer num compromisso total com a existência humana.
Para ele, a construção devia ser um processo elementar simples que
reflectisse as necessidades essenciais do ser humano, ideias essas
que, de uma forma geral, aparecem expressas no texto Construir,
publicado na revista nº 4 da Bauhaus, em 1928, onde expõe a sua
estratégia e na qual se percebe o compromisso entre a
funcionalidade técnica a que se destina os espaços habitáveis
subordinada, á função principal, a vida.
Para Meyer a vida é uma função, pelo que construir é um processo
biológico e não um processo estético.
Nesta sequência, Rodrigues (1989, p.159) resume, assim, a
metodologia hiperfuncionalista de Hannes Meyer:
Vida sexual, sono, animais domésticos, jardinagem, higiene
pessoal, protecção contra as intempéries, manutenção e
higiene da casa, manutenção do carro, cozinha, aquecimento,
luz solar, serviços.
134
Neste texto, reflectem-se claramente as necessidades biológicas,
físicas, intelectuais e espirituais que Meyer tinha em conta para
tornar a vida possível, em qualquer tipo de construção, delineando
uma arquitectura que não se prendia com questões estéticas mas,
antes, com questões de ordem funcional que se resumiam ao bem
estar da vida humana.
É curioso constatar o modo como Meyer enquadra, por um lado, o
problema do artificial e do natural, e por outro, as preocupações com
o facto da arquitectura poder harmonizar as exigências do indivíduo e
da sociedade, numa perspectiva tão próxima da que foi a primeira
característica do factor humano, a construção de um abrigo, mas,
agora, adaptada a novas possibilidades tecnológicas.
Na sequência desta inovação conceptual, foram desenvolvidos
cursos e palestras na área de sociologia e biologia, no sentido de
adequar a técnica aos interesses da comunidade, numa atitude
contemporânea ligada às questões sociais e cientificas e que
deveriam ser equacionadas, com igual importância, no processo de
concepção dos projectos.
Como se percebe, existem importantes diferenças entre a Bauhaus
de Gropius e a nova escola de Meyer, sendo a mais significativa o
modo como Meyer valoriza a ciência e a técnica numa concepção
135
tecnicista 75757575 independente das questões estéticas com as quais
Gropius tanto se identificava.
As ideias com que pretendia organizar a continuação da escola
foram expressas na revista ABC e num artigo escrito por Meyer, O
novo mundo, percebe-se o modo como rejeita a arte e a obra de arte,
criticando o individualismo e elevando os ideais colectivos da
sociedade socialista, assim, “a crença na máquina como protectora
da riqueza social é também outra base do seu discurso”. (Rodrigues,
1989, p.160)
Hannes Meyer reduzia, pois, o acto de habitar a uma questão
técnica, a um esquema funcional, a casa seria entendida como uma
máquina de habitar, e os novos materiais fariam a integração deste
novo conceito.
Meyer attempted to accentuate architecture by expanding the
curriculum and by creating a division between a sientifically
75757575 Meyer dividiu o departamento de arquitectura numa secção teórica (Baulehre) e
numa secção teórica (Bauabteilung): “The Baulebre was structured along the lines of
a technical college and comprised subjects such as statics, building construction, the
theory of building materials, technical drawing, heating, ventilation, climatology (…)”.
(Bax, 1991, p.48)
136
objective and an artistically expressive direction. Thus, he was
actually continuing the afore-mentioned activist objective of
bringing about a synthesis between art and technique. (Bax,
1991, p.47)
Nesta fase, as questões do urbanismo ganham uma nova dimensão
no seio da Bauhaus visto que, para além do interesse de Hannes
Meyer por estas questões, que perdurava desde o plano de
urbanização de Basileia, existiam outros factores importantes, como
o primeiro congresso do CIAM, em Serraz, e, também a figura de
Hilberseimer, seguidor, na escola, das ideias de Gropius
relativamente à cidade moderna e que desenvolveu um trabalho que
influenciou de forma particular as cidades dos nossos dias.
Jacinto Rodrigues (1989, p.170) considera-o uma figura importante
nos ensaios relativos à cidade-máquina, pois uma das suas ideias:
(…) consiste em querer conferir o máximo de racionalidade e
funcionalidade ao alojamento, no intuito dum máximo de
produtividade baseado sobre gastos mínimos. A noção de
alojamento mínimo vital, ou ainda mínimo de existência
alicerça-se nesta perspectiva.
Importa assinalar que embora o espírito apontasse para modelos
urbanos, que se articulavam entre a cidade máquina e a casa
137
máquina e os espaços mínimos, as mega estruturas não
desprezavam a existência da vida e, assim, os espaços
racionalizados organizavam-se em articulação com a paisagem e
com a natureza, como se testemunha no projecto executado sob a
direcção de Hannes Meyer, entre 1928 e 1930, a Bundeschule des
Allgemein Deutschen Gewerkschaftsbundes (Escola da
Confederação Geral dos Sindicatos Operários Alemães), em
Bernaue. Este complexo foi implantado num terreno em desnível e foi
bem integrado na paisagem do lago e da floresta, com os volumes a
serem bem dimensionados e a proporcionarem uma relação
interessante entre o espaço interior e espaço exterior, e podendo-se
verificar que:
(…) Nesta obra Hannes Meyer testemunha uma sensibilidade à
natureza que contradiz alguns textos em que se pode ler um
excessivo funcionalismo, baseando apenas em factores
técnico-materiais a forma da arquitectura. (Rodrigues, 1989,
p.176).
Neste parágrafo, percebe-se que apesar da vertente técnica
desenvolvida por Meyer ser marcada pela relação com a indústria,
existia paralelamente uma forte sensibilidade para com a natureza e
para com o homem, como elemento fundamental.
138
Hannes Meyer always adopted an ecological perspective (...)
For instance, he frequently spoke of need for a Biological
Architecture, and in his building plans -such as his design for
the Palace of the League of Nations – he turned away from
construtivism towards an Organic Building, as in the Federal
School at Bernau. (Bax, 1991, p.50)
É curioso que, na Bauhaus, sendo Meyer o que mais se aproxima da
máquina é, também, aquele que mais se aproxima do homem.
139
4 . 2 . 3 . F U N C I O N A L I S M O F O R M A L I S T A D E M I E S
Entretanto, com a ascensão e vitória dos nazis, na Alemanha, Mies
van der Rohe vai assumir a direcção da Bauhaus e tentar retirar, da
escola, as conotações políticas a ela associadas, procedendo a uma
reformulação das actividades curriculares. A escola assume, então,
uma nova estratégia, notando-se uma maior preocupação técnica,
em que os objectivos pedagógicos se reflectem, essencialmente, no
campo da arquitectura, e em que os cursos passam a transparecer
essa mesma vertente técnica, que passa a estar a cargo de
engenheiros: estática, mecânica, resistência de materiais, entre
outros.
Para entender esta estratégia de Mies é importante determo-nos um
pouco no seu percurso: quando chegou à escola era já um arquitecto
com uma carreira considerável, que tinha comprovado nas suas
obras uma grande sensibilidade estética e, sobretudo, uma enorme
competência técnica. Era filho de artesão e desde muito cedo
trabalhou a pedra, estivera também, como já foi referido, envolvido
no ideal da Werkbund, onde tentou passar para a indústria as
140
aptidões do artesão. “Furthermore, Mies probably was sensitive to
the ideas of the expresionist and Rudolf Steiner at that time.” 76767676 (Bax,
1991, p. 53)
A vertente técnica que marcou a sua obra passa muito pelo interesse
que votou à obra de Sckinkel e ao modo como trabalhou as técnicas
do seu tempo. Também trabalhou no atelier de Behrens, e desde o
início, as suas obras oscilam entre um racionalismo formal e o
racionalismo poético de Stijl, sendo de referir que, na época, a
Holanda tinha uma das mais avançadas escolas, do mundo da
arquitectura.
Esta sua posição leva-o a investigar o tema arranha-céus em vidro e,
em 1921, projecta o primeiro para a primeira de quatro exposições,
organizada pelo Novembergruppe, um conjunto de arquitectos
radicais que propunham a renovação da arquitectura. O edifício
reflecte o domínio técnico, em paralelo com um ideal de casa
transparente que se ergue entre o céu e a terra, e é marcado, na
76767676 Segundo este autor: “From 1910 on, he regularly visited the garden city of
Werkbund member Karl Schmidt-Hellerau because his fiancée Ada Bruhn took
courses at the school of the (anthroposophical) eurythmic-pedagogue Emile Jaques-
Dalcroze located there.” (p.53)
Figura 32
Pavilhão de Barcelona.
141
mesma proporção, pela vertente utópica e expressionista. Aliás essa
vertente expressionista acompanha a obra de Mies e está, também,
patente no monumento a Rosa Luxembourg, considerado como uma
peça expressionista.
Em 1926, Mies é nomeado responsável pela Werkbund, realizando aí
um dos exemplos mais avançados da ligação arquitectura/indústria
daquele tempo. O pavilhão para a Exposição Mundial de 1929, em
Barcelona, tornou-se um exemplo típico daquilo que podemos
chamar o funcionalismo formalista de Mies van der Rohe. Mostrando
uma notável precisão técnica, acabamentos de um requinte até ai
nunca alcançado pelos arquitectos modernos, o pavilhão cumpria o
objectivo de se apresentar como símbolo da produção de qualidade e
perfeição da técnica alemãs.
Na escola, em termos de funcionamento os ateliers foram
reorganizados de modo a colocarem-se, essencialmente, ao serviço
da arquitectura. As disciplinas técnicas ficaram a cargo dos
engenheiros e os cursos eminentemente técnicos, organizavam-se
em disciplinas como a estática, mecânica, resistência de materiais,
construções de ferro e de betão armado.
Como vimos, o percurso da Bauhaus orientou-se no sentido de tentar
solucionar o binómio homem-máquina, pese embora alguns autores
Figura 33
Esquiço do interior do pavilhão de Barcelona.
142
terem sugerido outras reflexões como arte/artesanato;
indústria/artesanato, ensino artístico / ensino técnico.
Contudo, neste trabalho interessou-nos particularmente o modo
como a escola se foi ajustando na tentativa de dar resposta à
necessidade de criar habitações com qualidade e como equacionou
as questões relacionadas com a função habitacional, consciente das
necessidades do ser humano e do valor acrescido que a máquina
podia trazer à vida do homem.
143
4 . 3 . L E C O R B U S I E R
4 . 3 . 1 . F O R M A Ç Ã O P E S S O A L E N T R E A
N A T U R E Z A E A T É C N I C A
O suíço Charles-Edouard Jeanneret, conhecido como Le Corbusier,
foi, eventualmente, o primeiro arquitecto a abordar as questões do
natural e do artificial de forma explícita e a afirmar várias vezes, no
seu percurso, a importância da natureza e o papel fundamental da
máquina na vida do Homem. Na verdade, a sua relação intensa com
a natureza e com a técnica, em paralelo com a componente artística,
desenvolveram-se a partir da mais tenra infância, pois todos este
factores estavam muito presentes no seio da sua família e, apesar do
fascínio pela máquina, este arquitecto continuou sempre a manifestar
uma forte relação de apreço e de respeito pela natureza,
conseguindo manter esta vertente natural ao longo da sua trajectória
pela arquitectura, conforme vamos tentar provar.
Le Corbusier cresceu em La Chaux-de-Fonds, uma povoação
relativamente pequena mas com um certo reconhecimento
internacional e fortes relações com o estrangeiro, visto que os
relógios, fabricados neste lugar, tinham criado uma concorrência com
o exterior e crescia, ali, uma vertente artística com uma certa
144
relevância.
Na primeira fase da sua vida, Le Corbusier tem uma relação muito
próxima com o pai Charles Jeannearet, presidente do clube alpino de
montanhismo e grande apreciador da natureza, que ocupava grande
parte dos tempos livres a escalar montanhas e a observar com
grande pormenor a natureza, de modo que o filho, que muitas vezes
o acompanhava, conhecia bem os fenómenos naturais da região.
Los bosques y las cumbres de las montañas eran lugares
inquietantes e imponentes que proporcionaban al joven
Jeanneret momentos de liberación interna ante las fuerzas
épicas y grandiosas de la naturaleza. Así lo recordaba (Le
Corbusier apud Curtis, 1987, p.18) muchos años después:
Estábamos siempre en las cumbres, el horizonte inmenso era
algo habitual para nosotros. Cuando el mar de nubes se
extendía hasta al infinito, era como el mar de verdad, que yo no
había visto nunca. Era el espectáculo culminante.
Paralelamente a esta aptidão para apreciar detalhadamente a
natureza, o senhor Jeannearet, que trabalhava na indústria relojoeira
como esmaltador, valorizava o artesanato e, consequentemente,
defendia a precisão e a perfeição.
Figura 34
Desenhos realizados por Le Corbusier.
145
A mãe de Le Corbusier, além de também perseguir este ideal de
perfeição, não descurava na formação do filho a disciplina e o gosto
pelo trabalho. Pianista e professora de música, despertou-lhe a
sensibilidade e o gosto por valores culturais, imbuídos do sentido de
rigor e que o arquitecto, sempre que recorda a sua mãe, resume
numa frase: “Lo que hagas, hazlo bien”.(Curtis, 1987, p.17)
Com efeito, no seio da sua família valorizavam-se “por igual las
aptitudes técnicas, intelectuales y estéticas” (Curtis, 1987, p.17) e Le
Corbusier percebeu muito cedo a importância destes valores na sua
formação, tanto que, em 1911, referiu:
En cuanto a mí, no comparto la idea de que con 25 años haya
que tener una posición en la vida (...) Me siento atraído por una
idea mucho menos forzada de la vida (...) más como una
sinfonía que como el tic-tac de un reloj. (Curtis, 1987, p.26)
Este pequeno texto é de facto elucidativo porque para além das suas
palavras aludirem, tal como a sua obra, ao confronto do domínio do
sensível, do artístico, do humano – a sinfonia, com o da técnica - o
tic-tac, o relógio, podemos igualmente, constactar que Le Corbusier
teve na sua formação os três princípios fundamentais que
sustentarão a sua arquitectura: o amor pela natureza, incutido pelo
pai; o factor técnico, a admiração pela máquina, a perfeição,
146
desenvolvidos pelo contacto com a actividade relojoeira, 77777777 e a
sensibilidade artística, promovida pela mãe.
Na realidade, apesar de se tratar duma época muito marcada pela
máquina e deste tema ser o aspecto mais abordado na obra de Le
Corbusier, sobre o qual vários historiadores e autores do século XX
produziram obras e formularam teorias, podemos afirmar que as
vertentes técnica e natural sempre se sentiram, em simultâneo, nas
palavras e na obra deste arquitecto.
Uma das principais preocupações do arquitecto era a funcionalidade,
os seus projectos apresentavam linhas simples e funcionais, cada
projecto tinha uma lógica e o objectivo principal era o bem-estar dos
habitantes. Le Corbusier não procurava uma arquitectura decorativa
ou ornamental, nem pretendia exaltar qualquer tipo de emoção ou de
espiritualidade, apenas procurava a funcionalidade prática. Esta
77777777 Curiosamente Mumford, em 1934, no seu livro Technics and Civilization defende
ser o relógio e não a máquina a vapor, a máquina clara da moderna idade industrial,
ainda, nesta obra segundo Francastel (1956, p. 41) “l’auteur s’est proposé d’etudier
les conséquences de l’instrusion de la machine dans la vie publiques et privée des
hommes, principalement en fonction de l’urbanisme et de l’architecture, mais dans
une perspective qui embrasse l’évolution totale des temps modernes. »
147
postura, que reflectia a sua personalidade, marcou todos os seus
projectos e foi responsável pela sua participação no movimento
Purismo. 78787878
Nos seus primeiros trabalhos são já perceptíveis ensaios com as
tecnologias modernas, como é o caso da investigação sobre a
aplicação de técnicas industriais a que se dedicou enquanto
trabalhava em La Chaux-de-Fonds, entre 1911 e 1917. Le Corbusier,
ainda que mantivesse uma postura relacionada com a arquitectura
tradicional, visava já aplicar aquelas técnicas num projecto de casa
colectiva, assente na ideia de cidades-jardim.
Na fase inicial, Le Corbusier sentiu-se, de facto, muito atraído pelo
fenómeno técnico e quando, em 1914, visitou a exposição de
Colónia, ficou fascinado com a imagem mecânica provocada pela
utilização do betão, do aço e do vidro em alguns pavilhões,
nomeadamente, no pavilhão Deutscher Werkbund, no Deutzen
Motoren e no pavilhão de Cristal de Bruno Taut. Com efeito, na
78787878 Este movimento é lançado por Amédée Ozenfand e objectiva a compreensão de
um fenómeno, defendendo apenas a pureza de uma tradição ou ortodoxia e
rejeitando qualquer outra possibilidade.
148
sociedade alemã da época estava já muito presente a ideia de
técnica industrial, todavia, Le Corbusier, apesar de fascinado com a
aplicação inovadora dos novos materiais, evidencia na sua
correspondência alguns receios na aceitação de uma ideia
unificadora, não deixando de ser interessante esta postura cautelosa
relativamente a estas questões, que de igual modo preocupavam o
meio intelectual da época.
Com a aquisição do Jahrbuch de Werkbund de 1913, Le Corbusier
ficou entusiasmado com fotografias de fábricas, silos e barcos de
guerra que evocavam de forma particular a era da máquina e ficou
especialmente interessado num artigo de Walter Gropius que
abordava a forma estética na engenharia. Gropius fazia a
comparação dos monumentos do antigo Egipto com os silos
americanos e canadianos e apelava a um novo estilo baseado em
formas simples de proporções claras, “los nuevos tiempos exigen su
propia expresión”. (Curtis, 1987, p.41)
Efectivamente, este tipo de abordagem já tinha sido feita por Le
Corbusier, em 1911, pois da primeira vez que vira o Partenón
comparou-o a uma máquina e referiu com admiração as matemáticas
divinas do edifício. Assim, sabendo-se que nesta época ainda era
pouco provável a relação entre estes dois arquitectos, poder-se-á
149
colocar a hipótese de existir uma certa unidade na tendência de
evolução técnica autónoma, para desenvolver uma nova forma de
habitar.
150
4 . 3 . 2 . L ’ E S P R I T N O U V E A U
Em 1917, Le Corbusier instalou-se em Paris e começou a trabalhar
numa fábrica como administrador delegado para assuntos técnicos e
director do processo de fabricação. Paralelamente, montou um
estúdio e começou a pintar a óleo com a orientação de Amédée
Ozenfant, iniciando-se uma colaboração que deu origem a vários
artigos publicados na revista L’Esprit Nouveau. 79797979
O tema principal de L’Esprit Nouveau equacionava a problemática
relação entre a arte e a sociedade industrial e os seus artigos,
contendo frases como: ”Há um espírito novo: é um espírito de
construção e de síntese guiado por uma concepção clara. (…)
Ninguém nega hoje a estética que exala das criações da indústria
moderna.” (Le Corbusier, 2000, p.59) defendiam a ideia de que o
mundo industrial moderno implicava novas perspectivas para o
79797979 Nos primeiros artigos explicam onde nos leva a vida moderna, considerando um
facto irreversível a máquina: “Al revolucionar el trabajo, la máquina siembra los
gérmenes de grandes transformaciones sociales, al imponer al espíritu condiciones
diferentes, prepara una orientacíon nueva.” (Ozenfant/Jenneret, 1994, p.21)
Figura 36
Capa do primeiro número dirigido por Le Corbusier.
Figura 35
Le Corbusier, Ozenfant e Dermée, os fundadores de L’Espirit Nouveau.
151
homem e para a sociedade. A ideia geral era superar-se a dicotomia
entre a arte e a ciência para que da união destas duas realidades,
que utilizavam meios diferentes, resultasse uma nova estética.
Esta era uma ideia também partilhada por De Stijl, segundo
Colquhoun, mas o que diferenciava a L’Esprit Nouveau de De Stijl
era a esperança de que a nova estética se revelaria clássica no seu
espírito. A ideia de sobreposição entre o velho e o novo, como no
caso do Partenón a ser comparado com um automóvel moderno,
ficou sublinhada nos ensaios monográficos de mestres clássicos
franceses, como Poussin e Ingres.80808080
A ciência e a tecnologia tinham alcançado um tão elevado grau de
perfeição que potencializavam a possibilidade de criar obras de arte
de uma beleza plástica inquestionável e objectiva. Um dos artigos
mais polémicos da revista Domaine de L’Esprit Nouveau, número 1
referia:
80808080 Estes artigos alternavam com os de Charles Henry (1959-1926) autor de
Introduction à une Esthéthique scientifique, e cuja teoria psicofísica da arte
influenciou a estética formalista do período entre guerras.
152
Nadie niega hoy a la estética el que se desprenda de las
construcciones de la industria moderna. Cada vez más, las
construcciones industriales, las máquinas se establecen con
proporciones, juegos de volúmes y materias tales que muchas
de ellas son verdaderas obras de arte, porque comportan el
número es decir el orden. (Ozenfant e Jeanneret, 1994, p.49)
Para L’Esprit Nouveau era inquestionável a importância do artista e
da sua função numa sociedade contaminada pela máquina:
No podíamos hacer más que ocuparnos del maquismo,
estimando que era el fenómeno nuevo, el acontecimiento de la
época. (...) Constatamos que el maquinismo está basado en la
geometría y, finalmente, establecimos que el hombre sólo vive,
de hecho, de geometría es, hablando com propiedad, su
lenguaje mismo, significando com esto que el orden es una
modalidad de la geometría y que el hombre sólo se manifiesta
por el orden. (Le Corbusier, 1983, p.18-19)
Analisando a obra de Le Corbusier, percebe-se que em nenhuma
fase do seu trabalho as suas ideias estiveram, apenas, dependentes
do orgânico ou da técnica. Efectivamente, o sistema de ideias de Le
153
Corbusier 81818181 (1925, apud Colquhoun, 2002, p.139) transferia este
dualismo para o resultado:
El primer objetivo de la arquitectura – escribía – es crear
organismos que sean perfectamente viables. El segundo –
donde realmente empieza la arquitectura moderna – es
conmover nuestros sentidos con unas formas armoniosas, e
nuestras mentes mediante la percepción de las relaciones
matemáticas que las unifican.
As ideias de Le Corbusier sobre a arquitectura moderna espelham-se
na evolução que incutiu ao emprego do betão armado, um material já
com uma utilização muito importante na arquitectura moderna do
início do século XX, mas que era aplicado de um modo limitado na
maioria das obras. Com efeito, Le Corbusier aprendera com Auguste
Perret, seu mestre, a considerar o betão armado como um material
estruturalmente moderno e vai utilizá-lo de uma maneira
completamente distinta, tirando partido das suas características para
o aplicar na industrialização. A primeira experiência foi com a
81818181 JEANNEARET, Charles-Édouard.1925. Ce salon D’Automne em L’Espirit
Nouveau 28, enero, p. 2332-5, citado em LEGAULT, Réjean, p. 261.
154
estrutura Domino (1914) que consistia num sistema pré-fabricado em
que as lajes eram independentes das paredes, e embora nos
primeiros projectos com este sistema as paredes exteriores fossem
“estructuralmente redundantes todavía parecían ser de
fábrica”.(Colquhuon, 2002, p. 142)
Le Corbusier, ao contrário do que se passava com outros arquitectos,
rapidamente começou a utilizar o betão de forma diferente, tanto que
em 1927, construiu a casa Citrohan em Weissenhof, na exposição
patrocinada por Deutsche Werkbund, conceptualizando uma
proposta de manifesta evolução qualitativa em que desaparece a
presença da estrutura, tornando o esqueleto estrutural oculto, um
processo em que a obra de Le Corbusier ganha uma dimensão
particular, distinguindo-se definitivamente da dos seus colegas
modernos.
No discurso do arquitecto eram muito comuns associações com
partes de organismos tanto que uns anos mais tarde a propósito do
projecto da uma casa em Neuilly-sur-Seine, Le Corbusier, (Boesiger,
I vol., 1995, p.89 ) em carta à senhora Meyer faz a associação entre
as técnicas construtivas e os sistemas orgânicos:
(...) on est accoustumé depuis des années à voir des plans qui
sont si compliqués qu’ils donnent l’impression d’hommes
Figura 37
Esqueleto da Casa Dominó (1914).
155
portant les viscères au-dehors. Nous avons tenu à ce que les
viscères soient dedans classés, rangés, et que seule une
masse limpide apparût.
Estas observações revelam a concepção que Le Corbusier tinha da
relação entre a tecnologia moderna, nomeadamente, a máquina e a
natureza. A tecnologia, em permanente mudança, faz com que o
edifício seja funcionalmente eficaz, satisfazendo umas necessidades
e dando origem a outras. Assim, do mesmo modo que a maquinaria
do carro, a tecnologia da casa deveria ser invisível. “Tanto la casa
como el coche son objets-type: complejos conjuntos de funciones
enfundadas en membranas platónicas.” (Colquhoun, 2002, p.146)
Importa notar que esta analogia mêcanica e biológica comporta uma
relação entre a forma e a função, pois se as formas orgânicas podem
ser estudadas como se fossem máquinas, as máquinas,
frequentemente, encontram soluções com base em príncipios
naturais.
156
4 . 3 . 3 . M O D U L O R - A E S C A L A H U M A N A
A D A P T A D A À M Á Q U I N A
É de salientar que, para Le Corbusier, a vertente técnica nunca se
desenvolveu afastada do sentido da harmonia e da escala humana,
conforme se pode comprovar em frases proferidas pelo arquitecto
(Le Corbusier, 1973, p.65):
La arquitectura se juzga con los ojos que ven, com la cabeza
que gira, con las piernas que andan. La arquitectura no es un
fenómeno sincrónico, sino sucesivo, hecho de espectáculos
que se sumun unos a otros e se suceden en el espacio y en el
tiempo, como la música. (...) El ojo humano no es el de una
mosca situada en el corazón de un poliedro, sino en el cuerpo
de un hombre, a uno e otro lado e la nariz y a una altura media
de 1,60 m del suelo. Tal es el aparato de que disponemos para
apreciar la sensación arquitectónica.
Neste texto que nos remete, também, para a herança musical da sua
mãe, Le Corbusier sublinha a importância que dá ao homem na
concepção do espaço. De facto, para este arquitecto o homem era o
elemento fundamental no processo de artificialização do espaço, pelo
que idealizou o tamanho padrão do homem (1,83m) e criou, através
157
da divisão do corpo humano de forma harmónica e equilibrada e
agradável à visão, uma série de medidas proporcionais sustentadas
na matemática, produzindo uma sistematização, baseada na razão
de ouro, que servia para regrar os seus projectos e as suas pinturas.
Le Corbusier estava, realmente, consciente da necessidade de
ajustar o espaço à escala humana, o homem elemento natural, e
deste aspecto ser fundamental para enquadrar os novos conceitos
de habitar, e é desta perspectiva que nasce o Modulor, 82828282 um sistema
de medidas e proporções assente nos números de ouro que aplicou
de várias formas, nomeadamente, nas suas espirais que nasciam a
partir da colagem de rectângulos de ouro e dum mecanismo
matemático.
A importância desta inovação pode ser dimensionada nas próprias
palavras que Le Corbusier 83838383 proferiu, quando numa entrevista, foi
82828282 O Modulor foi apresentado ao público na primeira metade do século XX e que,
alguns anos depois, Le Corbusier obrigava-se a uma nova publicação baseada no
sucesso da primeira.
83838383 Los orígenes. In Vida y Obra de Le Corbusier [em linha]. Buenos Aires :
Arquitectura en Línea, 1997-2007 [Referência de 26 de Outubro de 2006]. Disponível
na Internet em: <http://www.arquitectura.com>.
Figura 39
O Modulor uma nova medida.
Figura 38
Esquiços do Modulor.
158
confrontado sobre o trabalho desenvolvido com o Modulor:
Luca Paccioli escribo durante el Renacimiento La Divina
Proporcione, inspirada en cosas del pasado. El número de oro
Pitágoras. Yo aporté algo nuevo al número de oro gracias al
sistema métrico de la Revolución. (...) Antes eran el pie y la
pulgada, una escala humana. Y con el métrico perdimos eso ya
que despersonalizó los instrumentos de medida. El metro, el
centímetro, el decímetro no son de la escala, el modulor sí.
Tomé las proporciones desde el plexo solar hasta la cabeza e
el brazo y encontré la sección de oro allí.(...) Y creé un sistema
de dimensionamiento que responde a las dimensiones del
cuerpo humano.
Na sequência deste raciocínio, podemos perceber esta variedade de
dimensões harmoniosas à escala humana que podiam ser aplicadas
uiniversalmente à arquitectura e à indústria.
Na verdade, os resultados deste trabalho contribuíram de uma forma
definitiva para a mudança dos raciocínios e proporcionaram novas
abordagens no âmbito da arquitectura.
(…) Le Modulor s’est répandu dans le monde entier, il a été
adopté avec enthousiasme par quantité de praticiens et surtout
par la jeunesse. Il faut admettre qu’il était attendu, car les
159
tâches modernes de la série, de la normalisation, de
l’industrialisation, ne peuvent pas être abordées sans
l ‘existence d’une gamme commune de dimensions. Le Modulor
en a proposé une. (Boesiger, 1995, V vol. p.173)
160
4 . 3 . 4 . O F A S C Í N I O P E L A M Á Q U I N A
O tema da máquina interessou particularmente Le Corbusier e as
suas considerações relativas a este tema foram expostas em Vers
une Architecture (1923), um livro muito importante na arquitectura do
século XX, que reunia, com ligeiras modificações, os artigos
publicados durante 1920-21, na L'Espirit Nouveau.
Le Corbusier tentava incentivar os arquitectos da época para as
características particulares das construções industriais e das grandes
máquinas do mundo moderno. Estas obras seriam sinceras, simples
e nobres, face à falsidade da arquitectura académica. Para ele o
novo mundo industrial estava cheio de conotações positivas e
enquanto os arquitectos ensinavam aos jovens estudantes “(...) o
falso, o artifício e as obsequiosidades dos cortesãos”, os engenheiros
pelo contrário, pareciam-lhe diferentes: “(...) sãos, viris e saudáveis,
úteis e activos, morais e alegres". (Le Corbusier, 2000, p.6)
Na perspectiva de Le Corbusier, as ordens clássicas estavam mortas
e deviam ser substituídas por um modelo estético que simbolizasse a
era da máquina; revelava-se imprescindível criar um novo sistema
161
simbólico, uma nova linguagem, mas se na nova imagem criada
abundam as metáforas e as analogias à máquina, 84848484 também não
deixam de estar presentes alguns princípios que marcaram o
classicismo, como a proporção e o rigor das ideias e das formas.
Continuando a fundamentação deste ponto de vista, Le Corbusier
(2000, p.166) propunha para a arquitectura as mesmas metodologias
industriais; "depois de se ter produzido nas fábricas tantos canhões,
aviões, camiões, vagões perguntamo-nos: Não se poderia fabricar
casas? Eis aí um estado de espírito completamente actual".
É a partir deste raciocínio de fabricação em série que Le Corbusier
(2000, p.67) sustenta a famosa definição: "Uma casa é uma máquina
de habitar. Banhos, sol, água quente, água fria, temperatura
84848484 A analogia entre a arquitectura e a máquina não era nova, Viollet –le- Duc figura
do racionalismo gótico do século XIX nas suas analogias “(...) buscava la
comparación con las máquinas, especialmente los barcos y las locomotoras. En esto
pudo estar influido por Fergusson o por su protector, Prosper Merimée quien se
lamentó, en varios artículos periodísticos, de que los arquitectos estuvieran
diseñando barcos de vapor tomando como modelos las galeras antiguas. La
analogía entre la arquitectura gótica e las máquinas era algo conocido desde hacía
tiempo. Ya en 1804, Friedrich von Schlegel comparó la catedral de Estrasburgo con
el mecanismo de un reloj.” (Collins, 1970, p. 164)
162
conforme a vontade, conservação dos alimentos, higiene, beleza e
proporção. Le Corbusier, (2000, p.88) não duvida, pois, que:
Se o problema da habitação do apartamento fosse estudado
como um chassis, veríamos as nossas casas se
transformarem, melhorarem rapidamente. Se as casas fossem
construídas industrialmente, em série como chassis, veríamos
surgir rapidamente formas inesperadas, porém sadias,
justificáveis e a estética se formularia com uma precisão
surpreendente.
Nesta sequência de ideias Le Corbusier vai desenvolver vários
projectos em série, dos quais o mais conhecido é a casa Citrohan,
que no seu conjunto procuravam dar resposta à necessidade de se
"agir contra a antiga casa que usava mal o espaço. É preciso (...)
considerar a casa como uma máquina de morar ou como uma
ferramenta". Le Corbusier, (2000, p.180) inspirado nos métodos que
o industrial norte americano Henry Ford introduziu na sua empresa
com o famoso modelo “T” - a casa Citrohan era um jogo de palavras
que significava uma casa como um carro - tentava produzir casas em
série através da estandardização das principais peças e de Figura 40
Casa Citrohan (casas em série).
163
processos que diminuiriam consideravelmente o preço das casas.85858585
Esta visão rígida de organização de trabalho que Le Corbusier
propunha para a construção da casa máquina, era baseada num
sistema de organização de trabalho desenvolvido pelo engenheiro
norte-americano Frederich Taylor e que, entre 1903 e 1909, ficou
conhecido como o taylorismo. 86868686
A casa Citrohan era cúbica, tinha a cobertura plana - numa fase
posterior tornou-se independente do território e deixou o solo para o
estacionamento - tinha alusões mediterrânicas e náuticas, e os
terraços assemelhavam-se a coberturas de barcos. A particularidade
da casa prendia-se com o pé direito duplo da sala, com uma galeria
85858585 Neste apelo à indústria propunha entre outros elementos a janela como elemento
mecânico que se devia tipificar na construção da casa: “on peut fabriquer une
nouvelle fenêtre combinable indéfiniment, à échelle nouvelle, basée sur l’emploi de
la glace ou du verre épais et l’application mécanique du coulissant de la fermeture
par excentrique”. (Boesiger, 1995, I vol., p.77)
86868686 Este sistema obedecia a uma ideia principal que tinha como finalidade a utilização
ideal da máquina, com base na importância essencial da preparação do trabalho
estabelecendo fases distintas que passavam pela concepção e execução e ainda
uma procura sistemática na economia de gastos.
Figura 41
Esquiço da Casa Citrohan.
Figura 42
Interior das casas em série.
164
inspirada num café de trabalhadores de Paris; os interiores simples
reflectiam o rigor da planta funcional e a casa era bem iluminada
através de uma grande superfície envidraçada com alusões fabris
por onde se fazia o contacto com a natureza.
Nesta perspectiva é adequado vermos que a casa Citrohan estava
concebida para qualquer pessoa, em qualquer lugar, isto é, como um
produto abstracto da tecnologia mas, apesar da grande preocupação
do arquitecto em encontrar o ideal de máquina de viver, verificamos
que o contacto com a natureza, sempre presente nos seus projectos,
não é desprezado.
Esta casa é também importante por ter nela que que Le Corbusier
aplica os cinco pontos da nova arquitectura, as regras de um novo
sistema arquitectónico, cinco pontos esses que ficaram na história da
arquitectura moderna pois combinavam, sabiamente, a vertente
técnica e a vertente natural: os pilotis, a planta livre, a janela corrida
e a fachada livre, e a cobertura ajardinada.
A máquina era o conceito que servia de fundamento ao progresso
mundial e para o qual Le Corbusier utilizava um paralelismo filosófico
“para comparar los procesos del universo con un mecanismo que
funcionasse de acuerdo con leyes precisas” (Curtis, 1987, p.53), uma
noção que ele transpunha para a ideia de casa que funcionaria como
165
uma máquina de habitar, o que não implicava que a casa fosse
apenas um objecto meramente utilitário pois deveria equacionar,
igualmente, um conjunto de questões de ordem geral, relacionadas
com o acto de habitar.
O principal objectivo da casa Citrohan era resolver o problema da
falta de casas na França do pós guerra e o arquitecto pretendia ver
as suas ideias aproveitadas pelas entidades competentes pois a sua
casa englobava quer o ideal de objecto funcional quer a categoria de
obra de arte, devido às suas “proporciones sensatas, unos espacios
agradables e la eliminación de la decoración injustificada y de los
hábitos sin sentido”. (Curtis, 1987, p.54)
Neste processo é notório o salto conceptual que se deu desde a
adequação económica e industrial até ao conceito estético, isto no
entendimento de que a palavra estética, em sentido comum, não só
se associa à beleza em todas as acepções deste termo, como
também designa a teoria da sensibilidade à beleza, em especial à
beleza artística e, por conseguinte, à arte.
Neste contexto Juan Ramirez (1986, p.9) coloca uma questão
pertinente, formulada a partir do prefácio da terceira edição de Por
uma arquitectura:
Por qué piensa Le Corbusier que muchas máquinas son
166
verdaderas obras de arte? Mediante qué proceso mental la
casa-máquina pasa a ser considerada más hermosa que la
tradicional? La asociación, de origen platónico, entre pureza-
belleza va unida a la de máquina-sinceridad (o nobleza).
Cuando se maneja el cálculo – afirma Le Corbusier –uno se
halla en un estado de espirito puro y, en ese estado de espíritu
el gusto sigue los caminos seguros.
Continuando a fundamentação deste ponto de vista, este autor
prossegue:
(...) el arquitecto verdadero, aún siguiendo fielmente el ejemplo
del ingeniero, transcendería el mero utilitarismo mecánico para
entrar en el juego complejo de la expresión simbólica, con una
búsqueda consciente de la belleza.
A forma artística seria, então, o resultado lógico do problema bem
formulado, tal como os navios a vapor e os aviões, cuja forma
corresponde exactamente à função e, por conseguinte, seriam tão
belos como o Partenon.
O problema bem formulado, conforme Le Corbusier defendia,
ordenava e equacionava todos os dados e não deixava dúvidas
relativamente aos resultados.
Na sequência deste ponto de vista, parece-nos oportuno
167
reflectir sobre o modo como Collins (1970, p.165) questionou a
beleza de um edifício e uma máquina: “Cuál es la qualidade de un
edifício que corresponda a la belleza del movimento en potencia?
Como se destigue entre la belleza del movimento de una máquina y
la máquina en sí misma?”87878787Segundo este autor:
(…) Pero aunque consideremos que las máquinas son bonitas,
o que poseen ciertas cualidades estéticas, es evivente que la
analogía mecánica comparte com la analogía biológica la
mesma desventaje básica cuando se aplica a la teoría
arquitectónica. Em ambas, la forma e o movimento están
inseparablement combinados.
Neste caso, o sentido de beleza pode ser associado à capacidade de
funcionamento do organismo vivo tal como a de uma máquina.
Contudo, a máquina é apenas a expressão física de um processo
que ocorre num determinado tempo e como a história tem provado,
87878787 Entenda-se que esta noção de beleza tem como antecedente o estudo sobre as
estrutras do passado a as máquinas pois Viollet- le- Duc apesar de considerar, por
exemplo, uma locomotiva feia admirava a potencia das suas funções.
168
em pouco anos, a mais bela máquina pode-se transformar num
objecto morto.
No entanto, a mensagem de Le Corbusier era sem duvida o facto de
que as formas funcionais seriam sem dúvida belas e na sua época os
carros, os barcos eram os objectos com uma função precisa que
correspondia aos anseios da sociedade industrial.
El tiemplo griego se relaciona por su standardización con las
grandes máquinas que nos son tan familiares, y la lección de la
máquina se reduce así a tres generalizaciones: en primier lugar,
un problema bien planteado encuentra solución en forma
natural, en segundo lugar, ya que todos los hombres tienen la
misma organización biológica, todos tienen las mismas
necesidades básicas; y en tercer lugar, la arquitectura, como la
máquina debe ser un producto de selección competitiva
aplicada a estandards que deben determinarse por un análisis
lógico de experimentación. (Collins, 1970, p.167)
Como temos verificado a arquitectura passa por resolver um
problema relacionado com a forma e a função e cuja solução é
inequívoca. Argan (1996, p. 265) reduziu os dados desta equação a
um denominador comum com duas variantes: a natureza e a história
ou civilização, tentando ainda demonstrar que não se tratavam de
169
contradições mas de entidades semelhantes que se poderiam
facilmente relacionar de forma simples. Por nosso lado e no âmbito
deste trabalho poder-se-á, mesmo, adicionar um outro dado à
equação e provar que, do lado da história e da civilização, a máquina
aparece, igualmente, como um elemento fundamental.
170
4 . 3 . 5 . M Á Q U I N A D E H A B I T A R - C A S A
Le Corbusier, influenciado pelo Cubismo, 88888888 defendia a concepção do
espaço contínuo inseparável da envolvente - o edifício penetra a
natureza e é penetrado por ela –, em que a casa, paralelamente à
ideia de máquina de habitar, estabelecia uma relação permeável com
a natureza. Desta forma, a casa desenvolvia-se, em geral, suspensa
sobre pilotis para permitir um contacto mais directo com a natureza e
sem constituir qualquer obstáculo, conceitos que derivavam da
concepção cubista do espaço contínuo, plástico, habitável de forma
contínua em múltiplas dimensões e direcções. É nesta perspectiva e
no intuito de demonstrar a nossa hipótese que vamos, em seguida,
referir alguns exemplos que mostram o modo como Le Corbusier
constrói os seus trabalhos, relacionando o factor natureza com o
88888888 Tendência artística surgida no início do século que pretendia representar os
objectos retirando a sua aparência imediata, criar uma arte que se dirigisse
especialmente à inteligência e ao espírito, e que tinha como princípio que tudo na
natureza podia ser traduzido pelas formas básicas como o cone, o cilindro ou a
esfera; rejeitou as técnicas tradicionais de perspectiva bem como a imitação da
natureza.
171
conceito da máquina de habitar e como estes dois aspectos
contribuem de igual modo para o processo de concepção.
O primeiro exemplo é a Ville Savoye considerada um dos pilares do
racionalismo arquitectónico europeu e que foi construída sobre um
imenso espaço verde. O lugar onde se inseria a casa não é
simplesmente um lugar onde a natureza podia ser contemplada, é
antes um lugar onde a natureza podia ser sentida de forma plena.
Aqui, a natureza aparece como condição essencial da arquitectura,
“Le Corbusier pousou a casa na relva como um objecto, sem
perturbar nada”. (Argan, 1988, p.387).
A casa assume-se como um paralelepípedo branco, suspenso entre
pilotis, o bloco superior torna-se muito leve devido às janelas
contínuas que o subdividem em faixas paralelas, mas desiguais com
uma certa proporcionalidade, não é monocromática mas assume-se
como um quadro purista. A cor branca, do bloco principal suspenso e
dos pilotis, demarca-se das paredes verdes do bloco inferior, bem
como do verde, do rosa e do azul das curvas dos elementos
superiores. O facto do edifício estar suspenso sobre o imenso verde
torna a sua relação com a natureza muito particular, que o próprio
arquitecto especifica “a fachada em quatro lados, aproveita a luz e a
vista da paisagem: é uma função pura e simples”. (Argan, 1988,
Figura 43
Ville Savoye.
172
p.387)
A ideia geradora para o edifício é privilegiar a relação com a
natureza, quer na forma como se insere no território deixando o
máximo de área verde possível à superfície, quer na relação visual
dos seus longos rasgos. Contudo, é importante salientar que apesar
de na Ville Savoye o arquitecto valorizar a relação com a natureza, a
ideia da máquina está igualmente presente, conforme prova o acesso
ao edifício, feito através do automóvel, e a geometria inferior do
edifício, que é determinada em função do raio de curvatura do
veículo. É igualmente de notar que a entrada desta estrutura, por sua
vez, é materializada em vidro com alusões à era industrial,
indubitavelmente a casa representa, segundo Curtis (1987, p.98):
(…) una alegoría sobre la vida moderna ideal que afecta incuso
a las tipologías de Le Corbusier para la ciudad: niveles
separados para personas y coches, terrazas a cielo abierto, y
una rampa que exalta el movimento.
Forçosamente temos de reconhecer que neste projecto, apesar da
arquitectura moderna não dedicar particular interesse aos valores da
natureza, Le Corbusier assume a natureza como protagonista, em
simultâneo com ideias que defendia para a casa máquina de habitar,
superando, de forma brilhante e mais uma vez, a dicotomia entre o
Figura 44
Plantas da Ville Savoye.
173
natural e o artificial. O edifício foi de resto considerado por Curtis
(1987, p.94) como a “imagen por excelencia de la machine à habiter,
una casa prístina y saludable abierta a la luz, el sol y las vistas por
encima de la vegetación”
No seguimento desta análise vamos encontrar uma outra obra
interessante de referir, a Petit Maison, que se situava no Chemim
Bergére, junto ao lago Léman, e que testemunha a vontade expressa
de Le Corbusier em construir uma casa com uma forte relação entre
a natureza e a ideia da máquina de habitar. Como ele próprio dizia,
trazia no bolso os dados da proposta, apenas precisava de encontrar
o terreno, e quando o encontrou concebeu um projecto no qual se
conjugam de forma clara dois factores, conforme definido
previamente pelo próprio arquitecto, (Le Corbusier, 1923):
Première donnée: Le soleil est au sud. Le lac s’étale au sud
devant les coteaux. Le lac et les Alpes qui s’y réfléchissent sont
devant, régnants d’est en ouest. Voilà de quoi conditionner le
plan: face au sud, il s’étend en longueur un logis de quatre
mètres de profondeur, mais dont le front mesure 16 m. Sa
fenêtre a onze mètres de long.
Seconde donnée: la machine à habiter. Des fonctions précises
avec des dimensions spécifiques pouvant atteindre en
Figura 45
O lugar - Petit Maison.
Figura 46
O circuito do sol.
174
minimum utile: une marche économe et efficiente réalisant les
contiguïtés efficaces. Une superficie minima avait été allouée
pour chaque fonction, le total donnait 54 m. Le plan achevé, et
tout dégagement compris, la maison couvrait 60 m carrés, sur
un seul niveau.89898989
Neste projecto, percebe-se claramente a forte cumplicidade de Le
Corbusier entre aproveitar ao máximo os elementos da natureza e
conceber a casa como máquina de habitar. Apesar da Petit Maison
comportar uma forte relação com o lugar, esta casa poderia encaixar-
se na definição de Montaner, (2002, p.88) quanto às estruturas
espaciais de Le Corbusier, “procurava o mecanismo do protótipo que
lhe permitia produzir casas em série (horizontais ou compactas)”
contudo, neste caso, não se aplicou este princípio, pois,
curiosamente, a câmara considerou esta arquitectura um crime
contra a natureza e proibiu que ela fosse imitada.
Não obstante, e para além do equilíbrio entre o natural e a ideia de
89898989 LE CORBUSIER. Une petite maison, extraído de: Maison Corseaux, racontée por
Le Corbusier [em linha] [referência de 27 de Outubro de 2005]. Disponível na
Internet em:< http://www.athenaeum.ch/corbpem0.htm>
Figura 47
Esquiços de Le Corbusier
175
máquina, esta casa reflecte também a grande preocupação do
arquitecto com o sol, preocupação essa que o arquitecto apresenta
na primeira premissa para a conceptualização da casa e que foi
objecto de pesquisa, durante anos, com a intenção de cruzar
técnicas antigas com técnicas modernas. É que se nos anos vinte, Le
Corbusier defendia que uma solução do tipo maquinista,
tecnicamente bem resolvida, permitia construir uma casa em
qualquer lado, nos anos trinta a sua opinião altera-se. Conforme
temos vindo a verificar, as preocupações de Le Corbusier com a
exposição solar são uma constante na sua obra, e na tentativa de
enquadrar o problema e na sequência das suas viagens ao norte de
África, pensou em algo equivalente para a Europa, porém moderno,
que funcionasse como as masharalias, ou quebra ventos de madeira,
dos edifícios árabes.
Nos apartamentos Ponsich, desenhados para a Argélia em 1933,
embora não tenham sido construídos, percebe-se como um edifício
alto pode combinar uma fachada de vidro com um painel de lâminas
protectoras de maneira a controlar a forma como o sol e a luz
atravessam o edifício. Igualmente no Palácio da Justiça, em Argel, os
brise-soleil foram integrados na estrutura, optimizando a relação
entre a luz e a sombra, uma solução de Le Corbusier que mais tarde,
quer na Índia quer na Europa, se revelaria de extrema
176
importância.
Outro exemplo, este muito menos interessante, relativamente ao
tema da casa-máquina, é a casa Beistegui que em 1929 Le
Corbusier projectou para Beistegui, um milionário que pretendia uma
residência vanguardista. O tema principal desta habitação, nos
Campos Elísios, era uma promenade architectural, em torno de uma
escada de caracol e de um conjunto de açoteias que se escondiam
por detrás de planos elevados, de onde se descobriam os principais
monumentos de Paris, como a Torre Eiffel e o Arco de Triunfo; no
entanto podemos constatar que aqui, e talvez por se tratar de um
apartamento, a natureza foi artificializada na sua pior versão.
Interessa assinalar, contudo, que na casa Beistegui o fenómeno
técnico foi aplicado com um detalhe bastante arrojado para a época -
o controle visual de Paris era feito a partir de um periscópio rotativo
que saía de um elemento em forma de chaminé. Neste projecto
foram pensados vários tipos de dispositivos, como por exemplo, um
projector de filmes oculto, combinado com um processo automático
de persianas à base de roldanas e uma escada de caracol que se
enrolava à volta de uma coluna, em forma de rosca de vidro, numa
situação de antecipação da casa robotizada.
No projecto o arquitecto propõe, ainda, um conjunto de sebes que
177
deslizavam no sentido ascendente e descendente, com a vegetação
a ser convertida em tapete, num resultado extremo do processo de
artificialização da natureza. “La vegetación – el gran emblema moral
de los planes urbanísticos ideales de Le Corbusier se convenía aquí
en una absurda alfombra que imitaba el césped”. (Curtis, 1987,
p.110)
Todavia podemos concluir que, independentemente da qualidade dos
resultados obtidos, as questões relativas ao natural e ao artificial
continuavam sempre presentes nos processos conceptuais e
construtivos deste arquitecto.
178
4 . 3 . 6 . A M Á Q U I N A C O L E C T I V A - E D I F Í C I O S
P Ú B L I C O S
Para Le Corbusier as instituições públicas não deveriam reproduzir
qualquer tipo de monumentalidade, referências históricas ou
contextos políticos, ainda assim os seus edifícios públicos não eram
pensados, unicamente, como uma ampliação da casa máquina pois
era-lhes atribuído um carácter cerimonial e uma hierarquia
semelhante à de um palácio. Eram edifícios concebidos: “(...) como
máquinas colectivas que exaltasen los programas y los ritos de la
vida social contemporánea a partir de un substrato de reminiscencias
clásicas y de recursos ordenadores”. (Curtis, 1987, p.85)
O primeiro edifício público da era da máquina que Le Corbusier teve
oportunidade de desenhar, foi o projecto para o Concurso da
Sociedade das Nações em 1926. Para este concurso das Nações
Unidas chegaram propostas de todo o mundo e era evidente a
vontade de relacionar o homem, ser natural por excelência, com o
novo conceito que envolvia a máquina: nalgumas propostas, o modo
como se expressava a unidade mundial, através de formas
circulares, era demasiado óbvio; outras apresentavam edifícios que
sugeriam fábricas, símbolo do desenvolvimento tecnológico, como foi
179
o caso das propostas de Richard Neutra e Rudolf Schindler, com um
projecto dum parlamento mundial suspenso sobre um lago; Hannes
Meyer, por seu lado, apresentava um projecto em que harmonizava
as duas vertentes, a Sociedade das Nações funcionaria como um
humanismo para elites, com formas industriais transparentes, criando
um parlamento do povo para todos: um edifício que expressava o
socialismo mundial.
Le Corbusier, por sua vez, entendia o edifício da Sociedade das
Nações como um espaço que acolhesse um conjunto de líderes, que
tinham como objectivo obter uma nova ideia de consenso para a
humanidade, e que se elevasse relativamente aos princípios do
nacionalismo. Nesta lógica, Curtis (1987, p.86) sustenta que Le
Corbusier concebeu:
(...) un límpido palacio de la era de la máquina para las elites,
que combinaba los principios de los cinco pontos de una
arquitectura nueva con una hábil interpretación de recursos
compositivos clásicos tales como ejes primarios y secundarios,
jerarquías entre lo cotidiano y lo ceremonial, y una
impresionante simetría en algunas de las fachadas.
No edifício do Secretariado, Le Corbusier articulou dois conceitos de
forma particular, por um lado o mito da máquina, por outro a natureza
180
e os organismos. Combinava os planos deslizantes e a rotação
dinâmica na planta que denunciavam o movimento moderno com
uma clara hierarquia clássica de eixo e linhas de aproxim0ação,
alcançando uma escultura de volume redondo que centrava sobre si
o cenário paisagístico e o traçado diagonal do Quai du Présidente
Wilson. Na mesma linha de raciocínio, Curtis (1987, p.88) refere que
o edifício:
Mostraba cómo la planta libre podía descomponerse de dentro
a fuera, de modo que un edificio se convirtiera en un
mecanismo de partes discretas unidas por barras, o bien en un
organismo con glándulas alimentadas por arterias.
No Verão de 1926, Le Corbusier foi convidado pela Centrosoyus para
apresentar um projecto no concurso para a nova sede em Moscovo.
Vários factores marcavam de forma determinante as propostas, entre
eles, o programa funcional do projecto que associava trabalho e
lazer, situação que a vanguarda russa denominou de condensador
social. Outro factor importante foi o facto de nalgumas cidades
russas a arquitectura mecanicista ser uma tendência dominante,
como consequência das especificidades da própria época
revolucionária.
Nos anos anteriores, Le Corbusier tinha travado conhecimento com a
181
vanguarda russa e com as ideias da revolução, que marcaram o
comunismo e o estado soviético, o que o ajudou a ter uma melhor
percepção das intenções simbólicas no concurso do Palácio dos
Sovietes, assim, continuando a fundamentação do mesmo ponto de
vista, Curtis (1987, p. 92) prossegue:
Su proyecto era un ejercicio premeditado de dinámica
escultórica, una reluciente máquina adaptada a las
necesidades de la circulación, la acústica y la estructura. En
planta parecía una figura mecanomórfica con cabeza, brazos,
una fina cintura y piernas (...).
Com efeito, no projecto do Centrosoyus percebe-se que o arquitecto
concebe uma estrutura em que se organiza um processo de simbiose
entre o fenómeno orgânico e o fenómeno técnico - o modelo da
máquina era essencial no mundo industrial. Le Corbusier combinou
de forma particular a ideia de organismo, um corpo com as suas
partes, com o fenómeno técnico, que aparece como uma evolução
da matéria viva, num processo em que o orgânico e o detalhe técnico
se constroem mutuamente.
Podemos notar que também neste projecto, à semelhança do
processo já utilizado para o concurso da Sociedade das Nações, Le
Corbusier concebe o auditório principal como:
Figura 48
Maqueta do projecto para o Palácio dos Sovietes.
182
La cabeza del esquema, desplegando el resto de las funciones
a su alrededor en un collage construtivista que, con sus alas
extendidas y sus marquesinas curvas, evocaba la imagen de
un avión, y que se adaptaba a las diagonales de las calles. Los
pilotis eran de tamaños y perfiles diversos para acentuar los
diferentes elementos dentro de una jerarquía global, miestras
que las fachadas incluían un acristalamiento doble por cuyo
interior se debía impulsar mecánicamente aire frío o caliente.
Le Corbusier llamaba a este sistema de doble piel respiration
exacte(...). (Curtis, 1987, p. 89)
O arquitecto denuncia, assim, o modo como o mecânico e o orgânico
figuram mutuamente nos seus raciocínios conceptuais, no sistema de
aquecimento e ventilação do projecto de execucção do
Centrosoyus.90909090
90909090 Como o próprio arquitecto refere: “J’installe une usine à air exact. C’est une petit
entrepise quelques petits locaux, je fabrique de l’air à 18 degrés d’une humidification
conform aux besoin de la saison. Par un ventilateur, je souffle cet air dans des
gaines judicieusement disposées. Des moyens de détente de cet air ont été créés
annulant tout courant d’air. L’air émane. Ce régime à 18 degrés de temperature sera
notre système artériel. J’ai disposé un système veineux. J’absorbe au moyen d’un
Figura 49
Projecto para o Palácio dos Sovietes (1931).
183
Em 1929, Paul Otlet, secretário da Union des Associations
Internationales, visita Le Corbusier com a intenção de criar, em
Genebra, um espaço dedicado à cultura mundial que consagrasse a
paz e o progresso, através de um intercâmbio multidisciplinar, e que
abrangesse todos os campos do saber. De certa forma visava-se
criar uma instituição que combinasse as faculdades intelectuais de
elite com as instituições públicas, uma ideia que resultava da tese de
Paul Otlet e que Le Corbusier (1983, p.59) resume:
(...) para administrar bien un mundo en remodelación (tal como
el maquinismo nos lo impone sin piedad) es indispensable
conocer el estado comparado de las naciones, de los pueblos,
de las razas, de las ciudades que participan hoy en el concierto
mundial, de donde: Edificio de los Continentes, Estados,
Ciudades, es decir urbanismo, es decir todo lo que os los
hombres en sociedad, en pueblos o en comunas han realizado
second ventilateur la même quantité d’air. Un circuit s’etablit. L’air respiré est rejeté
revient à l’usine à l’air exact. Là, il passe par les bains de potasse où il perd son
carbone. Il passe par un ozonificateur qui le régènère. Il vient aux batteries qui le (…)
refroidissent, s’il s’est trop chauffée dans poumons des habitants.” (Boesiger, I vol.,
p.211)
184
bajo el signo de la cooperación, de la solidaridad.
Esta ideia de conceber um lugar, inspirador e coordenador de nobres
ideias era particularmente interessante para Le Corbusier e, nesta
perspectiva, concebeu o Mundaneum como uma acrópole, um
recinto de templos, um projecto teórico que o próprio autor
considerou de académico quer pela questão do programa, quer pela
questão das formas. Contudo, fê-lo com uma implantação real, a
encosta de Grand-Saconnex, junto ao lago Léman, em Genebra,
sobre a Sociedade das Nações; e a esta cidade elevada acedia-se
por uma via-sacra que começava no lago, através de um itinerário de
plataformas, pátios e rampas que terminava no santuário do museu.
Assim na perspectiva de Le Corbusier (1983, p.55) o Mundaneum:
(...) ha sido concebido sobre las bases más racionales de la
arquitectura moderna del hormigón armado y del hierro y con el
espíritu más estrictamente objetivo en todo lo que concierne al
acondicionamiento particular de cada uno de sus edificios.
A hierarquia axial deste conjunto podia confundir-se com a de um
qualquer arquitecto de formação Beaux-Arts, pois neste projecto, Le
Corbusier apontava para uma arquitectura monumental, onde
estavam presentes elementos da arquitectura tradicional ocidental,
como os pátios, os muros, os templos, as pirâmides em forma de
185
escada. A pirâmide, essa, constituía o arquétipo de referência,
mostrando como uma forma do passado se pode enquadrar numa
imagem do futuro.
Porém, se por um lado o Mundaneum foi traçado com a ajuda da
secção de áurea e se propunha integrar os valores ideais e
universais que subsistiram a todas as épocas, por outro, os edifícios:
(...) eran flamantes monumentos de la era de la máquina
despojados de aderezos históricos, pero evocadores de los
esquemas de orden antiguos. El Museo Mundial (...) volvía al
arquetipo correspondiente tanto al zigurat como al tempo de
Salomón, es decir a la imagen de una montaña cósmica
mundial. En este caso las esquinas apuntaban a las direcciones
principales de la brújula. Su subía a la cúspide en ascensor y
luego se iba bajando por una serie de rampas de piendente
suave, experimentando el fluir do tempo desde el prehistórico a
lo moderno, y en cada giro el tamaño del edificio se hacía
mayor para incluir el volumen siempre creciente de saber.(...)
Como era habitual, Le Corbusier combinaba un microcosmo del
proceso histórico y una espiral orgánica relacionada con las
leyes naturales y las matemáticas. (Curtis, 1987, p.90)
Na Cité de Refuge conhecida, também, por Maison Salut, Le
186
Corbusier teve oportunidade de fazer um edifício para albergar
pessoas desfavorecidas. O programa combinava alojamentos para
homens e mulheres, um infantário, uma cantina para residentes ou
visitantes e oficinas para formar trabalhadores.
No edifício, que acolhia o Exercito de Salvação, equivalente ao
condensador social soviético, o volume interrompia a malha
tradicional e pretendia assumir-se como um novo mecanismo
gerador de uma espacialidade, fortemente relacionada com a
vegetação e com a luz, que proporcionasse o bem estar e a
exaltação moral.
Neste projecto, novamente, sente-se a vertente técnica e orgânica,
sendo de assinalar que nos primeiros esquiços o edifício organizava-
se em dois blocos assentes sobre pilotis, com um jardim escavado e
uma ponte a assegurarem a ligação. Os pilotis duplos alinhados pelo
meio dos edifícios, canalizavam os percursos e “(...) armonizaran
tanto con el flujo de la circulación como con las nuevas curvas
orgánicas del edificio” (Curtis, 1987, 106)
Um auditório em forma de cunha reforçava a entrada e reconciliava a
geometria da rua com os blocos laterais. Os blocos tinham a frente
para sul completamente encerrada e as fachadas totalmente
envidraçadas para oeste, o edifício “era la imagen de una nueva
187
machine à habiter bien definida que se oponía a los ruinosos edificios
en torno suyo: Le Corbusier lo calificaba como una usine du bien,
una fábrica del bien”. (Curtis, 1987, p.102)
Mais tarde, para dar resposta a uma mudança no programa e para
tornar a proposta mais simples, os blocos rodaram e converteram-se
num bloco único alargado com um plano compacto no limite sul.
Neste projecto, Le Corbusier tentou resolver os problemas de
ventilação e de calafetação do edifício com uma dupla pele de
respiração exacta, como podemos constatar este termo utilizado pelo
arquitecto permite analogias com organismos vivos e a sua obsessão
por superfícies envidraçadas recorda o entusiasmo do arquitecto
pelas fachadas das fábricas.
La cité de Refuge daba nuevos significados a la idea del
bloque. Las zonas públicas eran como trozos o fragmentos de
la planta libre que se hubieran puesto fuera del edificio. Se
asemejaban a dos pistones y las válvulas de un motor
desmontado. (...) A marquesina de acero sostenida por tubos
formando una “V” podía interpretarse como un puente levadizo
puesto cabeza abajo. Una referencia más precisa es al del
barco. (Curtis, 1987, p.102)
Efectivamente, os transatlânticos já formavam parte da iconografia
188
do arquitecto, contudo, foi o seu regresso da América do Sul, a bordo
do Lutétia, em 1929, que lhe forneceu o mote derradeiro para a ideia
de uma cidade internacional flutuante.
Las alusiones náuticas se aprecian en el bloque largo con su
proa puntiaguda, en la chimenea, las cubiertas y muchas cosas
más. Presumiblemente la metáfora tiñe aquí un aspecto
adicional: un barco de salvación que rescata del olvido a los
náufragos de la sociedad. (Curtis, 1987, p. 102)
O pavilhão suíço, por sua vez, era um edifício destinado a albergar
estudantes e perseguia uma forte relação com a vegetação
envolvente e com a luz, pelo que o arquitecto propôs uma caixa de
aço e cristal bem proporcionada, apoiada em robustos pilotis de
betão armado e orientada para sul, para um terreno que seria no
futuro uma pista de atletismo.
No projecto, os quartos dos estudantes assumiam uma dupla
atmosfera, de camarote de barco e de cela de mosteiro; mais uma
vez, Le Corbusier incorpora o conceito de máquina de habitar em
plena natureza – a comunidade ideal flutuando em cima da natureza,
aliás, o arquitecto denuncia este facto quando apresenta a imagem
do edifício associada a uma imagem de vida ideal. Segundo Curtis
(1987, p.104)
Figura 50
Corte de um Transatlântico para ilustrar a vida colectiva
189
Estas fotografías retóricas nos ofrecen una visión en blanco
y negro de un mundo ideal de cuerpos sanos y mentes
sanas, en el que la mecanización y la naturaleza marchan
en armonía al tiempo que los placeres esenciales - la luz, el
espacio y la vegetación - están a disposición de todo el
mundo.
190
4 . 3 . 7 . M A C H I N E S À E M O V O I R 91919191
Em 1950, Le Corbusier projecta a capela de Nôtre Dame du Haut,
em Ronchamp. As premissas permanecem as mesmas, a procura da
relação entre o espaço construído e a natureza, combinadas de
forma particular com o factor técnico mas, aparentemente, este
projecto não se resolve com a proporção áurea ou com a ideia de
máquina de habitar, alguns autores excluem mesmo estes factores,
atribuindo a ideia do projecto a um golpe de força como é o caso de
Argan, ou como outros que classificam a capela como o monumento
do novo irracionalismo.
Efectivamente, quando se analisa esta obra tem-se a sensação de se
tratar de um acto isolado no percurso do arquitecto, bem aceite por
uns e muito criticada por outros, e de certa maneira esta obra afasta-
se dos princípios de concepção a que Le Corbusier nos tinha
91919191 Este termo foi utilizado em L’Esprit Nouveau nº 4 (1921) e, posteriormente, por
Fábio Müller, na tese de dissertação de mestrado: O templo Cristão na
Modernidade: permanências simbólicas e conquistas figurativas, na UFRGS, versão
reduzida em, Ronchamp e La Tourette: machines à emovoir.
191
habituado; neste caso, o arquitecto rompe com o estilo canónico e
geométrico para constituir uma liberdade geométrica articulada,
segundo superfícies curvas, planos inclinados e rasgos assimétricas.
No entanto, na abordagem que faremos em seguida, tentaremos
provar que também neste projecto, o arquitecto cruzou de forma
híbrida os aspectos relacionados com a natureza e com a técnica.
Le Corbusier pertencia a uma família protestante, desde muito cedo
duvidou das religiões instituídas e a sua formação científica veio a
contribuir para o afastamento progressivo do mundo religioso.
Contudo, não era insensível às questões espirituais e na juventude
desenvolvera noções de estética e de verdade que aspiravam a uma
visão do mundo idealista. Efectivamente, na sua geração eram
comuns raciocínios que substituíam Deus por outros valores
espirituais, como beleza, natureza, geometria e sobretudo uma fé
verdadeira no ser humano.
As palavras de Le Corbusier expressam, de facto, estas posições:
Eu lutei, entre, por um lado, o Racionalismo fortemente imbuído
em mim por uma vida activa e pelo pouco de ciência que
aprendi na escola, e por outro, a inata e intuitiva ideia de um ser
192
Supremo, que me é revelado aos poucos pela contemplação da
natureza. 92929292 (Benton. 1987, apud Mulller, 2005, p.2)
Inicialmente, Le Corbusier não aceitou o convite para projectar
Ronchamp, já que a relação anterior com as autoridades
eclesiásticas aquando do projecto para Sainte-Baume não lhe tinha
deixado grande vontade para desenvolver projectos religiosos,
apesar de curiosamente Le Corbusier ter a secreta intenção de
erguer um templo místico em Jura.
Mesmo assim, a vontade expressa do clero, segundo Ledeur e a
força do lugar convenceram o arquitecto a aceitar o convite:
Não temos muito para oferecer-te, mas temos o seguinte: um
cenário maravilhoso e a possibilidade de completar o trabalho.
Não sei se estás acostumado a projectar igrejas, mas se deves
construir uma, então as condições oferecidas em Ronchamp
são as ideais. Não é uma causa perdida: estás livre de criar o
92929292 BENTON, Tim. 1987. The sacred and the search for myths, in RAEBURN,
Michael,. Le Corbusier, Architect of the Century. p. 238 a 245.
193
que quiseres.93939393 (1974, apud, Müller, 2005)
No projecto, Le Corbusier considerou a condição sagrada do território
e a relação especial com a força da natureza. Desde os tempos mais
remotos que a colina de Ronchamp era considerada sagrada, entre
outros aspectos pela sua particular exposição ao sol, tanto que na
Idade Média praticava-se, no local, o culto da Virgem, à volta de uma
esfinge com supostos poderes milagrosos. Mais recentemente,
precisamente em 1944, após os bombardeamentos, a colina ganhou
uma nova dimensão patriótica, associada à França livre, sendo
necessário, para acolher os peregrinos, erguer outra capela em
substituição da destruída.
Os seus primeiros esboçetos, entretanto perdidos, consideravam a
localização dos quatros horizontes e o percurso do Sol, elemento
natural sempre presente nos registos do arquitecto. É interessante
observar que neste projecto Le Corbusier tomou como referência a
natureza, o homem e o lugar, esquecendo um pouco a ideia de
93939393 Sobre este assunto Cônego Ledeur, em entrevista cedida em Março de 1974 a
Danièle Pauly. In PAULY Danièle.1997. La Chapelle du Ronchamp. Basel:
Birkhauser. p.59.
194
máquina, combinando os factores técnicos com os materiais
utilizados. No entanto o local forçou à ponderação de dois aspectos
técnicos: um primeiro, relacionado com o facto de naquele sítio existir
pouca água e ser difícil transportá-la por se tratar de um ponto
elevado, o que implicava um dispositivo de armazenamento; e um
segundo, que era preciso resolver, prendia-se com as questões
acústicas, para as quais o arquitecto propôs formas curvas já
testadas, por si, anteriormente, em auditórios e em salas de reunião
de outras obras.
Assim, neste projecto, a planta de Ronchamp considera, tal como em
projecto anteriores, tanto as questões técnicas como as naturais,
embora combinadas de outro modo, segundo Curtis (1987, p.179).
“(...) el antecedente más próximo de la planta de Ronchamp debe
buscarse en las curvas cóncavas y convexas – evocadoras del
paisaje (...)”. Aliás, estas intenções verificam-se em vários esquiços
de conchas onde se percebe a manipulação entre os espaços
internos e externos, e foram, inclusive, reforçadas por Le Corbusier
pois, quando apresentou a maqueta da capela, fez questão de ser
fotografado junto de formas acústicas.
Em síntese, podemos concluir, tal como Curtis (1987, p.179), que no
processo de concepção do arquitecto se percebem saltos analógicos
Figura 52
Exterior da Capela de Nôtre Dame du Haut.
Figura 51
Planta e corte da Cisterna de águas pluviais
195
que podem ter sido inspirados quer em questões funcionais: “un
carapazón de cangrejo (...), el casco de un barco, recuerdos de
esclusas o saltos de esquí, o perfil y la estructura de las alas de un
avión”, quer em semelhanças formais e estruturais, inclusive em
ressonâncias de linguagem: “en francés coquille significa concha ou
carapazón y coque casco de barco”.
Apesar de na maioria dos testemunhos deixados por Le Corbusier da
forma em betão se poder assemelhar à proa de um navio, tema
muito explorado pelo autor, na capela de Ronchamp podemos
encontrar também:
Dimensões calculadas pelo Modulor, o púlpito em betão à vista,
a mesa do altar em pedra, a sacada da galeria do coro, os
blocos verticais das fontes e o volume ortogonal do
confessionário, elementos estáticos que contrastam com os
limites curvos côncavos e convexos das paredes e da
cobertura. (Müller, 2005)
O que prova que o homem está sempre presente nos mecanismos
conceptuais de Le Corbusier.
Este contraste, combinado com o jogo de luz e sombra,
proporcionava ao visitante uma experiência intensa, de certo modo
mística e cósmica, que incentivava a espiritualidade e a emoção
Figura 54
Planta da Capela de Nôtre Dame du Haut.
Figura 53
Esquiço da Capela de Nôtre Dame du Haut.
196
humana. Daí que a capela fosse considerada como machine à
emovoir.
No projecto de La Tourette, Le Corbusier privilegia o homem e
apesar de se tratar, também, de um edifício religioso, o Mosteiro da
Ordem Dominicana denominado, igualmente, de machine à emovoir,
tem mais diferenças do que semelhanças com Ronchamp, contudo a
semelhança que nos interessa prende-se com o modo como o
homem se relaciona com o espaço: “De même que pour la Chapelle
de Ronchamp, Le Corbusier trouve un programme d’échelle humaine
à l’échelle humaine.” (Boesigner, 1995, VI vol. p. 16)
Na realidade, o programa funcional era completamente diferente:
pretendia-se combinar um programa de um mosteiro com uma igreja,
onde se privilegiasse o recolhimento, a meditação e a experiência
interior do indivíduo “a arquitectura e a natureza são agentes
contraditórios e, portanto, o diálogo entre o edifício e a paisagem é
de contraste (...)”. (Müller, 2005)
Le Corbusier foi polivalente no mundo das artes, participou em
movimentos que influenciaram as formas de pensar e teve como
objectivo primordial a procura da funcionalidade em todos os
espaços, suprimindo os elementos decorativos e ornamentais.
O fundamento do racionalismo de Le Corbusier é cartesiano,
197
conforme o próprio assume, o seu desenvolvimento é iluminista, de
tipo rousseauniano, colocando em primeiro lugar a funcionalidade e a
felicidade individual. Na sua morte em Agosto de 1965, André
Malraux, define o arquitecto como:
Fue pintor, escultor e más secretamente poeta. No luchó ni por
la pintura, ni por la escultura, ni por la arquitectura. Su famosa
frase: Una casa es una máquina para vivir no lo pinta bien; si lo
hace otra frase: La casa debe ser el estuche de la vida, la
máquina de la felicidad. 94949494
Nesta perspectiva confirma-se o facto de Le Corbusier considerar a
sociedade um elemento fundamental e que a sua ligação com a
natureza originária não podia ter limites. O arquitecto tinha o dever
de fornecer à sociedade uma condição natural, e ao mesmo tempo
racional, que acompanhasse o desenvolvimento tecnológico, pois, o
destino natural da sociedade é o progresso.
Ao longo do seu percurso, Le Corbusier (1983, p.19), ao contrário de
94949494 Los orígenes. In Vida y Obra de Le Corbusier [em linha]. Buenos Aires :
Arquitectura en Línea, 1997-2007 [Referência de 26 de Outubro de 2006]. Disponível
na Internet em: <http://www.arquitectura.com>.
198
alguns colegas que se indignavam com o mito de máquina
destruidora de vida, percebe que o contributo da máquina é
fundamental para a evolução do homem: “nosotros, al contrario,
queríamos llegar a aprender la lección de la máquina, a fin de
abandonarla después a su simple papel, que es el de servir”. Para
ele, o conceito da máquina estendia-se à sociedade e os fenómenos
novos da história do homem: “Le maquinismo nos ha dado un
aspecto de nuestro mundo absolutamente nuevo, aspecto que los
otros siglos no podían revestir.” (Le Corbusier, 1983, p. 23)
Como se tentou demonstrar nesta análise, relativamente à obra de
Le Corbusier, podemos considerar que nos seus projectos ele
propunha uma simbiose entre o natural, a partir da ideia de
organismo, e a evolução técnica, criando espaços ajustados às
exigências do homem moderno.
Numa entrevista, quando questionado sobre a importância do betão
enquanto elemento estrutural na sua obra, Le Corbusier reconhece
que, tecnologicamente, este elemento abriu-lhe um universo de
possibilidades e permitiu-lhe construir um universo de formas muito
variado. Contudo, nessa mesma entrevista, quando lhe perguntaram
porque razão não se deixou dominar por este material, Le Corbusier
deixa claro a sua posição:
199
No, lo que me dominó es el animal humano, el núcleo familiar,
la familia, el logar. Es darle al ser humano su cáscara. Mi
arquitectura es como un organismo vivo, es biológica. Tiene un
suporte óseo, hay fuerzas musculares, redes sanguíneas y
nerviosas. (...) Todo lo impecable de la biología lo puse en mis
casa”. 95959595
Sem dúvida, Le Corbusier foi um visionário pleno de ideias e de
conceitos inovadores que alterou profundamente a arquitectura do
seu tempo, e conquanto que a sua intervenção não se tenha limitado
à arquitectura - foi também escritor, pintor, e escultor, ainda que este
estudo não se tenha debruçado sobre estas vertentes -, certamente
que as suas prestações mais positivas se revelaram enquanto
arquitecto e pensador revolucionário.
De facto, a importância da máquina na arquitectura de Le Corbusier
não se pode restringir à incorporação de novas tecnologias no acto
de construir, ela constituiu-se historicamente enquanto conceito e
95959595 Los orígenes. In Vida y Obra de Le Corbusier [em linha]. Buenos Aires :
Arquitectura en Línea, 1997-2007 [Referência de 26 de Outubro de 2006]. Disponível
na Internet em: <http://www.arquitectura.com>.
200
acompanhou o processo de evolução no acto de habitar do homem
do século XX.
201
5 . S I N T O N I A E N T R E O H O M E M E A M Á Q U I N A
5 . 1 . F R A N K L L O Y D W R I G H T
5 . 1 . 1 E N T U S I A S M O P E L A M Á Q U I N A
Frank Lloyd Wright perspectivava a arquitectura como reflexo da vida
moderna e desde o início do seu percurso profissional desenvolveu
uma contínua rejeição das convenções românticas e dos processos
de concepção desenvolvidos com base em conceitos históricos,
muito comuns no início do século XX e que, em seu entender, não
traduziam de forma alguma a actualidade.
À semelhança de Ruskin e Morris, Wright defende o papel
fundamental da natureza na vida do homem, contudo, não
desvaloriza a máquina, antes pelo contrário, Wright percebe a sua
importância e quando promove a fusão do homem e da natureza,
considera a máquina um forte aliado na evolução do ser humano e,
principalmente, da arquitectura, pois, segundo Montaner (2002,
p.28), “nos instrumentos mentais de Wright ocorria uma sintonia
perfeita entre o mundo da máquina e o mundo da natureza”. Nesta
reflexão, vai tentar fazer-se uma análise comparativa de alguns
trabalhos que testemunham o modo como este arquitecto utilizou
quer a natureza, quer a máquina, nos seus processos
202
criativos, desmistificando um pouco a ideia de que Wright assumia
uma posição exclusivamente mais próxima da arquitectura orgânica,
ideia essa defendida, inclusive, pelo próprio arquitecto e um conceito
presente em vários estudos que tentam determinar até que ponto a
arquitectura de Wright não é indiferente à máquina nem à influência
da tecnologia.
Com efeito, desde muito cedo, Wright manifesta o seu interesse pela
máquina, tanto que em 1901, leu publicamente o manifesto The Art
and Craft of the Machine, (Wright, 1931) onde deixa transparecer o
seu entusiasmo pelas locomotivas, barcos a vapor e máquinas
industriais, visionando que os edifícios do futuro estariam, por
conseguinte, condenados a libertarem-se dos aspectos que os
ligavam à história e que o espaço teria de ser reequacionado com
base na vida moderna.
À máquina caberia o papel de cumprir essa tarefa e, já nessa altura,
a posição do arquitecto estava tendencialmente associada à dos
pensadores mais progressistas, em particular, de arte e de
arquitectura. Porém, essas ideias mantiveram-se circunscritas aos
Estados Unidos e não tiveram muitos adeptos na Europa, antes da
Primeira Guerra Mundial, à excepção de Anatole de Baulot que
proclamava a decadência do arquitecto em favor do engenheiro,
203
considerado l’homme moderne par excellence, sendo, no entanto, de
referir que apesar da distância entre os continentes europeu e
americano, existia uma certa semelhança no modo como as
questões relativas à máquina eram enquadradas.
Wright reconhece, também a problemática entre a arte e a máquina,
contudo a sua posição é clara visto que defende sempre a
necessidade de aceitação da máquina como facto inquestionável na
evolução da humanidade. Efectivamente, “Wright tem uma fé tão
inabalável na máquina que prevê uma possibilidade de salvação para
o artífice: basta que este se resolva a aprender humildemente com a
máquina”. (Pevsner, 1936, p.36)
Logo no princípio da sua actividade, Wright recusa a mescla de
estilos que predominam no final do século XIX, defendendo que a
forma do edifício deve adaptar-se à função e à envolvente,
valorizando a coerência e as qualidades estruturais e estéticas dos
materiais utilizados na construção.
Assim, numa fase inicial da sua arquitectura, projectou espaços
204
habitacionais, as prairie style 96969696, aplicando alguns conceitos do
movimento Arts and Crafts. Eram espaços caracterizados por perfis
baixos onde estava presente a horizontalidade, os espaços interiores
eram fluidos e percebia-se o esforço por integrar a construção na
paisagem envolvente. É curioso notar esta aparente dicotomia em
Wright que, ao mesmo tempo que defendia a importância da
máquina, construía as suas casas envolvidas em ambientes naturais,
onde abundavam os elementos verdes, e no interior das habitações
reinava a fluidez e a funcionalidade do espaço.
96969696 Termo com que ficaram conhecidas as casa construídas por Wright entre 1900 e
1911. Ele apreciava a prairie pela tranquilidade, pela sua grande simplicidade e
pelos aspectos naturais, as árvores, as flores, o contraste do céu, conforme revelou
na sua primeira autobiografia em 1932.
Figura 55
Prairie house.
205
É também de assinalar que, logo nestes projectos, está presente a
preocupação com a funcionalidade e com a noção de espaço, uma
das prioridades de Wright, tornar “o espaço mais espaçoso (...) e
poderá haver um sentido de espaço em qualquer edifício, seja ele
grande ou pequeno”. (apud, Pevsner, 1936, p.35) Aliás, este
arquitecto sempre definiu a sua arquitectura como orgânica,
exactamente porque evoluía naturalmente da necessidade funcional,
em vez de derivar de uma forma predefinida.
Não obstante, importa assinalar que o fascínio pelos aspectos
naturais, que de certa forma eram desprezados no movimento
moderno, não o impediu de experimentar a utilização de novas
técnicas construtivas, como é o caso do projecto do Unity Temple no
Oak Park (1905-1908), em que utilizou o betão armado, explorando
não só as suas capacidades estruturais, como também as suas
Figura 56
Prairie house.
206
potencialidades, colocando este material à vista e revelando uma
atitude pioneira, numa época em que os seus contemporâneos
cobriam o betão com pedra ou tijolo.
Wright’s embracing of concrete’s plasticity at both the small and
large scale was particularly significant in his development of a
new kind of concrete block. He believed that the concrete could
“be printed, goffered while fresh and wet” which “would be
nearer to its nature, aesthetically, than” other casting
techniques. He thought impressed concrete patterns were
reminiscent of those in stone from ancient leaves and other
organic life. It was vaguely implied that naturalness of the
phenomenon in stone reflected favorably upon impressions in
concrete block. (Patterson, 1994, 116)
Na verdade, e também desde os primeiros trabalhos, Wright
manifesta um conhecimento profundo e um grande respeito pelos
materiais, respeito esse que o distingue dos outros arquitectos da
sua época e mesmo de posteriores: a pedra, o tijolo e a madeira,
apesar de serem materiais antigos, agora redescobertos para
responderem às exigências de modo original e Wright utiliza-os
sempre da maneira que considera mais natural. De facto, verificava-
se que em grande parte da arquitectura do séc. XIX, não só os
207
materiais naturais eram desdenhados, como também os materiais
novos, como o betão, o aço, o metal e o ferro eram utilizados de
forma desactualizada mas Wright, por seu lado, pressentiu que estes
novos materiais, assim como os novos métodos, seriam uma óptima
solução para a arquitectura do século XX.
Em 1909, apesar do sucesso que o seu trabalho já alcançara, Wright
sentia-se insatisfeito e começou a preparar material para a sua tese,
denominada de Ausgefuhrte Bauten und von Frank Lloyd Wright,
mais conhecida por Wasmuth Portfolio, um trabalho em dois
volumes, repletos de planos inovadores e de perspectivas com
visões de futuro, e que coincidiu com uma viagem do arquitecto pela
Europa, pelo que foi amplamente divulgado, em especial na
Alemanha e na Holanda, contribuindo de forma eficaz para o
desenvolvimento da arquitectura moderna.
Quando Wright regressou aos Estados Unidos, em 1911, iniciou a
construção de Taliesin, um novo conceito de escola a que nos
dedicaremos mais adiante, e retomou a sua carreira com dois
grandes projectos, o Hotel Imperial de Tóquio e os Midway Gardens
em Chicago, tendo, ainda nesta fase, construído algumas habitações
onde empregou o novo sistema de block concrete systeme.
Efectivamente, desde muito cedo que Wright vira na máquina uma
208
importante ferramenta, tanto assim que, em 1915, decorrente do seu
igual fascínio pela ideia dos pré-fabricados, começou a trabalhar com
base no American Ready-Cut System Houses, revelando que as
suas ideias eram bastante mais evoluídas do que as possibilidades
da indústria da época permitiam mas, em Los Angeles, as quatro
casas em blocos de betão, construídas entre 1917 e 1924, provam
de que modo Wright utiliza a técnica num dos seus processos de
construção, numa resolução inovadora para a época, “(...) the
machine should be a tool in the hand of the artist. In this case, the
machine was the form, or mold, into which the concrete was poured
in order to form the block.” (Pfeiffer 1991, p.26) Com efeito, aqui, a
máquina foi de facto, um utensílio na mão do artista, a máquina foi a
cofragem para produzir os blocos de betão que, na época, eram
considerados um elemento pobre da construção, nunca utilizado
como acabamento final. Mais uma vez, Wright colocou a indústria ao
serviço da construção, trabalhando e transformando materiais com o
auxílio da máquina, situação que estenderá a outros materiais da
indústria da construção, como placas de metal, cobre, alumínio, tudo
elementos que ao longo de toda a sua obra, ele trabalha para aplicar
nos seus edifícios, de forma inovadora.
209
Wright’s approach to concrete masonry is consistente with that
to other materials. He appears to have focused on the
properties he thought potentially beautiful, to have violated
others in lieu of larger goals, and to have never let the nature of
the material in its entirety dictate the direction of the design.
Compared to that of other architects of the mid-20th century,
however, Wright’s use of block was far more demonstrative of
its nature in his strongest examples and only slightly less
expressive than the norm in his weakest. (Patterson, 1994,
p.150)
210
5 . 1 . 2 . A E M E R G Ê N C I A D E U M A N O V A E S T É T I C A
Na primeira metade dos anos vinte, Lewis Mumford 97979797 travou
conhecimento com a arquitectura de Wright, apenas, por fotografias,
publicações ou pelo testemunho de colegas, como Mendelsohn que
mencionou superficialmente a obra de Wright em Stieks and Stones,
98989898 e mais tarde no jornal holandês Wendingen, quando este dedicou
uma edição especial ao arquitecto americano, Mumford foi convidado
pelo editor Hendricus Wijdeveld a contribuir com um artigo.
Neste artigo é curioso notar o modo simplista como Mumford
equacionou as críticas em três aspectos principais, numa visão
97979797 Inicialmente, Mumford interessa-se pelo trabalho de Wright nomeadamente pela
sua relação com Sullivan, primeiro arquitecto modernista norte-americano com quem
Wright trabalhou no início da sua carreira.
98989898 Mumford conheceu o trabalho de Wright através de um trabalho conhecido como
Usable Past. Este projecto de investigação da produção criativa do séc. XIX, foi
referida em Stieks and Stones e nos quatro livros seguintes, resultado da avaliação da
arquitectura americana bem diferente da análise estilística comum, pois Mumford fazia
a análise social das formas e funções dos edifícios. Esta obra foi bastante criticada em
especial pelos mais conservadores.
211
antecipada da globalidade da arquitectura de Frank Lloyd Wright. No
primeiro, considerou Wright como um seguidor de H. H. Richardson e
Louis Sullivan, no segundo, classificou Wright como opositor ao
machine like funcionalim, emergente no seio dos modernistas
europeus, como era o caso de Le Corbusier. O terceiro considerava
o trabalho de Wright a síntese ideal para a reunião de dois aspectos
fundamentais, a funcionalidade e a paisagem americana. É de
salientar que estas ideias iriam mais tarde ser reiteradas num outro
artigo, The Poison of Good Taste no The American Mercury.
Na sequência, deste artigo Mumford e Wright começaram a
correspondência que precedeu uma longa e atribulada amizade.99999999
Em Agosto de 1926, Wright era já, a meio da sua carreira, um
arquitecto mundialmente considerado e Lewis Mumford era um
comentador e crítico cultural, em ascensão, que ambicionava ter um
grande protagonismo intelectual. Mumford considerava que Wright
ocupava um lugar de destaque na arquitectura moderna, no entanto,
para Wright, as críticas de Mumford, quando positivas, apenas
99999999 Esta correspondência foi publicada recentemente (2001), Frank Lloyd
Wright+Lewis Mumford: Thirty Years of Correspondence.
212
legitimavam o processo criativo, mas quando negativas provocavam
profundas inseguranças criativas. Geralmente, estas críticas, não
eram bem aceites e apesar de ter existido um relacionamento
relativamente intenso em algumas fases, Mumford resistiu sempre a
uma amizade mais próxima, pois não pretendia grandes influências
que pusessem em risco a credibilidade das suas críticas.
A arquitectura era o tema principal da actividade de Mumford,
nomeadamente, no que se relacionava com a necessidade de
adaptação da vida moderna. Depois de ler Architecture and
Democracy, de Claude Bragdon, e constatar a sua abordagem
orgânica ao desenho moderno, não hesitou em considerar Wright o
maior defensor do conceito de arquitectura orgânica e, no entanto,
apesar de ambos rejeitarem a confusão das grandes cidades e dos
arranha céus, não tinham o mesmo entendimento, pois Mumford
preferia a reconstrução das cidades com base no modelo de cidade
tradicional, e Wright defendia a iluminação da cidade tradicional.
Aliás, em 1930, Wright publicou The Disappearing Citty, no qual
apelava à descentralização radical das cidades americanas, ideias
que mais tarde estarão na base da Broadacre City.
Contudo, se neste aspecto, da revitalização das cidades, discordam
profundamente, há outro com o qual Mumford concorda plenamente
213
com Wright, nomeadamente no que respeita à sua subordinação ao
conceito mecânico ou technic – um termo que o crítico valorizava,
cada vez mais, face às exigências do mundo moderno, e sobre o
qual escreveu:
His architecture though he has pioneered with modern methods
of construction and delighted in mechanical techniques, is not
merely a passive adaptation to the machine age: it is a reaching
toward a more biotechnic economy, better grounded in the
permanent realities of birth, growth, reproduction, and the
natural environment than is the dominant order of paper values
and merely mechanical efficiencies. 100100100100 (Mumford, 1926, apud,
Pfeiffer+Wojtowicz, 2001, p.14)
Duas grandes controvérsias, a propósito de duas importantes
exposições de arquitectura, vão envolver Mumford e Wright. A
primeira foi originada pela exclusão de Wright da World’ Fair, de
1933, igualmente conhecida como Century of Progress Exposition. O
arquitecto Raymond Hood, co-responsável da exposição, decidiu
100100100100 MUMFORD, Lewis. 1926. The Brown Decades: A Study in American Experience
and Culture. New York : Boni and Liveright. p.168 e 169.
214
afastá-lo, com a justificação de que o arquitecto não tinha perfil para
trabalhar em equipa e, apesar dos esforços de Mumford junto de
Hood e de várias reuniões nesse sentido, a inclusão de Wright não
veio a acontecer.
A segunda controvérsia foi a propósito de Modern Architecture:
International Exhibition, no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
O museu tinha a intenção de apresentar uma exposição sobre o
tema International Style com especial incidência na nova estética da
máquina, que se desenvolvia na Europa e que se diferenciava dos
edifícios revivalistas românticos da arquitectura americana da época.
Henry-Russell Hitchcock, Jr. seleccionou um grupo de New Pionners
que incluía no núcleo principal Gropius, Mies van der Rohe, Oud e Le
Corbusier, este último com particular destaque.
Wright tinha sido excluído da exposição, o que gerou uma certa
discordância, nomeadamente por parte de Mumford que entretanto
assumiu uma posição de mediador, defendendo que seria um
enorme vazio para a arquitectura americana deixar Wright à margem
daquela exposição. Em Março de 1931, Philip Johnson convidou
Mumford a participar na parte da exposição dedicada à habitação,
pois o crítico tinha importantes conhecimentos nesta área, derivados
da sua participação na Regional Planning Association of America e
215
em empreendimentos habitacionais desenvolvidos na Europa.
Este convite reforçou de forma extremamente importante a posição
de Mumford como mediador para a inclusão de Wright na exposição,
tanto assim, que Johnson, apesar da posição do seu colega
Hitchcock, solicitou a participação de Wright no evento. Wright, por
sua vez, contribuiu com o projecto de House of the Mesa, um
projecto que comprovou, de facto, que Wright era
inquestionavelmente um arquitecto pioneiro do século XX.
Esta exposição foi, igualmente, importante no confronto da
arquitectura de Wright e dos seus pares, pois foi possível observar
que, pese embora a distância e a aparente diferença entre o orgânico
de Wright e o fascínio europeu pelo betão, as suas posições não
eram tão antagónicas como à partida se podia pensar, e é nesta
sequência de ideias que Mumford vai concluir que a habitação
apresentava uma maior qualidade do que a arquitectura, de uma
forma geral:
Mr. Wright’s work is not so far away from the best European
architecture as he imagines – or as they perhaps do. His new
buildings have lost the ornamental exuberance of the Midway
Gardens and the Imperial Hotel: they are more in the line of his
earlier houses. Meanwhile, the Europeans have moved nearer
216
to Wright: passing from dogma to building, they have lost a little
of their in ferro-concrete as an absolute, they have acquired
some of Wright’s love for natural materials, his interest in the
site and the landscape, his feeling for the region” 101101101101 (Mumford,
1923, apud, Pfeiffer+Wojtowicz, 2001, p.17)
Em 1932, Wright pretendeu construir um novo conceito de escola, a
Taliesin Fellowship, uma experiência de jovens arquitectos que
trabalhavam no atelier de Wright, executavam projectos e, também
trabalhavam na agricultura. O método de ensino era inspirado na
investigação e na arte e filosofias orientais, pelas quais Wright se
interessava, pois via na arquitectura japonesa uma ligação profunda
entre o homem e a natureza, em que a importância do passado não
assumia uma posição histórica, antes consubstanciava-se numa
continuidade orgânica entre o homem que evoluía através duma
relação íntima com a natureza, baseada na contemplação e na
meditação.
Esta escola-casa de Wright desenvolvia, assim, um processo de
101101101101 MUMFORD, Lewis. 1923. The Sky Line: Organic Architecture. New Yorker. 27 th
February 1923, nº 8. p.45.
217
ensino diferente do da Bauhaus, tinha uma posição muito familiar
com os seus discípulos e nesta comunidade, em que se privilegiava
uma forte relação com a natureza e com os materiais, o arquitecto
assumia, de certa forma, a posição de um sábio oriental. Os
processos tecnológicos, esses, eram enquadrados em comunhão
com a natureza e os alunos aprendiam a compreender o espírito dos
materiais e a espacialidade do lugar. Em relação à arquitectura, esta
perspectivava-se como uma construção natural como o crescimento,
um princípio fundamental que aparenta derivar directamente das
ideias de Goethe, embora não tenha sido possível ao longo deste
trabalho comprovar se Wright, alguma vez, teve contacto directo com
a sua obra.
A natural plan grew in all directions. (It was Goethe’s idea that
architecture outht to appeal primarily to our sense of bodily
movement, and that thus a man blindfolded and led through a
well- planned house should experience pleasure like that we
feel in dancing). Wright’s best plans created delight in the
unfamiliar, but gradually revealed a rigorous logic. Their great
reach asserted a new freedom of shelter in nature, and their
rooms were bathed in light and air. In his more compact plans,
the major rooms often followed a single axis, forming a great
vista through the interior and past casement windows or
218
glass door, past porches and terraces, and on into the
landscape. (Hoffmann, 1986, p.41)
No final de 1934, Wright e os seus alunos começaram a construir, na
sequência do projecto The Disappearing City, um modelo em
madeira a grande escala, a Broadacre City, um projecto para a
descentralização urbana. Podemos constatar que este projecto
combinava de forma particular uma área urbana extensa, em que os
arranha céus que Wright desprezava, se situavam numa estrutura
agrária, em longos campos, como um conjunto de comunidades
constituídas por zonas residenciais, com casas de vários tamanhos,
construídas em parcelas de um acre e economicamente acessíveis.
Além de zonas habitacionais concebiam-se, ainda, zonas comerciais,
zonas agrícolas, e os meios de comunicação privilegiados eram o
Figura 57
Projecto para Broadacre City.
219
automóvel e um modelo experimental de helicóptero.
Apesar de Mumford divergir do arquitecto no que diz respeito ao
conceito de cidade, este crítico considerou o contributo de Wright
importante no planeamento urbano da paisagem e das novas
cidades, ainda que não tenha poupado críticas negativas aos
modelos habitacionais com os quais discordava, pois defendia o
modelo de terrace-block housing baseado na sua experiência na
Regional Planning Association of America:
The weakest point in Broadacre City is the design of the minimal
house. Wright, who hates the very word housing, has created a
design for single-family houses for the lower-income groups
which compares very unfavorably, I think, with the European
and American housing he detests. He should have permitted
himself to dream more generously. As soon as he reaches the
level of the two-car house, he shows that he is still our most
original architect, as capable of producing beauty in
standardized units as in his favored materials that spring out the
220
earth.102102102102 (Mumford, 1935, apud, Pfeiffer+Wojtowicz, 2001, p.19)
Na sequência deste projecto, Wright criou o ideal, igualmente
utópico, de casas baratas Usanion, de um só andar, que permitiam
uma forte relação com a arquitectura e a natureza, tirando o máximo
partido da paisagem americana e, embora utópicos, estes projectos
tiveram a virtude de introduzir uma unidade para Wright, a reunião
entre a natureza e a produção de casas em série.
Os anos 30 trouxeram a Wright prestígio nacional e internacional,
firmado ainda mais por dois importantes projectos, a casa Kaufmann
na Pennsyvania (1935), e o S. C. Johnson et Son Headquarters
Building em Racine, Wisconsim (1936), que permitiram novas
possibilidades tecnológicas, referimo-nos, nomeadamente, à
utilização de betão armado. De facto, em Wiscousin, Wright, constrói
um espectacular edifício de escritórios transparente da era da
máquina, em contraste com os pilares de betão sustentados por
traves em forma de cogumelos, mais uma vez incorporando materiais
e métodos em inúmeras soluções inovadoras.
102102102102 MUMFORD, Lewis. 1935. The Sky Line: Mr. Wright’s City-Downton Dignity. New
Worker II, 27th April 1935.
221
Wright defendia o transcendentalismo e, como outros adeptos desta
doutrina filosófica, considerava a natureza de modo quase místico,
atribuindo à natureza um lugar fundamental no desenvolvimento
psicológico do homem. Este respeito pela natureza é bem expresso
no modo como Wright sempre se referia a ela, escrevendo esta
palavra com “N” maiúsculo do mesmo modo que escrevia Deus, aliás
costumava afirmar “Nature is all the body of God we will ever
know”.103103103103
Wright considerava que o contexto natural era fundamental para a
evolução positiva do homem e da arquitectura e propôs soluções
para a arquitectura que provam que se pode viver em harmonia com
a natureza.104104104104
103103103103 WRIGHT, Frank Lloyd, Wallace Mike. The life and work of Frank Lloyd Wright
[em linha] : Mike Wallace’s interviews with Frank Lloyd Wright. New York : Public
Brodcasting Service, 1957 [referência de 25 de Novembro 2007]. Disponível na
Internet em: <http: www.pbs.org/flw/buildings/index.ht>.
104104104104 Considerando a natureza como pretexto foi publicado um artigo na revista
Arquitectura nº 269, que deu origem ao artigo A casa sobre a natureza. A vila
Malaparte e a Casa da Cascata.
222
5 . 1 . 3 . F A S C Í N I O P E L A N A T U R E Z A
O projecto que assimila, de forma inquestionável, esta ideia é a casa
construída para a família Kaufmann. Esta casa, também conhecida
como a Fallingwater, foi construída num elemento natural por
excelência, uma cascata de um pequeno riacho de 6km, Bear Run.
Mal conheceu o lugar, Wright ficou impressionado com o ruído das
cascatas, a vitalidade do bosque recém plantado e o poder das
rochas, considerando-os, de imediato, elementos a ponderar no
projecto. Assim, logo nos primeiros estudos, decide implantar a casa
justamente sobre a cascata, conceptualizando uma solução em
profundo respeito pela natureza.
É neste sentido que podemos afirmar que Wright faz com que a
natureza seja o pretexto do projecto, uma forma que surge do
crescimento orgânico, incrustada na própria natureza:
(…) a casa aparece firmemente ancorada à solidez do terreno
e, apesar dos seus amplos planos envidraçados, é protectora
no seu interior como uma caverna, parece, enfim, falar de um
mundo em que o homem e os processos naturais, o artificial e o
Figura 58
Casa Kaufmann.
223
natural se encontram em total harmonia. (Muñoz, 2000) 105105105105
Na Casa Kaufmann, a especulação racional, própria da natureza
intocável, assume um valor superior a qualquer outro, a casa é
colocada no interior da natureza, o volume decompõe-se num
conjunto de sequências horizontais sem remate de cobertura,
sustentadas pelo eixo vertical da grande chaminé em pedra.
Neste projecto, Wright não considerou nenhuma estrutura fixa para
erguer o edifício, a casa desprende-se em elementos sequenciais
que vão crescendo organicamente como nos organismos vivos.
Apesar da imersão da casa na natureza e dos contrastes naturais
produzidos pela simbiose entre o natural e o artificial, podemos
afirmar que, da arquitectura da época, este será o melhor exemplo
em que o artificial foi totalmente controlado pelo arquitecto; aqui, o
mais importante não foi obedecer a uma qualquer imagem moderna,
mas, antes, estabelecer uma relação de harmonia entre a natureza e
a produção do homem, comprovando, novamente, o fascínio de
Wright pela arte japonesa.
105105105105 O texto original de Kaufmann, JR., Edgard, foi publicado no Prólogo de Frank L.
Wright’s Fallingwater. The house and Its History.
Figura 59
Casa Kaufmann.
Figura 60
Casa Kaufmann – o natural e o artifical fundem-se em harmonia.
224
Na casa da cascata podemos ainda constatar o significado da
arquitectura orgânica para Wright: eliminação de um volume espacial
de formas geométricas rígidas, espaço constituído a partir de um
sistema dinâmico, dimensionado a partir da existência do homem,
provando que a vida é um elemento essencial para a criação do
edifício.
No New Yorker, Mumford fez uma crítica muito favorável a propósito
da exposição fotográfica da Kaufmann House:
The perpectual youngness and freshness of his mind were
never better shown than in this treatment of this extraordinary
problem. The site would have frightened any conventional
architect out of his wits. Wight uses the opportunity to
demonstrate that when the need arises he can swing a
cantilever across space, using the method of construction not as
a cliché of modernism but as a rational engineering solution of
real problem. 106106106106 (1938, apud, Pfeiffer+Wojtowicz, 2001, p.20)
Em 1937, a escola Fellowship instalou-se temporariamente em
106106106106 MUMFORD, Lewis.1938. The Sky Line: At Home, Indoors and Out. New Yorker ,
February 1938, nº 13, p.31.
225
Phoenix, no Arizona, e Wright continuou o seu trabalho que ia sendo
cada vez mais divulgado, de tal forma que, na sequência de um
conjunto de palestras em Londres, várias revistas, como o
Architectural Forum, Time e An Organic Architecture, dedicaram-lhe
artigos. É então que Wright, com o intuito de proteger o seu trabalho,
cria a Frank Lloyd Wright Foundation.
Entretanto, o desentendimento a propósito da Broadacre City
provocara a interrupção da correspondência que Wright e Mumford
mantinham há alguns anos e Mumford, por seu lado, continuou a
crítica a Broadacre City no The Culture of Cities, obra com a qual
este crítico foi internacionalmente reconhecido no estudo da história
e do planeamento das cidades. Mas apesar do desacordo quanto a
Broadacre, Mumford continuou a valorizar o trabalho de Wright,
embora limitando-se à arquitectura residencial, conforme expressou
em Abril de 1941, numa palestra, Daney Lectures, no Alabama
College, e publicada como The South in Architecture.
Mesmo assim, os contactos entre ambos tornaram-se bastante
agressivos e foram agravados por posições políticas divergentes,
porquanto Mumford assumia abertamente a sua posição contra o
nazismo e o fascismo, e Wright opunha-se veementemente ao
envolvimento dos Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial. Esta
226
discórdia criou um vazio de 10 anos em que não se comunicaram,
contudo não impediu que Mumford, continuasse a admirar o
arquitecto, conforme prova a carta a um amigo, o poeta John Gould
Flecher:
I should say he is one of great architectural geniuses of our
time; nor merely that, but of any time (...) He has more
imagination in his little finger than most of his contemporaries
have in their whole organism; and his combination of the poet
and the engineer is a rare one, though the poet is sometimes
capricious and (the) engineer uses his great talent to perform
stunts. (Pfeiffer+Wojtowicz, 2001, p.23)
Os dois só voltam a relacionar-se em 1951, a propósito de Sixty
Years of Living Architecture, a maior Exposição da obra de Wright,
que se inaugurou em Filadélfia e que esteve patente em várias
cidades americanas e europeias. Em Itália, a exposição foi tão bem
recebida que o arquitecto foi mesmo homenageado e, a pretexto
deste acontecimento, Wright vai enviar a Mumford o prefácio da
exposição, provocando no crítico uma comoção sincera, resultante
quer do teor da dedicatória, “in spite of all, your old F.Ll.W.”
(Pfeiffer+Wojtowicz, p.193), quer deste facto coincidir com a
conclusão da biografia do seu filho, morto enquanto cumpria o
227
serviço militar. No Green Memories, Mumford iria defender o
ressurgimento e valorização do amor como uma atitude fundamental
para a sobrevivência da humanidade.
Outro acontecimento importante desta fase foi o facto de Mumford
convencer Wright a contribuir com um dos seus primeiros trabalhos
The Art and Craft of the Machine, para a colecção Roots of
Contemporary Architecture 107107107107, o que não deixa de ser curioso visto
que Wright, nesta altura, estava assumidamente associado à
arquitectura orgânica, porém, Mumford não se esquecera que o
arquitecto desde muito cedo se tinha virado para a máquina.
Como já foi salientado várias vezes, neste trabalho, Wright
classificou os seus edifícios como uma arquitectura orgânica,
contudo convém esclarecer, que não esqueceu por isso a
designação que foi utilizada pelo seu mestre Louis Sullivan form
follows function, mas que Wright, tanto no seu trabalho como na
interpretação desta designação, leva mais longe do que Sullivan.
Para Wright o orgânico supunha a evolução da necessidade
107107107107 Este trabalho pode ser consultado em, The Art and Craft of the Machine, p.169-
185.
Figura 61
Esquiço do Museu Guggenheim de Nova Iorque.
228
funcional e não a aplicação de uma forma determinada. Na verdade,
para Wright a arquitectura orgânica era uma arquitectura onde todas
as partes são ligadas e onde todas almejam um melhor rendimento:
continuidade e totalidade. Mas, dentro de um contexto ainda mais
lato e mais profundo, ele afirmará que um edifício orgânico, qualquer
que seja a sua data de construção, tem que se adequar à função, à
época e terá que convir ao homem.
Um exemplo disso é o Museu Guggenheim de Nova Iorque. Na
concepção do espaço museológico e do percurso expositivo, Wright,
procura “a unidade orgânica entre o espaço e a estrutura” (Montaner,
2002, p.28) lembrando o movimento em espiral de algumas plantas.
Apesar deste ensaio sobre a obra de Wright abordar, quase
exclusivamente, a sua posição relativamente aos aspectos orgânicos
e técnicos, consideramos que o elemento importante, presente em
todos os trabalhos de Frank Lloyd Wright, e que domina todas as
reflexões é, indubitavelmente, o dos valores humanos. Este
elemento, que ele denominou de humanidade, ocupa o lugar central
em qualquer edifício por ele concebido.
No fim da sua vida, em 1957, Wright escreve, Un Testament, um
livro, em parte autobiográfico, que passa em revista as suas obras,
os seus princípios fundamentais, as realizações e os resultados
Figura 62
Foto da espiral do Museu Guggenheim de Nova Iorque.
229
obtidos. Ele resume, assim, as forças da sua obra e, também, as
forças da arquitectura, tal como ele a entende e que o último capítulo
do livro, esclarecedoramente intitulado La humanité – Lumiére du
Monde, sintetiza:
Constantly I have referred to a more humane architecture, so I
will try to explain what humane means to me, an architect. Like
organic architecture, the quality of humanity is interior to man.
As the solar system is reckoned is terms of light-years, so may
the inner light be what we are calling humanity. (Pfeiffer, 1991,
p.36)
Não podemos terminar este capítulo sem nos voltarmos a referir ao
admirador e maior crítico de Wright, Mumford, e ao seu
relacionamento de trinta anos. Após a morte de Wright ficou um vazio
na sua crítica que não foi preenchido por nenhum arquitecto, pois
nenhum outro trabalho espelhou melhor os princípios orgânicos e
humanos defendidos por Mumford. No fundo, os dois opunham-se à
arquitectura americana da época e ambos acreditavam que a
arquitectura podia revitalizar a sociedade, cada vez mais ameaçada
e fragmentada, e cada um, à sua maneira, lutou a favor da
arquitectura orgânica adaptada à sociedade humana e ao meio
natural.
230
Architecture thus rises as a metaphor of nature. Nature’s
inexhaustible models of organization are recognized as its
greatest gifts. A building conceived as a perfect organism can
rise with dignity from even the most dismal urban site as a total
work of art. The clear expression of a characteristc visual idea
achieves a living presence like that of a noble individual.
Architecture can claim its place beside every tree and flower.
(Hoffmann, 1986, p.39)
231
5 . 2 . A L V A R A A L T O , H U M A N I Z A R A
A R Q U I T E C T U R A
5 . 2 . 1 . A N A T U R E Z A C O M O P R E T E X T O
Nesta abordagem que pretendemos fazer sobre o modo como os
arquitectos, do século XX, constituíram os universos conceptuais
com base em processos lógicos sustentados no natural e no artificial,
considerando, neste último caso, a máquina como paradigma
principal, podemos considerar Alvar Aalto como o arquitecto que
mais contribuiu para a humanização da arquitectura.
Efectivamente, este arquitecto valorizava de modo particular o ser
humano e se bem que subscrevesse os princípios funcionalistas,
tinha consciência de que o funcionalismo técnico, por si só, não
definia a arquitectura e, portanto, defendia a necessidade de criar
novos conceitos.
Sans se réfugier dans un romantisme qui rejette les avantages
techniques et économiques des temps modernes, el reconnut
les dangers de la technique et tenta de démontrer qu’elle peut
être mise au service de l´homme, plutôt que l’inverse. (Fleig et
al,1992, vol I, p.13)
232
Neste sentido, Alvar Aalto utilizava a natureza como elemento para
humanizar a arquitectura, num processo que podemos considerar
como a transposição do elemento natural para a construção artificial.
A natureza é, assim, integrada no projecto e assume-se como uma
parte de um todo, ocupando um determinado papel no conjunto,
sustentando, desta forma, os pressupostos do funcionalismo.
No entanto, Alvar Alto soube reconhecer que a expressão de Sullivan
era demasiado redutora no modo como defendia que a forma devia
ser inseparável da função. De facto, para os funcionalistas o edifício
não podia ser entendido sem o seu aspecto funcional, pois a
experiência técnica da arquitectura assentava na função, com a
utilidade a revelar-se uma propriedade fundamental do edifício. Com
efeito, Alvar Aalto deu-se conta de que os critérios funcionalistas não
eram suficientes para definir a arquitectura, uma vez que eram
aplicados à posteriori, ou seja, num momento da adequação do
edifício à função.
Importa assinalar que a aspiração principal do funcionalismo era
produzir industrialmente uma arquitectura habitacional, com
condições aceitáveis em termos de higiene e de preço, pelo que a
reforma social do funcionalismo estava direccionada para os
habitantes da cidade, dando azo a um método de trabalho analítico e
233
racional, radicado nos ideais da cultura da máquina.
Assim, no pós guerra, a funcionalidade e a técnica ganharam uma
dimensão particular porquanto havia a necessidade de construir, em
grande quantidade, habitações funcionais a preços acessíveis, pelo
que se produziram algumas mudanças ao nível das habitações, no
sentido de rentabilizar as dimensões, flexibilizar o espaço e ensaiar
soluções de estandardização.
Embora Alvar Aalto tenha alicerçado a sua relação com a
arquitectura internacional em meados de 1928, quando organizou em
Helsínquia uma exposição sobre o tema habitação mínima e, depois,
quando viajou para a Europa a fim de participar no CIAM de 1929,
foi, de facto, a reconstrução a que se procedeu após o fim da
Segunda Guerra Mundial, que possibilitou o reconhecimento dos
arquitectos finlandeses e, consequentemente, a sua afirmação na
vanguarda internacional. É importante referir que a Finlândia não
tinha tradição académica e que a arquitectura apresentava tradições
assentes no classicismo, conquanto este fosse aplicado de forma
muito simplificada, com base na arquitectura tradicional nórdica,
cujas obras mais antigas eram construídas em madeira, um método
de construção muito comum e que foi sempre utilizado por
arquitectos, em diversas zonas do país.
234
Outro aspecto importante, que devemos salientar para perceber o
contexto da arquitectura na Finlândia e o trabalho de Aalto em
particular, é o facto de na paisagem nórdica predominarem,
constantemente, a natureza e o meio natural, e os edifícios serem
sempre enquadrados em forte cumplicidade com a estrutura e a
escala da natureza.108108108108
Alvar Aalto não nega nem a tradição finlandesa, nem a herança
nórdica e, por conseguinte, os dois aspectos, atrás referidos, vão
influenciar a sua arquitectura, onde a natureza aparece como um
elemento fundamental, quer nos edifícios mais clássicos, quer nas
últimas obras. De facto, ao analisarmos o trabalho deste arquitecto
reconhece-se, no início da sua actividade, um forte classicismo
romântico, influenciado em Asplund,109109109109 e, mais tarde, marcas do
108108108108 Na Finlândia, já antes da Segunda Guerra Mundial, a natureza tinha sido fonte
de inspiração para obras de arquitectura, como as obras de Erick Bryggmam e de
Peima Pietilä que eram marcadas por uma vertente orgânica. Pietilä procurava,
inclusive, desenhar edifícios parecidos com as formas naturais, inspirando-se em
rochas, conchas, copas de árvores, perfis de peixes e de outros animais.
109109109109 Apesar da formação deste arquitecto ter como base os princípios da escola
romântica, os seus trabalhos revelam uma versão pessoal e modernizada do
235
racionalismo e do construtivismo, mas podemos, igualmente,
constatar que privilegia, sempre, a relação entre o homem e a
natureza, e relega a máquina para um plano marginal.
neoclássico, no seu percurso, percebe-se que adopta formas do racionalismo
emergente na Europa contudo interpretado de forma mais livre e espontânea, numa
vertente que se pode considerar orgânica.
236
5 . 2 . 2 . F U N C I O N A L I S M O E O H O M E M
Na fase em que Aalto assumiu o modelo funcionalista, o melhor
exemplo, ainda que na Biblioteca de Viipuri e na sede de Turum
Sonamat, também, possamos constatar essa influência, foi, sem
dúvida, o Sanatório de Paimio, um projecto que viria a ser um marco
na arquitectura mundial e em que todo o trabalho de investigação,
sobre o funcionamento do edifício, foi efectuado com o pessoal que
iria trabalhar na obra.
O edifício era um volume esbelto composto por vários corpos, que se
desenvolvia numa área extensa em vários ângulos e aberturas
variadas. O objectivo de Aalto, decorrente das características
terapêuticas do edifício, era orientar da melhor forma possível o
maior corpo do volume, correspondente ao quarto dos doentes, pelo
que, este edifício em altura, foi construído de forma a obter uma boa
exposição solar e a proporcionar uma ventilação adequada. “La
ventilation mécanique n’entre pas en ligne de compte, car c’est l’air
Figura 63
Planta de do Sanatório de Paimio.
237
frais, riche en ozone, qui importe dans la thérapeutique. “110110110110 (Fleig et
al, 1992, I vol. p. 31)
A exposição solar, porém, condicionara de forma particular o
processo conceptual, todavia, o arquitecto não se deixou limitar pela
sua formação racionalista e tentou conciliar a máxima funcionalidade
do programa, sem ser de uma maneira estática ou definitiva.
Efectivamente, o sol foi sempre um factor importante nas obras de
Aalto, pelo que Argan considera, neste caso, ser esse o modelo ideal
de Aalto, conforme afirma: “o modelo ideal de Gropius era uma
máquina em movimento, o modelo ideal de Aalto é o relógio solar;
110110110110 Neste edifício que podemos considerar praticamente de fenêtres ouvertes “La
seule ventilation mécanique du sanatorium se trouve à la cuisine, elle est installée de
sorte qu’on puisse se dispenser de portes entre la cuisine, l’office et la salle à
manger. Un canal en verre à compartiments évacue l’air vivié, comme dans les
fabriques de papier. Quatre compartiments de ventilation sont disposés au-dessus
des marmites et chacun évacue un pourcentage moindre dans mesure où il est placé
plus haut. Le dernier n’absorbe plus que les ultimes traces d’odeurs. Ce système
fonctionne à satisfaction et, surtout, il évite le va-et-vient des portes.”(Fleig, et al,
1992, I vol. p. 40) Este exemplo é um dos que prova que Aalto utiliza a técncia de
modo a dar mais qualidade aos espaços.
238
não há porque um relógio solar deva ser menos racional que uma
máquina.” (1988, p.414)
Não podemos esquecer que neste projecto as preocupações de
Aalto estendem-se ao nível da utilização plena do espaço,
desenhando os equipamentos e, especialmente, podemos constatar
nesta estratégia uma forte cumplicidade com a técnica, provando que
a técnica podia ser uma mais valia para o ser humano, como é o
caso do mobiliário de madeira flexível. Efectivamente, Aalto, no
próprio Sanatório, procedeu a várias experiências ao nível do
mobiliário, com vista à construção de peças leves, flexíveis, fáceis de
limpar, enfim, adequados à sua função. Este mobiliário concorria com
as características das peças cromadas, que começavam a ser
construídas na Europa, contudo, o arquitecto não queria, aplicar este
tipo de material, pois entendia que estas superfícies tubulares não
eram bons materiais para aplicar em peças para o uso do ser
humano.
After extensive experimentation in wood, the flexible system
was discovered and a method and material combined to
produce furniture which was better for the human touch and
more suitable as the general material for the long ands painful
life in a sanatorium. (Schildt, 1997, p.106).
239
Esta preocupação com o factor humano vai, aliás, ser assunto de
duas publicações de Alvar Aalto: em 1935, num artigo, intitulado O
racionalismo e o homem, vai criticar a utilização inadequada da
iluminação artificial na arquitectura, em geral, destacando,
principalmente, a dos hospitais que não tinha em conta as condições
específicas dos pacientes, e, também, a nova cadeira produzida com
os modos de fabricação e de produção modernos; e cinco anos mais
tarde, em A humanização da arquitectura, 111111111111 vai salientar os
exemplos do Sanatório de Paimio (1929-33) e da Biblioteca de Viipuri
(1927-35) para ilustrar que a finalidade da Arquitectura é sempre a
de compatibilizar o mundo material com a vida humana, focando as
experiências que efectuou no sanatório, ao nível da relação do
doente com o quarto e ao nível da melhor utilização deste espaço
pelo indivíduo. Foram estas experiências que o levaram a projectar o
quarto em função da pessoa deitada, já que era nesta posição que
os doentes estavam na maior parte do tempo, e que o levaram a
introduzir algumas inovações nas cores das paredes e do tecto, e na
111111111111 Cujo sub-título era: O funcionalismo para se tornar verdadeiramente eficaz, deve
optar um ponto de vista humano, o que revela bem os princípios que defendia para a
arquitectura.
Figura 64
Estudos de ângulos de incidência da luz solar na Biblioteca de Viipuri.
240
localização da iluminação natural, da iluminação artificial, do
aquecimento e, mesmo, das janelas e das portas. Também a
necessidade de resguardar o indivíduo de ruídos perturbadores,
levou a que nos quartos duplos se insonorizassem paredes ou se
concebessem os lavabos de forma a diminuir o som provocado pelos
jactos de água.
Apesar de podermos considerar este período como a fase em que
associamos Aalto ao funcionalismo, não podemos esquecer, como
foi referido anteriormente, que se denotava já nos mecanismos
conceptuais deste arquitecto, uma abertura para uma linguagem
mais expressiva que se afastava do rigor das linhas geométricas. Isto
mesmo, podemos verificar na Biblioteca de Viipuri, de 1934,
nomeadamente, no espaço interior da sala de conferências que
Aalto, por razões acústicas, modelou com paredes ondulantes de
madeira e por razões de iluminação prevê superficies cónicas no
tecto da biblioteca.
L’ éclairage est une chose essentielle dans une bibliothèque.
Ici, la lumière pénétrait par des lanterneaux coniques de 2 m de
diamètre environ. Les disques horizontaux en verre possèdent
des qualités qui évitent les fissures risquant de se produire
dans un climat rigoureux.
241
Le soleil ne donne pas directement dans la salle mais se trouve
réfléchi par les surfaces coniques des lanterneaux, ce qui
dispense d’employer des verres opaques. Cette lumière diffuse
est particuluèrement agréable pour le lecteur qui n’importe
quelle place sans avoir l’inconvénientde l’ombre ou des reflets.
(Fleig et al, 1992, II vol. p.49)
Mais uma vez e tal como no sanatório, o arquitecto finlandês
ultrapassa os limites impostos pela necessidade de responder às
questões funcionais e técnicas, percebendo-se neste projecto uma
vontade expressa de adequação do espaço ao homem, em que a
arquitectura devia harmonizar o mundo material com corpo, conforme
ele próprio expõe:
The main problem connected with a library is that of the human
eye. A library can be well constructed and can be functional in a
technical way even without the solving of this problem, but it is
not humanly and architecturally complete unless it deals
satisfactorily with the main human function in the building that of
reading a book. (Schildt, 1997, p.104)
E com as competências humanas:
The problem of reading a book is more than a problem of the
eye; a good reading light permits the use of many positions of
242
the human body and every suitable relation between book and
eye. Reading a book involves both culturally and physically a
strange kind of concentration, the duty of architectural is to
eliminate all disturbing elements. (Schildt, 1997, p.106)
Efectivamente, Aalto, mesmo na fase funcionalista, estava já muito
atento às necessidades humanas e se voltarmos à sua obra O
racionalismo e o homem, em que expôs a sua teoria da necessidade
de alargamento do conceito de racionalismo, podemos ver que
defendia a inclusão de características psicológicas na
conceptualização, como forma de alargamento do modo de trabalho
racional e para que os resultados obtidos fossem mais humanos.
Aalto preconizava, aqui, a possibilidade de incluir a Psicologia nas
qualidades exigidas aos objectos, e isto, inclusive, como contraponto
a uma diversidade incaracterística de objectos de formas cubistas
onde abundavam tubos cromados, placas de vidro e combinações de
cores várias, considerados por ele de um modernismo formalista
duvidoso mas que, entretanto, proliferavam, numa tentativa de
resposta à acusação de que a Arquitectura Moderna se revelava
inumana, por estar assente em métodos estritamente racionais.
É nesta dualidade que podemos sustentar a nossa convicção de que,
duma forma geral, Alvar Aalto é um dos arquitectos que melhor
243
representa, em simultâneo, o funcionalismo e a arquitectura
orgânica. Na realidade, o trabalho de Alvar Aalto oscilou sempre
entre a pesquisa de soluções aplicáveis à produção de casas em
série e esse processo de inspiração na natureza, procurando, assim,
a reunião de espaços funcionais e ecológicos, no que se pode
considerar de estandardização elástica,112112112112 ideia que Montaner (2002,
p.106), também, corrobora:
As obras de Alvar Aalto foram se convertendo em manifesto de
uma arquitectura que conseguia ser orgânica emotiva, humana
e realista empregando os mecanismos modernos do
racionalismo, do funcionalismo e da abstracção.
A Villa Mairea vai funcionar para o arquitecto como um espécie de
ensaio ideal para testar este modelo, já que em toda a envolvente
existia natureza que, por seu lado, se apresentava em alinhamentos
verticais sucessivos e diferentes. Segundo Montaner (2002, p.106):
“A Villa Mairea, uma obra cheia de contrastes e justaposições,
112112112112 Esta expressão utilizada por Alvar Aalto, expressa claramente as suas ideias
relativamente à uniformização dos modelos produzidos em série e, em simultâneo, à
necessidade de adaptar esses modelos às variações possíveis de um qualquer
corpo.
Figura 65
Desenhos da Villa Mairea.
244
integra o princípio popular com o moderno e o industrial e apresenta
uma relação com a natureza que não é meramente, mimética.”
Na casa, a arquitectura funciona dependente do homem, o natural e
o artificial entrelaçam-se logo, desde a pérgola da entrada, numa
sintonia perfeita entre o construído e a natureza, neste caso, a
floresta. Trata-se de uma casa em que a função habitacional
combina com múltiplas sensações, criando uma atmosfera interna
acolhedora e calma. Um pátio cria a transição entre o artificial e a
natureza, e estabelece relações de continuidade entre a casa e o
percurso da floresta marcando, por um lado, uma forte identidade,
por outro lado, os limites dos edifícios que compõem a vila (a sauna,
a pequena elevação artificial, os muros e as cercas em madeira)
foram traçados artificialmente, no solo da floresta, como se
crescessem da própria natureza.
É um projecto em que os diversos materiais utilizados foram também
elementos importantes na integração dos edifícios e na
caracterização do espaço conjunto. As paredes brancas, a pedra, a
terra, a presença da madeira no seu estado natural, assumem
diferentes expressões nesta intervenção, em que o natural e o
artificial se confunde. De tal forma, que ao aproximarmo-nos de Villa
Mairea, através da floresta de pinheiros, a fachada branca
Figura 68
Interior da Villa Mairea.
Figura 67
Pormenor da entrada.
Figura 66
Entrada da Villa Mairea.
245
modernista corta o cenário mas, ao entrarmos na casa, o cenário da
floresta abre-se de novo, com a luz a ser filtrada através dos finos
pilares em madeira no hall de entrada, e com as grandes janelas
viradas para o jardim a prolongarem o cenário.
Importa assinalar que neste projecto foi fundamental o processo de
incorporação da madeira no trabalho de Aalto, pois ele não só
colocou o valor expressivo deste material em forte concorrência com
o betão, material que até então viabilizava o modernismo
internacional, como também introduziu a possibilidade de considerar
a madeira como um material capaz de se adaptar à produção em
série.
Nenhum outro arquitecto trabalhou a madeira como Aalto, que
provou não existir uma forma específica para a utilizar e que, apesar
de se tratar de um material antigo, ele conseguiu aplicá-lo de forma
verdadeiramente nova utilizando a máquina e a tecnologia como
método de trabalho, um pouco à semelhança do que se tinha
passado com o betão.113113113113
113113113113 Exemplo disso o Pavilhão de Paris (1937), em que Aalto ganhou o Primeiro
Prémio : “Les pilliers et les traverses avaient été conçus et fabriqués spécialement
Figura 69
Pormenores que marcam a relação com a natureza
246
Será a partir desta época que Aalto, apesar da sua declarada postura
de antimecanicista, estabelece uma relação com a indústria,
fundando e dirigindo a Artek, uma fábrica em que explorou as
técnicas industriais, produzindo desenhos de mobiliário para a
indústria, com o patrocínio da indústria madeireira finlandesa.
Neste processo é possível provar que Aalto, também, consegue fazer
da máquina um forte aliado, tal como afirma Daciano Costa a
propósito do Centenário de Aalto:
Ninguém como Alvar Aalto encarou a madeira como um
material novo de facto, implicando a descoberta e
desenvolvimento duma tecnologia que passou a representar a
evolução cultural. Essa evolução não é uma simples evolução
estética, é um daqueles factos técnicos de cruzamento entre a
evolução e progresso que determinam as grandes etapas do
processo da cultura do projecto. (Ribeiro e Björk, 1998, p.69)
pour cette construction. Il n’ y avait pas que les piliers qui indiquaient les qualités
particulières du bois, mais aussi des combinaisons obliques selon un système
porteur triangulé. Ainsi les propriétés de rigidité du bois furent démonstrées à
nouveau d’une façon moderne, tout en exploitant les vertus traditionnelles propres à
la constrution.” (Fleig el al, 1992, I vol. p.78):
247
A madeira laminada era já um material que permitia atingir um bom
coeficiente de elasticidade, porém, Aalto vai desenvolver a
flexibilidade das curvas e contra curvas deste material, de modo a
conseguir uma posição estável nos objectos criados, modelando a
madeira laminada às curvas do corpo, em perfeito equilíbrio, numa
demonstração de como o fenómeno mecânico, de que dependia a
sociedade moderna, podia ser trabalhado em estreita dependência
com a estrutura orgânica e, perfeitamente, adaptado à forma
humana. Máquina, Homem e Natureza reunidos sob a tónica da
modernidade.
Aalto revelava, assim, plena consciência, da necessidade de
combinação destes três factores, quer na arquitectura, quer nos seus
equipamentos. Para ele, uma peça de mobiliário devia ser “A light,
inexpensive object, accessible to all social classes, easy to clean and
durable. It should combine maximum comfort with maximum ease of
technical manufacture.” (Schildt, 1997, p.107)
A partir desta época, o processo conceptual de Aalto vai basear-se,
sobretudo, nas linhas de ondulação dos planos, como foi o caso dos
alojamentos, Baker House de Massachusetts Intitute of Technology
em Cambridge de 1949, ou o Aalto-Theater, em Essen na Alemanha,
de 1959, terminado já depois da sua morte.
248
Frequentemente associa-se a linha ondulada à linha expressiva da
vida, de tudo o que nasce, cresce e se multiplica no espaço.
Contudo, a arquitectura de Aalto não pode ser considerada
simplesmente de naturalista ou organicista pois a sua obra assentava
também numa forte experiência do espaço que resultava em formas
perfeitamente adequadas ao homem e à sociedade, pelo que Aalto
descobriu “(…) que uma linha ou superfícies curvas não são menos
racionais do que uma linha recta ou uma superfície plana.” (Argan,
1988, p.414)
249
5 . 2 . 3 . O C I C L O D A V I D A
Os espaços religiosos, 114114114114 também, têm lugar na obra de Aalto e é
importante assinalar que as estratégias do arquitecto, desde os
primeiros trabalhos nos anos 30 até à última obra em Riola, vão
evoluindo do racionalismo formal para o organicismo, onde o factor
técnico surge combinado com o factor humano.
Na verdade, nos trabalhos da fase inicial, existe uma aproximação ao
racionalismo funcionalista, como aquando da reformulação e
construção de algumas igrejas, nomeadamente Jyväskylä e
Muurame, e nas quais se percebe uma certa geometria relacionada
com o movimento internacional. De facto, e embora este período seja
aquele em que podemos verificar uma maior aproximação de Aalto
ao racionalismo funcionalista, já se percebe que não era um
114114114114 Sobre este assunto Müller fez uma análise comparativa dos programas
eclesiásticas das obras, em Alvar Aalto e a igreja feito corpo, onde se percebe a
estratégia de forte relação entre o homem e a natureza em oposição à máquina.
Neste trabalho, o autor considera no corpus arquitectónico do arquitecto a natureza
como organismo, explicando, no entanto, as preocupações do arquitecto com as
questões técnicas em cada um dos seus projectos.
250
arquitecto que obedecesse a cânones, mesmo que, nesta época,
ainda estivesse, de certa forma, afastado da vertente orgânica com
que mais tarde iria ficar conhecido.
Nos anos 50, após 30 anos de afastamento, Aalto volta ao tema
sacro concebendo duas capelas, uma em Malon na Finlândia, e outra
em Lingby, na Dinamarca e, mesmo que ambos os projectos não
tenham sido realizados, importa notar a forma como é resolvida a
funcionalidade dos espaços em sintonia com as chaves simbólicas
do projecto, mais concretamente a intriga relativamente à vida e à
morte, e o modo como recorre à luz para criar uma simbologia muito
particular.
É que apesar de se tratarem de espaços construídos sobre plantas
regulares, 115115115115 a luz, um importante elemento natural, em especial no
norte da Finlândia, assume um protagonismo simbólico, qualificando
o espaço em ambos os projectos. A luz é aqui um elemento
fundamental e, do mesmo modo que Le Corbusier experimentou em
Ronchamp, também Aalto, nestas duas capelas, apela ao
115115115115 Em Malam, as três capelas estão colocadas triangularmente sobre si e em
Lingby, as duas capelas são de planta quadrada.
251
transcendental, se bem que utilize a metáfora entre a vida e a morte,
apelando uma vez mais para o ciclo de vida subjacente ao factor
orgânico.
Segundo Müller (2001) em Lingby as chaves simbólicas e funcionais
são as mesmas das capelas em Malam, mas constituídas de uma
outra forma:
(...) e os pátios da vida multiplicam-se estão lá novamente, as
capelas de planta quadrada, com disposição interna dos
assentos em três lados do catafalco e dois assentos em três
lados do catafalco, e dois assentos separados, o da vida para a
morte e o da morte novamente para a vida, os pátios servindo
de esperança para um mundo melhor tanto neste como no
outro lado. (Muller, 2001, p. 3)
Nestas duas capelas são já perceptíveis quer um percurso
conceptual assente numa ênfase simbólica do espaço, quer um
principado da luz como modo de intensificação do aspecto
transcendental, todavia, nas igrejas de Lahti e principalmente, em
Sheinäjoki, Aalto irá complementar aqueles aspectos com todo um
conjunto de premissas funcionais, figurativas e simbólicas que serão
referenciais permanentes nas suas posteriores obras eclesiásticas,
como será o caso da planta de volume trapezoidal estreitando em
252
direcção ao altar, projectada, assim, por razões de ordem acústica,
segundo o próprio arquitecto.
Efectivamente em Seinäjoki, o volume da caixa dissolve-se e o factor
técnico 116116116116 tem um papel importante na estabilização da forma, e a
utilização do trapézio, tanto em planta como em volume, dá azo a
uma forma plástica particular que se por um lado, ainda, conserva
linhas baseadas no que era habitual nos anos 30 – os planos rectos
e brancos e o interior claro –, por outro lado, inova ao estabelecer a
relação do homem com o divino, através do aumento da perspectiva
até ao altar, conseguido pelos suportes interiores, pela inclinação do
tecto da nave e, novamente, pelo protagonismo da luz que
emergindo dum grande pano de vidro, camuflado pelos recortes
verticais das fachadas laterais, enche o espaço sagrado.
Mais uma vez, neste projecto, Aalto não se deixou dominar pelas
questões técnicas e concebeu: “a ideia da igreja feito corpo,
organismo vivo de feições irregulares onde há ordem imanente que
116116116116 Em relação à acústica sabe-se de antemão que os planos paralelos não
proporcionam boas condições para a propagação do som, assim como se devem
respeitar certas distâncias e comprimentos por causa dos fenómenos de
reverberação e de eco.
253
tudo relaciona e faz funcionar a partir de uma fonte cerebral –
figurativa – e emocional – simbólica”. (Müller, 2001, p.4)
No templo de Vuoksenniska, em Imatra, a conceptualização do
espaço interior foi condicionada pelo ritual luterano e, face à
necessidade de conciliar a criação de um espaço polivalente,
passível de outras actividades para além da do culto, com o
refinamento da acústica do canto e do sermão, imprescindível à
liturgia luterana onde impera a palavra, resultou numa condição
assimétrica originada pela sobreposição, ao trapézio, dum intricado
esquema formal de planos rectos e curvos.
Com efeito, a parede onde se situa o púlpito é recta e opõe-se à
superfície cilíndrica a partir de um traçado curvo, imposto por razões
acústicas. As preocupações acústicas definem, igualmente, a
volumetria assimétrica do interior, tanto que as janelas de superfícies
cilíndricas são planos oblíquos que se adaptam às linhas do tecto e
este, por seu lado, é irregular por forma a devolver para o centro do
espaço, ou seja, para a assembleia dos fiéis, o som emitido desde as
extremidades, isto é, pelo altar e pelo coro. Os três espaços são
ligados a partir do eixo e, aqui, o plano trapezoidal é de novo
utilizado para valorizar a zona do altar e do púlpito, confrontando-os
com os outros elemento litúrgicos.
Figura 71
Templo de Vuoksenniska.
Figura 70
Desenho projectual do templo de Vuoksenniska.
254
Com o volume a decrescer em altura à medida que se aproxima do
altar, Aalto vai marcar a geometria orgânica com linhas estruturais
cobertas que ultrapassam o espaço transversalmente ao eixo maior,
até encontrarem os apoios que marcam a intersecção dos nichos
curvos da parede acústica e, neste ponto, as vigas transversais
ramificam-se em três partes para distribuir as cargas. Aalto combina,
assim, a questão da funcionalidade técnica e da funcionalidade
orgânica, podendo-se mesmo afirmar que, na igreja de
Vuoksenniska, o arquitecto vai para além da funcionalidade e que até
a racionalidade funcional própria da modernidade, associada às
questões acústicas e às condições essenciais do projecto, é
ultrapassada pelo carácter orgânico.
Um aspecto importante deste projecto que também se verificou nos
crematórios de Lyngby foi i facto de Aalto recusar a instalção de um
elevador eléctrico para transportar a urna funerária.
A l’église de Vuoksenniska, les parois s’ouvrent ou se ferment
avant le culte – on ne remarque pas l’apport de la technique,
les fidèles trouvent les lieux tels qu’ils sont préparés. En
revanche, au crématoire, la machinerie s’empare
ostensiblements des morts, mais Aalto désire que ce soyent les
vivants qui emportent les morts. Cet exemple est un de ceux
255
qui montrent qu’ Aalto utilise le technique, mais qu’il empêche
qu’elle n’entrave l’humain. (Fleig, 1992, I vol., p.13)
O templo de Heiling Geiskt-Kirche em Wolfsburg, na Alemanha, para
além de se tratar de um volume que igualmente aponta para o
orgânico, obedece, também, a uma composição arquitectónica em
que se procura cumprir com a funcionalidade, no respeito pelos actos
que aí se praticam, e em que a forma estrutural - a planta trapezoidal
dá lugar a uma série de pórticos arqueados na longitudinal,
convergentes desde a entrada até ao altar - e a luz, elemento natural,
aparecem como protagonistas da articulação formal do espaço.
Neste projecto, a luz entra apenas por planos de vidro translúcido, de
perfil orgânico, que iluminam o espaço com exuberância e por um
grande plano de vidro alto que propicia a entrada de luz pela pia e
pelo baptistério.
É um templo em que se nota, por um lado, o afastamento, cada vez
maior, relativamente às formas geométricas, observadas nos
programas eclesiásticos de Lathi e Seinajäki, a favor de um volume
fragmentado e mais orgânico, e por outro lado, um novo modo de
entender o sistema compositivo, em que desaparece a nave única,
em forma de casca, para dar lugar a uma composição de três partes,
articuladas de forma inteligente. Verifica-se, aqui, um tipo de
Figura 72
Interior do templo de Heiling Geiskt-Kirche
256
estratégia importante para tornar o espaço mais humano e em que a
construção passa a fazer parte do processo de concepção do
arquitecto, tal como já o tinha experimentado na parede acústica de
Imatra.
No templo de Stephanus-Kirche em Detmorode, também na
Alemanha, Aalto vai aplicar os princípios já utilizados nas outras
estruturas eclesiásticas, igualmente de forma trapezoidal desde a
entrada até ao altar, privilegiando a convergência visual, as boas
condições acústicas, trabalhando a forma estrutural e a luz em
sintonia, ainda que abdique da eloquência escultórica presente em
Imatra e, principalmente, em Wolfsburg, a favor de linhas mais
contidas mas nem por isso menos orgânicas.
Ainda no contexto do nosso trabalho, parece-nos pertinente frisar o
modo como Aalto, em Stephanus-Kirche, aperfeiçoou as questões
acústicas, após uma investigação baseada na forma como o som
produzido pela voz, pelo canto e pelo órgão seria ouvido neste
espaço. Efectivamente, a questão técnica foi combinada com a
reprodução de elementos naturais, utilizando-se doze conchas de
madeira de 2,50 m, suspensas no tecto sobre o espaço destinado
aos fieis, para obter uma melhor acústica, sendo particularmente
interessante o modo como o arquitecto resolve as questões técnicas,
Figura 73
Planta do conjunto em Santa Maria, em Riola
257
desta vez, recorrendo a formas orgânicas em sintonia com o
elemento natural, a madeira.
A derradeira síntese de Aalto neste tipo de programas vai acontecer
na Igreja de Santa Maria, em Riola, onde consegue a mais completa
de todas as obras, sintetizando todas as anteriores. A geometria
rígida, na base da concepção dos racionalistas, dá lugar a um
sentido orgânico, onde a função religiosa aparece reforçada pelo
sentimento de espiritualidade e pela dimensão interior muito própria
do ser humano, com o interior da igreja a apelar, também, ao espaço
interior do homem.
Neste último trabalho reconhece-se uma simbiose, entre a forma
como resolveu as questões técnicas e as questões humanas, 117117117117que
117117117117 A relação entre estes dois aspectos da obra de Aalto influenciaram o trabalho do
dinamarquês Jörn Utzon, considerado por Montaner (2001, p.89) entre o
organicismo e a tecnologia: “Utzon procurará desenhar (...) um sistema padronizado
e préfabricado de componentes ou células espaciais que fossem montadas
posteriormente, integrando desenhos de formas livres, com eferências orgânicas a
aves e outros animais adaptáveis a diversos contextos ambientais. (...) As suas
propostas procuram atender às exigências da industrialização e normalização, sem
sacrificar a flexibilidade e expressividade necessárias para se orientar pelo caminho
incerto das funções e desejos humanos.”
Figura 74
Interior da Igreja de Santa Maria
258
parece transportar uma mensagem intemporal. Efectivamente o
modo natural e humano de desenhar e de fazer arquitectura aponta,
claramente, para uma estratégia humana e ecológica, fenómenos
transversais a todas as épocas, passado, presente e futuro,
conforme provam as seguintes palavras, de Alvar Aalto em 1940 118118118118
(apud, Lathi, 1998)
Architect’s work’s concentrates on creating harmony, tying
together of threads from the living future to the living past. The
basis is man – with all his countless emotional threads – and
nature (man included).
De todos os arquitectos que nos referimos até ao momento, Aalto
parece ser aquele que melhor consubstancia os aspectos
relacionados com a intemporalidade pois afinal o homem, que na sua
evolução se vem adaptando espacialmente ao mundo, mantém-se o
mesmo, as suas características físicas mantêm-se as mesmas, não
se alteraram significativamente com o tempo e parece certo que na
sua essência se vão manter as mesmas, apesar de por vezes os
118118118118 Referido por Markku Lathi, na Introdução do Catálogo da Exposição Alvar Aalto
p.14.
Figura 75
Fachada principal da Igreja de Santa Maria
259
avanços produzidos nas várias áreas da ciência apontarem em
sentido contrário.
260
6 . N O V O S C O N C E I T O S N A R E L A Ç Ã O H O M E M /
M Á Q U I N A
6 . 1 . C R Í T I C A A O R A C I O N A L I S M O
Na passagem para a segunda metade do século XX, os modelos
conceptuais centram-se, sobretudo, em torno da velha questão da
arquitectura que envolve a relação do homem com o espaço de
habitar.
Importa, portanto, analisar a cumplicidade que se estabeleceu entre
o modo como a tecnologia foi ganhando terreno e o desenvolvimento
de uma certa sensibilidade que, ao mesmo tempo, emergia no que
concerne as exigências naturais do homem relativamente ao espaço.
Com efeito, neste processo, assiste-se a uma tomada de consciência
da necessidade de conferir ao espaço uma maior adaptabilidade;
agora, mais do que a função, tornava-se necessário perceber as
características próprias do ser humano. Nesta abordagem, vamos,
ainda, constatar que na sociedade e na arquitectura essas questões
foram objecto de algumas inquietações que, no caso da arquitectura,
permitiram avanços significativos na relação entre o homem e o seu
habitat.
261
De facto, existiam na sociedade algumas inquietações relativamente
ao modo como se aceitava os avanços tecnológicos e Theodor
Wiesengrund-Adorno, juntamente com outros filósofos, reflectiam
sobre as dimensões deste avanços provocados após as revoluções
industriais 119119119119, alertando para o perigo do homem estar prestes a
perder a sua autonomia e da sociedade correr o risco de se
desumanizar, visto que o homem não passaria de um vulgar
instrumento de trabalho e de consumo e poderia, mesmo, tornar-se
num mero objecto.120120120120
Este tipo de preocupações estendia-se, aliás, a outras áreas da
sociedade e no cinema, por exemplo, Jacques Tati fez uma
interpretação/crítica desta nova realidade, baseada nas contradições
entre o natural, associado à própria essência humana, e o artificial,
119119119119 O domínio da razão humana, que se caracterizava como uma doutrina durante o
Iluminismo, deu lugar ao domínio da razão técnica.
120120120120 Adorno em Dialéctica do Esclarecimento tem um capítulo sobre Indústria Cultural
onde reflecte acerca dos perigos da racionalidade técnica. Em Mínima Moralia (obra
publicada depois do exílio nos Estados Unidos, devido à de guerra na Europa)
apresenta pequenas morais sobre a vida mutilada, reflecte um conjunto de ensaios
pessimistas e declara-se contra o funcionalismo.
262
fruto dos sucessivos avanços tecnológicos. Este tipo de
manifestação não era inédita pois, já em meados dos anos 30,
Charlie Chaplin tinha utilizado esta arte no filme Tempos Modernos,
uma sátira intemporal que apelava para uma reflexão sobre a relação
do homem contra a máquina, no entanto, Tati, num outro contexto
social em que se aceita de forma generalizada os benefícios da
máquina, faz nos seus filmes uma critica à arquitectura moderna e
uma sátira aos comportamentos ridículos decorrentes do acto de
habitar esses espaços. Ele consegue trabalhar os opostos e
confronta a construção tradicional e irracional com a moderna e
racional onde, na sua opinião, o homem ficava como que tolhido e
obrigado a desenvolver movimentos mecânicos.121121121121 É o caso, por
exemplo, do filme O meu tio em que na casa da família Arpel, uma
moradia unifamiliar, se percebe o paradigma moderno-racional, com
o funcional e o geométrico a esmagarem qualquer hipótese de vida
natural e onde o homem, para poder habitar aquele espaço, tem de
121121121121 Para reproduzir essa sensação de artificialidade, os actores tinham que
deslocar-se em linhas rectas e ângulos rectos, nunca em circunferências, os
movimentos eram assim robotorizados.
Figura 76
Imagem do filme Tempos Modernos.
Figura 77
Imagem da casa da família Arpel em O meu Tio
263
se comportar como mais um objecto e daí que os seus próprios
movimentos se passem a efectuar em linha recta como os robôs.122122122122
Efectivamente, Adorno levantava algumas questões sobre o facto do
homem ser apenas um mero instrumento manipulado e baseado
numa ideologia assente na racionalidade técnica vigente, contudo,
parece-nos necessário esclarecer que o mito do homem-máquina
não era algo de novo na sociedade e que, mediante as
possibilidades técnicas de cada época, foi assumindo várias formas
ao longo dos tempos, ocupando sempre a vanguarda do seu tempo,
ainda que, paralelamente, carregasse consigo um certa preocupação
relativamente ao mecânico.
Não obstante, esta antinomia do natural e do artificial com que nos
deparamos desde o século XVIII, estava prestes a ganhar um novo
rumo, apesar da sociedade continuar a revelar algum receio em
relação ao mecânico. De facto, como já foi referido, estas
manifestações não eram recentes, conforme comprovam enúmeras
122122122122 Na peça de Opilek, Karel Capek, em 1917, utilizou a palavra robota que significa
trabalho escravo e foi utilizada pela primeira vez no seu drama utópico Rossum,
sendo que o robô se tornou popular a partir de 1921.
264
obras literárias e cinematográficas, tais como O homem uma
máquina de La Mattrie, uma obra de 1748 em que se encara a
possibilidade de reprodução artificial do ser humano ou, ainda, o
romance Erewohn, or over the Range de 1872 de Samuel Butlers
onde se protagoniza a superioridade da máquina sobre o homem. De
assinalar, igualmente, que mais tarde, em 1980, no filme Blade
Runner, surgem seres fabricados, desprovidos de sentimentos
humanos, num cenário de ambiente futurista onde se tenta criticar o
urbanismo do Movimento Moderno e do pós Moderno e das cidades
utópicas do futuro, lembrando as cidades imaginadas por San’Elia ou
por Fritz Lang em Metropolis, e antecipando alguns projectos de
futuro.
No entanto, o desenvolvimento do ser robótico estava à beira de
ganhar uma nova dimensão e já não era visto apenas como uma
máquina autónoma que libertava o homem das actividades rotineiras,
ou como anderoides, robôs semelhantes a homens sem capacidade
de pensar, dava agora um salto evolutivo e tratava-se de um
organismo híbrido, o Cyborg (homem semelhante a robô), existente
numa sociedade onde o humano e o tecnológico se constroem
mutuamente.
Por outro lado, Henri Bergson (1859-1941), um dos primeiros
Figura 77
Imagem do filme Metropolis de Fritz Lang, (1925-1926)
265
filósofos a superar o positivismo e o idealismo do século XIX e um
dos que mais se manifestou contra o mecanicismo, tendo-se tornado
o representante mais conceituado da nova filosofia de vida, 123123123123
apresenta uma nova visão antimecanicista, rejeita o mecanismo
darwinista e neodarwista e, ainda, toda a concepção mecanicista do
órgão vivo. Para ele, a faculdade humana que corresponderia à
matéria espacial era a inteligência e seria esta inteligência analítica
que teria a capacidade de decompor e voltar a compor, segundo
qualquer lei ou sistema, defendendo que:
O órgão vivo deve ser considerado como a expressão
complexa de uma função simples, pode ser comparado a um
quadro composto de milhares de traços, mas que expressa a
inspiração simples do artista. Sem dúvida, o organismo contém
um mecanismo, parece até ser um mecanismo. Mas assim
como num arco dividido em minúsculos segmentos, estes
123123123123 Anteriormente Jules Lachelier (1932–1918) e Émile Boutroux (1845-1918), de
quem Bergson tinha sido discípulo, já tinham manifestado um tendência espiritualista
e personalista da filosofia francesa que apontava para uma nova filosofia de vida,
que apesar de repudiar o spencerismo, tinha em conta, igualmente, muitas das
ideias evolucionistas e utilitárias do inglês Herbert Spencer.
266
segmentos coincidem aparentemente como uma tangente,
assim também a vida examinada em suas minúcias como os
métodos das ciências da natureza parece um mecanismo mas
não é. 124124124124 (Carvalho, 1968)
Duas ideias que se revelarão extremamente fecundas para perceber
as questões que o computador, também, levanta na arquitectura e o
facto do arquitecto poder, igualmente, ser manipulado por ele e pela
inteligência artificial.
124124124124 Tradução de António Pinto de Carvalho, em A Filosofia Contemporânea
Ocidental, de Henri Bergson por J. M. Bochenski.
267
6 . 2 . S I S T E M A S E E S T R U T U R A S
Entretanto, é interessante constatar que do mesmo modo que na
sociedade se questionava o modo como se entendia a máquina,
também, na arquitectura, se iam denotando algumas transformações.
Segundo Francastel (1956, p.37):
La théorie du compromis qui mettait la machine au service de
l’art se résout ainsi en une identification de l’art avec la
thecnique contemporaine. Incontestablement, le mouvement de
CIAM repréraire de ce point de vu um moment important dans
l’histoire et dans le dévoleppement du mythe de la machine.
(…) Toute la question des valeurs réelles de cette idéologie qui
oposse la civilisation machiniste à l’art et à la Nature et ce qui
cherche l’issue dans une psuedo mise en contact de l’homme à
la fois avec paysage – dernier vestigue d’un rousseauisme pétri
d’orgueil – et avec la técnique sera reprise par la suite.
O CIAM definira os pontos gerais que caracterizavam a arquitectura
moderna em princípios que eram fundamentalmente racionalistas e
analíticos e que se baseavam num sistema de classificação que
268
dividia a cidade em várias funções, 125125125125 numa perspectiva formal de
origem cartesiana. Contudo, este tipo de postura era muito
questionada pelos membros mais jovens, incluindo por Le Corbusier,
embora nunca por ele completamente assumido, o que originou uma
certa cumplicidade entre este conhecido arquitecto francês e esta
geração mais jovem. Esta parceria, entre Le Corbusier e os jovens
arquitectos, permitiu-lhes assumir, em conjunto, um papel dominante
nos CIAM e, a partir do 9º congresso, os holandeses do grupo Doorn
repudiaram declaradamente a Carta de Atenas,126126126126 tendo-lhes sido
solicitado pelo conselho dos CIAM a organização do congresso
125125125125 As funções principais seriam: « Habiter, jouer, travailler, et circuler, c’est ainsi
que dans tous les projects d’urbanisme, inspirés par la doutrine, plusiers treinte
seront utilisées pour colorer les zones de conditionnement humain ». (Francastel,
1956, p.38)
126126126126 No CIAM IV sobre o tema The Functional City, foi produzido o mais conhecido
documento Athens Charter: “The Charter criticized contemporary society for not
satisfying the biological or psychological needs of city inhabitants, and for the
proliferation of private interests, and called for collective action and the
reorganization of planning on a human scale regarding the dwelling unit as the basic
element. It also stressed the need to use the resources of modern technological
progress.” (Khan, 1998, p.37)
269
seguinte. A partir desse altura o grupo de 10 membros, 127127127127 saído dos
Doorn e agora ampliado, passou a chamar-se Team X.
O Team X, embora de origem racionalista, defendia um primeiro
modelo com base na criação de símbolos da nova comunidade e na
psicologia da percepção, apontando assim o caminho para criar
diversas aproximações a um mesmo objecto e estabelecer uma
relação sensível com o mundo.
Neste contexto é determinante esclarecer que a percepção é uma
actividade vital de qualquer organismo na relação com aquilo que o
rodeia, mais uma vez o orgânico a manifestar-se na relação de todas
as partes de um corpo com aquilo que o rodeia, numa dimensão
holística.
A obra do Team X propunha, ainda, um segundo modelo que se
baseava na teoria dos sistemas e que perspectivava a aplicação do
princípio da autoregulação às máquinas, à psicologia e à sociedade,
127127127127 Os membros fundadores eram os holandeses:1. Jacob Berend Bakema, 2. Aldo
van Eyck, 3. Sandy van Ginkel e 4. Hovens-Greve, os ingleses 5. Alison e 6. Peter
Smithson, 7. W. y G. Howell John Voelcker, os franceses 8. Georges Candilis e 9.
Shadrach Woods e o suíço 10. Rolf Gutmann.
270
numa conceptualização em que cada um destes sistemas era
organizado de forma a apoiarem-se entre si, de modo autoregulador.
Estas ideias foram fundamentais para definir o futuro da arquitectura:
por um lado, a tendência técnica muito vincada pelas megaestruturas
high-tech, associadas a uma certa ideia de vanguarda vinculada pela
máquina, por outro, o homem e uma relação sensível mais forte com
o espaço que o rodeia, sendo de referir que apesar das
megaestruturas ganharem um destaque especial na fase de
transição do meio do século XX, elas já estavam latentes nos
projectos de alguns arquitectos, como é o caso de Le Corbusier ou
de Frank Lloyd Wright.
Richard Buckminster Fuller foi, igualmente, um dos que muito cedo
recusou a fórmula do racionalismo na arquitectura e que se dedicou
à aplicação de processos industriais nesta arte.
Assim Fuller converteu o lema tipico do funcionalismo less is more
em more is less, o seu pragmatismo determinou a construção da
casa e do carro Dymaxion.
In 1927 the dymaxion principle, that is the principle of the
obtaining the maximum of advantage with the minimum of
advantage with the minimum of energy, permitted Buckminster
Fuller to develop an innovative system of structural
Figura 79
Casa Dymaxion (1929).
271
prefabrication that was applied both to the design of a house
suspended by steel ties from a hollow central pylon.(Pirovano,
1990, p.329)
Assim a Dymaxion House foi concebida como uma estrutura de
cabos de aço, suspensa numa árvore com vinte metros de altura e,
verificando que este projecto poderia funcionar como protótipo de
muitas macroestruturas do futuro, Fuller projectou, também, uma
versão motorizada, em três rodas, o Dymaxion Car.
A sua fidelidade a este tipo de construção foi contínua e, durante a
guerra, realizou residências de forma cilíndrica, com características
industriais, para uso do exército no Pacífico e, em 1946, projectou
em pequena série, a Wichita House,128128128128 cuja produção nunca chegou
a ser comercializada.
The latter housed the ducts for the installations connected to a
prefabricated and modular technological block, invented in 1929
128128128128 Em plena Guerra-fria, Fuller concebeu “um refúgio de papel de 4,60 m de
diâmetro e capacidade para seis homens. Este foi chamado de Kleenex e pesava
três vezes menos que uma tenda e não custava então dez dólares, podendo ser
facilmente carregada e descartada após utilizada. Tradução livre (Machale, 1966, p.
32-33)
Figura 80
Wichita house, machine for living, (1946).
272
and patented in 1936. The Wichita house, built in Kansas by the
Beech Aircraft Co., was development of this model. It had a
transportable shell structure of sheet steel and was made up of
less than 200 separate components, among them partition
closets, forerunners of closet walls. (Pirovano, 1990, p.329)
Todavia, foi a partir daí que se passou a dedicar aos projectos que
viriam a ser aqueles com que melhor se referencia Fuller: as cúpulas
geométricas, 129129129129 compostas de retículos poliédricos em aço e
cobertas por elementos de materiais variados com o aço, o alumínio,
materiais transparentes e mesmo materiais recicláveis como o
papelão.
A notoriedade de Fuller e o reflexo do seu trabalho dedicado às
técnicas de industrialização, vão-se afirmar no âmbito internacional
aquando da sua participação na Expo de Montreal, em 1967 e,
efectivamente, podemos constatar que, desde então, muitas das
suas ideias vão aparecer um pouco por todo o lado, implícitas em
trabalhos futuros.
129129129129 Em 1953, constrói uma cúpula de alumínio para a fábrica da Ford em Dearborn,
de 8,5 toneladas de peso. Projectou ainda uma grande cúpula transparente para
Manhattan, com 3,2 quilómetros de diâmetro e 1600 metros de altura.
Figura 81
Grande cúpula transparente para Manhattan (1962).
273
É o caso do estruturalismo, uma nova tendência que surgiu na
Holanda, protagonizada por Piet Blom e Joop van Stigt, e que se
inspirou também na ideia, defendida em 1952 pelo arquitecto
holandês Wim van Bodegravan, a criação de uma estrutura de
formas que pudesse mudar com o tempo mas que, nessa
transmutação, conservasse a sua coerência e significado. Esta ideia,
vai estar na origem da aldeia infantil de Blom e de Stigt, em que um
sistema préfabricado permitia que peças idênticas e reconhecíveis se
combinassem mediante um conjunto de regras. Esta combinação, de
ordem e flexibilidade e de centralidade e dispersão, vai ser ainda
incorporada por Herman Hertzberger e disseminar-se na Holanda,
nos anos 60 e 70.
As formas e as tipologias, inspiradas no mundo da máquina,
encontram referências no mundo industrial e do mesmo modo que no
início do século se reproduziam fábricas e centrais hidroeléctricas,
também, nesta época, se reproduziam conscientemente edifícios
com analogias a refinarias de petróleo, e segundo Montaner (2002,
p.92) :
Definitivamente o paradigma da artificialidade encontrou a sua
continuidade, na arquitectura high tech, uma arquitectura que,
além de seus valores formais e culturais se baseia na
274
materialidade e na construtividade do projecto na ênfase nas
articulações e nos nós, no recurso à repetição modular e no
equívoco mecanicista de que uma boa construção equivale a
uma boa arquitectura.
O mundo da máquina, um pouco por todo o lado, inspirava
arquitectos, como é o caso de Richard Rogers e Renzo Piano no
Centro Pompidou, em Paris onde abundavam as tipologias do mundo
industrial, como as escadas rolantes que atravessam o edifício e que
fazem lembrar as refinarias de petróleo.
Em 1974, Piet Blom projecta em Helmond, Roterdão, as primeiras
experiências das Cubic Houses, construídas entre 1975 e 1984 em
simultâneo com a Spanish Kay Housing, cujo espaço propunha uma
forma de habitar que contrariava a ortogonalidade e colocava o
homem numa nova relação com o espaço habitável.
Assim, o modelo da repetição desenvolvido por via da máquina e
adoptado pelo movimento moderno, surgia agora como protótipo
para a construção de mega estruturas.
No âmbito da análise efectuada neste trabalho importa, desde já,
referir que os aspectos utópicos e paradigmáticos das
megaestruturas não surgem tão diferenciados das questões de
habitabilidade básicas do ser humano, antes, assumem-se como
Figura 82
Centro George Pompidou
Figura 83
Planta das cubic houses
275
resposta das novas tecnologias a uma velha questão – habitar.
A par dos estruturalistas, surgiram também, em 1960, os
metabolistas no Congresso Mundial de Desenho em Tóquio, em
simultâneo com o projecto de Kenzo Tange, para a baía de Tóquio,
no qual o arquitecto utilizava palavras de cariz biológico, como célula
e metabolismo, no que o próprio considerou uma oposição clara ao
funcionalismo. Tange propunha colmatar o grave problema da
densidade populacional através de um projecto de uma nova cidade,
situada por cima das águas da baia de Tóquio, em que estruturas
flutuantes, constituídas por materiais substituíveis, podiam acolher
cerca de 10 milhões de pessoas. Era uma cidade cuja estrutura
geral, um duplo eixo de transportes que albergava todos os edifícios
públicos e à qual se acrescentavam outros eixos secundários que
albergavam as zonas residenciais, recordava o plano da Vila
Radieuse 130130130130 de Le Corbusier, onde Tange tinha trabalhado, mas que
diferia desta na alienação total de qualquer terreno natural.
130130130130 É interessante que na Ville Radieuse e na Ville Contemporaine de Le Corbusier
este concilia os valores absolutos da natureza e da tecnologia. Assim, enquanto
trabalho e a vida doméstica têm lugar em edifícios em altura, nos espaços exteriores
cultiva-se o espírito e o corpo.
276
De resto, a partir dos anos 60, os princípios arquitectónicos
começaram a alterar-se e passaram a incluir elementos de ficção, os
projectos evoluíam segundo um modelo tecnológico de estruturas
móveis que surgiam como contraponto aos conceitos mecânicos;
assim, as cidades deixavam de ser a soma do construído e do
habitante e passaria a existir um todo, embora este dependesse do
factor mobilidade.
Os novos tempos permitiam, agora, uma evolução da casa futurista
que se assemelhava a uma grande máquina e, por conseguinte, a
noção de casa dinâmica dos futuristas foi substituída por casas que
flutuam e que se movimentam. Estas ideias não eram novas, já
tinham sido escritas no Velho Testamento e, para além de Kenzo
Tange em Tóquio, também, Buckminster Fuller nos Estados Unidos,
idealizou cidades flutuantes, construídas em super estruturas de aço
com capacidade para milhares de pessoas, que poderiam ser
edificadas em estaleiros navais e transportadas para o mar. Outro
arquitecto, Hans Hollein em 1964, trabalhou, inclusive, a imagem de
um porta-aviões sobre a imagem de uma paisagem austríaca,
Aircraft Carrier City in Landscape, sugerindo assim que as cidades
poderiam ser situadas em qualquer lado.
Este novo conceito de habitar o espaço foi também defendido por
277
Victor E. Nieuwenhuys, também conhecido como Constant, que no
seu projecto Nova Babilónia 131131131131(1967-1970), afirmava ser primordial
que o ambiente do homem fosse flexível e variável, garantindo
qualquer movimento, qualquer mudança de lugar, qualquer alteração
do estado de ânimo ou mesmo qualquer estilo de conduta.
Com efeito, a Nova Babilónia propunha-se formalizar um conceito da
cidade que teria tido a sua génese nas ideias expostas no ensaio de
1953, Formulário de novo urbanismo. 132132132132 (Ivan, 1958) Constant,
membro do grupo de pintores COBRA, ingressou na Internacional
Situacionista 133133133133 e, nesse contexto, iniciou uma série de maquetas e
desenhos que representavam a cidade Nova Babilónia.
A cidade de Constant resulta da sua própria antevisão da futura
sociedade moderna, com a previsão de um mundo em que a
tecnologia se sobrepôs completamente à natureza, em que o ócio
131131131131 Designação sugerida pelo próprio Guy Debord da Internacional Situacionista.
132132132132 Gilles Ivan (pseudónimo francês do russo Ivan Chtcheglov activista do
movimento Situacionist Internation)
133133133133 O movimento situacionista foi criado por artistas e pensadores de várias
nacionalidades, provenientes de diversos movimentos artísticos revolucionários.
Figura 84
Nova Babilónia
278
substituiu o trabalho e em que as comunidades voltaram a ser
nómadas, à semelhança do que tinham sido, durante séculos, os
maiores protagonistas da humanidade.
Esta construção, idealizada como uma rede que cobriria todo o
planeta, teria, ao nível do terreno, a produção e o transporte por
meios mecânicos, isto porque eram considerados inibidores da vida
social, e esta, por seu lado, desenvolver-se-ia sem quaisquer
constrangimentos sobre uma imensa construção sobre pilotis. O
resultado é uma imagem feérica de várias plantas contendo as
funções habitacionais e sociais e que estariam em permanente
reconstrução, graças aos seus habitantes e às máquinas
cibernéticas.
Ao contrário do esquema cartesiano tradicional, promovido pela carta
de Atenas, em que a cidade assentava numa hierarquia hermética de
partes distintas, harmonizadas por um núcleo central, a cidade mega
estrutural, quer privilegie uma infra-estrutura relativamente fixa ou
preveja um sistema auto regulador, é entendida como uma teia em
desenvolvimento contínuo, conforme o exige a sua dinâmica interior,
numa unidade indivisível, orgânica e autoregulada. No entanto, o
resultado ao nível da forma, se visto numa perspectiva
arquitectónica, é algo redutor por gerar, apenas, duas ideias, utopia
279
ou distopia, conforme a interpretação maniqueísta que se confere ao
sistema em si oculto. É o que parece acontecer com a Nova
Babilónia de Constant que representando um mundo que se mantém
e reproduz eficazmente, não tem, contudo, nenhum propósito
racional.
Ainda assim, a obra de Constant é única entre os
megaestruturalistas, pois revela, no contexto deste trabalho, relações
conscientes com as vanguardas do princípio do século XX, como o
futurismo, o construtivismo e reúne a particularidade de pretender
construir um espaço urbano que fosse de encontro do que seria a
vida ideal de qualquer ser humano.
As propostas urbanas de Constant foram pensadas para uma
hipotética sociedade marxista e antiutilitarista da liberdade e da
justiça, com a propriedade comunitária do solo, para o Homo
ludens, um indivíduo livre criativo e nómade. (Montaner, 2002,
p.138)
280
6 . 3 . S I M B I O S E E N T R E O H O M E M E A M Á Q U I N A -
A R C H I G R A M
No caso dos Archigram, grupo britânico fundado em 1961, que
ajudou a consolidar a imagem do movimento megaestruturalista,
vamos assistir a uma obra de vanguarda de cariz utópico e, no
entanto, também muito virada para o homem e para o espaço
mínimo habitável.
Com os Archigram a procura incessante pela simbiose perfeita entre
indivíduo e espaço habitável leva mais uma vez, como aconteceu
frequentemente ao longo do século XX, à problemática do corpo
humano, na arquitectura, ao limite do utópico.
Assim, nos anos 60, à semelhança do que tinha acontecido no início
do século, o protagonismo volta a Inglaterra mas, desta vez, numa
postura mais utópica, investiga-se sobre o estudo da arquitectura a
partir do espaço mínimo habitável, como também já o tinha sido
durante a primeira metade do século. Contudo, o espaço destinado à
habitação é, agora, encarado de uma forma mais radical, com a
arquitectura a ser entendida como um prolongamento do corpo
humano, duma maneira ainda não pensada até então, em termos
arquitecturais.
281
O grupo, que tinha grandes afinidades com os metabolistas
japoneses, fazia de forma inovadora a simbiose entre conceitos
orgânicos associados à origem da vida e a técnica através de
grandes estruturas, e assim, propunha:
(...) o desenvolvimento e a adaptação de megaestruturas de
encaixe nas quais as células vivas, como na obra de Noriaki
Kurokawa, seriam reduzidas a casulos pré-fabricados presos a
enormes arranha-céus helicoidais. (Frampton, 1997, p.334).
Efectivamente, o grupo e movimento Archigram, fundado por Peter
Cook, 134134134134 concebeu projectos não construídos e articulava-se com os
dez anos da revista do mesmo nome, publicada em Londres, entre
1961 e 1974. A maioria do trabalho, desenvolvido pelo grupo ou
individualmente, foi apresentada na revista e o grupo, conforme o
nome sugere (Architecture + Telegram), concebia uma arquitectura
rápida, simples e direccionada para os avanços da tecnologia, uma
arquitectura claramente voltada para a relação entre as cidades e as
134134134134 O grupo era constituído por outros elementos como Warren Charly (1927-1987),
Ron Herron (1930-1944), Dennis Crompton (1935), Michael Webb (1937) e David
Greene (1937).
282
novas tecnologias de informação, numa hipérbole do movimento e da
percepção em que a construção era equacionada numa espécie de
autocaravana, numa habitação pré-fabricada e transportável.
A evolução vertiginosa das sociedades e das suas tecnologias gerou
toda uma necessidade de adaptação dos espaços às transfigurações
subsequentes, a que o grupo Archigram tenta dar resposta com o
que se pode nomear de arquitectura mutante. Na sua base estão
dois conceitos, corpo e movimento, numa busca radical de
intersecção entre espaço e corpo e de migração das próprias
habitações. Aqui, trata-se de entender o edifício e o seu habitante
como uma entidade única, capaz de porvir a todas as necessidades
do homem: subsistência, lazer, deslocação, inclusão social e,
sobretudo, liberdade.
Nos anos 60 e princípios de 70, os Archigram produzem, no
seguimento do projecto Plug-in-City, uma série de protótipos de
cápsulas que encarnariam a habitação do futuro e que eram
constituídas por unidades completamente pré-fabricadas, totalmente
ergonómicas, funcionalmente eficazes e com componentes passíveis
de serem substituídos mal se revelassem obsoletos. A produção em
série de cada elemento construtivo confere a toda a obra dos
Archigram um carácter industrial que está em absoluta sintonia com
Figura 85
Imagem do grupo Archigram
Figura 86
Projecto Plug-in-City
283
as posições que defendiam relativamente ao futuro do homem, da
arquitectura, da cidade e, consequentemente, do mundo, mundo este
tão veloz e mutante que não permite mais o produto artesanal e
único.
Com efeito, a rica icnografia, ou poderemos antes dizer iconografia,
de projectos como a Plug-in-City (1964) tinha origem nas diversas
manifestações socio-culturais da época - as viagens ao espaço, a
ciência popular, a arte pop, a tecnologia das refinarias de petróleo e
da investigação subaquática, e, também, as torres cilíndricas dos
projectos metabolistas. O uso das imagens pré elaboradas e de cariz
popular visava atacar a ideia de arquitectura enquanto disciplina
puramente académica reservada a elites abastadas, numa tentativa
de democratização do próprio movimento moderno que se via assim
invadido por outras artes menores. Os desenhos dos Archigram, na
sua quase obsessiva elaboração dos detalhes, no ecletismo
manifesto das suas imagens e na sua apresentação dos projectos
desde o exterior, chegam a lembrar os da Città Nuova de Sant’Elia,
no entanto estas obras revelam como que um sarcasmo,
cuidadosamente incorporado, como que a alertar para o perigo
tecnológico que ao mesmo tempo evocam.
Os Archigram concebiam a cidade como um organismo vivo e era
Figura 87
Projecto da cápsula da Plug-in-City
284
este organismo que moldaria o homem do futuro, homem que
apenas necessitaria de um espaço mínimo capaz de suprir todas as
suas necessidades, pois vê na tecnologia a solução para todos os
seus problemas, e é neste conceito que surge a cápsula da Plug-In
City, um espaço mínimo que continha um programa de habitação
completo e cujo única limitação parecia ser a obrigatoriedade de
estar inserida numa torre, com milhares de outras cápsulas.
Assistimos, assim, a uma redefinição completa da habitação na
cidade, com a noção de colectivo a ser de tal modo exponenciada
que o estilo de vida torna-se parecido com o de um hotel,
acarretando, inevitavelmente, alterações na estrutura da própria
sociedade.
As Gasket Homes são a segunda experiência dos Archigram neste
campo mas, ao contrário do projecto anterior, as cápsulas libertam-
se da torre, agregando-se em extensão, virtualmente até ao infinito, e
apresentam uma maior plasticidade, acompanhando mais as curvas
do corpo.
Figura 88
Projecto Walking City.
285
O salto determinante dar-se-á com a Walking City,135135135135 de Ron Herron,
um conceito de estruturas de habitação, nómadas e simbióticas, que
intimamente ligadas ao corpo, previam situações como a locomoção
e o envelhecimento, e enquanto a Plug-In City e as suas cápsulas
eram ainda estruturas alheias ao corpo humano, as novas estruturas
são essencialmente híbridas e fundem-se no seu habitante,
revelando uma capacidade evolutiva em antítese directa com a
noção ancestral de edifício, baseada na sua inércia e no seu domínio
sobre o corpo.
135135135135 Guilherme Kujawski fez um paralelismo entre esta estrutura e as unidades de
habitação de Marselha de Le corbusier após a SGM, assim a Walking City (1964)
seria constituída por unidades de habitação dotadas de pernas robóticas num sinal
de resposta ao cenário de guerra-fria.
Figura 89
Projecto Living Pod de David Green
286
A Living Pod e o Auto-Environment são unidades literalmente
móveis, passíveis de serem implantadas em qualquer lugar, sem que
se registem alterações nas condições usufruídas pelo corpo que
nelas vive. A Living Pod era uma cápsula viva composta por partes
insufláveis e extensíveis, e, também, por máquinas acopladas, que
supririam todas as necessidades do habitante, no que podemos
comparar a uma estrutura orgânica que se comporta como uma
extensão do corpo. É já o despertar de uma arquitectura do útero que
os Archigram continuariam a desenvolver, mas ainda permanece,
aqui, o conceito de casa, de um espaço que se sente e que continua
a enclausurar, e não o conceito de segunda pele, uma verdadeira
pele habitável, como conceptualizariam os exemplos máximos do
Cushicle e do Suitaloon.
O Cushicle (cushion + vehicle) é a materialização do conceito de
Peter Cook de uma casa ser idêntica a uma roupa que se veste,
apenas diferindo dela no tamanho, por a casa permitir dentro dela
qualquer número de pessoas, mas ambas estão sujeitas a mudanças
e metaforicamente uma roupa é um abrigo e até pode ser um veículo
se lhe for adicionado um motor. O Cushicle aparece, então, com três
valências: uma pele individual que como uma peça de roupa
assegura a privacidade do corpo e o protege das condições
climáticas e, que ao ser insuflada, se transforma numa chaise-
287
longue coberta ou num pequeno compartimento, uma estrutura
metálica de suporte que assente num sistema de ar, funciona como
um veículo de curto-alcance; e, ainda, uma série de serviços de
apoio que asseguram as necessidades básicas, como o
entretenimento e as comunicações do habitante. O Cushicle é um
ambiente completo e totalmente móvel que se molda à vontade do
habitante, que se usa como se fosse uma roupa, num sentido têxtil
do espaço que se reduz quase ao limite, quase até ao contacto com
a pele humana.
O limite, esse, ao ponto da quase coincidência com a pele do corpo,
vai surgir com o Suitaloon, que continua o Cushicle no sentido de o
Figura 90
Projecto Cushicle
288
radicalizar, no que foi apregoado como “Clothing for living in – or if it
wasn’t for my Suitaloon I would have to buy a house” (Cook, 1972). O
Suitaloon já não é um mecanismo composto, mas uma unidade em
si, um grande envelope que, simultaneamente, abriga o corpo, é
meio de locomoção, gera energia, e tem, ainda, a possibilidade de se
auto expandir ou de permitir a fusão com o Suitaloon de um outro
habitante.
Se o Suitaloon é como que o projecto de uma pele, o Bubble,
concebido por Peter Reyner Banham, que partilhava as ideias dos
Archigram, é praticamente a abolição da pele, com o corpo a ser
protegido por sensações mais do que por uma estrutura. É um
projecto de uma bolha que envolveria o corpo, actuando como um
envelope móvel, que, mais uma vez, substituiria o sentido
convencional da arquitectura como edifício, e cuja concretização
passaria pela criação de uma zona de conforto portátil, gerada por
um mecanismo espacial, continuando a fundamentação deste ponto
de vista, Montaner (2002, p.92) refere:
As aspirações do Archigram se aproximaram a mundos
diversos, como ficção científica e pop art, e inclusive
contrapostas, porque queriam conciliar o racionalismo com a
eficácia do organiscismo. Algumas casas-cápsulas
Figura 91
Projecto Suitalonn
289
apresentavam formas orgânicas, pois tinham pontos em
comum com os metabolistas japoneses, para os quais as
fantasias urbanas baseadas na alta tecnologia assumiam
formas vegetais e de organismos vivos.
O que sobretudo importa reter é que arquitectura mutante do grupo
Archigram propõe novos espaços considerando o espaço mínimo, do
mesmo modo que Le Corbusier, contudo, ajustado a outra época.
Este grupo percebe na arquitectura uma simbiose crescente entre a
natureza humana e a técnica, perseguindo a arquitectura como
segunda pele do corpo humano. Podemos dizer que à medida que se
aumenta o grau de concretização técnico na arquitectura, esta torna-
se em simultâneo mais orgânica, desenvolvendo uma forte
cumplicidade entre a artificialidade e o organismo vivo, procurando
acompanhar as metamorfoses da vida, no que se pode considerar
um novo conceito de máquina de habitar.
Não menos importante é, também, um outro conceito implícito nestes
projectos, o da abolição do sentido da arquitectura como um
ambiente fixo para os corpos que se deslocam. Assim, o movimento
aqui passa a ser também o da modificação do espaço e do corpo,
mesmo quando os corpos não se deslocam no espaço. Na verdade,
os vários conceitos de vanguarda introduzidos pelos Archigram foram
290
determinantes para as transformações que se iriam produzir no final
do século XX.
291
P A R T E I I I
R E S O L U Ç Ã O B I N Ó M I O H O M E M M Á Q U I N A
292
7 . O D I G I T A L S U B S T I T U I U O A N A L Ó G I C O
À semelhança de como no início deste trabalho se enquadrou o tema
da máquina, apresentando um conjunto de reflexões relativas ao
modo como na transição entre o século XIX e XX, se aceitou ou se
questionou este novo paradigma, faz sentido neste momento,
proceder novamente a um enquadramento para perceber em que
medida a arquitectura acompanha as novas tecnologias numa nova
época de transição, agora entre o século XX e XXI. E é curioso notar
que neste processo se encontra algum paralelismo na forma como a
sociedade e os arquitectos, em particular, se relacionam com estes
novos conceitos que alteram profundamente as convenções e os
valores do espaço.
Podemos assim provar que tal como o debate do início do século XX
foi fundamental para se definirem estratégias ao longo de todo o
século XX, também agora, ele surge com igual importância para
definir novas estratégias para o século XXI.
É inquestionável que o século XX foi fortemente marcado pela
máquina, facto que parece ter alcançado o seu expoente na
arquitectura virtual ou digital que, num espaço sem existência física,
permite alcançar níveis sem precedentes na concepção de qualquer
293
forma ou matéria, um espaço verdadeiramente inovador no qual se
poderá criar qualquer forma ou matéria.
Embora não se pretenda fazer história, parece-nos importante
perceber um pouco a origem da palavra virtual. Efectivamente, esta
palavra não é nova, a sua origem remonta a um termo pré-histórico
de uma língua entretanto extinta, e a sua génese é wiros que
significava homem. Num processo de transformação do latim
primitivo, a palavra passou a vir e ganhou novos significados,
correspondendo, também, herói ou guerreiro. O que nos interessa
assinalar é que a origem do termo está intimamente relacionada com
as competências do ser humano e que se foi transformando ao longo
dos tempos, desde, de Santo Agostinho, Lupasco, São Tomás de
Aquino, entre outros, que reflectiram profundamente sobre o
significado dessa palavra, até Francis Bacon, por exemplo, que
associou virtude a conhecimento, culminando em Foucault, em que
virtus foi entendido como base em princípios da informação, do
conhecimento e da comunicação. No entanto, na passagem do
milénio esperava-nos uma profunda revolução no que se entende por
virtual.
Na verdade, as fronteiras entre o espaço e o tempo deixavam de ser
definidas, a matéria da arquitectura deixava de ser física, criavam-se
294
novos conceitos que preconizavam a introdução de novas
metodologias na forma de pensar e de construir a arquitectura e,
apesar de no início a arquitectura virtual não ter de ser
obrigatoriamente criada em computadores ou concebida no
ciberespaço, na realidade, os seus protagonistas estavam fortemente
vinculados ao desenvolvimento das novas tecnologias de informação
e de comunicação.
Todavia, é preciso entender que a noção de virtual não deve ser
limitada simplesmente à produção ou utilização de novas tecnologias
na área da informação e da comunicação, pois o termo acompanha a
história da evolução do homem. Neste contexto conjugam-se dois
factores: um, que alerta para os perigos e limitações, e outro, que
aponta para possibilidades de construção de uma nova subjectividade
no processo de evolução do homem.
Assim, à semelhança do debate que acompanhou a sociedade no
final do século XIX, surge um novo grupo de ludistas que lideram uma
nova tendência, ainda que menos radical já que reconhecem as
vantagens da máquina, contudo questionam a sua aceitação
incondicional, como é o caso de Joseph Weizenbaum, em Berkeley,
antigo colaborador do MIT, e de Albert Borgmann na Universidade de
Montana, entre outros. Porém, parece-nos importante destacar,
295
dentro deste grupo, Hubert L. Dreyfus que, no início dos anos 70,
manifestou as suas preocupações, numa critica à inteligência
artificial, na publicação de What Computer Can’t Do: A Critique of
Artificial Reason. 136136136136
Entretanto, aparecem alguns filósofos, como os franceses Félix
Guatarri e Pierre Lévy, 137137137137 que embora revelem, igualmente, uma
postura cautelosa, apresentam uma visão mais optimista
relativamente às novas tecnologias da comunicação. Em Caosmose,
Um novo Paradigma Estético, por exemplo, Guatarri abordou
algumas temáticas, que mais tarde foram desenvolvidas por Lévy, em
que admitia que o conceito de máquina não se manifesta
136136136136 Esta interessante obra reflecte o modo como se foi constituindo a crença nas
ciências: o intento de Gottfried Leibniz de reduzir o mundo material a cálculo
matemático, o papel da razão na essência do ser humano, bem como o modo como
a racionalidade passou a dominar a tradição científica ocidental. Dreyfus associa o
valor inerente à tecnologia do mesmo modo que o valor dado pela tradição científica
ocidental foi associado à racionalidade.
137137137137 Na verdade, a noção de virtual já tinha sido tratada por outros contemporâneos
como Gilles Deleuze e Michaek Serres.
296
isoladamente do meio exterior mas, sempre, em complementariedade
com o homem.
Mais contrastantes são as ideias de Paul Virilio e Jean Baudrillard, na
medida em que enfatizam os perigos e os limites do virtual. Virilio,
não sendo um conservador, já que aceita a tecnologia e analisa
prudentemente as consequências que as inovações técnicas
produzem numa sociedade como a actual, tem tido uma postura
céptica neste debate, pois no seu entender “não se deve idealizar
nem mitificar os objectos técnicos”138138138138 (Virilio, 1999)
Por seu lado, Baudrillard critica, também, as tecnologias electrónicas
de comunicação, divergindo de Lévy num ponto fundamental, que nos
interessa no âmbito deste trabalho, como é a noção de virtual, que de
acordo com Baudrillard carrega consigo os aspectos negativos e sem
limites do que considera ser a informação como catástrofe.
138138138138 VIRILIO, Paul, FUTORANSKY, Luisa. Paul Virilio entrevistado em Paris por Luisa
Futoransky a propósito do lançamento do seu novo livro, A Bomba Informática. Flirt
[em linha]. Julho 1999, n. 12 [referência de 7 de Maio de 2007 Disponível na internet em:
<http://www.flirt.net.novis.pt/arquivo/f_julho/julho/textos/virilio.htm>
297
7 . 1 O C O M P U T A D O R C O M O F E R R A M E N T A
Assim, no final do século XX, como se tem tentado mostrar, a
arquitectura depara-se com um novo conceito no processo de
artificialização do espaço, o ciberespaço, 139139139139 um termo surgido no
romance de William Gibson Neuromancer, uma obra de ficção
científica que explorou a cultura digital. Este conceito desenvolveu-se
a par do avanço da tecnologia e o desenvolvimento do ciberespaço,
enquanto novo conceito filosófico, veio a revelar-se fundamental no
sentido de vincular a arquitectura virtual, também denominada de
digital.
Efectivamente, o computador e as suas possibilidades conduziram a
uma revolução em termos de espaço e de tempo, passando-se em
pouco mais de um século, de uma condição pré industrial para o
ciberespaço, pelo que o tema da arquitectura virtual tem vindo a ser
discutido cada vez de forma mais generalizada, sendo que alguns
autores, como é caso de James Steele, considerem que este debate
é ainda insuficiente.
139139139139 A palavra ciber deriva da palavra grega kyberman que significa controlar.
298
Neste contexto, parece-nos importante tentar perceber o modo como
os arquitectos utilizam as possibilidades viabilizadas pelo
computador, uma vez que existem distinções claras no uso que
fazem desta ferramenta.
Estas distinções prendem-se, essencialmente, com o facto de alguns
arquitectos utilizarem o computador apenas como uma mera
ferramenta nas várias fases do processo de concepção, isto é, como
um complemento ao métodos tradicionais, ao contrário de outros que,
intencionalmente, aproveitam ao máximo todos os recursos
tecnológicos a que têm acesso para definirem as suas próprias
metodologias. Há ainda que considerar um terceiro grupo, o dos
arquitectos que se deixam conduzir pelo computador, passando este
a liderar o processo de concepção, situação que tem gerado algumas
inquietações entre os arquitectos. Um quarto grupo que podemos
ainda considerar, é aquele onde se verifica uma simbiose entre o
factor humano/natural e o tecnológico, existindo entre estes dois
factores uma relação íntima que proporciona a construção de um
espaço que podemos considerar de híbrido.
Steele classificou, em quatro grandes temas, o modo como se utiliza
o computador em arquitectura, englobando igualmente, em cada um
deles, vários trabalhos, no entanto e apesar de algumas semelhanças
299
formais com a maneira como enquadramos o tema, nesta nossa
análise, como iremos constatar, a perspectiva a apresentar enquadra-
se no modo como o virtual influencia a arquitectura e, em simultâneo,
a forma como o homem se relaciona com o espaço.
É nesta ordem de ideias que defendemos que se o computador,
como ferramenta de trabalho, potencia por si só uma imagem que se
pode considerar de vanguarda, e se a máquina é o maior aliado do
homem, podemos também provar que os maiores avanços são
produzidos quando existe uma forte cumplicidade entre o homem e a
máquina, e tal como se defende o híbrido para a sociedade, também
se pode provar que, de forma análoga, a arquitectura mais qualificada
transpira sempre a sensibilidade da época.
No entanto, antes de defendermos esta ideia, parece-nos necessário
contextualizar este tema. Sem dúvida que o uso do computador como
ferramenta de trabalho tem algumas vantagens, uma vez que
simplifica o modo de projectar, facilita a produção de desenhos
repetitivos, permite a visualização tridimensional, imprime a sensação
de movimento e de animação aos espaços, antecipando as possíveis
utilizações, transforma esboçetos em secções tridimensionais,
permite criar desenhos ousados e de vanguarda e desenvolver
projectos em terrenos de topografias difíceis, de tal forma que
300
podemos mesmo afirmar que se conseguem desenvolver projectos
de arquitectura impossíveis de resolver com representações
convencionais ou sem o auxílio do computador. Esta ferramenta
ajuda, inclusive, a resolver questões relacionados com o meio
ambiente, tais como a exposição solar e os níveis de iluminação, de
maneira a que através da criação de formas mais aerodinâmicas, se
obtenha uma melhor rentabilização dos elementos.
Importa notar que estas vantagens, introduzidas pelo computador,
funcionam a favor da relação do homem com o espaço de habitar, e
apresentam alguma continuidade com as questões que intrigaram os
arquitectos ao longo de todo o século XX, e aos quais dedicamos os
capítulos anteriores deste trabalho, contudo estas questões
aparecem, agora, ajustadas a novas realidades tecnológicas,
construindo, nalguns casos, situações de revolução e até mesmo de
movimento de ruptura, como anteriormente acontecera,
nomeadamente, com o futurismo, o construtivismo e com a Bauhaus.
Indiscutivelmente, a forma como se trabalha o computador altera-se
de arquitecto para arquitecto, segundo intenções muito específicas,
como iremos ver, e independentemente do facto do número de
programas para computador estar constantemente a ser actualizado
e de a todo o momento surgir novo software para arquitectos.
301
Alguns arquitectos utilizam o computador como complemento dos
métodos de desenhos tradicional e, não tencionando mudar as suas
metodologias, desenvolvem o seu projecto essencialmente com base
em maquetas de trabalho, utilizando o AutoCad apenas para as
tarefas repetitivas e levantamentos técnicos.
No entanto, principalmente quando trabalham em projectos de grande
escala, aproveitam algumas das outras vantagens do uso do
computador e, nesse caso, utilizam hardware (o computador e os
seus periféricos) e software (programas/suportes lógicos)
fundamentais para a visualização tridimensional, ou, ainda, o software
de documentação, outro exemplo muito eficaz para estudar as várias
possibilidades do projectos e que permite construir todo o tipo de
maquetas tridimensionais, físicas ou virtuais.
Nesta versão em que o computador é apenas uma ferramenta,
verificamos que uma das vantagens de utilizar determinados
programas, é a facilidade com que se criam formas aerodinâmicas
que transmitem a sensação de velocidade e fluidez, sendo de registar
que à semelhança do que tinha acontecido com o futurismo nos anos
20, a noção de movimento aparece ligada à vanguarda, só que agora
o computador facilita a criação de formas ainda mais ousadas. Neste
caso, o computador é a ferramenta que possibilita levar a
302
representação das formas mais adiante, como acontece, por
exemplo, com o vidro que difícil de representar no inicio do século,
pode agora com o computador, ser reproduzido em projecto de uma
forma mais real.
Não obstante, convém ter presente que a disciplina de arquitectura
comporta mais do que a simples representação de algo e devemos
assinalar que em alguns projectos a utilização de métodos digitais
veio mascarar ou rotular a essência e a qualidade do projecto,
revelando conceitos que não vão para além de uma qualquer imagem
consumista ao gosto da época, muito ao modo de como o estilo
eclético fazia algumas reproduções no fim do século XIX.
Parece ser este o caso do projecto de Graha Kuningan, uma torre de
50 andares projectada e construída entre 1995 e 1998 no centro de
Yakarta, na Indonésia, em que a firma NBBJ utilizou o computador
para criar uma certa sensação de movimento e fluidez, conseguida
através de dois remates de vidro ligeiramente curvo que
contrastavam com o centro urbano, rígido e rectilíneo.
Efectivamente, nem todos os exemplos de desenhos criados por
computador, nomeadamente, os que permitem acrescentar a noção
de velocidade a partir de técnicas digitais, se traduzem em bons
exemplos de arte arquitectónica, como é o caso da NBBJ no centro
Figura 92
Centro Urbano de Kwan em Hong-Kong
303
Urbano de Kwan Tong que, embora considere algumas questões que
poderiam ser interessantes, denota contudo alguma falta de
sensibilidade na forma como as questões foram trabalhadas,
provando que neste caso concreto a tecnologia não esteve a favor do
projecto de arquitectura.
Assim, apesar da torre de escritórios em vidro marcar a diferença do
projecto relativamente à envolvente, percebe-se que o projecto segue
os vulgares padrões formais, comuns a este tipo de projectos, como é
o caso do átrio central, paradigma da velocidade que abraça esta
estrutura urbana, que poderia ser inserido com a mesma ligeireza, em
qualquer outra cidade ou em qualquer outra malha urbana. Aqui, o
arquitecto não trabalhou qualquer conceito e o projecto foi tratado
como um mero objecto ou produto da era digital.
Outra prova de que o computador por si só não resolve melhor um
qualquer projecto é o dos novos escritórios centrais da Telenor, uma
das firmas de telecomunicações mais importantes da Noruega, para
os terrenos do antigo Aeroporto Internacional de Oslo, em Farnebu.
Neste caso, percebe-se claramente uma aposta na qualidade do
projecto pois do mesmo modo como trabalha com a tecnologia digital,
também considera a natureza e a história do lugar. “La memoria de la
pista de aterrizage que finaliza en una espectacular vista del fiordo de
Figura 93
Escritórios centrais de Telenor em Oslo
304
Oslo consigue yuxtaponer el frisson da máquina a un pequeño
paraíso natural” (Steele, 2001, p.83), provando-se mais uma vez a
importância da necessidade de cruzar a máquina e a natureza numa
cumplicidade positiva.
Por outro lado, o RoTo Architects, 140140140140 um atelier relativamente
pequeno mas com um percurso muito interessante, apresenta todo
um trabalho desenvolvido a partir das capacidades técnicas do
computador em conjunto com uma grande sensibilidade,
considerando, neste caso, fundamental a leitura do lugar. Assim, para
chegarem à forma definitiva, trabalham imersos num intenso trabalho
em que conciliam as maquetas tradicionais e a simulação virtual.
É o que aconteceu, por exemplo, no projecto de HollYwood-Orange
em que RoTo só introduziu software do tipo Power CAD e Form-Z,
depois de estarem definidos os diagramas convencionais e os
esboçetos conceptuais. Isto, porque segundo Rotondi, é apenas a
140140140140 Michael Rotondi é um dos fundadores de SCI-Arc (Southern California Institute of
Architecture), que chefiou de 1987 a 1997. Com o seu então sócio Tom Mayne,
Rotondi também cofundou, em 1976 o conhecido Morphosis em Los Angeles. Mais
tarde, em 1991, criou RoTo, com Clark Stevens, um antigo colaborador e aluno em
Morphosis.
Figura 94
Urbanização de Hollywood-Orange em Los Angeles.
305
partir desse momento que os diagramas passam para um processo
de “leer y redefinir el sitio, para gerar uma cartografía neutral, para
que el edificio empiece a reflejar y asimilar todos los aspectos que lo
rodean”.
Com efeito, como temos vindo a tentar provar, a arquitectura
testemunha sempre as intenções do seu autor e as capacidades
técnicas possíveis numa determinada época, podendo-se constatar
que a natureza e o lugar influenciam todo o processo conceptual e,
neste caso, o Software Form–Z foi utilizado para transportar os
esboçetos conceptuais para espaços tridimensionais, em paralelo
com as características do lugar, e as maquetas tradicionais iam-se
construindo a partir das formas que surgiam do computador.
Aqui, as metodologias aplicadas contemplaram aspectos
fundamentais para a prática da arquitectura, como o raciocínio, a
reflexão e o sentido crítico, factores que constroem, por parte dos
arquitectos, um discurso conceptual coerente.
Uma estratégia idêntica foi adoptada por RoTo nos projectos para o
mosteiro Budista Xiyuan e para a casa Oak Park Pass. Assim, na
realização de maquetas foram considerados factores como a
investigação gráfica inicial, a simulação por computador dos
esboçetos conceptuais e a cartografia detalhada do lugar, pelo que o
Figura 95
Templo Budista Xiyuan.
Figura 96
Casa Oak Park Pass.
306
projecto final reflectia todo um processo gráfico, com base em
registos digitais e tridimensionais. Por outro lado, nestes dois
projectos estiveram, também, reunidas as condições para uma maior
reflexão em torno do natural, como por exemplo no mosteiro, em que
o arquitecto e o cliente se empenharam em criar uma “serena unión
entre a arquitectura y naturaleza” (Steele, 2001, p.90). Já a casa,
colocada num desfiladeiro, implicou, devido às características do
local, uma reflexão ainda mais profunda a propósito do lugar, com a
natureza e respectivas condicionantes a influenciarem
particularmente todo o processo conceptual.
Desta forma, o modelo topográfico em computador assinalou um
triângulo de pontos de cota elevada e rebaixou alguns pontos para
permitir o acesso gradual aos vários níveis do monte de penhascos
rochosos, cobrindo ambos os pontos com uma cobertura ondulada e
dobrada. Na verdade, Rotondi percebe esta cobertura ondulada como
símbolo emblemático nas mudanças dos paradigmas que o desenho
assistido por computador pode viabilizar e, eventualmente, podemos
encontrar nesta cobertura, alguma semelhança com a cobertura de
Ronchamp de Le Corbusier.
Mas se neste projecto de RoTo se percebe que o computador
permitiu criar desenhos ousados e de vanguarda, desafiando a
Figura 97
Casa Oak Park Pass.
307
configuração da própria envolvente natural, devemos, igualmente,
referir um outro exemplo em que a paisagem natural desempenhou
um importante papel na solução formal, que foi a que Morphosis
adoptou quando interveio numa ladeira de forte inclinação em
Pomona, na Califórnia.
E aqui é mais uma vez a máquina, neste caso o computador, que
torna possível um projecto que, à partida, parecia impossível de
construir, devido aos declives acentuados. Importa reter que este
projecto do School District foi efectuado num terreno de 30 hectares,
fortemente inclinado, em que era necessário acautelar o perigo de
deslocamento de terras e de possíveis problemas de erosão, devido à
drenagem das águas pluviais, e que o projecto procurava, também,
preservar a vegetação existente.
De resto, apesar de neste projecto se perceber a forte intenção de
libertar o máximo de solo possível, numa estratégia de contraste
entre a ladeira que configura o terreno e a escola, existe em
Figura 98
Escola Secundária Diamond Ranch em Pomona.
308
simultâneo a intenção de provar que é possível dominar a natureza,
num projecto ousado que diferencia o construído do natural, num
gesto de conquista só possível devido aos novos métodos
informáticos.
Ainda neste contexto, em que o computador é a ferramenta
fundamental para criar registos que antecipam representações de
uma realidade, não podemos deixar de fazer referência ao Rose
Center for Earth and Space (Panetário Hayden) no American Museum
of Natural History de Manhattan, projectado pelo grupo de arquitectos
de James Stewart Polshek Partnership.
Neste projecto, a esfera parece desafiar a gravidade, o planetário
parece flutuar no interior de um enorme cubo de vidro aparentemente
sem qualquer apoio estrutural. Isto foi alcançado porque o único
apoio da esfera foi efectuado de forma muito subtil para criar a ideia
de levitação da esfera, o que foi conseguido através da aparência
cristalina dos painéis de vidro do cubo.141141141141 Neste projecto concilia-se o
141141141141 A estrutura de revestimento da esfera comporta 5.599.663 peças acústicas em
forma de diamante com curvaturas distintas, impossíveis de construir ou mesmo
desenhar sem a ajuda dos meios informáticos.
309
facto do computador possibilitar a construção da estrutura em termos
formais e técnicos, com a própria funcionalidade do planetário que
propõe uma imagem de vanguarda. 142142142142 Assim, a larga rampa em
espiral de acesso aos teatros tenta fazer uma alusão ao Caminho
Cósmico, onde os visitantes podem apreciar a grandeza da via láctea
e comparar os planetas do sistema solar:
Un puente que penetra en el centro de la esfera se convierte
en el umbral de paso del mundo real a un universo virtual,
expuesto a los espectadores en asientos tipo nave espacial
que retumban a través de un paseo teleológico directo hasta
las lejanas galaxias, sin tener todavía en consideración ni la
teoría general de la relatividad, ni la teoría de cuerdas.
(Steele, 2001, p.96)
O universo é desta forma mostrado, aproveitando as várias
possibilidades do computador para criar espaços e percursos
espaciais, combinados com uma interactividade própria do programa
da exposição.
142142142142 Assiste-se um pouco por todo o mundo a uma transformação ao nível dos
museus, de forma a possibilitarem uma interactividade entre o utilizador e o espaço.
310
Um outro projecto, também ele em forma de esfera, é a Assembleia
da Greater London Authority em que o arquitecto Norman Foster por
razões ambientais, para controlar as perdas e ganhos de calor e para
conseguir melhor rendimento energético, recorreu a esta forma
geométrica que foi manipulada a partir de uma experiência em
computador.
Desde os primeiros projectos, e também muito devido à influência de
Rogers, 143143143143 é perceptível nos trabalhos de Foster a presença do estilo
high-tech, contudo esta tendência foi sendo aligeirada, notando-se
que a imagem industrial, marcada nos seus projectos pela repetição
de alguns elementos, nunca foi abandonada.
No projecto da Assembleia percebe-se, também, a presença desses
elementos repetitivos, do mesmo modo que se percebe uma grande
preocupação na sua relação com o meio ambiente em tornar o
edifício sustentável, pois o edifício procura a melhor forma de se
adaptar à exposição solar, de rentabilizar as trocas de calor, sendo
143143143143 Este arquitecto trabalhou durante um tempo com Richard Buckmister Fuller e
fundou em 1965 um atelier de arquitectura, o TEAM 4. Mais tarde, numa sociedade
com Richard Rogers, mudou o nome para Foster and Partners.
311
revestido com painéis fotovoltaicos que alimentam as bombas de
extracção de ar. Neste caso, o edifício tenta tirar partido dos avanços
técnicos para sustentar a sua própria existência.
312
7 . 2 . O C O M P U T A D O R A O S E R V I Ç O D O H O M E M E
D A N A T U R E Z A
Uma das facetas interessantes do computador é poder experimentar
formas espaciais de modo a melhorar a qualidade ambiental, questão
que desde há muito preocupa os arquitectos e que vai sendo tida
cada vez mais em conta nos avanços produzidos, muito também
devido às novas possibilidades técnicas. Assim, o avanço técnico
permite criar formas cada vez mais aerodinâmicas, como é o caso da
companhia de seguros Swiss Reinsurance, em que uma estrutura em
diagonal no interior do edifício, facilita a ventilação: devido às
diferenças de pressão existentes individualmente em cada piso, o ar
fresco é capturado no exterior, através de pequenas frestas
horizontais no remate do vidro e do alumínio que constituem o
revestimento do edifício.
Indubitavelmente, as tecnologias digitais podem trazer mais valias
nas questões ambientais e um dos exemplos que justificam esta
afirmação é o Projecto Eden, situado em Cornwall e iniciado em 2000
por Nicholas Grimshaw & Partner. Este projecto pretende ser uma
reprodução de ecossistemas terrestres dentro de uma cobertura
fechada hermética, pois esta estrutura foi planeada com a ideia de Figura 99
Projecto Eden em Corwall.
313
salvaguardar o solo na zona de uma das mais antigas minas de
estanho, entretanto abandonada.
De facto, podemos incluir este projecto num conjunto de projectos
impossíveis de executar com métodos de representação
convencionais, porém, neste caso, os meios digitais viabilizaram a
construção duma estrutura flexível de complexos painéis de vidro que
se iriam organizar organicamente na natureza.
Importa notar que foram os meios digitais que tornaram possível
construir um forma flexível, com a mesma capacidade de adaptação
dos organismos vivos, num espaço cuja intenção é que se perceba a
necessidade de reflexão em torno dos problemas da ecologia e dos
ecossistemas naturais.
É curioso constatar que sempre com a ideia de uma forte
cumplicidade com o natural, se podem construir analogias entre o
natural e o artificial, e no projecto Eden foram, ainda, criadas zonas
bioclimáticas, biomas, valorizando a biodiversidade do mundo
vegetal, cobertas, por um interessante sistema técnico, onde se
percebe uma intenção conceptual de acordo com a regras do mundo
orgânico, assente em princípios como a adaptação ao meio, o
crescimento e o desenvolvimento:
Los biomas estancos gracias a un exoskeleton (esqueleto de
Figura 100
Projecto Eden em Corwall.
Figura 101
Projecto Eden em Corwall.
314
hexágonos) de acero ligero cubierto por una suave membrana
transparente, se dividen en regiones húmedas templadas y
tropicales; se ha prestado una atención especial a establecer
un contraste entre el interior e el exterior. A geometría esférica
resultó ser la más adecuada – o mínimo de superficie cubre el
máximo de volumen – para definir una estructura fuerte e ligera,
construida a partir de piezas tubulares rectas que trabajan a
compresión, unidas con juntas de hierro colado estándar,
configurando una geometría de alvéolos hexagonales de 9
metros. Los hexágonos se revisten de almohadones
transparentes hinchados, ambos elementos conforman una
cubierta extremamente ligera. (Steele, 2001, p.107)
Este texto permite-nos reconhecer, facilmente, alguns princípios de
metamorfose experimentados por Steiner, no entanto, agora
ajustados a novas tecnologias, pois enquanto Steiner experimentou a
plasticidade do betão, para construir as suas estruturas orgânicas,
Nicholas Grismshaw & Partner experimenta as novas tecnologias de
vanguarda, numa época com outras possibilidades de trabalhar os
materiais, nomeadamente, o vidro.
Outro exemplo onde a utilização do computador permitiu construir
formas arrojadas, neste caso definitivamente associadas a uma
315
tendência high-tech, foi a proposta para as torres Petronas em Kuala
Lumpur, na Malásia, e que provou que esta tendência podia ser
ajustada a uma imagem formal que se identificasse com diferentes
culturas, como foi o caso previamente definido no programa do
concurso internacional. Na verdade, os avanços tecnológicos
permitiram construir duas torres de 452 metros de altura com 88
pisos, revestidas em painéis de aço inoxidável alternados com
bandas horizontais de vidro reflector, que foram pensados com o
intuito de dar resposta às repentinas mudanças do clima na Malásia,
em que o sol e as nuvens se substituem várias vezes ao longo do dia.
Neste caso e independentemente da qualidade do projecto, o
computador não só permitiu a construção de uma arrojada estrutura,
como foi igualmente importante para recriar os desenhos tradicionais
da cultura islâmica.
Interessa sublinhar que a questão da recriação a partir da reprodução
se poder tornar numa contribuição perigosa, é uma situação que tem
alguma semelhança com o modo como se enquadrou o tema da
máquina na revolução industrial e com as diferenças que existiram ao
nível do entendimento que se fazia desta ferramenta.
Efectivamente, o facto da câmara digital permitir facilmente réplicas
de reproduções antigas está a gerar alguma controvérsia, pois trata-
316
se de um processo que põe em causa não apenas a veracidade da
herança cultural, como também a velha questão da reprodutibilidade
técnica.144144144144 Aliás, um exemplo pouco positivo do uso que se fez desta
aplicação, gerando criticas muito negativas quanto à utilização desta
prática informática, foi o que o arquitecto Abdel Wahed El-Wakil
realizou na mesquita do Rei Saud, na Arábia Saudita, ao copiar os
motivos escavados debaixo da entrada principal da mesquita do
sultão em Hasan, no Cairo.
No entanto, nem todas as reconstruções ou reproduções de
arquitectura, em realidades virtuais, têm efeitos negativos, como
revela o trabalho do arquitecto Dennis Holloway que embora tenha
uma formação marcada pelo modernismo, manifestou desde cedo o
seu interesse pelo que chama de verdadeira arquitectura americana,
em que os edifícios aparentam crescer organicamente da terra. Na
sua investigação, concluiu que a arquitectura indígena americana
apresenta características diferentes das da arquitectura dos outros
144144144144 Benjamin Walter publicou em 1936, um ensaio A obra de Arte na Era da
Reprodutibilidade Técnica, em que reflecte sobre as novas potencialidades
artísticas, nomeadamente no aparecimento da fotografia e os perigos inerentes ao
facto de se poder deixar de distinguir o original da cópia.
317
continentes, já que estas construções apresentavam soluções
moldadas pelo tempo e reflectiam importantes experimentações no
campo das condições climáticas e micro-ambientais dos continentes
americanos.
A partir de 1973, fase do primeiro embargo do petróleo árabe, Dennis
Holloway investigou formas arquitectónicas com o objectivo de
encontrar soluções alternativas de aquecimento e de refrigeração dos
edifícios que não dependessem de combustíveis fósseis, e a
aplicação dos conhecimentos relacionados com a energia solar,
associados ao processo de concepção arquitectónica, veio a
contribuir para dar uma nova vitalidade e contemporaneidade à sua
arquitectura.
Certamente, a arquitectura que minimize a dependência de
combustíveis fósseis contribui para diminuir o aquecimento global e o
efeito de estufa provocado pelas emissões do dióxido de carbono, e
este seu trabalho de investigação sobre a utilização passiva da
energia solar revelou-se um forte contributo. De facto este trabalho
que tinha muitos pontos em comum com a arquitectura indígena
americana, permitiu que desenvolvesse a partir de 1990, no Novo
México, um interessantíssimo trabalho.
A partir dessa altura desenvolveu um programa electrónico chamado
318
de ray tracing, que consistia em fotografar e animar o modelo que o
ajudou a desenvolver no Novo México, em 1997, trabalhos para os
clientes indígenas, provando que uma técnica do presente pode
ajudar a construir com base em princípios ancestrais do passado.
O computador também ajudou Grimshaw & Partner a delinear a
completa geometria que se utilizou para resolver o problema que
propunha integrar um novo balneário em seis edifícios já existentes,
três dos quais catalogados como edifícios históricos da cidade
georgiana de Bath, na Inglaterra. Inserido numa zona muito vinculada
à tradição termal, o projecto visava revitalizar, tanto para indicações
médicas como para lazer, as únicas fontes termais naturais do Reino
Unido e que estavam fora de serviço desde 1978.
Neste caso, assistiu-se a um esforço de cooperação entre o governo
municipal e o operador termal da Holanda, Thermal Developements,
com vista a promover a fusão entre edifícios novos e reabilitados e
com a intenção de atrair de novo as pessoas até esta histórica cidade
e revitalizar o uso termal.
Assim, foi proposto que o solar do já demolido edifício Beau Street
fosse ocupado pelo único edifício de nova planta que a intervenção
supunha: um cubo organizado em três plantas situado junto ao
balneário, numa relação harmoniosa. A cobertura do cubo apoia-se
319
numas colunas de grande escala que, por sua vez, emergem desde a
piscina de forma livre que, por seu lado, actua como uma lâmina
prateada que reflecte a geometria cúbica. À semelhança do que o
construtor Decimus Burton utilizou no século XIX para conter os
banhos termais, o cubo é perfurado por lentes de vidro que, durante o
dia, disseminam a luz natural para o interior e que, à medida que é
filtrada pelo vapor que emana da piscina de água quente, cria um
efeito muito parecido com as tradições omriyyad dos banhos turcos.
Também a relação entre o muro cortina, no linear de vidro, e a rígida
geometria do cubo que a contém, é curiosa e apela deliberadamente
aos muros desenhados num estilo paladiano, numa associação
directa entre os actuais protagonistas da tendência high-tech britânica
e os melhores exemplos da escola de engenharia do ferro e do vidro
do período da revolução industrial.
Outro exemplo que igualmente podemos considerar, é a torre de
apartamentos e escritórios SEG, situada em Donau-City, em Viena.
Este projecto surgiu na sequência dos cinemas UFA, construídos em
Dresden (1993-1998), onde Coop Himmelb(l)au, numa estratégia de
vanguarda, ensaiou formas bastante arrojadas no espaço público.
Na torre SEG, contudo, pode-se constatar que para além desta
condição, reflexo das novas técnicas digitais, existiu, igualmente, uma
320
grande preocupação com as questões ambientais. Assim, foi
considerado para o edifício uma fachada de vidro inteligente, que de
certa forma unifica as habitações, trabalhando conjuntamente com
uma caixa de ar na cobertura que permite regular as temperaturas
extremas de Viena, tanto no Inverno como no Verão. Esta fachada
climática que a partir do exterior parece uniforme, oculta uma secção
muito dinâmica que configura apartamentos tipo loft e, desta maneira,
a fachada em vidro que, por sua vez, protege viveiros de plantas que
crescem em altura, converte esta construção num verdadeiro edifício
verde.
No quadro que apresentamos, foram apresentadas algumas
estratégias de como se pode enquadrar o computador na
representação de espaços arquitectónicos e de como se pode
potenciar a sua utilização em favor de uma qualquer tecnologia, é no
entanto importante assinalar que algumas das preocupações que
intrigaram arquitectos, como os da Bauhaus, Le Corbusier ou Frank
Lloyd Wright, entre outros, continuam presentes nas gerações que se
lhes seguiram, nomeadamente, no que concerne a necessidade de
ajustar o espaço habitável ao homem e de criar, através das
condições naturais, melhor qualidade no interior dos espaços, em que
o edifício passa a servir melhor um fim específico, o de habitar
321
melhor.
Como temos verificado, é interessante constatar que mesmo a
arquitectura construída através de processos digitais não descurou as
temáticas que se prendem com o meio ambiente, o que também
podemos observar com Ken Yeang 145145145145 e a sua equipa de arquitectos,
ao criarem a ideia de arranha céu sustentável, assente na convicção
deste arquitecto de que a resolução dos problemas sociais e
económicos passa por criar uma tipologia de edifício em altura que
deverá ser humanizado e adequado às questões da sustentabilidade.
O trabalho de Ken Yeang ficou ainda mais conceituado quando
ganhou o prémio Aga Khan de arquitectura, devido às suas
estratégias de ventilação natural aplicadas na Menara Messinaga.
Neste caso, o arquitecto conceptualizou na parte superior do edifício
uma pequena asa que dirigia o vento para o átrio interior central e,
para além do aspecto formal, teve a preocupação em colocar as
145145145145 Fez a sua formação na académica na Architectural Association de Londres e na
Universidade da Pensilvânia sofreu a influência de Ian McHarg, pioneiro no conceito
de planeamento ecológico, autor de Design with Nature.
322
bandas de protecção solar e as galerias de maneira a conseguir um
melhor rendimento da incidência solar.
Outro exemplo, são os escritórios centrais do partido UMNO em
Pennang, na Malásia, um projecto pensado de modo a reduzir os
custos energéticos, pelo que para substituir o ar condicionado por
ventilação natural, foi projectado um enorme muro, mais um vez em
forma de pequena asa, e colocado estrategicamente por forma a
interceptar os ventos na parte superior do edifício e, em seguida,
encaminhá-los a todos os escritórios, sendo de assinalar nesta
estratégia, as semelhanças formais com o orgânico – a forma
adaptada à função.
Mas, apesar do interesse de todo o trabalho desenvolvido por esta
equipa, é contudo no projecto da torre Nagoya 2005, que Hamzah e
Yeang sintetizam muitas das ideias que o atelier desenvolvera nas
últimas décadas. Neste caso, mais uma vez, foi o computador que
permitiu que se viabilizasse a ideia de incorporar vegetação com
parte da tecnologia da torre, o que foi conseguido através da
conceptualização de uma estrutura compatível e pela optimização
dos sistemas de climatização, viabilizando assim, num interface entre
o natural e o artificial, os princípios da sustentabilidade.
Pittard Sullivan em Culver City, a oeste de Los Angeles, é outro
323
projecto frequentemente associado à era digital e que se destacou
enquanto espaço passível de ser considerado de cidade de futuro. O
projecto foi concebido num espaço onde antes se situava uma área
industrial, entretanto desactivada, e portanto tratava-se de proceder a
uma reabilitação industrial que atraísse novas empresas, fundadas
agora noutra área económica, os serviços, que por seu lado,
acompanhava a evolução tecnológica.
Curiosamente, a cada um dos projectos foi dado um nome escolhido
de um léxico que tinha referências com a inteligência artificial, uma
situação que a própria arquitectura queria nomear.
No sentido de privilegiar a sustentabilidade, foi criado um sistema que
pudesse fundir a rede de transportes, habitações e espaços de lazer,
respeitando de certo modo as pré existências industriais e tentando
recuperar parte da antiga estrutura, em particular a que se justificava
em termos simbólicos, para se aplicarem novamente, do mesmo
modo ou em combinações diferentes, demonstrando que também a
reciclagem pode ser compatível com a arquitectura actual. Aliás, outro
conceito protagonizado neste projecto foi a criação de um espaço de
uso misto, de modo a reduzir a dependência dos transportes e a
reduzir os gastos energéticos.
Os arquitectos Moore, Ruble e Yudelle Eric Moss projectaram para
324
este espaço, o protótipo da casa para o novo milénio e, no projecto,
tentaram conciliar o que seriam as necessidades de habitação para o
homem com as mudanças sociais, demográficas e tecnológicas,
mediante um processo executado em conjunto com os métodos
tradicionais e com as possibilidades tecnológicas oferecidas pelo
computador.
De facto, estas técnicas híbridas criaram um sistema de componentes
espaciais e construtivos que pode associar várias formas, permitindo
um grande número de combinações.
A simulação virtual permitia, desta maneira, possibilidades de
experimentação em termos de configuração do espaço, para melhor
adaptação aos novos modos de habitar e às alterações do número de
habitantes por família, bem como para rentabilizar exposições solares
ou níveis de luminosidade, entre outros métodos de aproveitamento
energético, sendo interessante constatar que estas questões
correspondem às preocupações que, ao longo de todo o século XX,
estiveram presentes na construção de espaços.
Este sistema implicava todo um conjunto de elementos, tais como:
elementos pesados com o qual eram compostos os espessos muros,
chaminés e outros elementos com funções estruturais; elementos
ligeiros constituídos por protecções solares, paredes deslizantes, que
325
permitiam ajustar o uso habitacional de forma flexiva, planos leves,
grelhas metálicas de ventilação, que podem utilizar energia solar e
elementos que fazem a relação com a envolvente; elementos de
apoio que englobam cozinhas, instalações sanitárias, recuperadores
de energia solar e eólica; e ainda elementos interiores
suficientemente flexíveis para facilitar usos distintos.
O quinto elemento, habitações paisagens, constituía-se como a
matriz de um conjunto de espaços exteriores, onde se incluem
terraços, pátios, espaços de lazer e recreio que fazem a conexão
entre interior e exterior.
No entanto, este projecto, apesar de ser associado por alguns
autores a cidade do futuro, apresenta algumas características que
revelam um certo conformismo formal, faltando-lhe uma procura mais
profunda de uma nova estética, ou mesmo de uma originalidade, que
apostasse mais no cultivo dum conceito de vanguarda.
Um trabalho que consideramos particularmente consciente e
intemporal, e no qual se percebe que as novas estratégias de
concepção do espaço ultrapassam largamente a aplicação prática
dos novos instrumentos de comunicação e as novos tecnologias, é a
abordagem feita por Fréderic Nantois e Fiona Meadows.
Apesar de ser cada vez mais difícil pensar em arquitectura sem
326
considerar os recursos tecnológicos, estes dois autores incluíram na
sua reflexão três aspectos que consideraram fundamentais, todos
eles conhecidos e utilizados frequentemente por arquitectos e
independentemente da maior ou menor disponibilidade de recursos
tecnológicos que disponham: o processo de concepção, a
comunicação e as tecnologias.
Com efeito, é curioso verificar que conquanto que utilizem recursos
tecnológicos avançados, as questões que consideram são
intemporais e facilmente reconhecidas por quem tem que conceber
um projecto de arquitectura. Em primeira instância, consideram a
investigação de problemáticas particulares ligadas ao processo de
concepção do espaço; em segunda, a comunicação que reflecte o
resultado das experiências da investigação e permite uma
representação espacial da ideia do autor, estabelecendo uma relação
entre o objecto criado e o espaço habitado, neste caso trata-se do
espaço da percepção e das sensações físicas que, na actualidade,
temos de considerar como o seu análogo virtual ou digital; por fim, o
projecto de arquitectura permite comprovar os princípios dos
conceitos desenvolvidos na investigação e a inscrição na matéria de
todos esses princípios.
Estas três noções apesar de não serem novas têm no entanto a
327
particularidade de contarem com aplicações media que lhes permite
criar novas bases no campo da concepção e da percepção do
espaço, provando mais uma vez a necessidade de adequação e de
interacção entre a arquitectura e a técnica, existindo de facto uma
estrutura comum que se pode estender a várias épocas, sendo que
na actual teremos de considerar o ciberespaço.
328
8 . R E I N V E N T A R O E S P A Ç O
8 . 1 . C A T I A – F R A N K G E H R Y
Na verdade, todo o conjunto de situações até aqui expostas é
importante para a arquitectura mas, naturalmente, os arquitectos não
podem deixar de ir mais além na utilização do computador, como o irá
provar o trabalho de Frank Gehry, nomeadamente com a aplicação
do sistema CATIA.
É interessante observar que tal como aconteceu no fim do século
XIX, em que a engenharia ganhou um grande protagonismo e abriu
novas possibilidades à arquitectura, como foi o caso da utilização do
betão, também no final do século XX, se repete essa situação, em
que os avanços ao nível da operacionalidade na arquitectura, são
potenciados pela engenharia, conforme vamos a seguir constatar.
Em 1982, a IBM 146146146146 anunciou a primeira versão do sistema de
desenho mecânico CATIA. Este sistema foi desenvolvido por
146146146146 Em 1976, esta firma tinha já lançado no mercado um Sistema de Visualização de
Gráficos 2250 (2250 Graphics Display Sistem), um dos primeiros terminais com
Figura 102
Concert Hall da Disney em Los Angeles.
Figura 102
Esquiço do projecto para a Disney.
Figura 103
Concert Hall da Disney em Los Angeles.
329
Dassault Systèmes – uma empresa subsidiária do fabricante
aeronaútico francês dos aviões caça – para adquirir capacidades de
controlo de superfícies num sistema de desenho já existente e, desde
então, o CATIA tem vindo a ser utilizado como facilitador de todas as
fases do processo de desenho, desde a fase inicial do conceito até à
construção. Na realidade, este sistema permite o intercâmbio de
informação digital, e a permanente dependência dos autores em
relação a este sistema revela bem a importância e a capacidade de
CATIA.
Frank Gehry foi um dos arquitectos que mais investiu na aplicação do
CATIA e embora o tenha utilizado pela primeira vez na sua proposta
para Barcelona, foi no seu projecto para o auditório da Disney, em
Los Angeles, que o utilizou de um forma mais arrojada, bem mais
além do que da simples representação gráfica. Com efeito, o seu
trabalho é deveras pertinente pois faz uma transferência para a
arquitectura do trabalho desenvolvido pela engenharia aeronáutica.
Na vila Olímpica de Barcelona, o sistema CATIA foi utilizado para
resolver dificuldades estruturais complexas e de grandes dimensões,
possibilidades para aceitar gráficos vectoriais CAD, que podiam ajustar-se a
programas de computapudores que continham uma qualquer proposta.
330
e o que diferenciava este sistema dos restantes era o facto de se
utilizarem equações polinómicas, com o espaço a deixar assim de ser
entendido por pontos e passar a ser definido por uma equação, o que
permitia aceder a um qualquer ponto concreto, de uma qualquer
superfície. Segundo Glymph (Bruggen, 1997, p.135) director da firma:
“(...) CATIA, a program that deals with polynomial equations instead of
polygons, is pretty much capable of fefining any face, it knows it.” Um
rigor que permitia uma melhor adaptação da proposta, tal, Gehry
(apud,Bruggen, 1997, p.138)147147147147 refere numa entrevista:
Many of the forms he is developing now are only possible
through the computer. Bilbao is a perfect example. Prior to the
development of the computer applications in the office, they
would have been considered something to move away from. It
might have a pencil and straight-edge, but it would take us
decades.
Neste caso, Gehry percebeu as capacidades do CATIA para traduzir
os registos produzidos nos esquissos, realizados a partir de collages,
147147147147 ZAERA, Alejandro.1995. Conversations with Frank O. Gehry. In El Croquis
(Madrid) 74/75. p.153
Figura 104
Planta do Guggenheim de Bilbau.
331
potenciando as capacidades de imaginação e de formalização de
complexidade. Gehry apoiou-se na técnicas de collage, que uma
qualquer forma, independentemente do seu grau de derivavam
frequentemente de formas curvas, utilizadas pelo construtivismo
russo durante os anos 20, um movimento, como vimos, que
sustentava a necessidade de repensar de que modo a forma segue a
função, e que se descobrem claramente na sua técnica de esboçetos,
baseada no fluxo da consciência.
O paradigma da utilização das possibilidades do computador para
criar formas complexas e construções arquitectónicas, até há data
impensáveis, é de facto o Museu Guggenheim, em Bilbau. 148148148148
A aplicação do sistema CATIA passou, efectivamente, a fazer parte
da maioria dos projectos de engenharia e do mesmo modo como
acontecera em meados do século XX, verificava-se agora, no seu
final, que existia mais uma vez, uma forte cumplicidade entre os
avanços da arquitectura e os avanços na construção de máquinas em
geral, com o automóvel, por excelência o espaço de transporte do
148148148148 Steele considerou-a a catedral da era digital, um símbolo da cultura da sua
época, equivalente a igrejas e catedrais de outros tempos.
Figura 105
Guggenheim de Bilbau.
332
homem, a beneficiar também dos avanços produzidos pelo CATIA 149149149149,
fazendo lembrar as associações de Le Corbusier entre o espaço de
habitar e o automóvel.
Sem dúvida, este edifício da era digital, revestido a titânio que
reflectia todo o espaço envolvente, alcançou rapidamente o
reconhecimento internacional substituindo mesmo, o Museu de
Guggenheim de Nova Yorque que na altura da sua construção tinha,
igualmente, introduzido novos conceitos ao nível da espacialidade. O
titânio tinha substituído o betão e de novo a engenharia foi
fundamental para levar mais longe a ideia do arquitecto.
Until then, Gehry had been frustrated with contractors or
manufacturers he consulted who calimed that his sculptural
shapes could nor be built or were not economical. In
acknowledging that their limitations became his own he began
to lean more and more toward Frank Lloyd Wright’s theory that
149149149149 Os três principais fabricantes de automóveis de Detroit adoptaram o sistema de
aplicação interactiva para a construção tridimensional por computador, permitindo
melhores rendimentos dos custos e dos tempos de produção.
333
an architect has to be a master builder as well. (Bruggen, 1997,
p.138)
O Guggenheim de Bilbau revolucionou completamente a forma de
construir o espaço, e com o computador a deixar de ser apenas uma
ferramenta e passar a ser um sistema inteligente de construção,
pode-se questionar, em que medida o computador conduziu, ou não,
o processo de concepção do projecto, como podemos constatar na
reflexão de Steele (2001, p.130):
La aplicación CATIA ha abierto nuevas puertas a la creación,
pero muchos se preguntan hasta dónde nos conducirá esta
tecnología y si realmente proporciona un umbral hacia nuevos
territorios, pues se trata exclusivamente de pura forma, sin base
teórica alguna en la que fundamentarse.
Este fenómeno, importante que o trabalho de Gehry reflecte,
proporcionou uma maior consciência em torno da necessidade do
debate sobre a modernidade e sobre o moderno, discussão essa, que
ultrapassa largamente a disciplina da arquitectura e que se estendeu
a outras áreas do conhecimento.
334
8 . 2 . A M Á Q U I N A C O M O P R E T E X T O
Toyo Ito é um arquitecto que considera que há na nossa época, no
que respeita à cidade, um espaço fictício e imaginário que se está a
formar a partir de uma colagem de fragmentos mas que, todavia,
existe no espaço real, referindo Tóquio como uma cidade simulada,
na qual se vive. Mais concretamente, Ito defende que numa
sociedade como a actual, em que a informação é evasiva, existe
também, para além do nosso corpo real, um corpo virtual criado pela
acção da informação.
Este arquitecto refere a propósito da orientação conceptual dos seus
projectos, ao longo da sua carreira, que o sentido e o significado dos
seus trabalhos estão a mudar, pois se no passado a tecnologia era
apresentada de modo visível, agora é diferente. Segundo ele,
actualmente, a tecnologia é algo que esconde, que as pessoas têm
de procurar, não é visível, é um elemento que se explora de forma
indirecta.
Neste sentido, na Mediateca em Sendai, Toyo Ito vai testemunhar a
utilização da tecnologia informática como inspiração conceptual e
figurativa.
Figura 106
Mediateca em Sendai
335
Com efeito, neste projecto, para além de se poder observar uma
associação entre as árvores, existentes na avenida principal de
Sendai, e os cabos gigantes, constata-se também que a fachada de
vidro envolvente, que parece enclausurar um chip gigante de
computador, tem um plano oco que favorece a ventilação natural que
circula entre planos de vidro, reforçando o interface natural-artificial.
Tomamos na sua globalidade, os arquéticos de Ito se anaden a
sua alquimia cientifica muito parecida: o anhelo humano por
superar a fragilidade do corpo com uma tecnologia que melhore
a sua perfeição e a sua longitividade: figuramente recreada na
pele que envolve a Mediateca. (Steele, 2001, p.153)
Efectivamente, na Mediateca de Ito a concepção está assente numa
metáfora da máquina, observando-se um imaginário de cabos que
podemos associar à era digital, ideia essa do digital que estará,
igualmente, presente na proposta de Peter Eisenman para o concurso
do Museu du Quai Branly, um projecto em que se percebe a intenção
do arquitecto em aplicar padrões binários cartesianos, por forma a
reforçar os princípios da inteligência artificial.
336
9 . C O N S T R U I R O A R T I F I C I A L P O R
M E T O D O L O G I A S S U S T E N T A D A S E M P R O C E S S O S
N A T U R A I S
9 . 1 . E S P A Ç O G E N É T I C O – K A R L C H U
Entretanto, vai surgindo outra geração de arquitectos que
desenvolvem conceitos cujo elemento gerador da ideia está
directamente associado aos recursos tecnológicos e à associação
directa a elementos da natureza, como reflectem os trabalhos de Karl
Chu com a introdução do elemento espaço genético que, embora se
restrinja ao ciberespaço, comporta um referencial cientifico
subjacente à mecânica quântica e às novas tecnologias de
informação e de percepção do espaço, em particular as que dizem
respeito ao conceito de movimento abstracto.
Figura 107
Desenvolvimento orgânico da forma que relaciona a arquitectura de Karl Chu com a natureza.
337
Karl Chu incorpora nos seus registos os novos avanços na mecânica
quântica, fruto da procura de um princípio natural transcendental, e
encontramos no seu trabalho uma nova de atitude que define o
paradigma evolutivo de conceitos, a partir da mutação de modelos
tridimensionais por computador, para criar ambientes simulados.
Efectivamente, a noção de espaço e de tempo tem sofrido alterações
profundas, verificando-se que nas recentes investigações no âmbito
da mecânica quântica, se tenta unificar a gravidade, o que
consequentemente provoca a introdução de um novo conceito de
tempo imaginário, em que todas as possibilidades do espaço têm
idênticas condições, consubstanciando uma lei científica abstracta,
que segundo Steele:
Lo que esta nueva ley implica es que, en tiempo real existe una
importante diferencia entre dirección, pasado y futuro. Esta
diferencia se rige por la segunda ley de la termodinámica, que
predice que, en todo sistema cerrado, la entropía (la medición
Figura 108
Na procura de um princípio transcendental, Karl Chu incorpora nos seus desenhos os novos avanços em mecânica quântica.
Figura 109
A síntese dos princípios cosmogenéticos e a contínua transformação da natureza.
338
del desorden de un sistema) aumenta con el tiempo, lo que
implica necesariamente una dirección.150150150150
Nesta perspectiva o autor prossegue:
(...) Las teorías de la mecánica cuántica desarrolladas a partir
del estudio de los aguajeros negros también han mejorado la
comprensión del espacio, la teoría de partículas ha demostrado
que no existe el espacio vacío, pues para que así fuera los
campos gravitatorios e electromagnéticos deberían tener un
valor nulo. Las fluctuaciones cuánticas en los valores de estos
campos han indicado la existencia de pares de partículas que
no son reales pues no pueden ser medidas directamente con
un detector de partículas, pero han sido clasificadas como
virtuales porque sus efectos indirectos sí pueden ser medidos y
previstos teóricamente.151151151151 (Hawking, 1998, apud Steele, 2001,
p.25-26)
150150150150 A esta direcção os físicos denominaram a flecha do tempo, uma expressão que
abrange uma direcção psicológica e um sentido de tempo, desde o Big Bang.
151151151151 Hawking, Stephen.1998. A Brief History of the Time, New York : Bantam Books. p.
106-109. No original: “These particles are virtual particles like the particles that carry
339
Na verdade, o trabalho de Chu reporta-se a recentes investigações
sobre o modo como o homem se relaciona com o espaço,
nomeadamente, a percepção e, mais uma vez, é definida uma
relação entre o homem e o espaço, porém, esta actividade vital para
qualquer organismo em contacto com o espaço, exprime uma relação
sensível, o que, de acordo com Karl Chu, radica no facto do homem
ter uma capacidade nata para se adaptar ao futuro, elegendo o
espaço genético de modo diferente do da formulação de imagens
interactivas que se associam ao conceito de ciberespaço, o que,
segundo ele, constrói “una nueva concepción cósmica de razón que
evolucionará a partir de los cambios en la conciencia de espacio-
tiempo”. (Steele, 2001, p.141)
Efectivamente, Karl Chu questiona o tema da transformação da
natureza através da influência da racionalidade, tema que finalmente
cristaliza na modernidade e com o qual este arquitecto abre um
debate em torno da transformação da modernidade: “um principio
the gravitational force of the sun: unlike real particles, they cannot be observed directly
wich a particle detector. However, their indirect effets, such as small changes in the
energy of electron orbits in atoms, can be measured and agree with the theoretical
predictions to a remarkable degree of accuracy”.
Figura 110
Investigação sobre semelhanças morfológicas entre construção e concepção, Karl Chu, revoluciona o significado de arquitectura ecológica.
340
cosmogenético donde la síntesis es el principal resultado del retorno
a una segunda naturaleza, un nuevo concepto de naturaleza
transcendente.”152152152152 (Chu, 1998, apud, Steele, 2001, p.139)
Nesta nova fase e no âmbito do que temos vindo a tratar, importa
abordar, igualmente, o trabalho inovador de Lars Spuybroek,
relativamente aos modos de conceber e construir arquitectura, no
seio da firma holandesa NOX que, também, utiliza o computador para
gerar diagramas que são convertidos em espaço arquitectónico,
desenvolvendo um trabalho que não se concentrou apenas num
discurso de gerações e que patrocinou, também, uma interessante
crítica ao funcionalismo. 153153153153
A conceptualização de Lars Spurybroek parte da ideia de que tudo o
que é estático está condenado à extinção, já que todos os
organismos vivos se transformam, o que Sanford Kwinter classifica de
um sistema flexível movido pela própria flexibilidade, pela sua
152152152152 Chu, Karl S. 1998. Genetic Space: Hourglass of the Demiurge, in Architectural
Design, vol 68, nº 11/12, nov.-dez, p. 69
153153153153 Este discurso está baseado nas ideias de Maurice Merleau-Ponty (1999) no seu
livro Fenomenologia da Percepção.
341
capacidade de movimento, de proceder a diferenciações internas, de
absorver, de transformar e de trocar informações com o ambiente
envolvente. E da mesma forma que é a vida, também um organismo
vivo possui uma extraordinária capacidade de concentrar em si um
fluxo de ordem, pelo que a capacidade de um sistema fluído manter a
ordem interna, deve-se à capacidade para alterar a própria estrutura.
Tal significa que a ordem não existe como forma no espaço, mas sim
como movimento no tempo: uma direcção. Assim, para que uma
forma exista, é necessário que saiba transformar-se em si mesma e
isto não se refere a uma forma capaz de se mover, constituindo-se
antes como um movimento que passa através da forma. É através da
alteração da forma que os sistemas flexíveis ou as entidades vivas
procuram garantir a sua integridade e o seu vigor.
342
9 . 2 . T R A N S F O R M A Ç Ã O D O E L E M E N T O
A R Q U I T E C T Ó N I C O
Conforme referimos anteriormente, a NOX utiliza o computador para
gerar diagramas que são combinados e convertidos em espaço
arquitectónico e, assim, o projecto é iniciado a partir de diagramas de
vários tipos, a que chamam movimentos no edifício, em conjunto com
diagramas conceptuais por computador, que posteriormente se
animam ao introduzirem-se os dados quantificáveis, dando como
resultado o movimento da arquitectura. Então, a partir destes
esquemas, a NOX desenha novos diagramas que definem os
modelos de comportamento – movimentos do corpo – que depois se
traduzem em espaço.
É interessante perceber que tal como no futurismo, também aqui, o
movimento e a velocidade ganham um novo protagonismo e de novo
surge a noção de vanguarda. Neste caso, o movimento da
arquitectura considera a fusão de todas as partículas do espaço, o
que apenas é possível com os meios digitais específicos desta época,
referindo Steele (2001, p.142) na sua obra que:
(...) el movimiento en la arquitectura se analiza a medida que
la transformación de un elemento arquitectónico a otro, desde
343
el suelo al muro, desde la línea a la superficie, desde el punto
a la línea (...) todos estos morfhing (técnica de animación por
la cual una imagen es gradualmente convertida en otra),
mezclas, fusiones, torsiones, rotaciones, laminados y fisuras
se van ajustando con una sucesión de acciones que pasan a
integrar la forma y construyen sus intersticios.
Um exemplo que se pode referir e onde é evidente a vontade de
eliminar a separação física do espaço, é o projecto de 1997, para o
hotel New Palace, junto à praia de Noorswijk na Holanda, cuja
proposta evidencia uma intenção clara de eliminar a separação linear
entre a terra, a água e o céu.
No topo do edifício, ao longo de uma estrutura metálica de 1.40m
revestida de um material translúcido, elevam-se partículas em espiral
ascendente, que representam a areia da praia e as gotas de água
em constante movimento, criando a ideia de leveza e de sensações
várias, numa estrutura que faz lembrar a torre Tatlin, contudo
adaptada à era digital.
No interior do hotel pode-se igualmente, estabelecer uma relação
com a natureza, neste caso a água do oceano, pelo que uma
envolvente ao hotel, translúcida, possibilita a projecção dos reflexos
da água do oceano para o interior.
Figura 111
Hotel New Palace em Noorswijk.
344
Por certo, o grupo Nox introduziu mudanças significativas no modo
de pensar e de construir a arquitectura, utilizando técnicas de
animação digital na representação e criação de espaço
arquitectónico. Estas técnicas modelam as formas e as estruturas
arquitectónicas no campo do espaço virtual, formado por múltiplos
movimentos, fusões, torções, rotações, fissuras e forças em
constante transformação. Este tipo de animação gráfica, utilizado por
alguns arquitectos, recorre a um grelha líquida que foi criada a partir
da grelha convencional, uma das ferramentas de trabalho tradicional
dos arquitectos, mais conhecida como rectícula, e que Marcos Silva
(2004) define do seguinte modo:
Ela é constituída por um arranjo de linhas ou eixos de
verticais e horizontais que são distribuídos em intervalos
regulares no plano bidimensional e no volume tridimensional,
com o objectivo de modelar e ordenar as formas e os espaços
no momento em que estão sendo criados. É um elemento
referencial de apoio à morfogénese do espaço que indica
alguns parâmetros da geometria espacial como posição,
escala e proporção.
Explicando de modo simples o processo de evolução para a grelha
líquida:
345
Assim a grelha líquida é uma grelha rígida convencional que
foi aprimorada pelas tecnologias de computação gráfica
adquirindo flexibilidade, maleabilidade, fluidez e mutabilidade,
entre outras propriedades. (Silva, 2004)
Esta grelha foi então utilizada pelo grupo Nox, em conjunto com o
atelier de arquitectura Oosterhuis Associates, para projectar o
Pavilhão H2O destinado a uma exposição permanente sobre a
importância da água no planeta Terra, a construir na ilha artificial de
Neeltje, na Holanda.
Os intervenientes no projecto concluíram que o edifício de exposição
e a própria exposição deviam configurar um único espaço, pelo que a
arquitectura seria construída em ambientes de múltiplas
características sensoriais, onde se privilegiaria os sentidos, e em que
esses ambientes, informatizados e interactivos, seriam em simultâneo
reais e virtuais.
O projecto foi pensado a partir de dois espaços distintos e interligados
de maneira idêntica ao modo como a água existe na Terra: o pavilhão
de água doce e o pavilhão de água salgada criariam um micro
organismo gigante que avança em direcção ao mar e, do mesmo
modo que os rios seguem em direcção ao mar, também aqui existiria
uma alusão às correntes das águas naturais que flúem até ao mar,
346
sendo de salientar a forma como, neste caso, se trabalha o artificial e
o natural.
O pavilhão de água doce seria localizado nas margens da ilha, no
limite entre a mar e a terra, apresentando uma volumetria deformada,
alongada e fluída, com um revestimento exterior metálico, prateado e
brilhante, em contraste com o pavilhão de água salgada que tomava
a dianteira e ficaria suspenso sobre o mar. Por sua vez, este espaço
de água salgada apresentava um volume com uma forma definida e
angular revestido de um material sintético, do tipo da borracha, preto
fosco, verificando-se que apesar de os pavilhões serem
complementares, ambos detêm uma identidade própria.
Na estratégia do grupo Nox percebe-se uma forte intenção em criar
um sistema interactivo e dinâmico que se insere nos princípios
interactivos a que os espaços de exposição nos vêm habituando,
contudo, desta vez, o elemento natural, a água e a sua fluidez,
permitia levar mais longe a proposta e criar um adequado sistema de
imersão:
O aspecto fluído e maleável das superfícies envolventes do
espaço arquitectónico são reforçados por alguns elementos
arquitectónicos móveis, como pisos e superfícies curvas e
ondulantes, feitos com tela vazada especial que se movimenta
Figura 112
Pavilhão da água H2O, Nox.
347
electronicamente assim que é tocada pelos visitantes. A sua
mobilidade e maleabilidade são similares à da grelha líquida.
Essas qualidades da arquitectura são ainda mais acentuadas
pelas imagens digitais em movimento contínuo e crescente, que
são projectadas directamente sobre as superfícies envolventes.
Com isso o espaço torna-se aparentemente ilimitado. (Silva,
2004)
Neste complexo, o visitante ao percorrer os pavilhões sente que
funcionam como organismos vivos e, neste caso, o termo movimento
pode ser considerado como dar vida ao espaço. Com efeito, no
pavilhão de água doce, o visitante para além de alterar a sua
percepção relativamente ao espaço, tem também de mudar a sua
postura corporal. As regras espaciais a que está habituado alteram-
se, os níveis deixam de ser ortogonais e passam a superfícies
envolventes curvas, ondulantes e móveis, mais próximas dos
movimentos que o corpo pode descrever no espaço, privilegiando-se
uma experiência táctil e obrigando a uma constante necessidade de
utilizar os órgãos sensoriais e perceptivos de um modo muito intenso.
Por sua vez, o pavilhão da água salgada está dividido em dois
momentos distintos. Ao entrarem no pavilhão, os visitantes descem
por uma escada e são conduzidos ao interior, situado abaixo da linha
348
do mar, e nesse interior espera-os um espaço molhado e escuro, com
uma iluminação muito especial. Os visitantes são, então,
confrontados com uma onda real que em intervalos regulares inunda
o espaço, tendo que esperar que a onda se dissolva para se poderem
dirigir para uma rampa que dá acesso a uma plataforma que os
conduz a uma abertura para o exterior. Neste local, podem avistar o
mar e a paisagem local, através de um sistema que pode, ou não,
bloquear esse alinhamento visual de forma imprevisível, esperando-
os ainda, neste percurso, um espaço designado de sensorium. Este
ponto já se localiza no piso superior, que por sua vez é separado de
inferior por um pavimento curvo, que se movimenta em simultâneo
com as restantes superfícies envolventes, um movimento que é
acentuado pelas representações virtuais ondulantes das águas do
mar, projectadas por reflexos de som, luz e cor, nas superfícies
envolventes de policarbonato translúcido.
Todavia, os procedimentos de interactividade dos dois pavilhões são
bem diferentes, pois enquanto que no pavilhão de água doce estão
localizados no interior e são accionados pelo próprio visitante, no de
água salgada, o espaço reage de acordo com os estímulos externos,
tendo sido utilizado um sistema informático especial que permite
receber informações diversas do exterior, emitidas por uma estação
localizada no mar. Essas informações, tais como o movimento
Figura 113
Pavilhão da água salgada Oosterhuis Associates.
349
das marés e a velocidade do vento, são introduzidas numa base de
dados que é continuamente actualizada, permitindo uma
transformação permanente e uma forte relação do edifício com o
meio exterior. Desta forma, o programa propõe um roteiro base em
que as variáveis são introduzidas pela natureza em permanente
mutação, em paralelismo evidente com as características dos
organismos vivos e respectivas metamorfoses.
Sem dúvida, o espaço arquitectónico do pavilhão H2O faz parte de
uma nova forma de habitar o espaço, questionando tanto os próprios
limites do espaço como a ortogonalidade cartesiana em que o
homem se habitou a viver ao longo dos anos, abrindo, inclusive, uma
brecha na dinâmica das arquitecturas líquidas. Contudo, o que
importa reter é que estes espaços descobrem novas possibilidades
para o espaço habitável, podendo constituir-se como uma alternativa
ecológica para a arquitectura porquanto alguns dos princípios
abordados neste tipo de arquitectura, podem, de facto, ser
associados “a princípios de morfogénese dos casulos, das conchas
de alguns moluscos e de outros organismos vivos que criam os seus
habitats a partir de superfícies que os envolvem” (Silva, 2004)
350
9 . 3 . S I S T E M A S H Í B R I D O S
Por certo, nota-se nos trabalhos que apresentamos de Karl Chu e de
Lars Spuybroek uma forte cumplicidade na sua associação aos
princípios e regras do mundo natural, todavia, parece-nos que o
trabalho de John Frazer na Architectural Association de Londres,
consubstanciado em pesquisas que assentam numa procura do
algoritmo genético que simule no computador a evolução natural de
qualquer organismo, constitui o melhor exemplo do que estamos a
tentar provar.
Frazer há estado involucrado en la búsqueda de un
algorítmico genético que permita al ordenador emular a
evolución natural, creando modelos arquitectónicos virtuales
que puedan responder de forma distinta según el entorno en
que se encuentren. 154154154154 (1995, apud, Steelle, 2001, p.38)
Nos processos de concepção deste arquitecto, os modelos virtuais
são criados a partir de princípios baseados na natureza e que
154154154154 Sobre este assunto, Frazer John. 1995. An Evolutionary Architecture. London :
Architectural Association.
351
contextualizam o espaço relativamente à envolvente, uma abordagem
metodológica com algum paralelismo nos trabalhos de Steiner, do
início do século.
Entre 1967 e 1990, ano em que concretizou o Universal Constructor,
a Architectural Association:
(...) aprendió e desarolló lenguages, desarrolló códigos para
máquinas, y diseñó y construyó sus proprios circuitos,
proyectando jerárquicamente funciones simples, tal como
ocurren en la naturaleza (...). (Steele, 2001, p.38)
Nota-se nesta estratégia uma atitude de cumplicidade entre a
máquina e a natureza, pois, (...) “en lugar de reconfigurar un
programa Cad existente; Frazer decidió construir un ordenador
personalizado y programarlo de modo que le permitiera replicar
sistemas biológicos.” (Steele, 2001, p.38)
Outras palavras que vêm de encontro ao que pretendemos
demonstrar neste trabalho, são as expressas pelo próprio Frazer 155155155155
(1991, apud Steele, 2001, p.38):
155155155155 Frazer, J. H. 1991. Can computers be Just a Tool?, Systematica: Mutual Uses of
Cybernetics and Science, vol 8, Amesterdam, p. 27-36.
352
En este proceso, el arquitecto deja de ser diseñador para
transformarse en el catalizador, y a arquitectura pasa a ser
una “forma de vida artificial, sujeta, como el mundo natural, a
los principios de acción morfogenética, codificación genética,
copia e selección.
De resto, a libertação do corpo das limitações físicas, a partir da
metamorfose através das máquinas, é um tema recorrente mas que
agora parece, cada vez mais, próximo de poder tornar-se realidade.
Em 1960, Manfred Clynes combinou as palavras cibernética e
organismo, dando azo ao vocábulo cyborg, 156156156156 e, entretanto, Ray
Kurtzweil, no seu l ivro The Age of the Spiritual Machine: Whe
Computers Exceed Human Inteligence, recorre à ideia de um cyborg
híbrido da ficção cientifica e transporta-o para a realidade,
156156156156 O mito do homem máquina está presente desde os robôs, máquinas autónomas
que libertavam o homem das tarefas rotineiras, desde os andróides robôs,
semelhantes ao homem mas sem capacidade de pensar, e desde dos cyborgues
semelhantes aos robôs e para além dos endobot, criação de Otto E. Rössler, seres
virtuais autoconscientes que habitam o mundo virtual, existem ainda os bióides e os
clones de Sterlac e Hans Moravec, que são desenvolvidos genéticamente e
considerados desdobramentos do homem máquina.
353
assinalando que o intercâmbio produzido entre o cérebro humano e
os circuitos do computador permitirá ao homem conceber-se a si
próprio, passando a evolução biológica por uma evolução tecnológica
157157157157 e, provavelmente, ainda segundo as suas previsões, será difícil no
final do século XXI, estabelecer uma distinção eficaz entre os seres
humanos e as entidades computacionais inteligentes.
Este contexto, porém, obriga-nos a analisar uma outra perspectiva,
relativamente ao modo como a natureza pode manifestar-se em
termos de conceito – o caos.
O caos pode ser considerado como a forma extrema da desordem
que ocorre na natureza - um grau elevado de fragmentos conduz ao
caos e, assim, este caos abre a possibilidade a mutações e
157157157157 Este tema foi desenvolvido por Carlos Camargos Mendonça em Subjectividade e
Tecnologia: as novas máquinas produtoras de corpos; neste artigo o autor faz uma
reflexão acerca da interacção entre o homem e a máquina, entendendo por
subjectividade o mesmo que Guatarri (1993, p. 19) “o conjunto de condições que torna
possível que as instâncias individuais e/ou colectivas estejam em posição de emergir
como território existencial auto-referêncial, em adjacência ou em relação com uma
alteridade ela mesma subjectiva”.
354
transformações várias, podendo conduzir à imprevisibilidade dos
sistemas 158158158158, tal como é imprevisível a natureza humana.
Associado a este fenómeno do caos temos os fractais, muito comuns
na natureza e que podem ser comprovados em várias ciências, como
na física, num conceito como a entropia (medida de desordem do
universo) e nos progressos da mecânica quântica, na matemática, em
que veio revolucionar o estudo estatístico e acrescentar uma nova
forma intuitiva, na biologia, que tem utilizado esta teoria para fazer
previsões em relação à evolução genética, na sismologia, com a
previsão de sismos, e em muitas outras áreas, incluindo uma que nos
interessa particularmente, a arte, em que as influências artísticas são
complicadas de determinar.
Neste aspecto, revelam-se cada vez mais imprevisíveis os avanços
que o computador permite, nomeadamente, no que respeita ao
158158158158 A Teoria do Caos surgiu como necessidade de dar resposta às flutuações
imprevisíveis da natureza. Uma lei básica da Teoria do Caos remete para a evolução
de um sistema dinâmico em constante dependência das condições iniciais, pelo que
a Teoria do Caos tenta explicar fenómenos que são classificados como de casuais,
mas que na verdade podem ser verificados, testados e simulados, ainda que a sua
previsão seja geralmente casual.
355
realismo visual, completamente transformado pela geometria fractal e
as suas imagens espectaculares, que artistas das várias áreas
adoptam, inovando as simbologias que, por sua vez, traduzem as
novas formas de pensar.
Importa, por isso, referir a pesquisa de Mandelbrot 159159159159 que forneceu
teorias matemáticas para explicar o fenómeno da probabilidade
errática e métodos de auto semelhança em probabilidades, e que
investigou relativamente a processos esporádicos, termodinâmica,
astrologia e arte com a ajuda do computador, criando e
desenvolvendo a geometria fractal.
Nesta perspectiva, é interessante constatar que as formas orgânicas
das estruturas naturais possuem, também, geometrias fractais e que
esta pode ser aplicada em qualquer situação, seja a natureza ou
qualquer outra área. É o que prova o trabalho de Akio Hizume, para
quem a secção dourada constitui o mais simples gerador fractal,
sendo que este instrumento matemático, e mais tarde as suas
159159159159 A obra de Benoît Mandelbrot está reproduzida em Objectos Fractais, a edição
original em francês tem um subtítulo que ajuda a compreender melhor o conteúdo:
Les Objects Fractals: form, hasard et dimension.
356
tentativas de aplicação à actividade artísta, como revela o trabalho de
M.C. Ascher, originam a rede Penrose que contribuirá para a
constituição de novas possibilidades para a arquitectura, para a
representação gráfica e, inclusivamente, para o pensamento humano,
já que esta rede surge como um importante instrumento de trabalho
por considerar a forma do universo infinito.
Akio, durante muito tempo, tentou profectizar as formas de Rudolf
Steiner e a partir da rede Penrose, concebeu dois trabalhos, um, ao
nível do planeamento urbano, a cidade auto-semelhante e quasi-
periódica, e outro, um monumento hexadimensional, o Goetheanum
3.
Ainda na sequência do seu trabalho, Akio Hizume inventou em 1992,
um complexo de varas, tridimensional autoportante hexa-axial, a que
chamou star cage e que foi patenteado no Japão, tendo, já antes,
criado duas invenções em que a utilização da rede Penrose serviu
para realizar modelos unidimensionais, bidimensionais e
tridimensionais.
Perante um tal ambiente, aquilo a que designamos por
inteligência é uma lógica dimensional superior, situada além
da dialéctica. A rede Perose, não só constitui um instrumento
de concepção inovador, como também foi capaz de
357
desenvolver uma nova referência de pensamento. Embora na
natureza tenha já utilizado a rede Penrose, poderá ainda
assim que esta venha a tornar-se um signo essencial da
arquitectura. (Hizume, 1998)
Entretanto, com base na ideia de unificar a teoria da
Relatividade e a Mecânica Quântica, surge um equivalente
físico e matemático das formas digitais, a String Theory.
Efectivamente, um grupo de investigadores na área da física
perceberam que esta teoria das cordas permitia resolver
alguns problemas, relacionados com o espaço e com o
tempo, que pareciam impossíveis de solucionar. Neste grupo
podemos destacar Michael Green que definiu para o espaço
onze dimensões, acrescentando assim, às anteriormente
definidas por Einstein, sete às três dimensões para o espaço,
e uma para o tempo160160160160, e dentro das quais sobressai o
graviton (o quantum da gravitação):
160160160160 Efectivamente, se cada ponto do espaço tiver essas dimensões extra, estarão
tão enroladas que não podem ser detectadas directamente. Contudo, se estas
dimensões extras forem associadas a espaços compactados – para cada ponto do
espaço/tempo (quadri-dimensional) – podem ser observadas apesar do seu tamanho
Figura 114
Teoria das cordas cósmicas - Superstrings.
358
(...)Una partícula de gravedad que proporcionaba el enlace
necesario entre la microescala de la mecánica cuántica y la
macroescala de la relatividad general, desbloqueando
cuestiones que parecían irreconciliables entre la teoría de
partículas y la teoría de la gravedad. (Steele, 2001, p.63)
Esta Teoria das Cordas que tenta explicar os componentes
fundamentais de tudo o que existe no universo, mas que até agora
não foi comprovada experimentalmente pelos cientistas, procura
resolver o grande enigma da física actual que reside na busca de
uma teoria que englobe tanto o mundo microscópio explicado pela
física quântica, quanto o universo descrito pela relatividade de
Einstein.
Aliás, apesar da teoria das cordas não estar completamente
demonstrada, existem alguns novos efeitos que podem ser
descobertos e que podem ser muito interessantes para a teoria, ainda
que não sejam meras previsões quantitativas. Uma dessas previsões,
muito reduzido. Desde o início do século XX que existe uma incompatibilidade entre
a Teoria da Relatividade Geral e a Mecânica Quântica, pois a gravitação descrita
pela primeira é determinista e contínua, propriedades não compatíveis com a
segunda.
359
a de dimensões extras do espaço que prevêem fenómenos
espectaculares, pode nunca vir a ser provada mas é por demais
evidente que vale a pena procurá-la. Uma outra previsão é a das
cordas cósmicas que são uma espécie de dobra no espaço, e que se
configurariam como fios maciços esticados entre galáxias.
Os dois modos de reconhecê-las assentariam, um, no facto de serem
muito finas mas muitos macias, de tal forma que quando a luz passa
por perto delas, é deflectida; e outro, por meio de radiação
gravitacional dado que as ondas se movem e, assim, quando se
movimentam de um lado para o outro, podem gerar ondas
gravitacionais.
Esta ideia foi desenvolvida em 1995, por Edward Witten, do Institute
for Avance Study de Princeton, e provocou outro avanço na teoria das
cordas ao introduzir a ideia de que os planos de cordas são na
realidade membranas que vibram, o que leva Steele a referir que:
La teoría das cuerdas resuelve la oposición entre la debilidad
relativa de la gravedad y la fortaleza da las fuerzas eléctricas,
magnéticas y nucleares, pues la gravedad, a diferencia de las
fuerzas anteriormente citadas, puede derramarse fuera de la
360
membrana e inducir a repensar la actual teoría do espacio-
tiempo como fruto de una casualidad irrelevante.161161161161 (Cole,
1999, apud Steele, 2001, p.65)
Como temos vindo a demonstrar, as formas da natureza na sua
infinita materialidade possibilitam várias aproximações entre a
máquina e o organismo, aproximação que a teoria das dobras
também permite. Aqui, os seres vivos e as coisas seriam
completamente formados por infinitas dobras, podendo o fractal e a
dobra coincidir, uma vez que ambas prevêem uma explicação para as
formas desordenadas e complexas.
Esta teoria permitiu a Daniel Libeskind fazer algumas analogias com
as máquinas de tortura, na ampliação do Museu Judaico em Berlim:
Imaginando novos espaços matemáticos, recriando universos
de fragmentos geométricos que explodem e flutuam, feitos de
abstracções colisões e colagem, Libeskind elaborou uma obra
composta por pavilhões e exposições que buscam expressar a
força das linhas dobradas. (Montaner, 2002, p. 212)
161161161161 COLE K. C. 1999. Time. Space Obsolete, New View of Universe in Los Angeles
Times, 16 th November, p. A1.
361
Efectivamente, este tema das dobras e dos fractais não é recente, na
arquitectura, visto que essas formas complexas e repetitivas que se
desdobram, tinham anteriormente inspirado outros trabalhos, como os
de Piranisi, ou, neste século, os de Alvar Aalto, que já referimos, ou
os de Reima Pietilä em Tampere na Igreja de Kaleva, e em Otaniemi
no Centro Dipoli, para estudantes.
Contudo, mais recentemente, este tema tem surgido com uma certa
frequência no discurso de arquitectos que se destacam no contexto
actual, nomeadamente, no trabalho da arquitecta iraniana Zaha
Hadid, para a estação de bombeiros na fábrica Vitra em Weil am
Rhein, na obra de Enric Miralles ou de Rem Koolhaas, e ainda no
trabalho de Ben van Berkel. Não obstante, destacamos de entre eles
o trabalho da equipa de Foreign Office Architects, dirigida por
Alejandro Zaera Polo e Farshid Moussavi, particularmente o terminal
Marítimo de Yokohama que segundo Montaner (2002, p.216) se
traduz num espaço que:
(...) é composto por uma forma unitária e cinética contínua e
dobrada: um sistema activo e operativo que serve para conduzir
todos os fluxos dos viajantes, comunicando de maneira fluida
os diferentes níveis e convertendo a cobertura do terminal na
plataforma de um imenso espaço público, uma paisagem
362
topográfica ondulada cujas ranhuras e dobras possibilitam a
circulação de diferentes pavimentos. Se algumas formas de
fractais e dobras foram geradas na natureza para facilitar o
intercâmbio de fluxos e de energia (por exemplo, os sistemas
sanguíneos e nervoso ou a seiva das árvores) tais estruturas
podem adaptar-se eficazmente para canalizar os fluxos na
arquitectura.
O que nos leva, no contexto do nosso trabalho, a assinalar a
pertinência desta lógica, em que os processos de concepção se
ajustam aos fenómenos sistémicos da natureza.
Antes de terminar o nosso trabalho devemos, ainda reflectir sobre um
novo conceito: as transarquitecturas, uma arquitectura multifacetada
que se desenvolve entre a informação e a matéria, entre o virtual e o
real, e, mais, inerentemente inteligente e interactiva.
Este conceito de arquitectura líquida e transarquitecturas faz parte de
todo um novo universo conceptual como o de Novak, que oscila
sempre entre o virtual e o real. Nele, o espaço adquire uma nova
dimensão que não passa pelas noções de cheio e de vazio, e que se
pode qualificar de inteligente, pois as construções possuem sensores
que manipulam as características visíveis do espaço.
Nestas arquitecturas, a noção de limite é trabalhada de uma forma
363
inovadora e os espaços deixam de ser estanques com limites
definidos e passam a ter uma relação espacial, intimamente
relacionada com o corpo. Questionado sobre as consequências da
ausência de forças fisícas no ciberespaço, Novak (1995) explica:
Our consciousness has evolved into and througt this particular
enbodiment, this particular body, in this particular context. In
other bodies and other spaces, we would have differing
consciousnesses. (…) In creating these liquid architectures, we
define potential avenues for the development of our
consciousness. Since we decide what physics our virtual have,
we implicitly decide what direction our preception will move in.
162162162162
Nesta dimensão, em que o corpo é o elemento determinante do
espaço, faz ainda sentido considerar dois trabalhos do artista e
designer, Char Davies, desenvolvidos entre 1994 e 2001, onde
se explora uma aproximação entre a componente física e
162162162162 NOVAK, Marcos, Ludovico, Alessandro. Marcos Novak interview, by Alessandro
Ludovico [em linha]. Neural Magazine. 1995. [referência de 29 de Dezembro 2007].
Disponível na Internet em: <http://www.neural.it/english/marcos.novak.htm>
364
espiritual, e que reflectem: “um trabalho integrado de arte,
programação do software e corpo”. Tal como refere Erik David:
“Osmose é um ousado golpe na expansão tanto do poder como
do significado de realidade virtual e faz isso aprofundando a
experiência subjectiva da interface homem-máquina”.163163163163 (Char,
1998, apud Eichemberg, 2002)
Mais em concreto, podemos dizer que o trabalho de Davies, em
particular, apresenta um potencial dos ambientes imersivos para a
exploração de novos espaços arquitectónicos, em que a visão e a
experiência desses ambientes se revelam tão humanas quanto a de
se estar presente numa qualquer realidade física.
Assim, a procura de novos ambientes virtuais vai encontrar novas
maneiras de dialogar com a arquitectura contemporânea, não apenas
no sentido visual ou tridimensional do espaço mas, também, criando
novos conceitos que passam sempre por uma nova relação com o
corpo e com o espaço.
163163163163 Char, Davies, Virtual Dimension, architecture, representation and crash culture,
Changing Space: VR as an Arena of Being (ed. By Michael Heim). Nova York,
Princeton Architectural Press, 1998, p.144-155.
365
Conforme temos tentado provar, a máquina e os seus análogos
tecnológicos podem ser entendidos como um prolongamento das
capacidades inatas do homem e, levando esta definição ao extremo,
podemos mesmo considerar o homem como uma máquina, na
medida em que apresenta características que se podem assemelhar
a um mecanismo. Porém, este tipo de reflexão vem colocar a questão
de definir até que ponto o contemporâneo é marcado pela
emergência de novos paradigmas ou, se pelo contrário, os
paradigmas actuais são apenas o reflexo de velhas associações entre
o homem e a natureza.
Nesta perspectiva, podemos partilhar a ideia de Pierre Lévy de que
não se deve raciocinar em termos de ruptura, de que o real se opõe
ao virtual, dado que da mesma forma como na sociedade a
passagem do real ao virtual se constituiu num processo de
humanização, também se pode concluir que na arquitectura, situação
que não é excepção às outras, se reconhece um processo idêntico,
pois apesar da arquitectura ser sempre um processo de
artificialização, ela tem a obrigação de estar, acima de tudo, ao
serviço do homem, isto é, essa artificialização deve estar
direccionada no sentido de tornar a arquitectura mais humana.
366
1 0 . C O N C L U S Ã O
Este trabalho desenvolveu-se na procura de um melhor
conhecimento do paradigma da máquina na arquitectura
contemporânea e do modo como este fenómeno promoveu uma
nova forma de habitar o espaço, numa multiplicidade de abordagens,
mas das quais o homem, elemento natural por excelência, é o
denominador comum.
O princípio da máquina que desde Descartes se vinha impondo como
um valor universal só foi definitivamente adquirido a partir do
aparecimento das vanguardas artísticas do século XX pois, conforme
evidenciámos, foi apenas com a intervenção da modernidade
estética, representada por movimentos artísticos europeus de
ruptura, que a máquina se converteu num símbolo cultural universal
e num princípio socialmente formador, convertendo-se num
fenómeno dotado duma racionalidade em si mesma emancipadora.
Nesta sequência, a máquina foi convertida num objectivo e num valor
em si mesmo, em torno da qual se articularam um conjunto de
questões formais, plásticas, compositivas, construtivas e
organizativas do projecto, que nem sempre se reduziram a uma
concepção estritamente mecanicista ou sequer funcionalista.
367
Assim, e face à nossa consciência de novos problemas históricos
entretanto surgidos, impõe-se um reconsiderar dos caminhos
percorridos pela modernidade artística do século XX, ou seja, urge
rever o passado como forma de poder transformar o presente em
que vivemos, e com este presente desbravar caminhos para o futuro
e para uma realidade melhor.
Procurou-se neste trabalho fazer uma aproximação ao fenómeno da
máquina em paralelo com o fenómeno humano, tema bastante actual
nesta nova época de transição de século. A escolha deste tema
como objecto de estudo serviu para pôr a descoberto as novas
práticas na arquitectura do século XX, para reflectir sobre as mais
antigas e deu-nos a possibilidade de descobrir outras facetas da
cultura arquitectónica. O interesse em questionar as práticas da
arquitectura na sociedade, nas suas vertentes humana e técnica,
insere-se na tentativa bem mais vasta e primordial de procurar
perceber a evolução da própria humanidade, reequacionando as
eternas questões que relacionam o homem com o espaço de habitar.
Assim, procurámos perceber o contexto global em que surgiram os
conceitos contraditórios relativamente à máquina e as respectivas
fundamentações de vários autores para, efectivamente,
constatarmos uma certa permeabilidade naquelas posturas, quer dos
368
que eram contra, e mesmo esses não o eram totalmente, quer dos
que defendiam o uso da máquina, e também estes não o defendiam
totalmente.
A comienzos del siglo xx, los primeiros críticos de la era de la
máquina, Carlyle y Ruskin, se valen de la analogía entre lo
auténtico y lo orgánico. En el principio mecánico de la máquina
vem un peligro para la autenticidad del hombre. Todo lo que el
hombre miesmo hace com ayuda de medios técnicos es, a su
critério, artificial y, por ello, no auténtico. (Aicher, 2001, p.11)
Para Ruskin, como vimos, os fundamentos da arte encontravam-se
fragilizados com a revolução industrial, pois entendia a arquitectura
como a expressão da mentalidade humana, defendia a arquitectura
de outros tempos como uma força vital semelhante ao poder
renovador da natureza. Os motivos de Ruskin para a aversão à
máquina eram de ordem estética, pois valorizava a postura do
artesão, para ele o importante era o trabalho manual.
Ainda assim, aceitava a máquina como um escravo para poupar o
trabalho do homem vislumbrando uma certa abertura para a
aceitação da máquina, contudo, com uma certa reserva, pois
verificámos que as suas ideias confluem em Henry Moore, um dos
poucos artistas do século XX que manteve uma postura
369
assumidamente humanista e de forte relação com a natureza.
Salientámos, ainda, a postura de Morris que culpava a massificação
industrial e a redução do trabalho individual pela degradação da
arquitectura, rejeitava os valores da era industrial e defendia que a
arte e a arquitectura se dirigiam a todos, e em The Prospects of
Architecture in Civilization proclamou uma habitação digna e
funcional para todos. Pese embora o seu conhecimento derivasse do
trabalho medieval, e o considerasse como um modelo de
autenticidade e de inspiração, isso não limitou o seu trabalho, pois
teve a consciência que o design era importante na melhoria das
condições de vida, pois a arte para o povo só seria possível através
da produção industrial, pelo que o seu trabalho não se limitou ao
plano teórico e fundou a firma a Morris, Marshall & Faulkanan com
efeitos amplamente positivos na produção comercial.
Assim, apesar de Morris considerar a máquina como um inimigo,
tivemos oportunidade de constatar que foi evoluindo para uma
posição mais tolerante que aceitava incorporar as máquinas no
intuito de alcançar melhores condições vida.
Paralelamente, verificámos que existiam outros contemporâneos com
posições completamente diferentes, como o caso de Lewis Day e
John Day, que afirmavam ser já, na época, a máquina um dado
370
adquirido e escolhido, pela sociedade, e não haveria forma de
reverter o processo.
Na transição do século foi interessante notar a importância da
máquina no fenómeno artístico e confirmámos que isso é um facto
inquestionável, tanto que, independentemente de uma maior ou
menor adesão, ou mesmo, de renúncia, a máquina esteve
omnipresente nos discursos e nas doutrinas, assumindo-se como
fenómeno emergente na sociedade.
Outro factor que averiguámos ter influenciado a criação de novos
conceitos na arquitectura foi, no final do século XIX, o ressuscitar do
betão, um material que permitiu efectuar estruturas de grandes vãos,
inimagináveis até à época, conferindo ao espaço uma nova dinâmica
e dotando os edifícios duma inovadora leveza e plasticidade. As
possibilidades deste novo elemento construtivo alteraram por
completo a relação entre o homem e o espaço, introduzindo um novo
conceito revolucionário e de vanguarda que só encontrará
paralelismo, no fim do séc. XX, com o ciberespaço que, por seu lado,
irá mais uma vez revolucionar e introduzir novos conceitos na
arquitectura. Conforme examinámos, o betão, para além da
plasticidade espacial que permitia configurar formas orgânicas e, em
simultâneo, formas da era da máquina, possibilitou, ao vencer
371
grandes áreas com estruturas simples, a construção com qualidade e
em quantidade, a custos reduzidos, consolidando a característica de
material tecnicamente funcional; o progresso técnico sobrepôs-se
paulatinamente às técnicas tradicionais e artesanais, permitindo
novas possibilidades para a arquitectura.
Neste contexto verificámos, igualmente, como o início do século ficou
marcado pelas posições de Steiner e pelo modo como valorizou as
formas do mundo orgânico e que, também, só foram possíveis de
concretizar através dos progressos técnicos, incluindo o betão,
entretanto registados.
De igual modo, examinámos como na obra de Wittgenstein se revela
a mesma concepção universal para a arquitectura e para a filosofia, e
como a casa para a irmã, com a sua lógica matemática reflecte a
lógica do Tratactus.
Concluímos, então, que relativamente à arquitectura se assumiam
duas posições com perspectivas e abordagens marcadas pela
diferença mas que, no entanto, não eram antagónicas pois o natural
e a máquina revelavam-se, em uníssono, fundamentais para dar
corpo a estas obras de arquitectura.
Para além destas duas posturas, a de Steiner mais próxima do
orgânico e a de Wittgenstein mais próxima da máquina,
372
considerámos que a máquina constituiu-se como um novo conceito,
pelo que destacámos, ainda, o facto da máquina e do maquinismo
terem, nesta fase inicial da sua emergência, uma dimensão espiritual
própria, constituindo-se ambos como princípio de uma utopia
reveladora de salvação e esperança. Logo, o futurismo de Marinetti
baseava-se na máquina, defendia a abolição de todas as influências
tradicionais e Sant’Elia, que protagonizou este movimento de ruptura,
expressou as suas ideias em Messagio. A máquina e a velocidade
tornaram-se símbolos da arquitectura futurista e constatámos como
este movimento influenciou profundamente outras vanguardas ao
longo do século. Procurámos ainda caracterizar o modo como a
lógica mecânica, baseada num ideal de esperança e utopia, se
enquadrou nos aspectos racionalistas da nova concepção formal do
construtivismo. Assim, estes conceitos ligados a uma sociedade
industrial cumpriam o objectivo revolucionário e de vanguarda, e
disso vimos o exemplo do construtivismo na Rússia.
Efectivamente, a máquina, que no inicio do século e que à época se
referia a um fenómeno científico, técnico e civilizador, adquiriu
entrementes um carácter universal de um princípio de
homogeneização e de organização social, não prescindindo,
contudo, de analogias com a natureza e com o homem.
373
Procurámos reflectir, também, sobre as posições de Muthesius na
Alemanha que, tal como Morris, defendia o bom senso e a
simplicidade na arte e na arquitectura, mas que, ao contrário de
Morris, entendia deverem esses conceitos ser aplicados à produção
industrial, abraçando a utilização da máquina e assumindo a
liderança de uma nova tendência: a Sachlichkeit. Vimos que esta
tendência privilegiava a utilidade pura e perfeita e confrontava o
sentido de apropriado e de objectivo, pois os objectos, feitos à
máquina, é que eram produzidos de acordo com o espírito da época.
Aliás, como verificámos, este conceito era partilhado pela Deutsche
Werkbund que defendia um elevado nível de qualidade na produção
industrial, vendo no design, a inteligência do homem, e na máquina,
a ferramenta fundamental.
Para a Werkbund não havia nenhuma diferença entre a ferramenta e
a máquina desde que fosse o homem a dominar a máquina e a
utilizasse como ferramenta; de facto, é interessante constatar que se
trata de um conceito transversal ao longo dos tempos e, pese
embora os novos avanços técnicos, este conceito permanece
bastante actual conforme o presente trabalho tentou provar.
No âmbito do trabalho que desenvolvemos, tivemos oportunidade de
salientar o modo como o conceito da máquina se manifestou na
374
Bauhaus, progredindo do funcionalismo orgânico de Gropius até ao
funcionalismo técnico de Mies. No início, a escola tinha muito em
comum com as antigas cooperações medievais e, marcada por uma
estratégia ideológica próxima do expressionismo, promovia uma forte
oposição relativamente à máquina enquanto um fim em si mesmo, o
que, conforme pudemos observar, assentava num forte compromisso
entre o factor orgânico e técnico e numa relação crescente que
pretendia, primeiro, o domínio dos elementos naturais e, só depois, o
dos técnicos.
Salientámos, por isso, um projecto importante desta fase, a casa
Sommerfeld, que expressa a estética baseada na metamorfose da
vida e reflecte as intenções programáticas da Bauhaus. Esta casa
em madeira, material que nesse período era considerado como
propício à vida, era construída a partir de troncos e aproveitava toda
a expressividade estética daquele material orgânico, reconhecendo-
se nessa estratégia uma lógica unificadora que comprova a influência
de Steiner.
Gropius acreditava que, tal como noutros tempos em que a arte se
uniu ao artesanato, também, naquela era da máquina, estavam
reunidas as condições para a arte se unir à produção industrial.
Provámos como, no fundo, Gropius pretendia a integração de dois
375
factores de concepção no processo de produção: o defendido por
Muthesius e o individualismo de Van der Velde.
Verificámos contudo que, pese embora Muthesius e Gropius
acreditarem ambos que a função do artista era inventar formas da
era da máquina, a prática revelava-se diferente, pois Muthesius era
apoiado pelo meio empresarial e governamental, que fazia o controlo
da actividade artística, e Gropius, pelo contrário, defendia que o
artista devia ser livre da influência política.
Por conseguinte, o paradigma da máquina na Bauhaus ia evoluindo e
alguns dos que inicialmente se opunham à máquina iam cedendo ao
seu predomínio, conforme constatámos em Adolf Behne que, no seu
livro Die Wiederkehr der Kunisti, assumira uma postura contra a
máquina para, apenas dois anos mais tarde, alterar a sua posição no
artigo Arte, Artesanato e Tecnologia, enaltecendo a máquina numa
atitude análoga à de Gropius em Arte e Construção Industrial.
Efectivamente, vimos como estas diferentes posições de maior ou
menor aceitação da máquina originaram conflitos e quando Johannes
Itten foi substituido por Moholy-Navy, verificámos que a escola
passou a apresentar um perfil mais racionalista, marcado por uma
forte vertente técnica que promovia o trabalho que utilizasse novos
materiais da era da máquina.
376
Salientámos, nesta sequência, a exposição de 1923 como um novo
impulso da componente técnica, pois neste evento foi perceptível
uma união entre a arte e a técnica, nomeadamente, com a casa Am
Horn que ao organizar-se numa área pequena, 162 m2 de forma
simples, reduzindo os espaços e privilegiando a funcionalidade,
apontava definitivamente para a produção em série e para uma
mudança de paradigma.
Nesta fase sublinhámos outro acontecimento importante, a exibição
das fotomontagens de Metropolis, marcada pela influência do
futurismo que difundia uma visão antecipada da cidade de futuro, um
mundo dominado pela máquina, e que lançava novas pistas sobre o
que poderiam ser as cidades imaginárias do futuro.
Como fizemos notar, o recurso à tecnologia passou a ser
incentivado, a escola manteve-se no centro da cultura comunitária
procurando humanizar a máquina, e com a transferência da Bauhaus
para Desseau construiu-se a mais importante obra do funcionalismo
e do racionalismo alemão. Analisámos, portanto, como foi marcante
o processo de concepção e construção do edifício em que o
mecânico e o orgânico se fundem pois, conforme prova Argan, o
edifício desempenha um papel social e na sua descrição não faltam
comparações e alusões a partes específicas da máquina, analogias
377
que Argan transfere, igualmente, para o Palácio dos Sovietes em
Moscovo.
Percebemos, também, que os alojamentos para os professores
continuam a experiência da Casa Am Horn e como o paradigma da
máquina era amplamente considerado, visto que, por um lado, o
interior reflectia um racionalismo lógico formal e, por outro, o projecto
previa a standardização de várias partes da casa por forma a
mecanizar as tarefas dentro do espaço.
Neste e noutros exemplos de conjuntos de habitações unifamiliares,
evidenciámos o exemplo de espaços organizados em plantas
simples, construídos segundo uma linha de montagem que permitia
grande rapidez de execução e redução de custos. Contudo,
constatámos também que, paralelamente a esta racionalização,
existia uma forte componente ligada à natureza pois, na verdade,
intentava-se fixar as populações à actividade agrícola como
complemento ao trabalho mecanizado, proporcionando uma relação
com a natureza e valorizando os valores humanos.
A marcar a emergência do novo paradigma da máquina, não
pudemos deixar de assinalar o Bairro Torten e a casa Carl Fieger,
uma habitação onde a racionalidade funcionalista e a sua coerente
linguagem arquitectónica foram um exemplo de grande qualidade
378
formal.
A ideia de George Muche era realizar uma casa de crescimento
variável com unidades de pré fabricação industrial, em forma de
módulos, que permitiam que o espaço pudesse ser adaptado ao
número de pessoas do agregado familiar, conceptualizando-se,
inovadoramente em termos arquitectorais, a família como um
organismo variável.
Como percebemos, a casa, em meados dos anos 20 e apesar de
muito mecanizada, localizava-se numa envolvente natural, todavia, a
máquina estava prestes a tornar-se num modelo de megaestrutura
que, rapidamente, se sobrepunha ao modelo de cidade jardim e
Gropius, no projecto urbano para Spandau – Haselhust, espelhava já
uma posição bem mais ambígua, no que concerne o natural e o
mecânico, do que aquando da formação da escola.
Ainda no percurso da Bauhaus, verificámos como a entrada de
Meyer determinou um modelo técnico associado a uma vertente do
funcionalismo produtivista que, apesar dos princípios se basearem
no profundo conhecimento da vertente técnica da construção,
subentendia um compromisso total com a existência humana, como
o provam os temas introduzidos como a psicologia e a sociologia.
Para Meyer, conforme ideias expressas em Construir que centravam
379
o acto de habitar nas questões biológicas e nas questões técnicas
em torno do homem, a construção deveria ser um processo
elementar simples que espelhasse as necessidades básicas do ser
humano, a arquitectura não se prendia, aqui, com as questões
estéticas mas sim com as questões funcionais, intimamente
relacionadas com o acto de habitar e que passavam pelo bem estar
da vida humana e com a necessidade de responder às questões da
vida biológica.
Mas tivemos oportunidade de notar que, apesar dos modelos de
Meyer apontarem entre a casa máquina e a cidade máquina, as
estruturas urbanas não desprezavam a existência da vida e que os
espaços racionalizados se organizavam em articulação com a
paisagem e com a natureza, como é o caso de Bundeschule des
Allgemein Deuschen Gewerkschaftsbundes, o que nos levou a
sublinhar que Meyer é, na Bauhaus, aquele que mais se aproxima da
máquina e, ao mesmo tempo, aquele que mais se aproxima do
homem.
Observámos, em seguida, como o caminho em direcção a uma,
ainda maior, valorização da máquina continua com Funcionalismo
Técnico de Mies van der Rohe, numa nova estratégia em que os
objectivos se reflectem, essencialmente, na arquitectura que passou
380
a uma vertente mais técnica, tendo a escola ficado a cargo dos
engenheiros, conforme exemplificámos com o pavilhão da Exposição
Mundial de 1929, em Barcelona, que se tornou um símbolo de
precisão técnica notável e da produção de qualidade e de perfeição
da técnica alemã.
Em suma, sustentámos que a Bauhaus desenvolveu um percurso em
que, embora a arquitectura se vá distanciando do orgânico em
direcção a uma maior aproximação da máquina, representando o
funcionalismo técnico o expoente máximo, a escola não perdeu a
sensibilidade nem a poética para com o ser humano.
Nesta nossa análise, ao longo da arquitectura do século XX, houve
um enfoque especial para Le Corbusier que visionariamente aferiu de
uma nova emergência na sociedade do início do século: o
maquinismo. Destacámos, efectivamente, que o seu concomitante
fascínio pela máquina e pela natureza pode ter começado muito
cedo, dado os dois factores terem estado muito presentes na sua
formação, e pudemos constatar que ao longo do seu percurso foi,
sempre, premente a sua preocupação com a funcionalidade da
arquitectura em estreita conexão com a imprescindibilidade de
ajustar o espaço às exigências do corpo humano, associando a casa
à ideia de máquina de habitar, numa atitude pioneira que intentava
381
aprender com a máquina para posteriormente a colocar ao serviço do
homem.
Vimos, então, como na sua colaboração com a revista L’Esprit
Nouveau se equacionava a problemática relação entre a arte e a
sociedade industrial, defendendo-se assertivamente a importância do
artista e a sua função numa sociedade contaminada pela máquina.
Como já referimos atrás, o betão foi o elemento que possibilitou
novas possibilidades para a arquitectura e Le Corbusier aplicou-o de
forma mais arrojada que os seus contemporâneos e, assim, construiu
a casa Domino, que representou uma evolução qualitativa com a
estrutura a tornar-se oculta e, na sua análise, confirmámos os
pressupostos que procurávamos revelar, pois o próprio arquitecto faz
uma associação entre os sistemas construtivos e os sistemas
orgânicos.
No entanto, as suas preocupações reflectiam-se também na escala
humana que considerava como um sistema métrico e, de facto, no
Modulor, a vertente técnica não se desenvolvia afastada do sentido
de harmonia e de escala humana, provando-se que Le Corbusier
estava realmente consciente da necessidade de ajustar o espaço à
escala humana.
Demonstrámos como o tema da máquina interessou particularmente
382
Le Corbusier e como em Por Uma Arquitectura, que continha de
forma geral os artigos publicados em L’Esprit Nouveau, tentava
incentivar os arquitectos para as características particulares das
construções industriais e das grandes máquinas do mundo moderno,
metáforas da era da máquina que o arquitecto preconizava virem a
substituir os antigos modelos.
Com efeito, para Le Corbusier, a casa deveria ser como uma
máquina de habitar e o problema da máquina deveria ser
equacionado como um chassi de um carro. Verificámos, assim, que
foi nesta lógica que Le Corbusier, com o intuito de resolver o
problema da falta de casas, construiu a casa Citrohan, a casa
considerada como uma ferramenta, e que inspirada no modelo de
Henry Ford e no modelo norte americano de Taylor se assumia como
uma produção em série, através da standardização das principais
peças.
A casa Citrohan tinha muitas alusões mediterrânicas e náuticas, os
terraços assemelhavam-se a coberturas de barcos, a planta funcional
envidraçada e bem iluminada com alusões fabris e em pleno
contacto com a natureza e, reflexo dos novos tempos, era concebida
para qualquer pessoa e em qualquer lado, característica típica do
produto industrial.
383
Le Corbusier, influenciado pelo Cubismo, defendia a concepção do
espaço contínuo, o edifício era inseparável da envolvente, assim a
casa penetra na natureza e é penetrada por ela, estabelecendo uma
relação íntima com a natureza.
Um exemplo que assinalámos foi o da Ville Savoye em que a casa se
desenvolve suspensa sobre pilotis, com vista a um contacto mais
directo com a natureza e inseparável da envolvente, conceitos que
derivavam da concepção cubista do espaço e que o tornavam
habitável de forma contínua em múltiplas dimensões. Assim, a ideia
geradora é privilegiar a relação com a natureza em paralelo com o
conceito de máquina de habitar.
Efectivamente, esta relação entre a natureza e a técnica
acompanhou desde cedo o universo conceptual de Le Corbusier,
conforme pudemos ver na Petit Maison que testemunha a vontade de
Corbusier em construir uma casa com uma forte relação entre a
natureza e a ideia de máquina de habitar. Os dados, que tinham sido
previamente definidos pelo arquitecto, continham os elementos
naturais e a casa máquina, sendo o Sol um dos elementos naturais
com que o arquitecto tinha particular cuidado, facto que o levou
inclusivamente a uma investigação técnica e à produção dos
paradigmáticos brise soleil.
384
O fascínio de Le Corbusier pela máquina estendia-se aos edifícios
públicos que funcionavam como máquinas colectivas, e o primeiro
exemplo que referimos foi o do Concurso para a Sociedade das
Nações, em cujas propostas percebemos a vontade de relacionar o
homem com a máquina, quer como ideia de mecanismo quer como
se fosse um organismo. Este edifício seria uma espécie de
parlamento para o povo, humanismo para elites, e Le Corbusier
articulava, aqui, o mito da máquina com a natureza, percebendo-se
na leitura do edifício uma situação dupla: a dinâmica da rotação dos
planos e, ao mesmo tempo, um organismo composto de glândulas e
artérias.
Esta ideia de simbiose entre o fenómeno técnico e o orgânico foi
ainda mais perceptível no projecto de Centrosoyus, no qual não só
constatámos a vontade de construir um edifício de arquitectura
mecanicista, aliás uma tendência da sociedade russa industrializada,
como, também, verificámos o facto do edifício apresentar a forma de
um corpo.
Neste projecto, o arquitecto ajustou as necessidades técnicas à
dinâmica da máquina e, em simultâneo, o edifício parecia uma figura
humana, daí termos sustentado que, numa atitude de antecipação, o
edifício apontava para um híbrido, provando que o mecânico e o
385
orgânico figuraram mutuamente nos processos conceptuais do
arquitecto.
Vimos, igualmente, como das máquinas colectivas que Le Corbusier
concebeu, a Cité Refuge foi a que formalmente tinha mais afinidades
com o transatlântico.
Este edifício, também denominado de Exército de Salvação,
equivalente ao condensador soviético, era a imagem de uma
máquina de habitar que se opunha à envolvente, era quase como
uma cidade internacional flutuante, contudo, se ao mesmo tempo era
uma fábrica do bem, no piso térreo os percursos harmonizavam-se
em configurações orgânicas. Neste edifício, Le Corbusier resolveu os
problemas de ventilação chamando-lhe respiration exacte, provando-
se que nas suas soluções técnicas estavam presentes analogias
biológicas, associadas a funções orgânicas.
No Pavilhão Suíço constatámos, também, a ideia de máquina onde,
tal como num barco, os quartos se assemelhavam a camarotes e,
todavia, esta máquina de habitar flutuava em cima da natureza, era a
imagem do edifício associada à vida ideal, reunida debaixo da alçada
da máquina e da natureza
No projecto de Ronchamp, o arquitecto cruzou, também, de forma
híbrida os aspectos relacionados com a natureza e com a técnica.
386
Nos primeiros esboços, considerou a localização de quatro
horizontes e o percurso do Sol, elemento natural sempre presente
nos registos de Le Corbusier que, aqui, combinou a com natureza e o
homem, esquecendo um pouco a ideia de máquina.
Salientámos, também, a influência da natureza nas formas côncavas
e convexas, e a semelhança com a máquina pois, formalmente, a
igreja assemelhava-se à proa de um barco.
Por outro lado, o jogo de luz e de sombra provoca uma experiência
intensa que incentiva a espiritualidade e a emoção humana, pelo que
foi considerada como uma machine á emovoir, provando-se que Le
Corbusier estava, nesta capela, numa estratégia de considerar o
factor humano para além da dimensão técnica.
No entanto, sublinhámos também a ideia de que apesar de Le
Corbusier ser constantemente associado ao modo como enquadrou
o fenómeno da máquina na sua obra, a natureza desempenhou um
papel igualmente importante, comprovando-o o modo como nas suas
obras considerou, em simultâneo, a importância da natureza e o
papel da máquina na vida do Homem.
Provámos que apesar da arquitectura moderna não demonstrar
particular interesse pelas relações com a natureza, é possível
perceber de que modo é que ela foi protagonista em diversas obras
387
de arquitectura, e constatar que obras nascidas sob o signo da
máquina se articulam com o aspecto orgânico para a seguir
constatarmos o contrário, que obras geradas sob o signo do
orgânico, se enquadram na mesma artificialidade que caracterizou o
movimento moderno e que o paradigma da máquina, directa ou
indirectamente, esteve presente, como o são exemplo as obras de
Wright e de Aalto.
De facto, salientámos que embora Wright defendesse o papel da
natureza na vida do homem e seja frequentemente associado à
arquitectura orgânica, situação com que ele próprio se identificava,
conseguimos provar que ele considerou, também, o paradigma da
máquina nos seus processos criativos.
Vimos como logo no princípio da sua carreira se percebeu que
Wright não era indiferente à máquina, quando leu publicamente o
manifesto The Art and Craft of the Machine e manifestou claramente
o seu entusiasmo pela máquina, verificando-se que apesar da
distância entre os Estados Unidos e a Europa, existia alguma
semelhança no modo como este tema era enquadrado.
No entanto, desde as Praire Houses que se percebe, também, uma
tendência para enquadrar as casas em ambientes naturais, onde a
espacialidade da casa devia evoluir da necessidade funcional.
388
Destacámos, também, uma relação de amizade entre Wright e
Mumford, que se manteve durante vários anos e que foi marcada,
sobretudo, pela correspondência entre ambos. A arquitectura era o
principal tema na crítica de Mumford e Wright era o arquitecto que
ele privilegiava e, embora nunca lhe tenha poupando criticas,
acreditava, tal como Wright, na utilização dos métodos modernos de
construção, ainda que considerasse, também, que esse processo
não era uma mera adaptação à era das máquinas, pois a
arquitectura tinha de ser sempre para o homem.
Um aspecto muito interessante foi quando percebemos que o
contexto da exposição sobre o tema International Style, na qual se
evidenciou o confronto entre Wright e os arquitectos europeus, revela
que a aparente diferença entre o orgânico de Wright e o fascínio
europeu pelo betão não eram situações tão antagónicos como à
primeira vista poderiam parecer. Pois na realidade, a opinião de
Mumford de que os europeus estavam a aproximar-se mais de
Wright e tinham perdido um pouco a fé no betão, como um absoluto,
para adquirirem um pouco do amor de Wright por materiais naturais,
vai de encontro ao que pretendemos provar: uma certa
permeabilidade entre o orgânico e a técnica como uma tendência
geral entre os arquitectos que se destacaram no século XX. Na
verdade, no percurso de Wright, a natureza foi sempre um
389
elemento importante e na Escola de Tatliesin, os jovens arquitectos
aprendiam inspirados na arte japonesa que promovia uma ligação
profunda entre o homem e a natureza, valorizando-se a continuidade
orgânica em que o homem evoluía através de uma relação intima
com a natureza, baseada na meditação e na contemplação.
Pudemos observar que a arquitectura de Wright perspectivava uma
construção natural como o crescimento, ideias que derivam de
Goethe mas que, no entanto, no seu imaginário, o paradigma da
máquina não fora esquecido. Em Broadracre City, combinou de
forma particular uma área urbana, em que os arranha céus se situam
numa estrutura agrária como um conjunto de comunidades
construídas por zonas residenciais, um projecto de descentralização
urbana, no qual casas de vários tamanhos eram constituídas em
parcelas de um acre, atravessadas por auto-estradas e em que os
meios de comunicação eram o automóvel e um modelo experimental
de helicóptero.
Neste projecto, pudemos provar que a intervenção de Wright
passava sempre por uma relação entre a natureza e a cidade, neste
caso cidade mecanizada em contraponto com as zonas residenciais
orgânicas.
Wright defendia a transcendência e considerava a natureza de forma
390
mística, atribuindo-lhe um lugar fundamental no desenvolvimento
psicológico do homem, por considerar o contexto natural fundamental
para a evolução positiva do homem.
Um projecto que assimila esta ideia de harmonia com a natureza é a
casa da Fallingwater; aqui a natureza é o pretexto do projecto, a casa
surge do crescimento orgânico, incrustada na própria natureza e,
apesar dos seus amplos envidraçados, a casa assume uma função
protectora. A natureza assume um valor superior a qualquer outro, a
casa é colocada no interior da natureza, no eixo vertical a grande
chaminé reporta aos primeiros espaços habitados pelo homem em
que a fogueira era o centro do espaço, e o seu material assemelha-
se a uma caverna. Os próprios materiais utilizados em determinadas
situações ajudam a configurar essa semelhança com uma caverna. A
casa desprende-se em elementos sequenciais que parecem crescer
como organismos vivos, apesar da imersão da casa na natureza e
dos contrastes naturais produzidos, podemos dizer que se trata de
um exemplo em que o artificial foi completamente controlado pelo
arquitecto. Neste projecto, o mais importante não foi obedecer a uma
qualquer imagem moderna mas, antes, estabelecer uma harmoniosa
relação entre a natureza e a produção do homem.
Neste trabalho, pudemos perceber que Aalto foi o arquitecto que
391
mais se aproximou do homem e da natureza e o que mais contribuiu
para humanizar a arquitectura, isto sem se afastar completamente do
paradigma da máquina, apesar de a relegar para um plano marginal.
Efectivamente, este arquitecto, ainda que no início subscrevesse os
princípios do funcionalismo, teve logo consciência de que o
funcionalismo técnico, só por si, não definia a arquitectura, pelo que
tivemos oportunidade de salientar o modo como Aalto se mantém fiel
à natureza e como isso é um reflexo do contexto da arquitectura do
seu país.
Vimos, então, como nos edifícios que se destacam neste período
funcionalista, se percebe uma preocupação com as questões
humanas em paralelo com as questões técnicas.
No sanatório de Paimo, para além de resolver as questões técnicas,
Aalto entende que a arquitectura tem de resolver, igualmente, as
questões humanas derivadas do modo de habitar os espaços.
Assim, no sanatório, para além de resolver a máxima funcionalidade
do programa, resolve também questões como a exposição solar e a
ventilação, em sintonia com a melhor forma do homem se relacionar
com o espaço. Estas preocupações, no sentido de adaptar os
espaços ao homem e à função, percebem-se, também, na Biblioteca
de Viipuri, onde as questões funcionais e técnicas passavam,
392
inclusivamente, por relacionar o espaço da biblioteca com o olho
humano, já que para Aalto a biblioteca não estaria bem resolvida,
técnica e funcionalmente, se não satisfizesse a principal função – a
de ler um livro.
Vimos como este tipo de questões foi abordado em O Racionalismo
e o homem, no qual o arquitecto reflectiu sobre a necessidade de
tornar o racionalismo mais humano e, efectivamente, pudemos
verificar que Aalto foi o arquitecto que melhor representou o
funcionalismo e a arquitectura orgânica, pelo que se pode situá-lo
numa versão que podemos apelidar de funcionalismo orgânico.
Na Villa Mairea, percebeu-se a forte cumplicidade entre a natureza e
o homem, a floresta prolonga-se para a casa desde o átrio de
entrada, o pátio cria relações de continuidade com a envolvente e o
interior e o exterior confundem-se num jogo de luz e sombra. Neste
projecto, o arquitecto utilizou o valor expressivo da madeira provando
que a produção em série e a estandardização também, se podem
aplicar a este material.
Nos espaços religiosos pudemos também notar uma progressão do
racionalismo funcionalista, dos primeiros trabalhos em Malon e em
Linghy, para o racionalismo orgânico em Riola. Também, neste caso,
pudemos verificar que Aalto apesar de se preocupar com as boas
393
soluções, nomeadamente em termos de iluminação, não se deixou
dominar apenas pelas questões técnicas e pensa alguns espaços
como corpos, de tal modo que em alguns casos utiliza a metáfora da
vida e a morte.
No seguimento da nossa análise, verificámos que a partir dos anos
cinquenta se instalou a crise do racionalismo que se reflectiu numa
consciência de novas questões relacionadas com o acto de habitar.
Efectivamente, o princípio de uma estética cartesiana e de um
conceito cultural utópico, ligado ao maquinismo, foi, a partir dos anos
30, progressivamente desaparecendo no panorama da arquitectura
moderna e, nesta fase, mais do que criar um estilo baseado nas
inovações tecnológicas era necessário pensar em obras de
arquitectura que reflectissem os valores científicos e racionais
ajustados às necessidades do homem que, por sua vez,
ultrapassavam largamente as questões funcionais.
Assim, evidenciámos como as complexas estruturas arquitectónicas
multifuncionais, concebidas e realizadas por meios tecnológicos
avançados, povoam o imaginário dos anos 70 e como no grupo
britânico Archigram, que desenvolveu novos conceitos de habitar na
casa cápsula, se percebe a forma e a função intimamente ligadas à
forma orgânica e à função mecânica, indissociáveis da ideia de
394
máquina de habitar.
Vimos como, do mesmo modo que Le Corbusier, a arquitectura
mutante do grupo Archigram propunha novos espaços considerando
o espaço mínimo, no entanto, adaptado a novos tempos, pressente-
se na arquitectura, tal como na sociedade, uma simbiose crescente
entre a natureza humana e a técnica. A arquitectura aparece como
uma segunda pele do corpo humano e, mais próxima do limite da
artificialidade, torna-se mais orgânica e procura uma forte associação
entre a máxima artificialidade e o organismo vivo, em estreita ligação
com as metamorfoses da vida.
Na transição do século XX para o século XXI pudemos visualizar
algum paralelismo no modo como a sociedade encarou, de novo, o
paradigma da máquina, com as novas tecnologias a apontarem para
novas realidades e com o digital e o virtual a substituírem a máquina
analógica.
À semelhança das questões que se colocaram relativamente ao
modo como se enquadrou este tema, no início do século XX,
observámos novamente, no final do século, um grupo que questiona
e um grupo que aceita, embora essa aceitação também não seja
incondicional, conforme referimos com a postura cautelosa de Felix
Guatarri e Pierre Lévy e as mais contrastantes de Paul Virilio e Jean
395
Baudrillard.
O computador conduziu a uma nova relação em termos de espaço e
de tempo, o ciberespaço substituiu o espaço físico e conseguimos
perceber até que ponto o computador é uma ferramenta e a forma de
se poder tirar partido desta ferramenta a favor do homem, e notámos
como do mesmo modo que se defendem processos híbridos para o
homem, também, essa situação se reflecte na arquitectura.
No entanto, nem todas as posições se revelam positivas e de
vanguarda e pudemos constatar que os métodos digitais podem
servir, apenas, para mascarar conceitos que não vão além de uma
qualquer imagem ao gosto da época, do mesmo modo como
eclectismo fazia algumas reproduções no fim do século XIX, ou para
criar falsas imagem de vanguarda, muitas das vezes com base na
ideia de velocidade. Efectivamente, esse conceito de movimento e
velocidade que os futuristas apresentaram no início do século e que,
na época, se manifestou de extrema importância, agora, no fim do
século XX, só por si revela-se insuficiente.
Um exemplo é o caso de Graha Kuningan, no centro de Kwan Tong,
em que o computador imprimiu aos registos do edifício uma imagem
que dá a sensação de movimento e fluidez mas, como
comprovámos, a tecnologia não esteve a favor do projecto pois este
396
apresenta vulgares padrões formais, não sendo trabalhado qualquer
outro conceito para além da velocidade.
Salientámos, também, que o computador pode ser uma ferramenta
importante no modo como possibilita uma leitura mais objectiva do
lugar e, em certos casos, como possibilita criar projectos ousados em
territórios complexos, como foi o caso da School Distrit em que
percebemos uma intenção clara de dominar a natureza.
Outra das facetas interessantes do computador que constatámos, é
poder testar situações espaciais que permitam melhorar a qualidade
ambiental e as questões da sustentabilidade.
Vimos, isso mesmo, no projecto Eden de Nicholas Grimshaw
Partener, um projecto em que é perceptível a analogia entre o
artificial e o natural, dando forma a uma estrutura que tinha como
objectivo valorizar a biodiversidade do mundo vegetal. Esta estrutura
foi concebida com base em regras do mundo orgânico e assente em
princípios que consideramos idênticos aos de Steiner. Com efeito, já
um século antes, este arquitecto privilegiava a adaptação ao meio, o
crescimento e o desenvolvimento mas, no caso presente, as novas
tecnologias permitiram a construção de uma estrutura de aço ligeiro,
coberta com uma membrana transparente construída como o corpo
de um animal, verificámos como as tecnologias actuais permitem que
397
o carácter orgânico fosse conseguido através de uma estrutura mais
plástica do que as estruturas de Steiner.
Assim, uma das questões relevantes foi perceber que da mesma
maneira como, no fim do século XIX, o betão deu novas
possibilidades à arquitectura, também, no fim do século XX, os
avanços desta arte passam pela aplicação das possibilidades que o
digital permite testar, possibilitando depois a construção de
estruturas impensáveis há umas décadas atrás.
É igualmente curioso assistir que tal como o automóvel foi um
elemento gerador de ideias e de associações várias, no início do
século XX, também, no fim do século XX, Frank Gehry utilizou a
versão do sistema de desenho CATIA, desenvolvido por uma
empresa aeronáutica que fabricava aviões de caça. Verificámos
como este sistema, utilizado pela primeira vez na proposta para
Barcelona, foi depois aperfeiçoado no auditório da Disney e obteve a
sua consagração máxima no Museu de Guggenheim de Bilbau.
Sustentámos, pois, a mudança de um novo paradigma, já que o
betão que tinha permitido no Museu de Nova York uma espacialidade
verdadeiramente inovadora para a época, era agora substituído pelo
titânio e pelo desenho em computador e, de novo, a engenharia foi
fundamental para formalizar a ideia do arquitecto.
398
Como tinha acontecido no Guggenheim de Nova Yorque a simbiose
entre a tecnologia e imaginários conceptuais baseados em formas do
mundo orgânico é um tema recorrente na arquitectura, como é o
caso da espiral de aço e vidro do edifício da BMW, em Munique, com
evidentes alusões a turbinas e a motores aeronáuticos.
Também vimos como Toyo Ito utiliza a metáfora da máquina na
Mediateca de Sendai, testemunhando a utilização da tecnologia
informática como inspiração conceptual e, da mesma forma como os
futuristas utilizaram, nos seus pressupostos, a ideia da máquina
como pretexto, também, neste contexto, enquadrámos uma nova
geração de arquitectos que, entretanto, foi surgindo e que está
directamente associada aos recursos tecnológicos e a elementos da
natureza. Assim, destacámos os trabalhos de Chu com a introdução
do elemento genético que comporta um referencial científico
subjacente à mecânica quântica porque, efectivamente, Chu
incorpora nos seus registos novos avanços da mecânica quântica,
resultante de um princípio natural transcendental, e encontrámos no
seu trabalho uma nova atitude definida como paradigma evolutivo,
conceitos produzidos a partir da mutação de modelos tridimensionais
por computador e que criam ambientes simulados.
Como tivemos oportunidade de confirmar, a noção de espaço e de
399
tempo tem sofrido alterações profundas, também elas só possíveis
devido aos novos avanços da mecânica quântica, que provocam a
introdução de um novo conceito de tempo imaginário. O trabalho de
Chu, por seu lado, reporta-se a recentes investigações sobre o modo
como o homem se relaciona com o espaço, nomeadamente a
percepção, actividade do sistema cognitivo, vital para qualquer
organismo, em contacto com o espaço, que exprime uma relação
sensível, o que de acordo com Karl Chu radica no facto de o homem
ter uma capacidade nata para se adaptar ao futuro. Este arquitecto
elege, assim, o espaço genético e considera-o de modo diferente do
da formulação das imagens interactivas que se associam ao conceito
de ciberespaço, pois, constatámos como Karl Chu questiona o tema
da transformação da natureza, através da influência da
racionalidade, em conjunto com o, da transformação da
modernidade, procurando no seu trabalho reiniciar o debate em torno
da racionalidade, tema que parece cristalizar na modernidade.
Analisámos, ainda, o trabalho de Lars Spuybroek, igualmente
inovador no que concerne o modo de conceber e construir
arquitectura, que com a firma holandesa NOX utiliza o computador
para gerar diagramas que são depois convertidos em espaço
arquitectónico, num trabalho que possibilitou uma interessante crítica
ao funcionalismo. A conceptualização de Spuybroek assenta
400
na ideia de que o estático está condenado à extinção, já que todos
os organismos vivos se transformam, e este sistema flexível é assim
denominado pela capacidade de movimento, de proceder a
diferenciações internas de absorver, de transformar e de trocar
informações com o ambiente envolvente.
Nesta perspectiva, um organismo vivo possui uma extraordinária
capacidade de centrar-se em torno de um fluxo de ordem, pelo que a
capacidade do sistema fluído manter uma ordem interna deve-se à
capacidade para alterar a sua própria estrutura e, tal significa que a
ordem não existe como forma no espaço mas, sim, como movimento
no espaço: uma direcção.
Nox utiliza, então, o computador para gerar diagramas de vários
tipos, a que chama movimento do edifício, e é este conjunto de
diagramas conceptuais, construídos em computador, que
posteriormente se animam e que resultam em movimento de
arquitectura. A partir desses esquemas, a NOX desenha novos
diagramas que, por sua vez, definem os modelos de comportamento,
movimentos do corpo que depois se traduzem em espaço.
Neste trabalho, foi interessante perceber que, tal como no futurismo,
também, aqui, o movimento e a velocidade ganham um novo
protagonismo e de novo surge uma noção de vanguarda. Neste caso
401
considera-se a fusão de todas as partículas do espaço, o que apenas
é possível através de meios digitais e, no Hotel de Noorswijk, junto à
praia, a intenção é exactamente a fusão do espaço, extinguindo-se
as barreiras entre a terra, o céu e a água. A estrutura metálica é
revestida por um material translúcido onde se elevam partículas em
espiral ascendente e o movimento constante provocado pelas
partículas cria uma ideia de leveza e fluidez, podendo-se estabelecer
uma associação entre esta estrutura e a torre de Tatlin, porém,
adaptada à era digital, pois a torre construtivista estava para as
construções da época do mesmo modo que, hoje, esta estrutura está
para as construções actuais.
Nesta investigação reflectiu-se, ainda, sobre as mudanças
produzidas nos modos de pensar e de construir arquitectura
mediante a utilização de técnicas de animação digital e recorrendo a
uma grelha líquida que foi criada a partir do aperfeiçoamento das
técnicas de computação gráfica da grelha convencional, uma das
ferramentas convencionais, mais conhecida como rectícula. Esta
situação gerou novas possibilidades para o espaço, como
flexibilidade, maleabilidade, fluidez e mutabilidade, e a nova grelha
foi, assim, utilizada para projectar o pavilhão H2O, um pavilhão sobre
o tema da água a construir na ilha artificial de Neeltje.
402
A intenção era criar um espaço único, a arquitectura seria construída
em ambientes de múltiplas características sensoriais onde se
privilegiariam os sentidos e em que os ambientes informatizados e
interactivos seriam em simultâneo reais e virtuais. O projecto foi
pensado a partir de dois espaços distintos e interligados de maneira
idêntica, em analogia com o modo como a água existe na terra. O
pavilhão de água doce e de água salgada criariam um micro
organismo gigante e, do mesmo modo que os rios seguem em
direcção ao mar, também, neste caso, existia um alusão às correntes
naturais que fluem até ao mar, sendo particularmente interessantes
as associações entre o artificial e o natural. O visitante ao percorrer o
espaço tem a sensação de que este funciona como um organismo
vivo, o movimento ajuda a dar vida ao espaço e o utilizador tem
necessidade de recorrer aos órgãos sensoriais, privilegiando-se uma
experiência táctil e espacial que permite receber informações
diversas do exterior que, por sua vez, são emitidas a partir uma
estação localizada no mar.
Os espaços funcionam ou em função de uma onda que
periodicamente inunda o espaço, ou através de informações, como o
movimento das marés e a velocidade do vento, que dado serem
continuamente actualizadas, permitem uma transformação
permanente do edifício e desenvolvem uma forte relação do
403
edifício com o meio exterior. Assim, o programa dos edifícios propõe
um percurso com base em variáveis introduzidas pela natureza em
permanente metamorfose.
Este pavilhão propõe uma nova forma de habitar o espaço,
questionando tanto os próprios limites do espaço, como a
ortogonalidade cartesiana em que o homem se habituou a viver ao
longo do tempo. Estes espaços descobrem novas possibilidades
para o espaço habitável, podendo constituir-se como uma alternativa
ecológica para a arquitectura e verificámos, ainda, que este tipo de
arquitectura pode ser associado a princípios de morfogénese dos
casulos, das conchas e de outros organismos vivos que criam os
seus habitat a partir de superfícies que os envolvem.
Outro trabalho sobre o qual reflectimos foi o de Frazer que se
desenvolve em forte cumplicidade com os princípios e regras do
mundo natural e em que o algoritmo genético simula no computador
a evolução natural de qualquer organismo. Observámos como, nos
modelos de concepção deste arquitecto, os modelos virtuais são
criados com base na natureza e contextualizam o espaço
relativamente à envolvente, uma abordagem metodológica que
encontra algum paralelismo nos trabalhos de Steiner e de
Wittgenstein. Efectivamente, Frazer aprendeu e desenvolveu
404
técnicas de linguagem e códigos para máquinas, com base em
fenómenos que ocorrem na natureza tentando copiar os
modelos/sistemas biológicos.
Procurámos, igualmente, perceber como pode a natureza, em termos
de conceito, manifestar-se de um outro modo – o caos. Esta forma
extrema de desordem que ocorre na natureza abre toda uma
possibilidade de mutações e de transformações, várias podendo
conduzir à imprevisibilidade do sistema, de forma análoga à
imprevisibilidade da própria natureza.
Neste contexto, e associado a este fenómeno do caos, percorremos
também os fractais, muito comuns na natureza e que podem ser
comprovados em várias ciências, num conceito como a entropia ou
nos progressos da mecânica quântica. Verificámos que os avanços
do computador permitem um realismo visual, completamente
transformado pela geometria fractal e pelas imagens espectaculares,
inovando as simbologias que, por vezes, traduzem novas formas de
pensar. Nesta matéria, foi importante a pesquisa de Mandelbrot que
experimentou teorias matemáticas para explicar o fenómeno da
probabilidade errática e os processos de auto semelhança em
probabilidades.
Neste contexto abordámos o trabalho de Akio Hizume e constatámos
405
como a secção dourada constitui um dos mais simples geradores
fractais e como as suas tentativas de aplicação à actividade artística
contribuíram para a constituição de novas possibilidades para a
arquitectura, para a representação gráfica e, inclusive, para o
pensamento humano.
Pudemos provar como Akio, que durante muito tempo profetizou as
formas de Rudolf Steiner, conseguiu a partir da rede Penrose
conceber um monumento hexadimensional, o Geotheanum 3,
reinventando temas antigos.
Contudo, com base na ordem e na desordem, surge um equivalente
físico e matemático das formas digitais, a String Theory. Revelámos
como um grupo de investigadores, da área da física, perceberam que
esta teoria das cordas poderia resolver alguns problemas
relacionados com o espaço e com o tempo e destacámos, neste
grupo, Michael Green que definiu para o espaço onze dimensões,
acrescentando assim às de Einstein, sete dimensões para o espaço,
e uma para o tempo, e das quais sobressai a graviton. Esta partícula
proporciona a relação necessária entre a micro escala da mecânica
quântica e a macro escala da relatividade geral, apontando novas
pistas para soluções que pareciam difíceis de resolver entre a teoria
das partículas e a teoria da gravidade.
406
Atriduímos, por isso, relevância à String Theory porque esta tenta
explicar as componentes fundamentais de tudo o que existe no
universo e, apesar de não ter sido ainda comprovada, procura
resolver o grande enigma da física actual que reside na busca de
uma teoria que englobe todo o universo.
Neste contexto, interessou-nos também reflectir sobre as cordas
cósmicas que são uma espécie de dobra no espaço e que se
configurariam como fios finos macios e esticados entre as galáxias.
Os dois modos de reconhecê-las assentariam no facto de, por um
lado, serem muito finas mas muito macias, de tal forma que quando a
luz as atravessa é deflectida e, por outro, mediante a radiação
gravitacional, dado que as ondas se movem e quando se
movimentam podem gerar ondas gravitacionais.
Fizemos notar que esta ideia foi defendida por Edward Witten que,
por sua vez, provocou um avanço na teoria das cordas ao introduzir
a ideia de planos de cordas que vibram e o interessante desta teoria
é que tenta resolver a oposição entre a gravidade e as forças
eléctricas magnéticas e nucleares, podendo ajudar a repensar a
actual noção de espaço e de tempo.
Como fomos demonstrando, as forças da natureza, na sua infinita
materialidade, possibilitam várias aproximações entre a máquina e o
407
organismo, aproximação que a teoria das cordas também permite.
Aqui, os seres vivos e as coisas seriam completamente formados por
infinitas dobras, podendo o fractal e a dobra coincidir, uma vez que
ambas prevêem uma explicação para as formas desordenadas e
complexas.
Vimos como apesar deste tema das dobras e dos fractais não ser
recente na arquitectura, pois estas formas complexas e repetitivas
que se desdobram tinham já inspirado outros autores, como Piranesi
ou no século XX, Alvar Alalto e Peima Pietilä, mais recentemente,
este tema, tem surgido com uma certa frequência no discurso de
vários arquitectos, como Enric Mirralles, Rem Koolhaas, Daniel
Libeskind no Museu dos Judeus, e na equipa de Foreign Office
Architects, no terminal marítimo de Yokohama.
Percebemos, aliás como algumas formas fractais e dobras geradas
na natureza, por exemplo, o sistema sanguíneo e nervoso ou a seiva
das árvores, podem ser recriadas na arquitectura por processos de
concepção que se ajustam a fenómenos sistémicos.
Estes fenómenos parecem acompanhar os processos conceptuais da
disciplina de arquitectura pois continuam a manifestar-se no século
XXI, como é o caso da fachada do edifício da Citrohan, nos Campos
Elisíos, em que o símbolo da marca se vai desdobrando em prismas,
408
imprevistos configurando pirâmides de vidro de dimensões variadas
ou o trabalho de Zaha Hadid, no Mediterranean Museum of Nuragic
and Contemporary Art, em que a forma orgânica recortada por
pequenas aberturas irregulares recupera a forma exterior que se
assemelha a um recife de corais em contraponto com o interior
desdobrado em múltiplos recortes internos, assemelhando-se a um
organismo marítimo: um híbrido entre a natureza e a máquina.
Ora, como temos vindo a provar, a arquitectura acompanha a
evolução técnica e cientifica e disso são exemplo as
transarquitecturas que preconizam uma arquitectura multifacetada
que se desenvolve entre a imaginação e a matéria, entre o virtual e o
real. O espaço adquire uma nova dimensão que não passa pelas
noções de cheio e vazio e que se pode qualificar de inteligente, pois
as construções possuem sensores que manipulam as características
visíveis do espaço.
E, no trabalho de Novak, tivemos oportunidade de perceber a
emergência de um novo paradigma com a noção de limite a ser
trabalhada de uma forma inovadora e com os espaços a deixarem de
ter limites definidos e passarem a desenvolver uma relação espacial,
intimamente relacionada com o corpo.
Nesta perspectiva, em que o corpo é o elemento determinante do
409
espaço, destacámos o trabalho de Char Davies que explora a
aproximação entre a componente física e espiritual, e que reflecte a
antiga ideia de Steiner, no entanto, ajustada a uma nova sociedade
em que a interacção homem-máquina é já irreversível.
Mais em concreto, percebemos como o trabalho de Davies apresenta
um potencial de novos ambientes para a exploração de novos
espaços arquitectónicos, e como a procura de novos ambientes
virtuais vai encontrar novas maneiras de pensar a arquitectura
contemporânea, não apenas no sentido visual ou tridimensional do
espaço mas, também, criando novos conceitos.
Como temos tentado demonstrar é importante notar como as
questões naturais, numa época em que as alterações aos modos de
conceber e de construir arquitectura estão muito vinculados ao
desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação e
aos programas informáticos para arquitectura, não têm sido
desprezadas em trabalhos recentes.
De facto, se arquitectura é determinada pelo acto de habitar o espaço
e, por conseguinte, o homem é o elemento natural por excelência, ele
será sempre o elemento principal da obra de arquitectura.
Esta investigação, como vimos, desenvolveu-se em torno do tema da
máquina que, tal como sustentámos inicialmente, proporcionou uma
410
imensidão de análises e interpretações sobre novas formas de
entender a arquitectura e sobre as relações que se estabelecem
entre o natural e a máquina. Na verdade, percebemos que é
constante a emergência deste tema na arquitectura mas que não
existem respostas definitivas em relação ao paradoxo entre o natural
e a máquina, apenas se podem desbravar caminhos, pois mais
importante do que definir uma asserção é problematizar este assunto
para, assim, compreender melhor os aspectos relacionados com o
tema.
Inquestionavelmente, a máquina enquadra-se no conceito de
vanguarda que parece comportar em si uma certa temporalidade,
dado que se pode dizer que o conceito de vanguarda implica que o
que é pensado hoje é considerado de vanguarda, e que no futuro
pode tornar-se num clássico, contudo, como se percebeu neste
trabalho, a máquina não corre esse risco pois a execução de um
qualquer trabalho futuro em torno deste tema vai ser sempre original.
A história tem provado que a máquina tem como uma certeza a sua
própria evolução e, dependendo do desenvolvimento tecnológico de
determinada época, será sempre certo que terá uma componente de
vanguarda.
411
1 0 . 1 . R E F L E X Õ E S F I N A I S
Neste trabalho, procurou-se fazer uma aproximação ao conceito de
máquina, tema assaz actual nesta nova época de transição, e a
escolha deste assunto, enquanto objecto de estudo, serviu tanto para
pôr a descoberto as novas práticas na arquitectura do século XX,
como para reflectir sobre algumas mais antigas e, sobretudo,
providenciou-nos a descoberta de outras facetas da cultura
arquitectónica. O interesse em questionar as práticas da arquitectura
na sociedade, nas suas vertentes humana e técnica, insere-se na
tentativa mais vasta e primordial de procurar perceber a evolução da
própria humanidade, reequacionando as eternas questões que
relacionam o homem com o espaço habitável.
As propostas avançadas neste estudo confirmam um cenário em que
tudo fica em aberto, não obstante, o futuro passará,
indubitavelmente, pela capacidade da arquitectura se adaptar ao
fenómeno técnico, e o maior desafio será, como sempre, a tentativa
de se ajustar ao fenómeno humano, mas insistir e fazer crença na
dimensão humana, que alguns dizem tão ameaçada, é proclamar um
acto de fé na capacidade de continuarmos a permutar experiências.
Sem dúvida que nenhum estudo pode substituir o trabalho de leitura
e de interpretação de uma qualquer obra de arquitectura, ou de um
412
comentário, crítica de arte ou reflexão consistentes, todavia, um obra
como esta poderá contribuir, ao nível do ensino, para uma melhor
orientação dos alunos no dédalo dos conceitos inerentes ao léxico da
arquitectura, pois procurou-se apresentar uma perspectiva distinta do
modo como se interpreta um conjunto alargado de obras e de temas
de arquitectura do século XX. Com efeito, dadas as características
múltiplas do fenómeno arquitectónico, são também, múltiplos os
métodos de conhecimento com que se pode abordar a arquitectura,
nomeadamente, conforme se valoriza, mais ou menos, determinado
conceito. Como se percebe não existe um número limitado de
possibilidades de se reflectir sobre a disciplina de arquitectura. Por
nosso lado, não negamos a utilidade e interesse de todas estas
teorias, no entanto, parece-nos que nenhuma delas, isoladamente,
permite explicar e interpretar de uma forma completa a arquitectura,
pelo que acreditamos que a melhor abordagem ao fenómeno
arquitectónico passará por uma síntese holística de todas essas
possibilidades, elegendo em cada uma o princípio que melhor
esclareça determinada obra, em determinado tempo e em
determinado contexto.
De notar, também, que a relativamente recente pesquisa sobre
ambientes virtuais, pode estruturar novas maneiras de dialogar com
a arquitectura contemporânea e que ao invés de a entender,
413
apenas, como uma projecção representacional do espaço, seria de
extrema importância entender a arquitectura digital como uma fonte
de possibilidades para o avanço teórico e prático da acção projectual,
mais concretamente como uma porta aberta para a inter
conectividade do corpo, para a realidade física e, acima de tudo, para
a imaginação.
E se houve épocas em que se pensava que uma forma de resolver
os problemas estava no homem considerado como ferramenta, e se
houve outras em que se pensava que as boas máquinas resolveriam
os problemas, na sequência deste trabalho acreditamos que os dois
factores são indissociáveis.
Assim, ter de dar por terminado este trabalho não significa pôr-lhe
fim, já que perante a consciência de que quanto mais se mergulha na
hermenêutica de um qualquer assunto, mais abordagens e
perspectivas se querem percorrer e fica a sensação de que
necessitaríamos de muito mais tempo para aprofundar este tema.
Tempo que pode ter sido longo na sua extensão mas que, afinal, foi
muito curto quando nos deparamos com a necessidade objectiva de
concluir, pois que temos, assertivamente, consciência de que o
conhecimento é efémero e que a todo o momento surgem novas
questões e reflexões que nos dão vontade de continuar a heurística
414
da investigação.
415
1 1 . B I B L I O G R A F I A
1 1 . 1 . B I B L I O G R A F I A E S P E C Í F I C A 164164164164
1 1 . 1 . 1 P U B L I C A Ç Õ E S D E A U T O R
AALTO, Alvar. 1922-1962. Alvar Aalto. Basel.etc.: Birkhäuser.
AALTO, Alvar. 1998. Catálogo da Exposição O Centenário de Alvar Aalto, 1998/100.
Almada : Centro de Arte Contemporânea, C. M. de Almada.
ADORNO, Theodor. 1988. Dialéctica do Esclarecimento . Paris, Rio de Janeiro : Ed.
Jorge Zahar.
ADORNO, Theodor. 1993. Mínima Moralia. 2ª Ed. Lisboa, etc. : Ed. 70.
AICHER, Otl. 2001. Analógico y digital. Berlim : Ed. Gustavo Gili.
ARGAN, Guilio Carlo. 1992. Arte Moderna. S. Paulo : Companhia das Letras.
ASBHEE, Charles. 1901. Endeavour towards the Teachings of J. Ruskin and W.
Morris, London : [s.n.].
ASBHEE, Charles. 1911. Should We Stop Art Teachings Art? London : [s.n.].
ASBHEE, Charles. 1917. Where the Great City Stands, London : [s.n.].
BANHAM, Reyner. 1989. L’ Atlántida de hormigón edificios industriales de los
Estados Unidos y arquitectura moderna. 1900-1925. Madrid : La Nerea Madrid.
164164164164 Nesta bibliografia específica foram consideradas (apenas) todas as obras
citadas no presente trabalho.
416
BAX, Marty. 1991.Bauhaus, Lectures, Notes 1930-1933. Amsterdam : Architectura &
Natura.
BAYLEY, Stephen. 1992. Guia Conran del Diseño. Madrid : Alianze Editorial.
BECKMANN, John 1998. Virtual Dimension: architecture, representation and crash
culture. New York : Princeton Architectural Press.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da Reprodutibilidade técnica. In
BENJAMIN, Walter. 1992 Sobre, Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa :
Relógio d’ Água, p.93-113.
BOESIGER, Willy. 1995. Le Corbusier Oeuvre Complete, Vol. I. Zúrich : Èditions
D’Architecture.
BRUGGEN, Coosje Van. 1997. Frank Gehry, Guggenheim Bilbao. New York :
Guggenheim Museum Publications.
BUSIGNANI, Alberto. 1983. Walter Gropius. Firenze : Jansoni.
CLÉMENT, Élisabeth, et al. 1999. Dicionário prático de filosofia. 2ª ed. Lisboa :
Terramar.
COLLINS, Meter. 2001. Los ideales de la Arquitectura Moderna su evolución, (1750-
1950). 6ª ed. Barcelona : Ed. Gustavo Gili.
COLQUHOUN, Alan. 2002. Modern Architecture. Oxford : University Press, 2002 :
versíon castelhana, Gustavo Gili.
CRANE, Walter. 1892. The Claims of Decorative Art. London : [s.n.].
CURTIS, William J.R.. 1987. Le Corbusier: Ideas y formas. New York, Madrid :
Hermann Blume.
DAY, Lewis. 1882. Every–day Art: Short Essays on the Arts Not so Fine, London :
[s.n.].
417
DROST, Magdalena. 1994. Bauhaus. Berlim : Benedikt Taschen Verlarg.
FLEIG, Karl et al (ed.). 1992. Alvar Aalto. Oeuvre Complète. Basel, Boston, Berlin :
Birkhäuser Verlag.
FIEDLER, Jeannine, FEIERABEND, Peter. 2000. Bauhaus. Köln : Könemann bei
Tandem.
FRAMPTON, Kenneth. 1997. História Critíca de la Arquitectura Moderna. London, S.
Paulo, Barcelona : Martins Fontes.
FRANCASTEL. Pierre. 1956. Art et Technique aux XIX e et XXe siècle. Paris : Ed. du
Minuit.
FRAZER John. 1995. An Evolutionary Architecture. London : Architectural
Association Publications.
FREITAS, Marinela, VIEIRA, Fátima. 2006. Utopia Matters: Theory Politics, Literature
and the Arts. Porto : Editora da Universidade do Porto.
GIEDION, Siegfried. 1992. Space, Time and Architecture. 4 th ed. Havard : Havard
University Press
GIEDION, Siegfried. 1992 a. Walter Gropius. New York : Dover Publications.
GUATARRI, Felix. 1993. Cosmose. Um novo Paradigma Estético. Rio de Janeiro :
Editora 34.
HAWKING, Stephen.1998. A Brief History of the Time. New York, etc: Bantan Books.
HARTMANN, Georg. 1973. Les vitraux du Goetheanum. Dornach : Philosophisch
Anthrposophischer Verlag.
HENRY, Charles. 1886. Introduction à une esthétique scientifique. Paris : Payot.
HOFMANN, Donald. 1978. Frank L. Wright’s Fallingwater. The house and Its History.
418
New York : Dover Publications
HOFMANN, Donald. 1986. Frank Lloyd. Wright Architecture and Nature. New York :
Publication Data
HOLMA, Maija e LAHTI Markku. 1998. Alvar Aalto. Helsinki : Rakennustieto.
KHAN, Hasan-Uddin. 1998. International Style. Cologne : Benedikt Taschen.
KLOTZ, Heinrich. 1980. 20Th Century Architecture. London : Academy Editions.
LE CORBUSIER. 1983. El Espírito Nuevo en arquitectura. Colégio oficial de
desenhadores e arquitectos técnicos de Madrid : Sodilivros, Distribuição.
LE CORBUSIER. 1973. El Modulor. Buenos Aires : Editorial Poseidon.
LE CORBUSIER. 1958. Vers une Architecture. Trad. para português por U.
Rebouças. Por uma arquitectura. 6 ed. S. Paulo : Ed. Perspectiva.
LE CORBUSIER. 1987. Une encyclopédie., Paris : Ed. du Centre Georges
Pompidou.
LE CORBUSIER. 1991. Une petite maison. Zürich : Editions d’architecture.
LEGAULT, Réjean. 1997. L’Appareil de L’Architecture: New Materials and
Architectural Modernity in France 1889- 1934.(tesis doctoral, MIT)
LÈVY, Pierre. 1996. O que é o virtual? S. Paulo : Editora 34.
MACHALE, John. 1996. R. Buckiminster Fuller. Mexico : Editorial Hermes.
MACKAIL, J. W. 1899. The Life of William Morris. London : [s.n.].
MANDELBROT, Benoît.1995. Les Objects Fractals: form, hasard et dimension. 4 ed.
Paris : Flammarion.
MATTESON, John. 2002. Constructing Ethies and Ethics of Construction: John
Ruskin and the Humanity of the Builder. Cross Currents, vol. 52, nº 3.
419
MERLEAU-PONTY, Maurice 1999. Fenomenologia da Percepção, S. Paulo : Martins
Fontes.
MEYER, Esther, Da Costa. 1995. The Work of Antonio Sant’Elia: Retreat into Future.
New Haven : Yale University Press. DOESBURG, Van. 1990. On European
Architecture: Complete Essays from Het Bouwbedrijf, 1924-1931. Basilea/Boston :
Birkbäuser.
MEYER, Hannes. 1976. Hannes Meyer et le Bauhaus, in L’influence du Bauhaus sur
l’Architecture Contemporaine, C.I.E.R.E.C., Saint-Étienne.
MCHARG, Ian. 1992. Design with Nature. New York : John Wiley & Sons.
MIELE, Chris. 1996. William Morris: Life of Our Time. London : Faber & Faber.
MONTANER, Josep Maria. 2001. Depois do movimento moderno. Barcelona :
Gustavo Gili.
MONTANER, Josep Maria. 2002. Las formas del siglo XX. Barcelona : Ed. Gustavo
Gili.
MORRIS; William. 1992. The Collected Works of William Morris. Vols. XVI, XXII,
XXIII. London : Routledge/Thoemmes Press.
MUMFORD, Lewis. 1969. El mito de la máquina. Buenos Aires, [etc] : Emecé.
MUMFORD, Lewis. 1969a. Técnica y civilización. Buenos Aires [etc] : Emercé.
MUMFORD, Lewis. 1926.The Brown Decades: A Study in American Experience and
Culture. New York : Boni and Liveright.
MUMFORD, Lewis. 1924.Stieks and Stones: A Study of American Architecture and
Civilization. New York : Boni and Liveright.
MUTHESIUS, Hermann. 1901. Kunst und Maschine, ix. [S.l.] : Dekorative Kunst, ix.
420
MUTHESIUS, Hermann. 1902. Stilarchitectur und Baukunst : Wandlungen der
Architektur im xix, [Mülheim-Ruhr]. Jana : Diederichs.
NAUMANN, Friedrich. 1904. Die Kunst im Zeitalter der machine. XVII, II Parte. [S.l.] :
Kunstwart.
OBRIST, Hermann. 1903. Neue Möglicheiten in der bildenden Kunst , xvi : Essays.
Leipzgig : Diederichs.
PATTERSON, Terry L.. 1994. Frank Lloyd Wright, And the meaning of materials.
USA : Publication Data.
PAULY, Danièle. 1997. La Chapelle du Ronchamp. Basel : Birkhauser.
PERRAULT, Charles. 1964. Parallèles des Anciens et des Moderne en ce qui
regarde les Arts et les Science (1688-1697). Müchen, Eidos [etc]: Ed. Hans Robert
JAUSS, Max IMDAHL.
PEVSNER, Nikolaus. [1936]. 1975. Pioneiros do Design Moderno. Lisboa : Ulisseia.
PFEIFFER, Bruce Books, WOJTOWICZ, Robert. 2001. Frank Lloyd Wright+Lewis
Mumford: Thirty Years of Correspondence. New York : Princeton Architectural Press.
PIROVANO, Carlo (ed.). 1990. History of Industrial Design. Milan: Eletra.
QUILL, Sarah. 2000. Ruskin’s Venice. The Stone Revisited. Vermont etc. : Asgate.
RODRIGUES, Jacinto. [s.d.] Arte e Arquitectura de Rudolf Steiner. Lisboa :
Civilização.
RODRIGUES, Jacinto. 1989. Bauhaus e o ensino artístico. Lisboa : Editorial
Presença.
RAEBURN, Michael. 1987. Le Corbusier Architect of Century. London : Arte Council
of Great Britain.
421
SEDDING, John Day. 1893. Art and Handicraft. London : [s.n.].
STEELE, James. 2001. Arquitectura y revolucíon digital. London, Barcelona : Ed.
Gustavo Gili, AS e CV.
SUBIRATS, Eduardo. 1989. El final de las vanguardas. Barcelona : Anthropos.
TISDALL, Caroline; Bozzolla Angelo. 1977. Futurism. London : Thames and Hudson.
VELDE, Henry Van de. 1902. Die Kunstgewerbe Laienpredigten, Leipzing :
Seemann.
VELDE, Henry Van de. 1903. Die Renaissance im Modernen. Neue Ausg. Berlin :
Cassirer.
WHITFORD, Frank. 1984. Bauhaus. London : Thames and Hudson.
WINGLER, Hans. 1993. The Bauhaus. 1993. 8 th ed. London : Cambridge
Massachusetts.
WITTGENSTEIN, Ludwing. 1995. Tratado Lógico-Filosófico. Investigações
Filosóficas. 2.ª ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian
WRIGHT, Frank Lloyd.1931. Moderne Architecture, Being the Kahn Lectures for
1930. Princeton, New Jersey : Princeton University Press.
WRIGHT, Frank Lloyd. 1952. The Art and Craft of the Machine. In Roots of
Contemporany American Architecure. New York : Reinhold Publishing.
422
1 1 . 1 . 2 . P U B L I C A Ç Õ E S P E R I Ó D I C A S
COLE, K. C. 1999.Time, Space Obsolete in New View of Universe in Los Angeles
Times. 16 de November.
CHU, Karl S. 1988. Genetic Space: Hourglass of the Demiurge, Architectural Design,
vol. 68, 11/12. Nov.-Dec..
MUÑOZ, Maria Teresa. 1987. A casa sobre a natureza. A vila Malaparte e a Casa da
Cascata. Revista Arquitectura nº 269, nov. dez. Madrid : Colégio Oficial de
Arquitectos de Madrid p. 20-31.
MUMFORD, Lewis. 1923. The Sky Line: Organic Architecture. New Yorker 8, 27 de
February. p.45.
MUMFORD, Lewis. 1935. The Sky Line: Mr. Wright’s City-Downton Dignity. New
Worker II. 27 de April.
MUMFORD, The Sky Line: At Home, Indoors and Out, New Yorker 13, February
1938, p.31. WINGLER, H. M.. 1962. Das Bauhaus, Verlag Gebr-Rasch & Co.
Bramsche, in Bauhausbücher nº 2.
423
1 1 . 1 . 3 . P U B L I C A Ç Õ E S E L E C T R Ó N I C A S
Akio Hizume. In ASA Art and Technology [em linha] : your contemporary art, culture,
science and technology daily page. [London] : ASA Art and Technology, 1988
[referência de de 200]. Disponível na Internet em: <http://www.asa-
art.com/virtus/textakip.htm>.
AGUSTÍN MANCEBO. Juan. 1999. La arquitectura futurista : manifiesto : Antonio
Sant’Elia. Sin título [em linha]. 1999, nº 6 [referência de 26 de Maio 2006]. Disponível
na Internet em : <http// www.uclm.es/cdce/sin/sin6/1elia.htm>.
EICHEMBERG, André Teruya. 2003. Arquitectura Digital. Entre a realidade e o
esquecimento. Portal Vitruvius. Arquitextos. [em linha] São Paulo [referência de 24
de Janeiro de 2006] Disponível na
Internet:<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq032/arq032_02.asp>
Esthetica futurista. 1916. Folha da manhã [em linha]. 26 de Maio de 1916 [referência
de 26 de Maio 2006]. Disponível na Internet em:
<http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_26mai1926.htm>.
LE CORBUSIER. 1954. Une petite maison. Atenaeum Europa, Lausanne [s.d.] [em
linha]. [referência de 27 de Outubro de 2005]. Disponível na Internet em:
<http://www.athenaeum.ch/corbpem0.htm>
GOROSTIZA, Jorge. 1992. A arquitectura segundo Tati. Natureza versus artifício.
Rizoma Arquitextura [em linha]. Madrid. 1992 [referência de 20 de Março de 2006].
Disponível na Internet
em:<http://www.rizoma.net/interna.php?id=211&secao=anarquitextura>I
JANULARDO, Ettore. 2003. Sant’ Elia. In TRANSACTIONS CULTURELLES
ANTIBES. Les memoires. [em linha]. [S. l.] : Transactions Culturelles Antibes, 2003
424
[referência de 25 de Novembro de 2005]. Disponível na Internet em:
<http://lesmemoires.free.fr/SantElia/ SantElia.html>.
Los orígenes. In Vida y Obra de Le Corbusier [em linha]. Buenos Aires : Arquitectura
en Línea, 1997-2007 [Referência de 26 de Outubro de 2006]. Disponível na Internet
em: <http://www.arquitectura.com>.
MARINETTI, Filippo Tommaso. 2006. Manifesto futurista [em linha]. [S.l.] : Wikimedia
Foundation, [2006 referência de 4 de Outubro 2006]. Disponível na Internet em:
<http://pt.wikisource.org/wiki/Manifesto_Futurista>
MENDONÇA, Carlos Camargos. 2001.Subjectividades e tecnologias: as novas
máquinas produtoras de corpos. Biblioteca on-line de Ciências de Comunicação.
Brasil. [referência de 25 de Setembro 2006] Disponível na Internet em : <
bocc.ubi.pt/pag/mendonça-carlos- produtoras- …toras-corpos.pdf.>
MULLER, Fábio. Ronchamp e La Tourette: machines à emovoir, [em linha], Vitruvius,
Arquitextos [referência de 22 de Junho 2006]. Disponível na Internet em:
<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq/058/arq058_01.asp>
NOVAK, Marcos. 1995. Marcos Novak, Interview by Knut Mork. The write stuff
interviews [em linha] [referencia 25 Janeiro 2006] Disponível na Internet em:
<http://www.altx.com/interviews/marcos.novak.html>
NOVAK, Marcos. 1995. Marcos Novak, interview by Alessandro Ludovico. Neural
Magazine [em linha] April 2001. [referência 25 de Janeiro 2006]. Disponível na
Internet em: <www.neural.it/english/marcosnovak.htm.>
SANT’ELIA, Antonio. Manfiesto dell’architettura futurista. In La arquitectura futurista
[em linha]. [S.l.] : [s.n.], [ano] [referência de 25 de Novembro de 2006]. Disponível na
Internet em: <http://www.sant-elia.net/forme.htm>.
425
VIRILIO, PAUL. 1999. Entrevista a Paul Virilio. Por Paula Futoranski Ajo Blanco [em
linha]. Paris : Glossário/glossary. Disponível na Internet em:
<http://www.flirt.net.novis.pt/arquivo/f_julho/julho/textos/virilio.htm>
WRIGHT, Frank Lloyd. [1957], 1996. Audio Cassette de Mike Wallace Interviews,
High Bridge. 1 soung cassette (53 min) : analog stereo. Disponível na Internet
em:http://www.pbs.org/flw/buildings/wallace.html
426
1 1 . 2 . B I B L I O G R A F I A G E R A L
1 1 . 2 . 1 . P U B L I C A Ç Õ E S D E A U T O R
ADORNO, Teodor W. 1999. Textos Escolhidos. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo:
Nova Cultura (Os pensadores)
AALTO, Alvar. [s.d.]. La humanization de la Architecture. Cadernos Infimos 81 :
Tusquets Editores.
ARGAN, Giulio Carlo. 1971. Gropius et le Bauhaus. Paris : Denoel.
BAKER, Geoffrey H. Le Corbusier: uma análise da forma. S. Paulo : Martins Fontes
BANHAM, Reyner. 1985. Teoria y Diseño en la Primeira era da Máquina. Barcelona :
Paidós.
BENEVOLO, Leonardo. 1999. Historia de la Arquitectura Moderna. 8a ed., Barcelona
: Editorial Gustavo Gili.
BOLTER, J. David. 1984. Turing’s man, Western Culture in the Computer Age. North
Carolina : University of North Carolina Press.
BRIHUEGA, Jaime. 1979. Manifestos, proclamas, panfletos y textos doctrinais: Las
vanguardias artísticas en España:1910-1931. Madrid : Ediciones Cátedra.
CONSIGLIERI, Víctor. 1995. A morfologia da Arquitectura I e II. Lisboa : Estampa.
DE MARIA, Luciano.1986. La nascita dell’avanguaria. Veneza : Marsilio
DECARTES, Rene. 1979. Discurso do Método. Lisboa. Ed. 70.
EL LISSITZKY. [1929], 1977. La reconstrucción de la arquitectura en la URSS.
Barcelona : Ed. Gustavo Gili
427
FIZ, Simón Marcán. 1974. La arquitectura del siglo XX – Textos, Madrid : Ed. Alberto
Corazón.
FRIEDMANN, George. 1970. El hombre y la Técnica. Barcelona : Ariel.
FROSTE; Magdalena. 1992. Bauhaus Archiv. Berlin : Taschen.
GHYKA, Matila G.. 1953. Estética de las proporciones en la naturaleza y en las
artes. Buenos Aires : Poseidón.
GIEDION, Siegfried. 1978. La Mecanización toma el mando. Barcelona : Ed.
Gustavo Gili.
GOROSTIZA, Jorge. 1999. La imagem supuesta. Arquitectos en el cine., Barcelona :
Fundación Caja de Arquitectos
GRAU, Oliver. 2003. Virtual Art. Chicago : MIT Press.
GROPIUS, Walter. 1994. Bauhaus: nova arquitectura. S. Paulo : Perspectiva
Colecção Debates
HABERMAS, J. 1990. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações D.
Quixote.
HEIDEGGER. 1958. La question de la technique. In Essais et conférences. Paris:
Gallimard.
HITCHCOCK, Henry- Russel, JOHNSON, Philip. [1932], 1995. The International
Style. New York : Norton.
KELLY, Kevin. 1994. Out of Control, The new biology of Machines, Social Systemes,
and the Ecomomic Wold. New York : Addision- Wesley.
ITTEN, Johannes.1970. Le dessin et la forme. Paris : Ed. Dessain & Tolra.
KOOP, Anatole. 1974. Arquitectura e urbanismo soviéticos dos anos viente.
428
Barcelona: Jumen,
KURTZWEIL, Ray. 2000. The Age of the Spiritual Machine: Whe Computers Exceed
Human Inteligence. Penguin Books.
LEVY, Pierre. 1994. As tecnologias da inteligência o futuro pensamento na obra
informática. Lisboa : Instituto Piaget.
LLORENS, Tomás.1981. Dialética de la vanguardia: el hombre nuevo. Arquitectura y
cidade: vanguardia y continuidade, de COAVM, Valencia. Publ. COAVM.
LONGATTI, Alberto.1984 .Disegni di Sant’Elia. Lecco : Ed. Stefanoni.
MAZZOTTA. 1989.Sant’Elia e l’ambiente futurista. Milano : Ed. Gabriele Mazzotta.
MITCHAM, Carl. 1989. Que es la filosofia de la tecnologia? Barcelona : Antropos.
MONTANER. Josep Maria. 1994. Fenomenologia da Percepção. S. Paulo : Martins
Fontes.
MUMFORD, Lewis. 1986. Arte &Técnica. Lisboa : Ed. 70.
PEVSNER, Nikolaus. 2002. Panorama da Arquitectura Ocidental. São Paulo :
Martins Fontes.
PIÑÓN, Hélio. Arquitectura de las vanguardias, arquitectura con textos. Editorial
Gustavo Gili.
PIÑÓN, Hélio. 1981. Reflexión histórica de la vanguarda moderna. Barcelona :
Editorial Península.
READ, Herbert. 1961. Arte e Industria: Principios de Deseño Industrial. Buenos Aires
: Infinito.
SALARIS, Cláudia. 1994. Futurismo. Milano : Bibliografica.
SALARIS, Claudia. 1985. Storia del futurismo italiano. Roma : Ed. Riuniti.
429
SANSONI, G.C.1971. Le Corbusier. Ediciones Neutra.
SCULLY, V. 1985. Architettura moderna. Milano : Jaca Book.
SERIS, Jean-Pierre. 1994. La tecnique. Paris : Puf.
SPENCER, Oswald. 1980. O homem e a Técnica. Lisboa : Ed. Guimarães.
STEINER, Rudolf. 1969. Vers un nouveau style en architecture. Paris : Triades.
TARABUKIN, Nicolai. 1977. Del caballete a la máquina. El último cuadro.. Barcelona:
Ed. Gustavo Gili.
TROCMÉ, Hélène.1983. Los Americanos y la arquitectura. Madrid : Ed. Catedra.
TZNOIS, Alexander. 2001. Le Corbusier. Poétique, machines et symboles. Paris :
Ed. Hazan.
WALTER, Benjamín. 1975. El autor como produtor. Madrid : Touros.
WALTER, Gropius. 1972. Construtions, Plans, Projects, 1906-1969. Lincoln,
Massachussetts : International Exhibitions Foundation.
WAGNER, Richard. 1978. La obra de Arte del Futuro. Colleció estética & crítica 13
VIRILLO, PAUL. 1995. The art of the motor. Minneapolis : University of Minnesota.
VITRUVIO. 1980. Los diez livros de arquitectura. Barcelona : Ed. Ibéria.
ZEVI; Bruno. 1980. A linguagem moderna da arquitectura . Lisboa : Edições D.
Quixote.
430
1 1 . 2 . 2 . P U B L I C A Ç Õ E S P E R I Ó D I C A S
Badger’s Illustrated Catalogue of Cast-Iron Architecture. 1981. New York . Dover.
MANFREDO, Tafuri.1980. La tecnica delle avanguardi. entrevista realizada por
Omar Calabrese em Casabella nº 463-464, Milão Nov- Dez de 1980.
HENRIQUES, Mendo Castro, Estranho Wittgenstein. In Portugueses, Revista de
Ideias, nº 89, Agosto- Setembro de 1989, Lisboa.
431
1 1 . 2 . 3 . P U B L I C A Ç Õ E S E L E C T R Ó N I C A S
Akio Hizume. In ASA Art and Techonology [em linha] : your contempory art, culture,
culture, science and technology daily page. [London] : ASA Art and Techonology
1988 [referência de 10 de março de 2006]. Disponível na Internet
em:<http://www.asa-art.com/virtus/textakip.htm>
ARAUJO, Yara Rondon Guasque. “Mídia do conhecimento – uma prognose*”.
Comunicação e Semiótica PUC SP – UDESC [em linha]: [referência de 21 de
Novembro de 2005]. Disponível na Internet: <hppt://pages.udesc.
br/~c2yrga/Roessler1.htm>
CHAPLIN, Charlie, Warner Bros, 2004 [em linha] Brasil, [referência de 22 de
Dezembro]. Disponível na
Internet:<http://www.warnerbros.com.br/charliechaplin/store.html>
CHAPLIN, Charlie, dit Charlot [em linha], 1995-2005, [referencia de 16 de Fevereiro
de 2006]. Disponível na Internet: http://vatzol.club.fr.chaplin.html
Dennis Hollorway. [em linha], @rchimedia [referência de 10 de março de 2006].
Disponível na Internet em: <http://www.asa-art.com/virtus/textholp.htm>
Frédéric Nantois+Fiona Meadows.[em linha], @rchimedia, [referência de 10 de
Março 2006]. Disponível na Internet:<http://www.asa-art.com/virtus/textmedp.htm
FEFERMAN, Milton Vitis; “Transferências imaginéticas na arquitectura” [em linha]
Julho 2002. [referência de 13 Janeiro de 2006]. Disponível na
Internet:<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq/067/arq/067_01.asp>
GHIZZI, Eluiza Bortolotto, “Cenários da arquitectura na “revolução digital”[em linha]
São Paulo, [referência de 10 de Março 2003]. Disponível na Internet
432
em:<http://www.vitruvius. com.br/resenhas/textos/resenha075.asp>
GUATTARI, Félix, “Entretien avec Félix Guattari, Écologie mentale, La passion des
machines”, Chimères [em linha] mês e ano nº55 [referência 20 de Janeiro de 2006] p
1-4. Disponível na Internet em: <http://www.revue-chimeres.org/pdf/termin.55.pdf>
GUATTARI, Félix, “Les machines architecturales de Shin Takamatsu, Introduction,
L’architecture comme production de subjectivités, Christian Girard”, Chimères [em
linha] mês e ano nº21 [referência 19 de Janeiro de 2006] p 1-15. Disponível na
Internet em:<http://www.revue-chimeres.org/pdf/21chil14.pdf>
GUATTARI, Félix, “L’hétérogenèse machine”, Chimères [em linha] mês e ano ‘’nº11
[referência 20 de Janeiro de 2006] p 1-20. Disponível na Internet
em:<http://www.revue-chimeres.org/11chil06.pdf>
Katsuhito Atake. [em linha], @rchimedia, [referência de 10 de Março 2006].
Disponível na Internet em:<http://www.asa-art.com/virtus/textatp.htm.
Lars Spuybroecck – A estratégia da forma (fragmento)”,[em linha], @rchimedia,
[referência de 10 de Março 2006]. Disponível na Internet em:<http://www.asa-
art.com/virtus/textnoxp.htm>
LEMOS, André. A cidade-ciborgue [em linha], Correio Brasiliense, Caderno Pensar,
18 de Outubro de 2003, [referência 8 de Fevereiro de 2006], p 1-3. Disponível na
Internet em:<http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/artigos.htlm>
LEMOS, André. A Página dos Cyborgs. Cyborgização da Cultura Contemporânea.
[em linha], [referência de 24 de Janeiro de 2006]. Disponível na Internet em:
<http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/cap1.html>
LEMOS, André, “Cybornização” da cultura contemporânea”, [em linha], [referência
de 24 de Janeiro]. Disponível na Internet em
:<http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/cap1.html
433
LÉVY, Pierre. Plissê Fractal ou como as máquinas de Guattari nos podem ajudar a
pensar o transcendental de hoje”. [em linha]. [referência de 3.de Novembro de 2002].
Disponível na Internet em:<http://www.uni.br~portal/plissefractal.html>
OSORIO, Carlos Rojas. ”Gilles Deleuze: a maquina social” [em linha] cidade data
[referência de 22 de Dezembro de 2005]. Disponível na Internet em:
<http//www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id-articulo=225>
PIMENTA, Emanuel, “Arquitectura Virtual” [em linha] Lisboa 1997 [referência de
10.3.2006]. Disponível na Internet em :<http://www.asa-
art.com.virtus/ideap/ideap.htm>
RODRIGUEZ, Jorge Alonso, “O Ciberespaço e a Arquitectura – uma observação da
filosofia arquitectónica digital” [em linha] Navarra, [referência de 30 de Março de
2006]. Disponível na Internet em
:<http://www.rizoma.net.interna.php?id=135&secao=anarquitextura>
SILVA, Marcos Solon K., “Arquitectura líquida do NOX”, [em linha], [referencia de 22
de Março de 2006]. Disponível na Internet em
:<http://www.vitruvius.com.br.arquitextos/arq000/esp222.asp>
VIRNO, Paolo. Leggere Gilbert Simondon, Transindividualità, attività.tecnica e
reificazione. Multitudes, Compléments de Multitudes [em linha].Octobre 2004 nº
18.Trimestrielle [referência de 07 de Dezembro de 2005], p.1 a 7. Disponível na
Internet em:< http://multitudes.samizdat.net/article.php3?id_article=1563>
434
1 2 . Í N D I C E
O N O M Á S T I C O
Aalto, Alvar, 8, 231-259, 361, 387, 390-392, 407
Adorno Theodor, 261, 263, 416,
Agostinho, Santo, 293
Aicher, Olt, 65, 166, 368
Alberts, 114
Aquino, São Tomás de, 293
Argan, Carlo, 70,121-123, 168,171, 237,248, 376,377
Aristoteles, 19
Arvatov, Borís, 91
Ascher, M. C., 356
Ashbee, C., 45, 46, 47
Asplund, Gunnar, 234
Bacon, Francis, 293
Balla, Giacomo, 69, 70, 81
Banham, Peter Reyner, 114, 288
Bakema, Jacob Berend, 269
Barata, Ana Margarida, 40, 131
Baudrillard, Jean, 296, 395
Bayley, Stephen, 82
Bax,Marty, 107, 110, 116, 119, 135, 136, 138, 140
Behne, Adolf, 111-113,126,375
Behrens Peter, 140
Beistegui, Willy, 176
Bergson, Henri, 264-266
Berg, Max, 113
Benton, Tim, 194
Berkel, Ben Van, 361
Björk, 246
Blom, Piet, 273, 274
Boccioni, Umberto, 69-71, 73, 81
Bocgenski, J.M., 266
Bodegravan, Wim Van, 273
Boesiger, Willy, 154, 159, 163, 183, 196
Borgmann, Albert, 294
Boutroux, Émile, 265
Bragdon, Claude, 212
Bruggen, Coosje, 330, 331
Bruhn, Ada, 140
Bryggmam, Erick, 234
Buffon, 34
Burlyuk, David, 88
Burton, Decimus, 319
Busignani, Alberto, 120
Butlers, Samuel, 264
Candilis, Georges, 269
435
Capek, Carel, 263
Carlyle, Thomas, 368
Carvalho, António Pinto, 266
Carrá, Carlo, 69, 71
Chaplin, Charlie, 262
Charly, Warren, 281
Chiattone, Mario, 71
Chtcheglov, (Gilles) Ivan, 277
Chu, Karl, 11, 336-341, 350, 398, 399
Chukovsky,Koney, 88
Clément, Elisabeth, 22
Clynes, Manfred, 352
Citröen, Paul, 113
Coignet, François, 32
Cole, K. C., 360
Collins, Peter, 34, 50, 57, 161, 167, 168
Colquhon, Alan, 67, 70, 74, 88, 90, 93, 110, 111, 112, 114, 115, 127, 151, 153-155
Corbusier, Le,(Jeanneret), 7, 9, 85, 92, 93, 122, 129, 130, 143-200, 211, 214, 268, 270, 275, 289, 306, 320, 332, 380-386, 394
Costa, Daciano, 246
Cook, Peter, 281, 286, 288
Crane, Walter, 39, 42, 45, 46
Crompton, Dennis, 281
Curtis, William, 144, 145, 148, 164, 165, 172, 173, 177-182, 185-188, 194
Daniele, Pauly, 193
Dalcroze, Emile, 140
David, Erik, 364
Davies, Char, 363, 364, 409
Day, John Sedding, 43, 44, 369
Day, Lewis , 43, 44, 369
Debord, Guy, 377
Decartes, Réne, 22, 24, 28, 53, 366
Deleuze, Gilles, 395
Doesburg, Theo van, 94, 127
Dreyfus, Hubert L., 295
Duc , Viollet- le-, 161, 166
Eichemberg, Teruya, 364
Eisenman, Peter, 335
Einstein, Albert, 357, 405
Engelmann, Erich, 62
Estaline, 92
Eyck, Aldo Van, 269
Fergusson, 161
Fiedler, Jeannine, 118
Fieger, Carl, 125, 377
Fischer, Theodor, 103
Flecher, John Gould, 226
Fleig, Carl, 231, 237, 241, 245, 255
Forbat, F, 116
Ford, Henry, 161, 362
Foster, Norman, 310
436
Foucalt, Michael, 293
Frampton, Kenneth, 281
Francastel Pierre, 7, 29, 146, 268
Frazer, John, 11, 350, 403
Freitas, Marinela, 36
Fuller, Richard Buckminster, 270-272, 276, 310
Funi, Achille, 70, 71
Futoransky, Luisa, 296
Gabo, Naum, 94
Gehry, Frank, 11, 328-333, 397
Giedion, Siegfried, 128, 129
Gibson, William, 297
Green, Michael, 357, 405
Greene, David, 281
Ginkel, Sandy Van, 269
Glymph, 330
Goethe,Johann, 49, 50, 52, 217, 389
Greve, Hovens, 269
Grimshaw, Nicholas, 312, 314, 318, 396
Gropius, Walter, 6, 75, 106-132, 135, 148, 214, 237, 374, 375
Guatarri, Félix, 295, 353, 394
Guinzburg, Moïse, 86, 92
Gutmann, Rolf, 269
Hadid, Zaha, 361, 408
Hamzad, 322
Hartmann, Georg, 53
Hawking, Stephen, 338
Heidegger, Martin, 99
Henderson, Peter, 40
Henry, Charles, 151
Herron, Ron, 281
Hertzberger, Herman, 273
Hitchcock, Henry Russel, 214, 215
Hizume, Akio, 355-357, 405
Hoffmann, Georg, 218, 230
Hollein, Hans, 276
Holloway, Dennis, 316, 317
Hood, Raymond, 213, 214
Hoop, Emile, 72
Ingres, 151
Ito, Toyo, 334, 398
Itten, Johannes, 113
Ivan, Gilles, 277
Jeanneret, Charles, 144
Johnson, Philip, 214, 215
Jünger, Ernst, 99
Kandinsky, 91, 109
Kaufmann, Jr., 223
Khan, Aga, 321
Khan, Hasan-Uddin, 268
Klee, Paul, 109
437
Klotz, Heinrich, 116
Koolhaas, Rem, 361, 407
Kujawski, Guilherme, 285
Kuningan, Graha, 302
Kurtzweil, Ray, 252
Kwinter, Samford, 340
Lachelier, Jules, 265
Lang, Fritz, 264
Lathi, 258
Ledeur, Cônego, 193
Legrault, Réjian, 153
Leibniz, Gottfried, 295
Lemos, André, 17
Lévy, Pierre, 295, 296, 365, 394
Libeskind, Daniel, 360
Linneo, 34
Liubetkin, 122
Lissitzky, El (Lazar Markovich), 90, 91, 94
Loewy, Raymond, 82
Loos, Adolf, 62
Luduvico, Alessandro, 363
Lupasco, Stephane, 293
Mackail, 40, 41
Machale, 271
Malevich, Kasimir, 86, 90
Malraux, André, 197
Mancebo, Agustin, 77
Mandelbrot, Benoît, 355, 404
Marinetti, Filippo Tommas, 67-69, 73,
372
Matteson, 38
Mattrie, La, 264
Mayakovsky, Vladimir, 88
Mayne, Tom, 304
McHarg, Ian, 321
Meadows, Fiona, 325
Melnikov, Konstantin, 93
Mendelsohn, Erich, 210
Mendonça, Carlos Camargos, 353
Mentessi, Guiseppe, 72
Merleau-Ponty, Maurice, 340
Meyer, Adolf, 116
Meyer, Da Costa, 72
Meyer, Hannes, 107, 131-138, 179, 378, 379
Miele, Chris, 40
Miralles, Enric, 361, 407
Moholy-Navy, 94, 109, 113, 114, 375
Mondrian, Pieter, 94
Montaner, J. M., 8, 30, 33, 34, 63, 65, 88, 93, 117, 201, 228, 243, 264, 273, 279, 288, 360, 361
Moore, Henry, 39, 323, 368,
Moravec, Hans, 352
Mork Knut, 424
Morris, May, 40
Morris, William, 36, 39-47, 201, 369, 373
438
Moscovici, Serge, 17
Moss, Yudelle Eric, 323
Moussavi, Farshid, 361
Muche, Georg, 116, 126, 378
Mumford, Lewis, 7, 18, 146, 210-216, 219, 220, 223, 225-227, 229, 388
Müller, Fabio, 190-193, 195, 196, 249, 251, 253
Muñoz, M. Tereza, 223
Muthesius, Hermann, 5, 96-98, 100-102, 105, 106, 110, 111, 373, 375
Nantois, Frédéric, 325
Naumann, Friedrich, 98, 99
Neumann, J. B, 111
Neutra, Richard, 179
Nieuwenhuys, Victor E. (Constant), 277, 279
Novak, Marcos, 11, 363, 408
Obrist, Hermann, 98
Ojitóvich, Mijaíl, 92
Otlet, Paul, 183
Ozenfand, Amédée, 85, 147, 150, 152
Oud, J. Pieter, 214
Paccioli, Luca, 158
Paterson, 206, 209
Paulick, Richard, 126
Perrault, Auguste, 25, 26
Perret, Auguste, 153
Pevsner, Nicolaus, 39-47, 97-103,
105, 203, 205
Pfeiffer, Bruce, 208, 213, 216, 220, 223, 224, 226, 229
Piano, Renzo, 274
Pietilä, Peima, 234, 361, 407
Pinset, David, 60
Piranisi, Giovanni, 361, 407
Pirovano, 272
Polo, Zaera, 361
Poussin, 151
Prampolini, Eurico, 71
Raeburn; Michael, 192
Ramirez, Juan, 165
Ribeiro, 246
Richardson, H. H., 211
Rondchenko, Alexandre, 91, 94
Rodrigues, Jacinto, 50, 53, 55, 57, 58, 109, 117, 120, 125, 130, 133, 136, 137
Rohe, Mies van der, 6, 107, 127-129, 139-142, 214, 274, 279
Rogers, Richard, 274, 310
Rodelet, 31
Rotondi, Michael, 304, 306
Ruble, 323
Ruskin, John, 5, 36-38, 201, 368
Russel, Bertrand, 60,
Russolo, Luigi, 69
439
Rüssler, Otto E., 352
Sant’Elia, Antonio, 71-77, 81, 83, 283,
372
Sauvage, Henri, 76
Schäfer, Wilhelm, 98
Schildt, Göran, 238, 241, 242, 247
Schindler, Rudolf, 140, 179
Schlegel, Friedrich, 161
Serres, Michael, 295
Severini, Gino, 69
Silva, Marcos, 344, 345-347, 349
Smithson, Alison, 269
Smithson, Peter, 269
Spencer, Herbert, 265
Spengler, Oswald, 99
Spinosi, Paola, 36
Spuybroek, Lars, 340, 350, 399, 400
Steele, James, 297, 304, 306, 309, 314, 331, 333, 335, 338-340, 342, 350, 351, 358, 360
Stevens, Clark, 304
Stiegler, Bernard, 1
Stigt, Joop Van, 373
Steiner, Rudolf, 5, 48-58, 109, 140, 314, 356, 371, 396, 397, 405, 409
Sterlac, 352
Stonborouhg, Margarethe, 62
Subirats, Eduardo, 28
Sullivan, Louis, 89, 210, 211, 227
Tange, Kenzo, 275, 276
Tati, Jacques, 261, 262
Tatlin, Vladimir, 87, 88, 94, 401
Taut, Bruno, 111, 147
Taylor, Frederich, 163, 382
Terragni, G., 82
Tisdall, Caroline, 73
Utzon, Jörn, 257
Velde, Henry Van de, 101, 105-107, 375
Vesnín, Alezandre, 85, 92, 93
Vieira, Fátima, 36
Virilio, Paul, 296, 394
Vitrúvio, Marco, 24, 25
Voelcker, John, 269
Wagner, Otto, 72, 76
Wahed, Abdel, 316
Walac, Mike, 221
Walter, Benjamin, 316
Webb, Michael, 281
Weizenbaum, Joseph, 294
Wijdeveld, Hendricus, 210
Wingler, H. M, 107, 126
Witten, Edward, 359, 406
Wittgenstein, Ludwig, 5, 48, 59-66, 132, 371, 404
Whitford, Frank, 117, 123
440
Wojtowicz, Robert, 213, 216, 220, 223, 224, 226, 227
Woods, Shadrach, 269
Wright, Frank Lloyd, 7, 210-230, 320, 387-390
Waldorf, 52
Yeang, Ken, 321, 322
Zaera, Alejandro, 330